Divino Pecado

Escrito por Julia Fernandes | Editado por Natashia Kitamura

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Capítulo Um - Resistência

  Dentro da sacristia, Snape dobrava com esmero a estola roxa que minutos antes esteve sobre a sua batina, que ele igualmente removeu e guardou com cuidado. Agora, trajado todo em negro – negro este que só era quebrado pelo colarinho branco -, sentia-se mais confortável em sua calça e camisa sociais.
  O toque pausado de quatro batidas à porta revelou quem o esperava do lado de fora. Pediu que entrasse e assistiu o rosto bondoso de Neville aparecer.
  — A bênção, padre.
  — Que Deus o abençoe, garoto. — Convidou-o para se sentarem à mesa redonda que havia no centro da sala.
  — Então, não conseguimos terminar a nossa conversa naquele dia...
  — Como ela está? — Perguntou com preocupação.
  — Bem, na medida do possível.
  No orfanato, Neville foi criado com outras muitas crianças, mas Luna era de quem sempre fora mais próximo. Tão próximos que se denominavam irmãos, e os filhos da jovem chamavam o rapaz de tio.
  Contudo, Luna não fizera um bom casamento. Seu marido sofria de um grave problema de alcoolismo. Assim, eram muitas as vezes que o celular de Neville tocava com um pedido desesperado de Luna para que a ajudasse a resgatar o marido desmaiado em um bar imundo ou de um banco de praça.
  — Ele ainda permanece irredutível sobre a reabilitação?
  — Sim... — suspirou. — Insiste em dizer que não é doente, que ele apenas passa um pouco do ponto. Eu tenho muito medo, padre. Pela Luna e pelas crianças. O álcool deixa as pessoas agressivas, e...
  — Ela jamais ficará desamparada, filho. — Snape pôs a mão sobre o ombro de Neville. — Ela tem você, e a igreja sempre estará aqui para acolhê-la.
  — Obrigado — murmurou. Balançando a cabeça, decidiu afastar aqueles pensamentos, revivendo o assunto perdido há dias com o outro homem. — O senhor se lembra da minha proposta, não é? O que acha?
  Neville havia se formado há alguns anos em Biologia e dava aulas em pelo menos três escolas na cidade. Além disso, tendo sido criado com presença frequente na igreja, ele havia aprendido a tocar vários instrumentos e a música era uma grande paixão sua. Por isso, Neville também dava aulas de música na igreja para um grupo de crianças e adolescentes.
  Agora, ele surgira com a ideia de fundar, também, um grupo de leitura. O pensamento se fez quando começou a notar que muitos de seus alunos apresentavam dificuldades de interpretação. Conversou com uma amiga brasileira que estava na Inglaterra estudando Literatura Inglesa e agora era estagiária em uma das escolas em que ele lecionava, e ela não pensou duas vezes antes de topar a proposta.
  — Acho a ideia verdadeiramente incrível, Neville. — Snape concordou. — Sabe que eu possuo grande paixão por literatura.
  — Sim, eu sei — sorriu.
  — Precisamos acertar algumas coisas, é claro, como os tipos de livros que serão oferecidos, aliás, estamos numa igreja. E também onde iremos arranjar esses livros e...
  — Senhor — Neville o interrompeu com delicadeza —, uma grande amiga aceitou participar do projeto, talvez até liderá-lo. Fique tranquilo, ela tem tudo sob controle.

. . .

   ainda estava extasiada com o projeto proposto por Neville.
  Estava morando na Inglaterra há seis meses, desde que suas aulas da pós-graduação se iniciaram. Ainda era loucura pensar que conseguira a bolsa para estudar na Universidade de Kingston. A mudança não tinha sido fácil, é claro. Economizou meses de salário do seu antigo emprego e o juntou com a vaquinha feita pela família e amigos; era o suficiente para se manter por alguns meses na república. Felizmente, logo conseguiu um estágio em uma escola em Mitcham e conseguia viver sem maiores preocupações.
  A ideia do grupo de leitura a fascinava por quatro motivos. O primeiro, e mais óbvio, era poder trabalhar com literatura de maneira educativa, o segundo era poder levar arte a pessoas que não tinham acesso, seja material ou financeiro. O terceiro era poder instruir jovens, sua faixa etária favorita para trabalhar. Já o quarto era pura curiosidade em se ver envolvida em um projeto que pertencia a uma igreja.
  Tinha pais religiosos, assim como outros parentes, e se recordava de ir à igreja quando era muito nova. Porém, uma vez crescida, entendeu que não acreditava exatamente naquelas coisas e acabou por se afastar da religião – embora sempre recorresse às orações quando se via sem saída.
  O primeiro questionamento feito por era se essas leituras do grupo se resumiriam a textos da Bíblia. Se sim, ela já seria peça descartada naquele projeto, já que nunca havia lido o Livro Sagrado. Neville explicou que não. Assim como as aulas de música que ele lecionava, o conteúdo baseava-se em artes cotidianas, embora as composições precisassem ser analisadas – afinal, o grupo pertencia à igreja, assim como o seu grupo de leitura.
  Naquela tarde, seus braços carregavam caixas e caixas de livros doados por colegas da faculdade, alunos e professores da escola que estagiava e por moradores do bairro. Neville estava a ajudando a guardar as caixas na sala onde também servia para as aulas de música. Os instrumentos haviam sido afastados, outros, guardados. As cadeiras estavam dispostas em um círculo no centro do recinto, e ela observou o cômodo com ares de satisfação.
  — As crianças já devem estar chegando — ele comentou. — Preciso ir agora. Seja bem-vinda e boa sorte.
  — Obrigada, Neville.
  Ele estava certo. Os jovens não tardaram a chegar. Houve uma breve apresentação e todos pareciam genuinamente interessados. decidiu separá-los em três grupos devido suas idades: um grupo com as crianças de 7 à 10 anos, outro com os jovenzinhos até 14 e mais um com os adolescentes de até 18 anos.
  A proposta foi de que cada um receberia um livro diferente, já que não havia livros repetidos o bastante para que cada grupo ficasse com uma mesma leitura. A cada encontro, a turma falaria um pouco sobre o enredo da história, suas personagens, características que puderam notar, como uma referência a outro livro ou até mesmo uma passagem histórica. Ao final dessas leituras, eles deveriam fazer um trabalho em conjunto de Neville, trabalhando em poesias e canções.
  Quando o primeiro encontro chegou ao fim e as crianças saíram aos poucos, se virou para as caixas e mais caixas espalhadas. Tinha deixado com que eles escolhessem as próprias leituras, o que resultou em uma pequena bagunça. Na sua mão direita havia um exemplar de O Pequeno Príncipe enquanto na esquerda segurava A Cabana, e os guardou novamente nas caixas corretas para seus respectivos gêneros literários quando sua visão periférica notou outra presença na sala.
  O padre – sabia que era um por causa do colarinho branco em contraste com as vestes negras – era muito alto, não saberia dizer por que aquilo havia sido a primeira coisa que notou. Seus cabelos pretos desciam até os ombros, emoldurando um rosto austero de nariz adunco e olhos inacreditavelmente escuros.
  Ela engoliu em seco.
  — O senhor deve ser o Padre Snape — disse se aproximando enquanto se apresentava. — Sou .
  — Sim. É um prazer, senhorita — ele lhe estendeu a mão. Houve um toque estranho entre seus dedos. — Eles — apontou para o corredor por onde outrora as crianças saíram — pareciam bem animados.
  — Sim, de fato! — Sorriu. — Fiquei até mesmo surpresa, porque sei que muitos jovens têm uma certa... aversão à leitura. Vejo muito disso na escola.
  — Fico feliz com isso — ela pensou que não se acostumaria com a voz dele. Era... esplêndida. — Obrigado por ter aceitado participar do projeto.
  — Eu que agradeço pela oportunidade, senhor.
  — Bem, preciso ir agora. A missa irá começar em alguns minutos. Você vai ficar?
   demorou um pouco para responder. Havia uma pontada de embaraço por em nenhum momento ter cogitado a ideia de assistir à missa, afinal, não era religiosa. Contudo, o real motivo para a demora de sua resposta foi por estar muito concentrada na imagem do homem à sua frente. Condenou-se por estar se sentindo atraída.
  — Bem... — balbuciou.
  — Deixe me adivinhar — ofereceu-lhe um meio sorriso. — Não é religiosa, não é?
  — Não... — balançou a cabeça. — Mas vou ficar, sim.
  — Não há problema algum, tudo bem? Não precisar assistir à missa se não quiser.
  — Eu vou ficar, padre. Obrigada pelo convite.

. . .

  Depois, ela se arrependeu por não ter declinado o pedido e ido embora, pois estava sendo uma tremenda tortura assistir àquilo.
  Não porque era monótono ou por não saber cantar nenhum dos louvores; na verdade, estava muito mais ocupada em outra coisa para sequer notar isso. Seus olhos simplesmente não conseguiam abandonar o Padre Snape. A batina branca parecia destoar, mas ele era uma figura fascinante. A voz dele – meu Deus, a voz dele!­ – ressoava alta pelo microfone, e a cada palavra ela sentia sua pele se arrepiar.
   era uma pessoa de alta libido, reconhecia isso. Não precisava muito para se ver atraída por alguém, muitas vezes bastava apenas um olhar. A atração física era muito comum e recorrente na sua vida. A aparência e jeitos de uma pessoa eram o suficiente para desejá-la, mas, agora, aquilo era inapropriado. E ela não conseguia controlar.
  Enquanto isso, Snape se sentia aéreo, por mais que continuasse a gerir a missa de maneira impecável. Ele era um homem como qualquer outro, apesar da batina. Durante sua vida, cruzou com mulheres que precisou admitir para si mesmo que as achava belíssimas, e atualmente, com essa nova era da internet, nem sempre conseguia fugir de um conteúdo apelativo que pipocava na tela do seu celular – que ele mal usava, sendo sincero.
  A questão era que Padre Snape não era cego, e estava muito ciente de que a mulher que agora liderava o grupo de leitura era irrevogavelmente linda. E a alegria que brilhou nos olhos dela enquanto falava sobre as crianças do grupo também havia o encantado, assim como seus cabelos, seu perfume e seu sotaque. Ele poderia conviver naturalmente com isso, da mesma maneira como ignorou a breve atração que sentiu por várias mulheres antes, mas era muito difícil ignorá-la quando aquela mulher estava sentada em um dos bancos da igreja, durante a missa, com os olhos presos e brilhantes sobre ele.

. . .

  Foi um mês muito longo tanto para Snape quanto para . As trocas entre os dois não tinham sido muitas, mas sempre que possível o padre surgia na sala vazia após a reunião para convidá-la para a missa. Uma noite em particular, ele a convidou para jantar na igreja, junto a Neville e a madre Minerva.
  Era uma noite de ventos frios, a sopa parecia deliciosa e o vinho harmonizava perfeitamente com todo o cenário. Muitos minutos depois, a panela já estava quase vazia e a garrafa de vinho já havia sido consumida mais da metade. Buscando enturmá-la naquele trio que já se conhecia há tantos anos, Neville puxou um assunto sobre sua área, e em questão de instantes todos os quatro estavam debatendo seus gostos e autores favoritos.
  — Eu tenho que ficar com Machado — ela respondeu com a voz arrastada pelo álcool.
  — Fico com Catulo — o Padre Snape a surpreendeu.
  — Catulo?! — Sua voz soou mais alta do que pretendia, e viu-se se debruçando sobre a mesa na direção dele. — Difícil acreditar.
  — Por quê? — Ele arqueou a sobrancelha. — Os versos dele são muito bonitos.
  — Alguns... Outros são muito provocativos.
  — “Dá-me mil beijos, e depois mais cem...” — ele recitou para ser interrompido por ela.
  — “...depois mais outros mil, depois mais cem, depois mais mil ainda, e ainda mais cem”. — Concluiu. — Esse poema é lindo, mas é uma escolha óbvia. Catulo era um rufião, versava sobre sexo e não poupava palavrões para criticar os outros.
  — Quem é Catulo? — Neville se viu completamente perdido.
  — Foi um grande poeta latino, garoto — o padre sanou sua dúvida. — Por que não recita outro dele? — Ele voltou para .
  — Não, eu nutro muito respeito por vocês. Principalmente por você, madre. — Brincou.
  — Oh, querida — Minerva riu. — Então realmente prefiro que fique calada.
  Todos gargalharam, a algazarra de suas risadas quebrando o som da ventania. respirou fundo, ofegante; escondeu seu rosto quente sob a taça de vinho quando a levou aos lábios mais uma vez. Pensou ter visto o olhar do padre sobre si. Antes que pudesse confirmar, apenas o viu olhar para a própria taça e umedecer os lábios finos.
  Então, abandonou sua taça sobre a mesa. Chega de vinho por hoje, pensou.

. . .

  Quase um mês havia se passado desde a noite do jantar. Tudo parecia estagnado, exceto o desejo latente e crescente entre e Snape. Houve um momento em que o próprio parou de vê-la após as reuniões do grupo de leitura, e ela também evitava ficar para as missas. Não achava adequado “assistir” à cerimônia quando sua mente apenas pensava em diversas maneiras diferentes de arrancar a batina do corpo de Snape, ou em quais cantos da igreja eles poderiam se encontrar furtivamente.
  O ponto de virada ocorreu num fim de tarde de sexta-feira.
   estava na sala vazia mais uma vez, e sabia que ele não viria, assim como aconteceu nas semanas que se antecederam. Enquanto arrumava algumas coisas em sua bolsa, acabou por encontrar um pedaço de papel solto. Suas bochechas coraram. Eram versos breves que ela mesma havia escrito semana atrás, procurando aliviar uma volúpia que suas próprias mãos pareciam não mais serem o suficiente para sanar. Escondeu o papel dentro de um dos livros que levaria para casa.
  O grupo de jovens começou a chegar novamente, desta vez para a aula de Neville. Não tinha percebido quanto tempo ficara ali, esperando que o padre viesse. As crianças, contudo, não deixaram que fosse embora.
  — Fica, por favor — uma das meninas pediu. — Vai ser legal.
  Pensou em declinar. Ficar cada vez mais naquela igreja estava sendo uma tortura, mas a expectativa no olhar daquela turma e o sorriso bondoso de Neville a fizeram acatar ao pedido.
  Em um determinado momento, um pandeiro meia lua foi entregue às suas mãos e tentou acompanhar o som feito por eles. Quando a música acabou, todos iniciaram uma salva de palmas para si mesmos e para os outros.
  — Ei — Neville disse —, por que não toca um pouco? — Apontou para o instrumento nas mãos dela. — Samba, não é?
  — Ah! — Riu. — Nosso pandeiro é diferente. Ele... — tentou achar as palavras certas — é fechado, sabe?
  E tão logo Joseph, um dos adolescentes, estava mexendo em algumas caixas guardadas ao fundo da sala e encontrou um pandeiro apropriado, que foi entregue a ela. Não fugiria tão fácil deles.
  Não era nenhuma instrumentista, mas sempre ficava encarregada pelo pandeiro nas rodas de samba organizadas pela família nos churrascos de domingo. Sua mão bateu contra a pele sintética do instrumento, e aquele som que parecia levar algo insano pelas suas veias surgiu. Antes que percebesse, alguns alunos com um ouvido musical mais aguçado a acompanhavam com outros instrumentos, e foi de maneira espontânea que seus pés começaram a se mexer enquanto sambava.
  Tão inebriada pela música e pela saudade de casa, não percebeu a presença de Snape encostado contra o batente da porta. O som desconhecido do ritmo o despertou curiosidade, que o levou a caminhar até a sala que já não visitava há tanto tempo. Mas jamais imaginou encontrá-la ali após aquele horário, principalmente nunca pensou em vê-la dançar daquela forma.
  Os passos eram muitos simples; um mover de frente para trás dos pés. Porém, eram realizados com tanto molejo que parecia ser quase inumano que qualquer pessoa pudesse se mexer daquela... forma. Os quadris dela quebravam no ritmo exato do samba, a felicidade estampada em seu rosto era contagiante, e ele se viu sorrindo também.
  Contudo, o sorriso em seu rosto não durou muito. Em um movimento preciso e ritmado, girou, o que fez a saia que usava levantar o suficiente para que boa parte de suas coxas ficassem à mostra. Ele jamais havia visto tanta pele dela daquela forma. Quase instantaneamente, todos os pensamentos e sonhos que vinha tendo com a mulher vieram com violência à mente dele. O colarinho branco pareceu muito apertado ao redor do seu pescoço, e  ele sentiu uma contração inadequada na sua região sul. Saiu dali o mais rápido que podia, mas não rápido o bastante para que ela não notasse a expressão muito séria no rosto dele.
   agradeceu, com pressa, a todos pela diversão e pegou seus pertences com rapidez. Seus pés a fizeram correr até a imagem alta que andava muitos metros à sua frente.
  — Snape! — Chamou. — Padre Snape!
  Ele obrigou-se a parar para olhá-la nos olhos. Ela manteve uma distância segura entre seus corpos e o confrontou com certa agressividade.
  — Peço desculpas, senhor, por qualquer inadequação sob o teto da igreja.
  — Do que está falando? — Ele estranhou seu modo defensivo.
  — Pela sua expressão — já não parecia tão certa do que falava —, imaginei que estava irritado com a cena na aula de música.
  — Por que eu estaria? É música como qualquer outra, assim como a dança. — Ele suspirou. — Eu não sou um padre extremo, tudo bem? Não vi o menor problema na cena que presenciei.
  — Então por que parecia tão estranho?
  — Eu só não estou me sentindo muito bem — não mentiu. Era impossível se sentir bem após presenciar os seus movimentos sem poder tê-la. — Uma dor de cabeça terrível.
  — Tenho um analgésico aqui — mexeu na bolsa para alcançar a cartela de comprimidos. Isso fez com que se atrapalhasse com os outros itens que tinha em mãos, e o livro quase caiu do seu colo. — Aqui. Só tem uns dois comprimidos, então pode ficar com a cartela.
  — Obrigado.
   deu as costas para fugir daquele local. Sentia-se tão inebriada, surpresa, desejosa e confusa que não percebeu o que estava deixando para trás. Muito mais do que o padre cheio de tentação, estava deixando o papel que não percebeu ter caído quando o livro quase fugiu da sua mão.
  Horas mais tarde, o Padre Snape se encontraria sentado na ponta de sua cama com a mão fechada em torno do seu pau, os olhos fechados não apenas pelo prazer, mas para se privar de visualizar a imagem de Nossa Senhora que jazia sobre sua cômoda ou de ver qualquer outro item que o remetesse ao sacerdócio. Ao seu lado sobre o colchão, estava o papel encontrado por ele mais cedo, impregnado pela caligrafia e desejos da mulher:

  “Eu quero que você me foda.
  Transe comigo,
  Faça amor comigo,
  Trepe comigo no sentido mais cru,
  Sujo e divino da palavra.
  Quero senti-lo tão fundo em mim,
  Em meu ser,
  Que irei confundi-lo com a presença do Espírito Santo.
  Quero que descubra sensações inéditas comigo,
  Quero que me permita rastejar tal qual
  A serpente por debaixo de sua batina.
  Quero mostrá-lo o Paraíso na Terra, ou no meu corpo.
  Como seria ser sua?
  Toda sua...”

Capítulo Dois - Fraqueza

  As pernas trêmulas de Snape o levaram para dentro do templo. Aquela, entretanto, não era sua tão amada igreja simples em Mitcham. Não poderia fazer o que deveria no seu lar, não poderia confiar algo daquela magnitude ao Padre Flitwick, que já estava habituado a ouvir suas confissões.
  Realizou, então, uma viagem rápida até Hackbridge, Wallington, para se encontrar com aquele que esteve ao seu lado por muitas vezes e que sempre tinha as coisas certas a dizer. Fez o sinal da cruz quando atravessou a porta. Viu um fiel se retirar do confessionário, e não perdeu tempo até cruzar todos os metros que o levariam até a cabine.
  Fechou a cortina rubra às suas costas e se sentou com pesar. A voz do Monsenhor Dumbledore preencheu seus ouvidos. Assim que falasse, o velho saberia que a pessoa do seu outro lado era Severo, a quem tinha como filho. Porém, permaneceria neutro.
  — Boa tarde — Dumbledore o cumprimentou, ainda sem saber de quem se tratava.
  — Tarde, padre. — Snape não poderia saber, mas a postura do monsenhor enrijeceu. O que o trazia até Wallington para se confessar? — Padre... Perdoe-me, pois eu pequei.
  — Quanto tempo faz desde sua última confissão?
  — Uma semana, mas-
  — Diga, filho — a voz de Monsenhor Dumbledore era suave. — O que fez? Inveja? Vaidade? A vaidade tem tentado muitos dos nossos... — Decidiu abandonar o anonimato.
  — Esses pecados eu já confessei com outro padre. Mas este, senhor, eu não poderia confiar a mais ninguém. — Snape engoliu em seco. — Padre, eu cometi o pecado da luxúria.

. . .

  Três dias antes.
  Dentro do carro de Neville, a postura de era calada e inquieta. Não era a mesma desde dois dias atrás, quando Padre Snape a flagrara dançando. A perda daquele poema também tirou seu sono, preocupada demais com a possibilidade de tê-lo perdido justamente dentro da igreja. A perturbação de todos aqueles últimos acontecimentos não a abandonaram em momento nenhum, e agora parecia mais latente enquanto estavam a caminho da casa dele. Quase se esquecera do encontro combinado pelo trio para conversarem sobre o andamento das aulas de música e do ainda recente grupo de leitura.
  — Tá tudo bem? — O rapaz ao volante perguntou com os olhos ainda na estrada. — Você parece um pouco distante.
  — Sim — murmurou. — Só estou pensando em algumas coisas sobre a universidade.
  — Ah sim... Você saiu tão rápido naquele dia, nem tive tempo de agradecer. As crianças adoraram sua presença na aula.
  — Eu lembrei que tinha um compromisso — mentiu. Descobriu, assim, que mais ninguém tinha visto o padre naquele dia além dela. Sentiu-se aliviada por isso.
  Neville estacionou seu carro logo atrás de um Ford Fiesta – o carro do padre, que estava parado na frente de sua respectiva casa. Era simples, elegante e preto. Combinava com ele. A casa, por sua vez, era muito clara e havia alguns pequenos arbustos na entrada, que você não soube identificar quais eram as flores.
  Snape não demorou muito a atendê-los assim que Neville apertou a campainha. Os dois homens se cumprimentaram com um abraço rápido. estendeu a mão para que o padre pudesse apertá-la, mas ele a encontrou também num abraço muito rápido e lhe depositou um beijo na têmpora.
  Ela tremeu.
  Snape os recebeu com sucos e algumas guloseimas, que foram atacadas por Neville. Os três se sentaram confortavelmente pela sala e passaram a discutir alguns pontos. O professor de música comentava que observara uma grande melhora em seus alunos desde o início do grupo de leitura administrado por . Segundo ele, as crianças – suas crianças, como gostava de dizer – estavam apresentando não só melhores interpretações, mas também surgiam com mais sugestões de músicas, geralmente algumas citadas nos próprios livros, outras que achavam que tinham a ver.
  Por diversas vezes – na verdade, incontáveis vezes – agradeceu por Neville ser uma pessoa totalmente desatenta, porque qualquer outro ser humano teria percebido a tensão entre ela e o Padre Snape. Os olhos negros daquele homem – maldito, ela pensou – frequentemente encontravam os seus para logo depois fugirem. Ele também sempre a citava para trazê-la à conversa, dirigia a maioria das perguntas a ela, e até mesmo quando falava com Neville, parecia estar dialogando com ela.
  Até que aconteceu a eventualidade fatídica.
  O celular de Neville os interrompeu. O nome de Luna na tela o deixou alerta e ele pediu licença antes de se dirigir até a cozinha para atendê-la. Sozinhos na sala, e Snape se mexeram desconfortavelmente em seus assentos.
  — Será que aconteceu algo sério? — Ela se questionou.
  — Pelo nome do Senhor, eu espero que não.
  Ela tomou o momento para tentar se desligar daquela situação. Pegou o celular de dentro da bolsa e acessou uma de suas redes sociais, procurando se distrair do homem sentado no sofá ao lado. Mas nem sua atenção parcialmente focada nas postagens de conhecidos e famosos que seguia impediu que notasse que os olhos do padre estavam nela mais uma vez.
  Mas como não olhá-la?
   era linda. Snape concordaria que estaria mentindo ao dizer que era a mulher mais linda que já vira, porém, a questão era que havia algo nela que a diferenciava de todas as outras; afinal, não era à toa que era a primeira e única a perturbá-lo daquela forma. Poderia ser seus traços brasileiros, a mente afiada, os gostos cultos, o talento (ele não pudera esquecer daqueles versos escritos por ela), a maneira como se mexia, como dançava... A maneira como o olhava.
  A verdade era que desde que o conhecera estivera interpretando um papel que não lhe servia. Não era do tipo tímida, comedida, pudica. Pelo contrário, possuía uma postura muito mais forte, segura e até dominadora. Contudo, o absurdo daquela situação, a imoralidade que infringia até mesmo seus poucos pudores, a fazia fingir com uma personagem recatada que não se parecia em nada com ela mesma.
  Estava tentando proteger a si mesma e à castidade de Padre Snape. Mas até onde poderia reprimir seus desejos e negar os dele?
  — Bem — Neville, felizmente, retornou —, preciso ir.
  — O que houve? — Ela questionou com o coração apertado.
  — Lysander sofreu um pequeno acidente. Nada demais — ressaltou perante o assombro dos outros dois —, ele estava brincando num parquinho e caiu do alto do escorrega. Parece que quebrou um braço. Luna está assustada e pediu que eu fosse até lá.
  — Claro que sim — Snape disse. — Diga a ela que desejamos melhoras. Estarei rezando por ele.
  A porta se fechou levando a presença de Neville embora, e e seu objeto de desejo se encararam em silêncio. Lentamente, ele voltou a se sentar no mesmo lugar de antes.
  — Como vai seu mestrado?
  — Um pouquinho puxado — riu. — Comecei a escrever minha dissertação e... tem sido interessante.
  — Eu adoraria ler quando terminar.
  — Enviarei uma cópia para o senhor.
  — Não me chame de senhor, por favor — ele pediu, encabulado. — O Senhor está no Céu.
  Sentiu uma súbita vontade de revirar os olhos, mas conseguiu ignorá-la. Era uma pena. Chamá-lo de senhor não era de todo mal.
  — Aceita mais alguma coisa? — negou enquanto ele levava os copos até a cozinha.
  Então, ela se levantou e caminhou até a estante alta que ficava entre a lareira e o cabideiro. Seus olhos escanearam superficialmente a lombada dos livros, que indicavam, muitos pelos títulos, obras sobre religião, espiritualidade; havia alguns romances também. Mas foi um título em particular que chamou sua atenção e fez com que inclinasse a cabeça para o lado em pura surpresa e curiosidade. O livro estava mais para frente do que os outros, revelando que era manuseado com frequência ou, pelo menos, tinha sido recentemente.
  Ouviu os passos dele atrás de si, retornando da cozinha. Virou-se para ele com O Crime do Padre Amaro em mãos e apenas o mostrou para ele, uma sobrancelha arqueada. Se Snape fosse o tipo de pessoa que corasse, ele com certeza estaria tão vermelho quanto um tomate. Contudo, apenas ergueu sua sobrancelha de volta para ela.
  — Não é meu — ele mentiu.
  — Entendo... — sorriu com travessura e devolveu-o para seu lugar na estante.
  Aquilo era o mísero indício que ela precisava para saber que Snape não era tão inocente quanto pensava.

. . .

  — Eu tentei, eu juro que tentei — ele tentou garantir a Dumbledore, que ainda o ouvia com assombro. — Mas, mas-
  — Mas o quê, Severo?
  — Eu não pude... Eu não pude lutar contra isso.
  — Você é, ou deveria ser, um homem de Deus, Severo. Fazemos juramentos sagrados e milenares. Foi tudo uma farsa? Já não respeita mais o Senhor? — Ralhou aos sussurros, os dois ainda no confessionário. — Eu jamais esperaria isso de você.
  — Não coloque minha fé em questão, Alvo! Eu escolhi o sacerdócio porque servir a Deus é minha maior alegria. Mas ainda sou um humano, um pecador. E não é culpa minha se Deus fez o homem muito mais fraco do que o Mal.

. . .

  A existência daquele livro na casa de Snape não só lhe confirmara certa transgressão do padre como também a encorajou a abandonar aquela personagem doce e cândida. Descobriu que provocá-lo era um passatempo muito divertido.
  Voltou a se sentar quando ele se dirigiu ao aparelho de som, conectando-o ao celular. A voz grave de Nick Cave ressoou por toda a casa e Snape voltou a se sentar no sofá. pegou sua bolsa novamente, desta vez apenas para fingir procurar algo inexistente. Quando colocou a bolsa sobre seu colo, garantiu que, num movimento falsamente espontâneo, ela tivesse puxado sua saia alguns centímetros para cima. Seus olhos permaneceram na bolsa, mas sua visão periférica o pegara observando suas pernas.
  Ele estava perdido.
  Subitamente, ela pediu licença e decidiu aproveitar seu rompante de coragem – e de falta de vergonha na cara. Caminhou até o aparelho que continuava a tocar algumas músicas e escolheu uma canção totalmente distinta daquelas que pertenciam à playlist dele.
  O ritmo inconfundível do samba se iniciou. Quando virou-se para Snape, ele a olhava com incompreensão e nervosismo. O som dos instrumentos, do pandeiro, o transportaram para a lembrança de alguns dias atrás. dançando, o sorriso estonteante no rosto, os quadris se movendo e, mais tarde, o poema esquecido no chão, o que o levou a muitos pensamentos, muitas condenações, dez “Pai Nosso” e quinze “Ave Maria” antes de ceder para a tentação de pôr a mão por dentro da calça.
  Ela estendeu a mão direita para ele. Snape encarou sua palma virada para cima e depois prendeu os olhos negros nos seus.
  — Você dança? — Perguntou quando ele finalmente pôs a mão sobre a dela. Um calor estranho para ele e conhecido por ela se espalhou pelo seus corpos.
  — É claro que não — ele respondeu com a voz grossa.
  — Então deixa comigo. Eu te ensino — piscou para ele.
  Por iniciativa própria, o padre colocou uma das mãos nas costas dela, num espaço seguro, enquanto sua mão esquerda parou sobre a base da nuca dele. se moveu com passos muito simples, fora do ritmo da música, apenas para situá-lo sobre alguns passos básicos. Ele levava jeito, ela se surpreendeu. Havia certa facilidade e ginga no corpo esguio dele, e essa conclusão a fez respirar mais fundo.
  Uma vez que ele aprendera os poucos passos e o ritmo, involuntariamente a mão dele escorregou para a sua lombar, e os seus dedos que estavam apoiados nas costas dele começaram a se mover numa carícia contra a pele da nuca. Durante um dos passos, uma das pernas dele ficou entre as delas; Snape questionou-se, então, se era comum que estivesse tão quente. Segundos depois, o passo se repetiu e moveu o quadril um pouco mais para baixo, friccionando sua intimidade contra a coxa dele.
  Tinha sido tão rápido que poderiam fingir que nunca havia acontecido. Porém, a sensação estava lá. precisou morder os próprios lábios e Snape sentiu a umidade dela ultrapassar o tecido fino da calça dele; foi o que despertou a razão no homem.
  — Nós — ele se afastou — não deveríamos estar fazendo isso.
  — Não, não deveríamos — concordou sem nenhum tom de arrependimento em sua voz.
  — Não quero expulsá-la. Por favor, não me compreenda mal, mas-
  — Mas quer que eu vá embora — ela o interrompeu, embora não tivesse movido nenhum músculo.
  — É o certo a se fazer.
  — Nem sempre é sobre o que é certo, mas sobre o que queremos. — Deu um passo na direção dele. Ele não se mexeu. — E o que você quer, Severo?
  Era a primeira vez que o chamava pelo primeiro nome. O padre desejou que não o tivesse feito, pois, na sua boca, aquelas letras pareciam mel, e por um ínfimo momento ele quase pôde imaginar que não era o Padre Snape.
  — O que quero não convém — encontrou sua voz.
  — Não? — Franziu seu cenho. — Não pode viver à função dos outros, Severo.
  — Dos outros? — Ele ergueu a voz, tão estressado quanto perturbado. — Vivo em função do Senhor.
  — E o Senhor quer que seja feliz — quase se sentiu culpada por usar aquilo contra ele. — Não é isso que Ele quer para todos os Seus filhos?
  — Mas não que vivamos em pecado!
  — Já nascemos pecadores — deu mais um passo — e morreremos pecadores também. — As mãos dela descansaram sobre o abdômen dele. A respiração de Snape se prendeu, se aproximou, roçando a ponta do nariz pela mandíbula dele. — Um pecado a mais, um pecado a menos, que diferença faz? Divida esse pecado comigo, não carregue a cruz sozinho. — Sussurrou.
  Snape abaixou o rosto para poder olhá-la, foi quando seus lábios não puderam fugir do que era clamado há tanto tempo. Não era o primeiro beijo dele. Tinha beijado pelo menos duas ou três vezes antes de decidir ingressar no seminário, mas aquilo tinha sido muitos anos atrás. Era quase como se beijasse pela primeira vez, sentia o mesmo frio na barriga, embora, desta vez, também estivesse ciente que sentia aquela sensação estranha mais abaixo.
   permitiu que o primeiro contato fosse delicado, iniciando em um roçar de lábios para depois definitivamente acabar com os milímetros que ainda os separavam. Em seus braços, Padre Snape estava rígido e inseguro, talvez até desconfortável. Quando notou que ele a segurou pelos braços para afastá-la, ela forçou sua língua para dentro da boca dele, e o aperto que uma vez tivera o objetivo de te afastar, desta vez a puxou para mais perto.
  Ele tinha gosto do suco de laranja que havia tomado há poucos minutos, e soube que ela também não deveria estar muito diferente. Mas havia mais algo ali; um leve toque de gengibre – lembrou-se dos biscoitos que ele oferecera – misturado com fogo, inocência e pecado. Era delicioso.
  Subitamente, Snape conseguira forças o suficiente para afastá-la. A separação brusca das bocas coladas causara um som molhado e uma fina linha de saliva os manteve unidos por poucos segundos. Nos olhos dela, por mais que não pudesse se ver, sabia que transbordava desejo, enquanto as íris nanquins de Snape não estavam muito diferentes, embora também gritassem por clemência.
  Talvez Deus se compadecesse do pobre padre. , contudo, não iria.
  — É melhor que vá — ele murmurou sobre a respiração descompassada. Os olhos dele se fecharam quando seus lábios inchados e ainda úmidos, desta vez, marcaram a pele do pescoço que a gola deixava à mostra. — Por favor...
  — Eu vou — sussurrou de volta, empurrando o corpo já sem resistência para que caísse sentado sobre uma das poltronas brancas. — Vou satisfazê-lo.
  Snape não teve muito tempo para pensar – nem argumentar – quando o beijou mais uma vez e conseguiu se encaixar sobre o colo dele, certificando-se de que sua boceta estivesse sobre a ereção cada vez maior trancafiada dentro das calças dele. rebolou para causar maior atrito e gemeu quando ele apertou suas coxas. Era divertido, precisou confessar, como as mãos dele brigavam entre a razão de empurrá-la para longe e a vontade de mantê-la o mais próximo possível. Ele tinha mãos muito boas, grandes e elegantes. Sentiu-se fraca quando elas a seguraram com firmeza pelas pernas para a carregar até o quarto.
  A próxima coisa que sentiu foi o colchão não muito macio contra suas costas. Snape abandonou seus lábios para trilhar um trajeto blasfemo do seu queixo até o início do ombro direito. Seus olhos abriram com um estalo, surpresa com a gradual perda de vergonha do padre. Vislumbrou a Bíblia sobre a mesinha de canto, o crucifixo pregado à parede pintada de azul claro, o escapulário pendurado na cabeceira de madeira e a imagem de Nossa Senhora sobre a cômoda. Voltou a fechar os olhos.
  Suas sandálias foram removidas e descartadas pelos dedos trêmulos do homem. Ela o agarrou pela camisa – era a primeira vez que o via sem a batina ou aquele colarinho branco ridículo – e o puxou para si para beijá-lo de novo. Os botões pretos da camisa igualmente preta foram quase arrancados, e a peça de roupa também foi esquecida em algum lugar. As duas únicas coisas que quebravam a palidez do abdômen de Snape eram os pelos ralos do peito e o cordão de prata em volta do pescoço, que descansava um pingente delicado de cruz no centro de seu corpo. Não teve tempo de se sentir culpada ou incomodada com mais uma prova da devoção dele. Estava mais ocupada com outra coisa.
   inverteu a posição, voltando a sentar sobre ele. Sua língua perversa umedeceu o pescoço, o centro do peito, os mamilos, passeou até mesmo por cima do cordão. Mordeu a barriga, um pouco acima do osso da bacia, antes de desafivelar o cinto (também preto) e remover as calças junto da cueca (todas pretas, também. Ele estava se tornando repetitivo). As últimas roupas dele jaziam no chão, assim como os sapatos e meias, quando ela se permitiu devorá-lo com o olhar.
  Por mais idiota e genérico que aquilo soasse, não pôde deixar de pensar que Snape era um pedaço de mal caminho.
  Ele era magro, mas ainda assim seu corpo era largo, o que dava uma breve ilusão de que era mais forte do que realmente era. Os pelos ralos do peitoral tornavam-se mais escuros conforme desciam até seu pau, e a boca dela salivou. Snape quase se encolheu sob o seu escrutínio e o pescoço dele foi tingido de rosa quando se sentiu envergonhado. Não era para menos; ela ainda estava muito vestida, isso era injusto. Então sua blusa e saia foram jogadas no chão. O corpo dela só era tampado pela lingerie verde que usava.
  Suas mãos tocaram as coxas de Snape, que inspirou mais forte, muito perto da ereção que apontava para cima. Quase pensou que era um desperdício aquilo estar intocado – pelo menos por outra pessoa – por todos esses anos, mas mudou de ideia quando regozijou ao concluir que era a primeira. Sentiu-se vitoriosa. Uma gota de suor começava a escorrer pela têmpora de Snape, seus dedos estavam agarrados no lençol que cobria a cama e se compadeceu. Foi por isso que finalmente fechou os lábios sobre a cabeça avermelhada.

. . .

  — Eu ouvi bem? — Dumbledore teria gritado se pudesse. — Está colocando sua culpa na conta de Deus?
  — Não! — Snape já não segurava mais as lágrimas que vieram aos seus olhos. — Eu quis dizer que as coisas mundanas são muito poderosas, muito mais do que julgamos. Todos nós, homens, humanos, pecadores, estamos sujeitos a isso. Mas não me sinto menos culpado pelo que aconteceu.
  — Jamais achei que seria tão fraco, Severo. Sempre foi o mais centrado dos meninos mais jovens, sempre manteve-se íntegro... Ou foi tudo mentira? Ou sempre vestiu uma máscara?
  — Minha devoção é mais do que verdadeira, monsenhor. — Soluçou. — Eu juro, pelo amor de Deus, eu juro que tentei resistir. Eu juro...

. . .

  A cabeça de Snape caiu com brusquidão sobre o colchão e pôde jurar que seu gemido estremeceu os móveis. parecia ser onipresente, estava em todo lugar. Estava no pau, nas pernas que tocavam as suas, no abdômen que era açoitado pelas suas unhas, na mente que só sabia pensar nela. A glande alcançou a garganta dela quando o forçou pela boca, os lençóis quase foram arrancados do colchão. Os lábios de Snape se moviam rapidamente em murmúrios. Ela não sabia dizer se ele gemia, revelava suas sensações e desejos ou se rezava. De qualquer forma, as palavras incompreensíveis se transformaram em gemidos entrecortados e ele gozou com louvor. Achou ter escutado “tenha misericórdia” quando mostrou o sêmen dele em sua língua antes de engolir, mas não tinha certeza.
  Ele tinha as pálpebras cerradas, o queixo para o teto e tentava regularizar a respiração. Ela aproveitou para terminar de se despir antes que o torpor do prazer passasse e o padre resolvesse voltar atrás. Snape finalmente conseguiu levar ar aos pulmões e olhou para , que agora estava deitada completamente nua ao lado dele.
  — Minha vez, certo? — Disse sem espaço para questionamentos ou negações. Ele apenas pôde assentir.
  Snape se mexeu, talvez pensando em voltar para posição anterior, mas a mão dela sobre o peito dele o manteve deitado. De joelhos sobre a cama, se sentou sobre o rosto dele e logo sentiu a língua tímida, mas ávida para aprender, tocá-la. Com toda a paciência de uma professora, guiou-o até o nervo específico e deu singelas instruções sobre como gostaria de ser chupada. Snape era um ótimo aprendiz.
  Seus dedos descansaram sobre a cabeça dele, e de lá não saíram por um longo tempo. Os fios negros eram acariciados por ela enquanto o elogiava e eram puxados quando ele acertava em cheio o movimento e fazia com que perdesse o foco. Como era habitual, foram precisos alguns bons minutos de dedicação para que chegasse ao orgasmo, que aconteceu com suas pernas inevitavelmente se fechando contra o rosto lambuzado dele.

. . .

  Monsenhor Dumbledore respirou muito fundo e contou até cinco. Pediu paciência e sabedoria ao Senhor para que pudesse guiar Severo pelo melhor caminho.
  — Você tem um ponto — acalmou a voz. — Todos nós somos pecadores. Sentir desejo é esperado de nós, desde a vontade por uma comida, um objeto caro ou... por uma pessoa. Mas não podemos cair em tentação. Você não está totalmente perdido, filho. Ainda bem que veio até aqui-
  — Senhor — Snape o interrompeu —, acho que não entendeu. Quando eu disse que cometi o pecado da luxúria, não falava apenas do sentimento, entende? Eu o cometi, carnalmente.
  — Oh, Severo... — O senhor do outro lado do confessionário sussurrou. — Você está perdido, criança.

. . .

  Desta vez, deixou que ele ficasse por cima. Tê-lo daquela forma, sobre seu corpo, apenas a deixou ainda mais quente. Snape era um homem grande – como já dito, era alto e largo, apesar de magro -, e a sensação de que ele poderia destruí-la se quisesse a deixava ainda mais molhada.
  Ele hesitou, mais uma vez. não parou seus olhos de se revirarem de irritação. A mão dela o agarrou pela mandíbula, sem delicadeza, e nem mesmo ela reconheceu a própria voz quando disse:
  — Não tem volta agora, Severo, você sabe disso. Agora me foda, por favor! — A expressão não era um pedido, entretanto. Era quase uma ordem, que foi acatada pelo padre.
  No momento que os primeiros centímetros do homem adentraram a cavidade morna, apertada e molhada da boceta dela, Snape entendeu – finalmente compreendeu – por que aquilo, por que o sexo era considerado um ato sujo e inadequado pela Igreja, e era negado aos padres e demais homens que serviam ao sacerdócio. Porque era esplêndido! Era surreal, era poderoso, divino e demoníaco. Ele se sentia no Paraíso, nunca havia se sentido tão bem em toda sua vida. Sentia-se ao lado de Deus ao mesmo tempo que tinha certeza que andava de mãos dadas com o Diabo. Como aquela dualidade era humanamente possível? Talvez não fosse, na verdade. Talvez aquilo fosse pura magia, uma benção... um feitiço.
  Foi preciso que esperasse alguns segundos para que lidasse com aquela enxurrada de sensações e sentimentos. Snape a fitou, sob si, suspirando quando começou a se mexer. Os quadris dele estabeleceram um ritmo calmo e devagar, quase como se temesse machucá-la. Ele também a tocava com delicadeza, com uma mão depositada sobre sua bochecha e a boca beijando seu colo. Mas não fazia aquele tipo, tampouco estava com paciência para aquilo. Já havia esperado tempo demais. Por isso, segurou o punho da mão que tocava seu rosto e levou dois dedos dele para sua boca. Os olhos do homem se arregalaram, fascinado com aquela visão, porém, o movimento da penetração não se alterou.
  — Severo — disse entre um suspiro —, você é um romântico, então? — Ele a olhou sem entender o que queria dizer com aquilo. sorriu.
  Reunindo grande força em suas pernas, conseguiu virá-lo sobre a cama, mais uma vez ficando sobre ele. A nova posição fez com que o pau enterrado dentro dela chegasse ainda mais fundo e se permitiu fechar os olhos por breves segundos. Quando se ajeitou, garantiu que seu olhar estivesse no dele. As palmas das suas mãos se apoiaram no colchão, aos lados da cabeça dele, e seus quadris iniciaram um movimento bruto, suas nádegas batendo contra a pelve de Snape e preenchendo o quarto com a sinfonia das peles estalando uma contra a outra.
  Ele se assustou, a princípio. Tanto pela intensificação do prazer quanto pelo assombro devido à sua agressividade. o cavalgava como uma amazona, os seios se moviam com sensualidade, seus cabelos caíam sobre suas costas e algumas mechas escapavam para o seu rosto. Snape ergueu a mão para manter seus fios longe dos olhos e os segurou atrás de sua cabeça, com força. Isso a incentivou a ir mais rápido; os gemidos dos dois ficavam cada vez mais altos.
  Em certo momento, suas pernas se cansaram e não conseguiu mais manter o mesmo ritmo. Sendo assim, ele a segurou firme para, novamente, voltarem à posição de antes, sem precisar se retirar do seu calor. Desta vez, Snape pôs uma de suas pernas sobre o ombro dele e se inclinou para frente. Ele continuou com o compasso parecido com o dela, rápido e bruto, e ela sentiu aquela leve dor do choque entre a glande e o colo do útero. Os sons emitidos já não eram mais gemidos ou murmúrios, mas quase gritos. Os dois já pressentiam o que estava por vir.
  — Eu... — ele procurou sua voz. — Eu devo... tirar?
  — Não! — Gritou.
  E assim, tão logo respondeu, aquela sensação de carga elétrica viajou pelo corpo dela, fazendo suas pernas tremerem e seu corpo convulsionar. Seu torpor quase impossibilitou que sentisse ele jorrar dentro de si. O corpo de Snape caiu, pesado, ao seu lado. Conforme suas respirações lutavam para se acalmar, quase sentia que estava sendo observada e julgada por todos os objetos religiosos que haviam no quarto. Manteve, então, os olhos no teto.
  Ao seu lado direito, Padre Snape estava tão cansado e suado quanto ela, embora sua consciência logo, logo estaria muito mais pesada. O êxtase do orgasmo foi se dissipando aos poucos, clareando todos os seus sentidos. Ouvia a respiração pesada da mulher junto a dele, inspirava o cheiro de sexo que impregnava o cômodo, ainda sentia o gosto dela na boca e enxergava a imagem decepcionada da santa sobre a cômoda. Escondeu o rosto entre as mãos e suspirou muito fundo. Tinha ido do Céu ao Inferno, e agora poderia jurar que sangrava de desolação.
  — Antes de começar a rezar cem “Pai Nosso” e trezentos “Ave Maria” — disse enquanto se levantava —, me deixe ir embora. Acredito que você precisa de um tempo.

. . .

  — O que eu faço, Alvo? — Na sua voz grave não havia o homem, havia apenas o jovem rapaz que um dia foi. — Deus pode me perdoar?
  — Deus é bom, meu filho. — Dumbledore sempre tivera uma visão muito mais benevolente do que a do Deus punidor que outros acreditavam. — Mas cabe a você decidir se, depois disso, pode continuar no seu sacerdócio. Se poderá resistir caso seja tentado outra vez. Só você pode decidir isso.
  O monsenhor aconselhou, como de praxe, que rezasse uma determinada ordem e quantidade de orações e liberou o fiel do confessionário. Do lado de fora, próximo ao altar, Snape permaneceu até que Dumbledore se recompusesse para sair. Cara a cara, mestre e aprendiz se encararam: culpa e vergonha nos olhos negros do Padre Snape, decepção e pena nas íris azuis de Monsenhor Dumbledore.
  O mais velho se aproximou para tomá-lo nos braços, abraçando-o para que ele se sentisse acolhido. Ainda assim, Dumbledore lhe sussurrou:
  — Que Deus tenha misericórdia de sua alma, Severo.

Epígrafe

No masters or kings when the ritual begins
There is no sweeter innocence than our gentle sin
In the madness and soil of that sad earthly scene
Only then I am human
Only then I am clean

Take Me To Church, Hozier.

FIM



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