Dice'n'Roll
Escrito por Soldada
Prólogo
EDDIE • AGORA
Hawkins High School, Hawkins.
Quase todas as aulas acabavam sempre da mesma maneira para Eddie: uma cabeça escorada na janela, e as folhas de seu caderno coladas umas nas outras em uma poça de baba.
Não que ele babava enquanto dormia, era apenas o ângulo que ele tendia a escorar sua cabeça. Ou que ele fosse o tipo de pessoa que dormia facilmente... ah, a quem ele estava querendo enganar? Ele fazia qualquer coisa menos prestar atenção nas aulas. A maioria era apenas estupidez pura. Quer dizer, as aulas da Sra. Madison? Sobre literatura? Com todos aqueles romances escritos durante a década de 40 sobre um bando de riquinhos mesquinhos, sofrente por poderem ter tudo? Ba-bo-sei-ra! Ele havia criado em menos de 10 minutos uma campanha inteira bem mais criativa do que o Grande Gatsby. E não só havia aventura, que se diga de passagem, mas até mesmo complexidade, monstros e emoção. A Sra. Madison fazia Dungeons and Dragons parecer um martírio com aquela voz monótona e expressão sevara.
Além disso Eddie sabia que provavelmente iriam usar aquilo em algum momento de sua vida, mas certamente não conseguia se imaginar encontrando um homem rico na rua em que ele não desejasse simplesmente cuspir.
Eddie dormia ou matava quase todas suas aulas, exceto as aulas de História.
Dizia para si mesmo que frequentava apenas porque Sr. Scout não era assim tão ruim quanto os outros professores. Tentava convencer-se que o Sr. Scout na verdade era o único que entendia alguma coisa naquele lugar, além disso era o único, talvez, naquela escola inteira que, além de possuir um gosto musical irado, merecia genuíno respeito por não ser um conformista. Sr. Scout realmente os escutava. Às vezes, Eddie até mesmo tentava prestar atenção na aula, ele fazia anotações, e talvez fosse a única matéria que ele não estava falhando tanto assim, mas sua mente, como sempre, se desvirtuou para a terceira mesa na segunda fila próxima a porta. Que Eddie se distraía facilmente com algumas pessoas bonitas — e quem poderia culpa-lo por isso? — incluindo algumas cheerleaders. Chrissy certamente fazia com que seu coração disparasse de maneira errática às vezes, era adorável e simpática, e talvez, em um mundo onde ele fosse mais um babaca certinho e engomadinho, ele tivesse alguma chance com a loira de franjinha. Mas bem, fazer o quê, huh? Eddie simplesmente não havia nascido para ser o idiota patético correndo atrás de uma bola só para ser “popular”, e muito menos queria ser um.
Hawkins era insuportavelmente desprovida de criatividade às vezes, e ele se sentia no limite de gritar ou revirar os olhos até enxergar seu cérebro — o que seria totalmente legal e hardcore especialmente se saísse sangue de seus olhos. Eddie anotou no canto de seu caderno aquela ideia para tentar convencer Jeff e Gareth a transformarem em uma nova logo para a Corroed Coffin —— já que Eddie não precisava convencer Doug sobre os assuntos da banda porque o amigo iria até o inferno com ele nestas questões — porque ele tinha a sensação que desta vez, nesta próxima apresentação no Hideout, finalmente alguém os ouviria e colocaria fé neles! E eles iriam se tornar lendas!
1986, baby! Esse iria ser o ano não apenas de Eddie, mas da banda dele também! Eddie iria se formar naquela maldita escola, iria dar o dedo do meio para o diretor, esfregar o diploma no rosto de seu pai, e eles se tornariam rockstars, propriamente ditos, finalmente, finalmente, Eddie poderia ter tudo o que queria.
Mas então... ah, cara, então havia aquela garota, sentada na maldita terceira mesa na segunda fila próxima a porta, a verdadeira razão para que Eddie frequentasse as aulas de História — além da didática com referências Metalcore e indicações de música de Sr. Scout após as aulas. Aquela maldita garota. Com olhos null, definitivamente null — ele havia passado quase dois meses inteiros tentando descobrir qual era o nome da cor — calorosos e gentis, que quando se encontravam com os dele, não desviavam de imediato, brilhavam por um breve momento, em um reconhecimento silencioso, e então ela iria sorrir, acenando com a cabeça, “oi” queria dizer, mesmo que não usasse exatamente palavras. Os cabelos cheios e volumosos, null, presos pela metade com um lacinho rosa. Aquela maldita garota com o rosto adorável, e, sinceramente, fofo, que era simplesmente a garota mais adorável que ele já havia visto em toda a sua vida inteira — e ele estaria exagerando se não fosse verdade. Mesmo aquelas roupas esquisitas que ela usava: saia xadrez, meia calça, e suéteres sobre camisas sociais com as mangas arregaçadas até os cotovelos, a faziam parecer estranhamente adorável — não que Eddie tivesse reparando nisso.
null null. Este era seu nome. null fucking null.
null.
Inicialmente Eddie havia se convencido de que havia apenas a notado porque ela havia entrado por acidente em seu caminho. Ele ouviu por acidente quando ela recusou o convite de um encontro com a babaca de Chance, do esquadrão babaca de garotos de ouro de Hawkins High School... e Eddie precisava admitir que a garota tinha estilo. Quer dizer, foi a primeira vez, em toda sua vida, que Eddie precisava admitir que a garota tinha estilo. Quer dizer, foi a primeira vez, em toda sua vida, que Eddie havia visto alguém dar um fora em outra pessoa usando You give love a bad name do Bom Jovi1 como uma frase única e visceral — ainda que fosse questionável o gosto musical dela, Eddie tinha que admitir, melhor do que a cara de surpreso e ofendido de Chance, havia sido a confusão dele ao perceber que ela havia parafraseado a música diretamente para cortá-lo. Sinceramente, Eddie teria apenas seguido com sua vida depois daquele dia...
Se ele não a tivesse encontrado no outro dia, trabalhando meio período na loja de discos do Joe.
Como ele estava com Jeff e Doug, Eddie fingiu — e sem sombras de dúvidas, de forma convincente — que não era nada demais, e especialmente que seu olhar não se voltava para null null a cada cinco minutos, curiosos. Eddie havia mantido uma postura blasé, casual e desinteressada, julgando com seu sorriso característico os gostos musicais de Doug e Jeff, apenas para tirar uma com a cara deles e fazendo alguns comentários sarcásticos um pouco mais altos a fim de conseguir uma reação, não de seus amigos, mas da bela garota organizando os discos de vinil do outro lado da loja. E por um momento, só um breve momento, Eddie tinha jurado que havia a visto tentar ocultar um sorriso a muito custo, fingindo que estava tossindo enquanto verificava uma das fitas cassetes de A-ha — sinceramente o quão horrível deveria ser o gosto musical dela?! — e pensar neste tópico quase fez Eddie sorrir. Mas então Velho Joe havia entrado na porcaria da loja e praticamente os expulsado, avisando que Doug deveria trazer o resto do dinheiro das últimas fitas cassetes que eles haviam comprado fiado, e Eddie não teve outra opção senão seguir com seus amigos errantes para o primeiro buraco que encontrasse.
Não admitiria, é claro, mas ele ficou tentando a olhar para trás. Para ver se ela havia o acompanhado com o olhar como ele havia o feito mais cedo. Nah, ele estava sendo completamente idiota.
Naquela noite, Eddie havia feito uma lista detalhada de todos os motivos possíveis de que aquilo era apenas sua curiosidade tomando conta de seu cérebro, e nada mais. Interesse? Por uma garota tão careta quanto os outros de Hawkins? Sem nada que fosse possível para fazê-la se redimir? Nah! Sem chance, cara! Eddie Munson tinha um propósito em sua vida e esse propósito era se formar logo de uma vez e cair na estrada, em busca do sucesso — ou pelo menos encontrar algum trabalho para ajudar tio Wayne melhor. null null era o tipo de pessoa que iria para a faculdade assim que terminasse a escola, iria se apaixonar por algum engomadinho qualquer, iria comprar uma casa no subúrbio, teria dois pirralhos e um cachorro, e acabaria se ressentindo de seu marido eventualmente. Eddie Munson não tinha interesse nenhum nela, além de sua curiosidade mórbida por poder potencialmente tirar uma com a cara da garota, ele definitivamente não havia a achado interessante, nem marcante, nem adorável, nem bonita, ou... ou o que quer que os outros poderiam dizer...
A-ha? Sério? Eddie poderia facilmente apostar vinte pratas com Gareth, Jeff e Doug — não que ele fosse realmente fazer — que ela só gostava dessa banda por causa de Morten Harket. Eddie revirou os olhos, bufando exasperado, e deixando-se cair novamente em seu colchão, frustrado. Claro, claro, é claro que o tipo de null null seria sem sombra de dúvidas Morten Harket! Eddie pegou a ponta de seu cabelo, tentando ignorar a parte de sua mente que o empurrou de volta para aquela inconstância pautada na sensação de insuficiência, questionando-se o que havia assim de tão errado em si mesmo para simplesmente não... não ser suficiente.
Num ímpeto de frustração e raiva, Eddie havia jogado a lista que havia feito pela janela, e voltado a planejar a próxima campanha de DND, ele já tinha em vista o nome em sua mente: O Culto de Vecna. Iria ser sua obra prima, até agora. E talvez ele tivesse ficado um pouco chapado demais enquanto fazia as anotações e analisava quais os monstros que usaria na próxima sessão do clube Hellfire. Eddie havia planejado uma campanha e tanto, com monstros difíceis de matar e plot twists perfeitos para desestabilizar Doug, Gareth e Jeff. Mas eles precisariam de mais pessoas para jogar aquela campanha... Eddie considerou chamar Ronnie, sua amiga de infância, mas sabia que ela estava mais interessada no festival de filmes em Los Angeles para se importar em dar um sinal de vida para o amigo de infância que não fosse “ganhar um desconto na verdinha”. Eddie bufou, que otária — ele estava sorrindo, saudosamente, quando riscou o nome dela da lista de potenciais pessoas para chamar naquela campanha.
Eddie estreitou os olhos considerando por uma fração de segundos em um completo relapso mental convidar talvez null... talvez ele pudesse convencê-la... não, há-há, não, sem chance! Ele poderia ser um cuzão e até provocar os babacas dos Tigers — porque eles pediam também, convenhamos —, mas ele não ia ser humilhado por uma garotinha fã de boybands e pop comercial.
Teriam que ser pessoas novas. Calouros. Pessoas que nunca haviam ouvido falar do clube Hellfire, ou a reputação que Eddie e seus amigos possuíam para aquela campanha. Por sorte, é claro, Eddie sempre havia sido bom em convencer as pessoas!
Foi para a escola virado e ainda chapado no outro dia.
Matou aula durante o primeiro período inteiro. Durante o almoço, aproveitou a distração do Diretor Higgins para pegar emprestado as chaves do laboratório de biologia, usando a desculpa de que o diretor havia autorizado — apresentou até o papel falsificado —, Eddie tentou convencer Sra. Lee de que ele e seus amigos tinham como único e puro intuito usar o laboratório de biologia para estudar, já que a maioria deles estava falhando naquela matéria, e era um absurdo que eles não se dedicassem a tirar boas notas, especialmente no último ano. Embora bajulação funcionasse totalmente com Eddie Munson, com Sra. Lee era evidente que não funcionava, e por um segundo, Eddie teve quase certeza que estava ferrado. Havia sido descoberto, iria de novo para a sala do Diretor Higgins e desta vez, Eddie não poderia chantagear Higgins a esquecer seu erro — e Eddie sabia que Higgins estava à espera de somente um deslize de Munson para expulsá-lo permanentemente.
— Ei, desculpa a demora, eu acabei me enrolando na biblioteca, então, você disse que queria que eu o ajudasse com biologia? — null null, em pessoa, havia dito, com aquela voz suave, e aqueles olhos null olhando diretamente para os dele com uma expressão tranquila e convincente.
Surpresa foi tanta, que Eddie havia parado de funcionar naquele momento. Completa tela azul. Error 404. null null havia acabado de mentir para salvar a pele dele? A null null! Não... ele não podia estar vendo isso, era impossível, a maconha estragada de Rick Nóia devia estar muito, mas muito fodida para que ele tivesse começado a simplesmente alucinar na escola — ah, merda, ele estava alucinando na escola, se seu tio sequer sonhasse em descobrir isso... null mordeu o interior de suas bochechas, os olhos de null dela indicando na direção da professora, em uma comunicação silenciosa de que seu silêncio estava sendo percebido como suspeito. Merda. Eddie buscou em sua mente todas as possíveis respostas — não que ele quisesse impressionar a garota à sua frente —, mas optou por abrir um sorriso preguiçoso, levando suas duas mãos em direção a seu peito, e encarando Sra. Lee de forma dramática.
— Viu? Eu estava sendo sincero,eu jamais mentiria para você, Sra. Lee, que absurdo, qual a sua visão sobre meu...— Eddie começou a dizer, seu tom de voz um pouco mais alto que o normal, usando uma dramaticidade desnecessária que, normalmente, faria com que as pessoas o encarassem de forma estranha e se apressassem para ir embora, mas então ele cometeu aquele terrível erro de principiante. Aquele erro idiota de numb. Ele encarou os olhos de null.
E antes que ele percebesse, sua linha de pensamento havia se perdido outra vez.
— Caráter? — disse null, hesitante, franzindo o cenho adorável dela, esperando ele terminar sua linha de pensamento. E desta vez quando ele sorriu havia sido sincero, apesar da ponta de vergonha que havia sentido. Eddie apontou na direção de null, com um riso baixo.
— Ela é boa, bem boa — resmungou Eddie, meio balbuciando, ansioso. As palavras mal deixaram sua boca e ele se arrependeu completamente de as ter dito. Ela é boa? Que merda ele estava pensando! Foco, Munson, foco!
Sra. Lee lançou um olhar cético na direção de Eddie, mas pela primeira vez, não contestou suas intenções. Com um aviso silencioso para Eddie, o rapaz observou sua professora de biologia marchar pelo corredor em direção a sala dos professores, ainda sem acreditar o que havia acabado de acontecer.
Eddie encarou null de soslaio, observando o rosto dela se alterar minimamente daquela inocência convincente para uma expressão um pouco mais reservada, até mesmo envergonhada, olhando para o chão, enquanto segurava os livros firmemente contra o peito. Eddie coçou o lóbulo de sua orelha esquerda, de repente incomodado com a presença de seus braços, e sem saber o que fazer com eles, tentando resgatar em sua memória alguma posição que fosse legal, blasé, que ele pudesse usar, de repente, consciente demais com seu próprio corpo. Eddie cruzou os braços sobre seu peito, deixando-se escorar contra o batente da porta de entrada do laboratório de biologia.
— Então… você é tutora? — Eddie tentou fazer conversa fiada, tentando não fazer uma careta com a pergunta idiota que ele havia feito. Ótimo! Brilhante, Munson!
null mordeu o lábio inferior, e a mente de Eddie seguiu por um caminho inesperado e traiçoeiro.
— É, às vezes, a Sra. Kelsey costuma me avisar quando alguém precisa, não cobro muito, mas ajuda — confessou null, apertando os lábios juntos, em um sorriso meio desconfortável, meio sincero, encarando Eddie por um momento, antes de desviar os olhos, e Eddie percebeu, pela a primeira vez, que ela era tímida. A null null era tímida? Talvez Eddie tenha sorrido mais do que deveria. — Ei, me promete uma coisa?
— Só aceito pedidos às sextas-feiras — resmungou Eddie antes que pudesse conseguir se impedir, com um sorriso torto, e, para sua surpresa, null riu baixinho, assentindo como se estivesse tentando convir silenciosamente “boa”.
Por que diabos a risada dela soava tão bem? E por que diabos seu coração havia saltado assim?
— Pode tentar… você sabe, não colocar fogo na sala ou coisa do tipo? Meu pai me mata se descobrir que eu me envolvi em problemas aqui — null pediu.
Qualquer outra pessoa que tivesse feito aquele pedido teria ouvido um riso alto e debochado de Eddie, mas havia algo na voz de null, um pequeno tremor que ela parecia estar tentando esconder que lhe fez tomar uma pausa. Por um breve momento, Eddie lançou um olhar na direção do corredor, mais para verificar se estavam sozinhos do que por outra coisa, antes de voltar a encará-la. Sua expressão alterou-se para uma preocupação disfarçada, discreta, mas os olhos estavam presos no rosto dela.
Ele buscou por um momento no rosto dela uma explicação, esperando que ela continuasse sua fala, mesmo que fosse só para complementar com alguma piada ou algum outro comentário, ele buscou pela punchline, mas não encontrou nenhuma. Em vez disso, os olhos de Eddie capturaram a forma com que os dedos dela apertaram com mais força os livros contra o peito, e como os olhos dela evitaram os dele.
Motivado pelo desconforto por não saber o que dizer para ajudá-la, ou ao menos tirar aquela pequena nota de sobriedade no olhar dela, Eddie forçou uma risada baixa.
— Tá, certo, como se alguém do corpo docente fosse acreditar que você, null null, é responsável por causar algum caos por estes corredores — resmungou Eddie, com um tom zombeteiro. null o encarou, hesitante, cética, e Eddie percebeu que talvez sua escolha de palavras, ou seu tom de voz tivesse soado condescendente, então, Eddie fez o que sabia fazer de melhor: improvisou. Dramaticamente, ele correu em direção a mesa mais próxima de onde estava, e subiu em cima, girando em seus calcanhares e apoiando suas mãos ao redor de sua boca a fim de tentar amplificar o som de sua voz, tentando soar ao máximo que conseguia com algum anunciante medieval: — Eu, Eddie Munson, devo vos lembrardes a todos minha posição como o portador do caos, a ameaça viva às mesas, o carrasco cruel das cadeiras, e serei conhecido por nenhum outro nome que não seja, Eddie Munson, o destruidor de laboratórios... ouçam, ouçam... — Eddie deixou suas mãos penderem ao lado de seu corpo, saltando da mesa e caindo no chão como um gato, observando o rosto de null com atenção.
Ele podia ver escrito no rosto dela quais os pensamentos que envolviam aquela cabeça cheia de fios null: que esquisito. Mas diferente do desgosto ou até mesmo o nojo que ele esperaria de qualquer um naquele colégio, null parecia mais curiosa do que receosa, encarando-o com aqueles olhos null brilhantes, com aquele sorriso que ele perigosamente estava começando a gostar de ver.
— Tem minha palavra, madame, eu prometo. — Eddie levou sua mão direita em direção ao seu, inclinando-se um pouco para frente, compartilhando daquele sorriso dela antes de se endireitar.
null assentiu, parecendo um pouco mais aliviada.
Ele não queria deixá-la ir, pelo menos não tão rápido assim. Havia perguntas que ele queria fazer a ela — especialmente como alguém como ela acabava trabalhando para o velho Joe —, mas não tinha ideia de como chegar ali. Se fosse ser bem sincero — o que ele definitivamente não iria — Eddie só queria conversar com ela, fosse qualquer tópico, sua curiosidade havia alcançado um nível de deixar de ser apenas uma coceira incômoda, para algo doloroso.
— Ei, eu sei que isso pode não ser muito a sua praia, eu também não curtia, até Doug me mostrar, então talvez seja legal... — Eddie começou a dizer, improvisando, tentando encontrar uma maneira de continuar aquela conversa, e, especialmente, tomar um salto de fé, ao convidar ela para jogar o RPG com o resto do Hellfire. Céus, talvez mesmo ela decidisse se unir ao clube também! Ele certamente não se importaria se ela o fizesse! Eddie correu em direção à sua mochila, esquecida sobre a mesa de Sra. Lee, tentando lembrar em qual bolso havia deixado seu caderno de anotações e as malditas fichas, atrapalhando-se e derrubando o maço de cigarros no chão. Ele praguejou, entre dentes, exasperado, até conseguir retirar pelo menos a folha da ficha de personagem, tentando desamassá-la enquanto um sorriso satisfeito surgiu por seus lábios. Talvez, ele tivesse mesmo uma chance, quem sabe... — Se chama DND, Dungeons and Dragons, e é um jogo foda, não é muito difícil de aprender, eu posso...
A voz de Eddie desapareceu quando os olhos do rapaz se desviaram da folha para encarar a entrada do laboratório de ciência apenas para sentir a decepção espalhar-se por seu peito ao perceber que null já havia ido embora.
E ele havia perdido sua chance.
Mas foi o que havia bastado para ele.
Uma mentira, um sorriso doce e um pedido hesitante, e bum, ele havia se apaixonado pela garota. Não que ele fosse admitir isso — nem para si mesmo —, preferia morrer a reconhecer algo assim, afinal, era apenas uma desilusão em andamento de alguma fantasia que ele havia criado de alguém que sequer conhecia direito, mas seu coração passou a dar cambalhotas a cada vez que ela passava por ele no corredor da escola, a cada vez que ela o encarava com aqueles olhos null profundos e sorria, um sorriso que era apenas gentil educação, ele sabia, mas que ainda assim aquecia seu peito de jeito estranho.
Eles não se falaram mais depois daquele dia, e embora Eddie tivesse buscado alguma forma — qualquer forma — de puxar conversa com ela, chegar perto de null null, o solzinho de Hawkins sendo um esquisito como ele, era uma péssima ideia. Jason e seus capachos já pagavam de machões pela escola inteira o tempo todo, se suspeitassem que Eddie, o “esquisito”, estava tentando virar amigo da “garota” de um deles, seria o mesmo que usar um alvo em suas costas. E, mesmo que Eddie estivesse disposto, apenas por despeito, arriscar, Higgins ainda estava em sua cola, registrando seus passos apenas à espera de encontrar a desculpa para expulsá-lo — como se Eddie precisasse confirmar as suspeitas de seu tio sobre o quão filho do Al Eddie realmente era.
Finalmente, no entanto, hoje, justamente hoje, ele tinha a oportunidade perfeita. A desculpa perfeita. Ele iria pedir para fazer dupla com ela, apelaria para o lado emocional se fosse necessário, já que ele igualmente precisava da nota. Céus abençoassem Sr. Scout ou... sei lá, o que quer que desse sorte a ele!Ele só precisava alcançar ela antes que ela sumisse de sua vista para sua próxima aula — sempre a primeira a entrar, e a última a sair, é claro...
— Isso é baba no seu rosto? — Dustin questionou, praticamente invocado dos infernos, projetando-se ao lado direito de Eddie, que xingou em alto e bom tom, saltando no lugar, desperto de seus próprios pensamentos, voltando-se para encarar o calouro.
— Henderson! — Eddie rosnou baixinho, entre dentes, fazendo uma careta irritada enquanto fechava suas mãos em punhos, tentando se controlar para não bater na cabeça do garoto em retaliação pelo susto, mas se controlou. — Eu juro por...
— O que, o que você tá ainda fazendo aqui? Eu achei que a gente ia usar o almoço para planejar meu personagem! — Dustin começou a dizer parecendo confuso. Eddie resmungou algo inteligível por baixo de sua respiração, talvez uma concordância, talvez um resmungo irritado.
Os olhos dele buscaram ansiosamente por onde null null poderia ter seguido, praguejando baixo, enquanto tomava uma decisão de impulso. Levantou-se abruptamente de sua mesa, empurrando a mochila dele contra o peito de Dustin, segurando o calouro de cabelos cacheados e sorriso largo, repousando suas mãos ao redor dos ombros dele, encarando-o com uma expressão segura e ameaçadora ao mesmo tempo.
— A gente vai, depois. Vai na frente e guarda meu lugar na mesma — Eddie comandou. Dustin o encarou, estreitando os olhos, e parecendo tentando não rir.
— Jesus, cara, o que deu em você...
— Guarda meu lugar, Henderson! — Eddie praguejou entre dentes baixo, pedindo com os olhos para que Dustin apenas deixasse aquele assunto quieto e seguisse para a mesa deles no refeitório, na frente.
Eddie parou Dustin em sua direção, dando um beijo estalado na testa de Henderson, bagunçando os cabelos do garoto com um “você é o cara!” antes de disparar para fora da sala de aula, buscando com o olhar por null null. Eddie correu por entre os alunos de Hawkins High School, empurrando para fora de seu caminho alguns alunos enquanto seus olhos percorriam os rostos, desviando de Mike e Gareth com um “depois” antes de descer as escadas em direção ao hall de entrada da escola, apenas para se arrepender completamente do que havia acabado de acontecer.
Jason, Chance, e o resto dos idiotas dos Hawkins High Tigers entrando no prédio, suados e rindo alto, provavelmente vindo direto do ginásio. Eddie trincou os dentes, considerando se deveria tentar sua sorte e ao menos fazer uma piada em desafio, ou se ele estaria se arriscando demais, encarando o time sozinho. Munson tencionou a mandíbula, grunhindo baixo enquanto girava em seus calcanhares, e então subia as escadas em direção ao telhado da escola.
A entrada era proibida, é claro, mas desde quando Eddie Munson era conhecido por seguir regras? Conformidade era o que realmente matava as crianças, e ele estaria condenado se aceitasse ser comandado por um pedaço de metal e tinta seca! Eddie lançou um olhar por sobre seu ombro esquerdo, tentando ter certeza que ninguém do time, especialmente Jason o havia seguido, antes de empurrar com seu ombro a porta de entrada dos telhados, tropeçando em seus pés e xingando em alto e bom tom. Eddie passou as duas mãos por seus cabelos, a fim de tirá-los de seu rosto, suspirando pesado, frustrando. Merda, essa era a segunda chance que ele havia tido, e havia perdido! Eddie apoiou as duas mãos em seus quadris, com raiva de si mesmo, e com uma ponta de desapontamento gritante.
Que merda...
— Você não deveria estar aqui! — disse null null, parecendo ter sido pega desprevenida. Eddie arregalou os olhos erguendo sua linha de olhar para encarar null, como rosto marcado por lágrimas, parecendo assustada, sentada no parapeito do telhado, segurando os fones de seu walkman como se fosse a única linha que a mantivesse viva.
Mas que merda ela estava fazendo ali?
1 A música You Give Love a Bad Name do Bon Jovi foi lançada em 1986, foi adaptada aqui para ter sido lançada mais cedo, por volta do fim de 1985.