Capítulo 1 • O Ínicio
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O sinal do intervalo ecoava pelos corredores do Colégio Pinheiros, misturando-se às vozes animadas dos alunos. Hugo Figueiredo e Pietro Maggie estacionaram em seus armários lado a lado, prontos para o ritual diário: o lanche compartilhado na mesa redonda da cantina.
— Cara, você viu o %Josié% hoje na aula de História? — perguntou Pietro, mordiscando um pedaço de sanduíche.
— Vi por alto, mas ele ficou o tempo todo com o olhar grudado no caderno — respondeu Hugo, ajeitando a mochila.
Os dois se entreolharam quando Clara e Vini se aproximaram com um sorriso maroto.
— Vocês topam um desafio? — lançou Vini, misterioso.
— Qual seria? — questionou Hugo, curioso.
Clara fez um gesto teatral:
— Queremos ver vocês se tornarem o melhor amigo do %Josié% Agudo durante um mês. Depois, podem brincar um pouco com o coraçãozinho dele, ver a reação.
O nome de %Josié% soou quase como uma ironia nos lábios de Clara: o garoto mais tímido da escola, que mal falava com professores e nunca ria alto. Além disso, ele acabara de romper a amizade com Chieu, seu único confidente até então.
— Melhor amigo por um mês? Fechado! Vamos bolar o plano agora mesmo.
Sentaram-se num canto da cantina e abriram um caderno de anotações.
— Primeiro passo: abordagem suave — começou Hugo. — Sem gritaria, sem forçar “oi, %Josié%!”.
— Exato — concordou Pietro. — Podemos começar deixando um recadinho anônimo no armário dele. Algo como “Ei, gostei da sua postura na prova de Geografia. Se quiser dicas, me chama.”
Eles imaginaram %Josié% encontrando o bilhete. Primeiro ele hesitaria, olharia em volta, preocupado com alguma peça de maldade — afinal, era alvo de poucas brincadeiras, mas sempre desconfiava das intenções alheias.
— Depois disso, no dia seguinte — continuou Pietro —, a gente espera ele meio perdido no intervalo e chama pelo nome. “%Josié%, quer companhia pra estudar?”
— Sem soar invasivo. Apenas um convite genuíno — completou Hugo.
Enquanto rabiscavam detalhes, um eco de risadinhas ajudou a confirmar que o plano já estava rolando por toda a mesa. Clara anotava possíveis desculpas para encontros na biblioteca; Vini sugeria um jogo de perguntas e respostas para quebrar o gelo.
Ao término do intervalo, o bilhete fora cuidadosamente dobrado e depositado no armário de %Josié%. Os dois se esconderam atrás de uma coluna, observando-o voltar com calma.
%Josié% franziu a testa, tirou o bilhete, ficou imóvel por um instante. Desdobrou o papel e leu. Surpreso, olhou ao redor, inseguro. Por fim, guardou o recado no bolso, respirou fundo e seguiu em direção à sala de aula.
Hugo e Pietro trocaram um sorriso de cumplicidade. A primeira etapa do desafio estava cumprida. Agora, bastaria esperar para ver se o garoto tímido aceitaria a aproximação ou, quem sabe, daria a volta por cima ainda mais fechado.
E assim começava o jogo de se aproximar de %Josié% Agudo — sem imaginar que, nesse processo, as regras do próprio desafio poderiam mudar para sempre.
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O corredor do segundo andar estava quase vazio quando %Josié% Agudo apertou o papel entre os dedos com o coração aos pulos. Era o bilhete que Hugo Figueiredo e Pietro Maggie haviam deixado no seu armário:
“Você tem um jeito diferente em Geografia. Que tal almoçar com a gente hoje?”
%Josié% arregalou os olhos. Desde que rompera a amizade com Chieu — seu melhor amigo de anos —, ele sempre optara por passar despercebido. Gostava de ficar na dele, sem chamar atenção. Agora, uma marca de caneta azul de Hugo e Pietro surgia como um convite e uma armadilha ao mesmo tempo.
— É pegadinha? — murmurou, guardando o bilhete no bolso da jaqueta.
Ainda assim, a curiosidade falou mais alto. No dia seguinte, às 11h45, ele se dirigiu ao pátio, onde viu Hugo e Pietro sentados na mesa de sempre. Eles levantaram-se quase que em sincronia.
Hugo (com um sorriso aberto): %Josié%! Que bom que veio. Senta aqui com a gente.
Pietro (fazendo sinal): Cola, cara. A gente quer te conhecer melhor.
%Josié% hesitou, mas se aproximou. Puxou a cadeira e se sentou ao lado de Hugo, encarando Pietro do outro lado.
%Josié%: Obrigado pelo convite. Mas… não sei o que vocês querem.
Hugo: Relaxa. A gente viu que você manda bem em Geografia, explica sempre as paradas certo, e quis te chamar pra trocar umas ideias.
Pietro (brincando): É, e a gente adora uma competição saudável. Quem sabe a gente não fecha parceria de estudos?
%Josié%: Nunca pensei que alguém se interessasse… Eu normalmente só passo batido.
Hugo (aproximando-se): É justamente isso que a gente curte. Sem estrelismo, sem drama. Autêntico. Por que ficar longe de todo mundo, cara?
O rosto de %Josié% suavizou. Era a primeira vez, depois de tanto tempo, que alguém demonstrava real curiosidade pela sua companhia — e não por status ou fofoca.
%Josié% (encolhendo os ombros): Acabei afastando o Chieu depois de a gente ter brigado feio. Foi burro, eu sei. Mas preferi ficar na minha.
Pietro (com tom de consolo): Amizade é meio complicada mesmo. Mas, às vezes, vale a pena tentar recomeçar com gente nova.
Eles conversaram sobre filmes, jogos de tabuleiro e até desenharam mapas fictícios de cidades. O clima ficou descontraído, tão diferente do silêncio habitual de %Josié%.
Enquanto mastigava o sanduíche, ele se perguntou se seria sincero ou apenas mais uma peça na aposta de Hugo e Pietro.
— Mas então… qual é a aposta mesmo? — %Josié% soltou a pergunta no meio de uma risada sem graça.
Hugo e Pietro trocaram um olhar rápido. A expressão de Pietro era impassível; já Hugo tentou mascarar o sorriso com um gole de suco.
Hugo: Ah, isso… Bem, é uma bobagem interna, sabe? Mas podemos combinar que, se você quiser, faz parte do nosso time de amigos “descolados-geográficos”.
Pietro (com ar despretensioso): Você topa?
%Josié%: Claro. Vou topar.
Naquela hora, %Josié% sentiu algo que não sentia há meses: um ligeiro calor de pertencimento. Esqueceu por um instante o vazio deixado por Chieu.
Pouco antes do sinal bater, Hugo e Pietro levantaram-se e foram até um canto do pátio. %Josié% guardou seu lanche e voltou à classe. Lá fora, eles sussurraram:
Hugo (sorrindo de canto): Tá dando certo.
Pietro (com aquele ar de superioridade baixa): Muito bom. Mas a aposta continua. Vamos ver até onde vai esse “time novo”.
Eles se distanciaram, deixando %Josié% sem desconfiar de nada. Para Hugo e Pietro, era só o começo de um jogo que testaria limites — mas, naquele almoço, também haviam descoberto algo que nenhum deles esperava: %Josié% Agudo tinha um coração maior que qualquer aposta. E, por ora, só era preciso fingir indiferença para manter o desafio vivo.