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#018 Temporada

The Lucky One
Taylor Swift


   

De Um Jeito Diferente

Escrita por Nicole Manjiro | Revisada por Songfics

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  Antes – 2006

   se aproximou do portão duplo de metal que dividia a área escolar, da rua. Ao redor, dezenas de garotas passavam por si, enviando olhares de julgamento, provavelmente questionando-se quem era aquela menina nova no portão da escola, trajando o mesmo uniforme, mas não entrando com a mesma confiança que todas as outras.
  Seus cabelos escuros iam até o meio das costas, eram tão pesados que nem uma brisa mais forte poderia movê-los de uma vez. Os olhos, apesar de grandes, não demonstravam animação com o que viria a seguir. Era magra e, na escola anterior, considerada uma beldade. Odiava mudar de escola. Acontecia sempre que a mãe decidia seguir um novo amor. No caso, o amor era um dentista. já não esperava mais por muita coisa, afinal, eram anos de mudanças e anos de homens quebrando o coração de sua mãe.
  Talvez o problema fosse sua mãe, com a personalidade fraca. Boazinha demais, sempre estava disposta a fazer de tudo – inclusive mudar sua filha de cidade e escola, sem lhe perguntar como se sentia  – pelo homem a quem dizia amar.
  Mas essa seria a última vez, pensou , enquanto preparava-se para a que seria a última mudança. Última, porque, a partir do próximo ano, sairia em busca de seu sonho.
  A morte do pai, há oito anos, abalou tanto a si, quanto a mãe, a diferença é que enquanto a mãe demonstrou com seus milhares de amores, optou por guardar a dor somente para si. O homem, apesar de ser a figura paterna, sempre foi um grande aliado e amigo de . Presente na vida da filha desde sempre, a descoberta de um câncer no pâncreas foi o drama da vida da família. O médico não fora positivo com o diagnóstico, e com razão, descobriu um ano depois com a morte do pai.
  A Escola East Para Garotas era a última coisa que precisava em sua vida. Mudar-se para Manhattan, o lugar que era o sonho de muitas pessoas ao redor do mundo, mas não o dela, fez com que a garota afirmasse, com toda certeza, de que iria voltar para San Diego no ano seguinte, na Universidade da Califórnia, mesma instituição que seu pai se formou em Direito.
  – Não vai entrar? - ouviu um pouco à frente, uma menina tirá-la de seus devaneios.
  – Ah - murmurou, dando um pequeno salto com o susto – vou, vou sim.
  Seus pés se moveram antes que pudesse lhes passar o controle. Ultrapassou o portão de ferro enorme e caminhou em direção à escadaria que dava para o interior do colégio. Não era de se esperar um colégio desse tamanho no meio de Manhattan, mas lá estava, grande e imponente. Mostrando que ali eram formadas as garotas das famílias mais nobres dos Estados Unidos.
  Inicialmente, fora contra sua entrada na escola. A vida inteira, estudou em colégio público, que oferecia tudo o que precisava. No entanto, o novo amor da mãe disse que, se a filha dela queria entrar em Direito, deveria ter um histórico importante para mostrar na entrevista. Repentinamente, Julia, sua mãe, começou a se interessar pelo futuro da filha, chegando a mencionar Harvard e Yale, escolas que não imaginava que a mulher soubesse a existência.
  Suspirou, imaginando que a mãe seria um problema que a do futuro resolveria. No momento, havia outro desafio maior. Sobreviver às garotas ricas de Manhattan.
  Já ouvira falar sobre elas. Sobre a maneira como se comportavam; doces à primeira vista, víboras assim que lhe dá as costas; suas amigas em San Diego haviam lhe dito. Uma delas foi estudante na cidade, e trouxe toda a experiência terrorífica. E tinha de passar por isso tudo justamente no último ano, quando as panelinhas já estão formadas e as amigas - provavelmente de infância - não aceitam mais nenhum intruso no meio delas.
  – Bom dia, jovens! - uma senhora que aparentava ter seus cinquenta anos, entra na sala de aula. não conseguiu, por mais que tentasse, desviar a atenção da enorme pinta bem no meio da testa, como se ela tivesse sido milimetricamente calculada para estar ali, no centro, onde todos e qualquer um pudesse ver. – Sei que não estão ansiosas para o início deste ano, já que é o último, mas nada como começá-lo com uma boa canção. Às queridas alunas novas, espero que sejam afinadas!
   abriu a boca em um belo ‘O’ e observou a mulher limpar a garganta e tirar um pedaço de maneira bem comprido, que apontou para todas e então fez com que todo mundo cantasse uma música que, aparentemente, todo mundo sabia, menos as alunas novas, que consistiam em e mais uma.
  – Não se preocupe – a garota sentada ao seu lado disse –, você decorará até o final da semana. Ela nos faz cantar essa música todos os dias, nos dois períodos. Não sei que tara ela tem pela Celine Dion, mas seja o que for, pelo menos ela mudou o repertório para o inglês.
  – Não era inglês?
  – A Celine é francesa - a garota ergueu o canto da boca, em um sorriso debochado, enquanto mandava um olhar combinando com ele para a professora, animada em ver suas jovens cantarolarem a música –, logo…
  – Ah… nossa.
  – A propósito, sou Anna.
  – .
  – Ótimo, a professora de literatura irá amar você. - a garota sorriu e, quando inclinou a cabeça para o lado, mostrando que não havia entendido, logo explicou: – O sonho dela era que tivéssemos uma sala com garotas cujos nomes tivessem a inicial de todas as letras do alfabeto. Carmelia saiu há dois anos e, pelo que sei, o nome da outra novata é Willow.
  – Vocês têm alguém com Z?
  – Zara. - apontou para a primeira aluna da fileira em que estava. – Mas o pior é a Quésia - apontou para a última aluna, da última fileira – e a Ximera. - sussurrou ao apontar para a garota do outro lado de . – Até hoje, quase toda a sala têm dificuldade em pronunciar seu nome. Apenas a chamamos de Mera.
   apertou os lábios em uma tentativa de suprir a vontade de rir.
  Descobriu, então, que a garota de San Diego estava errada sobre as garotas de Nova Iorque. Aquelas, pelo menos, não eram de todo ruim. Achou, imediatamente, que saberia lidar com elas, mesmo que fossem ruins, no entanto, logo após as aulas, ela e a outra novata, Willow, logo foram convidadas para um lanche de confraternização.
  
  O lanche, em uma cobertura da aluna que se apresentou a líder da classe, possuía mais do que as 30 alunas. ficou boquiaberta com o tamanho da residência, que, apesar de ser um prédio, acomodava bem mais do que 30 pessoas de forma tranquila. Era por isso que havia cerca de cinquenta; os demais visitantes eram garotos que usavam um uniforme de uma escola diferente.
  – É a irmandade masculina do nosso colégio. Fica na quadra de trás. Mas nossos fundos são grudados – Anna disse, bebendo um gole de champanhe. O álcool era livre, mesmo todos sendo menores de idade. Ninguém, no entanto, parecia se importar em estar infringindo a lei, o que fez se sentir mais à vontade. Na Califórnia, muita gente fazia coisa pior na idade deles. – Você gosta de bagunça?
  – Que tipo de bagunça?
  Anna abriu um pequeno sorriso e fez sinal para acompanhá-la.
  Caminharam para o lado externo da cobertura, em direção a uma piscina particular que havia ali. As duas retiraram os sapatos e mergulharam os pés na água aquecida. Anna retirou um cigarro do bolso da saia e entregou um para , que não hesitou em aceitar.
  – Você é a rebelde da sala?
  Anna riu.
  – Acredite, eu sou a santa. - acendeu seu cigarro e deu um longo trago, respirando fundo logo em seguida. – Victoria é a pior. - disse, apontando com a cabeça para dentro da casa, onde a anfitriã havia sumido logo no início. – Ela é líder porque precisa manter a boa imagem para os pais, que querem que ela entre em Harvard. E ser líder da turma é um bom adendo no histórico. Mas todo mundo sabe que ela é louca.
  – Louca?
  Anna se inclinou para perto de , que se aproximou para ouvi-la sussurrar bem baixo:
  – Ninfomaníaca.
  – Ah.
  – Mas quem pode julgá-la, não é? Todo mundo tem um vício em algo legal ou gostoso.
  – É mesmo?
  – É. Veja bem – apontou para o cigarro –, legal e gostoso.
  – Seu vício é o cigarro? - perguntou, achando irônico.
  Anna ergueu os ombros.
  – Eu disse que sou a mais santa.
  A nova amiga explicou, então, que aquela turma de garotas era excepcional por três razões:
  1. Todas possuíam contato familiar com alguém extremamente rico ou famoso, o que tornava a sala, a favorita dos professores e diretores;
  2. Sem excessão, todas as alunas se davam bem e formavam um grande grupo de amigas, o que facilitava nas provas, trabalhos e vida social;
  3. Todas as integrantes, sem exceção, eram lindas de morrer, fazendo com que a sala fosse chamada de Jardim de Éden.
  – Jardim?
  Anna riu.
  – Você vai entender, novata, que aqui em Upper East as pessoas não ligam se você é muito rica, porque todo mundo é. O que irá diferenciá-la do resto da população, é a apresentação. – apontou para o rosto e corpo inteiro. – Que bom que você não é feia.
  – E se fosse?
  A garota soltou o trago do cigarro e olhou para cima, soltando uma risadinha ao se lembrar de alguma memória, respondendo em seguida:
  – Carmelia se mudou para a Flórida.
   não precisou perguntar mais nada. Entendeu perfeitamente o recado.
  O que Anna disse veio a se mostrar verdadeiro quando o grupo de 30 garotas saíam para passear. Ainda que tivessem em grupos menores – o que sempre acontecia –, era impossível não perceber que eram tratadas de modo diferente, apenas porque eram bonitas e legais. Achava coisa de filme alguém agradecer por ser humilhado em público, mas quando aconteceu à sua frente, viu que ter aparência era muito mais importante do que, de fato, ser alguém com talento.
  A segunda prova dessa afirmação aconteceu um mês depois, quando o grupo de cinco garotas com quem saía foram abordadas por policiais por estarem embriagadas dentro de um carro. No posto policial, o grupo encantou os oficiais, que, inicialmente, mostraram resistência em nome da lei, mas que, no final das contas, apenas deram uma advertência, porque sabiam que “garotas bonitas não fariam mal algum ao cidadão”.
  Naquela noite, voltou para casa eufórica. Havia descoberto um lado seu que ninguém havia dado o devido valor. Nem mesmo ela. Sabia, sim, que era uma beldade. Era tratada como uma na Califórnia, mas ter certeza e fazer disso uma arma, era o plano perfeito para uma vida feliz.
  Pelo menos era o que ela achava. E ela não estava errada. Sabia que não, afinal, ela era bonita. E todo mundo ama uma pessoa bonita.

  Hoje – 2020

   chega a Paris para mais uma aparição exclusiva na Paris Fashion Week. Antes já divulgado pela imprensa local, a artista continua sendo a grande atração da marca X, cujo desfile é o mais aguardado da temporada.
  – Desligue – disse para o motorista, que de pronto a obedeceu.
  Olhou para a paisagem francesa e não se maravilhou nem um pouco com o que passava em sua janela. Paris era como sua segunda casa. Havia tanto trabalho ali, que ela mal conseguia aproveitar sua casa em Calabasas, onde tinha colocado muito dinheiro na reestruturação de uma propriedade milionária, para que ela se adequasse ao seu gosto.
  E o valor, apesar de absurdamente alto para pessoas com um ou dois salários mínimos, para ela não fez nem cócega em sua conta bancária.
  Desde que descobriu que sua aparência abriria portas, fez bom uso do atributo. Unido à sua força de vontade, ao talento investido pelos pais desde criança e o desejo de voltar para a Califórnia e parar de viver sendo carregada pela mãe de um lado para o outro, a agora mulher conquistada tudo o que queria no mundo do cinema e do empreendedorismo; exceto a parte de parar em casa. Percebeu, no entanto, que se o motivo para não parar em um lugar fosse seu trabalho e algo que fizesse por si mesma, então tudo bem. A mãe, agora casada com um arquiteto em Atlanta, vivia a própria vida com o marido e os filhos dele, enquanto mantinha o império que criou nos últimos dez anos.
  A porta ao seu lado foi aberta pelo motorista, indicando que ela havia chego ao hotel de sempre. Desceu com um pequeno sorriso no rosto e os óculos de sol em riste. Mesmo sendo de noite, as luzes dos flashes a cegavam, o que poderia fazê-la causar uma cena não muito bonita, algo que ela abominava.
  Quando deixou o paparazzi e os fãs para trás, respirou fundo, aliviada pelo tumulto ter acabado. Apesar de ser sincera ao encontrar os fãs e distribuir autógrafos e fotos com muito boa vontade, qualquer um se sentiria aliviado em se ver livre de uma multidão. Olhou discretamente para o lado, onde enxergou exatamente quem não queria sentado em uma poltrona afastada.
  – O que diabos ele faz aqui? - perguntou à assistente, assim que as portas do elevador se fecharam. – Por que me colocaram no mesmo lugar que ele?
  – Não sei o que pode ter acontecido, fomos muito claros nas exigências para com o hotel. Vou resolver isso imediatamente, , não se preocupe.
   revirou os olhos, como se aquilo fosse mudar alguma coisa.
  O primeiro erro, foi toda sua equipe deixar cair nas mãos de um jornalista malandro, alguns de seus segredos, que foram estampadas na página principal de um blog grande de fofocas, sem filtro e com muitos detalhes.
  A primeira reação que teve, foi tacar o tablet que mostrara aquela notícia, na parede. Em seguida, gritou para que todos os vizinhos ouvissem sua raiva – ainda que fosse impossível, a residência e o terreno da mansão eram grandes demais para o som chegar ao vizinho mais próximo. Por fim, demitiu um assistente e aumentou a dose de remédios para ansiedade, um aliado seu desde quando atingiu o topo da fama.
  Estar sobre os holofotes nem sempre era bom, descobriu alguns anos após sua estréia no cinema. O fato de não ter os pais presentes para lhe dar apoio emocional tornava tudo ainda mais difícil de lidar. Era ela quem tinha de dizer para si mesma o que era ou não bom fazer; ninguém, nem mesmo seus funcionários mais fiéis, lutaria por ela. Estava sozinha desde que saiu de casa. No começo, era fácil e delicioso. Após a pressão dos fãs, dos haters e dos paparazzis foi que percebeu que ela não podia contar com ninguém.
  Nos comentários da notícia, a frase mais dita era:
  
  “Logo mais alguém faz algo pior e ela sai dessa. Ela é muito sortuda.”
  “E ela lá está se importando com esse babado? Ela tem tudo o que quer, é muito sortuda.”
  “Uau… quem diria que a princesa, na verdade, é gata borralheira? Ainda assim acho que ela é muito sortuda.”

  Ela era sortuda.
  Por ser famosa. Rica. Bonita. Muito bonita. Muito rica. Muito famosa.
  Quando se tem todas essas qualidades, quem precisa de algo mais? Quem se importa com uma notícia ruim?
  – Preciso de um tempo – disse após entrar no quarto. Sua equipe mal a questionou, saindo de fininho e fechando a porta.
  Ela se sentia esquisita. Parecia que algo estava errado.
  Ainda que não fosse até à sacada, olhou a vista da janela. A Torre Eiffel brilhava ao fundo. Eram 20h. Para alguns, já era tarde, o fim do dia. Para outros, cedo, apenas o início de uma noite.
  Sentou-se no divã em frente à cama, olhando para a paisagem no lado de fora. Tinha tudo o que queria, ao mesmo tempo, sentia que não tinha absolutamente nada.
  As amizades que todos tanto invejavam não estavam ali para apoiá-la. A família que todo mundo um dia pensou não precisar, não existia. O amor em quem ela tanto confiou, a traiu com uma artista rival. Gastar dinheiro não era mais divertido, já que ela podia fazer quando quisesse. Conhecer um lugar novo não era mais tão legal sozinha.
  O celular apitou e ela olhou o visor. Era Anna, sua amiga de longa data.
  “Quer dizer que você acordou em Paris, huh? Que tal dividir um pouco da sua sorte com essa belezura que tanto te aguenta? A.”
  A vontade de responder era: pegue. Pegue tudo. Não preciso de nada disso.
  Mas soaria ingrata. E as pessoas não acham bonito uma pessoa parecer ingrata. Deve-se agradecer por ter tudo, não reclamar. Não poderia, jamais, ser vista como uma pessoa ruim. Conseguia aceitar que era traída. Até aceitara que a maioria das pessoas achavam que ela havia dormido com metade do mundo para chegar aonde estava. Queria, inclusive, ter realmente realizado este feito, pois era muito melhor do que ser alguém sem absolutamente ninguém com quem sentir prazer.
  O celular vibrou novamente com uma nova mensagem:
  “Vi na televisão que você está aqui em Paris. Que tal nos encontrarmos? J.”
  Jacques. O imbecil Jacques. O modelo favorito do diretor criativo de uma das maiores marcas mundiais. Para chegar aonde estava, ele dormiu com meio mundo. Para as modelos e artistas, ou mulheres influentes, ele se dizia hétero. A conversa, no entanto, era outra para os homens de poder. E assim Jacques chegou ao topo. E assim se mantinha, mesmo não sendo mais tão jovem quanto o mundo da moda gosta.
   suspirou e respondeu:
  “Venha me buscar daqui uma hora. Me leve para jantar.”
  Em resposta, recebeu um simples ‘oui’ seguido de um emoji piscando.
  Estava saindo com Jacques. Dentre todos os homens no mundo, um patético, bonito por fora, mas horrível por dentro. Provavelmente dormiria com ele. Certamente dormiria. Se gastar o dinheiro não lhe trazia mais prazer, talvez ainda houvesse salvação com o sexo.
  Até aonde ela iria descer? O fundo do poço estava logo ali.
  Abriu as mídias sociais, que a lembrou: ela era muito sortuda.
  Era?

  Depois do ‘hoje’ – 2024

  A nova linha de produtos de beleza Mono Beauty é um sucesso absoluto. 15 minutos após o lançamento do +Spark, a marca anunciou o esgotamento da coleção, que é composto por uma seleção de 22 cores de batons e brilhos labiais, 4 paletas de cores e a novidade: os lápis de olho 2 em 1, que promete ser a tendência da moda.
  Não é a primeira vez que uma das marcas administradas por sai em frente nas vendas, causando furor nos fãs que esperam, há 3 anos, por uma aparição da atriz e empresária, após seu sumiço repentino da mídia.
  Que a nova coleção seria um sucesso, não é mistério para ninguém. O mesmo real é: onde está ?

  Ela fechou a tela do notebook com um pequeno sorriso no rosto e caminha para o lado externo da casa sobrado que havia construído em um bairro ainda pouco habitado, e afastado da cidade de Salt Lake City, em Utah. Olhou para a paisagem das montanhas que, mesmo em pleno outono, já mostrava a neve em seu topo.
  Tomou um gole de sua água flavorizada, um hábito saudável que mantém desde que entrou na carreira. Sentou-se em uma confortável poltrona, posicionada com a intenção de observar a paisagem da natureza.
  – Eu sabia que estaria aqui - ouviu atrás de si.
  – Onde mais estaria?
  – Onde, não é mesmo? - o homem se sentou ao seu lado e passou um braço atrás do corpo da mulher, que inclinou a cabeça e a apoiou no ombro do companheiro. – Anna está chegando.
  – Ela não vive sem mim.
  – Nenhuma flor vive sem você - ele ri.
  As garotas do grupo de escola foram auto-nomeadas ‘flor’. De tanto a sala ser chamada de Jardim de Éden, o grupo acabou entrando na brincadeira. Como Anna havia dito à , o grupo da sala era verdadeiramente unido, e assim é até os dias atuais, mesmo com algumas seguindo caminhos mais complicados, como Victória, a líder da turma, que foi internada duas vezes em tentativas frustradas de seu namorado - e agora marido - em controlar seu vício por sexo, nenhuma foi deixada para trás e, uma vez a cada 6 meses, todas se reunem em algum lugar do país.
  Entretanto, foi Anna quem permaneceu mais próxima de . As duas, carne e unha, além de se falarem praticamente todos os dias pelas plataforma de mensagens instantâneas, fazem visitas frequentes – mensal.
  Foi, inclusive, Anna quem incentivou a “sumir do mapa”, após a primeira e única crise existencial que a mulher teve, após a semana de moda de Paris em 2020.
  Após uma ligação de para Anna, chorando. A amiga pegou o primeiro voo disponível para Paris e buscou a artista no hotel em que havia ido com o amante. De lá, ela a levou de volta para os Estados Unidos, em uma fazenda bem no fim do mundo do Arizona, onde as duas permaneceram um mês inteiro, até se ver normal novamente e pronta para voltar à mídia. Mas Anna não permitiu. Disse que não adiantava tapar o sol com a peneira. precisava de uma vida normal. E nada do que é na frente dos holofotes pode ser considerado normal.
  Dessa maneira, as duas voltaram para Manhattan, de onde Anna nunca saiu, e começou a fazer um tratamento psicológico, além de aulas aleatórias, como “como fazer belos arranjos de flores” e “cursos de culinária para iniciantes”. Foi no meio dessa agenda que ela reencontrou , o primeiro – e talvez único – homem a vê-la como a mulher que ela era.
  Olhou para ele, que observava a paisagem e mantinha uma expressão tranquila. Aconchegou-se mais perto do homem, que abriu um sorriso e depositou um beijo no topo da cabeça da mulher.
  – Não está com frio?
  – Com você aqui?
  – Infelizmente, não consigo te proteger de todos os ângulos.
  – É o suficiente. - ela sorri, o olhando.
  Se comparado à , é bem alto, os cabelos fartos e a barba sempre feita. Não ligava para moda, mas por ser um morador do Upper East Side por metade da sua vida, o bom gosto vem de berço. O físico bem preparado se deve aos esportes que gosta de praticar com os amigos que fizera em Salt Lake City, e também ao trabalho. Arquiteto, gosta de passar metade do tempo em frente a uma prancheta, e a outra em campo, conversando com os profissionais e garantindo que os engenheiros não façam tudo da maneira como eles querem. Mudou-se com sem hesitar, após ela mencionar que havia encontrado um bom terreno em Utah. Ele, inclusive, quem projetou toda a casa e acompanhou de perto sua construção, enquanto os dois viviam em uma casa de aluguel em um condomínio afastado da cidade. Apesar de não estarem casados, qualquer um consideraria que eles estavam quase lá. Mas os dois não gostavam de títulos. Eles estavam juntos e pronto.
  – Não acredito que os dois estão namorando, e não preparando o meu jantar? - a voz de Anna surge, enquanto a risada de Oliver, seu namorado de anos, ecoa. – Eu te disse que deveríamos ter parado no restaurante.
  – O jantar está no forno. – disse , levantando-se para cumprimentar o casal de amigos que chegava. – E mal anoiteceu, Anna.
  – Eu gosto de entrar chamando a atenção. É minha característica, o que posso fazer? - ela ergue os ombros enquanto se senta ao lado de , trocando um abraço com a amiga. – Que tal um vinho? - olhou para os dois companheiros em pé, que logo caminharam para dentro da casa. – A vida real está uma loucura, amiga.
  Anna gostava de se referir à vida em frente aos holofotes como “a vida real”, já que, de fato, para , era um mundo completamente à parte daquele que vivia.
  – Você acredita que existe um fórum que está APOSTANDO, literalmente, sobre onde você está e o que está fazendo?
  – Eles sabem o que eu estou fazendo, minhas marcas estão à toda.
  – Pfff! - Anna balançou a mão. – Ninguém se importa de verdade com a verdade. A aposta mais divertida foi que você engravidou de um ladrão e está escondida na Ásia, criando seu filho; apesar de que a ideia de você ter casado com um Sheik e divide o homem com mais doze mulheres também foi muito genial; seu valor foi estimado em mais de um milhão de camelos, amiga!
  – E isso é possível?
  – E eu sei lá! Se for, o que diabos você está fazendo aqui com o ? - e apontou para trás, onde os dois homens conversavam na cozinha, enquanto escolhiam a garrafa de vinho a beber. – Apostei na ideia da Ásia, claro.
  – Você apostou? - olhou para Anna surpresa, movendo seu corpo em direção à amiga. – É sério?
  – É claro que é sério. Mas gostei tanto da ideia do Sheik, que criei um perfil para Oliver e apostei nela. Que tal você postar em suas redes sociais uma foto ao lado de um Sheik na Ásia? Uau! Seria um arraso.
  As duas caíram em gargalhada, como sempre faziam quando estavam juntas. Anna sempre era o humor da dupla, enquanto fazia seu papel de ser o motivo do humor. O fato de namorarem irmãos gêmeos tornava tudo ainda mais conveniente.
  – Amor, que tal você cortar o cabelo como ? – Anna perguntou para o namorado, enquanto olha para o corte de , sentado no lado oposto das duas amigas.
  – Para você beijar meu homem dizendo que se enganou? - lhe dá um chute, gargalhando novamente ao ver a amiga fazer uma cara de culpada e murmurar um ‘ops’.
  – Tenho certeza de que se ele cortar o cabelo, ainda assim não ficará bonito como eu. – sorriu para Anna, que lhe respondeu um palavrão, causando ainda mais gargalhadas em .
  Ela observou o trio discutir sobre a beleza desigual dos gêmeos, enquanto ponderava sobre como poderia estar tão satisfeita com tão pouco, se comparado à vida que tivera há 5 anos. Encarou e seu enorme sorriso, e automaticamente sorriu junto a ele. Não esperava reencontrá-lo, muito menos em se relacionar com ele, após anos separados, vivendo uma vida que o homem desaprovava.

  FLASHBACK - 2006

  – Você não fala com Carmelia? - perguntou um tempo depois, quando considerou o silêncio demasiadamente longo. Observou a reação de Anna, que soltou a fumaça do cigarro e olhou para o céu poente.
  – Eu nunca deixo de falar com alguém. - ela finalmente disse, segundos depois –, são eles quem decidem parar de falar comigo.
  A novata ficou observando a veterana se perder em seus pensamentos, até o momento ser interrompido por uma voz:
  – Seu dono está te procurando, Anna.
  – Ah… existe uma pessoa que quer saber como está a temperatura da água, novata. - a cabeça de Anna virou na direção de , mas seus olhos pararam em um ponto atrás dela. – Se você tem amor ao seu pau…
  – Uau! Quer dizer que as flores podem falar palavras como ‘pau’? - e deu risada quando a garota levantou e o segurou, pronta para empurrá-lo para dentro da piscina. – Desculpe! Desculpe! - ele disse, rindo, achando divertido a reação dela. – Agora é sério, mais um minuto e talvez Oliver seja assediado por Victória.
  – Vadia – Anna saiu correndo de volta para dentro da cobertura, deixando sozinha com o garoto.
  – Nova aluna?
   - ela disse o próprio nome, fazendo-o entender de que tinha um e que não iria querer ser chamada de novata por ele também.
  – Claro. . - apontou para si mesmo. – Posso me sentar?
  A garota olhou com atenção para o moço, enquanto assentia e o via se sentar ao seu lado, tirando os próprios sapatos, para imitá-la, mergulhando os pés na piscina. Viu como ele era alto, e também forte. Claramente fazia parte do grupo por ser bonito. Sua voz também era agradável, e as mãos, enormes. Talvez tão grande que pudesse cobrir o rosto inteiro dela.
  – Você é da escola irmã?
  – Sou universitário.
  – Ah. - ela desviou o olhar, sem graça. Nenhum garoto naquela faixa de idade gostava de ser visto como uma criança. E para universitários, meninos de escola provavelmente ainda eram crianças. – NYU?
  – Columbia. Engenharia.
  – Uau.
  – Não é nada demais, na verdade. Para ser sincero, não estou amando como os estudantes modelo.
  – Você não é um estudante modelo?
  Ele a encarou com um sorriso sarcástico estampado no rosto.
  – Não é o que a escola espera que seus alunos sejam? - perguntou, já que o discurso da diretora da escola ainda estava fresco em sua memória, por ter sido dito naquela mesma manhã, antes da primeira aula.
  Touché. - ele riu. – Mas ser exemplar, não significa gostar.
  – E do que você gosta?
  – Arquitetura. - ele olhou ao redor. – Já imaginou Nova Iorque com prédios diferentes, ao invés dessas pedras e concretos para todos os lados?
  – Como o Soho?
  – Eu disse prédios.
  – Tudo bem. Como a Times Square?
  – Menos… brilhante. - ele sorriu e voltou seu olhar para os prédios vizinhos. – Somos chamados de selva de concreto. Poderia ser melhor que isso. Poderia ser selva de diversidade arquitetônica. Você viu o que Gaudí fez em Barcelona?
  A garota permaneceu calada, o que o fez sorrir, mas não sem graça. não parecia ser o tipo de pessoa que se incomodava com o silêncio do outro, nem via a falta de resposta como algo negativo.
  – Parece que você gosta do diferente.
  – Acho o diferente lindo.
  Aquilo, de alguma forma, chamou a atenção de . Ninguém achava o diferente bonito. Todo mundo achava o bonito diferente, justamente porque era bonito, mas ninguém gosta de sair da zona de conforto. O bonito é o bonito e pronto.
  – Todo mundo gosta do bonito. E não estou dizendo do relativo.
  Ela viu quando ele virou o rosto em sua direção e, por um momento, parou de respirar. Talvez fosse a luz do por do sol, ou quem sabe a brisa que resolveu bater em seus cabelos bem naquele momento. O que importa é que, naquele instante, se tornou mais do que um garoto universitário bonito.
  – Você é bonita.
  Ela não respondeu a afirmação dele. Havia ouvido falar disso a vida inteira. Ela sabia que era bonita. Sempre soube. Estava ali, aceita entre as pessoas daquele grupo, inclusive, porque era bonita.
  – Você sabe por que é bonita?
  – Bem… - ela olhou para seu reflexo turvo na água – as pessoas gostam de mulheres magras, com um busto moderadamente cheio, e curvas, mas não muitas. Gostam de um rosto simétrico e pernas compridas. Tenho tudo isso.
  – Tudo bem, você mencionou o grosso. E o que mais?
  O que mais? O que mais poderia ser considerado bonito nela? O que mais ela precisaria considerar para ser bonita? Não era isso o que os homens queriam? O que as mulheres invejavam nas outras? Alguém com mais isso e menos aquilo?
  – Inicialmente, você é bonita de se ver, sim. Mas se não for verdadeiramente bela, pode acabar enjoando a outra pessoa.
  – Enjoando?
  – Veja bem, qual sua sobremesa favorita?
  – Hum… macaron?
  – Certo. - ele se virou na direção da garota e disse, pronto para ensiná-la algo. – Por quê?
  – Porque é bonito e chique. E tem uma textura gostosa.
  – E por que mais?
  Ela ergueu os ombros, mostrando que não sabia. Era um doce maravilhoso e pronto.
  – Se você pudesse comer um sabor de macaron o tempo todo, e só este doce, o que acharia?
   não respondeu.
  – Porque, o que importa no doce, não é, no fim, sua aparência, não é? Ele pode ser bonito, mas existem vários outros doces nem tão bonitos como ele que, no final, pode ser a preferência das pessoas. Você já viu alguém que não gosta de sorvete?
  “Deve existir.” Era o que o orgulho dela queria responder, mas havia entendido o que ele disse. Sabia que ele, de maneira culta e educada, estava a chamando de superficial.
  – Você é bonita porque respeita as pessoas. Poderia ter contra-argumentado tudo o que eu falei, mas escolheu me ouvir. - disse, surpreendendo com o elogio. – Você é bonita porque se importa com as pessoas. Ao invés de falar só sobre você, escolheu perguntar sobre mim e debater sobre o assunto. – ele sorriu. Um novo sorriso. Um sorriso que brilhava mais do que qualquer glitter ou paetê. – Você é bonita de um jeito diferente.
  Ela não queria admitir, naquele momento, que havia se apaixonado. Nunca havia acontecido antes, dela se apaixonar por alguém. Era sempre o oposto, graças a Deus. O que faria agora? Como se gostava de alguém? Deveria contar? Deveria guardar?
  Engoliu seco diante do impasse.
  Talvez…

  FIM DO FLASHBACK

  Talvez ela devesse ter dito a ele sobre o quanto estava atraída. Quem sabe, assim, os dois pudessem ter ficado juntos desde aquela época? , com o seu gostar do diferente, não acharia absurdo uma garota dizer que estava apaixonada por ele a minutos do primeiro encontro. Ele, um cara bonito, com certeza já havia ouvido muito mais, em menos tempo.
  Mas a questão ficou no ar, porque não contou sobre sua atração, e também não. Mesmo amigos próximos, nenhum dos dois disse o quanto o outro era importante de um jeito diferente. Diferente dos amigos ou da família. Diferente de um artista ou um hobby.
  Foi quando se reencontraram, no primeiro jantar que Anna organizou assim que chegaram em Manhattan, do Texas, e que chamou Oliver, que trouxe o irmão à tiracolo, que os dois, em uma brincadeira e outra, acabaram dizendo que a atração começou desde aquela época.
  E então acharam que não podiam mais perder tempo, mas sim recuperar o que foi perdido.
  Imediatamente começaram um relacionamento, que só trouxe benefícios para . Ela, que pensava em voltar para os holofotes, foi encorajada por a se manter escondida. Com o apoio dele, seguiu um caminho diferente do que imaginava quando tinha 16 anos. Encontrou a mãe, que, assim como ela, havia encontrado alguém que fizesse a vida valer a pena, de um jeito diferente do que ela conhecia.
   viu que, às vezes, o diferente é exatamente o que se é preciso para ser feliz.
  – Eeei! - a mão de Anna dançou em frente ao rosto de , que saiu de seu transe. – Está pensando em quem? Vamos jantar!
  A mulher olhou ao redor, percebendo que o dia se fora e a noite era tudo o que tinham. Oliver e Anna já se encaminhavam para dentro da casa, enquanto saía dela com uma manta, se aproximando de e envolvendo os ombros com a peça.
  – Está frio. - ele a encarou com um pequeno sorriso. – Já tirei o frango do forno. Vamos.
  Ela cruzou os braços com os de e, juntos, começaram a caminhar para dentro de casa.
  – Quer casar comigo? - ela perguntou, conquistando o olhar surpreso do homem, que parou de caminhar para encará-la. – O que foi?
  – Não é o homem quem deve fazer essa pergunta?
   ponderou por um tempo. Olhou para o céu, pensativa, e então de volta para , que a olhava com um pequeno sorriso.
  – Você gosta do diferente - ela comentou, vendo-o sorrir mais.
  – Eu acho o diferente lindo. - envolveu-a em seus braços e inclinou-se para mais perto dela, beijando-lhe os lábios. – Eu aceito.
  Os dois sorriram em meio ao beijo. Em parte felizes por partirem para uma próxima etapa da vida, e também por satisfazerem o desejo constante de se surpreenderem com o diferente.
  Porque, como ele a ensinou e ela aprendeu com maestria, o amor é lindo, principalmente quando visto de um jeito diferente.

FIM