Dejá vu

Escrito por Zã Nogueira | Revisado por Luanna

Tamanho da fonte: |


  Eu ajeitei a gravata e conferi meu reflexo no espelho pela última vez, era incrível o que um fraque bem cortado podia fazer. Perguntei-me se também acharia que estava bem naquela roupa e depois ri da própria cara refletida no espelho. Quase dez anos haviam se passado, mas eu ainda me sentia como um adolescente e tudo por causa dela.
  Nos conhecemos por causa de nossos melhores amigos, e , que se conheceram quando ia trabalhar de babá na casa dos , que conheciam o filho bem demais para deixar uma criança a seus cuidados.
  Eu ainda não me lembro do dia que nos conhecemos, naquela época eu não sabia quão importante ela seria para mim, ou teria memorizado cada segundo. Tudo o que eu lembro é que nós quatro não nos separávamos desde então. Estávamos naquela fase estranha da adolescência, eu era um garoto de dezesseis anos, muitos hormônios e um péssimo corte de cabelo, que via minhas amigas como dois garotos. Foi numa festa que eu percebi, elas eram garotas. E mais, incrivelmente gostosas. Depois de constatar o obvio, não conseguia mais parar de pensar naquilo. E para minha surpresa, pensava também.
  Apesar de ter contado vantagem várias vezes, eu nunca havia dormido com nenhuma garota na minha vida, e lá estava ela, a que não saía da minha cabeça, pronta para ser minha. Eu ainda lembro-me do perfume dela, da respiração pesada em meu ouvido, do jeito que ela falou meu nome. Depois da festa, ficamos alguns dias sem nos falarmos - na verdade, ela fugiu de mim por alguns dias - finalmente a vi. Ela estava de costas para mim, sentada em uma sorveteria com , mas eu reconheceria de qualquer jeito. Ela se virou antes que eu me aproximasse e eu podia ver que ela estava chorando. Parei hesitante e ela se levantou, indo embora. Fui até à mesa, onde ainda estava.
  - O que aconteceu? - Não conseguia não pensar que eu era de algum jeito a causa daquelas lágrimas. Será que ela havia se arrependido? Ou quem sabe não tinha sido bom?
  - Ela está indo embora - falou com os olhos lacrimejantes - O pai dela foi transferido.
  - Como? Quando ela vai?
  - Foi uma emergência, ele foi hoje, ela deve ir daqui a três dias.
  - E por que ela não falou comigo?
  - Ela não quer se despedir, . Ela nem queria contar que está indo embora.
  Eu estava me sentindo dopado, como se estivesse em um sonho estranho em que nada parece real.
  - Tenho que ir - Falei automaticamente, me levantando de supetão e deixando sentada ali.

  Nos dias seguintes eu estava consumido pela dúvida. Não sabia se ia atrás dela ou se respeitava a vontade dela. Na noite de Terça, a última noite de na cidade, eu estava tentando ignorar os sentimentos conflitantes em mim, mas era mais forte do que eu.
  Corri até a casa dela, que era mais longe do que eu lembrava, dando a volta no quintal. Olhei pela janela do quarto dela, as suas coisas em caixas. Ela voltou ao quarto sem me ver do lado de fora, carregava mais caixas vazias. Eu bati de leve na janela e ela se assustou. Quando me reconheceu, abriu a janela e eu pulei para dentro. Ela soluçou silenciosamente e eu simplesmente a abracei e deixei que ela chorasse em meus braços. Naquela época, eu era apenas um garoto, não sabia o que dizer, então ficámos calados, cercados por aquelas caixas que embalavam as lembranças de uma vida. Ela se afastou de mim e secou as lágrimas com as costas de suas mãos.
  - Desculpe - Ela sussurrou, abaixando a cabeça.
  - Você realmente achou que eu ia te deixar ir sem me dar um até logo? - Levantei o rosto dela pelo queixo e beijei sua bochecha. Ainda estava levemente salgada pelas lágrimas que ali haviam rolado. olhou para mim e me deu um breve sorriso, talvez ela também não fosse boa com as palavras, talvez nada devesse ser dito.
  Sentámos no chão do quarto dela, cercados pelas caixas, eu encostado contra a parede e ela entre minhas pernas. Conversámos sobre tudo, sobre nada, falámos sobre o futuro e o passado. Era uma da manhã quando eu pulei a janela dela e a beijei nos lábios pela última vez. Eu não vi por um bom tempo, quando ela foi nos visitar, eu não tinha certeza se ela ainda sentia por mim o que eu sentia por ela, então não tomei nenhuma iniciativa. Com o tempo, a convivência com foi diminuindo cada vez mais. Pelo menos para mim, já que ia visitá-la o tempo todo e sempre deixava e eu atualizados sobre o que acontecia com ela, e com a banda ficando cada vez maior, nunca estávamos em casa quando ela ia para lá.
  Com vinte e um anos, o óbvio aconteceu, e começaram a namorar. E cinco anos depois, ali estava eu, me vendo no reflexo em um espelho de um quarto num hotel cinco estrelas aonde eles iam se casar. Na noite anterior, havia visto pela primeira vez em três anos e ela estava incrível. Nos sentámos lado a lado no jantar de ensaio e conversámos sobre tudo o que havíamos perdido nesse tempo.
  Agora eu estava pronto para andar até ao altar com ela ao meu lado. Quer dizer, aquela era a minha tarefa como padrinho de casamento.

  A cerimónia foi linda, a primeira vez que eu realmente prestei atenção em uma. O melhor veio a seguir, a festa. Depois que e dançaram timidamente a sua primeira dança como senhor e senhora ao som de uma versão acústica de With Me do Sum 41. Depois eles pediram para que os convidados subissem ao palco para cantar uma música, como nas noites de karaokê que costumávamos ir quando éramos mais jovens. Tudo ia bem até o nível de álcool nos presentes chegasse a um nível que a afinação e o bom senso não alcançavam. O começo do fim foi quando cantou Sexy Back de Justin Timberlake. Não que eu tenha ficado muito atrás, cantando Your Song de Elton John, desafinando lindamente nas partes agudas. Sim, estava completamente bêbado. Desci do palco e fui para o banheiro, beber tanta cerveja tinha as suas consequências.

  Ao entrar vi se encarando no reflexo do espelho, as mãos apoiadas na longa pia. Não sabia dizer se ela estava triste, enjoada ou só cansada e antes que eu pudesse analisá-la melhor, ela virou-se para mim.
  - Banheiro feminino, .
  - Notei - Eu disse. Ela se recompôs e continuou me encarando.
  Ficamos em silêncio. Eu não fazia ideia do que dizer, mas não sairia dali.
  - Você está linda - Atestei o óbvio e ela sorriu levemente.
  - Eu ouvi a música - falou mantendo o sorriso.
  - Então você lembra?
  - Como esqueceria? Foi a música que você cantou para mim na noite que invadiu meu quarto quando éramos jovens, na minha última noite em Baltimore.
  - Achei que você já tinha esquecido isso.
  - Dizem que o primeiro amor nunca se esquece - Ela sorriu, fazendo uma careta em seguida.
  - Você deveria ter escolhido melhor.
  - Não conhecia Zack naquela época - Ela deu de ombros séria, me fazendo rir. Ela ficou me olhando e eu caminhei em sua direção, diminuindo a distância entre nós.
  - Você se lembra de quando tinha toque de recolher?
  - E de como você sempre aparecia na minha janela quinze minutos depois das luzes se apagarem para me ajudar a fugir pela janela - Ela riu. Amava aquela risada.
  - Lembra da vez em que fomos até à piscina de e você voltou toda ensopada para casa?
  - Claro! Acordei gripada e meus pais queriam saber como fiquei doente tão de repente. E aquela vez que acabámos dormindo do lado de fora da minha casa e eu tive que entrar pela porta da frente, fingindo que havia voltado de um cooper matinal?
  - E aquela noite que você disse que ia dormir na casa de , mas na verdade fomos para a casa de Matt?
  - Claro que me lembro dessa noite, ainda tenho a sua virgindade como suvenir - Ela fez uma careta.
  - Mas olhe para mim agora, estou todo crescido! - Estufei o peito e ela gargalhou com vontade, sentando no chão.
  - Você vai sujar seu vestido - Falei.
  - Ele já serviu ao seu propósito e esse é o banheiro de um hotel cinco estrelas, aposto que está mais limpo que o chão do seu quarto costumava ser - Ela riu, me puxando para sentar-me ao seu lado.
  - Ah, isso com certeza é - Ficamos em silêncio, ela olhava para frente e eu para ela, tentando ler o que ela pensava, quem sabe era o mesmo que eu.

FIM



Comentários da autora

Acho que Déjà vu do Mike Posner é muito sexy gente, tive que fazer uma short pra ela e foi! <3