Decode
Escrito por Isy
Nós éramos certos até não sermos mais…
As mãos trêmulas e gélidas de enxugaram as lágrimas insistentes que permaneciam a cair por suas bochechas. Ela encarava a televisão desligada da sala de estar de seu apartamento enquanto esperava chegar de mais um dia de trabalho. Não era a primeira vez que acontecia, mas diferente de todos os anteriores, a mulher sentia algo corroendo seu peito. Sentia uma dor lacerante por estar começando a entender o que realmente acontecia ali, entre os dois.
Sua mente estava um turbilhão, sabia bem. E a enxaqueca era quase como sua melhor amiga ultimamente, assim como a solidão que se encontrava naquele cômodo nas últimas semanas, senão meses e era tão cômico pensar que ela morava com alguém, e que esse alguém não estava presente mais.
Mas ela o amava.
Ela amava com tanta força que não sabia nem explicar tamanha imensidão do sentimento. Só sabia que o amava e até mesmo, mais do que isso, sempre esteve a seu lado.
Mas tinha algo diferente. Não era a mesma coisa. Não era como o primeiro encontro, a primeira troca de olhares profundos, nem mesmo o primeiro toque.
Não. Era diferente, sabia, mas não queria acreditar. Afinal, estava com ela. Eles ainda se amavam mais do que tudo, era o que pensava.
Desde a primeira vez que a mulher bateu os olhos no rapaz, sentiu como se seu coração tivesse explodido em mil faíscas saltitantes dentro do peito. Talvez, aquele tivesse sido o maior dos clichês, mas ela não se importava. Se prontificou em estar ao lado dele em qualquer que fosse a situação, o apoiou, o ajudou a crescer, o incentivou. fazia tudo pelo rapaz, sem pensar duas vezes. Ela não ligava de ter que passar horas ao lado do mesmo, de ter que gastar metade do seu dia em ajudá-lo a planejar a abertura de sua empresa, mesmo a mulher tendo seu próprio emprego e chegando às tantas à casa. Ela não queria saber se chegaria tão cansada a ponto de não aguentar um banho, de não aguentar comer devidamente, porque por mais que fosse exaustivo, se sentia feliz em saber que estaria o ajudando.
Realmente não se importava.
Não se importava porque retribuía da mesma forma, a tratava do mesmo jeito. Nunca demonstrou sentir algo diferente ou em uma intensidade maior. a amava, ela conseguia sentir. Só… por que agora era tão estranho?
Por que agora sentia que fazia tudo sozinha? Sentia que todo seu esforço ainda não era o suficiente, como se tudo o que pensava em fazer não chegasse aos pés de como ele queria. Por que ele não olhava para ela como deveria? Era algo tão grande a se fazer assim?
Nada daquilo era para ser uma obrigação, mas agora sentia que, da parte dele, era como se fosse. Era como se agisse no automático, sem ao menos sentir na mesma proporção que ela. Nem ao menos costumava ouvi-la, quem dirá tocá-la.
A mulher sentia como se uma tempestade estivesse começando a se armar dentro de seu coração e mente. Como se todos os sentimentos e todas as coisas que a cegaram por todos os anos no relacionamento, estivessem vindo à tona aos poucos.
se sentia afastada, em segundo plano. Se sentia rejeitada. Se sentia impotente, insuficiente e jogada de canto.
Ela estava sozinha. Completamente sozinha.
E não era mesmo para ser daquele jeito.
Respirou fundo, sentindo o conhecido nó se instalar em sua garganta. Ela não queria aparentar ser uma mulher fraca, não queria ceder a todos aqueles sentimentos, mas era impossível não se sentir daquela forma, não quando era tratada do jeito em que a estava tratando.
Naquele relacionamento, não era mais e .
Era para . O tempo inteiro.
Poderia contar nos dedos as vezes em que tentava se aproximar do rapaz e ele sempre dava a desculpa de que estava atarefado. De quando o chamava para sair e dizia que tinha planos para o fim de semana na empresa e que se ela quisesse, poderia se juntar a ele. E, principalmente, de quando os dois deitavam ao final da noite e fazia de tudo para ter a atenção do namorado a seu lado e ele simplesmente a ignorava, ficando no celular, tentando aliviar a situação a chamando para ver algo com ele, até mesmo para resolver algo de seu trabalho junto dele.
Ela podia contar nos dedos as vezes em que foi importante para . E haviam sido pouquíssimas.
Aquela não era mais a Park. Sentia que não tinha mais sua própria essência. Aquela era a Park que vivia na sombra de , a mulher que vivia e fazia tudo para ele.
Não era mesmo para ser assim.
Aos poucos, sentia o choro sendo cessado e com a respiração, tentava controlá-lo minimamente. Tudo o que se passava em sua mente era que queria apenas ter o relacionamento de antes e queria muito o de antes também.
Só que, aquilo doía demais. Doía tanto porque ela sabia o que estava acontecendo. Não queria enxergar, mas sabia. Não queria deixá-lo, mas talvez fosse preciso.
Talvez fosse preciso porque só conseguia continuar se perguntando o porquê de não demonstrar mais afeto. Não demonstrava mais que ela era sua preciosidade, como sempre dizia. Ao menos dizia isso agora.
Por que a tratava como se fosse uma amiga? Como se todo o sentimento de amor e paixão tivesse se esvaído? E se isso tivesse acontecido, por que insistia em estar com ela? Não era justo.
queria gritar, queria tanto confrontá-lo, mas sentia que não era capaz de tal ato. Por mais que quisesse, sentia que não seria o certo a se fazer. Claro que aquilo era um absurdo, mas era possível pensar em não o magoar, mesmo com tudo o que acontecia?
Com a mão livre, levou-a até o rosto mais uma vez, o limpando e suspirou, tomando um leve susto ao ouvir a maçaneta sendo destrancada.
Rapidamente ergueu o olhar e pôde avistar adentrando o cômodo com o celular em mãos.
Eu não queria ir embora, amor
Eu não queria brigar…
— Oi. Como você está? — a mulher virou o corpo para o mesmo, dando um meio sorriso ao vê-lo. Mas ainda tinha os olhos vidrados no aparelho. — ?
— Ah. Oi. Não te ouvi. — comentou, afrouxando a gravata do pescoço.
Com a outra mão, permaneceu digitando.
— Tudo bem. Você chegou cedo até. — deu de ombros, olhando rapidamente o relógio no pulso. O rapaz mantinha seu foco em qualquer outra coisa que não fosse a namorada. Aquilo queimava o peito da mulher vagarosamente. — E como estão as coisas na empresa?
— Bem.
E com isso, seguiu em direção à cozinha, pegando um pouco d’água. Assim que a bebeu, colocou o celular no bolso da calça social e antes que fosse em direção ao quarto, o chamou novamente.
— Eu estava pensando… Já que você chegou cedo, podíamos fazer algo. Se você não estiver cansado, eu pensei que poderíamos ir ao cinema. Faz tanto tempo, não é? E tem aquele filme novo que eu comentei com você. — dizia agitada, aos poucos se animando com a ideia de que fosse aceitar. Colocou uma das pernas em cima do sofá e sorriu. — Mas se você estiver cansado, podemos ficar por aqui mesmo e ver alguma série.
— Hm, acho que poderíamos fazer isso outro dia. Eu realmente estou cansado hoje e se começar a ver algo, vou acabar dormindo. — deu de ombros, erguendo seu olhar para ela. — Você sabe que ultimamente eu não tenho tido tempo para nada.
— É. Eu sei. E isso já tem um tempo. — iniciou, sentindo o coração bater mais forte. Sua garganta começava a fechar e a última coisa que queria fazer era chorar outra vez. — Você não acha que isso está sendo ruim?
— E está? — indagou, aparentando estar confuso. A mulher arqueou uma das sobrancelhas, sem entender se estava falando sério ou só fingindo. — , eu te disse como as coisas estão sendo…
— Esse é o problema, . É sempre a empresa, sempre os horários, sempre o cansaço. E eu, ? Quando é que vou ser sua prioridade também? — apontou para si mesma, deixando o corpo um pouco mais ereto. — Quando é que você vai olhar para mim outra vez? Quando é que vou voltar a ser sua namorada? Porque, sinceramente, nem sei se posso considerar isso mais.
passou uma das mãos no rosto, transparecendo o cansaço de toda a conversa e a olhou novamente, com o mesmo semblante de antes. Sério e exausto.
— Não seja tão dramática, por favor. Você conhece minha agenda e entende que não tem sido fácil esses dias. Você sabia que iria ser assim, . — disse, firme.
— Sim, eu sabia, mas não imaginava que iria ser jogada para escanteio assim. E não é drama, não mesmo. Você não acha que é um pouco injusto para mim? Se coloque no meu lugar. — agora a voz da mulher estava mais exaltada, como se a qualquer momento fosse explodir.
— Não, . Eu não fazia ideia de que seria injusto para você — mencionou, a encarando. — Da mesma forma que eu não imaginava que a empresa iria crescer tanto a ponto de tomar todo o meu tempo. E eu não pedi para que você fizesse tudo isso por mim! Eu agradeço, você sabe muito bem disso, mas não pode exigir coisas de mim assim.
— Eu não posso? — perguntou, deixando uma risadinha fraca escapar.
ainda tinha os olhos fixos na mulher próximo de si. — Você realmente é mal-agradecido, não é? Eu não queria jogar nada disso na sua cara, porque olhe só, não importa, pelo menos não para mim. Eu só queria ficar ao seu lado, te apoiando. Foi o que fiz durante todo esse tempo! Eu não pedi nada em troca, . A única coisa que eu queria era que você correspondesse. Eu só queria que você me amasse na mesma intensidade que amo você e que demonstrasse isso. — àquele ponto, sentia seus olhos marejados e sua voz saía embargada. — Só queria que voltasse a me enxergar, que voltasse a me ver como a pessoa que era importante na sua vida. Só isso.
estava parado, com os lábios pressionados em uma linha reta, sem saber como reagir e nem o que dizer.
— Eu não posso te responder a isso, . Eu sinto muito.
— O quê? Como não pode? — soltou, quase em um sussurro. — Ao menos sabe o que você sente?!
A última frase havia sido um grito abafado, embargado, sendo impedida pelo nó apertado que tinha em sua garganta. Com o silêncio estarrecedor que mantinha, a ira ia subindo aos poucos pelo sangue da mulher, fazendo seu corpo tremer levemente, sem acreditar no que estava ouvindo e presenciando. Sentia a ponta de seus dedos formigarem e como se não estivesse pensando, atirou a almofada em direção ao rapaz, que desviou rapidamente sem entender ao certo o que estava acontecendo.
Havia sido o ápice para que todo o sentimento entalado em seu peito viesse à tona e nem mesmo os olhos avermelhados de em sua direção poderiam amenizar a dor que sentia.
— Ao menos ainda me ama? — disse, em tons mais altos, ainda chorando. Ela continuou a encarar. — Eu odeio você, ! Eu te odeio tanto… Odeio tanto te amar desse jeito. Eu odeio!
sentia o peito arder com tamanha raiva que lhe apossava. continuava a encarando, como se tentasse arrumar palavras para tentar se explicar de alguma forma.
Antes que pudesse falar qualquer outra coisa, o rapaz a interrompeu.
— Eu não vou ficar aqui para ver isso. Não… Não dá. — e sem dizer mais, se virou. Apenas com sua pasta e o celular em mãos, saiu do apartamento.
Não era como se não tivesse chorado assim antes, mas naquele instante ela sentia como se seu coração fosse se desmanchar em pedaços dentro do peito. Sentia como se tivesse sido abandonada, como se tudo o que falou ou fez tivesse sido em vão.
Por que doía tanto? Doía tanto a ponto de a mulher não saber como fazer para parar.
O peito subia e descia rapidamente, seu rosto já estava imerso em lágrimas e a única coisa que conseguiu fazer foi deixar o corpo cair novamente no sofá, sem forças para fazer qualquer coisa. sentia como se aquele tivesse sido o fim.
E estava se odiando no momento por se deixar abalar tanto, por ter se doado tanto e receber apenas aquilo de volta.
Não era para ser assim – repetiu para si mesma.
Enquanto começava a fungar de forma mais vagarosa, dissipando o choro de desespero aos poucos, encarava as almofadas bagunçadas que havia jogado e comparou tudo aquilo com seu coração. A única diferença era que ela podia arrumar tudo o que estava jogado no chão da sala.
Já seu coração…
Com um pouco de dificuldade, engoliu em seco, resolvendo guardar tudo aquilo de uma vez. Não aguentava mais ficar daquele jeito, muito menos ser tratada como tal. Precisava pensar com mais calma. Com os pés no chão.
precisava de um banho e precisava reorganizar seus pensamentos de forma sincera e limpa.
Precisava reorganizar seu coração.
Eu posso segurar minha própria mão
Sim, eu posso me amar melhor do que você pode...
tinha os olhos focados na estrada iluminada da pequena cidade em que costumava residir. A luz do luar iluminava dentro de seu carro de forma fraca, mas encantadora e aquilo era a única coisa que importava para ela.
Era a única coisa que importaria dali para frente.
Havia arrumado todas as suas coisas em uma velocidade que jamais imaginaria conseguir alcançar e nem mesmo havia pensado em descansar um pouco no apartamento.
Enquanto dirigia, repassava por sua mente tudo o que havia acontecido mais cedo com . O pensamento de que tinha aguentado por muito tempo martelava em sua cabeça, fazendo-a acordar vagarosamente para si mesma. sabia que seu peito ardia em fazer o que estava fazendo e que ainda amava muito . Ela não queria deixá-lo, não queria acabar com tudo o que haviam construído daquele jeito, mas precisava. Precisava para seu bem, precisava por ela mesma.
Uma lágrima solitária escorreu por sua bochecha outra vez e a fez relembrar da cena antes de sair do apartamento, a qual olhava para todos os móveis pela última vez. Não sabia definir ao certo o sentimento, mas talvez pudesse afirmar que sentia como se fosse o certo a fazer para ela mesma. Com o peito dolorido, deixou o pequeno papel preso na geladeira e nele continha o pequeno post-it rosa fluorescente colado.
Ali, estava tudo o que ela sentia. E tudo o que ele merecia saber.
“Você é amada na mesma intensidade em que ama?” Eu li essa pequena frase em algum lugar e a única coisa que queria te dizer é que ela me fez entender tudo. Eu entendi tudo, . Entendi que coloquei você na posição que não deveria, te amei da forma que não deveria e foi aí que eu me perdi. Isso não deveria ter acontecido, afinal, como eu poderia continuar lhe amando se ao menos me amava? Eu entendi, . E entre te amar e amar a mim mesma, eu me escolho. Eu, mil vezes, me escolho. E sinto muito por você.”
Com um sorriso de canto nos lábios, ainda trêmulos pelo choro e pelo nervosismo, também pelo medo, se permitiu sentir o alívio de sua escolha. Ela tinha escondido quem realmente era todo aquele tempo, havia vivido na sombra de por tantos anos… Não se lembrava mais do seu verdadeiro eu, mas naquela noite… Naquela noite em especial, tudo veio à tona. Do jeito que ela precisava.
E mesmo amando muito , amando mais do que poderia explicar, não podia fazer aquilo consigo mesma. Mas agora, havia percebido e o mais importante, entendido. Ela se colocaria em primeiro lugar, como deveria ter sido desde o começo.
E nada nem ninguém, a faria pensar o contrário a partir daquele dia.
I can love me better than you can…