December 17th

Escrito por Alê Santarosa | Revisado por Júlia

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Prólogo

  Uma semana antes.
   era um belo rapaz de dezoito anos que despertava paixões em garotas e criava amizades fortes com garotos por onde passava. Era um dos muitos músicos de Nova York que carregava junto com seu talento um sério problema emocional: não sabia expressar seus sentimentos direito. Talvez fosse por isso que sua cota diária de músicas escritas era de cento e doze por cento maior do que a de qualquer outro membro da banda que ele tinha formado com os amigos há dois anos. Acreditava ele que a música ajudava a descarregar a dor e a raiva que sentia dentro de si, mas acabava esquecendo que quando não ditas para as pessoas certas, as palavras que achava que conseguia emitir não valiam de nada. E por isso continuava construindo um muro em volta de si sem perceber. Um muro que impedia que qualquer um entrasse - e que ele mesmo se aventurasse a sair.
  Era uma sexta-feira de final de Primavera, e sozinho, atravessou o gramado de trás do colégio andando do seu jeito despojado e carregando seu violão de estimação nas costas. Não era uma imagem diferente para ninguém ali, e além das garotas que suspiravam por sua banda, ninguém mais se preocupava com o que fazia ou deixava de fazer. Isso dizia respeito apenas a ele, e como alguns gostavam de cochichar, a sua melhor amiga e proprietária, a Srta. .
  - Ele não vai vir aqui. De novo. – murmurou da mesa onde estava sentada com , e .
  - Parece que ele anda achando até mesmo o jogo de xadrez dos nerds mais interessante do que ficar perto de você, . – comentou quando viu que realmente parara para assistir a partida da final do campeonato de xadrez que acontecia do outro lado do gramado.
  - ! – a repreendeu.
  - Só estou falando o que estou vendo! – Ela se defendeu erguendo as mãos na altura dos ombros e depois os chacoalhando. suspirou e concordou com a cabeça.
  - Ela está certa, . Eu não sei o que anda de errado com o . Nós estávamos tão bem até alguns meses atrás. Agora ele anda se afastando de mim e ficando mais perto das pessoas que ele geralmente não fica perto! – Ela deitou a cabeça sobre o caderno que estava em cima da mesa e começou a batê-la em ritmo no mesmo. – Acho que meu melhor amigo se cansou de mim. – Debulhou-se.
  , que não havia se pronunciado ainda porque estava com os olhos pousados na mesa dos garotos, puxou para trás e soltou um longo e trágico suspiro.
  - Quanto drama. – Ela resmungou. – Você já falou com ele sobre isso? Ele não pode simplesmente ter se cansado de você. Vocês são amigos desde sei lá, desde que os Backstreet Boys ficaram famosos!
  - Ele sempre muda de assunto. – deu de ombros ainda fitando o garoto do outro lado que agora ria de um dos competidores da partida. – Estou ficando cansada desse jeito dele. Me ignorando sempre que pode, se afastando... Nós nunca mais saímos pra comprar discos novos e ele bebe três vezes mais do que bebia antes só para não ter que conversar comigo! Não sei ainda como não explodi. Sempre que ele precisou eu estava lá, e agora ele me trata assim, como se eu fosse uma barra de chocolate diet...
  - Às vezes o problema não é você, sua bobinha. Como andam as coisas com os pais dele? Os chatonildos? – perguntou.
  - Continuam chatonildos, implicando com ele e a música dele. Era eu quem segurava as pontas, agora ele está fodido. – Ela riu amarga.
  - Para mim esse está fazendo joguinho. Se eu fosse você, agia da mesma forma. – atiçou.
  - O que quer dizer? – ergueu a sobrancelha.
  - Começa a ignorar ele também. Finge que não liga. – Então ela deu um sorriso esperto como se uma lâmpada tivesse se acendido sobre sua cabeça. – Ou faz melhor! Começa a esparrar ele para as garotas com quem ele costuma dormir nos fins de semana. – Ela bateu a mão na mesa e gargalhou. fez o mesmo em seguida, e mesmo relutante, achou a ideia maligna o bastante para se vingar de tudo o que estava acontecendo.
  - Será que vai funcionar? – Ela perguntou.
  - Se não funcionar, pelo menos ele vai vir tirar satisfação com você depois que chegar aos ouvidos dele que o piruzinho dele é pequeno. – Ela riu mais um pouco. – E ai você mesma tira suas satisfações. – Sorriu largamente com seu plano e voltou a observar a mesa ocupada por , e . Disfarçadamente levantou o olhar para ela e piscou, e isso fez o seu dia.
  - Certo. Não vou perder nada se eu fizer isso. – concluiu.
  As quatro olharam para a direção de a tempo de ele reparar a observação quádrupla. sorria com maldade, mas assim que notou que ele a via, fechou a cara e desviou o olhar.
  Se era assim que ele queria que as coisas fossem, então elas seriam assim.

Parte I

I'm not too sure how it feels to handle everyday
Like the one that just passed in the crowds of all the people.
Remember today, I have no respect for you.
And I miss you, love.

  17 de Novembro, sábado. 02:15. – Festa da Lindsay.

  Um borrão de luz tomou conta da minha visão quando ele me puxou pelo braço para fora da sala e me empurrou para a saída sem delicadeza alguma. Não me olhou nos olhos nenhuma vez enquanto tentava passar por entre as pessoas acumuladas pelo caminho que começavam a nos olhar espantadas. Para qualquer uma delas, aquela atitude era mais do que fora do normal. Era grotesca.
  Eu, apesar de estar um pouco surpresa com sua força, não demonstrei. Apenas mantive o nível da sua grosseria enquanto andávamos pelo corredor da casa.
  - Me solta, porra! – Gritei alto o bastante para ele me ouvir mesmo com a música alta.
  - Você fica ai reclamando, mas também não sabe o que quer! – Ele respondeu mais alto ainda, claramente irritado e com certeza alterado. Rolei os olhos e puxei meu braço para mim, tentando me desvencilhar dele. – Eu vi você falando de mim para aquelas garotas com deboche da mesma forma que anda fazendo ultimamente!
  - Você é um grosso, ! Volta lá pra aquela loirinha que você estava comendo com os olhos! – Gritei de novo.
  - Eu voltaria se você não tivesse espalhado por metade de Nova York que eu sou broxa! – Ele rebateu mais alto ainda. Não aguentei e ri com vontade. Ele ignorou e continuou andando, e mesmo não muito sóbria e com a visão não muito limpa, vi vários de nossos colegas nos olhando pelo caminho.
  Andamos até uma área mais reservada, perto das escadas, onde não tinha muita gente. Ele soltou meu braço e na minha pele branca eu podia ver a marca da sua mão. Parou na minha frente bloqueando o caminho de volta para a festa e eu continuei passando a mão no braço dolorido, evitando olhar em seus olhos ou eu ficaria sem saber o que falar. Não tinha como negar, ele era bonito pra cacete e por estar bêbada conseguia me deixar mais tonta ainda.
  Percebi então que tinha feito uma enorme besteira ao ter ido para aquela festa. Ainda mais sendo a festa da vadia da Lindsay. Mas o meu ciúme e o desejo de propriedade falaram mais alto e eu tive que aparecer e por causa disso tinha bebido de novo três vezes mais que o normal, e aproveitou a primeira oportunidade que teve para me atacar depois que eu fiz o que me mandou fazer.
  - Vai, fala para mim o que você andou falando para todo mundo. – Ele colocou as mãos na cintura e esperou.
  - Não tenho mais nada para falar. – Retruquei, fazendo biquinho. – Volta para a festa.
  - Não tem? – Forçou. – Mas fazer minha caveira para todo mundo você sabe, né? – Ele me encarou.
  Respirei fundo e depois de olhar repetidamente para os lados em busca de salvação, decidi falar de uma vez.
  - Ok, . Se você quer tanto saber, eu vou falar! Eu estou cansada da sua presença. Ou melhor, da sua ausência! Fiz o que fiz para ver se tinha a sua atenção de volta, mas acho que nem assim eu consigo! – Soltei o começo do discurso que eu ensaiava na minha cabeça há dias, semanas, meses desde que esse drama tinha começado. – Você esqueceu que a sua melhor amiga existe, então eu vou esquecer que você existe também, porque eu cansei de correr atrás.
  - Larga de drama, . – Ele rolou os olhos e deu um passo para frente, me fazendo a dar um passo automático para trás, querendo me afastar dele. nunca fora do tipo bêbado agressivo, mas agora que ele tinha mudado tanto, eu não sabia em que tipo de solo eu estava pisando. Avistei pelo canto do olho Peter e se aproximando e parando perto, provavelmente para ver se estava tudo bem.
  Estaria melhor se eu pudesse discutir com alguém em paz.
  - Drama? – Abri a boca e dei uma risada bem do naipe de bêbadas decadentes.
  - É, drama. – Gritou me fazendo dar outro passo para trás, cada vez mais próxima das escadas.
  - Drama? Você – Frisei a palavra dando um empurrão bem torto nele – Age como se eu fosse sua última opção quando eu sempre te dei a atenção que você quis e não merecia, e acha que eu estou fazendo drama? – Cuspi as palavras entaladas na minha garganta. – Faça-me rir.
  - Talvez você tenha priorizado demais algo que não merecia tanta atenção. – Ele replicou me empurrando também, com mais força do que normalmente faria. Quase perdi o equilíbrio, mas continuei com a pose.
  - Se é assim, não vou mais perder meu tempo com você, idiota. – Falei entre dentes e tentei passar por ele, sendo impedida quando ele pegou meu braço de novo e me puxou tentando me fazer olhar para ele.
  - Você acha que perdeu o seu tempo? Eu então perdi o dobro! – Ele gritou. – Você sempre reclama que não pode falar o que quer, vai, agora é a sua chance! Fala o que você pensa!
  - O que eu penso? Eu penso que você deveria ir para o inferno! – Respondi puxando meu braço mais uma vez. No mesmo instante, perdi o equilíbrio e torci o pé no salto alto.
  - ! – Ouvi gritar de longe e vi arregalar os olhos.
  Seus olhos assustados e desesperados, se afastando cada vez mais de mim. É a última coisa que eu lembro antes de lentamente, cair.

  17 de Novembro, sábado. 02:30. – Festa da Lindsay.

  A cena poderia ter sido cômica se não tivesse causado o que causou. Certamente a coisa mais patética de se fazer em uma festa é conseguir cair das escadas, mas não acreditou em seus olhos quando viu caindo degrau por degrau se machucando mais e sem conseguir parar. A escada tinha provavelmente mais do que vinte degraus, e cada um atingia uma parte diferente do corpo da sua melhor amiga, até que ela alcançou o chão de mármore do hall de entrada da casa.
  Sua boca estava escancarada, e ela não sabia o que fazer. Não sabia se tentava correr e ajudar, ou se ia até para meter a mão na cara dele e o jogá-lo da escada de propósito. Peter a tirou de seus pensamentos quando a chacoalhou e apontou para o corpo inerte de aos pés da escada.
  - Vamos, . – Peter falou baixo, como se não pudesse emitir voz alguma.
  Os dois tinham na cabeça a mesma imagem. Assim como outros que assistiram a cena de longe, porém nada fizeram.
  Peter desceu as escadas correndo e ela foi atrás, parando apenas para encarar bem nos olhos.
  - Eu vi o que você fez, e isso não vai passar em branco. - Ela sussurrou.
   Ele continuou estático, sem saber o que falar, o que fazer, ficando cada vez mais branco e enjoado. Ela tirou os sapatos de salto e desceu a escada como uma sombra, parando ao lado de , que estava deitada de barriga para cima, com os olhos fechados.
  - Ela não acorda. – Peter falou.
  - ! , me responde! – gritou batendo de leve no rosto ensanguentando da amiga por causa dos machucados do rosto e do nariz que parecia estar quebrado. – , por favor, não faz isso comigo!
  - , ela desmaiou. – O amigo gemeu. – Vê se ela está com os sinais vitais.
   pegou o pulso da amiga com cuidado e apertou, esperando a pulsação. A falta do ritmo normal de batimentos fez com que o seu próprio coração disparasse. Quando viu um filete de sangue correndo por debaixo do cabelo bagunçado de , ela sentiu o chão desabar sob seus pés.
  - ALGUÉM CHAMA UMA AMBULÂNCIA, PELO AMOR DE DEUS! SOCORRO, EMERGÊNCIA! – Ela gritou antes de entrar em estado oficial de desespero. Ouviu alguém falar com o 911 enquanto algumas pessoas desciam a escada para observar a cena mais de perto.
  E do topo das escadas, ele ainda não havia se mexido.

  17 de Novembro, sábado. 02:38. – Festa da Lindsay.

  - , o que aconteceu? – parou ao seu lado.
  Ele não sabia direito o que estava vendo, mas gostaria de acreditar que era tudo uma pegadinha. Os enfermeiros colocaram na maca com cuidado e já estavam a empurrando para dentro da ambulância que esperava na rua.
  - caiu da escada. E foi feio. – Ela respondeu, fungando em um lenço de papel improvisado por um estranho que já estava cheio de lágrimas, catarro e rímel borrado.
   arregalou os olhos. Como não tinha percebido? A festa lá em cima continuava a mesma coisa, e ele só percebeu que algo estava errado quando e o puxaram para o lado de fora. A música não parou, as pessoas não pararam. Como podiam ser tão frias?
  - Tudo bem, quem vai com ela para o hospital? – Um dos enfermeiros falou da porta. Sua voz era audível porque a música não chegava até ali, somente os murmúrios de amigos e estranhos em volta. O vento frio cortante do inverno invadia a casa e as garotas tremiam de frio de só estarem usando vestidos curtos.
  - Eu! – e Peter falaram juntos.
  - Só pode uma pessoa, desculpe. – Ele falou.
  - Pode ir, . – Peter cedeu e aproveitou para oferecer seu paletó para ela. Ela agradeceu, e ainda soluçando de tanto chorar o vestiu. Devia estar parecendo um monstro no momento, mas não se importava nem um pouco.
  - Preciso achar a carteira dela, os documentos dela estão lá dentro. – Ela gaguejou olhando ao redor e saindo para procurar.
  - O que aconteceu com ela? – perguntou para o enfermeiro.
  - Pelo que parece, nariz fraturado, braço fraturado, pé torcido, e ela pode ter tido uma séria contusão na parte posterior do crânio. Ela pode estar bem pior do que imaginamos, por isso temos pressa. – Ele advertiu.
   voltou com duas carteiras na mão e seu par de sapatos. Peter a levou para fora.
  - Ela vai ficar bem, não vai? – perguntou.
  - Isso só os médicos vão saber falar. Mas pra ela ter caído desse jeito, ou ela é bem desastrada, ou alguém a empurrou. – Ele deu de ombros antes de sair atrás de .
   olhou ao redor procurando por , mas não o avistou em lugar nenhum. Pensou que ele ainda não sabia de nada e que precisava ser avisado o mais rápido possível. Perguntou para algumas pessoas sobre ele e nada souberam informar. Acabou desistindo e entrou no carro com Peter, e , seguindo a ambulância até o hospital.
  Atrás da casa em um beco escuro e fedorento, um belo rapaz de dezoito anos vomitava dentro de uma lixeira toda a sua culpa e a sua angústia. Sem poder fazer nada.

  17 de Novembro, sábado. 03:25. – New York Downtown Hospital.

  As portas da ala C se abriram com um estrondo e uma mulher de quarenta anos usando um suéter por cima dos pijamas invadiu a sala de espera com seu filho mais velho atrás. Assim que viu um homem de jaleco branco nem se importou de estar fazendo barulho demais, correu até ele aos berros.
  A mãe de estava dormindo quando teve que ligar para dar a notícia. Assim que viu o estado em que a família se encontrava quando entrou na sala, se arrependeu no mesmo segundo de ter feito aquela ligação.
  - Doutor, sou a mãe da ! Como ela está? – Ela se postou na frente do médico que por coincidência havia recebido cerca de quarenta minutos atrás. – Eu posso vê-la? Qual o estado dela?
   estava parada logo atrás, ansiosa. Depois que deram entrada no hospital ela ficou ali sem sair do lugar na espera por alguma notícia. Tentaram tirar sua maquiagem, alguém que ela nem sabia mais quem era, mas parecia que o rímel havia decidido ficar para ver o show. Peter chegou com , e logo depois e parecia que e não haviam reparado ainda na ausência de... Todo mundo na festa. Nenhum sinal de , e toda vez que perguntavam o que tinha acontecido ela e Peter se sentiam na obrigação de acobertá-lo até saberem o que fazer. Foi difícil mentir para os amigos e para a mãe da , e ela sabia que nunca iria se perdoar. A cada segundo ela sentia mais raiva dessa relação confusa que havia se estabelecido entre e . O amor, o ciúmes, a “amizade”. Eles não saberiam lidar com isso, eram muito imaturos. Uma hora iria dar errado, ela sabia disso. Só não imaginava que seria do jeito que estava sendo e muito menos que todos pagariam por isso.
  - Sra. ... Sua filha foi encaminhada para fazer exames e visitas não são permitidas por enquanto. – Ele falou.
  - Exames? Por quê? – Ela perguntou confusa.
  - Qual o estado dela afinal, doutor? – Will, o irmão mais velho de , perguntou. Em sua cabeça tudo aquilo era exagero para um tombo da escada, mas as coisas estavam tomando um rumo muito perigoso e ele começou a mudar de opinião. Queria que seu pai estivesse ali agora para dar apoio para sua mãe. Quando as coisas ficavam difíceis era ele quem segurava tudo com sua força e sua fé, e agora Will tinha que assumir esse trabalho. Sabia que nunca faria tão bem quanto ele, mas tinha que tentar.
  - Sua filha parece ter sofrido um trauma muito grande na parte posterior da cabeça, além de várias contusões que podem ter gerado um coágulo ou inchaço do edema. Estamos fazendo exames e talvez tenhamos que fazer uma cirurgia de urgência. – Ele explicou. – Não temos nada muito certo para te informar agora, eu sinto muito. Vamos trazer resultados mais concretos mais tarde. – Informou antes de se dirigir para a porta. – Me desculpem.
  E saiu. Os deixando sem nada.
   suspirou e sentou ao lado de Peter com lágrimas escorrendo de seus olhos. Ele abriu os braços a aconchegando, e os dois suspiraram, guardando o mesmo segredo e pensando a mesma coisa: Onde estava ?

  17 de Novembro, sábado. 06:25. – New York Downtown Hospital.

  O sol estava prestes a nascer quando dois médicos entraram na sala de espera e fizeram a família e os amigos de levantarem na hora. Praticamente ninguém tinha conseguido pregar o olho desde que o médico tinha saído daquela sala, cada um preso em seus pensamentos que vagavam desde os mais obsoletos até os mais escuros. Nem um deles ousava falar, mas as expectativas se abaixavam cada vez mais.
  Pela cara de um dos médicos a situação não era das melhores, concluiu.
  - Sra. , certo? - O médico perguntou e a mãe de acenou com a cabeça se postando na frente dos dois. O outro permaneceu calado apenas acenando com a cabeça como cumprimento.
  Will e estavam parados cada um de um lado dela ouvindo atentamente, enquanto Peter, e ficavam mais atrás tentando pescar informações. tinha saído em busca de e que ainda não sabiam de nada. Tudo parecia muito irreal para qualquer um dos garotos, ainda mais porque eles não conseguiam encontrar , o único que deveria estar ali desde o começo.
  - Fizemos vários exames com a sua filha nesse tempo e agora a encaminhamos para a UTI. A pancada na parte posterior da cabeça dela causou um inchaço muito grande no edema, como eu disse que poderia acontecer, e comprometeu a parte superior da medula. – Ele informou.
  - Quando se trata da medula, não podemos fazer muita coisa porque é uma parte muito sensível do corpo humano que não se regenera. – O outro murmurou.
  - O que vocês querem dizer? – perguntou baixinho, ficando assustada.
  - Minha irmã vai morrer? – Will perguntou, e ele e tiveram que segurar sua mãe para ela não desmaiar ali mesmo.
  - Não, a não vai morrer. – O médico um a acalmou tentando parecer o mais profissional possível. Àquela altura sentia uma vontade descomunal de bater na cara dele por ser tão frio.
  - O quadro clínico é o seguinte. – O médico dois, que soava muito mais amigável se pronunciou. – Nós submetemos a medula dela a uma cirurgia de emergência, mas não vamos poder saber dos resultados finais até o edema desinchar. – Ele continuou. – O edema é a parte principal do problema porque impede que ela volte ao estado normal. E por causa da lesão na medula... – Ele fez uma pausa. – Dependendo da gravidade ela pode perder o movimento das pernas. Ainda é muito cedo para afirmar isso tudo o que estou dizendo, mas é quase certo de que esses riscos podem vir a acontecer. Sinto muito.
   afundou o rosto nas mãos, desacreditada.
  - E quando é que eu posso ver ela? Falar com ela? – A mãe perguntou.
  O médico fez uma pausa demorada demais para ser aceita, sem saber como continuar o que tinha que dizer. A família da garota parecia atordoada demais para absorver o que estava sendo dito e ele tinha medo das consequências até que eles pudessem se tranquilizar. Era sua função falar tudo o que estava acontecendo, mas a pena que sentia era maior do que a sensação de trabalho não cumprido. Antes que pudesse continuar, o colega de trabalho falou por ele.
  - Devido ao inchaço do edema, sua filha está em coma induzido. – A frase do primeiro saiu como uma facada, e poucos puderam acreditar no que estava sendo dito.
  - E por enquanto, não sabemos se ela vai acordar. – O outro completou.
  Will segurou a mãe nos braços quando ela perdeu o equilíbrio das pernas e desmaiou. Todos correram ajudar, mas não aguentou mais um segundo e se distanciou. Estava se sentindo um monte de lixo por não ter evitado tudo aquilo. Ela podia ter apartado a briga, podia ter impedido que eles se aproximassem tanto daquela escada maldita. Sua cabeça pesava e seus pensamentos iam até e voltavam. Andou até seu assento, pegou seu celular na carteira e teclou furiosamente a mensagem.

  “Você acabou de destruir a vida dela. Espero que esteja feliz onde quer que esteja”.

  Antes que pudesse enviar, repensou e deletou. Não era uma boa ideia fazer isso agora. Era infantil demais para alguém como ela e pesado demais para alguém como ele. Além disso, ela precisava focar em dar apoio para a família de que estava caindo aos pedaços, e não em fazer mesquinharias com um de seus melhores amigos. Se jogou na cadeira ao lado de , se enrolou na manta que tinham conseguido, e se encolheu ao lado dele, segurando para as lágrimas não caírem. ficaria bem. Ela sabia disso. Ela tinha certeza que tudo daria certo. E logo mais apareceria.
  Ele só precisava de tempo.
  Ninguém precisava sofrer naquele momento. Como dizia um escritor japonês, a dor é inevitável. Mas o sofrimento é opcional.
  Ela só esperava que percebesse isso logo antes que se esvaísse em culpa. Sozinho.

  17 de Novembro, sábado. 06:30. – Central Park.

  Apesar de estar bem longe dali, suas pernas o rumaram até o Central Park. Alguns chamariam o ato de clichê – ele chamaria de desesperado. Aquele lugar o trazia lembranças demais de qualquer um que fizesse parte da sua vida, e a maioria vinha dela. Lembrava-se de cada dia que tinha passado ali fazendo qualquer coisa que geralmente se resumia a nada.
  Qualquer uma dessas memórias parecia distante agora.
  Caminhou devagar por entre as árvores e se largou em um banco coberto de orvalho. O parque estava praticamente vazio por causa do horário, e aquilo lhe deu liberdade para pensar. Pelo horizonte atrás dos prédios pôde assistir o sol nascer sem dizer uma palavra, e se sentiu mais sozinho do que nunca. Não sabia o que estava fazendo e também não sabia o que iria fazer quando saísse dali. Estava bêbado, cheirando a álcool e vômito, e se aparecesse em casa mais uma vez assim levaria um tapa na cara. E quanto aos seus amigos, não tinha ideia da gravidade do que estava acontecendo porque estava se fechando mais uma vez para a realidade. Sabia que esse era o seu defeito – o medo da verdade. E por causa desse seu medo ridículo tudo aquilo tinha chegado àquele ponto.
  Depois de tanto ignorar ligações e mensagens, desligou seu celular. Queria permanecer imune do resto do mundo enquanto percebia o que tinha feito. Tinha que se dar conta do que tinha feito. Sabia que se caísse no descaso iria direto para o seu inferno particular.
  Se deitou da melhor forma que pôde no banco molhado e fechou os olhos. Em sua cabeça flashes da sua melhor amiga caída no chão iam e voltavam. Apertou os olhos querendo manda-los para longe, e flashes de uma de treze anos com o rosto coberto de lágrimas vinha à sua memória. Gostaria de se livrar dessas lembranças, mas não conseguia. De alguma forma sabia que aos poucos entenderia que tinha machucado a única pessoa que se importava de verdade com ele, não só por fora mas por dentro, e por muito tempo. Mas enquanto isso não acontecia, os pesadelos daquele sono proibido o tomariam e o puniriam do jeito que qualquer um que soubesse a verdade gostaria de fazer.

  19 de Novembro, segunda-feira. 08:00. – New York High School.

   pisou na escola achando que seria bombardeado de perguntas de amigos e estranhos sobre a amiga de infância em coma, mas apenas atraiu olhares atentos e curiosos de longe por parecer tão aflito. Se encaminhou para o lugar de sempre do grupo, e se surpreendeu ao encontrar apenas e ali. Onde estava todo o resto?
  - Estão no hospital. – falou antes que ele abrisse a boca. Concordou com a cabeça e sentou de frente para na mesa de pedra. Estava frio, e todos os garotos usavam gorros escondendo as orelhas. O inverno estava se aproximando. – Eu passei lá antes de vir pra cá, e estava todo mundo tentando não dormir. Passaram a noite lá.
  - E...? – perguntou cheio de esperanças.
  Não tinha ido ver desde domingo a tarde. Estava se sentindo muito mal pela amiga, e quando entrava no hospital parecia que ficava mais doente ainda, por isso resolveu não ficar por muito tempo ou só iria piorar a situação de todos.
  - As visitas são liberadas aos poucos, mas como é UTI não podemos ficar com ela por muito tempo. A mãe dela fica lá quase sempre, mas você sabe... – respondeu triste.
  - Você viu que saiu no jornal? – Perguntou ao se lembrar da manchete grande demais que o New York Times tinha publicado naquela manhã. “A imprensa sentia cheiro de sangue tão bem quanto os vampiros”, afirmou .
  - Sim. – retirou de dentro da mochila um exemplar do jornal aberto bem na página da matéria. O título, “Filha de famoso ex-piloto de avião em coma”, estava manchado de café. – Não me surpreende já que o pai dela era tão importante para o país. Devem estar especulando se ela vai ser enterrada junto com ele. – Após falar algo tão horrível, deu três socos na mesa.
  - A mãe dela não suporta olhar para esse jornal. Traz muitas lembranças ruins. – murmurou se referindo a cinco anos atrás quando todos se sentavam para assistir à missa do sétimo dia do pai de . As coisas não foram fáceis para a família desde então.
  - E quando você acha que ela vai sair? – perguntou, querendo mudar de assunto.
  - Quando o cérebro dela parar de inchar eles vão tirar ela do coma, se parar. Sei lá. Não sei nada de Medicina, sou músico. – Deu de ombros. – Só espero que ela não fique paraplégica. – Murmurou.
   olhou para , que mantinha a cabeça baixa sem querer se pronunciar.
  - Hey, ? – chamou. ergueu a cabeça lentamente e olhou para ele. – Você por acaso foi no hospital?
  - Não. – Sussurrou desviando o olhar. Parecia até que estava fugindo de alguma coisa.
  - Dude, a está no hospital em coma faz dois dias e você não deu as caras por lá? Logo você? – perguntou em um tom acusador depois de ter aturado todo aquele silêncio da parte dele desde que tinha chego à escola. – Falando nisso, onde você esteve esse domingo que eu te liguei vinte vezes e só deu caixa postal?
  - Espera aí, por que “logo eu?” – fez as aspas com os dedos, parecendo irritado. – Vocês continuam querendo me obrigar a fazer e sentir coisas que eu não quero. - Falou antes de levantar do banco e pegar a mochila jogada no chão. - Não tenho nada com a , não tenho obrigação de ir vê-la, e não te interessa onde eu estive ou deixei de estar. – Colocou a mochila surrupiada nas costas e saiu andando em direção aos armários com uma expressão impenetrável.
  - Wow, o que é que deu nele? – arregalou os olhos. – Ele não era assim.
   suspirou e se debruçou sobre a mesa.
  - Deve estar com medo de perder a única pessoa que já gostou dele de verdade.

  22 de Novembro, quinta-feira. 09:20. – New York High School.

   ergueu os olhos para ver quem entrava na sala de aula e não se surpreendeu quando viu pedir licença ao professor e ir se sentar exatamente ao seu lado. Rolou os olhos e deitou de novo sobre a mochila, virando o rosto, sem querer olhar para ela e sem querer fazer mais nada. Estava irritado demais – consigo mesmo. Não sabia o que fazer. Não sabia o que pensar. Tudo parecia surreal demais para ele, o fazendo se perguntar se era a tal ficha que ainda não tinha caído.
  Permaneceu assim o resto da aula, até que ergueu a cabeça e olhou para a amiga. Ela com certeza notou.
  - Estou tentando entender por que diabos você ainda não apareceu naquele hospital. – Ela falou sem tirar os olhos do caderno aberto onde copiava a matéria do quadro apressada.
  - Eu também. – Sua voz saiu rouca.
  Fazia tempo que não falava nada. Estava tentando manter distância dos amigos porque queria ficar longe das perguntas. Não sabia o que fazer como na maioria das vezes. Como falar que foi ele quem fez aquilo? Mesmo sem querer tinha sido ele, e até aquele momento não teve coragem o suficiente para assumir.
  - Você se lembra do que aconteceu naquela noite, né? – Ela perguntou enquanto arrumava suas coisas na bolsa.
  - Um pouco. – Ele acenou. Ela concordou e ficou em silêncio. Depois se virou pra ele, o encarando nos olhos.
  - Espero que sua consciência não te deixe dormir por muito tempo. E espero também se lembre de tudo o que você e a tiveram juntos e pense um pouco se é justo o que você está fazendo com ela. E então faça alguma coisa, antes que eu faça, porque eu cansei de mentir, . – Assim que ela terminou a frase, o sinal bateu e ela se levantou.
  Ele se sentia um lixo. Um fraco. Um monstro.

  23 de Novembro, sexta-feira. 12:20. – New York High School.

  Era hora do almoço. Na mesa estavam todos, menos . Desde que tinha sido hospitalizada ele parecia ter perdido o famoso brilho em seu olhar que todas as garotas falavam. Não conversava muito com as pessoas – incluindo os amigos. Não se sentava mais com eles. E não ia ao hospital. Não apareceu lá nem um simples dia, e todos se perguntavam por que. Eram melhores amigos. Ninguém nunca veria duas pessoas de sexo opostos tão próximas quando e e de repente, tudo se acabou. Podiam perguntar, mas ele não respondia, como se ninguém estivesse presente.
  - Você acha que ele está em estado de negação? – perguntou sussurrando para o resto do grupo enquanto eles olhavam discretamente as costas de sentado em outra mesa sozinho. Era assim que passava seus recreios agora. Isolado do resto.
  - É provável. Ou simplesmente não quer aceitar que a melhor amiga dele está em coma. – respondeu e todos rolaram os olhos para a asneira que ele tinha acabado de falar.
  - Pode ser isso, ou ele só não quer ir ao hospital. Tem medo de ver o que está acontecendo. – , seu melhor amigo, disse tristemente. – Eu não gostaria de ter que ir ao hospital ver nenhum de vocês. Imagine como ele está se sentindo com a melhor amiga dele estando lá?
  Eles viram quando Lindsay, a tal loirinha dona da festa e a garota que tentava há meses conseguir aprovação de se aproximou dele e se sentou em sua mesa.
  - A pessoa que a mais precisa agora está a rejeitando. – desaprovou e rolou os olhos para a garota que parecia estar o “consolando”. – E buscando consolo com outra.
  - Se aquilo pode ser chamado de consolo. – completou ao ver a mão da garota deslizar para a perna dele e ela falar perto de seu ouvido.
  Ele falou algo em troca para ela e levantou da mesa deixando todo o seu almoço ali. Todos soltaram o ar, aliviados com a atitude de . Lindsay bufou e saiu para o outro lado, xingando baixinho.
  - Tenho medo de ele entrar em depressão se ela não... Acordar. – murmurou.
  Todos concordaram com a cabeça, tristes demais para falarem mais alguma coisa. permaneceu calada em seu estado de lamúria, e encontrou o olhar de Peter que estava sentado em outra mesa. Ele sorriu triste, guardando o mesmo segredo que ela. Ela não foi capaz de contar. Não por enquanto. era seu amigo também, e enquanto ele estava absorvendo o que estava acontecendo, ela precisava aguardar.
  - Ele precisa de tempo, eu acho. – Ela murmurou.
  Todos a olharam e sem aguentar, pegou sua bandeja e saiu da mesa, se sentindo tão culpada quanto ele devia estar.

  23 de Novembro, sexta-feira. 17:20. – New York Downtown Hospital.

   e entraram juntos no hospital de mãos dadas, mas as soltaram assim que encontraram a mãe de , provavelmente indo para casa descansar depois de outro longo dia de espera. Já fazia quase uma semana que se encontrava em coma e eles não podiam imaginar nem metade da dor que a mãe dela devia estar sentindo. Estavam usando um ao outro para se manterem firmes mesmo que ninguém soubesse, porém nem isso a Sra. podia fazer.
  - , . – Ela sorriu fraco. sentiu pena ao vê-la naquele estado.
  - Ei tia, como vai a ? – Ele perguntou tentando soar casual. Achou que poderia animar o ar daquele hospital depressivo, mas estava errado.
  - Segundo o médico, melhor. Dizem que ela está se recuperando bem. Mais um ou dois dias e ela pode sair do coma. – Respondeu com brilho nos olhos.
   não soube se o brilho era de esperança ou se ela estava prestes a cair no choro. Estava falando aquilo desde o dia em que aconteceu a internação, e todos rezavam para ela não estar saindo da realidade.
  - A é forte, ela vai dessa sair antes do que pensamos. – sorriu com carinho. – Ela tem uma cabeça dura e um gênio forte, não é o tipo de pessoa que desiste fácil.
  - Assim espero, . – Ela suspirou. – E o ? Por que ele não apareceu ainda? – Ela perguntou. Os dois se entreolharam, sem saber o que responder. – Ele faz tão bem para a , gostaria que ele viesse. Tenho certeza que ajudaria na recuperação dela. – Ela falou mais para si mesma do que para eles, como um mantra.
  - O também está bem chateado com tudo. Acho que ele precisa de tempo para aceitar o que está acontecendo. Você sabe como ele é complicado, tia. – falou da melhor forma que pôde.
  - É, eu sei... Bom, estou indo para casa. Vocês sabem que não dá pra ficar muito tempo, mas dá para ver a pela janela. O irmão dela está lá. – Fez uma pausa, como se estivesse se esquecendo de alguma coisa. Acabou dando de ombros e sorriu fraco para eles. – Bom, tchau queridos.
  - Estamos indo agora mesmo. Bom descanso, Sra. . – acenou com doçura e arrastou o garoto para o lado da UTI.
  - Ahn... ? – Ele a chamou durante o caminho. Ela parou de andar e olhou para ele. – Você acha justo o que estamos fazendo com todo mundo? Mentindo o tempo todo sobre nós? – Ele perguntou parecendo de repente preocupado. Ela achou o gesto fofinho, mas não quis demonstrar até porque ela era o alfa da relação.
  - . – Ela suspirou colocando seu indicador entre os olhos. – Você acha mesmo que com tudo que está acontecendo alguém vai mesmo se importar se estamos nos pegando escondidos ou não? – Ela perguntou séria. Ele acabou dando de ombros.
  - Eu sei lá, é que não parece certo e... – Ele começou a falar, mas foi logo interrompido.
  - ! ! – Will gritou assim que os viu de longe. Os dois pularam assustados e se separaram na mesma hora. Ela o encarou como se dissesse para ficar quieto e então virou para o irmão da , com o sorriso de sempre nos lábios.
  Existiam coisas mais importantes, repetiu para si mesmo. Sim, existiam coisas mais importantes.

  24 de Novembro, sábado. 16:40. – Casa do .

  A campainha tocou e correu até a porta para abri-la para . Deu espaço e ele passou com seu violão nas costas, com a mesma expressão que carregava ultimamente no rosto: seriedade. Andou até a sala de jogos nos fundos, onde eles usavam para ensaiar a banda quando não podiam ir até o estúdio. morava em um duplex gigantesco, e a distância da sala de jogos até os quartos era imensa, logo não atrapalhariam ninguém.
   não esperou o amigo e andou sozinho até lá, encontrando e sentados no sofá, conversando em voz baixa. chegou atrás dele. Os três olharam para ele e a ficha caiu.
  - A gente não está aqui para um ensaio. – Ele disse em um tenso tom de voz.
  - Não, não estamos. – respondeu mais alto, fechando a porta e andando até o sofá. – Estamos aqui porque somos seus melhores amigos, e queremos conversar com você. – Sentou no sofá ao lado de e , e os três encararam .
  Ele largou o violão no chão e cruzou os braços, incrédulo.
  - Sobre o quê? A ? – Perguntou seco.
  - Sim. E queremos entender porque você ainda não...
  - Porque você está tão relutante em... Expressar o que você sente. – interrompeu e completou a frase de uma forma melhor.
  - , ela é sua melhor amiga desde os três anos e agora você virou as costas para ela. Não dá para entender. – olhou para com a maior compreensão possível e isso o acabou fazendo abaixar a cabeça.
  - Eu não quero falar sobre a . – Ele murmurou encarando os pés.
  - Ela precisa de você, ! Ela não pode falar e nem te ver, mas ela precisa de você lá da mesma forma que ela precisou de você quando o pai dela morreu e você esteve lá. – bateu o pé, indignado com toda aquela atitude negativa de .
  - As coisas são diferentes da vez em que o pai dela morreu. – Ele argumentou.
  - Por quê? Só porque ela estava acordada? Você acha que foi mais fácil para ela e a família dela terem que aceitar a perda do pai dela?
  A mente de todos se preencheram de imagens negras de cinco anos atrás. Mas nenhuma lembrança se compararia às de .

  Cinco anos atrás.
   jogava videogame sozinho naquela tarde escura de domingo quando ouviu pela primeira vez o telefone tocar. Ignorou-o, pois sabia que sua mãe iria atender, e voltou a se concentrar na fase que tentava passar. Não demorou muito e três toques na porta anunciaram a entrada da Sra. , obrigando-o a pausar o jogo para olhar para ela.
  - É para você, querido. – Ela sussurrou para o filho, e ele viu que ela possuía uma expressão triste no rosto. Entregou o telefone na mão dele e aguardou.
  - Alô? – Ele perguntou sem entender muita coisa.
  - ? – Disse uma vozinha do outro lado da linha, que para ele seria impossível não reconhecer.
  - Oi . – Ele respondeu mais baixo, percebendo que havia algo errado logo de cara.
  - Vo-você pode vir aqui em casa, por favor? – Ela pediu, e parecia soluçar. – Preciso de você aqui.
  Ele olhou para a mãe que ainda estava parada na porta e ela acenou com a cabeça, como se já soubesse o que ele ia pedir.
  - Já estou indo, ok? Fique bem. – Ele falou antes de desligar o telefone e sair correndo de casa.
  Pedalou por uma Nova York chuvosa o mais rápido que pôde até a casa onde morava, e sem nem apertar a campainha entrou pelo corredor em busca da garota. Subiu pelas escadas de dois em dois degraus e na porta do quarto dela viu que Will, um adolescente naquela época, estava parado do lado de fora.
  - ... Por favor, me deixe entrar! – Ele pedia baixinho, quase que implorando.
  - Não! – Ela gritou de lá de dentro. – Eu não quero ver ninguém! Só o !
   parou ao lado dele, ainda um pouco confuso com tudo o que estava acontecendo. nunca ligava para ele daquele jeito a não ser que algo muito sério tivesse acontecido. Enquanto o irmão mais velho insistia na porta, ele notou que a casa parecia mais silenciosa do que o normal, e não havia o cheiro de bolinhos de chuva que costumava ter aos domingos. A única iluminação que existia vinha das janelas, semicobertas pelas cortinas, dando um aspecto abandonado no ambiente.
  Estava tudo muito triste.
  - ? – Ele ousou chamar depois que Will desistiu e saiu para o seu quarto.
  Ela não respondeu.
  Alguns segundos mais tarde a porta se abriu e ele pôde entrar no quarto que pertencia a ela. estava sentada no chão, encostada em sua cama, com as pernas encolhidas sob os braços e o rosto apoiado nos joelhos. De longe se podia ver que ela tremia e chorava baixinho em uma melodia torturante. nunca tinha visto algo partir seu coração com a mesma intensidade do que aquela cena. Aproximou-se devagar e se sentou ao lado dela, acariciando suas costas enquanto esperava ela olhar para ele. Tinha apenas treze anos, não sabia muito bem como consolar uma garota de doze. Mas tentou o seu melhor naquele dia. Não tinha ideia de quanto tempo passou até que os soluços cessaram e ela ergueu o rosto coberto de lágrimas para ele.
  - Ele se foi, . – Ela sussurrou.
  Ele chegou mais perto dela e sentiu como sua pele estava fria. Puxou a manta dobrada de cima da cama e a embrulhou, esperando sem pressa que ela continuasse.
  - Meu papai se foi. – Ela murmurou de novo, e então ele soube que era do Sr. que ela falava.
  - O quê? - Ele gaguejou, espantado. Ela olhou em seus olhos e ele pode ver a dor tomando conta dela.
   Percebeu que não sabia o que tinha acontecido e não fazia ideia de quando e como. Queria demonstrar sua surpresa, gritar e chorar também pelo homem que tinha sido como um segundo pai para ele. Mas poderia fazer isso depois com sua mãe. Só queria que a dor da melhor amiga passasse para que pudesse sentir a sua.
  - Ele... Ele disse que ia voltar. Disse que ia voltar como todas as vezes e que iríamos nós dois ao cinema assistir aquele filme que eu adoro comendo pipoca. – Ela chorou com os olhos apertados. – Ele ia voltar hoje, . E por culpa daquele emprego dele ele não voltou! Ele não vai voltar! – As lágrimas voltaram a escorrer e ela escondeu o rosto no ombro do garoto.
  Ele a abraçou forte, fazendo carinho no cabelo dela e murmurando palavras de consolo igual sua mãe fazia com ele quando algo estava errado. Não sabia mais o que dizer mesmo querendo por para fora tudo o que sentia. Ele chorou também, tentando segurar para si o máximo que conseguia.
  - , eu... Eu sinto muito. Eu não sei o que te dizer. – Murmurou, tão magoado quanto ela, sentindo um nó se formar em sua garganta.
  - Não precisa falar nada, . Só fica aqui comigo, por favor. – Ela pediu o fazendo concordar no mesmo instante.
   Eles permaneceram em silêncio, encolhidos ali no chão do quarto até que ela caiu no sono em seus braços, mergulhada nas lágrimas e na dor de uma ferida que nunca cicatrizaria.

  Durante todo um mês não foi para a escola. Todos os dias, ia até a sua casa entregar os deveres de casa e passar o resto do dia com ela. Algumas noites quando ela não conseguia dormir com pesadelos e gritava pelo pai, era ele quem estava lá para acalmá-la. Debaixo de uma chuva forte no enterro, assim como na missa do sétimo dia, ele não deixou de segurar sua mão até que todos tivessem ido embora. Mesmo depois de muito tempo nunca se afastou, pois não esperava que algum dia aquilo fosse acabar. Aos poucos a dor diminuía e ele via que uma garotinha de apenas treze anos ficava mais forte a cada dia. E agora toda a sua força tinha ido embora, e todos esperavam que a dele fosse o bastante para segurar os dois. Mas não era.
  - Eu esperava que você não fosse sair daquele hospital da mesma forma que não saiu do lado dela naquele enterro enquanto a tempestade caía sobre você. O que há de diferente nisso, ? – perguntou.
  – Agora mais do que nunca você vai precisar provar que está do lado dela. Ela vai sentir sua presença no instante em que você pisar naquele hospital, pode ter certeza. Você tem que entender e fazer isso por ela. – continuou. Os outros olharam para ele, chocados com o que ele tinha acabado de falar. – Eu sei, eu sei. Eu ando muito emocional esses dias. Estou pior que a de TPM. – Fingiu limpar uma lágrima embaixo do olho.
  - Eu não estou pronto para pisar naquele hospital e ver ela, numa cama, em coma, sem que eu possa fazer nada. Sem que eu possa salvá-la, como eu fiz milhares de vezes. – Ele olhou para os amigos que o encaravam com atenção e compaixão, e passou a mão pelo cabelo, tentando parecer mais durão do que se sentia no momento. Tudo aquilo parecia cutucar uma ferida que ele nem mesmo sabia que tinha.
  - Cara, se você tá achando que é sua culpa porque você não pode ajuda-la, não é sua culpa! – insistiu. – Aconteceu! Foi um acidente! Você não vai poder proteger a vinte e quatro horas por dia todos os dias! Podia ter sido qualquer uma das garotas, mas foi com ela. Você não pode se culpar!
  - Eu preciso ficar sozinho. – Ele murmurou. – Não vou mais falar sobre ela. Não insistam. – Falou baixo, mas eles ouviram bem sua mensagem. Se abaixou, pegou o violão e saiu da sala.

  27 de Novembro, terça-feira. 1:50. – New York Downtown Hospital.

  Ficar em casa me torturando em pensamentos o resto da noite não era mais uma ideia cogitada, já que eu estava fazendo isso há dez dias. Já não dormia e não conversava. Minha família me perguntava se estava tudo bem e o máximo que eu respondia era um vago sim, e por dentro eu sabia que me julgavam. Meus amigos deixaram de se importar com minha distância, mas eu sabia o quanto falavam pelas minhas costas. Não suportava o fato de saber a verdade e continuar guardando para si, esperando que eu fizesse algo que valesse a pena. Teria sido melhor se ela tivesse falado desde cedo e eu tivesse sido punido.
  Por isso me resolvi. Levantei da cama, no escuro, coloquei um moletom e peguei o carro, sem avisar ninguém. Perguntas era o que eu menos precisava. Cheguei ao hospital bem rápido porque não havia trânsito há muito tempo. Entrei pela porta da frente, olhando para todos os lados com medo de encontrar algum conhecido. Não era medo. Era... Não sei. Não soube definir uma palavra para isso. Eu estava me sentindo diferente há muito tempo, antes mesmo do acidente. E não havia palavras para descrever isso da mesma forma que eu não encontrei palavras fortes o suficiente para consolar cinco anos atrás.
  Parei no balcão da recepcionista e esperei ela notar minha presença. Devia estar dormindo de olhos abertos pelo tempo que demorou.
  - Boa noite... Eu queria saber qual é o quarto da . – Falei baixo para não chamar atenção.
  - Gente, essa garota é amiga da cidade inteira, não é possível! – Ela falou consigo mesma me deixando surpreso. – Ahn, então gatinho, ela está na UTI ainda, então você não pode visitar ela a essa hora. Chegou muito tarde. As visitas são das 8 às 10. Mas caso queira vê-la de longe, a UTI é por ali. – Ela apontou e sorriu mostrando os dentes sujos com o batom rosa.
  Agradeci. Saí em passos firmes e só parei quando vi a parede com vidro que separava o corredor da UTI. Parei atrás da pilastra e observei devagar, procurando com os olhos se alguém estava por perto. Quando não encontrei ninguém, andei com cautela até a porta da UTI e entrei em silêncio, rezando para não ser pego. Andei mais um pouco e logo encontrei quem eu queria no meio de tanta gente.
   estava deitada no leito de hospital entre cortinas, e eu gostaria de dizer que dormia tranquilamente, mas a enorme quantidade de fios e canos ao redor de seu corpo inerte me dizia que aquilo não era sono. Seu pé, seu nariz e seu braço estavam engessados e sua cabeça estava enfaixada. Senti falta de ar ao pensar que poderiam ter raspado o cabelo dela.
  Tudo por minha culpa.
  Seus olhos estavam fechados, e suas mãos caídas ao lado do corpo, meio abertas. O barulho da máquina mostrando seus batimentos cardíacos era a única coisa que quebrava o silêncio da madrugada junto com a minha respiração. Andei pé ante pé, como se estivesse com medo de acordá-la, e parei ao seu lado, esticando os dedos para pegar sua mão. Quando a alcancei e senti seu toque frio e sem vida, foi como chegar ao abismo para mim. Desde pequeno quando eu pegava a mão dela, ela na mesma hora retribuía com um aperto macio e quente, me confortando. E agora ela estava ali, em coma, tudo por causa de uma briga boba e sem necessidade por minha culpa.
  - Me desculpa, . – Murmurei passando os dedos pelo seu rosto. As lágrimas queriam vir, e eu fiz força para continuar falando. – Se eu soubesse que te machucava tanto, eu nunca tinha me afastado de você. Foi egoísmo meu ter feito isso.
  O silêncio permaneceu e eu entendi que nada mudaria.
  - Você não faz ideia do quanto faz falta na minha vida. Acho que eu finalmente sei como você se sentiu quando o seu pai se foi. – Continuei. – Não existe coisa pior do que andar pelos corredores da escola e saber que você não vai aparecer para almoçar comigo ou me assistir nos ensaios da banda. – Balancei a cabeça. – Os guys disseram que você precisava de mim aqui. Sinto muito não ter vindo antes, sou um covarde, eu sei. – Sorri fraco brincando com seus dedos. - Eu não estou mais com raiva... Como estive por tanto tempo... Eu deveria estar mais ainda agora, mas eu não estou. Eu só sinto... Dor. – Fiz uma pausa, tentando desatar o nó que se formava em minha garganta. - Um monte de dor. Eu pensei que eu poderia imaginar o quanto isso iria doer, mas... Eu estava errado. Eu estive errado desde que comecei a me afastar de você. Você sabe, eu faço tudo errado. Estou errado em esconder de todos o que eu fiz, e ainda mais por não ter vindo antes. Eu queria ter mais coragem por você, queria ter toda a sua força, mas eu não sou digno o suficiente. Eu odeio a forma como me obrigam a te amar quando eu já estou lutando comigo mesmo para conseguir fazer isso. – Respirei fundo. – Eu sinto sua falta, baixinha. E eu não sei o que vou fazer da minha vida se você nunca mais voltar para ela. E mesmo se você conseguir passar por tudo isso, eu não te culpo se nunca mais quiser olhar na minha cara. Eu mereço tudo de ruim que possa acontecer comigo... – Quando me dei conta, tinha falado naqueles últimos segundos mais do que eu tinha falado durante todo o tempo em que me mantive isolado de todos. Eu poderia continuar falando tudo o que sentia para ela, mas notei que seria covardia se ela não podia me ouvir.
  Eu sabia que nunca conseguiria falar tudo aquilo se seus olhos estivessem abertos.
  - Ei, garoto! – Uma voz gritou me fazendo dar um pulo na mesma hora. – Você não pode ficar aqui!
  Virei para trás e dei de cara com um enfermeiro parado na porta que eu deixei aberta. Merda.
  - Ahn, eu sei. Me desculpe. Eu não devia estar aqui, mas eu tinha que... – Me embolei e suspirei – Já estou indo.
  - Agora, por favor. Ou vou chamar a segurança. – Ele avisou, e ficou esperando.
  Eu sabia que não queria voltar nos horários de visita com tanta gente em volta me perguntando tanta coisa. Olhei de novo para e soprei um adeus. Soltei sua mão e dei um beijo em sua testa. Virei de costas e segui o enfermeiro.
  Deus sabe o que aquilo significou pra mim. Mas nem ela e nem eu sabíamos.

  29 de Novembro, quinta-feira. 16:20. – New York Downtown Hospital.

   e saíram do hospital de mãos dadas e sentiram o vento congelante do inverno nova-iorquino tocarem seus rostos. Ela se encolheu de frio, mas continuou andando ao seu lado até a esquina onde o carro estava parado. Tinham deixado outro vaso de flores para e dado uma caixa de chocolates para a mãe dela. Ainda assim não alegraram muito a atmosfera do lugar. A Sra. e o filho continuavam perguntando de , e eles não sabiam mais o que responder. Nem mesmo eles sabiam o que concluir das ações dele.
  - Me sinto péssima. A comida não tem mais gosto, o sol não brilha mais, eu não tenho vontade nem de tomar banho. – comentou.
  - Por favor né, continue com a última parte. – pediu e fez ela rir.
  - A mãe da está péssima, você viu. Os médicos tinham dito poucos dias. Já faz duas semanas e nada... – parou de andar e se virou para ele. – , e se ela não voltar? – Ela perguntou e sua voz falhou.
  - Ela vai voltar, . – Ele afirmou não só com palavras, mas com o olhar também. – O médico disse que a recuperação dela está sendo uma das melhores que ele já viu, além disso, o trauma não foi tão grande quanto pensávamos... – Ele falou, vasculhando sua mente palavras para amenizar o sofrimento da namorada.
  Ela gostava quando ele fazia isso, se sentia muito mais segura.
  Ela sorriu de volta e olhou para o chão. Ele tirou um maço de cigarros do bolso e ofereceu um para ela enquanto pegava um para ele. Ela decidiu negar. Não estava com vontade.
  - Não hoje... – Ela suspirou, fazendo-o olhar para si mesmo e guardar tudo de volta no bolso. Isso despertou outro sorriso nela. Ele sentiu seu rosto corar e balançou a cabeça, rindo de si mesmo. – Às vezes eu entendo o , sabe. Mesmo que ele nunca tenha admitido eu sei o quanto ele ama a e o quanto deve ser difícil. Porque eu mesma não sei o que faria se não tivesse você comigo, . – Ela murmurou.
  Ele abriu os braços para aconchega-la e lhe deu um selinho. Por fim apoiou o queixo no topo da sua cabeça.
  - Nem eu, . – Respondeu pensativo. – Nem eu.

  4 de Dezembro, terça-feira. 11:50. – New York High School.

  Com doze cadernos em mãos, saiu da sala de aula tropeçando e tentando não derrubar tudo enquanto se dirigia para seu armário. Falhou quando bateu de frente com no corredor e todas as suas coisas começaram a escorregar para o chão, salvas pela agilidade do garoto. Assim que ele pegou tudo com um sorriso maroto, ela suspirou cansada e se jogou num banco que tinha na frente deles.
  - Por que tantos cadernos? – Ele perguntou sentando ao lado dela e colocando os cadernos no meio dos dois.
  - To anotando todas as matérias para a . Você sabe... Quando ela sair do hospital ela vai precisar. – Murmurou olhando para seus pés.
  - Ah. – Ele deixou escapar, surpreso.
  - Ela vai ficar bem, não vai ? – Ela ergueu os olhos sem brilho para o garoto e ele sentiu pena.
  - ... – Ele começou, mas sem saber direito o que dizer para ela. Será mesmo que ficaria bem? Já fazia tanto tempo comparando com as expectativas que ele nem sabia mais. Ela poderia ficar anos em coma e então ninguém poderia esperar da forma que esperava. Ele estava tentando se forçar a aceitar a pior das hipóteses, mas sabia que era difícil para as garotas. era parte da vida delas.
  Ela balançou a cabeça, concordando que não tinha como saber e lágrimas começaram a escorrer de seus olhos. Ele ficou paralisado por dois segundos, mas logo depois já estava jogando os cadernos no chão para puxar para mais perto e aconchegá-la em seus braços.
  - O que mais me deixa irritada é que tudo isso podia ter sido evitado. – Ela chorou em seu ombro. – Se o não tivesse feito tudo aquilo naquela noite só pra irritar ela e deixar ela com ciúmes e não tivesse feito ela tropeçar... – Começou a falar, mas engasgou com o próprio choro.
  - O quê? – perguntou confuso e a afastou do ombro dele. – O o quê?
  - Ahn... Nada. – Ela murmurou limpando as lágrimas, sabendo que tinha feito uma besteira enorme ao mencionar . Ela não devia ter feito isso, iria querer saber mais, e ela tinha prometido à que não ia falar nada. – Esquece .
  - , você não sabe mentir. – Ele falou olhando em seus olhos. – Foi o que empurrou a da escada? É isso? – Ele perguntou sério.
  - Não! – Ela tentou consertar, olhando para os lados com medo de alguém ter ouvido. – Ele a fez tropeçar... Foi sem querer, mas... – Ela tentou explicar, mas já tinha levantado e andado para longe.

  4 de Dezembro, terça-feira. 11:55. – New York High School.

   não tinha comentando com ninguém sobre as visitas fantasmas que andava fazendo ao hospital. Soariam emocionais demais, e perguntariam por que ele não apareceu no horário normal. Ele não teria então o que dizer. Passou mais noites em claro, pensando em como contaria para os amigos que a culpa era dele. E pensou também em . Como ele pode ter sido tão idiota nesse tempo todo? Por que não tinha agido feito homem na hora certa? Quando completou catorze anos sua mãe disse que a partir daquele momento ele era um homem para ela. Parecia que mais uma vez ele a tinha desapontado. Agora ele estava cheio de remorso, culpa, e certamente todos os odiariam tanto quanto ele mesmo quando soubessem.
  Quando empurrou a comida e levantou do banco do almoço, não conseguiu nem desviar de tão rápido que foi. Ele tinha visto vindo em sua direção enquanto ele almoçava com , mas não tinha ideia que era pra meter um soco na cara dele. Quando percebeu o que ia acontecer, já tinha caído na grama no meio do horário do almoço atingido pelo seu melhor amigo sem saber por que.
  - SEU MERDA! – gritou completamente fora de si.
  - Porra ! Que é isso?! – respondeu cobrindo o rosto machucado.
  - Para, para. Para tudo! – berrou correndo até eles e entrou no meio antes que pudesse atingir de novo.
  - Sai da frente, ! Eu quero quebrar a cara desse infeliz! – levantou na hora e segurou por trás no instante em que ele avançou para cima de .
  - Perai, ! O que foi que ele fez? – perguntou enquanto se levantava e passava a mão no nariz sangrando.
  - Esse filho da puta ficou esse tempo todo quieto quando na verdade foi ele quem fez aquilo com a ! – Ele gritou alto o bastante para as mesas ao lado ouvirem também.
  - O quê?! – Os dois que separavam a briga pararam na mesma hora e olharam para , e de volta para , sem saber o que fazer.
  - Foi ele quem derrubou ela da escada! Esse desgraçado, que pagou de depressivo excluído e todo mundo sentindo peninha dele! – Ele não conseguia conter sua voz. Estava irritado demais para pensar que era o seu melhor amigo na sua frente. Como ele pôde ter escondido isso por tanto tempo? era praticamente tudo que tinha e foi ele que colocou a vida dela em risco? Como ele conseguia ser tão frio? Logo que protegia até de uma mosca!
  - É o que, ? – perguntou para o garoto que ainda se recuperava do soco, sem querer acreditar no que tinha ouvido. nunca faria isso, não era possível.
  - , pelo amor de Deus! – apareceu correndo com atrás. Peter estava junto também por algum motivo que ninguém imaginava qual era. Bem, e sabiam. – Não faz isso, espera! – As lágrimas recomeçaram junto com os soluços. – Foi um acidente!
  - , esse idiota colocou a nossa melhor amiga em coma e nem as caras ele deu por lá! – Ele apontou para , praticamente espumando de raiva. – E você sabia disso o tempo todo e não teve a decência de nos contar! – Gritou mais ainda causando soluços na garota.
  - Eu sabia que o estava estranho demais com tudo isso. Achei que era o choque, mas vejo que o choque foi nosso. – falou com desprezo.
  - , calma. Você não entendeu tudo. – Peter tentou acalmar as coisas, mas só recebeu um empurrão em troca. tirou todos do seu caminho e parou na frente de , olho a olho. As pessoas em volta ficaram caladas quando ele apontou seu indicador para o amigo.
  - É melhor eu que sou seu melhor amigo te bater do que o que o irmão da vai fazer com você quando souber que foi sua culpa. Ai quem sabe você não faz uma visita para ela no hospital. A minha vontade é te socar até você cair no chão de novo, mas acho que a culpa que você deve estar sentindo vai te fazer cair sozinho. – rosnou e saiu andando.
  - Cara, eu não acredito que foi você. – suspirou e saiu em seguida com atrás.
  - Eu queria acreditar que o se enganou... Mas pelo que parece é verdade. – balançou a cabeça e saiu também, deixando apenas e Peter.
  - Me desculpa, . Não foi de propósito. – murmurou. – Apesar de você ter merecido eu não queria ver vocês brigarem. A gente já está tão separado por causa do que está acontecendo e agora eu...
  - Tá tudo bem, . Mais cedo ou mais tarde eles iam saber mesmo. – Ele deu de ombros, falando pela primeira vez.
  - Eles precisam saber que ela tropeçou, não foi você. – Peter argumentou.
  Ele balançou a cabeça negativamente e saiu andando para o outro lado ainda com seu nariz jorrando sangue.
  Ele sabia que merecia muito mais do que um soco.

  10 de Dezembro, segunda-feira. 14:20. – New York Downtown Hospital.

  Will entrou na ala C do hospital soltando fogo pelas ventas enquanto procurava pela mãe no lugar que sempre ficavam durante o dia. Estava mais do que irritado, e sabia que só ela o acalmaria. Olhou ao redor e percebeu que além de um casal de idosos e uma pequena família, não havia mais ninguém por ali. Isso o fez sair desembestado até a recepção já perguntando pela famosa Sra. . Àquele ponto, não havia nenhum profissional daquele hospital que não soubesse da trágica história da garota de dezessete anos que estava em coma induzido.
  - Sr. , eu creio que a sua mãe está no terceiro andar preparando o quarto para a sua irmã. – A recepcionista respondeu como se já fosse da família.
  - Como é que é? – Ele perguntou sem entender.
  Antes que ela respondesse ele correu pelas escadas até o quarto que lhe foi mencionado. Assim que abriu a porta se deparou com a mãe parada em pé assistindo dois enfermeiros instalando ninguém menos do que no quarto.
  - Mãe! – Ele exclamou. – O que está havendo? – Perguntou sem entender o motivo da transferência.
  - Os médicos resolveram trazer a para o quarto. Eles estão tirando ela aos poucos do coma por causa da boa reação ao tratamento. – Ela respondeu baixinho, como se a filha pudesse acordar com sua voz. O sorriso que trazia em seu rosto era de iluminar qualquer ambiente e Will se sentiu mais leve que uma pena.
  Até que ela percebeu que havia algo errado.
  - William , por que diabos você está com um corte acima da sobrancelha disfarçado bem porcamente por maquiagem? – Ela colocou as duas mãos na cintura e se postou na frente dele, nada contente com a aparência do filho. Will não respondeu e desviou o olhar, o que a irritou mais ainda. – Olhe para mim e me responda, Will. O que você fez? - Insistiu.
  - Eu encontrei com o . – Murmurou envergonhado. Ela soltou o ar, frustrada, já imaginando que seria aquilo.
  - Então eu suponho que o rosto dele também esteja dessa maneira! – Ela exclamou.
  - Na verdade, eu consegui deixar pior. – Tentou esconder o quanto estava orgulhoso do que tinha feito.
   era um imbecil que tinha destruído a vida da sua irmã e merecia qualquer atentado que sofresse contra sua vida. Uma surra qualquer na porta da sua escola não era nada perto do que Will realmente gostaria de fazer com ele.
  - Esquece o , Will. Nós temos que pensar exclusivamente na recuperação da e torcer para que ela reaja bem ao tratamento. – Ela suplicou.
  Ele concordou com a cabeça tentando deixar de lado toda a raiva que sentia. Olhou para a irmã que respirava tranquilamente no seu leito e buscou nela a paz que precisava para seguir em frente.
  Gostaria que fizesse o mesmo.

  16 de Dezembro, domingo. 23:04. – New York Downtown Hospital.

  (N/A: Coloque Miss You Love - Silver Chair para tocar)

  Só porque estava sendo negado na escola por todos inclusive seus melhores amigos, aquilo não significava que devia ficar longe dela. Sabia que merecia, mas não parecia uma opção para ele. Resolveu voltar mais uma vez.
  Partiu de casa à noite, sem nem avisar, já que nem sua família gostava mais de o olhar nos olhos desde que tinha descoberto a verdade. Entrou na mesma recepção, e a mesma mulher estava lá. Ela era boa em guardar rostos, pois logo indicou o número do quarto de antes que ele pedisse e sem se lembrar que o horário de visitas já tinha acabado há tempos. estranhou ela ter ido para o quarto. Tinha ido algumas vezes lá e não ficou sabendo de nada, mas tinha quase certeza que tinha ouvido alguém comentar que ela tinha sido transferida da UTI. Pelo menos isso, pensou. Há doze dias não sabia de mais nenhuma novidade por ninguém. Era tratado como um estranho até mesmo pelos professores que deviam desprezá-lo.
  Subiu até o terceiro andar, e caminhando em silêncio pelos corredores como um fantasma, chegou ao quarto 3416, sem nenhuma guarda na porta além de uma planta artificial parada de uma forma mórbida, enfeitando o corredor nu. Abriu a porta, e encontrou um quarto espaçoso e clareado pela luz da lua, com uma cama perto da janela de vidro, e com uma garota dormindo profundamente de coadjuvante. Fechou a porta com cuidado e ao ver que ninguém estava no quarto andou até ela. Se a Sra. não estava por lá, tinha certeza de que ninguém apareceria ali por um bom tempo. Ou pelo menos até a manhã seguinte. Olhou para a garota na cama. Os gessos e a faixa foram removidos, assim como grande parte dos fios e dos canos. Seu rosto estava um pouco corado e seus cabelos se espalhavam sobre o travesseiro. Ela parecia mais viva. Viva como sempre fora.
  Sentou ao lado da cama na poltrona instalada ali, pegando a mão dela como da última vez, e brincando com seus dedos frios, olhando cada ínfimo detalhe da garota. Sua beleza era indescritível. Os lábios semiabertos tinham o quê de inocência e sedução ao mesmo tempo, que o deixava tão intrigado. Seus olhos fechados e os cabelos soltos denunciavam uma pureza que ele não poderia detalhar em poucas palavras, pois precisaria de um livro para ser justo com aquela garota. Se perguntou como pôde ter arruinado a vida da pessoa que mais amava com simples atos que não imaginou que poderiam ser tão venenosos e devastadores a ponto de causar um desastre daquele tamanho. Ele não entendia até então. Que poderia machucar alguém tão intensamente que ela nunca iria se recuperar. Que uma pessoa pode, apenas por viver, danificar outro ser humano além do reparo. Sua existência era uma maldição para . Enquanto ele vivesse, a vida dela afundaria mais e mais, e só depois daquilo tudo conseguiu perceber que não podia viver sem ela.

  Um ano atrás.
  Ela tropeçou no caminho e ele teve que se esticar para segurá-la mais uma vez antes que caísse no chão e o levasse junto. Ela gargalhou da cena que para ele não era nada engraçada, e tentou tomar a garrafa da mão dele. Ele tirou a tempo e a colocou em cima de uma mesinha que tinha no corredor para depois terminar de arrastar para dentro do seu quarto antes que seus pais ouvissem. Era a segunda vez no mês que ele se arriscava de trazê-la bêbada para sua casa no meio da noite quando não tinha como leva-la para a dela. Logo mais os dois seriam pegos e ele seria expulso de casa.
  - Ah , qual é! Me deixa em paz! – Ela pediu tentando segurar o riso que parecia vir à tona sempre nas piores horas.
  - Chega de beber por hoje, senhorita . – Ele a repreendeu e a jogou na cama sem cuidado algum.
  - Mas a gente estava se divertindo! – Ela argumentou se esticando sobre os lençóis dele enquanto ele tirava seus sapatos e as jogava no chão. Ele não tinha ideia do quanto ela se divertia ao vê-lo no modo protetor.
  - Isso até você jogar um pedaço de frango frito no cara da mesa ao lado. Not cool, . – Ele respondeu e ela riu de novo. – Você não pode beber assim e achar que está dentro da lei e ainda por cima nos colocar em enrascadas. – Ele disse mais baixo ao ter certeza de que a porta estava trancada e depois foi se sentar na cama ao lado dela.
  Ela fez língua e se ajeitou no travesseiro dele para então poder olhá-lo fixamente. Seu rosto ficou sereno e ela abriu um largo sorriso, do tipo que mostra que ela está tranquila e feliz, sem preocupação alguma. Ele continuou olhando para ela, acostumado com aquele olhar que só uma bêbada tinha e que só ele conhecia. Eram raros sorrisos como aquele desde que ela tinha perdido o pai.
  - Você não tem ideia do quanto fica fofinho quando está preocupado. – Ela brincou. Ele fechou a cara, ela riu, e depois ficou séria. Mais uma vez se encararam e ele se sentiu desconfortável. Ela respirou fundo e se apoiou no cotovelo. – Eu te amo, . – Ela disse da mesma forma que perguntava o preço do quilo de tomate na quitanda. Como se fosse normal dizer coisas assim no meio da madrugada.
   era a garota mais simples que ele já tinha conhecido. Dizia as coisas com propriedade e praticidade, como se nada a impedisse de ser quem queria ser e de falar o que precisava ser dito. Não se importava se as pessoas ao seu redor não pensassem da mesma forma, só queria que fossem felizes como ela era e que tivessem a oportunidade de sempre saber a verdade. Mesmo que ela doesse às vezes.
  Naquele momento, a verdade não doía. Só incomodava um pouco, por ser tão pura e simples da forma que nunca fora. Ele desviou o olhar e abaixou a cabeça, pois não sabia como responder. Não estava acostumado com aquele tipo de confissão e sempre se sentia mal quando ela o colocava naquelas situações. Era tudo tão... Difícil para ele. Acabava por ficar em silêncio, e não sabia como ela não ficava magoada.
  - E lá vem você com essa cara. – Ela suspirou depois de um bom tempo em silêncio, mas não pareceu perturbada. – Mesmo que você não fale, eu sei que você também me ama. Então vamos lá, olhe para mim. – Ela puxou o rosto dele em sua direção e fixou os olhares de novo depois de pegar a mão dele e a apertar com a firmeza de um corretor de imóveis. – Me promete uma coisa.
  - Eu não sou bom com promessas, você sabe. – Ele murmurou.
  - Essa eu acho que com essa você vai ser bom. – Ela sorriu. – Me promete que você nunca, nunca, nunca, jamais vai me deixar? – Ela o ignorou quando ele abriu a boca e seguiu com a promessa. – Não importa o que aconteça?
  - A vida acontece, . – Ele disse, ficando cada vez mais atordoado com a situação.
  - Não se nós não quisermos. – Ela respondeu. – Acha que consegue cumprir só isso?

  Não foi capaz de cumprir a promessa que fez, e se pudesse voltar no tempo diria que a amava de volta. Não apenas por dizer, mas porque agora via o que não via antes. Se arrependimento matasse, ele estaria longe daquela vida. Não fez a única coisa que ela havia pedido e talvez não houvesse mais tempo para fazer. As memórias o assombrariam para sempre.
  Se debruçou sobre a cama, imaginando como as coisas estariam se nada daquilo tivesse acontecido. Eles já teriam feito compras de Natal e já teriam decorado suas casas. Já teriam sorteado o amigo X e já teriam planejado a festa de Ano Novo. Já teriam feito as listas de presentes e de resoluções para o ano que viesse.
  Agora ele teria que fazer a contagem regressiva sozinho.
  Olhou para ela e pensou em tudo que falaria se ela acordasse naquele instante. Mas infelizmente ela não acordaria. Permaneceu um bom tempo pensando, mexendo também em seu cabelo e passando a mão pelo seu rosto lívido, traçando cada linha, murmurando a letra de sua música favorita. Até que mesmo sentado, adormeceu ao lado dela com seus dedos entrelaçados e seu nariz roçando na pele do pescoço dela, inalando o cheiro que já pertencia a ela por direito.
  Só acordou e partiu na manhã seguinte, uma hora antes do amanhecer, e três horas antes do despertar.

Parte II

All we have is what's left today
Hearts so pure in this broken place
It’s you. Oh it’s you. It’s always you.
Cause you are my saving grace.

  17 de Dezembro, segunda-feira. 08:32. – New York Downtown Hospital.

  Assim como fui, eu voltei. Senti um sopro de ar no meu peito e mais rápido do que o imaginável, recuperei minha consciência. Em fato, não soube o tempo exato que recomecei a pensar da mesma forma que não sabemos qual foi nosso primeiro pensamento quando crianças. Sim, eu despertei, mas a questão era: da onde?
  Não abri os olhos no começo. Protelei ao máximo aquele momento porque eu sabia que seria único. Queria ouvir minha respiração primeiro, saber se estava mesmo viva antes de dar de frente com a realidade que eu sentia que seria cruel. Ouvi um barulho insistente do monitor cardíaco e percebi que era o meu coração batendo num ritmo monótono. Pelo menos estava batendo. A memória voltou dolorosa como uma pancada na cabeça que eu me lembrava de ter sentido.
  Meu Deus, eu estava no hospital.
  Abri os olhos sem pressa e com dificuldade porque eles pareciam estar grudados pelos cílios, e a luz vinda da janela me cegou um pouco. Tentei erguer uma mão para tampá-los, mas ela estava presa por uma agulha e um tubo. Respirei fundo tentando ignorar o quanto agulhas me deixavam tonta, e bloqueei a luz então com a outra mão até minha visão se acostumar. O quarto em que eu estava era espaçoso e claro. Não parecia mórbido. Pelo contrário, algumas flores estavam espalhadas desde a mesa de cabeceira até a escrivaninha posta de frente para a cama, o que deixou tudo bem colorido. Me perguntei quem teve o carinho de deixá-las ali.
  E por acaso, onde estavam todos? O que estava acontecendo?
  Vasculhei pelo quarto vestígios da minha estadia, afinal eu estava tendo que descobrir tudo por mim mesma. Avistei uma mala de mão jogada no chão e um casaco pendurado na poltrona ao lado da minha cama que eu reconheci como da minha mãe logo de cara. No criado estava o seu celular e as chaves do seu carro, o que não me deu escolhas a não ser concluir que ela estava por perto. Respirei aliviada por não estar ali tão sozinha. O alívio me fez pensar que apesar de ter acabado de despertar, eu me sentia sonolenta e calma demais para quem tinha acordado em um hospital. As gotas pingando do balão e escorrendo pelo fio que ia até a minha mão praticamente gritavam “calmantes” para mim. Na pulseira presa ao meu pulso consegui ler meu nome e as letras “UTI”. Aquilo me deu muito o que pensar. Bom, se eu estava certa... Eu quase morri. Ou eu podia estar morta e aquele lugar ser uma espécie de purgatório.
  Há quanto tempo eu estava ali?
  Com cuidado por causa da mão com a agulha, tentei me sentar, mas acabei ficando torta no travesseiro. Como eu podia estar tão inteira se eu tinha quase morrido?
  Certo, a verdade é que eu não estava sentindo minhas pernas, e aquela não era a melhor das sensações. Eu gostaria de saber por que também. Seria algum tipo de anestesia? Não, para que teriam aplicado anestesia em uma pessoa semimorta? Devia haver algum motivo mais plausível. Esforcei-me para mexer pelo menos o meu dedo do pé, mas foi em vão. Como quando você lê o resumo de uma matéria para a prova e as informações se juntam e voltam ao seu cérebro com coerência, eu consegui entender. Minha respiração acelerou de desespero e eu comecei a sufocar só de imaginar que eu podia estar... Paraplégica.

  17 de Dezembro, segunda-feira. 08:32. – New York Downtown Hospital.

  - Que dia é hoje? – Perguntei, curiosa ao extremo com o tempo enquanto o Dr. Rivers, meu neurologista, me analisava.
  - Dezessete de dezembro. – Ele murmurou, concentrado na minha cabeça. Antes que eu pudesse fazer as contas, fui interrompida.
  - Faz um mês, querida. – Minha mãe disse. Ela ainda me olhava como se eu fosse a coisa mais bonita do mundo e eu me sentia mal por tê-la feito sofrer. Concordei com a cabeça, absorvendo a informação. Fazia um mês que eu estava em coma induzido e por mais que eles tivessem explicado, eu demoraria a me acostumar com tudo aquilo. Mas tudo fazia sentido de repente. Por mais horrível que estar em coma fosse, as informações que se juntavam em minha cabeça eram coerentes, e me impediam de entrar em estado de pânico ou algo do tipo. Eu sempre fora uma pessoa extremamente fria quando se tratava de assuntos impactantes, a que sempre ignorava as emoções extremas e partia em busca dos pontos positivos. Aprendi a ser assim depois que tive certeza que não, meu pai nunca voltaria.
  - Doutor? Me responde uma coisa? – Falei mais séria, e capturei seus olhos. Ele concordou com a cabeça. – Por que eu não sinto minhas pernas? - Respirei fundo, me preparando para o choque. Eu só queria respostas. E tempo para entendê-las.
  Ele desviou o olhar e minha mãe se remexeu inquieta. Permaneceram em silêncio por um instante, como se pescassem em um oceano de hesitação as palavras certas para serem ditas quando não havia palavras certas e erradas. Existia apenas a informação que eu precisava para seguir em frente.
  - Olha . – Ele suspirou, se sentando na cama de frente para mim. Ajeitou os óculos sobre a ponte do nariz e me fitou. – Quando você caiu, infelizmente a sua medula foi comprometida a uma altura que é considerada perigosa. – Ele falou com tranquilidade.
  Eu já deveria saber. É claro que para voltar a vida eu teria que pagar um preço.
  - Eu vou ficar paraplégica? É isso? – Concluí no mesmo instante com a voz um tom mais alto, totalmente perplexa. Eu não podia ficar paraplégica, não podia.
  - Nós não sabemos ainda. – Ela respondeu. – Talvez não porque nós te operamos, e antes de qualquer certeza precisamos fazer testes... Você acabou de acordar, existem muitas coisas ainda para serem analisadas. A sua cirurgia foi um sucesso, e você tem tido uma ótima recuperação. Além disso, com fisioterapia você pode voltar a ficar cem por cento. – Ele tentou soar o mais positivo possível.
  Suspirei. Eu talvez nunca mais pudesse voltar a andar. Ótimo. E ela queria mesmo que eu ficasse calma.
  - Tudo bem. – Murmurei, tentando fingir que tinha entendido.
  - Não se preocupe com isso, querida. Vamos dar um jeito. Eles disseram que você tem oitenta por cento de chance de voltar ao normal. – Minha mãe sorriu para mim e eu concordei com a cabeça, tentando deixá-la feliz. Por dentro o que eu mais queria era gritar e quebrar qualquer coisa que estivesse ao meu alcance. Mas mais uma vez, mantive a calma para que a fé não se esfacelasse.
  - Sua mãe está certa. O fisioterapeuta que vai te acompanhar deve vir te ver ainda hoje, então vamos ter uma ideia mais ampla do seu quadro. – Dr. Rivers disse se levantando da cama e pegando sua prancheta de cima da mesa ao lado da cama. Assim que ele declarou a consulta encerrada, minha mãe se manifestou.
  – ! Seus amigos precisam saber que você acordou! – Ela cantarolou, mudando de atmosfera num piscar de olhos. – Vou ligar para o seu irmão vir correndo e depois para a . Ela foi tão atenciosa, . Você tinha que ver. Ela e as meninas foram tão carinhosas... Você tem amigos de ouro. – Ela apertou minha mão livre e eu sorri fraco. Antes que alcançasse a porta, parou de andar e se virou para mim. – Não se preocupe com nada agora. Você só precisa descansar. – Então ela saiu do quarto com o médico para fazer as ligações e eu fiquei sozinha de novo, encarando o teto.
  Minha cabeça doía só de pensar naquela noite. Na verdade ela doía se eu pensasse em qualquer coisa. Mas cada pensamento desviado para aquela noite, mais um detalhe aparecia.
  Como .
  E a nossa última briga.
  Senti um aperto imenso no coração daqueles que sufoca até não poder mais. Apesar de tudo o que eu conseguia lembrar e mesmo tendo acabado de acordar, eu sentia falta dele. Isso fazia algum sentido? Como eu podia ainda pensar em depois do que ele tinha me causado?
  Eu sabia, e talvez só eu soubesse, que ele não tinha sido o culpado do acidente. O erro em estar parada naquela hora e naquele lugar era meu e de mais ninguém e jogar a responsabilidade em outra pessoa não faria as minhas pernas voltarem a se mexer e o meu cérebro voltar ao tamanho normal. Eu não o culpava mesmo que estivesse com raiva porque não mudaria o fato de que eu estava em uma cama de hospital. A vingança não reduziria ou preveniria o mal, pois ele já acontecera. Afinal, guardar ressentimento é como tomar veneno e esperar que a outra pessoa morra. O dano maior que ele tinha me causado era interno e eu sentia me corroendo por dentro e dilacerando os meus sentimentos mais puros. Talvez ele me tivesse destruído por inteira – apenas com palavras – mas eu ainda assim não conseguia parar de pensar em tudo o que tinha acontecido. Era como masoquismo, pois eu sabia que doía, mas preferia sentir a dor a não sentir nada. Ele era parte da minha vida e simplesmente arrancá-lo dela criaria uma ferida que eu sabia que demoraria muito mais para se curar do que o que quer que eu tivesse agora. Eu precisava dele. Minha mente pedia um tempo, mas meu coração gritava por ele.
  Achei meu celular na primeira gaveta com um restinho de bateria. Que curioso. Hesitei antes de fazer o que estava pensando. Acabei desbloqueando a tela e dando de cara com uma foto nossa. Tentei ignorar as palpitações. Disquei seu número que de alguma forma ainda sabia de cor, e esperei chamar.
  O que ele diria quando visse meu número na sua tela? Provavelmente iria pirar.
  Chamou diversas vezes. Mas eu soube que a ligação foi ignorada.
  A porta abriu de novo e minha mãe entrou. Escondi o celular entre os lençóis.
  - Acho que as meninas não vão aguentar esperar a aula acabar... – Ela comentou rindo até que reparou minha expressão vazia e nada sorridente. – O que foi ? – Ela perguntou andando até a beirada da cama e sentando de frente para mim.
  Para minha mãe eu estava tão frágil quanto um beija-flor, e qualquer movimento estranho me faria desmoronar. Só que na verdade não eram movimentos que me levariam para baixo.
  - Ahn... Mãe... – Murmurei olhando pela janela. – E o ? – Perguntei voltando meu olhar para ela.
  Sua expressão passou de solidária para irritada. Logo depois ela tentou soar solidária de novo, mas eu já sabia que eles sabiam da verdade. Ou da meia verdade, eu considerei. Eu não sabia como tinha acordado tão ciente de tudo, mas tudo parecia se encaixar com mais facilidade do que antes do acidente. Como se no destino estivesse escrito que eu precisaria sofrer antes de poder entender o que precisava ser entendido.
  - Filha... – Ela suspirou, pegando minha mão.
  Imaginei o que ela iria dizer. Um discurso seria dito. Teria leveza para não me machucar, mas só me magoaria mais ainda porque eu odiava quando tentavam me poupar das coisas. Eu não me importava com a verdade nua e crua. Sim, eu podia lidar com qualquer dor, contanto que ela tivesse um significado. As palavras verdadeiras podiam não ser agradáveis, mas as agradáveis simplesmente não eram verdadeiras, e eu preferia levar um tapa na cara de uma vez só do que ir recebendo pancadas aos poucos.
  O tempo que ela demorava em começar a falar me dava muito no que pensar. Talvez tivesse sido preso por ter “tentado me matar”, mesmo que acidentalmente. É claro que apesar da raiva que estávamos um do outro, nunca faria isso. Jamais. Acho que essa foi a única conclusão que cheguei durante o coma. Se é que alguém podia concluir alguma coisa em estado vegetativo. O problema era que nenhum deles sabia disso.
  Ou quem sabe ela dissesse que ele entrou em estado de depressão. Apesar de duvidar, era possível já que o interior daquele garoto era uma explosão de sentimentos contraditórios que ninguém nunca esperava.
  Ou talvez ele tivesse simplesmente me descartado. Como se eu fosse um pedaço de papel-toalha usado e que agora que estava sujo, não tinha mais serventia alguma. Se ele estivesse sentindo tudo o que me disse naquela briga, então a minha partida tinha sido um alívio para ele. E por isso me ignorou pelo telefone.
  - , o não está numa posição muito favorável em relação ao seu irmão e aos seus amigos. – Ela falou lentamente depois de um bom tempo me olhando, como se eu tivesse cinco anos de idade e tivesse acabado de descobrir que o Papai Noel não viria mais.
  Se eles estavam mesmo pensando que ele tinha me causado aquilo, era mais do que óbvio que ao menos Will teria tirado uma bela de uma satisfação. Sim, eu podia imaginar em minha cabeça um cenário onde existia todo um complô contra um garoto inocente.
  - Eles estão muitos bravos com ele? – Concluí.
  - Sim, eles estão. – Ela sorriu fraco, como se aquilo fosse divertido.
  Divertido para ela que não estava na pele de nenhum de nós dois. Eu criava com facilidade imagens falsas em minha mente, e vê-lo sentado sozinho tocando seu violão não era difícil para mim. Aquilo me fazia imensamente mal, pois eu queria que ele estivesse de bem com todos quando eu acordasse.
  - Ele... Veio aqui? – Perguntei de novo, ignorando a tal posição desfavorável dele. A verdade é que não me importava o que eles pensavam dele.
  Ela suspirou de novo e me olhou de um jeito que eu sabia que era pena. Do tipo “pobre garotinha. Apesar de ter quase morrido, ela se esquece de se importar consigo mesma e se importa com ele”. É, eu sabia que era idiotice. Mas não conseguia pensar em mais nada além disso. Não queria pensar nas partes ruins agora, porque minha cabeça ainda doía. E por algum motivo estúpido, eu sentia que ele tinha vindo. Como se eu tivesse sentido sua presença ao meu redor. Seu cheiro e seu toque tão familiares, me envolvendo durante meu sono profundo. Não era como se tivesse sonhado, pois eu me lembrava de alguma forma dele em meu quarto, correndo seus dedos com suavidade pelo meu rosto enquanto murmurava minha música favorita e me pedia desculpas. Oh, .
  - Não, ele não veio. – Ela respondeu olhando para baixo, querendo evitar meu olhar.
  Olhei para todas as flores ao redor do quarto e o que pude pensar foi: nenhuma delas veio dele?
  Por um instante, queria não ter acordado.

  17 de Dezembro, segunda-feira. 08:40. – New York High School.

  Sem qualquer resquício de delicadeza, arrancou o celular que vibrava do bolso da calça e o jogou dentro da bolsa que repousava no chão ao lado de sua cadeira. Mesmo que estivesse em modo silencioso, sentir aquele aparelhinho vibrar enquanto tentava se concentrar na matéria de Biologia era uma missão impossível. Desde o acidente de , ela tinha dobrado sua rotina de estudos para esquecer um pouco do drama da amiga – e porque queria ajuda-la a voltar com as matérias em dia quando acordasse –, por isso passava todas as aulas copiando toda a matéria possível em dobro, uma para ela, e outra para . Então quando viu que alguém estava a interrompendo, decidiu por ignorar a ligação e continuar escrevendo. Quem quer que fosse podia esperar mais alguns minutos, que não demoraram a passar até que o sinal tocou anunciando o início da próxima aula. levantou recolhendo seu material e saiu da sala às pressas antes que a boiada de alunos estourasse nos corredores do colégio. Não demorou muito e a encontrou se esgueirando entre um grupo de nerds.
  - E então, já arranjou tempo para respirar ou um milésimo de segundo é muito para se perder? – Ele perguntou começando a andar do seu lado, se referindo à recente obsessão da garota com os estudos. Ela rolou os olhos para ele de brincadeira e deu um sorriso fraco.
   gostava de . Talvez mais do que devia e mais do que ele corresponderia. E toda a atenção que ele estava dedicando a ela nos últimos dias só elevava aquela adoração à um nível que ela mal podia suportar olhar para ele sem conseguir sorrir. era doce e tinha uma personalidade simples. E o mais importante: ele a entendia.
  - Tempo é dinheiro. – Ela respondeu começando a mexer no interior de sua bolsa quando ele riu um pouco. Não se passou nem dez segundos e seu celular vibrou novamente, do jeito que ela reconheceu como uma nova mensagem. – Ah, que saco. – Reclamou alto parando no meio do corredor por onde dezenas de alunos passavam.
  - O que foi? – perguntou a olhando de perfil e parando também.
  - Alguém anda me ligando a manhã inteira e eu quero saber que porra tanto querem comigo. – Fungou tirando o celular de dentro da bolsa, completamente irritada, e deixando surpreso com a sua reação agressiva. Porém, assim que viu que era a mãe de , sua raiva se esvaiu e ela decidiu que não ligava muito para o tempo agora. Devia ser importante. Soltou o ar e abriu a mensagem nova, começando a lê-la com atenção.
   a observou em silêncio com curiosidade, e só notou que havia algo de errado quando parou de andar abruptamente ao mesmo tempo em que arregalava os olhos e escancarava a boca. Ela parecia adorável de qualquer maneira para ele.
  Ao ler a mensagem, a garota não acreditava em seus olhos. Se sentiu atordoada com a informação e todo o peso de bolsa e cadernos que carregava se esvaiu quando decifrou cada palavra daquela mensagem. Exatamente um mês depois, tinha acordado. Pelo menos era o que a sua mãe dizia na mensagem. Que naquela manhã ela tinha finalmente acordado. Suas orações tinham dado certo e sua melhor amiga tinha se recuperado e ela não estava lá. Ela sabia que devia estar lá. Devia ter visto isso acontecer, mas não estava. Se sentiu feliz e triste ao mesmo tempo. Mas muito mais feliz.
  - , você pode me dizer o que foi ou vai continuar parada ai com essa cara de paisagem? – chamou sua atenção de volta para o mundo real.
  Ela ergueu os olhos para ele e ele sorriu, a encorajando a falar. Primeiro deixou escapar palavras desconexas, tentando se recuperar do choque. Mas assim que encontrou a forma certa de dizer, o mundo parecia estar cor-de-rosa ao seu olhar.
  - A acordou. – Ela respondeu com simplicidade. Ele arregalou os olhos para ela, e ela sorriu até os lábios não poderem se esticar mais. – A acordou. , ELA ACORDOU! – Ela gritou o mais alto que conseguiu e vários estudantes que passavam a olharam torto, sem entender o contexto da conversa.
  Sem nem pensar duas vezes, ela jogou todas as coisas que carregava no chão e abriu os braços para o garoto parada na sua frente, ainda com a maior cara de idiota. Se jogou em cima dele, o apertando com o máximo que força que tinha. Assim que percebeu o que estava realmente ocorrendo, a envolveu com seus braços e usou seu melhor sorriso para expressar sua felicidade. tinha acordado!
  Eles rodaram pelo corredor, agarrados um no outro, gritando e comemorando sem se importar que estavam obstruindo o caminho completamente. tinha acordado. Ela tinha conseguido. Eles tinham conseguido! Nada estragaria aquele momento, nem mesmo o quanto constrangedor aquilo pareceu depois que eles se soltaram.
  - Ahn... – murmurou quando saiu de seus braços muito rapidamente. – Acho que temos que ir para o hospital, certo? – Ele perguntou com um sorriso bobo no rosto, ainda sem acreditar que ela tinha mesmo se jogado em seus braços daquele jeito.
  - Sim, precisamos ir. – Ela respondeu com o mesmo sorriso nos lábios, antes de se abaixar para pegar tudo o que tinha caído. Ele a acompanhou e assim que terminaram, a única coisa que tinham para fazer era largar tudo do jeito que estava e correr para o hospital.
  Mas antes, tinha algo a fazer.
  Pegou o celular e enviou uma mensagem para todos. Eles precisavam saber. Incluindo .

  17 de Dezembro, segunda-feira. 08:45. – Trinity Church Cemetery.

  Ajoelhado aos pés de um túmulo no meio do enorme cemitério-parque, encontrava-se apenas um único garoto. Encolhido no meio da grama molhada e coberta por uma considerável camada de neve – comum para aquela época do ano na gelada Nova York – ele procurava uma maneira de manter sua respiração regular enquanto suas preces ecoavam em sua cabeça. Não estava ligando muito para o frio que rachava os lábios de qualquer um, nos olhares curiosos dos coveiros que passavam por ele e nem que estava matando aula descaradamente. De qualquer forma não dava para ficar em casa ou dentro de uma sala de aula sem ser julgado. Achava que o frio era um castigo a pagar. Fazia algum tempo desde a última vez em que visitara o túmulo do homem que construíra sua infância e que lhe presenteara com a honra de ter uma joia rara como por perto. E agora suas pernas o rumaram até ali porque precisava se desculpar. Precisava pedir perdão por ter arruinado a vida da garota a qual ele tinha jurado às estrelas que protegeria quando o viu partir cedo demais. A lápide seminova parecia refletir a tristeza do seu olhar com a sua cor cinza sem graça. Ainda assim ela escondia o que restava do melhor homem que já conhecera em sua vida.

George
1965 – 2007
Um pai, marido e amigo incomparável.

  - Eu sinto muito por não ter cumprido a minha palavra. – Murmurou com a cabeça baixa e a voz ligeiramente trêmula. Uma simples promessa feita no dia chuvoso do mês de setembro quando assistiu o caixão baixar, quando teve certeza de que o pai que gostaria que o seu fosse não voltaria, e sua garotinha permaneceria desprotegida. Sentia falta das suas palavras calmas e simples, que pareciam desfalecer as maiores dificuldades do mundo.
  Estava ali desde que tinha recebido uma ligação do número gravado como de , e não conseguiu prestar mais atenção em nada. Sentiu seu estômago se revirar assim que o leu no identificador, mas logo concluiu que era uma das pegadinhas idiotas que estaria fadado a receber desde que a notícia de que ele tinha causado o coma de uma das garotas mais adoráveis da escola. Provavelmente todos o odiavam agora. Não tirava a razão deles. Então ignorou a ligação com raiva e partiu em direção ao cemitério vazio onde ninguém o perturbaria. Ainda sentia o machucado onde tinha o atingido, e mais tarde, onde Will, irmão de , reabriu o corte. Sua prepotência o incomodava e lhe dava ânsia. Era tão desprezível quanto os outros o taxavam.
  Fitava o chão sob seus joelhos quando seu celular apitou, avisando uma mensagem. Sem ânimo algum, o tirou do bolso do casaco e viu que era de .

   acordou! Estou indo para o hospital agora. Me acompanham?!”

  Ergueu os olhos para a lápide, se perguntando se aquilo era um tipo de sinal. Um perdão ou uma segunda chance, talvez?
  O que importava é que ela tinha acordado. Ela viveria. Seu coração inchou de tanta felicidade e o ar lhe faltou. Levado pelo impulso, socou a grama gelada sem saber exatamente por que, e seus dedos ficaram duros por alguns minutos pela falta de luvas. Encarou o nada, com a mente vazia de pensamentos coerentes, ainda respirando com dificuldade.
  Depois, apenas sorriu. Sorriu como não sorria há muito tempo. E então chorou.

  17 de Dezembro, segunda-feira. 10:30. – New York Downtown Hospital.

  Em um momento, estava sozinha. Dois segundos depois, a porta do quarto se escancarou e um grupo de seis pessoas invadiu o quarto gritando e pulando, cercados de balões, ursos, flores e chocolates e uma enfermeira atrás gritando que o número máximo de visitantes era dois.
  - Ah vá ver se eu não estou lá no necrotério! – , o garoto do urso de pelúcia gigante, gritou e a enfermeira se deu por vencida, saindo do quarto.
  Ainda sem saber o que falar, apenas riu e se segurou para não deixar as lágrimas caírem. Tudo era muito emocionante ainda para ela, e qualquer demonstração de carinho como aquela a fazia se debulhar em lágrimas.
  - Foi mal a demora, ! – falou.
  - Demoramos porque o queria porque queria comprar um urso de pelúcia gigante pra você. – advertiu amarrando os balões no pé da cama. Eram tantos que era capaz da cama voar se fosse mais leve. – Acabou que roubou o da loja de brinquedos que não queria vender para ele por nada.
  - Ele teve a cara-de-pau de pegar o urso e sair correndo porta afora. – resmungou.
  - Se a polícia aparecer por aqui, não se zangue. – completou colocando mais e mais chocolates em cima da mesa lotada de doces e flores. – Já vamos todos presos mesmo por fugir da escola alegando um falso incêndio.
  - Falso incêndio? Era falso? Por que vocês não me falaram?! – gritou com a voz abafada pelo urso de um metro e meio sobre ele.
   riu mais ainda e abriu os braços, ainda com cuidado. e que choravam baixinho desde que a tinham visto, pularam em seu abraço, e tratou de se enfiar no meio, xingando porque também queria espaço.
  - zinha! – cantarolou.
  Quando as garotas a deixaram respirar, ele a abraçou tão forte que ela ficou sem ar. Ele se desculpou e se afastou para observar o monitor cardíaco que julgou ser tão legal. Recebeu uma olhada feia de , e ignorou, brincando com os fios que cercavam a amiga. e fizeram o mesmo, mas sem esmagá-la, e então todos se espalharam pelo quarto para encarar a garotinha frágil que ela tinha se tornado.
  Ninguém tocou no assunto que estava faltando ali enquanto conversavam sobre tudo e sobre nada. Mas todos sabiam que pensavam a mesma coisa.

  17 de Dezembro, segunda-feira. 16:17. – New York Downtown Hospital.

  - Vou te perguntar uma coisa... Mas não quero que se chateie. – murmurou para .
  Já tinham se passado algumas horas desde a festa que os amigos tinham feito de “boas-vindas”. Agora todos tinham ido embora com uma promessa de que voltariam mais tarde, e só restaram , a mãe de e , que insistia em não ir embora tão cedo, quando na verdade não queria deixar para trás. A mãe da resolvia papeladas do plano de saúde, e cochilava no sofá ao lado da cama, o que deixou as duas amigas livres para conversarem. Isso até o fisioterapeuta chegar para a primeira sessão de recuperação.
  - É sobre o , não é? – respondeu olhando para ela com desgosto. concordou com a cabeça, com um suspiro pesaroso. – Não há nada sobre o que perguntar, . – Falou ríspida. – Olha, eu sei que foi um acidente e que tudo isso é muito complicado. Mas ainda assim não quero vê-lo. – Respondeu segura de si.
  - Mas ... – Ela insistiu.
   era a única do grupo que ainda tinha fé em apesar de tudo. Ela sabia o quanto o garoto estava sofrendo por dentro mesmo que não demonstrasse, porque cada pessoa sente dor do seu jeito próprio e cada um tem suas próprias cicatrizes. era diferente, mas ela acreditava que era a única que poderia ver isso melhor do que ela.
  - Não, . – a cortou. – Se ele não veio antes, não há motivo para ele vir agora. Ele já causou estragos o suficiente. A presença dele não vai melhorar nada. – Falou firmemente e se ajustou à cama, pronta para dormir novamente e esquecer a dor que sentia.

  19 de Dezembro, quarta-feira. 17:40. – New York Downtown Hospital.

  - Você está indo bem. – Lucy, minha fisioterapeuta, me encorajou enquanto erguia minha perna ao máximo pela quarta vez.
  Sorri exasperada para ela enquanto tentava controlar a dor do exercício. Do sofá do quarto, e esperavam a sessão terminar para que eu pudesse assistir ao filme que ia passar na TV com elas. Era o máximo que eu podia fazer enquanto eu não tivesse alta do hospital, que eu imaginava que seria só no ano seguinte.
  - Como anda o tratamento? – perguntou interessada quando notou que ficaria esperando por um bom tempo.
  - Faz o meu trabalho ser gratificante. Nunca vi uma paciente evoluir tão rápido. – A morena sorriu para elas. Lucy tinha cabelos curtos e olhos verdes, e o sorriso mais branco que eu já tinha visto por detrás dos lábios finos desenhados pelo batom rosa claro. Seu bom humor e seu otimismo diários me traziam paz e confiança, e agradeci aos céus, pois por isso eu estava me esforçando para chegar ao máximo de cada sessão. Eu só queria voltar a andar. Era o que me bastava.
  - Quem dera se ela pudesse evoluir a cabeça desse jeito também. – resmungou cruzando os braços.
  Arqueei uma sobrancelha e me virei para ela com a pior cara que eu tinha.
  - Como assim? – Lucy perguntou curiosa enquanto continuava com os exercícios.
  - , já te disse para não insistir em um assunto morto. – Murmurei incomodada com o rumo que a conversa estava tomando. não se pronunciou porque fingia estar mexendo no seu iPhone. Era óbvio que ela estava prestando atenção em tudo menos naquele celular.
  - Você só declara esse assunto morto para evitar mais sofrimento, mas não percebe que nunca vai passar. Vocês vão continuar sofrendo até que você dê a ele uma segunda chance. – Ela esbravejou batendo sua bolsa no espaço do sofá ao seu lado e levantando num pulo. Forjei uma expressão séria para ela mesmo que quisesse desatar a chorar. Suspirei fundo, parecendo impaciente e desviei o olhar. Todos os outros estavam cultivando ódio por , menos . Ela ainda tinha esperanças em algo que para mim tinha terminado em um abismo. Em um silêncio impossível de ser quebrado.
  - Vocês estão falando daquele garoto , não é? – Lucy se intrometeu com um sorrisinho enviesado nos lábios.
  - Infelizmente. – resmungou se ajeitando no sofá vazio só para ela. se aproximou e sentou na beirada da minha cama, me fitando ao ver que eu estava querendo a ignorar.
  - Eu não quero falar sobre ele. Quero ele fora da minha vida porque eu cansei de sofrer. Pelo menos até eu voltar para a minha vida normal. – Me defendi.
  - A não quer abrir o coração dela quando é tudo o que ela precisa fazer para se recuperar de uma vez. Precisa aprender a perdoar e a dar segundas chances porque é disso que se trata a vida! Você não pode ter raiva dele para sempre e sabe disso. – Ela continuou.
  - Ainda mais agora que o fim do mundo está chegando. Vai partir com remorso. – cantarolou da onde estava, observando as unhas desta vez. Ela e eram os únicos que continuavam falando que o mundo iria acabar dia 21 por causa da previsão dos maias. Apenas rolei os olhos.
  - é o que fez todos os estragos até agora, certo? O que causou o acidente? – Lucy parecia curiosa.
  - Ele não causou... Foi um acidente. – A interrompi. – Ele nunca faria isso.
  - Tá vendo? Você nem mesmo o odeia, . – A sua voz saía com tranquilidade, como se tivesse premeditado o que eu iria dizer antes de eu dizer. Depois de tudo o que aconteceu, eu não começaria a odiá-lo de qualquer forma. – Se odiasse não o defenderia no mesmo minuto e nem teria esse brilho nos olhos. – Ela constatou ao pousar minha perna sobre os travesseiros e pegar a outra para repetir o procedimento. – Além disso, se o monitor cardíaco estivesse ligado eu apostava o meu salário que seu coração dispara quando pensa nele também.
  - Lucy. – A repreendi.
  - Você por acaso já viu alguém levar um tiro e não sangrar? – Ela me perguntou com seriedade. – Você foi baqueada, você vai sentir. Vai sofrer. Mas sabe o que acontece quando as pessoas abrem seus corações novamente e param de viver em cima de uma mágoa que só piora tudo? Elas melhoram, . – Ela piscou para mim como uma avó faz quando dá doce escondido aos netos antes do almoço.
  Sim, ela tinha razão. Mas o que fazer quando o orgulho e um coração partido falam mais alto do que um amor que deveria ser incondicional?
  Lucy sabia a resposta. Como sempre.
  - Você deveria pensar melhor sobre... Tudo isso. Sobre vocês dois. Valerá a pena.

  21 de Dezembro, sexta-feira. 23:53. – Casa dos .

  No canto da sala que costumava ser vazio, agora uma árvore de Natal de tamanho grande brilhava por detrás do fio de luzes coloridas que piscavam repetidamente. e fizeram questão de decorá-la para a minha chegada em casa já que minha família não teve tempo nem vontade de fazê-lo. Àquela hora, todos já tinham deixado a casa porque o “horário de visitas” estipulado pela minha mãe já tinha terminado há tempos, e restara apenas eu encolhida no sofá da sala, observando a bela árvore e todos os presentes postos embaixo dela. Traiçoeira, por entre as luzes, estava a dor que nunca me deixava. O silêncio era ensurdecedor e a escuridão que tomava o ambiente era claustrofóbica. Por isso só notei que alguém havia entrado porque o click da porta da frente era inconfundível.
  Em meio a sombra, uma pessoa se aproximou com passos lentos e hesitantes, até que chegou a um ponto onde seu rosto era destacado pelas luzes coloridas e eu podia reconhecer seus traços.
  - ? – Falei confusa, tentando buscar em silêncio uma forma de lidar com a explosão acontecendo dentro de mim.
  - A árvore ficou muito bonita. – Ele murmurou depois de um bom tempo fitando a esmo o canto da sala. Parecia desnorteado e triste. Ainda assim era lindo.
  - O que está fazendo aqui? – Sussurrei, insegura em meu próprio espaço, sem entender como ele tinha entrado na minha casa.
  - me disse que estão tendo progresso com a fisioterapia. Fico aliviado de ouvir isso... – Continuou, como se não me ouvisse falar.
  - Se você veio aqui para tentar manter uma conversa sem sentido eu prefiro que você vá embora porque sinceramente te ver não me faz nenhum bem. – Falei mais alto e finalmente atraí sua atenção. Minha expressão era dura por mais que eu quisesse desabar. Ele não tinha ideia de como sua aparição mexia com todos os meus sentidos.
  - Eu vim pedir desculpas. – Sua voz continha tanta urgência quanto seu olhar.
  Como eu o odiava e como queria estar em seus braços ao mesmo tempo. Eu gostaria de dizer que eu não ligava para o que ele fazia comigo, que eu não queria que ele me machucasse mais porque eu já tive bastantes decepções na minha vida, mais do que suficiente, e que agora eu queria ser feliz. Mas eu não conseguia.
  - Mesmo que você não aceite. – Falou já se sentando de frente para mim no sofá sem pedir permissão. – Pedir perdão por tudo o que eu te causei é o mínimo que eu posso fazer.
  - , eu... – Comecei a falar mesmo não tendo ideia do que sairia da minha boca. Desde a conversa que eu tive com Lucy as coisas ficaram mais difíceis de assimilar. A mágoa e a raiva que eu sentia daquele garoto pareciam desaparecer mais a cada dia, e eu não sabia se aquilo era bom ou ruim.
  - Eu sinto muito, . Você não tem ideia de como eu estou sofrendo só por você estar sofrendo. Eu deixei passar cada oportunidade de te fazer feliz e agora o arrependimento está tomando conta de mim... Mas eu tinha que vir. Tinha que te ver pelo menos pela última vez antes de você me fechar do seu mundo. E eu tenho... Um último presente de Natal para você. – Murmurou. Pendi minha cabeça para o lado, expressando minha curiosidade. – Não é muito, mas acho que significará bastante. Pelo menos para mim. – Disse erguendo uma mão até o meu rosto e o acariciando com leveza.
  Fechei os olhos em resposta, forçando para não deixar um suspiro escapar e meus batimentos cardíacos aceleraram.
  - Não sei se as coisas são tão fáceis assim. – Minha voz saiu engasgada. Colocou uma mecha do meu cabelo atrás da orelha e aos poucos se aproximou, até que sua respiração me atingiu junto com seu perfume, inebriando meus sentidos. – Eu... – Mal pude terminar de falar de tanto que fraquejei. Deixei meus lábios entreabertos, ainda sem acreditar que aquilo estava prestes a acontecer. Só podia ser o Natal. Meu coração poderia sair pela boca a qualquer momento enquanto ele me provocava, encostando seu nariz ao meu, colando nossas testas e roçando seus lábios nos meus... Até que sem aviso prévio, me beijou pela primeira vez.
  Eu gostaria de dizer que neguei, mas a decisão não me cabia mais. Sentir sua boca na minha, seu gosto que tinha um misto de cigarro com bala de menta, o gosto com o qual eu passara noites tentando imaginar como seria, era uma sensação indescritível. Como chegar ao topo de uma montanha a qual você nunca tinha conseguido passar nem da base, como assistir ao seu filme favorito no dia do seu aniversário ou simplesmente como beijar o cara pelo qual era apaixonada. Pousei uma mão em seu peito e a outra se desesperou para chegar ao seu rosto e puxá-lo para mais perto. Sentir nossas línguas em perfeita sincronia ao mesmo tempo que seu perfume se instalava no ar me forçava a ceder aos seus encantos com mais facilidade do que o normal e praticamente me corroer por dentro devido a explosão ácida de sentimentos dentro de mim. Eu só queria senti-lo perto de mim daquela maneira para sempre, porque nada parecia mais certo do que a forma como nossos lábios e nossos corpos se encaixavam, como se Deus tivesse nos moldado especialmente para estarmos juntos. Seu toque, tão masculino e tão carinhoso ao mesmo tempo, seu beijo, seu gosto, sua presença... Nada mais faltava para eu me considerar completa.
  Mas quando abri meus olhos, ele não estava mais lá. Olhei ao redor e me descobri no mesmo escuro quarto de hospital o qual eu nunca tinha deixado. A árvore de Natal instalada por e brilhava timidamente no canto e o urso de pelúcia gigante disputava espaço com os presentes ao redor dela.
  Quem eu queria enganar? Eu não tinha ido para casa.
  Não fora nada além de um sonho.

  24 de Dezembro, sábado. 12:45. – Starbucks.

  - Ela vai mudar de ideia. – murmurou enquanto mexia a colherzinha do seu café. – Ela só precisa de tempo, . – Ela tentou sorrir para ele, mas saiu mais uma careta sofrida do que um sorriso encorajador.
  Os dois tinham se encontrado praticamente escondidos naquela véspera de Natal. Alguns dos seus amigos ainda estavam chateados com , e se eles soubessem que era a que mais estava o apoiando, ficariam contra ela também. Não parecia mais ser Natal, essa era a verdade.
  - Não precisa fazer isso, . – Ele respondeu mexendo em seu próprio café, sem vontade alguma de toma-lo. – tem todo o direito de ficar brava comigo pelo resto da vida. E eu vou ter que aprender a lidar com isso. – Suspirou. – Foi tudo minha culpa, então não é mais do que justo para mim.
  Ela notou que ele não estava mais se arrumando como sempre fazia. Seu cabelo estava mais bagunçado do que o normal, suas roupas amassadas, e ela podia enxergar uns fios de barba despontando no seu rosto e no seu queixo, como se ele não se olhasse no espelho há décadas. Ele parecia cinco anos mais velho.
  - , você sabe que não é assim. A é a sua melhor amiga, e você o melhor amigo dela. Em algum ponto ela vai perceber isso. Ela precisa agora entender o que aconteceu. Você pisou na bola. Você nem deu as caras no hospital, . Seu melhor amigo, o , não quer falar com você e eu estou no meio disso tudo. – soltou o ar bebendo um pequeno gole do café que não tinha gosto nenhum para ela.
  - Eu fui. – Ele murmurou, olhando para seus pés, com vergonha de admitir isso para a garota depois de tanto tempo.
  - O quê? – Ela perguntou, ainda confusa se tinha entendido mal ou se tinha entendido certo demais.
  - Eu fui no hospital. Várias vezes. – Ele falou baixo, como se tivesse medo de alguém ao redor ouvir.
  - Quando?! – arregalou os olhos, se aproximando dele por cima da mesa.
  - À noite. Quando ninguém mais estava. – Ele respondeu, agora olhando pela janela de vidro da cafeteria, evitando os olhos dela. – Passei algumas noites lá.
  - Por quê, ? – Ela ainda estava confusa. Por que ele não tinha contado que tinha ido ao hospital?
  - Porque não entenderiam se eu fosse durante o dia. – Deu de ombros. Não entenderiam sua reação ao redor dela. Não entenderiam a conexão entre os dois.
  - Por que você não contou? – Ela insistiu.
  - Porque eu pareceria um idiota. – Murmurou de novo, ficando vermelho.
  - Você já ganhou o título de idiota do ano, . – Ela sorriu fraco para ele, contente em saber que ele nunca tinha abandonado .
  Ele nunca faria isso.

  24 de Dezembro, sábado. 14:55. – New York Downtown Hospital.

  - Não, não e não. – Will se manifestou, de cara fechada e braços cruzados, da onde estava parado perto da janela. – A não vai ver o e ponto final. Não são vocês quem decidem isso. – Rosnou para , e que estavam perto da porta, tentando convencer a ver antes do Natal.
  Depois da conversa com ele na hora do almoço, fez o impossível para chegar no hospital o quanto antes e contar toda a verdade. Eles precisavam saber que o garoto não era tão imprestável assim.
  - Acho que essa decisão é dela. – , a única com coragem de enfrentar o irmão mais velho, rosnou de volta.
  - Ela não está em condições de tomar decisões. Acabou de acordar de um coma e a primeira pessoa por quem perguntou foi aquele filho da puta. Pelo menos foi centrada em falar que não quer mais ele aqui depois que soube que ele não se deu ao luxo de aparecer. – Ele rebateu.
  - Eu ainda estou aqui. – cantarolou da cama, mesmo estando entretida no celular de jogando a atualização de Temple Run.
  - . – chamou sua atenção e ela parou de olhar para o celular. – Posso falar com você por um minuto? Em particular? – Ela pediu e a amiga já entendeu tudo.
  - Saindo geral! – se pronunciou arrastando e Will com ela. Os dois reclamaram até que a porta bateu e a voz deles foi bloqueada.
   suspirou e andou até a beirada da cama, onde se empoleirou para ficar mais perto.
  - O que foi, ? – perguntou cansada. – Se for pra argumentar mais alguma coisa, não quero saber. Não quero ver o porque ele... – Começou a falar quando a interrompeu.
  - Ele veio aqui. – As três palavras fizeram parar no mesmo instante. – Ele veio aqui várias vezes, . Só que ninguém sabe porque ele é um asno. Um panaca. Um otário. – l tentou parecer séria, mas não pode evitar um sorriso no canto dos lábios quando viu os olhos de brilharem mais do que a Times Square.

  24 de Dezembro, sábado. 22:10. – New York Downtown Hospital.

  A Sra. estava saindo do quarto 3816 depois de um longo dia de recuperação para quando praticamente deu de cara com no corredor vazio. Os dois se olharam por alguns segundos e ele colocou as mãos nos bolsos, nervoso, sem saber o que dizer para ela e com medo de olhar em seus olhos. Ela deu um sorriso sem mostrar os dentes para ele, indicando que estava tudo bem. Ela parecia muito cansada.
  - Eu já sei de tudo, . Não precisa ficar assim. – Ela disse tranquila.
  - Ahn, é só que... – Ele começou a falar, sem saber como continuar.
  - É só que é tudo bem complicado. Peço desculpas pelos modos do Will de qualquer forma. – Ela continuou sorrindo e apontou para o machucado cicatrizando sob o lábio dele. Ele deu de ombros, sem ligar muito.
  - Ahn, acho que a ... – Ele queria partir logo para o assunto principal que o levou até ali.
  - Sim, ela já nos informou. – Ela sorriu de novo. – Mas acho que você chegou tarde demais, a já está dormindo. – Apontou com a cabeça para a porta fechada do quarto.
  Ele suspirou sabendo que tinha se atrasado, mas a coragem faltou antes e por isso aproveitou todas as horas do dia para fazer nada além de pensar demais.
  - Posso entrar por um segundo? – Ele pediu ainda assim. Ela deu de ombros, sabendo que não podia impedi-lo mais.
  - Tudo bem. – Ela suspirou, meio receosa. – Eu já estou de saída. – Ela acenou e saiu andando em passos lentos, lançando olhares para trás. Parado na frente da porta, respirou fundo diversas vezes até que tomou coragem e entrou no quarto.
  Estava praticamente idêntico desde a última vez que esteve ali, tirando que agora as flores tinham duplicado e um urso gigante e uma árvore de Natal enfeitavam o canto do quarto. Coisa do , pensou na hora.
   estava dormindo de lado, encolhida embaixo do edredom que reconheceu como da casa dela, e dormia profundamente. Parecia apenas uma garota adormecida em um quarto escuro que não pertencia a ela. Apesar dos traumas, não apresentava nenhuma sequela.
  Ele se sentou no sofá perto da cama, e sem intenção alguma de deixar aquele quarto, se ajeitou como pode. Ficou observando ela dormir, até que caiu no sono sem poder evitar.

  25 de Dezembro, domingo. 04:40. – New York Downtown Hospital.

  (N/A: Coloque I Can't Make You Love Me - Cameron Mitchell para tocar)

  Quando acordei, o céu ainda estava escuro. Desde que tinha voltado do coma, eu acordava algumas vezes à noite. Às vezes por causa de um pesadelo, ou simplesmente porque acordava. Me acostumei a assistir o sol nascer pela minha janela. Procurei na mesinha ao lado da cama as horas. 4:40 da manhã. Me perguntei no mesmo instante por que não tinha aparecido. tinha conseguido me convencer a deixa-lo vir, passando por cima da minha família e de . Fiquei deitada na cama, esperando ele aparecer, e imaginando o que falaria de mil e uma maneiras. Mas só acabei caindo no sono, sem nada em troca.
  Olhei para frente, onde o sofá estava, e pela primeira vez notei que havia alguém ali.
  - ? – Falei baixo, em dúvida se era ele mesmo e não um sonho e se o volume da minha voz tinha sido capaz de acordá-lo.
  Sim, era ele. Reconheci aquele casaco e o par de All Stars na mesma hora. Senti minhas entranhas se revirarem e o nervoso se estabelecer em mim. Parece que meu coração batendo foi mais audível do que minha voz, porque alguns segundos depois ele se mexeu, e com um pouco de equilíbrio se endireitou no sofá onde tinha dormido sentado. Coçou os olhos, e então notou que eu estava acordada. Dei um sorriso tímido, o encarando o máximo que pude pela escuridão do quarto.
  - . – Ele murmurou com a voz rouca. Levantou do sofá e se aproximou da minha cama, sentando na cadeira instalada ali tentando não fazer barulho. Me encarou de volta, e seus olhos refletiam um pouco da luz que entrava pela janela.
  Continuava lindo.
  - O que está fazendo aqui a essa hora? – Murmurei.
  - Cheguei tarde demais. Mas não iria embora tão cedo. – Respondeu com um meio sorriso.
  Parecia cansado. Seu cabelo estava fora de ordem, seus olhos apesar de lindos pareciam opacos, suas roupas largadas e não havia feito a barba fazia um tempo. Eu sabia que estava péssimo mais por dentro do que por fora.
  - Feliz Natal. – Sorri de volta. Desde a conversa com Lucy e o sonho real demais, era difícil dizer como eu me sentia. Mas ódio não estava na lista dos sentimentos.
  Ele riu baixo. Provavelmente se esqueceu que era Natal, sempre esquecia. Me olhou mais algum tempo e suspirou.
  - , me desculpe. – Ele olhou para seus pés, do jeito que fazia quando sentia vergonha de si mesmo. – Eu fiz tudo errado. Foi tudo minha culpa. Não só naquele dia na festa, antes disso. Eu sou uma bagunça ambulante e te envolvi nela.
  O olhei, sem falar uma palavra.
  - Eu tenho agido diferente com você, te tratei mal nos últimos meses e nem sei por que direito. Banquei um completo idiota te deixando de lado e só percebi isso quando... Quase perdi você. – Ergueu os olhos para mim de novo e o seu rosto estava coberto de culpa, como eu nunca havia visto antes. Ele estava falando a verdade. – Me perdoe. Nunca devia ter brigado com você por algo tão estúpido e deixado as coisas chegarem onde elas estão. Eu sou um covarde quando se trata de assuntos do coração. Essa é a minha falha fatal, e todos menos eu sabem disso. – Ele fixou nossos olhares e me prendeu em seus olhos. Não era muito difícil fazer isso, ainda mais quando ele estava ali pedindo pelo meu perdão. A recordação do sonho que eu tivera me fez querer mais do que nunca sentir seus lábios sobre os meus, como uma necessidade. – Eu amo você, . – Ele disse. Era como se a única coisa audível naquele quarto fosse meu coração batendo. Percebi que o silêncio, depois de tudo, era audível, e parecia gritar palavras que não podiam ser ditas. Por sorte o monitor cardíaco foi retirado dali, ou eu estaria bem enrascada. Continuei olhando em seus olhos naqueles poucos milésimos de segundo de pausa, estupefata com suas palavras. – Você é minha melhor amiga. Sempre foi. Não posso te perder de novo. – Ele terminou falhando a voz nas duas últimas palavras.
  Meu coração então desacelerou e mais uma vez a solidão pareceu me chamar para seu abraço. Eu estava sempre com fome de amor. Apenas uma vez, eu queria saber o que era me satisfazer dela. Ser alimentada com tanto amor que eu não aguentaria mais. Só uma vez. Mas não. Eu era a melhor amiga. Sempre fui e sempre serei só a melhor amiga. Sem querer, deixei uma lágrima cair e escorrer pela minha bochecha. Ele esticou o dedo para secá-la, e passou a mão no meu rosto. Não tinha ideia do quanto aquilo doía e fazia minha pele queimar, mas eu poderia continuar implorando por mais.
  - Tá... Tá tudo bem. – Foi o que consegui falar. – Agora não importa mais. – Sussurrei.
  Estiquei minha mão e peguei a sua. Entrelacei nossos dedos com carinho e respirei fundo engolindo o nó formado em minha garganta. – Você vai embora agora?
  - Se você quiser. – Ele respondeu dando de ombros, com os olhos em nossas mãos.
  - Não quero. – Murmurei em tom de súplica.
  Ele concordou e entendeu aquilo como um convite. Levantou da cadeira e me empurrou de leve para o lado, entrando embaixo dos cobertores. Me apertou em seus braços e deixou eu deitar minha cabeça em seu peito, arrancando um suspiro meu. Nos encaixávamos ridiculamente bem e só eu parecia notar isso.
  - Alguém esqueceu de fazer a barba. – Brinquei quando senti a aspereza dos fios nascendo contra a minha testa. Ele resmungou e eu ri mais, me apertando mais ainda contra o calor do seu corpo e absorvendo o máximo do seu cheiro que minhas narinas permitiam.
  Já havíamos passado noites juntos. Conversando, vendo filmes. Em viagens, ou quando eu ficava sozinha em casa e não tinha ninguém para chamar.
  Como melhores amigos fazem.
  Mas naquela noite foi diferente, porque não trocamos mais nenhuma palavra além de boa noite, e ainda assim permanecemos horas em silêncio antes de cairmos no sono. Como se nada tivesse mudado.
  Para ele.

  25 de Dezembro, domingo. 10:20. – New York Downtown Hospital.

   saiu da cafeteria do hospital com um sorriso de orelha a orelha enquanto carregava uma bandeja com croissants recheados de chocolate, cappuccinos e torradas quentes. Os favoritos de . Ficou contente em encontra-los assim que chegou à cafeteria, e ainda por cima quentinhos.
  Tinha acordado há pouco, mas ainda estava dormindo na mesma posição em que tinha caído no sono na noite passada. A observou por algum tempo, até que percebeu o quanto estava sendo idiota e resolveu sair da cama. Se alguma enfermeira – ou a mãe ou o irmão de – entrasse ali, estaria enrascado. Decidiu ir até a lanchonete arranjar algo para comer. adoraria. Era Natal e a comida dos pacientes devia ser tão sem graça quanto a decoração natalina do ambiente. Atravessou corredores até que chegou ao do quarto 3816, mas deu de cara com Will.
  Abriu a boca, engasgado com as palavras enquanto o irmão mais velho de o encarava de braços cruzados e uma cara feia.
  - Não vai me dizer que isso é para a .
  - Ahn, é. – respondeu e ele fez uma cara de quem comeu e não gostou.
  - Então você acordou hoje e decidiu desperdiçar seu Natal vindo aqui para comprar croissants para minha irmã? – Will perguntou sarcasticamente.
  - Na verdade, não precisei vir aqui. Eu já estava aqui. – Rebateu com um sorrisinho e saiu andando sem nem esperar uma resposta quando Will o puxou de volta.
  - Escuta aqui, . – Ele apontou o dedo na cara de . – Eu sei que isso é entre você e a , e ela já te perdoou, mas eu ainda não estou cem por cento convencido se você gosta tanto assim dela. – O encarou nos olhos.
  - Will. – tirou o sorriso do rosto e o olhou sério. – Eu sei que o que eu fiz nunca vai ser perdoado pela sua família, muito menos pela minha. Eu nunca vou me perdoar. Mas eu fiz uma promessa pra quando... O seu pai morreu. – Ele falou e Will ergueu as sobrancelhas, confuso com o rumo da conversa. – Eu prometi para a que eu nunca iria magoá-la e ela prometeu que nunca iria me esquecer. – Fez uma pausa, respirando fundo. – E eu quebrei essa promessa. Mas eu estou aqui agora e vou estar aqui para sempre se for necessário para fazer a minha promessa voltar a valer. Não só para ela, mas para mim. Porque eu precisei ver ela quase morrer por minha culpa, ver você me bater até eu desmaiar e ver meus melhores amigos virarem as costas para mim para eu entender que ela é a coisa mais importante que eu tenho na minha vida e que eu nunca mais posso magoá-la. Entendeu? – Apesar de estar prestes a chorar, continuou com os olhos nos olhos de Will, até que o outro respirou fundo e concordou com a cabeça, saindo do caminho.
  - Estou de olho em vocês. – Falou por fim.
  Agradeceu com a cabeça e continuou andando, tentando manter a postura. Encontrou a mãe de saindo do quarto e engoliu em seco.
  - Feliz Natal, . – Ela sorriu e deixou a porta aberta para ele entrar. Ele respirou fundo e pode ouvir a Sra. brigando com Will por ser tão grosso. Entrou no quarto equilibrando a bandeja e fechou a porta. Encontrou sentada na cama com um gorro de Natal e cercada de pacotes de presentes.
  Droga, ele sabia que tinha se esquecido de alguma coisa.
  - Hey, bom dia. – Ela sorriu largamente e ele sentiu uma onda de calor voltar para dentro de si. Aquilo parecia surreal demais.
  - Eu trouxe comida. – Ele respondeu andando até a cama, enquanto ela tirava as caixas de presentes para dar espaço para a bandeja. Ela comemorou ao ver tudo aquilo e enfiou um croissant na boca fazendo caretas enquanto mastigava.
  - O que você ganhou? – Ele perguntou, meio sem jeito de ter se esquecido de comprar um presente para ela. Teria que compensar aquilo mais tarde.
  - Hum... – Ela resmungou terminando de mastigar. – Um cachecol novo, um gorro – apontou para sua cabeça e sorriu -, um CD de uma certa banda – ela pegou a capa do CD e mostrou para ele, o fazendo ficar chocado ao ver que era uma gravação dos demos da sua banda. Ela apenas riu alto – um par de botas, uma Canon – ela concordou rindo quando ele ergueu as sobrancelhas – e por fim... Uma vida nova. – Ela deu de ombros.
  - Que quase foi tirada de você. – Ele murmurou.
  Ela suspirou largando o croissant em cima do prato e o fitou.
  - Não importa mais. Eu estou aqui. Você está aqui. – Ela disse firmemente olhando em seus olhos.
  - As pessoas... – Ele começou.
  - As pessoas vão esquecer. – Ela o interrompeu. – As pessoas vêm e vão. O que importa é que nós vamos ficar aqui.
  Ele abriu a boca para argumentar e ela ergueu o dedo.
  - Enquanto eu estiver feliz, você não precisa se preocupar. – Ela sorriu e enfiou o croissant na boca. – Hum, efe croasan ta uba delixa.
  Ele não pode evitar e começou a rir.

  25 de Dezembro, domingo. 16:20. – New York Downtown Hospital.

  Enquanto os amigos rodeavam naquela tarde de Natal, trocando presentes e brincadeiras, estava sentado do lado de fora do hospital, em uma área verde reservada para fumantes. Estava sozinho, com um cigarro entre os dedos, observando as pessoas passarem do outro lado da rua, comemorando o Natal, rindo e conversando. Percebeu que não tinha voltado para casa desde o dia anterior, e que seus pais nem se preocuparam em ligar para ele. Grande família ele tinha.
  Ouviu a porta lateral do hospital se abrir e passos se aproximarem.
  - O que está fazendo aqui fora nesse frio desgraçado? – perguntou parando de frente para ele, se encolhendo todo e de olhos arregalados.
  Ergueu o cigarro para não precisar responder. concordou com a cabeça, xingando baixo a temperatura exterior e sentou ao seu lado, em silêncio. Acabou acendendo um também.
  - Como me achou aqui? - Perguntou depois.
  - Fácil. Perguntei onde era a área para fumantes. – Respondeu e os dois riram sem querer.
  Mais silêncio.
  - Cara, me desculpa por ter virado as costas para você. A gente nem sabia o que tinha acontecido e... – socou o banco de leve, como se estivesse envergonhado – A contou pra gente, então... Até o quer te pedir desculpas. – Murmurou tragando o cigarro.
   deu de ombros. Não ligava mais para nada.
  - Fico feliz que você e a estejam bem de novo. Ela gosta muito de você, . Você nem faz ideia. – disse olhando para frente.
  Queria poder contar o que sabia, achava que seria melhor se entendesse o que estava acontecendo. Mas tinha jurado à que não diria nada, e quando ele quebrava um juramento, a porra ficava séria. Mas era tão frustrante, porque era tão óbvio. Estava na cara dele e o idiota não conseguia ver. Por que era tão cego?
  A porta abriu de novo e saiu de lá. levantou na mesma hora e disse que ia entrar porque estava morrendo de frio. Apagou o cigarro e deixou os dois melhores amigos sozinhos.
  - Hey. – disse, parando na frente dele.
   olhou para cima e sem dizer nada, levantou e abraçou o mais forte que pode. ficou parado por um segundo, tentando entender, mas acabou retribuindo o abraço.
  - Não importa mais. – repetiu as palavras de e bateu a mão nas costas de .

  28 de Dezembro, quarta-feira. 16:00. – New York Downtown Hospital.

  Com a ajuda da minha mãe, desci da cama e me sentei na cadeira de rodas depois de ter trocado de roupa. Estava usando meus acessórios novos de frio e um suéter que minha avó tinha passado o último mês fazendo para mim. Estava finalmente voltando para casa. Ainda tinha algumas sessões de fisioterapia para fazer e uma bateria de exames, mas pelo menos podia voltar para a minha cama. Não era mais um sonho. Era a realidade.
  Queria que estivesse ali, mas ele tinha desaparecido. Talvez tenha ido para casa tomar banho ou comer alguma coisa decente já que aquele hospital não fornecia nada que fosse comível para não enfermos. Ele passava mais tempo comigo no hospital do que com os amigos aproveitando o recesso de inverno da escola, e perdeu o seu Natal por minha causa. Will dizia que era “o mínimo que podia fazer” e minha mãe dizia que ele era “um bom menino apesar de tudo”.
  Mães... Todas iguais, só mudam de endereço.
  - Pronta para ir? – Mamãe perguntou colocando sua bolsa no ombro. Concordei com a cabeça, sorrindo largamente. Ao mesmo tempo a porta se abriu e entrou.
  Sorri mais ainda na mesma hora.
  - Hey! – Ele disse. Devia estar espantado a me ver em uma cadeira de rodas, vestida e pronta para sair. – O que está acontecendo aqui? – Perguntou confuso ao ver tantas bolsas arrumadas e o meu urso gigante em cima de Will.
  - Estou indo para casa. – Sorri.
  - Mas eu achei que você só iria para casa no fim de semana! – Ele falou um tanto surpreso.
  - Recebi alta por bom comportamento. – Sorri para ele e obtive um sorriso de volta.
  Era um novo começo. E dessa vez eu sabia que ia começar minha vida com a intenção de fazer o que não tinha feito até aquele momento: viver.

Parte III

I don't believe that anybody
   Feels the way I do about you now.
   Because maybe, you're gonna be the one that saves me
   And after all, you're my wonderwall.

  29 de Dezembro, quinta-feira. 20:00. – Casa da .

  Assim que estacionou o carro em frente a casa dela, bateu sua porta e correu para o lado do carona para ajudar a descer. Ela reclamou dizendo estar boa o suficiente para andar, mas ele não acreditava em nada do que ela dizia, por isso insistiu. Depois de muitas reclamações, ela aceitou e o esperou trancar o carro para ser empurrada até a porta da frente. Já fazia um dia que a garota tinha saído do hospital, e ainda seguia com a fisioterapia. Os avanços tinham sido tão positivos que ela tinha voltado a andar – ainda precisava de apoio – mas estava tão radiante que ninguém estranharia se ela pedisse para ir até o Rockfeller Center patinar antes do Ano Novo.
  - Você sabe que está exagerando. – Ela murmurou emburrada. Odiava ser tratada feito uma criança mesmo em circunstâncias especiais como aquela, queria que todos vissem como ela era independente e forte para não precisar de ajuda, e estava prestes a aclamar por isso quando as mãos de envolveram sua cintura em prol de mantê-la em pé.
  Sim, ela poderia se acostumar com aquilo... E talvez pudesse deixar a independência para outros momentos.
  - Sim, eu também exagerei naquela hora em que você quase caiu das escadas no cinema. – Ele resmungou enquanto deixava sua mão pousada nas costas dela, esperando pacientemente ela subir os degraus até a porta da frente. Ele tinha feito uma promessa que nada aconteceria com ela, e isso incluía até mesmo o tropeço em um degrau. Não importava quão milagrosa a fisioterapia era. Ele sempre ouvira sua mãe dizer que era melhor prevenir do que remediar. Ele sabia muito bem disso agora.
  - Estava escuro! Qualquer um cairia ali, você sabe disso! – protestou trazendo de volta ao mundo real. O tom de indignação dela o fez soltar uma risada baixa e rouca. Ela rolou os olhos e parou no último degrau, esperando ele fazer o mesmo. Mesmo fazendo zero grau ali do lado de fora, ela não se enfiou para dentro de casa e nem ousou procurar as chaves no bolso do casaco. Só cruzou os braços e olhou para ele. – Obrigada por me levar no cinema, eu me diverti muito. – Ela sorriu mais tímida do que o normal, trazendo um ínfimo brilho no seu olhar que seu pai costumava dizer que fazia qualquer homem se render. Mas seu pai não estava mais ali, e o único de quem ela queria redenção era o único que parecia ter uma bolha em volta de si, à prova de seduções. E afinal, o que ela estava fazendo? Ela sabia como as coisas eram, não podia continuar tendo esperanças em algo que nunca aconteceria, mas ainda assim estava ali bancando uma garota de quinze anos no primeiro encontro. E o pior: estava escondendo a verdade do seu melhor amigo. Não apenas sobre a parte dos sentimentos, mas também sobre a decisão que tinha feito assim que saiu do hospital. Privar dessa verdade era uma das coisas mais horríveis que ela já havia feito, mas ela precisava pensar em si mesma antes de qualquer pessoa, e se isso envolvia ser o último a saber, era assim que seriam as coisas. Não era difícil de qualquer forma concluir que se ele soubesse a faria ficar. E ficar significava continuar sofrendo.
  - Fazia um bom tempo que não fazíamos isso, já era hora. – Ele respondeu dando de ombros e inconscientemente brincando com o gorro de tricô na cabeça dela. Ela sentiu um bolo se formar em sua garganta ao saber que tudo aquilo estava prestes a acabar. – O que vai fazer agora? – Perguntou puxando assunto quando se lembrou de que estava sozinha em casa até a véspera de Ano Novo. A mãe dela tinha ido naquela manhã visitar a avó paterna que estava doente e Will estava passando alguns dias com a namorada na casa dos pais dela na Filadélfia. estava encarregado de mantê-la viva e leva-la para a fisioterapia nesses dias. Ambos sabiam que isso não era nenhum sacrifício.
  - Eu não sei, as garotas ficaram de vir passar a noite comigo, mas acho que elas mudaram de planos porque não me ligaram mais. – Ela disse interessada apenas na cor dos olhos dele que parecia dançar com o reflexo da luz externa. O fato é que ela não tinha mais ligado para elas, mas não precisava saber disso se o fizesse ficar no lugar delas. Ela aproveitaria com muito gosto o cheiro dele na hora de dormir.
  - Por que a gente não entra e resolve isso? – Ele perguntou indicando a porta com a cabeça. Ela concordou, internamente contente por ele querer entrar, e correu abrir a porta com a chave retirada do bolso. Assim que acendeu a luz, teve um mini ataque cardíaco.
  - SURPRESA! – Todos gritaram pulando de trás do sofá e das cadeiras da sala assim que a luz acendeu. teve que se segurar em para não cair no chão com o susto tomado ao ver os amigos ali.
   trancou a porta aos risos e a arrastou para o sofá. Todo mundo começou a rir enquanto ela se recuperava, e só depois teve tempo para perceber que além de , e , os garotos estavam ali também.
  - Droga, vocês querem me matar?! – Ela reclamou e eles riram mais ainda. – Como vocês chegaram aqui? – Perguntou, chocada com toda aquela situação, tentando entender como eles tinham entrado e arrumado tudo aquilo sem que ela desconfiasse.
  - A chave extra do ajudou um pouco, sabe. – assoviou. Ela então procurou entre os amigos até que viu encostado na parede a olhando e rindo ainda.
  - Você sabia! – Exclamou exaltada e ele concordou. Se aproximando, a entregou um copo e ela virou crédula de que era água. Tarde demais, mal conseguiu cuspir de volta o conteúdo. – O que você colocou aqui?! – Ela berrou.
  - Vodka com suco de maçã e mais umas coisas desconhecidas que o trouxe. – Ela gargalhou quando arregalou os olhos.
  - Surpresa zinha! O que você achou? – apareceu saltitando até parar de frente para ela. – Achamos que você merecia uma festa de boas-vindas depois de ficar tanto tempo naquele lugar triste e gelado. Aqui todo mundo tá feliz e bem quente! – Ele piscou para ela até que o estapeou.
  - Vocês são impossíveis mesmo! – Ela reclamou de brincadeira, agradecida de verdade por dentro ao saber que seus amigos se importavam com ela a esse ponto. Por mais que fosse sua primeira opção, ela não recusaria os outros de forma alguma.
  Depois de cumprimentar todos, ela teve conhecimento de que pizzas caseiras estavam sendo assadas, e por sorte tinha sobrado um pouco de refrigerante não-batizado. Ainda estava tomando um coquetel de remédios por dia, pelo menos até ter alta da fisioterapia, e por mais que quisesse, não podia beber. Os amigos não reclamaram ao saber que tinha mais bebida de sobra, e não demorou muito para e começarem a dançar e cantar alto algum tipo estranho de música irlandesa por causa dos efeitos do álcool. e reclamavam do barulho porque não conseguiam prestar atenção no jogo de tabuleiro que tinha levado, e depois de três rodadas, desistiram e foram jogar twist.
  O tempo voa quando se está em presença de amigos, e quando o relógio anunciou meia-noite, se espantou. Estava assistindo as garotas se enroscarem no tapete de twist enquanto os garotos assoviavam e faziam palhaçadas bem a tempo de reaparecer na sala depois de uma escapada misteriosa para o lado de fora, e depois de uma troca de olhares, ele a chamou discretamente para ir até o quarto dela. Não hesitou em levantar e o seguir pelo corredor até seu ambiente favorito. Ninguém perceberia sua ausência de qualquer forma.
  Era uma sensação estranha toda vez que entrava no seu quarto depois de tanto tempo longe dele. Apesar de arrumado, ela tinha encontrado a maioria das coisas da mesma forma que tinha deixado. Isso fez parecer que o tempo não tinha passado. Mas ele tinha, e dispondo da sua condição física, quase nada tinha mudado.
  - O que foi? – Ela perguntou curiosa quando o garoto fechou a porta atrás de si.
  Seu estômago deu uma cambalhota e as borboletas alojadas ali começaram a se remexer com certo desespero. E ela ainda não tinha contado a verdade.
  - Você vai para Vermont. – Ele falou cruzando os braços e instantaneamente todas as borboletas explodiram. Ela não tinha contado a verdade e agora ele sabia da verdade antes dela contar. – Quando é que você ia me contar? – Perguntou a fitando, e agradeceu por ele não ter um tom de voz irritadiço.
  Ela respirou fundo algumas vezes antes de conseguir responder.
  - Depois do Ano Novo. – Murmurou evitando os olhos dele. Se sentia extremamente ridícula só de imaginar que durante o tempo todo que passaram juntos naquele dia, ele sabia da verdade. Se perguntou quem tinha contado. era a mais cogitada. Aquela fofoqueira.
  - Por quê? – Ele perguntou de novo.
  - Por que o quê? Por que Vermont ou por que só depois do Ano Novo? – Ela continuou, mas se arrependeu de dar tantas opções para ele.
  - Eu gostaria de saber ambas as respostas. – Ele rosnou.
  Ela se virou de volta e o olhou. Não queria que ele soubesse exatamente por isso. Respostas. Ele queria respostas, e existiam algumas que ela nunca poderia dar. As respostas verdadeiras.
  - Eu preciso de um tempo só pra mim, para eu pensar em tudo o que aconteceu, e ficar em Nova York não vai me ajudar com isso. Se eu te dissesse antes de eu ir, você me faria ficar, e eu não posso ficar. – Por mais curta que aquela resposta fosse, foi sincera. Ela precisava de um tempo para ela. Porque estar com ele a sufocava a ponto de fazê-la perder o ar. Estar com ele, mas não estar com ele de verdade, a fazia sofrer, e ela estava cheia de sofrer. Quando sua tia a ofereceu uma temporada em sua casa em Vermont, ela decidiu que aquela oferta era um sinal e que ela tinha que aceitar. Seis meses em Vermont a faria deixar partir como ela precisava ter feito há muito tempo.
  - Isso é por minha causa, não é? – Ele insistiu. Ela não pôde evitar e desviou o olhar de novo.
  - , eu não... Não quero falar sobre isso. É uma decisão que já está tomada. – Ela gaguejou.
  - Uma decisão que você tomou sem pensar em mim antes! Sem pensar em qualquer um de nós. A gente quase te perdeu , e de repente você quer ir para longe de nós? Não é justo! – Ele elevou o tom de voz, atraindo a atenção e o olhar dela.
  - Não é justo eu só tomar decisões pensando no que vocês querem. Na verdade, no que você quer, porque todo mundo entendeu e concordou comigo. – Ela respondeu sem se preocupar em manter o mesmo tom que ele.
  - Sim, e todo mundo sabia. Menos eu. O que nos leva de volta a: isso é sobre mim, não é? – Ele murmurou de repente.
  Sim, é sobre você. É sobre o jeito que você anda com as mãos nos bolsos e com a cabeça erguida porque nada, nem ninguém, te impedem de ser feliz. É sobre o jeito que você toca violão com tanta dedicação que parece se esquecer do mundo ao seu redor. É sobre o jeito que você sorri e seus olhos se apertam, me deixando sem ar. É sobre todas as garotas que já passaram pela sua cama e o fato de que nenhuma delas significou nada para você. É sobre o momento em que você falou que me amava pela primeira vez, mas não foi da forma como eu sonhei em ouvir. É sobre o tempo em que ficamos separados mesmo acreditando que estávamos juntos. É sobre como eu não consigo seguir em frente porque você está sempre bloqueando o meu caminho. É sobre a necessidade que eu tenho da sua presença, e do mal que isso me faz porque você não se sente da mesma forma. É sobre você. E você nem tem ideia do quanto.
  - São só seis meses, . Podemos nos ver nos fins de semana. Eu só preciso... Pensar em mim. Da mesma forma que vocês quase me perderam, eu acabei me perdendo. Preciso me encontrar. – Ela sussurrou. – Eu vou voltar.
  - Quando você vai? – Ele perguntou tentando esconder a irritação e a tristeza que tomavam conta dele só de pensar no que seriam seus dias sem sua melhor amiga.
  - Dia primeiro. – Ela suspirou.
  - Você ia me contar só quando fosse embora. – Ele concluiu e ela acenou com a cabeça, tentando esconder com a cortina de cabelo as lágrimas se formando em seus olhos. Não queria perde-lo. Não queria ir. Mas estava sendo forçada apenas pela necessidade de aprender a viver sem ele. Deixou um soluço escapar e seu rosto logo estava lavado pelas gotas salgadas.
  - Era preciso. – Sussurrou.
  - Eu também preciso de você. Mas acho que não consegui te mostrar o suficiente para te impedir de tomar essa decisão. – Ele falou antes de dar as costas e sair batendo a porta com força.
  Desabando em lágrimas, se jogou na sua cama certa de que seu coração antes partido, agora nunca se reconstruiria.

  29 de Dezembro, sexta-feira. 00:27. – Casa da .

  Os restos de pizza estavam jogados dentro das caixas sobre a mesa de centro, pacotes de salgadinhos enfeitavam os cantos dos sofás, e copos e mais copos com refrigerante e sabe-se lá mais o que estavam postos nos espaços que sobravam pelo cômodo. Seis jovens estavam jogados pela sala da casa de , assistindo o quarto filme seguido, e naquele momento alguns nem sabiam mais quem eram. chamava isso de programa de garotas, mas foi o que o médico liberou para ser a comemoração de boas-vindas da . Isso até ele descobrir sobre as pizzas pingando óleo e o conteúdo misterioso dos copos.
  - Falou povo! Mas eu tenho que ir porque minha mãe está me cronometrando. – quebrou a alegria do grupo ao anunciar sua saída quando todos pensavam que ele estava em estado vegetativo. – Vocês sabem... Chegar em casa bêbado de madrugada e chamar ela de velha aos berros não foi legal.
  - Cara, eu vou com você já que a vai dormir aqui. – A voz de foi ouvida da onde estava jogado no chão da sala coberto de salgadinhos em pré-estado de coma depois de comer tanta porcaria.
  - Na verdade, estou pensando em cair fora. – comentou apontando para o sofá vazio que devia estar sendo ocupado por duas pessoas. – A ideia da festa do pijama é todas as garotas estarem aqui, e pelo visto uma delas arranjou programa melhor. – Ela deu de ombros e todos riram.
  - Concordo. – ergueu a mão e tentou se levantar da poltrona, mas caiu de volta.
  - Então eu vou com a e você, , vai com o . – ordenou e prestou continência.
  - Sim senhora. – Ele concordou, ainda jogado no chão.
  - E a vai com o . – sugeriu com perversidade e todos olharam para os dois, que estavam distraídos conversando sem ter ideia do que estava acontecendo ali. e gargalharam dos dois idiotas.
  - Hã? Quê? – arregalou os olhos quando notou que estavam encarando eles. – Mas e a festa do pijama?
  - Cara, a desapareceu e você ainda quer dormir aqui? – resmungou, mais pra lá do que pra cá. – Vamos embora minha filha, outro dia a gente faz.
  - Onde vocês estão indo? – perguntou perdido.
   rolou os olhos para ele. Sério mesmo, ?
  - Embora, duh. – respondeu por ele.
  - Dá carona pro , hein. – resmungou levantando do sofá.
  - Na verdade eu vou ter que levar a em casa já que vocês... – argumentou e todos tossiram.
  - Aham, falou . – deu com a mão e levantou com os outros três.
  - E o está de carro. – argumentou e todos concordaram com um suspiro.
  - É melhor você nem esperar ele mesmo, acho que ele encontrou alguma outra coisa melhor para... – começou a sugerir quando passos denunciaram que estava vindo do corredor. Todos olharam para ele assim que parou de falar, e ficaram surpresos quando ele passou direto até a porta de entrada.
  - Perai, ! Onde você vai? – gritou o impedindo de atingir a maçaneta.
  - Para casa. – Falou baixo, querendo evitar conversa.
  - Mas o que aconteceu? – não se conteve.
  - Não finja que você não sabe. Todos vocês devem saber melhor do que eu, afinal agora eu sou o último a saber das coisas. – Rosnou abrindo a porta e saindo com pressa antes que o impedissem de novo. Todos se entreolharam e cada um tomou a mensagem para si mesmo assim que entenderem que ele estava se referindo a Vermont. Então o mesmo se passou na cabeça de cinco deles: quem tinha contado?
  - MUITO BEM, QUEM FOI O FOFOQUEIRO? – gritou.
  Olharam desconfiados foram trocados até que um suspiro baixinho foi ouvido do canto.
  - Fui eu. – murmurou arrasada, trazendo espanto a .
  - Porra ! – berrou injuriado. Por causa dela tudo tinha dado errado!
  - Desculpa gente, mas eu não achei justo que o fosse o último a saber! Ele tem o direito de poder lutar pela também! Se ele só soubesse no dia, como ele poderia a fazer ficar?! – Ela argumentou com uma expressão de cão sem dono que fazia qualquer um ficar com dó.
  - Mas a ideia era ele não fazê-la ficar! Todo mundo aqui sabe que a só está indo para puta que pariu para ficar longe daquele imbecil! – resmungou. – Eu também quero que ela fique, mas já está na hora dela seguir em frente e ser feliz, vocês não acham? – Ela bateu o pé.
  De repente todo o cansaço, a preguiça e a lentidão que os amigos estavam se sentindo se esvaiu, dando espaço para a preocupação e a indignação. Eles tinham aceitado que ir para Vermont era o melhor para ela por mais que não entendesse. E agora tinha arruinado tudo.
  - Eu só acho que a só vai ser feliz quando estiver ao lado do . – Ela murmurou inocentemente. Mas seu pensamento conseguiu atingir no fundo da cabeça de , forçando-a a ter um plano.

  30 de Dezembro, sexta-feira. 00:49. – Casa da .

  Dez minutos depois, todos estavam encapuzados e reunidos em uma rodinha do lado de fora da casa, onde ninguém podia ouvi-los. E ninguém traduzia-se por: . Os seis ficaram parados do lado de fora do duplex onde os moravam por um instante, encarando .
  - O que você quer dizer que é mais importante aqui fora do que lá dentro, no quentinho? – rosnou.
  - Larga de ser mulherzinha, a não pode ouvir a gente. – Ela rosnou de volta. – Muito bem, a tem um ponto e então eu pensei. A só vai para Vermont porque ela está cansada de sofrer aqui porque o é um tapado que não vê o óbvio.
  - A gente devia fazer alguma coisa sobre isso. – sugeriu, passando a mão pelo queixo.
  - Tipo o quê? Trancar os dois num quarto até ele perceber o que está na cara dele? – falou irônica. – Como se eles nunca tivessem passado noites e noites juntos.
  - Como assim? perguntou com a boca aberta. – Eles já...
  - Não, seu idiota. – suspirou.
  - CONTINUANDO! – interrompeu o momento deles. – E todos nós queremos que ela fique, mesmo entendendo o ponto dela, certo? Mas ela só ficaria se o percebesse que os sentimentos dele são recíprocos e fizesse ela ficar! Então o plano é: fazer o perceber que está apaixonado por ela também!
  - Interessante. – murmurou. – E temos que fazer tudo isso até amanhã? É isso mesmo? – Ele ergueu as sobrancelhas com espanto.
  - Bom... Acho que não foi só eu que... – começou antes de ser interrompida pelo amigo.
  - Dude, por que eles não podem simplesmente ficar juntos? – bateu o pé, inconformado.
  - Tradução: por que o é tão idiota? – resmungou de braços cruzados, se encostando à parede de pedras da casa para não cair de tão bêbada. – Se ele não fosse tão tapado já teria percebido as coisas e nada desse drama estava acontecendo.
  - O fato é que alguém vai ter que falar pro a real. Ou ele nunca vai se tocar. – murmurou interrompendo o momento de .
  - Sinto te informar, mas esse alguém vai ser você. – falou e todos o encararam no mesmo instante.
  Quando ele percebeu o que tinha feito, três palavras restaram em sua mente: Boca grande maldita.
  - Mas gente, precisamos de mais planos... Certo? – Ele deu um sorriso amarelo.

  29 de Dezembro, sexta-feira. 03:48. – Casa da .

   tinha adormecido, jogada em sua cama. Tinha caído no sono após a cascata de lágrimas causadas por e do jeito que estava, ficou. Se sentia ressentida, magoada e sem saber o que fazer. Tinha perdido seu melhor amigo da forma errada porque fora egoísta com seus sentimentos. Se antes achava que estava fazendo o certo pensando em si mesma, sua mente mudou completamente de rumo quando viu que estava fazendo todos os outros sofrerem com sua decisão. Agora era tarde demais.
  Ela não ouviu quando a porta da frente foi aberta por uma chave extra, e não ouviu passos no corredor indo em rumo ao seu quarto. O sono em que caímos depois de lutar contra as lágrimas e contra o cansaço que elas produzem é pesado porque nos ajuda a nos livrar pelo menos por um instante de tudo o que estamos passando. Mas esse sono não foi o suficiente para não despertá-la quando um peso extra foi sentido do seu lado na cama e um braço a puxou para perto. Acordou, se sentindo grogue, mas foi capaz de vez na escuridão do quarto, vencida apenas pela luz dos postes que vinham da rua e das luzes de Natal, que estava ali.
  - ? – Ela gaguejou, certa de que era outro sonho.
  - Eu não devia ter te deixado sozinha. Não foi isso que prometi à sua família. – Ele murmurou. Claro, ele só estava ali para cumprir sua palavra.
  - Tudo bem, você tinha o direito de ir embora depois daquilo. – Ela sussurrou.
  - Tinha o direito, mas não era o meu dever. Me desculpe por ser tão radical, . Eu estava com raiva. Talvez eu consiga te entender pelo menos um pouco. – Ele continuou.
  Ela suspirou concordando, e se virou na cama para ficar de frente para ele, e se agarrou ao seu corpo o máximo que pôde. Conseguiu sentir o cheiro dele, do jeito que sempre desejava quando estava perto dele. Conseguiu sentir o calor que ele emanava, e aproveitou isso para aconchegar o frio que sentia por dentro do seu peito há dias.
  – Eu te levo na fisioterapia hoje de manhã e então vamos passar a tarde juntos. Você me deve isso. – Ele falou em tom de brincadeira.
  - O que você quiser. – Ela respondeu antes de enterrar seu rosto contra o peito dele, e banhada no seu cheiro, voltar a dormir mais profundamente do que antes, sem a necessidade das lágrimas naquele momento.
  Mas ela sabia que era só naquele momento, porque elas voltariam para a despedida.

  30 de Dezembro, sexta-feira. 09:10. – Casa da .

  - Ok, ainda estou tentando entender porque eu acordei a essa hora em vésperas de Ano Novo. – reclamou do banco de trás do carro de , ainda tentando voltar a dormir com a cabeça apoiada na bolsa.
  - Porque estamos trabalhando em uma resolução de Ano Novo, oras. – respondeu do banco do carona bem mais sorridente do que no dia anterior quando insistiu que o plano era idiota demais e que ficaria fora de órbita se descobrisse o que eles estavam tramando. – Uma resolução que vai nos tornar melhores seres humanos.
  Mas agora as coisas pareciam até divertidas para ela, e ela estava levando a sério. Até demais.
  - E qual é o plano? – perguntou, mesmo com medo de saber a resposta.
  - Vamos inventar uma mentira para o , e se ele acreditar vai sair correndo desesperado para a casa da . – Com os olhos na rua, resmungou do volante enquanto trocava de rádio.
  - E então ele vai ver que se preocupa com ela, ela vai ver que ele se preocupa com ela, eles vão se entender e vai dar tudo certo! – cantarolou feliz.
  - Mas se não der certo, partimos para o plano B, com o e o . Ou o plano C, com o . – completou.
  - E o que vamos inventar? E por que tão cedo? – insistiu, com a certeza de que aquele plano não tinha pé nem cabeça. Inclusive se envolvia acordar cedo e confiar em e .
  - , você não prestou atenção em nada do que a gente combinou ontem? – rosnou, irritada.
  - Estamos indo para a primeiro para dar uma olhada antes na situação. E depois vamos para o causar o caos, por isso tão cedo. – respondeu com um suspiro, querendo evitar brigas.
  - Queremos causar o caos? – ergueu a sobrancelha quando entrou na rua de e parou o carro praticamente na porta da casa dela. As três viram o carro de estacionado na frente da garagem e soltaram um guincho espantado.
  - Não falei que ele ia voltar? Eu sabia que ele ia voltar! Ele não ia deixar ela sozinha em casa dormindo sendo que a mãe e o irmão só voltam amanhã. – falou para . – Ele deve ter pedido desculpas ou sei lá! Mas que merda!
  - É, alguém não está tão lerdo assim... – deu um sorrisinho, contente no final.
  - A gente não deveria espiar? Por que estamos bem na porta? – questionou.
  - Cala a boca, . Você não tá ajudando. – reclamou desligando o carro. – Mas que merda! Vamos ter que mudar a estratégia! – Ela bateu no volante.
  - JÁ SEI! – gritou erguendo o indicador. – Ok, vocês duas. Vai ser o seguinte. – Mas antes que ela começasse a falar, a interrompeu.
  - , preste atenção no plano A e se não der certo te explicamos o plano B. – Ela avisou.
  - Por acaso os planos vão até que letra? – ergueu a sobrancelha, se aproximando do banco da frente.
  - Repetimos o alfabeto se for necessário. – falou entre dentes, encerrando o assunto.

  30 de Dezembro, sexta-feira. 09:50. – Casa do .

   desligou o telefone e foi atrás de , tendo que passar pela sala do mini chiqueiro que chamava de “apartamento próprio” desde que tinha cortado relações com os pais e ido morar sozinho com ajuda da tia-avó.
  Encontrou o garoto na cozinha fazendo outro sanduíche. Era o terceiro.
  - Pois bem. Acabei de falar com as garotas e o plano A não deu certo. – Ele falou se encostando ao batente da porta.
  - Como assim não deu certo?! Era perfeito! – arregalou os olhos com o dedo sujo de maionese na boca. – Eu mesmo o criei!
  - Primeiro, o plano era da . Você só palpitou. – o corrigiu. – Terceiro que elas tiveram que mudar o plano porque o filho da puta passou a noite lá. Então elas ficaram esperando o sair da casa da para elas darem umas indiretas de que era fofo o que ele estava fazendo mesmo que ele soubesse que ela estava indo embora, que ele tinha mudado por ela, e blá, blá, blá. – Explicou.
  - Cara, eu sei o plano. – o encarou.
  - Enfim. Houve um erro no plano. – continuou.
  - Que erro, porra? – bateu com a espátula na pia, irritado com a demora para contar.
  - Depois de vinte minutos, a saiu de casa junto com ele. – resmungou. – Porque ela tinha fisioterapia e ele ia levar ela. Ninguém tinha pensado nisso porque ninguém realmente pensava.
  - Que merda... E aí? – perguntou.
  - E aí que a falou que elas tiveram que inventar uma desculpa que queriam fazer uma surpresa para a e levar ela para fazer compras. Ela nem percebeu, mas o ficou com uma pulga atrás da orelha.
  - Não idiota. E ai eu quero dizer, como vamos fazer o plano B acontecer? – resmungou enfiando o sanduíche na boca.
  - Do jeito que combinamos, oras. Vamos deixar o morto de ciúmes quando chamarmos o Matthew lá da escola para ir visitar a em casa, e ai ele vai ter que fazer alguma coisa antes que o garoto roube ela pra ele no último dia dela em Nova York. E então colocamos o plano do em prática se ele não perceber por conta própria.
  - Ah, é. Somos uns gênios. – deu uma risada macabra. – Só falta a gente conseguir o número desse garoto.
  - Isso é de menos. – deu de ombros virando as costas para sair da cozinha.
  - Mas ô ... – o chamou e o garoto olhou para ele. – Você e a hein. – Deu um sorrisinho. – Vocês estão...? Você sabe. – Ergueu uma sobrancelha esperta para o amigo.
  - Que?! – arregalou os olhos. – Cara, claro que... – Começou a falar, mas a sobrancelha erguida de o pegou e ele se perdeu na mentira. – Só de vez em quando. – Deu de ombros e saiu da cozinha na mesma hora, corando de vergonha.
  - AH NÃO ACREDITO! ME CONTA ISSO! – gritou e saindo correndo atrás dele.

  30 de Dezembro, sexta-feira. 10:45. – Rua da .

  - Muito bem, eles já chegaram. – murmurou olhando pelos binóculos improvisados por para a porta da casa de . Fazia dez minutos que estavam camuflados dentro do carro atrás de uma árvore esperando e ela chegarem para colocar o plano em ação. – Matthew? – Chamou o garoto que estava assustado desde que a campainha da porta dele tinha tocado e dois garotos da escola dele o agarraram e o enfiaram dentro de um carro sem aviso prévio. – Você vai apertar a campainha, com essas flores na mão – Pegou o buquê de flores baratas que eles compraram de última hora e enfiou na mão do garoto, enquanto continuava checando a lista do plano que as garotas tinham feito para eles não esquecerem nada. –, e vai dizer que passou para dar feliz Ano Novo e melhoras. E vai chama-la para uma festa de Ano Novo que vai ter. – Pontuou olhando para o garoto apavorado no banco de trás.
  - Mas não tem nenhuma festa para eu levar... – Murmurou.
  - Agora tem. – o interrompeu. – Inventa qualquer uma, cara. Até a da irmã do tio da prima da sua tia-avó serve.
  - Mas lembre-se, o tem que ouvir tudo o que você falar, entendeu? – o pressionou.
  - Tente soar bem canalha, para ele ficar mais puto ainda. Mas mesmo assim deixe a bem lisonjeada para ela aceitar. – continuou e enfiou a mão no bolso. – Tá aqui suas cinquenta pratas.
  Matthew olhou para a nota na mão de e suspirou.
  - Mas gente, eu não estou fazendo isso pelo dinheiro. Eu gosto mesmo da . E acho que isso não tem nada a ver comigo porque eu não faço esse tipo de coisa. – Ele murmurou e os dois olharam para ele, furiosos. – E eu não quero ajudar o amigo de vocês a ficar com a garota que eu gosto...
  - O negócio é o seguinte, cara. Se você fizer o que a gente falou e tentar seduzir a , talvez você consiga uma chancezinha com ela até o fim do ano. Agora se você se recusar, ai que você vai perder todas as suas apostas porque o vai pegar ela bem mais rápido do que você imagina, e se isso não acontecer ela vai pra Vermont e não vai mais voltar. – rosnou para ele e obteve um olhar de cachorro sem dono em retorno. – E ai, vai querer ou não o dinheiro?
  - Me dá isso. – Matthew rosnou de volta pegando o dinheiro com raiva e saindo do carro com tudo.
  E em mãos, um buquê de dois dólares.

  30 de Dezembro, sexta-feira. 10:45. – Casa da .

  Tranquei a porta e me arrastei lentamente para o sofá com atrás de mim. Eu já estava conseguindo andar há alguns dias e sempre que podia eu gostava de exibir essa minha “habilidade”. Sentei de lado, dando espaço para ele sentar do meu lado, e me acomodei em seu colo, mais confortável impossível. Poderia ficar para sempre naquela posição.
  - Obrigada por me levar na fisioterapia. – Murmurei, apoiando minha cabeça em seu ombro. Notei que alguém tinha limpado toda a bagunça da tarde anterior. E esse alguém não tinha sido eu.
  - O mínimo que podia fazer. – Ele respondeu, pensativo, fitando a esmo a janela.
  Suspirei, curiosa e cansada de tantos pensamentos escondidos. No que tanto pensava? Em mim? No que havia acontecido? No que estava acontecendo? Ou em tudo? Ele devia estar lutando contra a vontade de gritar comigo e quebrar tudo em tom de protesto, e isso explicaria a expressão fechada e os punhos cerrados. Devia estar lutando muito e eu me sentia culpada. O observei em silêncio, da mesma forma, até que a campainha tocou. Entreolhamo-nos, sem entender, e após um longo suspiro levantei para abrir a porta. Quando abri, dei de cara com Matthew, um garoto da escola que foi no hospital uma par de vezes me visitar. Estava parado na porta da frente tremendo de frio com um buquê barato de flores nas mãos. Arqueei as sobrancelhas, sem entender como ele tinha chego ali.
  - Er... . - Ele gaguejou, sorrindo para mim.
  - Oi Matthew. – Respondi surpresa com sua presença ali. – O que faz aqui?
  Tradução: Como ele sabia onde eu morava?
  - E-eu fiquei sabendo que você tinha sido liberada do hospital. – Ele falou, ainda tremendo de frio. – E eu quis vir te ver...
  - É melhor você entrar, Matthew. – Sugeri e abri espaço para ele passar, fechando a porta depois.
  Pelo canto do olho pude ver que continuava no sofá, olhando torto para o garoto tilintando no hall de entrada. Quase sorri comigo mesma na mesma hora.
  - Ahn... Então, eu vim ver como você estava. Se você está tendo resultados com a fisioterapia. – Ele sorriu e esticou as flores. Olhei para o gelo despontando das pétalas e fiquei receosa em aceitar, mas peguei de qualquer forma. Só faltavam as flores se esfarelarem quando eu segurei, mas não disse nada. Pelo jeito, para o garoto eu era como uma estátua viva de Afrodite.
  - Obrigada, Matthew. Eu estou bem melhor. – Sorri, sem graça.
  - É, obrigado Matthew. Agora você pode ir. – A voz de ecoou assim que ele levantou do sofá e veio até nós tentando criar uma pose intimidadora, parando atrás de mim. Ergui a sobrancelha para ele, sério mesmo?
  O garoto o olhou de baixo para cima e se encolheu alguns centímetros, em dúvida se devia ir mesmo ou ficar. Mas pareceu retomar coragem e virou de volta para mim.
  - Na verdade, eu vim também pra te perguntar se você não quer ir à uma festa de Ano Novo que vai ter amanhã... – Ele falou ignorando a presença de , que parecia soltar fogo pelas ventas de raiva.
  - Ah é? – Perguntei, surpresa com o convite e me divertindo com a reação de . Antes do acidente eu nunca tinha nem falado com esse garoto e agora ele parecia brotar em todos os lugares. E agora estava me chamando para uma festa de Ano Novo? Aquilo era engraçado. Engraçado de uma forma assustadora.
  - Aham, acho que vai ser bem legal. É um pouco longe daqui, mas vale super a pena. É um lugar muito bonito. – Ele murmurou e eu mordi o lábio, pensativa. Se eu aceitasse, talvez conseguisse fazer ficar com ciúmes. Aquilo seria um ponto positivo para mim. E mesmo se ele não fizesse nada, pelo menos eu não passaria meu Ano Novo sozinha, certo?
  - Tudo bem, eu vou com você. – Sorri para Matthew, me sentindo bem confiante. E sem acreditar que eu estava mesmo fazendo aquilo.
  Pelo menos o garoto era bonitinho.
  - Vai? – Ele arregalou os olhos, sem acreditar que eu tinha aceitado.
  - VAI? – fez o mesmo, mais confuso do que o próprio garoto.
  - Sim, . Eu vou. Algum problema? – Me virei para ele com uma expressão intimidadora, querendo uma resposta que eu não sabia se ia conseguir. Ele me olhou nos olhos por alguns instantes e eu sustentei o olhar, querendo parecer durona. Mas a verdade é que eu não conseguia parar de pensar a mesma coisa. Vai garoto, diz alguma coisa. Me impeça de passar o Ano Novo com essa porta ambulante. Diz que você não quer porque você quer que eu esteja com você. Por favor, diga alguma coisa.
  Ele soltou uma lufada de ar e eu e Matthew esperamos sua resposta.
  - Não, . Problema nenhum. Divirta-se. – Ele murmurou, e dando as costas para nós dois, voltou para o sofá.
  Eu e Matthew nos encaramos por um momento, sem saber o que dizer sobre a resposta de . Acho que ambos esperávamos por algo diferente. Principalmente eu, que queria que aquele momento fosse decisivo para a decisão que eu tinha tomado de ir para Vermont. Mas parecia que eu teria que começar o ano com esperanças despedaçadas e a sombra do garoto parado na minha frente.
  Matthew assoviou, surpreso.
  - Ahn, então... A gente se vê amanhã. – Ele disse enfiando as mãos nos bolsos, sem jeito.
  - Eu te ligo, ok? – Respondi na hora abrindo a porta.
  - Mas você nem tem meu número. – Ele insistiu.
  - Eu dou um jeito. – Sorri amarelo e o coloquei para fora, batendo a porta atrás de mim.
  Porra, !
  Joguei as flores na mesa do hall e pisoteei até a cozinha, gritando xingamentos em minha cabeça.

  30 de Dezembro, sexta-feira. 14:25. – Casa da .

  - É O QUÊ? – gritou pelo telefone com . – NÃO ACREDITO! – Ela bateu o pé e e olharam assustadas para ela da onde estavam jogadas na cama. – Tá, tudo bem. Vou falar com elas! – Desligou o telefone e olhou para elas. – Acabei de falar com o .
  - Ah, você jura. – falou sarcasticamente.
  - Ele disse que o tal de Matthew foi lá na casa da com um buquê de dois dólares, chamou ela pra essa festa de Ano Novo imaginária, e ELA ACEITOU! – Ela berrou no final fazendo o seu gato Siamês de estimação se assustar e sair correndo do quarto.
  - Ela aceitou?! – pulou da cama. – Mas e o ?! Ele estava lá, não estava? – Ela perguntou, aterrorizada.
  - Estava! Disse que ele ficou puto da cara, mas não falou nada! – respondeu erguendo os braços fazendo a maior cena.
  - Filho da puta. – murmurou. – Vamos ter que partir para o plano C, gente. – Ela suspirou pousando a mão na sua têmpora, pensando. – Liga para o . Temos que fazer esse plano funcionar até amanhã. Se não fode a porra toda. – Ela falou levantando da cama depois.
  - Ai meu Deus, a está me ligando! O que eu faço?! – berrou olhando para o iPhone vibrando em sua mão.
  - Atende! Vai! – As duas gritaram enquanto corria ligar para no outro quarto.

  31 de Dezembro, sábado. 17:52. – Casa de .

   não estranhou quando os amigos ligaram para avisar que estavam indo para a casa dele naquela tarde. Toda véspera de Ano Novo eles se juntavam para ir a uma festa comemorar juntos, sem presença de pais e parentes enchendo o saco. Esse era o combinado desde os catorze anos, quando perceberam que eram amigos e grandes o suficiente para fazerem as coisas sem o acompanhamento parental. Mas dessa vez o que os levou ali era outro motivo, e ele nem mesmo desconfiou.
  - E ai, dude? Já decidiu o que vai fazer sobre seus pais? – perguntou entrando na casa dele e indo direto para geladeira. – Vai continuar aqui?
  - Não, estou pensando em aceitar sua proposta. – suspirou.
  Não dava para continuar naquela casa. Apesar de não gostar da ideia de se desfazer dos luxos que seus pais lhe davam, ele tinha que seguir em frente se quisesse fazer o que gostava, porque se continuasse ali, tudo o que receberia eram palavras maldosas jogadas em sua cara sobre como ele vivia do dinheiro deles e que nunca seria músico se dependesse deles. Sua mãe podia até ser uma boa mãe, mas seu pai não tornava as coisas fáceis, e isso a colocava em uma posição difícil. Ela sempre acabava concordando, e era sempre o vilão.
  - Seja o que for, estamos com você. – acrescentou. agradeceu, mas acabou mudando de ideia quando tirou uma torta inteira da geladeira e colocou na bancada de pedra. Como poderia dividir a geladeira como alguém daquele modelo?
  - Mas vamos relaxar que é Ano Novo e isso significa vida nova! – alegrou o ambiente e abriu os armários para pegar pratos e garfos como se fosse de casa.
  - Cara! – se manifestou com um pedaço de torta na boca, sem nem esperar pelo seu prato. – Vocês estão sabendo da , né? – Ele exclamou, enquanto mastigava como se estivesse surpreso com a notícia.
  O plano estava em ação.
  - O que tem a ? – perguntou com a sobrancelha erguida, tentando disfarçar a onda de ciúmes tomando conta dele e a raiva de saber que ela estava indo para longe e não havia nada que ele pudesse fazer para mudar isso. Mesmo que os guys fossem os melhores amigos dela, para ele era como se fosse sua propriedade e ninguém podia chegar perto ou falar dela sem a permissão dele. Não era ciúmes de uma forma possessiva. Ele achava. Só queria protege-la. Como se só ele tivesse bastado para fazê-la sofrer, e ninguém mais tinha esse direito. Era sua melhor amiga, era esse o dever dele. Pelo menos até o dia primeiro de janeiro, quando ela fosse embora e o deixasse para trás.
  - me contou que ela vai pra uma festa de Ano Novo com o tal de Matthew. – Ele comentou e os outros dois concordaram.
  - É, eu sei. Aquele idiota foi na casa dela quando eu estava por lá. – Ele resmungou com a cara fechada, e os garotos tiveram que se segurar para não rir, principalmente que se recordava da cena em seu carro.
  - E você não vai fazer nada sobre isso? – perguntou como quem não queria nada. Ficou espetando seu pedaço de torta e evitando contato visual com , com medo de ele perceber o que eles estavam aprontando.
  - É, a é a única que não vai passar o Ano Novo com a gente. E é o último dia dela aqui em Nova York! Até a chata da vai! – argumentou e deu uma olhadinha de lado para , que se mexeu desconfortável no banco onde estava sentado, pigarreando alto. estava se divertindo muito com tudo aquilo.
  - Se ela quiser mudar de planos, que mude. – deu de ombros. – Não tenho nada a ver com isso.
  - Corta essa, . – apontou o garfo para a cara de . – A gente já percebeu que quando você fala que não tá nem ai é uma mentira deslavada. E nem adianta dizer que não está com raiva que ela vai passar a virada com outro cara porque você está.
   rolou os olhos, cansado do estilo menininha dos guys. Por que eles tinham que passar tanto tempo falando da vida alheia igual um bando de garotas? Por que tinham que meter o nariz na história de com ? Porra, que deixassem eles em paz. As coisas já eram complicadas demais sem eles dando opiniões que não eram pedidas.
  - E o que vocês querem que eu faça? – Ele bateu a mão na bancada. – Não posso impedir ela de fazer o que ela quer. Ela é cabeça dura demais para isso.
  - Não, ! É você que não vê o que está na sua cara! A faria qualquer coisa que você pedisse! – rebateu.
  - Isso quer dizer que eu tenho que pedir para ela não sair com o cara porque eu quero que ela passe o Ano Novo com a gente? – Ele resmungou.
  - Sim! – Os três responderam em uníssono, como um coral ensaiado.
  - Até parece que ela faria isso. – Grunhiu. era a pessoa mais cabeça dura que ele conhecia, nunca mudaria de planos por ele.
  - O raciocínio é simples, . Exponha sua opinião e seus sentimentos, e tudo vai ficar mais simples e claro para ela. – pontuou de boca cheia e os outros dois concordaram com a cabeça.
  - E por que eu deveria fazer isso? – Indagou com o nariz torto.
  - Porque você é o homem! – rosnou para ele. – A não vai falar o que ela sente para uma pedra ambulante igual a você! – Ele cruzou os braços, cansado do quão tapado era. – A gente devia ter trazido apoio feminino, o é chucro demais para entender a situação... – Suspirou.
  - Do que vocês estão falando? – Ele perguntou, ficando perdido na conversa. Eles não estavam falando da festa de Ano Novo?
  - . – respirou fundo, tentando concentrar o rumo da conversa em um ponto só. – Você gosta quando a sai com outros caras? – Fez a primeira pergunta.
  - Não. – Rolou os olhos.
  - E ela gosta das garotas que você namora? – Perguntou de novo.
  - Até parece. Vocês sabem o quanto ela odeia todas. - Ele cruzou os braços, ficando incomodado com o nível de intromissão daquelas perguntas. Eram pessoais demais, e só diziam respeito a ele e a .
  - E por que você acha que ela as odeia tanto? – palpitou.
  - Pelo mesmo motivo que eu não gosto dos caras que ela sai. Nenhum é bom o bastante para ela. – Resmungou, se lembrando de todos os brutamontes com quem já tinha namorado. O que ela via neles?
  - Ah sim... Então quem seria bom o bastante para ela? Você? – arqueou as sobrancelhas.
  - Sim! – respondeu na mesma hora, mas ai percebeu a besteira que tinha feito. – Quero dizer, não. Mas... alguém, tipo... Alguém que eu aprovasse. – Tossiu.
  - Como se você fosse aprovar alguém. – bufou.
  - Afinal onde vocês estão querendo chegar? Não estávamos falando da festa de Ano Novo? – Perguntou confuso.
  - A festa é só um mísero detalhe. – rolou os olhos. – Estamos querendo falar sobre o que está rolando entre você e a e o que isso acarretou. – Falou de uma vez.
  - Por que querem saber de um assunto que não é da conta de vocês? – Ele soltou, soando mais grosso do que deveria. Mas quem sabe assim eles não paravam de futucar ferida aberta? – E o que isso acarretou? – Perguntou querendo saber mais sobre o que aquilo queria dizer.
  - A só vai para Vermont por sua causa, idiota. – cuspiu as palavras. – Só você não percebeu isso. – E junto com sua frase, um bloco de concreto caiu sobre a cabeça do , fazendo-o perder consciência de tudo o que acreditava e ver estrelas onde deveria estar o teto.
  - . – chamou sua atenção de novo, ignorando . – Quando é que você vai perceber que você está apaixonado pela , só que não sabe disso ainda? – Perguntou. – Não, sério. – Se ajeitou em seu banco, deixando o prato com a sobremesa de lado. – Me diz, qual é a primeira pessoa em quem você pensa quando acorda? Com quem você troca mensagens e manda fotos idiotas o dia todo? Qual é a pessoa que faria você brigar com a sua família inteira e seus amigos sem nem pensar duas vezes? A única pessoa que pode mexer no seu cabelo não é a mesma pessoa que consegue lidar com seus pais quando você se encrenca com eles? – Continuou. – As músicas que você escreve... A maioria é sobre uma só garota, não é? – abriu a boca, sem saber o que falar, mas procurando uma resposta para calar , mas o mesmo ergueu o dedo para impedi-lo. – Não precisa responder, porque você sabe que só uma pessoa veio na sua cabeça em todas essas perguntas. , você ama a . E não é como melhor amigo. Você não trata mais ela como amiga porque você sabe que não consegue mais vê-la só como amiga. Você sabe que existe mais do que uma faísca entre vocês, vocês são magneticamente atraídos um pelo outro, é óbvio! Esses últimos meses que você a fez sofrer se afastando dela, é porque você percebeu que as coisas estavam indo longe demais e se assustou. Preferiu afastá-la a admitir que queria algo a mais. Eu estou errado?
  - , essa conversa tá indo longe demais e eu... – tentou evitar todas as palavras que saíam da boca de e entupiam seus ouvidos. Tudo aquilo era pesado e repentino demais para ele compreender em uma tarde só. Ainda estava trabalhando nos seus sentimentos em relação à , descobrindo-os pouco a pouco conforme ela ficava melhor quando ela decidiu ir embora e se afastar dele. Estava magoado, com raiva e confuso sobre tudo. E agora os garotos vinham com tudo aquilo para cima dele? Era loucura! Sim, ele podia amá-la mais do que achava que amava, ou tudo aquilo podia ser um bando de besteiras inventadas e misturadas por três falsos cupidos, e que só confundiriam mais ainda sua cabeça. Havia uma grande diferença entre realidade e peças pregadas pelo coração, e conclusões mal resolvidas podiam causar mais danos do que se não tivessem sido tiradas.
  - Se você que é a criatura mais tapada da face da terra se sente assim, como você imagina que uma garota como a fica quando pensa nisso tudo? – continuou.
  Antes que pudesse responder, a campainha tocou, avisando que alguém estava na porta. Olhou confuso para os garotos, imaginando se eles tinham trago mais alguém para aquela “intervenção”. olhou para , que olhou para que olhou para . Acabaram por negar com a cabeça, e sem saber quem poderia, ele levantou para ir atender a porta, agradecendo quem quer que fosse por interromper aquele momento perturbador.

  31 de Dezembro, sábado. 18:15. – Casa de .

  Quando a abriu, duas garotas se revelaram.
  - Olá zinho, viemos para a intervenção. – sorriu para ele e entrou na casa sem mais nem menos.
  - Espero que funcione porque essas botas estão matando os meus pés e meu cérebro está quase entrando em standby. – resmungou entrando em seguida, deixando sem ação, a não ser fechar a porta e segui-las, frustrado por ter deixado mais duas malucas entrarem no grupo “Todos Contra ”.
  - Oi meninos! – cantarolou entrando na sozinha e se postando entre e . cutucou de lado e levou uma cotovelada nas costelas, fazendo o coitado perder o ar. Ainda conseguiu rir, sem conseguir se conter com todos aqueles segredinhos que estavam rolando.
  - Certo, como estamos? – perguntou estalando um beijo na bochecha de e se apoiando sobre ele. entrou por último, suspirando. Por que ainda estava ali para ouvir aquilo tudo? Poderia estar dormindo antes da festa de Ano Novo, onde provavelmente tomaria todas e mais um pouco.
  - Tá, vamos direito ao ponto. – bateu na bancada com firmeza. – Você ama a e ela é doidinha por você, só que você é tipo uma pedra ambulante, e não percebeu isso antes. – Explicou como se fosse um cálculo do nível 2 + 2 = 4. – Além disso, vocês são um casal tanto quanto o e a . Só que não rola a parte física! – Ele falou e soltou um sorriso, como se estivesse contente com sua conclusão.
   e ergueram as sobrancelhas, assustadas com o nível da conversa, mas concordaram no final. Era exatamente esse o rumo que elas queriam.
  - E não vem com história de que você precisa de tempo porque isso é coisa de veadinho. Você precisa agir agora, porque daqui a pouco ela vai acabar desistindo de te esperar, e vai decidir ficar com outro cara, e você vai ficar pastando. – complementou enfiando um pedaço de torta na boca.
  - Vocês piraram. – Foi o que conseguiu falar. – Completamente fora de órbita. Todos vocês. – Enfiou os dedos no meio dos cabelos desgrenhados, tentando disfarçar o quanto suas mãos tremiam. Eles replicaram ofendidos, erguendo o tom de voz todos ao mesmo tempo.
  - , olha pra mim. – chamou sua atenção. Todos pararam de falar e olharam para ela. - Você ficou com medo de perder a ... Nesse tempo? – Ela questionou, pisando aos poucos em um solo que considerava instável.
  Mas que pergunta idiota. É claro que ele ficou com medo de perdê-la. Vê-la morrer seria sua própria morte. Não só pelo fato de que ele era o culpado de tudo, mas também porque completava mais da metade da sua vida, e se imaginar sem ela já era dolorosamente suficiente. Mas viver sem ela, era insuportável.
  - É claro que sim. – Afirmou.
  - Então por favor, tente imaginar como é para ela se sentir assim a cada dia da vida dela desde que ela te conheceu. Imagine como é para ela, esse medo de você se afastar, trocá-la por outra, e deixar ela de lado. Não é ciúmes possessivo, veja bem. É amor. Você não tem ideia do quanto aquela garota te quer bem. Todos os dias ela reserva em sua própria cabeça um tempo para pensar e se preocupar com você. Todos os dias, ela decide ignorar a dor que ela sente de se manter muda ao seu lado, só para estar do seu lado. Se naquele dia vocês brigaram, foi porque ela estava cansada de você tratando ela como um galão de leite vencido. Ela estava com medo de te perder, . Sentindo você escorregando por entre os dedos dela sem que ela pudesse fazer nada. Consegue reconhecer esse sentimento?
  - Tudo isso porque você achou que se afastando dela poderia ignorar seus próprios sentimentos, não é mesmo? – continuou.
  - Eu... Eu preciso de um tempo pra pensar. – Ele gaguejou, assustado com aquela conclusão que ele não conseguiria confirmar jamais em voz alta.
  - VOCÊ NÃO TEM ESSE TEMPO! É ATÉ MEIA-NOITE OU JÁ ERA! – berrou desesperado. Ele não aguentava mais aquela tortura, e não tinha ideia de como ainda não tinha acordado para a realidade. Estava se segurando para não enfiar a cabeça do amigo dentro de um balde para extravasar seu nervosismo. – Será que dá pra você ver que vocês foram feitos um pro outro logo, caralho? Eu quero ir logo para a festa de Ano Novo! E eu quero que a esteja lá na virada, e eu quero ver ela também todos os dias desse ano ao invés de só no verão quando ela voltar daquele polo norte americano chamado Vermont totalmente diferente de quem ela é agora! – berrou.
  - Eu só preciso de algumas horas. Eu... Eu aviso vocês sobre a minha decisão. – murmurou consternado, sem ter absorvido os gritos de . E antes que algum deles pudesse falar mais alguma coisa, ele deu as costas e saiu da cozinha indo até o seu quarto, onde se trancou pelo resto da tarde.

  31 de Dezembro, sábado. 18:19. – Casa da .

  Uma dezena de fotos, que antes ocupava orgulhosamente e cuidadosamente um álbum cheio de memórias e lembranças boas ao longo dos anos, agora encontrava o seu fim. Despedaçados, rasgados e destruídos, os pedaços jogados cobriam o lençol bagunçado, e cada um deles ainda tentava exprimir o mínimo de fosse de uma felicidade que agora era difícil de encontrar, cobertos de lágrimas, e de uma dor que se concluíra como eterna. Do outro lado, a causadora, o mártir de tudo aquilo, encolhia-se em uma poltrona no canto do quarto, fitando a esmo a neve fina caindo do outro lado da janela. O vazio tornara-se o seu conforto. Não passou muito tempo e a porta do quarto se abriu.
  - , que horas o Matthew vem te buscar? – Sua mãe que tinha retornado há pouco, perguntava em busca de informações que a filha não emitia.
  - Hum... Acho que as sete. – Murmurou, tentando esconder a voz trêmula e os olhos inchados de tanto tempo de um choro interminável, acumulado por tantos motivos.
  - Mas tão cedo? Aonde é essa festa que ele vai te levar? Eu preciso de um endereço em caso de emergências! – A Sra. falou exasperada, pensando logo no pior. Sua filha era preciosa demais para perdê-la mais uma vez, precisava de segurança.
  - Eu deixo anotado para você. O lugar é meio longe, mais ou menos uma hora e meia daqui eu acho, por isso vamos mais cedo... Vai ter trânsito. – Ela continuou, tentando evitar o olhar esperto da mãe porque sabia que se ela visse não hesitaria em proibi-la de sair de casa naquele estado. E ela precisava ser forte, precisava enfrentar os demônios que a cercavam e recomeçar como tinha planejado. Para que nada fosse em vão.
  - Tudo bem, não se esqueça de ligar quando chegar lá. – Ela falou mais tranquila. – Você devia ir logo se arrumar, são quase sete horas. – E antes que fechasse a porta e fosse capaz de respirar tranquilamente, tentando buscar dentro de si um fio de vontade para se levantar e conseguir sorrir para o garoto quando fosse a buscar, sua mãe olhou para o lado da cama e soltou um suspiro. – Essas fotos eram bonitas demais para serem destruídas dessa forma. Assim como você, querida. – Sua voz soou tão doce quando um donut. Doía em ver sua mãe sofrer.
  - Não vejo no que a beleza me ajudou. – A garota falou amargamente, só pensando em como seu coração estava aos frangalhos. Nada do que ela tinha de bom tinha sido o suficiente para poupar a si mesma daquilo. E nada do que ela tivesse de ruim seria bom o bastante para salvá-la.
  - Não estou falando de aparências. Estou falando de tudo o que vocês representam. – A mãe disse e depois de uma longa pausa, quase eterna, voltou a falar. – Se não quiser não ir, não vá. Todos já estamos com arrependimentos o suficiente, não acha? – ergueu os olhos para ela, buscando entender o que ela queria dizer com aquilo, mas a porta já tinha sido fechada.

  31 de Dezembro, sábado. 19:10. – Casa de .

  Deitado em sua cama com um travesseiro jogado sobre a cabeça, parou de verdade para pensar, agora sozinho e sem a influência dos amigos. A maioria das coisas o fazia se distanciar do mundo, mas era quem mantinha seus pés no chão. Não haveria futuro para ele enquanto não resolvesse seus sentimentos, só borrões do passado se acumulando e danificando tudo o que achou que estava certo, como por exemplo, sua relação com ela. Talvez eles estivessem com razão. Afinal, nada o fazia mais feliz do que ver o sorriso dela pela manhã, nada o dava mais coragem do que um simples “eu confio em você” que ela soltava antes de todo show. Nada o deixava mais arrependido do que ver lágrimas nos olhos dela e nada o deixava mais vivo por dentro do que ela.
  O que tudo aquilo significava?
  Receber aquela enxurrada de informações de uma só vez o fez perder a linha de pensamento e ficar confuso. Como ele poderia olhar para ela agora depois daquilo tudo? Sua melhor amiga estava apaixonada por ele e ele fora cego o suficiente para nunca notar. Cego também para não perceber o quanto ela sofria por causa disso. Logo ela, que sempre se mostrara à prova de balas. Tinha um coração fundido feito uma cidade de aço, ela era feita de aço, como alguns costumavam dizer. Ou talvez feita de idiota por um garoto estúpido e egoísta, que no fim não a respeitava como ela merecia. Ela poderia ter tido tudo, toda a felicidade do mundo com outra pessoa e ele a impediu só por existir, só por querer mantê-la como uma propriedade. E ali estava ela, toda sua, tentando seu melhor para dá-lo tudo o que ela podia. Como ele pôde machucá-la?
  Melhores amigos.
  Como ele poderia olhar para ela?
  Enterrou o rosto nas mãos e respirou fundo até sentir que seu coração tinha desacelerado. Tentou pensar na garota de todas as formas imagináveis. Tinha que figura-la como pessoa, não como sua melhor amiga. Recordou-se das memórias de quando eram crianças. era uma menina irritante, porém engraçada, e atraía muita atenção. Recordou-se do primeiro garoto de quem ela gostou no jardim e no primeiro garoto que ela beijou. Aquilo definitivamente o incomodou. Será que ela já gostava dele desde aquela época?
  Tente imaginar como é para ela se sentir assim a cada dia da vida dela desde que ela te conheceu.
  Em sua cabeça ele tirou a infância do foco e buscou imagens de uma garotinha adorável deixando as roupas de bichinhos e se tornando uma adolescente. De repente os hormônios tinham tomado conta da atmosfera do grupo de amigos, e suas mentes e seus corpos começaram a mudar. De uma hora para outra ela usava sutiã, passava maquiagem, calçava saltos altos e tinha curvas. Mesmo com a morte do pai, ela não deixou de florescer e se tornar uma mulher. não negava se sentir fisicamente atraído pela garota com quem dividia a casa da árvore aos sete anos. Ela era linda, tinha um ímã dentro de si que logo arrastou todos os garotos do colégio para perto dela. Ele mais uma vez detestou isso.
  Você sabe que existe mais do que uma faísca entre vocês, vocês são magneticamente atraídos um pelo outro, é óbvio!
  E então ela tinha um namorado. Ela saía mais com ele do que com . Ela falava dele com um sorriso de orelha a orelha, e brincava sobre casamento. Ela trocava presentes em feriados com ele e tinha um álbum de recordações com a capa coberta de corações. A namorada de poderia fazer isso, mas ele não queria, não com ela. Mas o namorado terminou, e o coração dela se despedaçou. ficou tão furioso, gostaria de despedaça-lo da mesma forma. Ela era perfeita, quem terminaria com ela? Era a garota que ele gostaria de ter.
  Quando é que você vai perceber que você está apaixonado pela , só que não sabe disso ainda?
  Rapidamente ele tirou o celular do bolso e por impulso discou o número dela o mais rápido que pôde, sendo apenas impedido pelas mãos tremendo de nervosismo. Precisava ligar e falar. Precisava impedi-la de ir embora da sua vida quando de repente havia tanto para dizer. Enquanto para uns, amá-la sempre fora óbvio e fácil, para ele era uma nova descoberta, que precisava ser estudada cuidadosamente conforme o tempo passasse. O telefone chamava, e ele sentia o coração acelerar e quase sair pela boca. O que diria para ela quando ouvisse sua voz? Gritaria tudo de uma vez e esperaria uma resposta ou seria cauteloso? De repente soube como ela se sentia, sem saber o que falar e o que fazer com a presença alheia. Jesus! Como aquilo tudo era novo para ele. Desconfortável. Intimidador. Perturbador. Depois da sexta chamada, ouviu a voz animada da garota do outro lado da linha.
  “Alô?!”. Ela falava.
  - ? Onde você está? Eu... Eu preciso falar com você. É urgente e – Ele começou a cuspir as palavras quando foi interrompido.
  “Brincadeirinha! No momento eu estou ocupada demais para atender ao telefone. Por favor, deixe seu recado após o sinal e vou responder quando puder!”.
  E o sinal foi ouvido, deixando-o sem nada além de uma caixa postal que ela poderia não ouvir até o dia seguinte. Tarde demais. Grunhiu alto e jogou o celular longe, afundando o rosto no travesseiro mais uma vez, sem conseguir acreditar que tinha a deixado escapar por entre os seus dedos quando poderia ter feito a coisa certa. Poderia ter impedido que suas vidas fossem drasticamente separadas. Mas demorou demais para perceber o que importava de verdade em sua vida.
  Então a porta do seu quarto se abriu com um estrondo e fez o momento mais importante de todos se esvair em uma nuvem.
  - querido, você não vai se arrumar para a festa dos meninos?! – A mãe dele falou apressada e com o tom de voz alto, daquele jeito que faz qualquer filho ficar irritado. tirou o travesseiro do rosto respirando fundo e derramou seu olhar para ela, fazendo-a notar que aquela era uma hora errada. Mas mãe é mãe, e assim que viu aquilo, ela não iria embora. – Aconteceu alguma coisa, Sr. ?
  Ele suspirou e se sentou na cama, cabisbaixo.
  - Mãe? O que você... Acha da ? – Ele perguntou, mesmo não sabendo o motivo de querer envolver sua mãe na história. Envolver pais em qualquer coisa é loucura, mas parecia para ele que a opinião da sua mãe era mais inteligente do que a do bando de um bando de adolescentes narcóticos. A Sra. o olhou, desconfiada, e depois de fechar a porta, andou até ele e sentou-se na cama de frente para o filho único.
  - Eu acho a uma garota maravilhosa, . – Suspirou com aquele ar maternal que intoxica os poros de qualquer pai invejoso.
  - Sim. Mas... Eu quero dizer, como pessoa. – Ele murmurou, enrolando, sem saber aonde queria chegar.
  - Não tenho nada para reclamar da , . Ela é um dos melhores seres humanos que eu já tive o prazer de conhecer. Em todos os quesitos, ela se supera. A não ser o fato de que ela não gosta do meu quiche, isso me magoa. – Ela disse sorrindo de brincadeira. permaneceu com a expressão séria e ela se preocupou. – Por que a pergunta? Aconteceu alguma coisa?
  - A vai para Vermont amanhã passar seis meses com a tia, enquanto se recupera. – Ele suspirou engrenhando os dedos no meio dos cabelos. – E eu sei que ela não vai ficar a não ser que eu faça alguma coisa sobre isso. – Estava desolado, confuso e magoado. Qualquer um que o visse do outro lado da sua poderia notar, e para uma mãe o estado era de emergência.
  - Então faça, garoto! – Ela falou exaltada, tentando conter o choque que sentia sobre a notícia.
  - A não ser que eu faça realmente algo sobre isso. – Ele se corrigiu, e não foi difícil para ela entender do que aquilo se tratava. Mesmo observando de longe a mãe de sabia do que ocorria com os amigos dele. Por exemplo, além do agora, só ela sabia do e da porque um dia os flagrou se agarrando no armário de mantimentos da cozinha da casa. Ela sabia como as coisas eram entre seu filho e a garota dos . Ela sabia que tudo era muito complicado, mas ela sempre estava na torcida, discretamente, porque sempre quisera para nora e estava desconfiada de que aquela hora tinha chegado. pronunciar a frase daquele jeito não a confundiu. Ela sabia que ele precisaria se esforçar mais para fazer ficar.
  - E o que você pensa sobre isso? – Ela perguntou com outro suspiro. – Você quer fazer algo ou quer deixa-la ir?
  - Eu não quero que ela vá. Mas eu não sei se estou pronto para fazer algo e me arriscar a cometer um erro. – Cobriu o rosto com as mãos, desesperado por uma solução que não cairia do céu.
  - São duas opções, filho. Você só precisa pensar em como as coisas vão ser depois que você escolher uma delas. – Para era covardia fazer aquela escolha. Era como pensar em uma opção com e outra opção sem . Ele sabia qual um ser humano normal escolheria. – Você acha que vai ser mais feliz se ficar longe dela ou se enfrentar seu medo de se arriscar e fazê-la ficar? – A Sra. mostrava compostura, porém por dentro ela desejava gritar o mais alto que pudesse que ou ia atrás da garota da sua vida ou ele ficaria de castigo para sempre. Na verdade ela estava pensando até em tortura-lo com um ferro quente se ele deixasse a nora da vida dela ir embora. Mas ela tinha lido livros sobre filhos, e precisava fazê-lo pensar antes de partir para a violência verbal. Adolescente era um bicho estranho, e era assim que eles aprendiam a amadurecer e tomar as melhores decisões. Da mesma forma ela pensava sobre a vontade de de sair de casa. Ela nunca desejaria que aquilo pudesse acontecer, mas se era a opção que o faria se tornar uma pessoa melhor, ela aprenderia a lidar com sua própria dor para dar espaço para a felicidade do filho. Naquele momento, ela assistiu a guerra interna que se conflitava na cabeça dele, assistiu a dor que tomava conta do coração e prejudicava a razão. Mas ela sabia, como mãe daquele garoto, que ele encontraria a resposta certa. – Pensa nisso, . Não é tão difícil achar a solução. – Ela piscou para ele deixando claro qual era sua opinião e se levantou da cama, indo para a porta.
  Assim que ela saiu, ele confirmou o que suspeitava. Mães definitivamente sabiam de tudo. A resposta era realmente óbvia ao seu olhar e só a sua mãe tinha sido capaz de fazê-la se tornar clara como cristal para ele enxergar. buscou o celular no meio das coisas espalhadas, se sentindo desesperado. Precisava de mais tempo, precisava falar com ela antes que ela fosse embora. Discou mais uma vez, e xingou quando a ligação caiu na caixa postal mais uma vez. Dessa vez, faria proveito dela.
  - Hum... Oi . Eu não sei onde você está agora, e não sei se vou conseguir te encontrar antes que o dia acabe, então eu preciso que você me ouça antes que faça qualquer coisa. – Ele falou com o tom de voz baixo, porém urgente. Respirou fundo antes de continuar, e quando continuou, percebeu que poderia falar para sempre, confessando tudo o que antes não teria coragem de confessar. – Eu cometi um erro em te deixar ir. Em te deixar ir essa noite, e em te deixar ir pelos próximos seis meses. Eu sou um idiota e eu não quis admitir o quanto eu preciso de você na minha vida. Deus... – Ele não pode deixar de dar uma risada amarga, apreciando o quanto estava condenado. – Você é a minha vida! Você é a minha melhor amiga, e por mais que isso seja ótimo, a nossa amizade foi a culpada por eu não ter perceber que ao invés de te afastar, eu deveria abrir meus olhos e ver que eu estava correndo do que eu sinto por você. , eu estou completamente –
  E com um apito, o tempo da mensagem se esgotou.

  31 de Dezembro, sábado. 22:32. – Carro.

  - Sabe . – começou. – Eu estou muito contente que você tomou a decisão certa e estamos todos indo juntos com você atrás do amor da sua vida, mas... POR QUE VOCÊ NÃO DECIDIU ISSO ALGUMAS HORAS ATRÁS QUANDO NÃO EXISTIA UM CONGESTIONAMENTO DE TRINTA QUILÔMETROS NA NOSSA FRENTE? – Ela berrou do banco do motorista do seu próprio carro depois de desistir de acelerar e frear a cada meio metro, sabendo que aquela fila imensa de carros não sairia do lugar tão cedo.
  - querida, se você está tão incomodada com o trânsito, por que quis TANTO vir no seu carro? – reclamou da onde estava, apertada entre e o colo de . – Pelo menos no meu carro tinha espaço para todas as bundas no banco de trás! – Ela berrou de volta, não aguentando mais estar espremida entre três garotos que pareciam mais três cavalos de tão grandes.
  - Porque como eu disse, tenho planos depois de deixar vocês lá! – Ela bufou acelerando de novo quando a fila andou meio metro.
  - Afinal, que planos são esses? – perguntou curioso.
  - Não te interessa! – Ela gritou, focando os olhos na estrada. Pelo canto do olho, que estava no banco da carona pôde notar o rosto dela corando aos poucos. Achou engraçado, mas se manteve calado, pensando no que falaria assim que encontrasse aonde quer que ela estivesse.
  - Falta quanto tempo? – perguntou pela sétima vez desde que eles tinham virado a esquina da casa de depois da ligação desesperada dele para , tentando descobrir onde estava. Todos tinham o endereço, fornecido secretamente pela Sra. , mas ninguém quis entregar e assistir ele ir sozinho naquele estado psicológico de pânico e desespero para 120 quilômetros dali. Decidiram que iriam juntos.
  - EU JÁ FALEI QUE EU NÃO SEI! COM ESSE TRÂNSITO PODEMOS CHEGAR LÁ SÓ ANO QUE VEM! – escancarou a garganta, chegando ao seu limite de vontade de atear fogo em todos naquele carro e ir embora. Todos os seus planos secretos de passar a virada do ano com tinham sido arruinados por aquele trânsito idiota que se estendia por quilômetros por um motivo desconhecido. Faltavam poucos quilômetros até o lugar onde seria a festa em que estava, mas se continuasse naquela velocidade, não conseguiria chegar a tempo.
  - Péssima piada, meu amor. – falou com senso de humor fingindo um sotaque britânico e alguns riram, e outros se encolheram ao imaginar a reação dela àquele tipo de comentário vindo logo do . Mas ao contrário do que pensaram, ela não respondeu, apenas deu um sorrisinho de lado.
  Como uma lâmpada se acende, a luz veio até .
  - Ahn, ... Depois que chegarmos lá, você também tem outros planos? – Perguntou sugestivamente, tentando descobrir o que estava importunando sua mente.
  - Eu? – engasgou na hora. – Eu... Ahn... Ta-talvez. Não sei ainda. – Falou em prestações, olhando nervosamente para os lados e torcendo as mãos no colo. Quando o olhar inquieto de se virou para trás, não apenas , mas que já sabia da verdade também, decidiram ambos liberar a verdade.
  - O E A ESTÃO SE PEGANDO! – Os dois gritaram tão alto que os outros carros na fila deviam ter ouvido também.
  Todos deram um pulo dentro do carro, e desatou a rir. e , que se consideravam os mais espertos dali, se perguntaram o que diabos estava falando, olhando para os lados e fazendo perguntas, desesperados por informações. ficou vermelho feito um tomate e começou a gaguejar, tentando negar o que já devia ser óbvio para todos há muito tempo. Depois de muita insistência dos amigos e da falta de argumentos dele, a história foi confirmada por uma decepcionada que estava com o rosto enterrado no volante. Enquanto toda a discussão acontecia, os pensamentos voltaram a atormentar . E se não desse tempo?
  Então ele teve uma ideia. Antes de qualquer um se dar conta, ele tinha pulado para fora do carro e corria o mais rápido que podia.

  31 de Dezembro, sábado. 22:52. – Festa de Ano Novo.

  Matthew me encarava, e eu tentava parecer uma companhia agradável ao mesmo passo que queria vomitar na cara dele e sair correndo para longe dali. Faltavam poucos minutos para meia-noite e eu me sentia mais vazia do que nunca naquela festa cheia de estranhos. Os parentes daquele garoto deviam pensar que eu era a namorada dele, e eu nem mesmo sabia o sobrenome dele. Ele me cercava com gentilezas e palavras suaves, mas eu não estava ali. Eu estava bem longe em Nova York.
  Não queria admitir, mas a ausência de me deixava sem chão. O que eu tinha feito comigo? Com ele, com nós? Eu tinha destruído tudo e agora ia embora para não ter que olhar para os escombros deixados. Tinha sido uma boa escolha, mas foi a mais dolorosa. Eu estava despedaçada, e gostaria que ele me consertasse. Mas eu nem mesmo dei a chance.
  - , você está ai ainda? – O garoto perguntou depois de dez minutos de monólogo enquanto eu encarava fixamente o lago congelado. Estávamos em um deck de madeira que tinha uma linda vista para o lago, e muitos da festa disputavam lugar ali.
  - Sim, Matthew. Eu só estou um pouco... Distraída. – Murmurei com um sorriso fraco.
  Eu sentia pena do garoto. Ele devia ter pensado em milhões de maneiras de como aquela noite seria, e eu estava arruinando tudo porque nem mesmo ouvia o que ele estava falando. Eu era uma péssima acompanhante e infelizmente eu sabia disso.
  - Eu perguntei o que estava achando da festa, e da música. – Ele repetiu, parecendo chateado com a minha ausência mental.
  Parei para olhar em volta e conclui que era uma festa muito bonita. As pessoas, todas vestidas de branco, tomavam champagne em taças e conversavam em um tom audível. A decoração toda de cristal e com luzes deixava o ambiente externo exótico e romântico. E a banda que eu jurava já ter visto em algum lugar em cima do palco baixo montado estava tocando uma versão acústica de Wonderwall.
  Existem tantas coisas que eu gostaria de te falar, mas não sei como.
  - Está tudo lindo. – Fui sincera pela primeira vez na noite.
  - Legal! Sabe, a gente podia ir junto para o baile de primavera esse ano. É o último ano mesmo e... – Ele começou a falar, mas mais uma vez eu já estava longe. Meus olhos se fixaram na decoração da festa e meus ouvidos captaram Wonderwall sendo bruscamente interrompida e um dos cantores xingando quem quer que estivesse ali.
  A pessoa pigarreou e com a respiração acelerada, soltou algumas palavras.
  – Boa noite a todos. – Respirou fundo. – Eu espero que estejam tendo um ótimo fim de ano e que estejam aproveitando esta festa incrível! – Uma risada nervosa foi dada, o que causou desconfiança nas pessoas que estavam prestando atenção. – Eu... Eu estou aqui para cantar essa música para uma pessoa muito especial para mim, e mesmo que eu tenha demorado tempo demais para falar isso, eu quero que ela saiba que eu não posso deixa-la partir, porque se ela for... A minha vida vai embora junto com ela. – Ela pigarreou de novo e começou a dedilhar o violão. – Meu nome é , a propósito.

  (N/A: Coloque She Is Love - Parachute para tocar).

  I’ve been beaten down
  I’ve been kicked around
  But she takes it all for me
  And I lost my faith in my darkest days
  But she makes me want to live.

  They call her love, love, love, love, love
  They call her love, love, love, love, love
  She is love
  And she is all I need
  She’s all I need.

  Antes eu não estava prestando atenção, mas ouvir sua voz surtiu o mesmo efeito do que levar um choque elétrico. Ergui os olhos desesperadamente em busca do palco, e meu coração pulou um batimento quando o viu parado ali com um violão em mãos cantando, e com os olhos bem pregados em mim.

  Well I had my ways, they were all in vain
  But she waited patiently.
  It was all the same, all my pride and shame
  But she put me on my feet.

  They call her love, love, love, love, love
  They call her love, love, love, love, love
  She is love
  And she is all I need

  She is love…
  And she is all I need.

  A música acabou e ainda estática em meu lugar, eu assisti ele largar o violão de lado e se aproximar do microfone. Olhou exatamente dentro dos meus olhos, acredito que sendo capaz de capturar qualquer sentimento que se transpassasse ali e me lançou um sorriso bobo.
  - Eu te amo, . Será que esse motivo é suficiente para fazer você ficar?

  31 de Dezembro, sábado. 22:57. – Festa de Ano Novo.

  Ele desceu do palco às pressas depois de largar o violão na mão de um vocalista furioso. Precisava saber. Tinha que saber o que ela estava pensando. Ele andava em direção à garota em passos apressados quando ela virou as costas e começou a andar para a beira do lago congelado, em um ponto mais distante da festa. Àquele ponto todos os observavam, alguns encantados com a cena romântica, outros confusos com a aparição repentina dele.
  - Desculpem pela interrupção, vamos continuar com essa festa! – O cantor chamou a atenção das pessoas de volta, e a maioria dos pares de olhos deixou de acompanhar , que agora corria desesperadamente atrás de . Ele apenas não entendia porque ela estava fugindo. Não apenas ele, mas também todos os outros amigos que assistiam a cena de longe após uma chegada discreta. Ele correu, sem ar suficiente para correr mais. Seus pulmões ardiam, sua cabeça latejava e os lábios se rachavam conforme rajadas de vento avançavam contra seu rosto. Fingiu não sentir nada disso, e continuou andando até ela.
  - ! , espera! – Ele gritou, desesperado, e ainda assim ela se apressava, indo cada vez para mais longe da iluminação da festa e para longe dele.
  Como aquilo tinha acontecido? Como ele tinha parado ali? De repente a presença de qualquer pessoa ao redor dela foi esquecida enquanto sua mente e seu coração lutavam um contra o outro, um em busca de uma explicação racional para ele estar ali e o outro gritando para ser arrebatado de vez. Mas ela estava magoada, estava se sentindo orgulhosa. Tinha que fugir. Matthew quando percebeu o que estava acontecendo se adiantou até , pronto para peitá-lo. – Sai da frente, porra! – Empurrando o garoto, continuou com os olhos pregados em , que só parou quando o caminho gramado se tornou apenas gelo e neve, impossível de ser pisado sem um belo escorregão. Ela soltou um suspiro irritado e parou bruscamente, desistindo. – ! Olha para mim! – Ele pediu, parando a alguns metros dela. Ela se virou bruscamente e sua expressão não era feliz, como ele pensava que seria.
  - Que merda você pensa que está fazendo, ?! – Ela gritou. Ele arregalou os olhos no mesmo instante, incrédulo com a reação dela. – O que você está fazendo? Aqui?! – Ela continuou, usando as mãos para se expressar.
  - Eu vim atrás de você! – Ele respondeu, sem entender porque aquilo não era óbvio o suficiente.
  - Por quê? Por que você fez isso?! – Ela perguntou sem se abalar. Ele deu com as mãos, embasbacado e sem resposta. – Droga, ! Você estragou tudo! – Ela bateu o pé, bagunçando os cabelos de raiva e afundando as próprias unhas na pele. Se virou diversas vezes, pensando e respirando fundo. Ele a observava confuso e um tanto preocupado com a atitude dela. O que estava errado?
  - , eu... – Ela então falou, o interrompendo.
  – Eu já estava conformada com toda essa situação, ! Eu estava aceitando que ficar longe de você era a melhor coisa para mim! Eu vim para essa porcaria de lugar para te evitar e agora você me aparece aqui?! Invadindo a festa da família do Matthew só pra mostrar que eu sou sua propriedade e que eu nunca vou poder ficar longe do seu alcance?! Que droga é essa? – Ela berrou.
  - Não foi por isso que eu vim! – Ele gritou de volta, dando um passo para frente. Automaticamente ela deu um para trás, ficando com os calcanhares sobre o gelo. Quando ele se deu conta disso, soltou o ar e deu um passo para trás de volta. – Porra , você é a única coisa certa na minha vida, e até os nossos amigos sabem disso ou eles não estariam todos aqui por causa de nós! Eu corri os últimos dois quilômetros por medo de te perder! Você não pode desistir de mim. De nós. Eu preciso de você e eu ficaria feliz se você não precisasse mais de mim, mas eu sei que você precisa!
  - E desde quando você realmente se importa comigo?! – Ela gritou, fora de si, pisando em sua direção e felizmente saindo da parte escorregadia.
  - Desde que eu passei dias naquele hospital com você, te oferecendo o que eu nem sabia que tinha! – Ele gritou de volta, tão confuso com a reação dela que achou que tudo era uma pegadinha de mau gosto. – Você não ouviu o que eu disse? Nenhuma palavra?
  - Eu não quero mais ouvir nada, . Por favor, me deixa sozinha e me deixa viver minha vida em paz. – E com essas palavras, ela passou direto por ele indo embora e deixando para trás a única chance de fazer as coisas darem certo para ambos.

  31 de Dezembro, sábado. 23:54. – Moe’s Gas Station.

  Quando se tem uma identidade falsa, ódio no coração e muito amor para dar, não é difícil ficar bêbado no período de uma hora. estava quase lá.
  - Ela disse pra Deus e o mundo que me amava, e agora não me quer. – Ele falou com a voz embolada para , que ouvia o mesmo discurso durante o mesmo tempo que estavam ali. Na loja de conveniência do posto de gasolina mais próximo da festa da onde foram expulsos por “não terem sido convidados” e por “perturbarem os convidados”, , , e comemoravam o fim do ano da forma mais peculiar impossível. Com bebida alcóolica e café frio, servidos pela estereotipada garçonete gorda e mal educada que assistia pelo rabo do olho a bola da Times Square esperando o momento para finalmente cair e anunciar um novo ano.
  - , ela ainda está em choque. A e a estão conversando com ela, ela vai mudar de ideia e vocês vão ficar juntos. – tentou tranquilizá-lo, mas o calmante parecia surtir efeito contrário.
  - Ela não sabe o que quer! Ela sempre foi assim! Ela é orgulhosa demais, confusa demais! Ela arruinou tudo antes mesmo de eu arruinar! Quem sabe se ela gostava mesmo de mim? Talvez fosse só coisa da cabeça dela, e isso acabou com tudo! – Ele falou mais alto, batendo na mesa e chamando a atenção dos outros clientes que se resumiam em caminhoneiros e pistoleiros. Alguns bufaram e outros ignoraram. sentia medo de ser assassinado ali.
  - Você sabe que isso não é verdade. Você só está magoado. – protestou. – Estamos todos magoados. Esse é o pior Ano Novo de todos! – Bufou empurrando para longe o café que passou de frio para gelado, impossível de ser tomado sem uma golfada em público.
  - ! – o repreendeu ao ouvir aquilo, e o som de sua voz levou todos os olhares até a porta de vidro por onde ela passava. se levantou na hora, e ela entendeu aquilo como uma pergunta direta. Apontou com a cabeça para o lado de fora, e ele seguiu o olhar, encontrando parada no meio do estacionamento congelado, com os braços ao redor do corpo, esperando-o. Ele se apressou para sair dali, e foi parado pela amiga. – Seja paciente. – Ela murmurou antes de deixa-lo passar, e ir ao encontro de .
  - A não voltou com você? – perguntou quando a garota sentou de frente para ela, sendo abraçada de lado pelo garoto.
  - A ? Mas ela não estava comigo. – respondeu confusa, e se virou para chamar a garçonete, necessitada de um café bem quente. Uma pena que ela não conseguiria.
  Com aquela resposta, um pensamento único se passou pela mente não só de , mas de todos na mesa. e .
  - Aqueles tratantes! Farsantes! Devem estar por ai se agarrando ao invés de ajudar na crise! – socou a mesa, injuriado com a falta de consideração dos amigos. Seu tom de voz chamou a atenção dos homens chucros do ambiente mais uma vez, e quando ele notou um olhar torto em sua direção, começou a desculpar-se. – Foi mal, cara. Eu não tenho controle sobre minha voz, eu... Eu... – o chutou por debaixo da mesa e ele deixou de gaguejar. – Vou ficar quieto! – Com um sinal de zíper nos lábios, abaixou a cabeça e se calou de vez.
   manteve os olhos pregados do lado de fora, onde se aproximava sorrateiramente da garota parada. Sua conversa com ela tinha sido franca, e tinha colocado um ponto final em tudo o que faltava ser dito. Agora tinha tomado a mesma decisão que . Bastava saber se eles finalmente entrariam em sincronia.
  - Hey. – Ele falou baixo quando ele parou de frente para ela.
  - Eu ouvi sua mensagem de voz. – Ela soltou. Ele ergueu as sobrancelhas na mesma hora, e se sentiu envergonhado ao mesmo tempo. Ela sorriu fraco – E antes de qualquer coisa, eu queria pedir desculpas. Eu não sei porque eu pirei daquele jeito. – Ela murmurou, encarando os pés. – Eu acho que entrei em estado de choque... – Antes de terminar de falar, ergueu seu queixo com os dedos, trazendo seu olhar para cima, encontrando o dele.
  - Só preciso ouvir você dizer que não vai mais embora. – Ele sussurrou. Ela sentiu as pernas tremerem e mordeu o lábio para evitar que o corpo todo continuasse o movimento. Respirou fundo, pensando.
  - E eu só quero saber o que te fez perceber o que estava na sua frente. – Ela respondeu com um sorrisinho debochado. Ele rolou os olhos e se aproximou dela, a puxando para perto e a apertando em seus braços. O calor cresceu entre eles, tornando a posição confortável mesmo do lado de fora, no meio do estacionamento vazio e escuro. Ele apoiou o queixo no topo da cabeça dela e pensou.
  - Precisei de umas porradas do . Definitivamente. – Fez uma pausa, recobrando a imagem de seu melhor amigo o derrubando no chão e se deu conta de que aquilo pareceu séculos atrás quando na verdade nem um mês tinha se passado desde aquele dia. – E de uma dose de silêncio do mundo inteiro... E depois veio uma avalanche de argumentos de seis pessoas que se importam com você mais do que você pode imaginar... – Ele falou e ela sorriu fraco, contente por descobrir amigos tão maravilhosos. – E ai uns cascudos da minha mãe. E depois correr dois quilômetros no meio da rodovia com um frio de congelar os ossos. – Foi listando com os dedos e se impressionou com tudo o que tinha acontecido nos últimos dias.
  - UM MINUTO PARA MEIA-NOITE HEIN! – enfiou a cabeça pela janela da lanchonete e berrou para os dois. Eles olharam rapidamente para o lado, e voltaram a se encarar, ignorando o resto do mundo.
  - Sua mãe brigou com você? – Ela perguntou dando risada, erguendo o olhar para ele.
  - Você não faz ideia. – Ele resmungou e ela riu de novo, mais baixo dessa vez. Ele se separou dela apenas para poder olhá-la nos olhos enquanto dizia o que tinha para dizer, e o sorriso que ela possuía desapareceu, dando lugar ao brilho e a curiosidade no olhar. – Eu sei que isso tudo não está sendo como você imaginou, e eu devo ter arruinado todas as suas expectativas da mesma forma que arruinei o resto da sua vida. – Ele apertou sua testa contra a dela, e os dois sentiram a respiração quente tocando-lhes os rostos gelados de frio. – E eu entendo que você tem todo o direito do mundo de me odiar, mas eu não quero que você odeie a si mesma e nem viva metade do que você pode viver por minha causa. Eu quero que você seja feliz, e eu sei, por mais presunçoso que isso possa soar, que vamos ser felizes juntos. – Seu sussurro soava como uma promessa. Uma promessa inquebrável que nem a vida nem a morte seriam capazes de quebrar enquanto fosse sustentada pelo mínimo de amor que fosse. – Eu consigo ver a gente andando de mãos dadas na rua, falando sobre tanta coisa, fazendo programas a dois no fim de semana, indo a festas de casais e mudando o status do Facebook. – Ele sussurrou no ouvido dela e ela deu uma risada com o último item. – Isso soa bem gay para mim. – Ele continuou e ela riu de novo.
  - DEZ! – berrou de novo, querendo chamar a atenção de quem não queria ter a atenção chamada.
  - Você demorou tanto tempo para concluir algo que você já sabia. – Ela riu fraco, e ele concordou derrotado.
  - OITO! - se juntou a ele, gritando lá de dentro. Até mesmo os caminhoneiros deixaram de protestar por silêncio e decidiram acompanhar a contagem regressiva junto com a TV.
  - E eu nunca pensei que falaria isso, mas eu te amo. E não é como minha melhor amiga. Eu te amo como a garota que deveria ter sido minha desde o primeiro dia no qual nos conhecemos, e a garota a qual eu amei por todo esse tempo sem me dar conta de como eu precisava dela na minha vida. – Ele apertou os olhos, respirando fundo e soltando um sorriso contente no final, orgulhoso de ter sido capaz de falar a única coisa entalada em sua garganta.
  - CINCO! – O tempo estava se esgotando, e a decisão que esperava tomar já estava tomada há muito tempo, sem questionamento algum.
  - É muito bom ouvir isso duas vezes no mesmo dia. – Ela sorriu, sem conseguir conter a felicidade dentro de si.
  - Por favor, . Não brinca comigo. Me diz que você vai ficar. – Ele implorou com os olhos, e ela suspirou.
  - , eu...
  - TRÊS! – entrou na brincadeira, e os quatro amigos olhavam desesperados para o casal do lado de fora, esperando o que aconteceria. Ela tomou coragem e usou as próximas palavras como um ‘sim’, que entenderia tão rápido quanto uma batida cardíaca.
  - Eu também te amo. E por mais que eu queira aprender a ser forte sozinha, não posso ser forte sem você. – Ela tocou o nariz dele com o seu, se apertando ainda mais contra o calor do corpo dele, ignorando as rajadas de vento que aumentavam. E então, antes mesmo que meia-noite chegasse e o ano terminasse, acabou com a distância entre eles e selou os lábios que jamais deveriam ter estado separados.

  1 de Janeiro, domingo. 02:03. – Moe’s Gas Station.

  Dentro daquela lanchonete quase vazia, em duas mesas, eram visíveis oito pessoas sentadas. Quatro casais. Um grupo de amigos. De longe a garçonete gorda xingava baixo – ou quem sabe alto mesmo – enquanto limpava o balcão e esperava que eles fossem embora para ela poder ir para casa. Mas adolescentes não são ícones em questão de percepção, então continuavam pedindo café e comida requintada enquanto conversavam e riam alto, deixando o tempo passar, sem se importar. Alguns estavam até cogitando arranjar uma vaga em um quarto de hotel simples só para poderem partir pela manhã.
  Um deles ergueu o braço e chamou a atenção do resto.
  - Primeiro de janeiro de 2013. O dia que virei a noite vendo e se beijarem. Anota ai, meu amor. – exclamou com a mão no peito, como um juramento. A namorada rolou os olhos e riu, sendo acompanhada pelos outros. Ele riu junto antes de pegar um guardanapo de pano de jogar sobre as cabeças do mais novo casal que não se importava em demonstrar a nova união.
  - Eu estava pensando... – saiu de cima de e se aprumou no banco, olhando para frente. – Por que demoramos tanto para perceber isso? – Ela indicou com as mãos a si mesma e o garoto ao seu lado. Todos sentiram vontade de jogar coisas em cima dela e gritar, mas apenas rolaram os olhos e suspiraram. Casais apaixonados realmente são idiotas, concluiu.
  - Porque é assim que deveria ser. – respondeu, chegando mais perto mais uma vez e brincando com a cintura dela.
  - Porque gente, pensa. – Ela se endireitou de novo, tentando não rir com as cócegas que ele fazia em sua cintura. – Isso tudo é tão cômico que não parece real! Quer dizer, olha aonde viemos parar por causa de falta de comunicação! – Ela bateu com as mãos na mesa de madeira e todos se assustaram o barulho, despertando de um quase coma. podia jurar que estava quase dormindo em seu ombro, e sentia que tinha sido atropelada por uma retroescavadeira. – No meio de um posto de gasolina fechado, de madrugada em uma cidade desconhecida, longe de casa. E todo mundo decidiu virar casal hoje, né? – Ela apontou explicitamente para e grudados e e que já tinham assumido de vez, inclusive que não foram conversar com e sim foram se pegar na rua de trás, os dois escondidos em uma moita. – E isso tudo depois de termos sido expulsos da festa da família rica do Matthew! – Ela parecia pontuar os casos como fez e eles se espantaram com o número de tópicos.
  - Você também foi expulsa? – Ele arqueou as sobrancelhas, surpreso com a notícia.
  - O que você acha?! – respondeu por ele, agora mais desperta. – O Matthew não gostou de ser rejeitado pela no meio da festa da família dele. Ainda mais que o e o quebraram a escultura de gelo da mãe dele antes de saírem correndo junto com você. – Ela recordou o momento e não pode evitar dar uma gargalhada. – Fomos chutadas para fora pela porta dos fundos!
  - Memórias. Estamos criando memórias. – deu com a mão, se sentindo o máximo por ter saído com estilo da festa e por ter finalmente assumido seu “lance” com . Era óbvio para ele que ela não gostava dele como ele gostava dela. Mas deixar seus amigos saberem da verdade era um começo, não era? Ela o aceitava. E isso era o suficiente por enquanto, e com o tempo, tudo podia mudar. Para melhor.
  - Daqui alguns anos, vamos nos lembrar de tudo isso e rir. – concordou, sorrindo timidamente para . Ela esperava com ansiedade o momento em que finalmente a beijaria e assumiria sentir o mesmo que ela, mas estava demorando demais. Ela admitia que estava quase fazendo isso por si mesma, mas se sentiria tola se o fizesse.
  - Eu já estou rindo! – sorriu largamente e se virou de repente para tascar um beijo em , que correspondeu com animação. riu junto e se apertou contra o corpo de , que a puxou para perto, apoiando o queixo sobre sua cabeça. A proximidade das peles, o encontro dos cheiros e o toque da curvatura das peles. Encaixavam-se ridiculamente bem. Ambos sentiam que era amor demais para caber no peito, e às vezes parecia que ia sufocar. Ela pensou estar acostumada com aquela sensação, mas com a correspondência, parece que tudo tinha sido ampliado. Estava feliz, e não precisava falar muito para que soubessem disso. Apenas seu olhar radiante já dizia muita coisa. Praticamente gritava que tinha conseguido a única coisa que queria: ter certeza de que havia algo pelo qual valia a pena lutar. E esse algo era alguém. Era seu melhor amigo. Os outros se distraíram logo, voltaram a conversar, fazer planos para o novo ano. Mas ela apenas se virou para ele, capturando seu olhar e lhe lançando um sorriso que ninguém mais notara. Um sorriso de felicidade. Felicidade que se ajustava à beleza completa, uma beleza inigualável, vinda da junção de sensações, sentimentos e momentos. Momentos perfeitamente adequados. Momentos únicos, inesquecíveis, que pareciam cronometrados.
  - Eu te amo. – Ele murmurou no ouvido dela, contente de saber que sua afirmação era a mais verdadeira possível. estava amando, e tinha escolhido amar a única pessoa que podia ter sido escolhida.
  - Ainda preciso me acostumar com isso. – Ela sussurrou de volta rindo, e então pousando as mãos no peito dele e se inclinando para mais um beijo, de muitos que viriam.

Epílogo

  Seis meses depois.

  O dia tinha nascido bonito naquele domingo de início de verão, o que tinha feito a maioria dos nova-iorquinos saírem para apreciar o sol que aquecia a cidade depois de uma semana de frio fora de época. Era Junho, e o verão tão temido e ao mesmo tempo tão esperado se aconchegava na cidade luz, dando início às novas atividades e às férias de verão de tantas pessoas. Naquela manhã, entre muitos daquela cidade, tinha acordado se sentindo diferente. Tinha acordado ao lado de quem amava pela primeira vez de muitas que viriam. Estava radiante. Não se sentia embaraçada ao admitir que esperar tanto tempo para ele ser seu primeiro e único não tinha sido em vão. Ele fora doce e apaixonante do início ao fim, e agora ao andar do seu lado de mãos dadas tinha provado que aquela escolha tinha sido a única escolha certa que ela poderia ter feito.
  - Hey. Bom dia. – Ele tinha sussurrado em seu ouvido uma hora mais cedo naquele dia. – Está acordada? – Perguntou com um tom divertido. A luz do sol invadia o quarto pelas brechas deixadas pela cortina, iluminando a garota enrolada na cama que dormia em um sono profundo. Assim que ouviu a voz dele, ela confirmou, com um resmungo, pois ao invés de acordar queria poder ficar na cama o dia todo.
  - Infelizmente. – Ela reclamou, mas parou ao sentir os lábios dele percorrendo a curvatura do seu pescoço, lhe causando arrepios, e descendo pelo seu ombro e suas costas. Queria ficar ali com ele, mas aquele dia era importante e ela tinha feito uma promessa.
  - Então se apronte para a gente poder passar na Starbucks antes de ir. – Ele sussurrou, e com um beijo na testa, a deixou sozinha no quarto para se arrumar.
  Em poucos minutos já tinham saído de casa e comprado um café para cada. O terminavam de beber enquanto rumavam a pé para o cemitério da Igreja da Trindade. Falaram pouco durante o trajeto porque ambos sabiam que palavras em excesso não eram necessárias naquele dia.
  Passando pelos portões já familiares, inconscientemente apertou com força os dedos de contra os seus, indicando seu nervosismo. Em resposta ele a apertou de volta, transmitindo a tranquilidade que ele tinha sempre e que naquele momento ela precisava. Como se fosse instantâneo, ela sorriu, e então continuou caminhando por entre as vielas que eram poucas. O cemitério não tinha mais espaço para novas lápides, e George só fora enterrado ali por causa dos antepassados familiares e por ser um herói do Estado.
Um herói morto, todos pensavam, mas ainda assim um herói, porque tinha sacrificado sua vida em troca de salvar centenas de outras almas. Era rápido caminhar pelo lugar, então logo se estabeleceram em frente ao túmulo de mármore já familiar para os dois. o fitou e então se virou para , que sorriu fraco de volta a encorajando com a cabeça. Ela concordou e se curvou para depositar o belo vaso de lírios que tinha comprado no caminho, o tipo de flores que sua mãe sempre comprava quando visitavam o lugar.
  Ajoelhando-se com cuidado aos pés do túmulo, teve suas costas guardadas pelo namorado que observava tanto ela quanto o mármore em silêncio, fazendo sua própria oração.
  - Olá papai. Feliz aniversário. – Murmurou baixinho, não tendo certeza se estava a ouvindo também. Não importava, a única pessoa que precisava ouvir estava a ouvindo com certeza. – Espero que goste das flores, são as favoritas da mamãe. – Comentou como quem puxava assunto. – Você sabe que é uma promessa estar aqui todo ano, e eu nunca quebraria essa promessa. – Ela respirou fundo. – Eu vim te agradecer por tudo. Eu sei que você não está aqui com a gente, mas aonde quer que você esteja eu sei que esta fazendo de tudo para nos proteger. Obrigada por cuidar da mamãe enquanto eu não pude, e obrigada por manter o Will forte o suficiente por ela. Ele tem sofrido muito desde que você se foi, mas ele faz o seu melhor. Não poderia ser um irmão melhor. – Ela riu baixinho. – Um dia vamos poder nos encontrar de novo, eu sei disso. Eu sei que enquanto a fé de todos tinha desaparecido, você me protegeu e cuidou de mim, eu sei que aonde quer que eu vá você vai estar comigo. Obrigada por ter iluminado o caminho do até mim quando ele se perdeu na escuridão, eu sei que sem você ele nunca teria tomado mesma decisão. Eu imagino que deve ser difícil para você ai de cima às vezes assistir a sua garotinha sofrer, mas saiba que eu estou segura e feliz. A partir do momento em que você partiu, esse garoto tornou-se a minha vida, meu ponto de apoio, meu lar, e saber que de alguma forma foi você quem o mandou para mais perto de mim me faz mais feliz e segura ainda. Apesar dos caminhos tortuosos estamos juntos nessa, e quando eu penso em você, eu não fico triste. Eu sinto sua falta mais do que ninguém imagina, mas vamos nos reencontrar, e enquanto houver luz por onde eu andar, eu sei que é você me olhando dai de cima e me dizendo para onde ir. – Sua respiração se intensificou de novo e ela se abaixou um pouco. – Eu te amo, papai. Não se esqueça disso, e por favor nunca deixe eu me esquecer.
  Abaixou-se, e lentamente deixou os lábios tocarem o mármore frio. A respiração profunda só foi capaz de impedir as lágrimas por algum tempo, mas logo elas estavam escorrendo pelas maçãs do rosto, deixando um rastro úmido por onde passavam. Se levantou e logo foi circundada pelos braços fortes do namorado, que a apertou firme contra o corpo, a acalentando e secando as lágrimas com a ponta dos dedos.
  - Eu sinto falta dele. – Ela murmurou quando ele pendeu seu queixo sobre o ombro dela, colando seu rosto ao dela.
  - Eu também. – Mas ele sabia que o que sentia não era nem um quinto do que ela sentia, por isso não sentia o direito de falar nada.
  Mais silêncio se seguiu, e por mais longo que ele fosse, ainda assim era confortável. Mesmo estando ali, não estava triste. Se sentia pronta para enfrentar o que quer que viesse, pois para ela tudo parecia certo naquele momento. Os dois ficaram ali parados, apertados um contra o outro, apenas fitando sem fixação o túmulo e por mais que quisessem estender aquele momento ao máximo, e soube que era hora de ir.
  - Acho melhor a gente ir. Marcamos para daqui a pouco. – Ele resmungou e ela concordou com um aceno de cabeça.
  Saíram juntos de mãos dadas, e lutando contra o desejo, não olhou para trás. Não era preciso quando sabia que seu pai estaria com ela por todo o caminho. O casal conversava durante o caminho sobre assuntos comuns, evitando, ou quem sabe só protelando, mencionar a noite que tinha passado. Ela gostaria de gritar aos quatro ventos o quanto se sentia bem, e o quanto o queria cada vez mais. Ele transbordava orgulho de si mesmo, mas admitiria se perguntassem que ainda estava anestesiado em relação a tudo o que tinha acontecido de Janeiro até ali. Era utópico, romântico, bom demais para ser verdade. Jamais imaginaria que se sentiria daquela forma. Ela jamais imaginava que o que sentia em sua imaginação poderia ser dez vezes melhor quando se tornava realidade.
  Em vinte minutos já estavam na calçada da The Meatball Shop da rua Stanton, lotada como sempre. De longe, pode ouvir os gritos de que berrava, sinalizando sua presença e dos outros da onde estava sentado em uma das mesas do lado de fora do restaurante. escondeu o rosto nas costas do namorado, envergonhada com o jeito do amigo, enquanto ria. Acenou de volta e viu que do lado de , repetia os gestos de usando um cardápio.
  - Esse garoto me mata de vergonha. – Ela reclamou, e por leitura labial entendeu e concordou dando um risinho. Mais algumas passadas e eles chegaram até a mesa que os amigos dividiam também com .
  - E então, como foi no cemitério, casal do ano? – perguntou depois de guardar o cardápio.
  - Foi tudo bem. – deu de ombros, porque não saberia mais o que falar sobre o momento íntimo que apenas seu melhor amigo entenderia.
  - Onde estão os outros? – perguntou se sentando de frente para depois de cumprimentar todos na mesa.
  - O e a foram ao banheiro. – respondeu. Os recém-chegados pararam de fazer o que estavam fazendo e o olharam na mesma hora. – Já faz quinze minutos. – Completou com um sorrisinho pervertido no rosto e não demorou muito para todos explodirem em risadas e exclamações de choque. Até que notou que não ria como os outros.
  - Que cara é essa, ? – Perguntou dando um tapinha na perna do melhor amigo que parecia mais desanimado que bingo de idosos.
  - Nada. – Murmurou, fitando o guardanapo que enrolava nos dedos.
  - Nada. – repetiu com uma careta. – Ele está com saudades da e não quer falar. – Ela resmungou se ajeitando na cadeira.
  - Dude, faz três dias que ela foi para pra Londres. Não três meses. – o repreendeu. – Você deveria aproveitar esses dois meses de liberdade e fazer o que não pode quando ela está aqui! – Ele exclamou com um sorriso abrindo os dois braços e logo estava sendo estapeado pela namorada. – AI! AI! Tudo bem, eu retiro o que disse! Eu nunca comemoraria ficar longe de você, meu amor. – Ele sorriu amarelo. – Mas , você tem que comemorar que a vai voltar das férias com os pais dela, e vai ficar aqui perto de nós. E a que inventou de ir pra Milão? Como você acha que o vai ficar o ano inteiro? – Ele introduziu o assunto que ainda era delicado para todos ali. – Ainda mais na seca. – Cochichou e o estapeou de novo.
  O último ano letivo deles tinha acabado de terminar, e junto com as esperadas férias onde eles teriam todo o tempo para passarem juntos, chegaram as cartas de admissões das universidades. Já era previsto que nenhum dos quatro garotos entraria na universidade, afinal eles tinham acabado de assinar um contrato com uma gravadora local que os ajudariam a produzir o primeiro álbum em estúdio. Era um grande passo, e como dizia “desde quando músicos precisam de diplomas?”. Mas as garotas tinham um dilema pela frente para enfrentar: Ficar longe deles ou ficar longe do futuro delas?
   não tinha hesitado nem um segundo sobre essa questão, mesmo que gostasse de verdade de e amasse suas amigas. Tinha ganhado uma bolsa integral de Moda em Milão e a agarrou com unhas e dentes assim que seus pais disseram o tão esperando ‘sim’. Agora, ela passaria os próximos quatro anos sofrendo jet leg ao ir e voltar da Europa em todos os feriados possíveis para ver os amigos e o – finalmente assumido – namorado.
  - O que é que vocês estão ali falando de mim? – A voz de foi ouvida quando ela pisou na área externa do restaurante com em seu encalço.
  - Você quer saber a parte que falamos do seu apetite sexual insaciável a ponto de arrastar o coitado do para o banheiro ou da crítica do à sua decisão de ir para o outro lado do mundo e nos deixar aqui? – perguntou diretamente e recebeu o dedo do meio de em resposta.
  - Nos falamos quando eu voltar
parlando italiano. – Ela ergueu o nariz ao se sentar do lado de , fazendo tomar o último lugar na mesa ao lado de . Todos a zombaram e depois deram mais algumas risadas.
  - De qualquer forma, eu só preciso de uma hora e meia para chegar até o meu namorado quando eu tiver vontade de vê-lo. Chupa essa, loser. – a alfinetou, e enquanto implicava com o , mostrou os dentes para a amiga.
  Mais simples do que , tinha conseguido uma vaga honrosa de Jornalismo na famosa Penn State na Pensilvânia, a quatro horas de distância de Nova York de carro e uma hora e meia de trem. disse que estava bem com isso, e mesmo que não pudessem se ver todos os dias, já era melhor do que ter um oceano entre eles.
  Agora se entretendo com o potinho de açúcar, todos notaram a tristeza de . era a mais nova caloura de Medicina da NYU. Mesma cidade, mesmo bairro, ele teoricamente não teria com o que se preocupar. A não ser com os livros que agora tomariam o tempo todo da namorada, futura pediatra. Talvez esse motivo deveria o deixar mais para baixo do que os dois meses de viagem pela Europa que ela tinha tirado com a família.
  - Ela vai voltar, cara. Disso eu tenho certeza. – o consolou e atraiu a atenção de todos na mesa.
  Não era difícil que eles chegassem ao mesmo pensamento:
O medo que tiveram quando a incerteza de que poderia não voltar os atingiu. Seis meses depois, todo aquele pesadelo parecia tão distante que poderia não ser verdade. Mas sempre existiriam marcas para atestar a veracidade de 17 de Dezembro. A sombra de culpa que preencheu o fundo dos olhos de logo foi espantada quando por debaixo da mesa, buscou sua mão ele e entrelaçou seus dedos, o segurando firme em seu colo. Eles trocaram um olhar cúmplice que faria qualquer um ao redor suspirar e buscar incessantemente um ser humano para dividir uma cumplicidade como aquela, e ele a envolveu com o braço, voltando a conversar com o grupo. os observava, pois ainda se sentia curiosa com tantos segredos que o casal compartilhava e que se recusava a contar. Os outros já tinham desistido de entender, e às vezes ela tinha certeza de que eles viviam em seu próprio mundinho, e todos os outros eram apenas intrusos. e eram um dos raros enigmas que uma pessoa tem o prazer de conhecer na vida – e a necessidade de querer desvendar – mesmo que o esforço seja em vão. Para os amigos, se eles vivessem um milhão de dias, nenhum seria igual ao outro. Possuíam um certo tipo de amor infinito. Como Victor Hugo dizia, “a medida do amor é amar sem medida”. Por isso é um amor pobre um amor que se mede. Eles nunca o mediriam.
  Então o almoço passou rápido e o clima triste que antes pairava foi embora tão rápido quanto o sol que tinha aquecido o dia tão confortavelmente. Os sete tiveram que interromper a tarde animada para se abrigar da chuva que começou a cair, e a conversa teve que ser adiada quando todos decidiram ir cada um para sua casa passar o restinho do fim de semana vendo pela janela as gotas caírem e molharem os pavimentos.
   permaneceu o resto do dia encolhida ali no calor dos braços dele, naquele sofá que já acumulava tantas lembranças e ainda tinha espaço para muitas outras. Podiam fazer ou dizer qualquer coisa, trazendo risadas e romance à tona, ou podiam apenas ficar em silêncio, absortos em pensamentos, que nunca se incomodariam. Como já dizia um escritor, “a amizade é o conforto indescritível de nos sentirmos seguros com uma pessoa, sem ser preciso pesar o que se pensa, nem medir o que se diz”. O amor torna isso apaixonante e acalentador. Torna isso entendível.
  - Sabe quando você correu um quilômetro inteiro para me impedir de ir para Vermont? – Ela quebrou o silêncio de repente, despertando de um devaneio bom sobre os dois. Ele concordou com a cabeça, visualizando exatamente a cena vivida seis meses atrás.
  - O que tem aquele dia? – Perguntou curioso, se ajustando embaixo dela no sofá, curioso sobre o que ela queria dizer.
  - Eu já tinha decidido não ir. Só quis te ver implorar um pouquinho mais. – Ela deu de ombros com um sorrisinho, e quando arregalou os olhos e abriu a boca, ela soltou uma gargalhada gostosa. Nunca tinha admitido aquilo, mas tinha adorado vê-lo sofrer um pouco do que ela tinha sofrido por tanto tempo.
  - Você é uma tratante! – Ele protestou, sem palavras para se exprimir. Ela riu de novo e se virou de lado para dar um beijo rápido em sua boca, como um pedido de desculpas. Ele virou o rosto, fazendo uma expressão dura de quem não perdoava, não sendo levado a sério pela garota. Ela sorriu confiante e se encaixou novamente nos braços dele mesmo que estivesse sendo “rejeitada”. Ele não pode evitar. soltou o ar, e retirou o cabelo dela da nuca, deixando descoberta a simples cicatriz que ficara ali desde sete meses atrás. Uma marca que faria que as más memórias de Dezembro, seguidas pelas boas de todos os meses, permanecessem para sempre. Depositou um beijo com carinho ali e apoiou a testa nos fios de cabelo soltos dela.
  - Eu te amo mesmo assim. – Sussurrou no ouvido dela, trazendo um sorriso enorme aos seus lábios na mesma hora.
  - Eu também te amo. – Ela respondeu, apertando suas mãos nas dele e então se virando para ficar totalmente de frente. Roçou seu nariz no dele e inclinou-se para tocar-lhe os lábios de leve, logo sendo retribuída com um beijo cheio de significado. Sentiu seus sorrisos se tocarem, e espalmou as mãos no peito dele, protelando aquele momento. – Para sempre? – Perguntou, sabendo que em seu coração a resposta sempre seria positiva.
  - Para sempre. – Ele concordou, envolvendo-a com seus braços, e agradecendo mais uma vez por todas as escolhas que tinha feito o terem levado até ali.
  Sabia que a vida é a soma das escolhas que um ser humano faz. Por isso que suas escolhas o tinham levado até ela. Porque ela era – e sempre seria – a sua vida.

O tempo é muito lento para os que esperam,
Muito rápido para os que tem medo,
Muito longo para os que lamentam,
Muito curto para os que festejam.
Mas, para os que amam, o tempo é eterno.

William Shakespeare.

FIM



Comentários da autora


SIM, EU ADMITO. Estou chorando aqui porque a fic acabou! ): VOCÊS TAMBÉM? Sei lá, parece que uma parte de mim foi embora! Apesar da sensação de trabalho cumprido, ela vai deixar muita saudade. December 17th é minha fic favorita de todas, porque além de ter uma história totalmente elaborada, ela deixa boas mensagens – que deveriam ter sido mensagens de fim de ano, mas eu, rs, demorei um pouco pra atualizar. Ela mostra que é possível existir amor verdadeiro, que amizade é algo eterno e que o perdão é muito importante. Além disso, temos que falar a verdade e falar o mais rápido possível, antes que tudo vá por água abaixo. Existem muitos valores na história que se perderam na nossa sociedade egoísta e fútil, então eu quis que todo mundo se lembrasse de como é ter alguém em quem se apoiar. É muito bom, não é? Enfim! Espero que tenham absorvido alguma coisa boa da história, além da história em si, e que possam usar isso no dia e dia e ensinar pra quem tá precisando aprender. Obrigada a TODOS que acompanharam e que comentaram, foi muito importante pra mim! Leiam minhas outras fanfics publicadas no site, e não se acanhem de vir puxar assunto comigo sobre qualquer coisa. December 17th acabou mas eu to aqui <3 Dúvidas? Curiosidades? Venham até mim rs. Mais uma vez agradeço a todos, especialmente a minha beta Jú (que sempre chorava com as atts HAHAHA linda <3) e que acompanhou todo o desenvolvimento da fic. Jú, você é a cereja desse bolo! Beijo na bunda de todos e a gente se vê por ai! <3