Daydreams

Escrito por Williane Barbosa | Revisado por Laura Weiller

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Capítulo Único

(Dê play nessa música quando aparecer a nota autorizando. E se quiser ver a letra, está aqui!)

  Ela andava nervosa por todos os cantos daquele casebre, sua cabeça explodiria a qualquer momento. Nunca achou que estar sozinha lhe atormentaria tanto – talvez um pouco –, mas era o limite. As lembranças vinham em sua mente como torpedos impiedosos. As besteiras que ela tinha feito, tudo poderia ser diferente, não é? Talvez. Estava presa em seu devaneio. Estava sozinha. “Por onde ele está agora?”, se perguntou pensando na única pessoa que a faria resistir. Então, abriu sua gaveta com suas recentes e únicas companheiras; MDMA (Ecstasy), cocaína, nicotina e álcool; Drogas Classe A. Segurou a garrafa de uísque firmemente e deu um gole, já estava com seu cigarro na mão há um tempo, pegou duas pílulas de ecstasy e colocou para dentro com ajuda do líquido. Ficou decidida a não resistir mais àquelas circunstâncias, não conseguiria mais. Seu corpo mole caiu na cama, sua cabeça já girada por causa do efeito diferente de cada uma. Agora era só aguardar até o fim de sua – fracassada – vida.

  Flashback.

  Dois meses antes...

  ’s POV

  Minha família é dona da maior parte do lucro da cidade de Sitka, eles têm uma empresa de importação e exportação muito famosa, eu sou filha única, o que significa que todo esse “peso” será a minha herança. Ah, sem dúvidas que meus amigos – que são filhos de outros empresários – são todos interessados nesse ponto. Eu só tenho , que é filho da cozinheira da casa. No começo meus pais não deixavam a gente se falar, mas logo simpatizaram com o garoto e nós conseguimos virar melhores amigos. Não havia interesse algum entre mim e ele, pelo contrário, é ele que me distraia do tédio que é essa casa. Todos os dias pessoas com roupas de executivos, carregando pastas ficavam horas dentro do escritório com os dois conversando algo relativamente sério ou negociando. Por isso, eu passava o dia inteiro sozinha, acessando minhas redes sociais, escrevendo textos e até alguns trechos de música. Mas esses dias tiveram fim quando me mostrou seu “cantinho de reflexão”.
  - Meu pai gostava bastante de vir aqui tirar o estresse... A vista daqui é como um calmante, o ar é puro, é confortável. Eu amo esse lugar.
  Era uma pequena casa no cais. No canto da sala havia uma lareira de frente a um sofá, as paredes pintadas em bege, combinando com o piso claro, trazia uma paz muito grande. Do outro lado tinha uma parede de vidro azul transparente, que dava a visão das montanhas detalhadas com gelo, a água calma e as luzes da cidade ao longe. Uma cozinha simples, só com o necessário. Um banheiro. Simples e perfeito.
  - É lindo, . É seu agora? – perguntei, admirada.
  - É nosso. – ele me olhou e uniu nossas mãos – Sempre que você se sentir presa, precisando pensar, relaxar, eu te autorizo a vir pra cá quando quiser.
  Desde esse dia, nós sempre íamos lá, alugamos filmes para cada dia, compramos pizzas e outras besteiras. O cantinho havia virado a minha segunda casa. Estranhamente eu vivia mais feliz e todo e qualquer peso que existia em mim sumiu.
  Três semanas depois eu acho que meus pais nem perceberam a movimentação estranha, nosso único contato era nos três momentos de refeição – que era simples como “o que nos conta de novo?” apenas, nada mais. Quando eu cheguei já de noite junto ao meu amigo, os dois saíram do escritório, acompanhados dos outros “fardados”. Meus pais se abraçaram, como se consolassem um ao outro, algo muito sério tinha acontecido.
  - Filha, nós precisamos conversar.
  Encarei e ele se retirou, tinha entendido que era particular. Sentamos no sofá e os dois se entreolharam como se perguntassem um ao outro o que diriam ou como começariam.
  - Há alguns meses, a Empire se uniu a outra empresa por motivos de falta de fundos. Tudo estava ocorrendo bem, porém estivemos fazendo reuniões bem mais rigorosas e observando melhor a situação... – meu pai suspirou e alisou os cabelos. – Descobrimos que eles fizeram investimentos propositalmente prejudiciais.
  - Mas só quem pode fazer isso é o sócio majoritário, não é?
  - Sim, mas aí é que está. Sem nós percebermos eles inverteram as posições e foram nos afundando aos poucos. – minha mãe disse.
  - Mas isso é realmente possível? Você pode inverter isso? – eu estava nervosa.
  - Nós iremos tentar com todo vigor. Mas aconteceu, querida, estamos falidos.

  Aquelas palavras me atingiram como rochas. A união entre nós não era lá a melhor, podíamos até ter essa chance de ficar mais juntos contra isso. Mas eu sabia o quanto eles amavam estar ali, dia ‘pós dia, para colocar aquela empresa no lugar certo. Sem falar de todo conforto que vivemos, como seria a partir de agora?
  Mais tarde, comunicamos aos empregados. Eram no máximo dez, mas os únicos que decidiram ficar foram , sua mãe – cozinheira – e seu tio – motorista – mesmo com as péssimas condições. Logo, todos foram dormir e eu fiquei na sala, encolhida no sofá, já imaginando como seria ter que perder a casa. Óbvio que aconteceria daqui alguns dias.
  - ?
  - Estou aqui.
  Ele sentou ao meu lado e me abraçou.
  - Vai ficar tudo bem, ok? Era você quem sempre dizia que dinheiro não é tudo, hm?
  - Obrigada por ficar, baby. Sim, eu dizia, mas era tudo controlado pelos meus pais, eu tenho quase vinte anos e nem trabalho. Como vou me virar?
  - A gente sempre dá um jeito.
  Ele beijou o topo de minha cabeça e nós ficamos ali até adormecermos. Na conversa de horas atrás, fui avisada que nos próximos dias eles iriam para a empresa mais cedo para tentar achar algo e recuperar. Comentaram também sobre cofres secretos pelo prédio e pela casa em casos de emergência. “Mas é preciso uma senha. Sua inteligência é a senha.”

  Dois dias se passaram e parecíamos cada vez mais próximos, conversávamos mais, eles me contaram sobre como estavam sendo as investigações, falaram sobre contas secretas – novamente – sobre cofres. Mas a maioria dos assuntos eram aleatórios, chegaram até a me perguntar se eu tinha algo com o ! Vivemos esses dias como se fossem os últimos, os melhores da minha vida. Talvez eu não tivesse dito essa frase se soubesse que no dia seguinte ela se tornaria literal.
  - ? Aqui é Allan Connelly, liguei para lhe avisar sobre um trágico acontecimento na empresa dos seus pais. O andar presidencial foi incendiado e seus pais estavam trancados lá. Os bombeiros não chegaram a tempo. Eu sinto muito.
  Isso foi o suficiente para me fazer dar um grito estridente. Meus joelhos cederam e eu deixei meu corpo desabar no chão. Chorei tudo que tinha de chorar e ainda não era o limite. Aquilo não podia estar acontecendo. NÃO. Meu corpo foi carregado até uma superfície fofa que eu denominei sofá. Os braços do meu amigo me envolveram fortemente num abraço reconfortante, ele entendia minha dor melhor que ninguém, tinha perdido seu pai. Mas eu não tinha ninguém agora, como eu viveria? Meu pai era filho único e minha mãe tinha uma irmã em Nova York que me odiava. Eu não teria forças para investigar ou providenciar nada. A única pessoa competente e confiante que teria capacidade para tudo era Allan, ele era o advogado dos meus pais, eu apenas pediria que ele cuidasse de tudo.
  Meus dias foram os piores possíveis, não saía da minha cola, tentando me colocar para cima de qualquer jeito, o que era falho. Eu tinha entrado em depressão, não podia levar aquelas pessoas maravilhosas junto comigo para o fundo do poço. Liguei para Allan – que me explicou sobre minha “herança”, já que eles tinham falido, era possível que eu ficasse sem nada.
  - Olá, pequena , como está? – chamou-me pelo apelido e eu consegui sorrir com isso.
  - Piorando. Mas preciso que você me faça um grande favor...

  O dia se arrastava vagarosamente, eu só estava naquela casa por causa dos outros. Era horrível ter lembranças de tudo e ficar fazendo nada. Alguns jornalistas babacas tentavam falar comigo sobre o assunto, mas ninguém os deixava passar. Fiquei agradecida com isso. Criei coragem para sair do quarto e fui até a cozinha. A alegria na expressão dos três era extremamente perceptível, Molly estava abraçada a Wallace, também não escondia seu sorriso.
  - Posso saber o motivo de tanta felicidade? – eu forcei um sorriso gigante, eu já sabia o motivo. Hesitaram um pouco antes de me contar.
  - Eu fui contratada para ser a cozinheira chefe do melhor restaurante da Suiça! Ah, faz muito tempo que eu venho lutando por isso.
  - Quando vão? Já está tudo resolvido?
  - Amanhã mesmo iremos nos mudar. Você irá conosco. – eu engoli a seco.
  - Oh, não. Esse é um privilégio de vocês, eu me viro por aqui. – abri os braços e ela atendeu ao meu pedido, me abraçando. – Você, mocinho – encarei o garoto que tinha medo nos olhos, seria difícil deixá-lo – Tome muito cuidado por lá, sim? Não quero garotas em cima de você.
  Molly me soltou e deixou que ele me abraçasse. Beijei seu pescoço e ri quando vi que o mesmo se arrepiou.
  - Eu volto para te buscar, eu prometo. – ele disse e me deu um selinho rápido, que me gerou um susto passageiro.
  O resto do dia se passou com velocidade. Molly fez suas melhores comidas, contou suas melhores – piores – piadas e Wallace contou algumas de suas aventuras. Quem visse de longe diria que éramos uma família perfeita. Infelizmente era só um dia feliz, como uma preparação do que viria a seguir. E algo me dizia que não era coisa boa.

  Um mês antes.

  (Play aqui. Leiam com calma, se a música terminar, repita, sem pressa!)

  Minha depressão havia se agravado mais do que antes. Eu tinha me mudado para a casa no cais sem avisar a qualquer um, não queria perturbações. Meu corpo emagreceu demais, minha pele não estava tão seca por causa dos cremes que ainda me restavam, grandes bolsas escuras se formaram embaixo dos meus olhos, meu dinheiro já estava acabando. Incrível como minha vida havia mudado em apenas dois meses. Eu já não tinha mais vontade de procurar cofre algum, eu já não tinha vontade de sair da cama. A vida já não fazia sentido para mim. Lembrei de uma antiga festa de um dos meus colegas, numa parte escura dali, algumas pessoas compravam substâncias estranhas, quando eu perguntava o que era aquilo apenas me diziam “Classe A, babe”. Essas palavras me renderam uma curiosidade absurda! Mas eu não iria tirar a confiança dos meus pais, eu não era daquele tipo. Mas agora, agora tudo que eu pensava era “tanto faz, eu estou sozinha”. Ideias mirabolantes rondavam minha cabeça, eu precisava me animar, minhas estruturas estavam a um fio de desabar, que mal faria se eu deixasse de me prender e experimentasse os perigos da vida? “Tanto faz.”
  Abri o armário onde ficavam minhas roupas e peguei um short jeans surrado, uma blusinha de alças finas e um decote médio – que servia de pijama, mas minha intenção não era dormir agora. Após estar devidamente vestida e cheirosa, peguei minha bolsa de maquiagem, resgatando o delineador, rímel e lápis preto que há tanto tempo eu não usava, nunca gostei de maquiagem muito escura. Terminei minha maquiagem “dark” com êxito e me analisei no espelho da sala. Calcei um salto alto, prendi o cabelo em um rabo de cavalo alto, deixando a mostra meu pescoço branco. Vesti um sobretudo e saí andando pelas ruas frias do Alasca. Não me pergunte como, mas eu já conhecia uma rua meio deserta, onde por ali só ficavam mulheres hm... Você sabe.
  Assim que vi um Volvo S60 se aproximando, me encostei na porta quando ele baixou a janela. Então ele me pediu para entrar e meu coração subiu até a garganta, mas eu me controlei. O caminho fora longo e silencioso. Entramos em um prédio – não tão vagabundo, mas eu não podia reclamar na minha posição – e logo no elevador. O homem me puxou pela cintura e me beijou descaradamente, fiquei assustada por um momento, mas novamente me controlei. Não tinha mais volta. Adentrei o apartamento esbarrando nas coisas, ele estava com pressa, isso me excitava e me assustava ao mesmo tempo, ele parou e se afastou, me deixando com uma interrogação na face.
  - Dizem que com isso é melhor ainda. – ele voltou com um saquinho nas mãos e mordendo o próprio lábio. Devo admitir que tive sorte em achar um homem tão bonito.
  - O que seria isso?
  - Classe A, babe. - foi tudo que ele disse. Um arrepio correu pela minha espinha, porém eu sorri. Minha curiosidade seria despertada e encerrada nessa noite, dentro do saquinho continha algumas pílulas que eu reconheci como Ecstasy. A sensação que me tomou após ingerir aquilo foi estranha, estranhamente boa. O resto da noite se passou melhor do que eu esperava, ele me perguntou se eu era nova naquilo e eu tive de confirmar, assim não foi tão difícil, ele também era novo e disse que queria me conhecer mais vezes.
  Fiquei viciada. As noites se repetiram várias vezes e a cada uma delas eu conhecia novas drogas. Classe A, é claro. Irônico era que mesmo naquela situação eu não me perdia da minha origem. Em várias noites antes de dormir pensei em , em como ele ficaria decepcionado comigo, meus pais também. Mas eu estava perdida! Não havia mais saída para mim, era uma nova vida. Vida que seria terminada de forma drástica, mas eu tentava não pensar nisso. Fiquei cada vez mais suja, já não me reconhecia.
  Chegava em casa, olhava no espelho e perguntava a mim mesma “Quem é você? O que você fez comigo?” Foi em uma dessas noites que eu surtei. Meu “parceiro” não me encontrou naquele dia, o novo me tratou mal, o que me fez voltar para casa revoltada. Nessa noite eu resolvi conscientizar e repensar tudo que eu fiz. Eu não queria aquilo para mim, deveria estar entrevistando alguém numa hora dessas. Deveria ser uma jornalista renomada e admirada por todo o país, administrando o negócio dos pais, sendo feliz com . Mas não, decidi tomar a inútil atitude de dispensar todos e ficar sozinha. Ficar sozinha e virar isso! Quem me daria atenção agora? Quem teria orgulho de mim agora? Não tinha mais jeito, aquilo tinha que acabar. A imagem de , seus pais e até Molly e Wallace refletiam na minha cabeça, decepcionados. Eu mesma agi por impulso, eu mesma estraguei meus planos, eu mesma derrotei minha vida, eu mesma me levei para o fundo do poço. Não havia mais razões para mim. Simplesmente, era o fim.

  /Flashback.

  Suspirei ao ter a lembrança completa da montanha-russa que minha vida virou nos últimos meses. Suspiro? Não era possível, eu ainda tinha resistido? Meus olhos estavam pesados e todo meu corpo doía como se um caminhão tivesse passado por cima de mim. O quarto estava um silêncio, o único som era o que vinha da máquina ao lado que significava as batidas do meu coração. Procurei desesperada por alguém ali dentro e não acreditei quando o vi pela primeira vez. dormia como um anjo na poltrona no canto do quarto, todo desajeitado, sua respiração era leve. Sorri. Ele era a única razão para que eu resistisse, mas como, como ele tinha aparecido?
  Tentei chamá-lo, mas tudo que saiu da minha garganta foi um gemido. Com sucesso, fez ele acordar assustado, mas o sorriso que se formou em seu rosto foi o melhor. Ele saiu do quarto com rapidez, mas voltou na mesma velocidade, acompanhado de uma mulher baixa e gorducha. Ela me examinou e fez perguntas, mas logo nos deixou a sós novamente.
  - O que você fez com você, ? – ele acariciou meu cabelo com uma feição preocupada, sussurrei um “Me perdoe” – Eu disse que voltaria para te buscar.
  - Como você chegou a tempo?
  - As coisas lá na Suíça estavam correndo mais do que bem, eu já não aguentava estar tão longe de você. Quando cheguei aqui e não encontrei a casa aberta, só havia um único lugar onde eu poderia te encontrar. Quando cheguei você estava caindo na cama, mas você não sentiu quando eu te levei para o carro e te trouxe, pois estava dopada. Eu consegui. Não sei o que faria se chegasse tarde demais.
  - Você era a única razão para eu resistir, o tempo tinha acabado, mas você chegou. Como sempre. – senti o beijo que ele estalou na minha testa e depois nos meus lábios.
  - O que vai fazer quando sair daqui?
  - Falta muito?
  - Talvez. Quem mandou bancar a drogadinha? – ele tentou dar uma bronca, mas soou como uma piada.
  - Já que meu tempo reiniciou , tudo o que eu quero agora é vingar os meus pais e descobrir quem fez tudo isso. – fechei os olhos por um momento, estava decidida.
  - Tem certeza? Está muito frio lá fora para anjos voarem.
  - Ou para anjos morrerem.
  Rimos ao cantar o verso de nossa música favorita, que tinha virado trilha sonora da confusão que eu tinha causado, mas que agora virou passado. Eu estava viva novamente e pronta para o futuro, dessa vez, definitivamente... Com ao meu lado.

FIM



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