Dahlia Negra



Escrito por Stephanie Pacheco | Instagram | Twitter
Revisado por Natashia Kitamura

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PRÓLOGO

  O barulho dos saltos batendo frenéticos se unia aos ruídos noturnos de New York. A respiração entrecortada, desesperada e ansiosa, exprimia o pavor e o choro contido pelo nó na garganta.
  As lágrimas inundavam os olhos da jovem, seus lábios tremiam e ela sabia que se arrependeria pelo resto da vida por ter escolhido aquele caminho naquela noite em especial. Por mais que a culpa não fosse sua e sim do sujeito a perseguindo, ainda assim não conseguia parar de pensar no quanto as coisas seriam diferentes se tivesse tomado o outro rumo.
  Tratou de apurar os passos, evitando olhar para trás, mas ainda assim sentindo aquele mesmo formigamento na nuca denunciando a presença dele.
  Quanto mais rápido ela caminhava por aquela rua, mais distante ficaria do sujeito e, sem conseguir pensar em outra coisa além do quão infeliz havia sido sua escolha, virou na primeira curva diante de seus olhos praticamente correndo, ansiosa para se ver livre da perseguição e dando espaço a um pequeno fio de esperança de que daquela forma conseguiria despistá-lo.
  No entanto, bastaram poucos segundos para se dar conta de que aquela havia sido a sua segunda escolha errada da noite.
  Em vez de desviar para um caminho que a salvaria, havia entrado em um beco, onde a única saída estava bloqueada por portões altos de ferro.
  Precisou lutar muito para manter um soluço preso em sua garganta.
  — A mocinha está perdida? — Um calafrio percorreu sua espinha ao ouvir uma voz desconhecida, não precisando de muito para saber que pertencia ao seu perseguidor, então deu os poucos passos restantes até se ver encurralada em uma parede.
  Seus lábios tremeram com mais violência, as lágrimas que segurava escorreram por suas bochechas e a jovem se encolheu, se recusando a olhá-lo.
  — Não tenha medo, mocinha. Ninguém aqui irá lhe fazer mal, muito pelo contrário. — Uma risada suja ecoou, gelando seus ossos.
  Ela daria qualquer coisa para não ouvir aquele som novamente. Na verdade, ela daria qualquer coisa para não ouvir som algum.
  Apertou os olhos com força, se encolhendo ainda mais e prendendo a respiração quando um corpo imprensou o seu e o bafo forte de álcool foi de encontro ao seu rosto.
  A jovem sabia muito bem o que estava prestes a acontecer e preferiu a morte àquilo.
  Num súbito ato de coragem, preparou-se para lhe dar uma joelhada com todas as forças, mas antes mesmo que pudesse fazê-lo, o aperto em seu corpo se afrouxou numa lufada intensa, como se o próprio vento tivesse o arrancado dali.
  Aquilo não era possível. O vento não faria algo assim.
  Um grunhido de dor a fez arriscar abrir seus olhos.
  Ela não precisou de muito para saber quem estava atirado a alguns metros dela, curvado com as duas mãos cobrindo o estômago.
  A confusão tomou conta de si.
  — Então você gosta de atacar jovens em becos escuros? — Uma segunda voz se fez ouvir, porém seu timbre era tão distorcido que ela não soube dizer se pertencia a um homem ou a uma mulher.
  Curiosamente, a jovem não estava interessada nisso, mas sim na figura encapuzada que logo se aproximou do sujeito, o erguendo pelo pescoço com apenas uma mão.
  Não soube o que a deixou mais admirada. Se era a forma como não parecia se abalar enquanto apertava a garganta do homem de forma firme, ou se eram as roupas inteiramente pretas, com coturnos da mesma cor e um conjunto de arco e flecha bem presos às suas costas.
  Será que conseguiria ver um rosto? Se inclinou, porém no mesmo instante o sujeito começou a se debater, dificultando o processo.
  — Por favor, não me mate! Tenha misericórdia! — O homem se engasgou, tossindo devido à escassez de ar.
  Dessa vez, a risada que ecoou não causou medo à garota e sim uma espécie de alívio.
  — Assim como a misericórdia que você teria ao usar o corpo de outra pessoa sem o consentimento dela? — O sarcasmo estava presente em cada palavra.
  — Eu não…
  — Ratos como você não merecem misericórdia. Você me dá nojo.
  A jovem, ainda encolhida na mesma posição, imaginou que naquele momento o aperto na garganta do homem se intensificaria, porém, em vez disso, ela notou a outra mão da figura encapuzada puxar alguma coisa presa à própria cintura.
  Era uma espécie de adaga prateada.
  — É melhor você correr até um posto policial. A próxima cena não será nada bonita. — Se voltou para a moça, fazendo-a arregalar os olhos enquanto outro arrepio percorria seu corpo. — Vá.
  Aquela última palavra pareceu acender algo dentro de si, então ela assentiu, incapaz de agradecer em voz alta, e se pôs a correr.
  A figura então tornou a se virar para o sujeito, satisfazendo-se com o terror presente em suas feições.
  — Por favor… — insistiu mais uma vez, como se realmente pudesse convencê-la a poupar sua vida.
  — Olhe bem para mim. — A frieza na voz era palpável e o homem lhe obedeceu prontamente.
  Uma máscara cobria metade do rosto que lhe encarava sedento.
  — A justiça não tem misericórdia.
  Num movimento rápido, a adaga lhe cortou a jugular, fazendo o sangue banhá-lo instantaneamente.
  Por alguns instantes, o sujeito agonizou, se afogando, mas em nenhum momento a figura permitiu que olhasse para qualquer outro lugar.
  Quando a escuridão por fim lhe abraçou, a última coisa vista por ele foi aquele par de olhos. Uma íris azul e outra negra como a noite.
  Deixando aquele corpo imundo e sem vida desabar, a figura encapuzada encarou com desgosto o sangue que cobria sua adaga, então puxou um lenço preto de seu bolso, limpando a lâmina antes de tornar a guardar a arma no local que pertencia.
  Respirou fundo, contendo a onda de adrenalina que fazia seu corpo inteiro tremer de euforia. Precisava fazer uma última coisa para concluir seu dever naquele lugar.
  Retirou então a pequena planta de outro compartimento em suas roupas e posicionou-a sobre a garganta do homem, exatamente onde a adaga havia o cortado.
  O intuito daquilo era deixar criminosos como ele saberem que seus atos não estavam mais impunes. Alguém os faria pagar.
  Dahlia Negra os faria pagar.

CAPÍTULO UM

  Tudo aconteceu como um filme passando por seus olhos. Em um instante, o caos estava instaurado para todos os lados, uma fenda gigantesca cortava os céus, mostrando inúmeras camadas dele, e criaturas de todos os universos estavam posicionados em uma barreira, ansiando passaram por ela porque todas tinham um alvo em comum: Peter Parker, o amigão da vizinhança.
  Ou, pelo que ele havia entendido, uma das versões dele. Aquilo era bastante confuso.
  Quem é que ia imaginar a existência de mais de um Peter Parker?
  Ele não tinha imaginado, mas estava adorando aquilo.
  A sensação de adrenalina era maior do que qualquer uma experimentada há muito tempo e não era apenas por estar enfrentando vilões de realidades alternativas. Para aquele Peter, era como se de repente as coisas tivessem voltado a ter sentido. Salvar o mundo tivesse um sentido, um propósito antes esquecido nas profundezas de sua mente, sufocado pela dor.
  Mais do que isso, ali, em meio àqueles que sentia serem seus irmãos, era como se Peter estivesse completo novamente. Como se o vazio desde a partida de sua amada Gwen Stacy fosse um pouquinho preenchido.
  No entanto, por mais completo que se sentisse, aquele não era o seu lugar. Aquele universo não era dele, pertencia a outro Peter Parker.
  Durante milissegundos decisivos, desejou internamente que houvesse alguma forma de continuar ali, mas sabia que não era possível. Não podia bagunçar a realidade daquela forma e o Peter daquele universo precisava fazer aquele sacrifício.
  Um sorriso saudoso se formou em seus lábios assim que se afastou do Parker mais velho, aquele que em poucas horas lhe passou todos os ensinamentos que ele precisava, ou talvez uma boa parte deles, mas havia coisas das quais nem se dera conta.
  Não queria voltar porque não tinha para quem voltar, mas quando o momento chegou, uma pontada de esperança sussurrou em seu ouvido que ele estava pronto e no fim das contas acabaria achando idiota toda a ideia de continuar em outro universo diferente do seu.
  E, vai saber, talvez existissem magos e todas aquelas coisas em seu mundo, ele só precisava dar uma procurada.
  Esperou ser puxado com força, sugado por um redemoinho ou até mesmo que fosse sentir todas as suas células queimarem ao atravessar a fenda dos multiversos. Peter até mesmo cogitou que ficaria tonto com imagens passando rapidamente ao seu redor, mas nada daquilo aconteceu.
  Na verdade, foi como se ele tivesse piscado. Num instante estava diante de outras duas versões de si mesmo, no seguinte, voltou a ser apenas ele.
  Havia acontecido do mesmo jeito em sua ida, por que mesmo esperava algo diferente na volta?
  Riu de si mesmo. Aquilo já não importava mais.
  Não se surpreendeu muito ao ver a noite de New York recebê-lo de braços abertos. Quando Peter partiu, estava em seu lugar favorito da cidade, o alto do Empire State Building, e não foi surpreendente ter voltado exatamente para lá.
  Deixou que o suspiro preso ecoasse de seus lábios e estava prestes a retomar o que ele sabia fazer melhor, proteger a cidade, quando seu cérebro começou a processar todas as coisas que havia acabado de presenciar.
  Ele havia saído de seu universo para ajudar um Peter mais novo, na companhia de um Peter mais velho, a deter vilões que ambos já haviam enfrentado.
  Não, deter não era o termo certo. Sua missão era curar aqueles vilões.
  E ela foi bem-sucedida. Todos os vilões foram de fato curados.
  Teria aquilo afetado o seu universo?
  O quanto?
  Seria possível que aquele passado tivesse sido alterado?
  Se sim, aquilo poderia significar que…
  — Gwen.
  O nome escapou pelos lábios de Peter em um murmúrio de esperança e, sem parar para pensar em mais nada, ele simplesmente lançou uma de suas teias em direção ao prédio mais próximo.
  Seu coração estava disparado enquanto praticamente voava entre as construções, tudo passava como um borrão simplesmente porque o foco dele era apenas um.
  Quando parou na entrada do cemitério, o frio percorreu a espinha de Peter Parker e um medo absurdo tomou conta de si.
  No entanto, o medo não o paralisava, muito pelo contrário, era o gás para que ele seguisse em frente.
  E foi o que Peter fez.
  Ele podia escutar o eco de seus sapatos batendo contra o chão, por mais que outros sons noturnos tomassem conta do ambiente.
  Sua respiração foi ficando cada vez mais descompassada conforme seus olhos passavam pelas lápides e ele lia os nomes, mesmo sabendo exatamente onde estava aquela onde havia deixado sua amada e seu coração.
  Parou a poucos metros dela, fechando os olhos rapidamente e os apertando com força. Um nó de nervosismo se formou em sua garganta e parecia que a qualquer momento seu coração pularia de seu peito.
  Em mais um surto de coragem, Parker se aproximou daquela lápide e assim que seus olhos bateram no nome ali escrito, foi como se ele sentisse toda a dor novamente.
  Não importava quantas alterações acontecessem em seu universo, nada traria sua Gwen de volta.
  E constatar aquilo quase o fez desabar novamente.

🕷

  — Está atrasado, não vou pagar por isso! — A voz de Jameson despertou Peter de seus pensamentos e só então ele se deu conta de que havia voltado ao modo automático.
  Ele fazia aquilo como uma forma de abafar a dor que sentia.
  E odiava.
  — Parker! Estou falando com você!
  Aquilo o fez piscar os olhos rapidamente, focando no editor chefe do Clarim Diário e tentando encontrar alguma pista do que exatamente ele estava falando.
  Pela expressão desgostosa do homem, não era muito difícil de acertar.
  — Você está demitido, Parker! Rua! — Jameson repetiu, ainda mais irritado pela falta de respostas.
  Peter balançou a cabeça em negação.
  — Não pode me demitir, senhor. Eu não sou seu empregado fixo. — Teria rido da situação se Jameson não parecesse prestes a explodir em sua frente. — E se não pagar pelas fotos, vou vendê-las para alguém que faça isso.
  Tudo bem, ele devia ter guardado o último comentário para si.
  — O que foi que você disse? Não vou aceitar esse tipo de coisa no meu jornal! Você está…
  — Vamos pular para a parte que eu te mostro mais essas fotos — as colocou em cima da mesa, vendo os olhos do chefe faiscarem — e você me paga o dobro do que costuma pagar.
  Aquele era um movimento ousado, mas Peter realmente precisava do dinheiro e as fotos estavam em ângulos realmente bons.
  Isso que ele nem tinha posado para elas.
  Mais uma vez, Peter quis rir, não apenas por seus pensamentos, mas porque Jameson estava vermelho a ponto de desconfiar que a cabeça do homem voaria do corpo a qualquer segundo.
  — O dobro do preço? Ficou maluco? — Pegou as fotos e foi olhando uma por uma. — Feito! Agora some da minha frente, preciso pensar na manchete para desmascarar esse salafrário.
  Parker saiu de dentro da sala e, enquanto entrava no elevador, acabou soltando uma risada que morreu em um suspiro.
  Tudo estava ridiculamente igual.
  No entanto, não era porque estava tudo igual, que precisava ser péssimo, certo? O Peter mais velho tinha o ajudado a ver que ainda havia algo de especial nele.
  Ele era espetacular.
  Aquilo devia valer alguma coisa.
  Decidiu então que visitaria sua tia May, passaria com ela o tempo que não passava desde o dia que se mudou. Era mais seguro se ele se mantivesse afastado, mas a verdade era que sentia saudades dela e, no fim das contas, Peter não precisava enfrentar tudo completamente sozinho.
  Parker mais uma vez se distraiu em sua própria cabeça e só se deu conta de que havia deixado o prédio do Clarim Diário quando abriu a porta e sentiu o vento de New York bater contra o seu rosto.
  Colocou as mãos nos bolsos do casaco, de repente sentindo falta também do skate que havia aposentado já fazia algum tempo, então seguiu para a direita.
  Ou ao menos ele tentou fazer isso, porque, no mesmo instante, sentiu seu corpo colidir com outro um tanto mais leve e mais baixo que o dele.
  Parker levou um milésimo de segundo para perceber que havia esbarrado em uma mulher e mais um para segurá-la pelos ombros, impedindo sua queda.
  A moça arregalou os olhos em sua direção e rapidamente se soltou de Peter, puxando a blusa para baixo como se tivesse se erguido demais ou algo do tipo.
  — Oh, me desculpe. Eu estava completamente distraído e não vi você vindo — a fala dele saiu assim que seus olhos focaram no rosto da garota.
  Ela abriu um sorriso fraco.
  — Tá tudo bem. Eu também estava. — Deu de ombros. — Obrigada por me salvar de uma queda que seria épica. — Piscou para ele, então se virou e começou a andar na direção contrária, a passos tão rápidos que Parker mal conseguiu respondê-la.
  — Não tem de quê. — Peter coçou a nuca, completamente confuso com o que havia acabado de acontecer, mas ele não tinha tanto tempo assim para entender, então tratou logo de imitar o dar de ombros dela e retomar seu plano.

🕷

  A campainha precisou ser tocada por umas três vezes antes que tia May finalmente a atendesse. E assim que abriu a porta, mal conseguiu disfarçar a surpresa em ver o sobrinho.
  — Peter! Que surpresa você aqui! Aconteceu alguma coisa?
  Uma pontada de culpa fez Parker desviar o olhar para baixo, então ele suspirou e negou com a cabeça, voltando a encarar a tia.
  — Não posso mais fazer uma visita? — brincou, abrindo os braços e não tardando a sentir a mulher agarrá-lo em um abraço apertado. — Desculpe não ter vindo antes, tia May, eu…
  — Você não precisa se explicar para mim, querido. As coisas não estão fáceis, eu já imagino. — O apertou um pouco mais, então o soltou para encará-lo no rosto, analisando cada uma das feições de Peter. — Você está dormindo direito? Está comendo?
  Parker riu.
  — Claro que estou, mas achei que seria uma boa ideia matar as saudades da sua comida. Eu aceito até aquele seu bolo de carne.
  Automaticamente, uma expressão saudosa tomou conta das feições de May e eles trocaram um olhar cúmplice.
  — Entre, querido, e não me fale mais nesse bolo de carne! Não acredito que você e seu tio me enganaram por anos dizendo que gostavam dele! — resmungou, então fez um gesto para que o sobrinho a acompanhasse até a cozinha.
  Peter puxou uma cadeira para se sentar e ficou observando cada canto do lugar. Nada ali havia mudado também, mas pela primeira vez ele sentiu seu coração aquecer com aquilo.
  Tia May continuava ali por ele.
  Por que havia se esquecido daquilo?
  — Me desculpe. — As palavras escaparam antes mesmo que ele pudesse se controlar.
  May, que estava retirando alguns ingredientes do armário, se virou para olhá-lo com uma confusão bem nítida.
  — Por ter te deixado sozinha.
  — Já falei que não precisa disso, Peter. Eu entendo. Passei pelo que você passou.
  De fato, ela havia passado. May havia perdido Ben já fazia alguns anos.
  No entanto, pela forma como a tia o olhou, estava claro que ela não esquecia daquilo por nenhum minuto sequer.
  Parker suspirou.
  — E como anda a faculdade? — ela puxou assunto, ligando o fogão e colocando a panela com água ali.
  — Ah, tá ótima. Me ofereceram essa vaga de professor assistente, mas ainda tô pensando no assunto e…
  — Peter, isso é maravilhoso! — As feições de May se iluminaram e só por isso ele cogitou aceitar de fato a proposta.
  O problema era que Parker não fazia ideia de como conseguiria conciliar dois empregos enquanto bancava o amigão da vizinhança.
  — Peter!
  Piscou os olhos rapidamente ao notar que tinha se perdido pela milésima vez em pensamentos, enquanto a tia o olhava curiosa.
  — Desculpe. Eu estava pensando em umas coisas aqui.
  — Me diga que aceitou o emprego, Peter Parker! — A mulher estreitou os olhos em sua direção e o homem estremeceu, o que era bastante cômico.
  Afinal, ele lutava contra vilões e estava ali, tremendo com um olhar sério da tia May.
  — Tudo bem, eu vou pensar em aceitar, mas só porque a senhora tá insistindo.
  — Vai pensar? — May colocou a mão na cintura.
  — Preciso ter certeza de que vou dar conta disso. Eu já tenho um emprego, tia May.
  — Naquele jornal que só fala mentiras sobre o Homem Aranha? Suponho que te pagam bem demais, certo?
  Peter não conseguiu evitar o pequeno sorriso que se formou em seus lábios. Ver a tia defendê-lo, mesmo que ela ainda não soubesse da identidade do cabeça de teia, não tinha preço.
  Por alguns instantes, a conversa silenciou entre os dois e o ambiente foi tomado pelos sons das panelas no fogo e da televisão, onde passava o noticiário local.
  — E aconteceu novamente. As autoridades identificaram aquela que seria a quarta vítima do ser encapuzado que anda assolando as ruas de New York.
  Parker franziu o cenho ao ouvir aquilo.
  Ser encapuzado? Vítimas?
  Quando foi que aquilo começou a acontecer?
  Ele não se lembrava de nada daquilo acontecendo quando partiu em sua missão para ajudar o Peter Parker mais novo.
  — Segundo informações, a quarta vítima é ninguém mais, ninguém menos, que Hank Winston. O homem era procurado pela polícia por cometer diversos crimes, dentre eles homicídio e estupro.
  Espera, a vítima era um assassino?
  Mas o quê…
  — Esse é o quarto procurado pela polícia que é encontrado morto e em condições bastante similares. E devido à presença de um item em comum, o possível justiceiro encapuzado ganhou um nome. Quem será o próximo alvo do Dahlia Negra?
  — Dahlia Negra? Sério? — Parker resmungou, avaliando se aquele de fato era um bom nome para um justiceiro.
  E por que aquilo era relevante, afinal de contas?
  — Em que planeta você esteve, Peter? Os noticiários não falam mais em outra coisa. Me surpreende que não tenham pedido fotos dele para o jornal — May comentou, enquanto mantinha sua atenção voltada para a panela de molho que mexia.
  O que foi ótimo. Parker a olhou boquiaberto.
  Não, ninguém havia pedido aquelas fotos pra ele, ou ao menos não havia se dado conta disso.
  Mas como Peter não tinha a mínima ideia sobre essa história de Dahlia Negra, sendo que estavam falando daquilo o tempo todo?
  Alguma coisa de fato havia mudado em seu universo, afinal.
  — É claro que eu sei sobre o Dahlia Negra, tia May. O senhor Jameson só tem o alvo dele muito bem definido para pensar em qualquer outro. — Deveria se sentir mal por mentir, mas não se sentia, afinal, não havia como explicar para a mulher que ele havia viajado pelo multiverso sem correr o risco de deixá-la maluca.
  — E o Homem Aranha? — Aquela pergunta fez Peter erguer seu olhar para a tia, mas ainda assim ela não mudou sua posição.
  — O que tem ele? — Parker coçou a nuca, fingindo não entender.
  — Ele não está atrás desse justiceiro?
  — Como eu poderia saber disso, tia May? — O homem riu, o que finalmente atraiu a atenção da mulher.
  — Você não é o fotógrafo do Homem Aranha? — Ergueu uma sobrancelha em sua direção e Peter teve a sensação engraçada de que May sabia de algo.
  — S-sim. Claro! Eu tiro fotos dele — afirmou prontamente, vendo um sorrisinho se formar nos lábios da tia.
  — Pois então. Eu imagino que se ele estiver atrás desse justiceiro, a sua câmera não terá problemas em descobrir.
  — Não mesmo. Talvez ele só esteja esperando a hora certa de agir. — Deu de ombros.
  — Bom, a hora é essa.
  Por um segundo, Peter sentiu vontade de desabafar e contar tudo para a tia.
  Então a imagem de Gwen morta em seus braços mais uma vez assombrou seus pensamentos.
  Todas as pessoas que sabiam da identidade do Homem Aranha sofriam as consequências e ele não podia fazer aquilo com a tia.
  Tão súbita quanto veio, a vontade passou.

🕷

  Peter não queria ir até a faculdade naquele dia. Sentia falta da companhia de tia May e conseguia perceber no olhar dela que era recíproco.
  Ela foi cabeça dura quando ouviu a sugestão dele de passarem o restante do dia juntos e insistiu que Parker fosse cuidar de seus compromissos. May entendia que ele era um rapaz ocupado e estava tudo certo, nada a faria amá-lo menos.
  O sorriso terno da tia ficou gravado em seus pensamentos enquanto os vultos dos prédios passavam ao redor de Peter. Prometeu para si mesmo fazer de tudo para visitar a mulher com mais frequência e permitiu então que seus pensamentos seguissem para a notícia que o havia deixado em estado de alerta.
  Ele tinha certeza de que não havia nenhum Dahlia Negra quando partiu para sua mais recente aventura e isso deixava bem claro que sua realidade não estava tão inalterada quanto imaginava.
  O que mais havia mudado?
  Sentindo a necessidade de descobrir, Parker mal conseguiu prestar atenção às aulas que teve e praticamente correu até a biblioteca assim que teve a chance.
  A ampla quantidade de computadores e o acervo repleto das mais variadas edições de jornais foram alguns dos motivos que o levaram até aquele lugar além de qualquer outro.
  Também havia o fato, é claro, de que ele precisava de um ambiente rigorosamente silencioso, onde a chance de algo interrompê-lo ou alguém bisbilhotar o que ele fazia era muito pequena.
  E Peter Parker gostava da biblioteca. Ajudava a sua cabeça agitada a colocar as coisas em ordem.
  Sentando-se à mesa com um computador mais distante que conseguiu, ele tratou de abrir as páginas dos maiores jornais da cidade, procurando todas as informações possíveis sobre o Dahlia Negra.
  Peter foi traçando uma linha do tempo no sentido inverso, começando pelo que se sabia de mais recente até chegar ao possível ponto de partida, onde o justiceiro teria atacado pela primeira vez.
  A vítima — ou seria bandido? Aquilo estava confuso em seus pensamentos — possuía diversas denúncias por assassinato, mas havia algumas diferenças. Por exemplo, a cena de crime apresentava diversos indícios de luta corporal, o que quase não existia na cena mais recente, e Parker se questionou se era por falta de experiência do justiceiro ou talvez sua intenção inicial não fosse matar aquele homem. E algo dentro do amigo da vizinhança torceu para que a segunda opção fosse a correta.
  Seus olhos percorreram as páginas mais algumas vezes e, com um caderno à sua frente, ele foi anotando pistas que poderiam levá-lo à identidade do Dahlia Negra. No entanto, mesmo em seu primeiro ataque, o justiceiro havia tomado cuidado para não deixar nada indesejado para trás.
  Aquilo seria mais difícil do que Peter imaginava.
  Não desistiria. E se não conseguia descobrir nada sobre sua identidade, talvez ele pudesse prever ao menos sua próxima vítima.
  Um movimento bem próximo ao lugar em que Parker estava o fez parar tudo o que fazia e erguer a cabeça sutilmente, focando sua atenção ao seu redor, usando de seu sentido aranha que, de fato, nunca falhava.
  Seu olhar se direcionou para uma das prateleiras.
  Peter não estava sozinho naquela seção, mesmo não vendo ninguém, ele sabia daquilo.
  Esperou por alguns segundos, mantendo o completo silêncio, então desviou o olhar novamente para o computador, fingindo se dar por vencido.
  Pelo canto dos olhos, percebeu uma sombra espiá-lo por entre os livros e voltou a erguer a cabeça em sua direção.
  — Olá? — resolveu se pronunciar, apurando os ouvidos mais uma vez.
  Quem sabe era apenas algum calouro assustado, mas a atitude de se esconder não deixava de ser suspeita.
  Se levantou sem conseguir esperar ali onde estava e seguiu de forma silenciosa para as prateleiras, não recebendo resposta alguma ao seu chamado.
  — Oi? Tem alguém aí? — repetiu ainda assim, e no instante em que dobrou o corredor onde ele sabia que estava a sombra, sentiu seu corpo colidir pela segunda vez com alguém naquele dia.
  E pela segunda vez o seu sentido aranha o fez se adiantar e segurar a outra pessoa pelos ombros, impedindo a sua queda.
  Quando seus olhos focaram em quem estava à sua frente, um misto de surpresa e desconfiança tomou conta de suas feições e imediatamente Peter Parker estreitou seu olhar.
  — Está me seguindo? — Foi a primeira coisa que questionou, achando que era coincidência demais ele esbarrar duas vezes na mesma pessoa no mesmo dia.
  — Eu… — Os olhos da mulher se arregalaram exatamente da mesma forma de antes.
  — Você? — Parker insistiu, percebendo um certo nervosismo nas feições dela e aquilo denunciava que de fato estava se escondendo atrás da prateleira, logo, estava mesmo o seguindo.
  — Desculpe! — Desviou o olhar para as mãos do homem em seus ombros. — Você pode me soltar?
  Peter hesitou.
  — Pra você sair correndo sem me dizer por que está me seguindo? — A encarou com astúcia.
  — O quê? Não! Eu não estou seguindo você, Peter… — Mais uma vez, o nervosismo estava aparente.
  — Opa! Então você sabe o meu nome. — Um sorrisinho quis se formar nas feições dele, porém Parker se manteve sério. A moça parecia inofensiva, mas havia aprendido de forma trágica que não se podia confiar em qualquer pessoa.
  — Sim. Você é o Peter Parker. Todo mundo daqui te conhece, sabe? — Soltou uma risadinha, então o encarou bem nos olhos e respirou fundo. — Mas não estou te seguindo, tá legal? Você pode me soltar? — pediu mais uma vez e o rapaz acabou cedendo, se mantendo preparado para o caso de ela tentar fugir.
  Precisava mesmo saber o motivo de ela estar claramente se esgueirando atrás de uma prateleira e se havia visto alguma coisa sobre as pesquisas dele.
  — Tudo bem. Agora que eu te soltei você vai me dizer por que estava se escondendo se não estava me seguindo? — Arqueou uma sobrancelha.
  — Você já deu uma olhada na seção em que nós estamos, Peter Parker? — a moça indagou, fazendo-o questionar mentalmente o que aquilo tinha a ver. — Talvez nem tudo seja sobre você.
  Aparentemente, o nervosismo dela havia ido embora e seu olhar se fixou nele em desafio.
  — O quê? — Peter se sentiu atordoado.
  — A seção. Se você gostar desse tipo de livro, eu posso te recomendar alguns. — Indicou a prateleira atrás de si e Parker sentiu seu rosto esquentar ao notar alguns títulos bastante sugestivos. — Você gosta de Cinquenta Tons de Cinza? — ela provocou.
  Foi a vez dele rir nervoso.
  — Então você estava aqui lendo livros… ahm.. eróticos? — pigarreou em meio à fala.
  — Não, Parker. Eu estava escolhendo um para ler em casa. — Ela sorriu de canto.
  Era bem mais fácil quando ela estava envergonhada.
  — Bom… Foi mal então. — Levou uma mão aos cabelos, bagunçando-os simplesmente porque não sabia o que fazer.
  O sorriso da garota se alargou.
  — Tudo bem. Mas até que foi engraçado esse negócio de você achar que eu estava te seguindo.
  Parker riu e estava pronto para dar as costas a ela e procurar o primeiro buraco onde pudesse se esconder, até que algo lhe ocorreu.
  — Se isso aí é verdade mesmo, como é que esbarrei justo em você mais cedo? — Seu cenho se franziu, porém, a expressão dela permaneceu a mesma.
  — Eu trabalho na floricultura ao lado do Clarim Diário. Você passa por mim há anos, Peter.
  Como ele nunca havia reparado naquilo?
  Talvez porque seus pensamentos sempre estiveram focados em outras coisas.
  No entanto, mais uma coisa lhe ocorreu.
  Ela reparava nele.
  A sombra de um sorriso se formou em seus lábios.
  — Bom, será que eu consigo me redimir um pouquinho se perguntar qual é o seu nome?
  Ela o encarou por alguns segundos, como se ponderasse se ele realmente merecia uma resposta.
  Então acabou sorrindo.
  — , mas você pode me chamar de .
  Peter gostou do nome dela. Combinava perfeitamente com a garota.
  — É um prazer te conhecer, . Estou redimido? — Sorriu de volta para ela.
  — Ah, não. Você não está nem perto disso, Parker.
  Aquilo o fez erguer uma sobrancelha.
  — Não estou?
  — Não. Não está. — umedeceu os lábios. — Mas se você realmente está interessado nisso, anota o meu número e eu posso pensar se te dou alguma dica. — Piscou para o rapaz.
  O olhar de Peter se direcionou para os lábios da garota, achando bastante atraente a forma como eles se curvara. No entanto, um outro sorriso surgiu em seus pensamentos e seu estômago pareceu afundar enquanto seu peito se apertava.
  Ele estava mesmo flertando com ?
  Pigarreou.
  — Eu… Desculpa, . Você parece ser uma pessoa muito legal e tudo mais, mas não posso. Eu… Eu gosto de alguém e…
  — Tudo bem, Parker. — Porém o sorriso de murchou um pouco e ela lutou ao máximo para disfarçar aquilo. — Mas se achar que precisa de uma amiga ou algo do tipo, você consegue me encontrar. Pelo que vi, você gosta de uma boa pesquisa. — Indicou o computador onde ele estava, fazendo-o olhar naquela direção.
  Peter não soube explicar, porém ao mesmo tempo em que se sentia culpado por pensar em aceitar o convite de , ele também se sentiu por não aceitar.
  — … — Se virou mais uma vez para encarar a garota.
  E descobriu que ela não estava mais ali.

CAPÍTULO DOIS

  A ausência de movimento era atípica naquela região de New York. Havia passado das oito da noite, deixando a iluminação a cargo dos diversos postes, além das luzes provenientes das residências e estabelecimentos comerciais.
  Era de se esperar que a agitação ainda estivesse presente e carros passassem de um lado a outro, no entanto, tudo estava estranhamente silencioso, como se houvesse alguma espécie de toque de recolher estabelecida por ali.
  Se realmente se tratava daquilo ou não, o senhor Goodman não queria saber. Nada o impediria de ir até o mercado de sempre para comprar os alimentos que sua esposa havia solicitado.
  Na verdade, a senhora Goodman não havia pedido nada, mas sua perna machucada por uma queda recente requeria um pouco mais de cuidados. Então, mesmo sob protestos, o marido conseguiu fazer com que ela ficasse quietinha em casa, aguardando-o retornar com tudo o que precisava para fazer o jantar.
  A respiração do velho senhor estava um tanto falha devido ao esforço da caminhada. Não era um trajeto muito longo, mas seus pulmões não funcionavam da mesma forma de quando era jovem e qualquer tentativa de apressar seus passos logo fazia seu coração disparar como se fosse sair pela boca a qualquer momento.
  Carregando o pacote de papel nos braços, Goodman caminhava com uma certa tranquilidade que não condizia muito com a atmosfera da região naqueles últimos tempos. Não com um possível assassino à solta. Mas pelo que o homem havia visto nos noticiários, o tal Dahlia Negra tinha uma preferência por criminosos, então aquilo significava que estava livre, certo? E, de qualquer forma, ele estava velho demais para se importar com coisas do tipo. Costumava dizer que quando chegasse sua hora, ele partiria e não havia nada que ninguém pudesse fazer.
  Dando uma risada rouca de seus próprios pensamentos, o senhor Goodman acabou tossindo sonoramente, sentindo seus pulmões protestarem novamente e clamarem por oxigênio. Ele parou sua caminhada sem se dar conta, ou até mesmo sem se importar com a sombra parada na curva de um beco escuro.
  O dono da sombra, no entanto, se importava com o velho senhor. Não por ter alguma relação com ele ou empatia, mas simplesmente porque ali estava a sua oportunidade de garantir alguma coisa naquela noite.
  Se aproximou sorrateiramente, observando Goodman tirar um lenço do bolso de sua calça para tossir mais uma vez, cobrindo a boca com o pedaço de pano. E foi quando o homem ergueu sua cabeça que sentiu o cano de uma arma encostar na base de suas costas.
  Por mais que estivesse conformado com o fato de que morreria em breve, a sensação de que sua vida agora estava nas mãos de um estranho fez com que gelo percorresse sua espinha e cada célula de seu corpo entrasse em estado de alerta. A adrenalina gritou para que corresse o mais rápido que pudesse, porém, seu cérebro clamava o contrário. Correr só ia fazer o estranho apertar o gatilho, fazendo com que as compras nunca chegassem até sua amada esposa.
  — Se tentar fugir ou gritar, você morre. Entendeu? — A voz rouca fez o trabalho de aumentar ainda mais o pavor que o velho senhor sentia.
  Ele assentiu febrilmente. A única coisa que pensava era na senhora Goodman.
  — Ótimo. Então anda comigo. — O assaltante empurrou o cano da arma, cutucando as costas do homem e o fazendo caminhar para dentro do beco escuro, onde definitivamente ninguém poderia vê-los. Mesmo as ruas estando desertas, não podia arriscar.
  Goodman engoliu em seco, seus pulmões começaram uma luta ainda mais intensa por oxigênio e seus lábios começaram a tremer sem controle, pressentindo que o pior estava prestes a acontecer.
  Por que aquele estranho simplesmente não pegava seu dinheiro e ia embora?
  — Pode parar aí. — Apontou a parede ao lado de uma grande caçamba de lixo. — Agora passa tudo o que tiver nos bolsos.
  Tentando controlar a tremedeira em suas mãos, o homem tateou um dos bolsos com a mão livre, entregando a carteira e mostrando em seguida que no outro havia apenas a chave de sua casa.
  — Seu relógio também.
  O coração do senhor Goodman se apertou quando ele ouviu aquilo. O relógio havia sido um presente da filha, que naquele momento provavelmente estava do outro lado da cidade, encerrando seu expediente na empresa em que trabalhava. Ele não a via já fazia quase um mês, era verdade, porém sabia o quanto a mulher era ocupada e tinha certeza de que a sua esposa também. Aquilo nunca havia sido um problema para o casal, por mais saudades que sentissem.
  Se separar daquele item era como deixar que um pedaço de sua filha fosse levado e, por um milésimo de segundo, o homem hesitou. O momento não passou despercebido pelo assaltante, que, dominado pela própria adrenalina, agiu com ainda mais agressividade.
  — Tá de brincadeira, velhote? Passa logo essa merda! — Então o socou com tanta força em um dos ombros que o pacote de compras caiu das mãos do senhor Goodman.
  Um grunhido de dor ecoou pelo ambiente e lágrimas escaparam dos olhos do homem. Naquele momento, Goodman teve a certeza de que, mesmo que entregasse seu relógio àquele estranho, não seria o suficiente. Sem nada a perder, ele tiraria sua vida.
  Pensou em implorar, mas de repente não encontrava forças para fazer com que as palavras saíssem de sua boca. O desespero era tanto que naquele momento a única coisa que lhe restava era pedir mentalmente por uma salvação, mesmo sabendo que esta nunca chegaria.
  Estendendo o pulso, tremendo como se estivesse congelando de frio, seus dedos erraram algumas vezes em abrir o fecho do relógio, o que causou ainda mais impaciência ao assaltante. A arma foi pressionada com mais força em suas costas e mais ameaças foram proferidas, porém o pavor naquele momento era tanto que o senhor Goodman mal conseguiu entendê-las. Só queria que aquilo acabasse de uma vez. Só queria voltar para casa e se aninhar com a esposa, nunca mais soltá-la.
  Então, de repente, não havia mais nada machucando suas costas. Não havia mais ninguém cuspindo enquanto gritava em seu ouvido. A única coisa que o senhor Goodman sentiu foi uma lufada de ar, como se o próprio vento tivesse arrancado o assaltante dali.
  Atordoado, o homem olhou à sua volta, percebendo que o estranho agora estava atirado no chão, a apenas alguns metros dele e olhava em sua direção com fúria.
  Mais uma onda de pânico tomou conta de si, até o momento em que a arma voltou a ser erguida e o assaltante a apontou para algo que parecia estar logo atrás de Goodman.
  — Seja lá quem você for, eu não tenho medo. Te furo inteiro antes mesmo de se mexer! — Estava claro que sua primeira frase não era verdadeira. Sua voz estava trêmula, assim como sua mão, enquanto se atrapalhava para posicionar o dedo no gatilho.
  Uma risada baixa ecoou.
  — Quero ver você tentar. Manda a ver! — A voz era um tanto distorcida e o senhor Goodman não conseguiu reconhecê-la, muito menos distinguir se pertencia a um homem ou a uma mulher.
  Ele se virou para olhar quem o salvava, porém, tão rápido quanto havia atingido o assaltante anteriormente, o vulto encapuzado se lançou na direção dele, ficando bem diante da arma, como se esperasse pelos tiros que foram prometidos.
  — E então? Não vai me furar? — Mais uma risada sarcástica pôde ser ouvida e o vigilante tombou a cabeça de lado, parecendo se divertir com o quanto o assaltante de repente parecia atrapalhado. — Vocês criminosos são mesmo todos iguais.
  Então lhe deu um chute que fez a arma voar longe ao mesmo tempo que um grito de dor dominou o ambiente.
  Os olhos do senhor Goodman se arregalaram diante daquilo e ele pôde jurar que tinha visto a mão do homem se dobrar em um ângulo estranho.
  As histórias sobre a figura encapuzada realmente eram verdadeiras. Aquele era o Dahlia Negra e aquele gesto deixou muito claro que não teria um pingo de misericórdia com aquele homem.
  Ainda encolhido onde estava, paralisado pelo medo, o senhor Goodman assistiu quando Dahlia Negra avançou ainda mais para cima do criminoso, desviando uma tentativa tosca de um soco e atingindo-o com um chute em uma das pernas. O homem tombou, caindo de joelhos, mas mal teve tempo para se dar conta disso, porque, no instante seguinte, foi atingido com socos impiedosos em seu rosto.
  — Gosta de assaltar idosos e bater neles? — o vigilante sibilava, completamente dominado pela fúria, não deixando que o homem respondesse, lhe dando joelhadas no estômago e acertando seu queixo com um gancho de direita que com toda certeza devia ter quebrado sua mandíbula.
  Goodman devia desejar que o criminoso pagasse pelo que havia feito com ele, mas não se sentia daquela forma. Cada golpe que assistia o homem receber e cada som de dor e engasgo que chegava aos seus ouvidos fazia uma agonia sem fim tomar conta de si.
  — Pare! — De repente, ouviu a própria voz ecoar, falha devido à falta de oxigênio que nunca ia embora.
  O vulto, que naquele momento segurava o assaltante pela gola da camiseta, se virou para encarar o velho senhor. Pela forma como o corpo do homem balançava mole, estava praticamente desmaiado àquela altura.
  — Por favor, ele vai pagar pelo que fez. Vão jogá-lo numa cela. Você não precisa fazer isso — Goodman prosseguiu, num fio de esperança de que suas palavras estariam surtindo algum efeito.
  Dahlia Negra olhou rapidamente para o homem em suas mãos e mais uma vez para o senhor Goodman.
  — Tenha misericórdia. — Mal sabia ele que aquela havia sido uma péssima escolha de palavras.
  — A misericórdia é dada apenas para aqueles que merecem. Ele será preso hoje, amanhã volta para as ruas e volta a atacar pessoas. Ele não merece misericórdia — declarou, irredutível.
  — E quem é você para julgar quem merece misericórdia ou não? — Goodman questionou, em um surto de coragem.
  — Eu sou a justiça.
  De repente, as sirenes da polícia puderam ser ouvidas. Ainda estavam há alguns quarteirões de distância, então Dahlia Negra teria tempo o suficiente para terminar seu trabalho.
  — Se eu fosse o senhor, não olhava. — Sabia que não teria tempo para esperar o velho senhor sair dali, então apenas se voltou para o criminoso, que soltou um gemido baixo, denunciando que estava quase recobrando a consciência.
  Puxando a adaga de sua cintura, o vigilante precisou de apenas um movimento rápido para cortar a garganta do homem, jogando-o no chão e o assistindo se debater enquanto encarava a última coisa que veria em sua vida. Um olho azul e o outro negro.
  Horrorizado, o senhor Goodman assistiu o vulto encapuzado tirar uma pequena planta e colocá-la sobre o assaltante, agora morto.
  — Ei, você! — De repente, uma terceira voz preencheu o ambiente e Dahlia Negra se virou na direção dela, já sabendo muito bem a quem pertencia.

🕷

  Peter Parker havia disparado janela afora ao ouvir no rádio da polícia que havia uma ocorrência onde o Dahlia Negra parecia estar envolvido.
  Não lembrava de ter disparado suas teias e cruzado os grandes prédios tão rápido desde o momento de sua volta àquele universo. A ansiedade em confrontar aquele assassino de criminosos tomava conta de si.
  Na verdade, ele não sabia como chamá-lo. Se de assassino ou justiceiro. Precisava descobrir qual era seu propósito e aquela era a sua chance.
  Usando seu sentido aranha, conseguiu localizar com mais facilidade onde tudo estava acontecendo, mas, ao chegar lá, viu que era tarde demais para salvar uma vida.
  Dahlia Negra deixava sua assinatura sobre o corpo do criminoso, enquanto um senhor se encolhia horrorizado. Sua voz ecoou pelo beco, chamando a atenção da figura, que se voltou para ele e tombou a cabeça de lado como se o desafiasse.
  — Eu só quero… bater um papo. — O Homem Aranha interrompeu sua fala, quando Dahlia Negra disparou pela noite em uma velocidade tão impressionante quanto sua habilidade para escalar muros.
  Peter tentou lançar uma teia, mas não conseguiu pegá-lo, então seguiu na direção por onde o justiceiro havia ido. Seguiu procurando qualquer vestígio dele, porém, frustrado, não encontrou nenhum sinal do Dahlia Negra.
  Ele havia sumido feito fumaça.

  Honestamente, dizer que Peter Parker estava frustrado era muito pouco. Sem conseguir evitar um grunhido alto de frustração, o Homem Aranha retornou ao local do crime para se certificar de que o senhor Goodman estava bem e descobriu que, além do choque com a cena presenciada, o homem estava com seu ombro deslocado.
  Aos sussurros, ele contou que havia sido o criminoso, mas que nem por isso a morte e a violência eram a solução. Parker ficou ali, lhe fazendo companhia até a polícia enfim chegar e só foi embora após se certificar de que tudo estava mesmo bem.
  — Obrigado, meu filho. Você tem um bom coração. — A voz do senhor Goodman permaneceu ecoando nos ouvidos de Peter enquanto ele se deslocava entre os prédios.
  Mesmo não tendo nenhuma semelhança física, aquele homem o lembrou de seu tio Ben e vê-lo machucado daquela forma trouxe de volta aquela dor com a qual havia aprendido a conviver, mas nunca ia embora de fato.
  Um suspiro resignado escapou de seus lábios. Tomando mais um impulso, Parker seguiu atravessando os prédios, procurando por algo que ele já sabia que não ia mais encontrar. Não havia conseguido quando a fuga do Dahlia Negra havia sido recente, não era naquele momento que qualquer milagre aconteceria.
  Naquela noite, Peter interveio em mais dois crimes que aconteciam na região. Um havia sido uma tentativa de furto de um carro e no outro ele parou um estranho prestes a assaltar uma conveniência.
  Retornando ao seu apartamento, Parker se jogou em sua cama de uniforme e tudo, encarando o teto e tentando assimilar as coisas. Tudo havia acontecido muito rápido e ele recebeu informações demais desde o momento em que foi parar em outro universo.
  Parecia que tudo havia virado de ponta cabeça e por mais que tentasse consertar as coisas, não conseguia.
  Bufou alto, fechando os olhos e pressionando as têmporas com suas duas mãos. A imagem do Dahlia Negra se virando para encará-lo voltou aos seus pensamentos e Peter observou que o justiceiro nem mesmo havia tentado enfrentá-lo, o que só deixava ainda mais claro que seus alvos eram apenas os criminosos.
  — Mas por que matá-los? — murmurou, aturdido. — Assassinato só o torna igual a eles.
  Antes que pudesse chegar a uma resposta, no entanto, o som da televisão, que Parker havia deixado ligada, chamou sua atenção.
  — E segue a busca pelo assassino vigilante, conhecido como Dahlia Negra. Embora a polícia local não tenha nenhuma novidade sobre o caso, o delegado Crosby reforçou que as investigações estão a todo vapor. Muito pouco se sabe, mas todo o cuidado é pouco e um toque de recolher está sendo estudado.
  Sentando-se na cama para prestar atenção no que era dito, uma careta tomou as feições de Peter.
  Ele precisava descobrir a identidade daquele vigilante e, mais do que isso, queria entender o seu propósito. Algo dentro de si gritava por aquilo.
  Decidiu então que no dia seguinte começaria a analisar os lugares por onde Dahlia Negra havia deixado seu rastro.

🕷

  Quando seu despertador tocou naquela manhã, um resmungo de protesto ecoou dos lábios de Peter. Num gesto rápido, ele se levantou e silenciou o aparelho sem nem mesmo olhá-lo, para logo em seguida desabar novamente na cama, cobrindo seu rosto com o travesseiro.
  Pressionando os olhos com força, Parker desejou febrilmente voltar a dormir. Havia passado quase a madrugada toda acordado, sem conseguir parar de pensar nos últimos acontecimentos e quando finalmente sua mente relaxou estava quase amanhecendo.
  No momento em que o barulho estridente ecoou pelo cômodo, parecia que ele havia acabado de dormir.
  Não soube quanto tempo permaneceu naquela posição, encolhido na cama e com o travesseiro ainda tampando seu rosto, mas de repente foi como se pudesse ouvir a voz de Tia May dizendo que ele precisava levantar ou iria se atrasar.
  Bufou, descobrindo seu rosto e encarando o teto. Para ser sincero, Peter sentia falta de quando tudo parecia se resolver se ele simplesmente fosse para a aula.
  Havia prometido a si mesmo que tentaria viver ao menos uma parte de sua vida de forma “normal”, mesmo duvidando de que aquilo realmente era possível, e ir para a universidade era um passo importante. Não era?
  Levantou da cama, por fim, pegando a primeira combinação de roupas que encontrou e abriu um sorriso amarelo quando viu seu reflexo desgrenhado no espelho.
  O apartamento de Parker era realmente pequeno. O que queria dizer que seu quarto era também a sala de estar, a cozinha e a lavanderia. O único cômodo separado era o banheiro e para ele não era tão ruim. Era aquele lugar que podia pagar, então não podia ser tão ruim.
  Peter abriu a geladeira, vendo que ali tinha só um galão de leite e uma bandeja com rosbife. Ele precisava comprar comida urgente, não podia ficar comendo todos os dias na casa da Tia May, por mais que provavelmente ela fosse adorar aquela ideia.
  Riu com o pensamento, pegando a caixa de cereal do armário, sendo aquele também o único alimento que havia ali e colocando um pouco na tigela para depois acrescentar o leite.
  No entanto, seu riso sumiu quando colocou uma colherada na boca. O cereal estava mole.
  — Nojento! — resmungou, sacudindo o corpo ao sentir um arrepio e largou a tigela na pia, correndo para o banheiro e terminando de se ajeitar para finalmente sair de casa.
  Repassando mentalmente as coisas que precisava fazer naquele dia, Peter carregou a câmera consigo. Precisava arrumar algum dinheiro logo e o trabalho como fotógrafo freelancer sempre salvava sua vida.
  Não duvidava nada se o editor chefe do Clarim Diário resolvesse que agora queria fotos do Dahlia Negra, além do Homem Aranha. Todos estavam obcecados pelo justiceiro e, aparentemente, ele mesmo também estava.
  Quando saiu para a movimentada New York, Parker de repente percebeu que precisava correr ou chegaria atrasado à universidade.
  Andando apressado até o primeiro beco vazio que encontrou, sua única alternativa era pegar carona com o Homem Aranha.
  E apesar do breve mau humor matinal, Peter Parker não deixou de cruzar as ruas e prédios da cidade com a animação o fazendo gritar a plenos pulmões e cumprimentar cada pessoa que parava para olhá-lo.
  Ter conhecido os outros dois Peter Parkers tinha trazido aquilo de volta a ele. A animação de ser o amigo da vizinhança, a vontade de ajudar cada cidadão, mesmo em coisas simples como atravessar a rua ou salvar gatos pendurados em árvores.
  Lembranças ruins tentavam cruzar seus pensamentos, porém Peter escolheu não focar nelas naquele momento. Aquele dia seria ótimo apenas para variar um pouco.
  E, ao aterrissar no telhado da universidade, ele estava certo de que conseguiria.

🕷

  Trabalhar como professor assistente era muito mais fácil do que Parker imaginava. Exigia bem menos esforço se ele fosse considerar, bem, suas outras atividades. Peter tinha bastante experiência e a ideia de ajudar os estudantes estava lhe agradando bem mais do que esperava.
  No fim das contas, ele gostava de ser surpreendido. Se fosse para um lado bom, é claro.
  O tempo pareceu passar relativamente rápido, ou talvez Peter apenas estivesse realmente entretido no novo emprego.
  Ele foi bastante elogiado pelo professor Hofstader e só não recusou seu intervalo porque realmente precisava comer alguma coisa.
  Parker voltava do refeitório com a ideia de passar o tempo que lhe restava no telhado, ou quem sabe na biblioteca? Como um era caminho do outro, resolveria na hora.
  Encontrou um ou outro rosto conhecido no corredor. O lance de ser professor assistente fazia as pessoas o notarem e ele não sabia ainda como se sentia em relação àquilo.
  Por algum motivo, no entanto, uma das portas dos laboratórios chamou sua atenção. Mais especificamente o pequeno vidro no meio dela, que dava um vislumbre de quem estivesse ali dentro e em uma bancada próxima.
  E foi olhando naquela direção que Peter identificou mais um rosto conhecido. Esse, no entanto, talvez não ficasse tão feliz em vê-lo.
  Era .
  Parker não esperava mesmo que ela fosse ficar contente em ver o cara que tinha lhe dado um fora no outro dia. Pelo menos ele não ficaria se a situação fosse invertida.
  Passou reto pelo laboratório, agradecendo mentalmente porque aparentemente não tinha lhe visto, porém acabou parando uns três passos depois.
  Uma careta se formou em suas feições. Ele devia ao menos se desculpar com ela, certo? parecia ser uma pessoa legal, Peter só não podia arriscar a vida de outra pessoa e…
  E tinha Gwen.
  Como podia sequer pensar em pensar em outra garota?
  Sacudiu a cabeça, confuso com os próprios pensamentos, então respirou fundo.
  Ele ia se desculpar. Era o certo a se fazer.
  Parker só se deu conta de que corria o risco de passar uma vergonha colossal depois de empurrar a porta do laboratório e entrar. Mas, por sorte, o lugar não estava cheio de alunos e muito menos de outros técnicos. Havia apenas ali.
  — Peter Parker? — A mulher havia erguido a cabeça para encará-lo, erguendo uma sobrancelha em confusão. De todas as pessoas que poderiam entrar ali, jamais esperaria por ele.
  Peter coçou a nuca, nervoso, então deu dois passos na direção da bancada onde estava.
  — Esse sou eu — respondeu a primeira coisa que veio à sua cabeça e se sentiu idiota por aquilo segundos depois.
  — Não quero ser mal educada, mas… O que faz aqui? — Ela o avaliou rapidamente, tentando parecer o mais centrada possível. Parker a deixava nervosa e ele certamente já a achava maluca o suficiente por conta do convite no outro dia.
  — Hm, eu estava passando e te vi aqui. Achei que seria uma boa hora para conversar sobre uma coisa. — Peter torceu a boca, como se já esperasse uma resposta negativa por parte dela, porém achou aquilo um tanto adorável e conteve um sorriso.
  — Tudo bem. Mas é melhor você vestir um jaleco antes. Ainda não cheguei aos meus experimentos em humanos. — Piscou para ele, indicando que poderia pegar um dos jalecos pendurados atrás da porta, se precisasse.
  O comentário fez Parker sentir uma súbita curiosidade, mas não podia se distrair e só sairia daquele lugar depois de ter resolvido as coisas com ela.
  Não gostava muito da ideia de usar o jaleco de outras pessoas, mas o dele estava no laboratório do professor Hofstader, então, à contragosto, vestiu o primeiro que parecia servir nele e logo voltou para perto de , puxando uma banqueta e se sentando ao lado dela.
   examinava amostras no microscópio e parou por alguns segundos para fazer algumas anotações num caderno posto ao lado. Ao terminar, largou a caneta na bancada e voltou seu olhar para Peter.
  Os olhos dela eram tão negros que pareciam refletir as luzes do laboratório e por alguns segundos ele se viu completamente perdido os encarando.
  — E então? — A voz de o fez despertar de seus pensamentos.
  — O quê? — Não quis soar totalmente atordoado, mas foi impossível disfarçar, afinal, ele estava a encarando fixamente sabe-se lá por quanto tempo.
  — O que quer conversar, Peter Parker? — Um pequeno sorriso se formou nos lábios de , enquanto, mais uma vez, ela o achava adorável.
  — Acho que, para começar, você não precisa ficar me chamando pelo nome completo, sabe? Peter já está ótimo. — Tentou soar o mais descontraído possível. Alguma coisa nela o deixava nervoso e ele se sentia como um adolescente de novo.
  — Tudo bem, Peter. O que quer conversar? — tinha bastante coisa para fazer no laboratório naquele dia, mas não se importou. Parker podia levar o tempo que quisesse ali.
  Ela só precisava lembrar que havia levado um fora épico dele. Não podia se permitir ser completamente patética de novo.
  — Então… Eu vim me desculpar. — o olhou surpresa e estava pronta para dizer algo, porém Peter prosseguiu antes que o nervosismo levasse a melhor. — Acho que não foi nada legal o que aconteceu no outro dia. Quer dizer, você estava sendo legal e eu não fui. Eu sinto muito, .
   simplesmente não conseguia acreditar que Parker havia ido até ali só para fazer aquilo. Ele não tinha obrigação alguma de se desculpar ou justificar qualquer coisa, afinal, eles nem se conheciam. No entanto, ali estava ele.
  E ela não conseguiu segurar o sorriso delicado que surgiu em seu rosto, algo que não passou despercebido por Peter. Ele não sabia qual reação esperar dela, mas não imaginava que fosse sorrir daquele jeito tão… doce.
  — Peter, você não precisa me pedir desculpas. Eu que fui totalmente maluca de chegar chamando você pra sair. Afinal de contas, nós nem nos conhecemos. — A voz dela oscilou na última frase, deixando em evidência que se sentia envergonhada, e Parker negou com a cabeça.
  — Acho que não tem problema nenhum nisso. As pessoas não saem para se conhecerem?
  — Ainda assim…
  — Que tal se a gente começar de novo? — De repente, ele estendeu a mão para ela. — Prazer, eu sou o Peter Parker.
   riu daquilo e tirou uma das luvas de látex para segurar a mão dele de volta.
  — . Mas você pode me chamar de . — Parker sorriu para ela, que retribuiu.
  Um silêncio tomou conta do ambiente e os dois ficaram se encarando por alguns segundos. Ele imaginando que seria expulso do laboratório a qualquer segundo. Ela esperando pelo momento em que o rapaz levantaria e sairia correndo. Tinha consciência de que não era lá tão sociável, a prova daquilo era estar ali sozinha naquele momento.
  — Me desculpe por ter saído daquele jeito, aliás.
  — Então, sobre o que é a sua pesquisa?
  Os dois haviam falado ao mesmo tempo e aquilo arrancou mais algumas risadas tímidas de ambos.
  — Eu teria feito a mesma coisa — Peter falou primeiro, porque certamente sua resposta seria mais breve. — Mas nem lembro mais do que você tá falando, de qualquer forma. — Acrescentou, franzindo o cenho como se estivesse realmente tentando lembrar.
  Aquilo fez rir mais uma vez. Parker realmente era adorável demais para a sanidade dela.
  — Bom, a minha tese é voltada para o melhoramento genético de plantas. Mais especificamente a hibridização entre espécies. — Sabia que Peter entendia do que ela estava falando, porque ele não pareceu nem um pouco confuso com as palavras que usava. — Comecei com cruzamentos planta com planta, depois plantas com fungos e agora plantas com bactérias e cianobactérias. A ideia é ir evoluindo até…
  — Até fazer um híbrido de planta e ser humano? — Parker arqueou uma sobrancelha, surpreso e ao mesmo tempo tendo uma espécie de déjà vu. A conversa era muito parecida com os trabalhos de seu pai e do Doutor Connors.
  — Exatamente. Mas a ideia não é beneficiar o ser humano com isso, Peter. É tentar reverter um pouco do dano que nós já fizemos ao meio ambiente. Sei que parece algo completamente maluco, mas…
  — Sim, realmente é meio louco. — Ele foi sincero, fazendo uma careta se formar no rosto de .
  — Pode ficar tranquilo. Não quero transformar a população do mundo inteiro em árvores — brincou, com uma risada envergonhada. — O estudo ainda vai levar anos para chegar ao estágio humano. Mas alguém precisa começar, não é? E imagina o quão incrível seria um indivíduo fitocinético. — Os olhos dela brilharam.
  Parker assentiu, embora ainda tentasse assimilar tudo aquilo.
  No entanto, não podia negar que a ambição de era admirável.
  — Então, além de inteligente e divertida, você é bastante ambiciosa. — Sem que conseguisse se controlar, de repente os elogios haviam escapado de sua boca.
  Sentindo algo engraçado no estômago, desviou seu olhar para as próprias mãos, depois tornou a encarar Parker, precisando de um certo esforço para recuperar a própria voz. Ele realmente a deixava nervosa.
  — Obrigada, Peter. Você também é inteligente e divertido. Só não sei da ambição ainda. — Abriu um pequeno sorriso, que ele retribuiu de imediato.
  Parker não esperava que ela fosse elogiá-lo de volta, mas havia gostado de ouvir.
  Mais uma vez, o silêncio tomou conta do ambiente e mesmo que a ideia de recomeçar tivesse partido dele, de repente ali estava novamente a necessidade de se desculpar.
  — Eu realmente sinto muito por aquele fora, . É bem clichê o que eu vou dizer, mas não é você… sou eu. — E riu do quanto aquilo soava idiota.
  — Não se preocupe, Peter. Eu entendo. De verdade. — Sorriu mais uma vez daquele jeito que Parker havia achado doce. — Mas nós falamos em recomeço, certo?
  — Certo. — Ele assentiu, acompanhando com curiosidade quando desviou sua atenção dele para pegar a caneta na bancada e anotar alguma coisa em uma folha em branco de seu caderno.
  Quando ela arrancou o papel e estendeu em sua direção, ficou claro do que se tratava.
  — É o meu número. — não precisava dizer, mas mesmo assim o fez. — Se você quiser uma amiga ou apenas alguém para conversar, me manda uma mensagem, ou me liga. Você é legal demais para ficar andando por aí sozinho, Peter.
  Parker sorriu com aquilo e aceitou o papel.
  — Como sabe que eu ando sozinho, ? — Ergueu uma sobrancelha.
  — Foi um palpite e você acabou de confirmar. — Seus lábios se curvaram em um sorriso esperto.
  Peter sentia que poderia continuar ali por horas conversando com ela, mesmo que em alguns momentos ambos ficassem sem saber o que dizer. No entanto, estava trabalhando e ele também.
  Ele também.
  De repente, Parker olhou para o relógio em seu pulso, percebendo que faltavam dois minutos para o fim de seu intervalo.
  Voltou a encarar e ela poderia rir novamente apenas com aquela expressão atordoada dele. De novo, adorável demais para o bem dela.
  — Deixa eu adivinhar. Você precisa ir — se pronunciou antes que ele o fizesse.
  — O restante do meu intervalo voou. Vou te deixar voltar ao seu trabalho também. — Riu sem jeito e de repente ela sentiu uma certa animação em saber que Parker havia se perdido no tempo ali com ela.
  — Bom saber que gostou da nossa conversa. — Tombou levemente a cabeça de lado e Peter sorriu.
  — Não imagino como eu não gostaria. — Foi sincero. — A gente se vê, . Nada de transformar as pessoas em árvores.
  Talvez aquela brincadeira fosse idiota demais, mas havia sido mais forte do que ele.
  — Pode deixar. A gente se vê, Peter.
   o assistiu seguir até a porta e dar uma última olhada para ela, sorrindo antes de sair do laboratório.
  Pelo restante do dia, a sensação de animação continuou ali e vez ou outra se pegava sorrindo para absolutamente nada.
  Ter dado seu número a ele provavelmente havia sido um erro fatal.

🕷

  Ficar atento ao movimento policial naquela noite não foi o suficiente para Peter. Ele tinha experiência o bastante para duvidar que qualquer viatura conseguiria chegar a tempo caso Dahlia Negra atacasse mais uma vez.
  Não é que não confiava na polícia ou os achava incapazes de proteger a população, mas Parker havia de fato dado de cara com o vigilante e comprovado que sua agilidade não era comum.
  E não saber exatamente com o que estava lidando só aumentava ainda mais sua vontade de encontrá-lo.
  O Homem Aranha estaria preparado, não permitiria que escapasse até obter as respostas que procurava.
  Analisando todos os ataques anteriores, Peter sabia que a região do Brooklyn era a de principal atuação do Dahlia Negra e foi se atendo àquela informação que ele se escondeu na escuridão do prédio mais alto, observando com atenção qualquer movimentação suspeita.
  As ruas estavam praticamente desertas, exatamente como nos dias anteriores. Vez ou outra, alguma pessoa ou cachorro de rua passava, porém nada de surpreendente aconteceu. Estavam todos em alerta. Cinco ataques haviam acontecido e mesmo que os alvos fossem criminosos, ninguém queria arriscar.
  Sentado no parapeito, Parker deixou um suspiro escapar. Na última vez em que ficou daquela forma, cuidado de algo, na verdade havia sido de alguém.
  Teve tanta esperança de que suas ações no outro universo fossem mudar o que tinha acontecido. Por que estava tudo igual?
  Não havia um dia sequer que ele não sentisse falta dela. Da sua Gwen. E já tinha se conformado com o fato de que aquilo nunca mudaria porque Peter nunca esqueceria dela.
  Por algum motivo, seus pensamentos foram guiados para . Seria justo ele conhecer uma outra mulher? Seria justo com trazê-la para toda a sua realidade bagunçada e cheia de perigos?
  Por outro lado, Parker estava cansado de ficar sozinho. Estava cansado de lutar contra vilões e monstros durante o dia e com seus próprios demônios durante a noite.
  Talvez não fosse tão ruim ao menos ter alguém com quem conversar.
  Deixando um sorriso fraco se formar em seus lábios, ele puxou seu celular e procurou o número de na lista de contatos. Havia o salvado no instante em que saiu do laboratório, em um impulso por ter realmente gostado da breve conversa que tiveram.
  O que diria pra ela?
  Um “oi” já era um começo?
  Droga, ele havia perdido completamente o jeito com aquelas coisas.
  Se é que já teve jeito algum dia.
  Riu de si mesmo e parou para pensar em algo mais elaborado. Por fim, até achou razoável a mensagem que digitou, enviando antes que perdesse a coragem ou refletisse demais sobre o que escreveu.


visto por último hoje às 23:35

Conferindo se esse é o seu número mesmo ou se você resolveu se vingar me dando qualquer outro.
x Peter Parker.

   havia dito que o achou divertido, mesmo que fosse apenas uma resposta ao elogio dele, então talvez fosse gostar da mensagem, certo?
  Parker batucou os dedos na parte traseira do aparelho, ficando um tanto ansioso para saber o que responderia. Então na segunda vez que acendeu o visor, conferindo se havia alguma notificação de mensagem, seus olhos se fixaram no horário, que marcava exatamente duas e trinta e sete da manhã.
  Bateu na própria testa, se sentindo um completo idiota. Tinha mesmo mandado mensagem para ela de madrugada? Com certeza estaria dormindo.
  Ainda assim, ele não deixou de conferir o celular de vez em quando, dividindo sua atenção com a movimentação da cidade.
  Eram quase quatro horas da manhã quando Peter decidiu voltar para casa e descansar um pouco. No dia seguinte, ele voltaria a analisar os ataques anteriores do Dahlia Negra para retomar o plano de tentar prever suas próximas vítimas.
  Aquela foi uma das raras noites em que Parker se jogou em sua cama e adormeceu instantaneamente.

  — Peter! — Mais uma vez, ele estava de volta àquele momento terrível.
  As risadas de Harry Osborn pareciam vir de todos os lugares, mas o mundo simplesmente parou quando Parker olhou para baixo e viu que Gwen despencava.
  Mas ele conseguiria pegá-la. Sua teia havia sido desenvolvida para aquilo. Gwen estaria a salvo em poucos segundos.
  No entanto, tudo passou em câmera lenta diante de seus olhos. Peter estendeu o pulso, lançando a teia em direção ao amor de sua vida, se jogando também em direção a ela para que pudesse agarrá-la antes que atingisse o solo.
  Os olhos de Gwen estavam fixos nos dele, apavorados, suplicantes, marejados. Ele jamais esqueceria daquela imagem.
  Por que o mundo havia desacelerado? Parker precisava ser mais rápido, ele seria mais rápido.
  E por um segundo achou de verdade que havia conseguido. Por um segundo, o alívio tinha tomado conta de seu peito e Peter poderia dizer a ela que tudo estava bem. Que Gwen estava a salvo.
  Mas o corpo dela estava mole como uma boneca, suspenso pela teia.
  Parker se agarrou a ela, tentando acordá-la, tentando acordar também a si mesmo daquele pesadelo, mas não conseguia, assim como não conseguiu salvá-la.
  Sua Gwen havia partido e não havia nada que pudesse fazer para tê-la de volta.
  Peter se debateu, implorando de novo para acordar, mas, de repente, tudo começou de novo.
  De repente, ele estava mais uma vez no alto, ouvindo a voz de Gwen gritar por ele, as risadas. E mais uma vez o mundo estava desacelerando enquanto o Homem Aranha lançava sua teia e se jogava em direção à sua amada.
  Aquilo era tortura demais.
  E como se não bastasse aquele pesadelo se repetindo em um loop, de repente a imagem de Gwen oscilava, assim como todo o cenário ao seu redor.
  De repente, não era Gwen Stacy e sim Michelle Jones despencando enquanto o Peter mais jovem não conseguia alcançá-la, mas, de alguma forma, ele sabia que conseguiria.
  Seus sentimentos estavam completamente confusos entre o pesar e o alívio de alcançar Michelle a tempo.
  Os olhos de Parker estavam marejados de lágrimas, ele afirmava que estava bem e era como se sentisse que alguém o acalentava.
  Então o cenário mudou.
  Mais uma vez, o Homem Aranha chegava a um ambiente escuro, onde apenas a luz do luar impedia o breu completo.
  — Ei, você! — gritava, vendo a figura encapuzada segurando alguém pelo colarinho.
  Dahlia Negra se virou para ele, a cabeça tombando rapidamente em curiosidade, para logo em seguida o vigilante largar o corpo sem vida no chão, seguido pela flor que era sua assinatura.
  Sabendo que fugiria, Peter se adiantou em sua direção, mas algo o impediu de persegui-lo.
  Na verdade, não era algo, era alguém.
  O corpo jogado no chão era do Doutor Connors.

  Suando como nunca, Parker despertou. Aquele pesadelo foi tão vívido que de repente o Homem Aranha olhou à sua volta, como se fosse encontrar o Dahlia Negra em seu quarto e o Doutor Connors morto ao lado de sua cama.
  Por que havia sonhado com aquilo? Seria um aviso?
  Seria ele a próxima vítima do vigilante?
  Suas mãos tremiam. Foram emoções demais, pesadelos demais, e seu coração continuava apertado por ter revivido pela milésima vez a morte de Gwen.
  Peter se sentou na cama, passando a mão pelos cabelos, sentindo-os pingando e tentou colocar seus pensamentos em ordem, analisar as coisas que haviam acontecido nos pesadelos.
  Então lhe ocorreu uma coisa e de repente ele se sentiu idiota por não ter pensado naquilo antes.
  O que havia acontecido com o Doutor Connors e com Max ao retornarem curados para o seu universo?
  Como estaria Harry Osborn?

CONTINUA...



Comentários da autora

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  Beijos e até a próxima!
  Ste