Como Devo Te Chamar
Escrito por rangergirl
O tintilar dos talheres feitos com a mais pura prata ecoava frio aos ouvidos de Bree naquela noite em que ela só havia saído para jantar porque sua mãe já não a aguentava mais deitada no sofá lamentando a vida e pensando que não era boa o bastante para ele. O garoto de cabelos castanhos e olhos sedutores que lhe prometeu o céu com um buquê de flores em um passeio de carruagem no primeiro encontro e com uma simples mensagem de texto a levou ao inferno.
- Gostaria de alguma bebida, senhorita? - Um garçom de barba fina e mãos enrugadas perguntou de maneira gentil, a trazendo de volta a realidade.
- Agora não, obrigada. – Sua voz soou seca.
- Tudo bem senhorita, chame se precisar de algo!
- Certo. - Seu sorriso era uma tentativa de fazer com que aquele homem entendesse: seu desejo naquele lugar era paz. Um copo de vinho não faria mal, no entanto, seria um atentado ao propósito daquela noite; já que, ao colocar o primeiro gole na boca, as memórias de quando se encontrava bêbada e louca felicidade ao lado de Chase naquela pequena suíte não tão aconchegante voltaria a assombrá-la. Se bem que não era preciso um gole de vinho sequer para que isso acontecesse.
O pianista dedilhava sem dificuldades uma melodia que ela não demorou a identificar. Enquanto seu coração saía pela boca, ao invés do melodioso som do piano, só conseguia ouvir a sua voz desafinada cantando aquela letra ao lado dele. Será que a partir de agora seria assim? Não adiantava escolher um restaurante novo e evitar passar perto da velha lanchonete onde riu tanto e onde pediam um sorvete com apenas uma colher? Todo lugar que fosse traria lembranças dolorosas? Quando aquele tormento iria acabar? Era o que se perguntava desde que leu aquela maldita mensagem na tela embaçada de seu celular.
De repente, aquele restaurante iluminado e chique se transformou em uma casa mal-assombrada; à medida que a música continuava, ficava mais difícil respirar; ela precisava sair dali o mais rápido possível e voltar para seu quarto, o único lugar que não havia sido contaminado por ele.
Com as mãos tremendo, abriu a bolsa de onde tirou uma nota de cinquenta para deixar em cima da mesa. À medida que o céu escuro da noite ia se aproximando através da porta de vidro, sua respiração ia voltando ao normal. Mas todo o progresso desapareceu quando reconheceu a gravata vermelha que já havia visto tantas vezes jogada no chão sair de uma limusine. A garota levou alguns segundos para ter coragem de olhar para cima e confirmar seu pior pesadelo. Os cabelos que acariciou inúmeras vezes agora estavam mais curtos e sua blusa branca por um milagre parecia estar abotoada do jeito certo. Bree se lembrava muito bem da última vez em que havia abotoado aquela mesma camisa. Os dois haviam combinado de se encontrar na suíte como sempre faziam aos finais de semana, quando o trabalho o permitia. Naquela ocasião, ela pegou a chave dentro da bolsa e a girou na maçaneta. Logo que a porta se abriu, ela correu para os braços de seu amado, que ao contrário do que geralmente acontecia, já a estava esperando.
- Você demorou! - Ele exclamou respondendo ao abraço e beijando suas mãos.
Como ela amava aquele toque, ele a fazia se sentir tão segura na época...
- Eu é que estou estranhando; sempre tenho que ficar aqui um tempão te esperando terminar de trabalhar.
- Hoje eu consegui sair mais cedo. - Exclamou como se estivesse se vangloriando enquanto sentava na cama.
- Milagre! E o senhor Davenport sabe disso? - Provocou colocando as mãos na cintura e Chase respondeu com uma risada:
- Ele é meu pai, não vai ficar bravo se eu escapar um dia de trabalho para te ver!
A fala fez a garota suspirar enquanto se sentava no colo do amado.
- Ele não tem como ficar irritado vendo o quanto você se esforça!
O garoto deu um longo suspiro antes de comentar enquanto brincava com os dedos de Bree.
- Você parece ser a única que vê isso....
O olhar triste do amado doía em seu coração, ela sabia o quanto ele se esforçava e o quanto queria deixar o pai orgulhoso. Por sorte ela sabia como confortá-lo. Por isso juntou seus lábios no dele em um beijo que naquele momento fazia todos os problemas desaparecerem.
Chase olhou para a garota e passou os dedos carinhosamente pelo seu rosto a olhando no fundo dos olhos.
- Você me entende como ninguém e é por isso que eu te amo, minha margarida!
O apelido havia surgido por um acaso no segundo encontro, mas sorriso mais sincero nos lábios da garota de cabelos castanhos.
- Eu também te amo, meu futuro marido! - Exclamou enquanto encarava o anel dourado em sua mão direita.
- Sinto muito que por enquanto ainda tenha que ficar entre a gente, mas você sabe como é, meu pai quer que eu me concentre no trabalho e em me tornar um bom presidente para a empresa, além da repercussão na mídia... – Esse era o discurso que Bree já havia ouvido inúmeras vezes e sabia decor.
O pai de Chase era uma pessoa que estava sempre em vista na mídia e toda essa repercussão acaba respingando em seu filho. Por isso um anúncio público de um noivado naquele momento, segundo o senhor Davenport, não era uma boa ideia, já que a empresa estava prestes a lançar novos produtos e esse tinha que ser o foco dos jornais e revistas naquele momento.
- Tudo bem, eu espero o tempo que for que preciso, afinal, eu tenho você e nós dois sabemos o que queremos. Isso já é o bastante para mim!
Enquanto se perdiam nos olhos um do outro eles caíram na cama aos beijos.
Era desse tipo de lembrança que a garota queria se ver livre. Era torturante vê-lo ali na sua frente, tão diferente, distante, como se fosse um estranho, sendo que ela conhecia muito bem cada centímetro daquele corpo. Mais uma vez sua respiração ficou fraca, precisava sair dali antes que aqueles olhos verdes que ainda a hipnotizava a encontrassem. Por isso se escondeu atrás de um velho carro preto. De onde pôde observar quando uma garota loira, bem bonita e de cabelos curtos chegou e beijou aqueles lábios que um dia foram só seus.
Olhando mais a baixo observou que a tal loira possuía em sua mão direita um anel dourado igual ao que ela ainda usava em seu dedo anelar por falta de coragem de removê-lo.
Ao ver Chase entrando de mãos dadas com outra no restaurante, ela perguntou se daqui alguns meses aquela garota receberia a mesma mensagem curta e nenhuma explicação.
As palavras frias daquele pequeno texto estavam gravadas em sua memória como uma marca que para seu desespero não podia ser removida.
“Me desculpe, mas eu não posso fazer isso, minha vida profissional em primeiro lugar, espero que entenda. Chase.”
Ela pensou que fosse uma piada de mal gosto na época, Chase nunca faria isso, ele a amava, logo iriam assumir o noivado, planejar o casamento e ficar juntos pelo resto da vida.
A garota de cabelos castanhos só percebeu que era sério quando um dia ficou o esperando por horas no apartamento. Na primeira vez ainda tentou se convencer de que havia um engano, então voltou lá no dia seguinte e nada, se jogou na cama e de cinco em cinco segundos chegava seu celular com as mãos trêmulas à espera de uma boa explicação. Mas no terceiro dia a realidade bateu à sua porta e ela pode sentir o gosto salgado das lágrimas que caíram de seu rosto quando finalmente começou a entender o que estava acontecendo.
Um pesadelo, não era possível. Chase a amava demais, ela era sua margarida, ele não a dispensaria usando uma mensagem formal que parecia ter sido escrita para demitir alguém. Foi exatamente assim que se sentiu quando leu aquelas palavras pela primeira vez. Descartada como se não servisse mais. Depois de respirar fundo, tomou coragem para se levantar e lavar o rímel borrado em seu rosto. Quando considerou que estava apresentável, saiu pelas ruas com um sorriso como se seu mundo não tivesse acabado de desabar.
A cada passo que dava até sua casa a fazia tremer cada vez mais com medo de ser julgada ou de alguém perceber o que estava acontecendo, que ela havia sido humilhada pelo homem que mais amou na vida. Se pelo menos tivesse a chance de conversar com ele... então uma ideia maluca invadiu sua cabeça.
Mesmo que Chase nunca falasse sobre seu trabalho, ela sabia muito bem onde era a sede das empresas Davenport. A garota pegou um táxi e chegou até o prédio que devia ser no mínimo dez vezes maior que o seu. O lugar tinha um ar sério com pessoas bem vestidas andando para lá e para cá falando no telefone ou concentradas em uma tela. Então começou a se perguntar, será que ele também fazia piadas ali dentro como quando estavam juntos, ou aquele ambiente o transformava em outra pessoa? Depois de ter recebido a mensagem, ela acreditava mais na segunda opção; sem perder tempo, caminhou até uma mulher de mais ou menos cinquenta anos, com óculos de armações pretas cobrindo os olhos e os cabelos presos sob um coque, e uma expressão de quem não queria estar ali.
Demorou alguns segundos para que desviasse a atenção do celular e notasse sua presença.
- Posso ajudar com alguma coisa? – Perguntou sem nem se esforçar para fingir um sorriso.
- Sim, eu estou procurando o Chase Davenport. - Afirmou.
- E quem seria você?
Era a primeira vez que ela falava a verdade para alguém sem ser em quatro paredes e que não negaria quem era.
- Eu sou a noiva dele!
As sobrancelhas da mulher se levantaram para bem acima dos óculos antes que ela começasse a rir, deixando Bree ainda mais irritada.
- Ah, você não é a única a inventar uma história dessas para conseguir falar com o senhor Davenport. – A ofensa a deixou com vontade de derrubar aqueles óculos ridículos no chão.
- Eu não estou inventando, Chase Davenport é meu noivo, olha só! - Afirmou estendendo a mão direita onde o anel dourado ainda estava.
A mulher o encarou com atenção e ainda sem exibir nada parecido com um sorriso.
- Esse anel parece mesmo ser feito de ouro verdadeiro, mas isso não prova nada, você pode muito bem ter roubado.
O tom irônico da mulher fez com que não conseguisse se segurar e elevasse o tom de voz.
- Está me chamando de ladra? – Berrou.
- Senhorita, por favor, se acalme.
- Eu não quero me acalmar, quero ver o meu noivo, ele confirmará toda a história.
- O que está acontecendo aqui? - Perguntou uma voz que conhecia muito bem antes que a “a simpatia em pessoa” tivesse chance de dizer mais alguma coisa.
Ela correu ao seu encontro.
- Meu amor, que bom que você apareceu, você sumiu, mas eu sei que deve haver algum engano, agora fala para essa mulher, por favor, que eu sou sua noiva e que ela pode me deixar entrar.
Todavia ao invés de abraçá-la de volta Chase a empurrou com frieza, algo que nunca havia feito antes e a deixou em choque.
- O que é isso?
- Matilde, eu não conheço essa mulher, deve ser uma maluca, você poderia por gentileza pedir aos seguranças que a coloquem para fora? Obrigada! - Seu tom era frio, e Bree não deixou de notar que ele estava diferente, nem a olhou nos olhos, como ele conseguiu fingir tão bem que realmente nunca a tinha visto? Ele deveria ser um ótimo ator, pelo visto, todas as promessas e declarações também não passavam de uma ilusão, de falas ensaiadas.
- A garota de cabelos morenos sentiu sua garganta se fechar e aquela foi onde seus ataques de pânico começaram.
- O quê? Você não pode fazer isso, Chase, conte logo a verdade! - Berrou com esforço enquanto a água de seus olhos descia para as bochechas.
- Garota, não insita, eu preciso ir.
Ele saiu como se nada tivesse acontecido.
- Chase, você não pode me deixar aqui, seu estúpido! Eu sou sua noiva, eu sei que você me ama!
Em meio aos berros, sentiu braços fortes a agarrarem e a levarem para fora da empresa, onde ela continuou berrando até sua voz sumir.
Levou semanas para que ela voltasse a falar. E aquela era uma das primeiras vezes que saiu de casa depois daquele fatídico dia, ela não iria deixar que ele arruinasse sua vida para sempre. Não. Ela precisava reagir, então saiu de trás do carro e parou em frente a janela de vidro do restaurante, onde lá estava ele conversando com a loira, mas dessa vez seu coração estava calmo e não havia vontade de chorar, tudo que queria era vê-lo uma última vez antes de apagá-lo de vez de sua mente. Ela costumava chamá-lo de meu futuro esposo, um apelido tão vago que representava apenas planos, planos que nunca iriam se realizar. Isso entrava na sua cabeça aos poucos, somente agora ela estava entendendo que algumas pessoas podiam dizer que te amam em um dia e agirem como se fosse um estranho no dia seguinte, e essas pessoas não merecem nossa atenção. Era assim que ela o chamaria partir de agora, uma pessoa que a causou dor e que ela estava disposta a superar para o seu próprio bem.
E assim, entrou no táxi para voltar para casa, mas não antes de tirar o anel de seu dedo e jogá-lo no chão, afinal, ela não precisaria mais dele.