ColuorThief
Escrito por Raisa L. | Revisado por Lelen
Nos conhecemos em uma das minhas exposições, estava apenas começando minha segunda década de vida e já havia garantido um lugar entre os artistas plásticos mais consagrados do século. Sempre fui de interpretar a vida através das cores, afinal aquele era o meu trabalho, encontrá-lo no meio de muitas cores foi como se o amarelo se destacasse, uma euforia desconhecida que tomou conta da minha mente a partir do seu bom humor, da sua alegria. Era quente, acolhedor como o amarelo inocente em seu tom, mas malicioso em sua intensidade. Os primeiros dias foram como se algo erradamente certo estivesse começando, corremos direto para um precipício sem olhar para trás, estávamos em queda livre e mesmo que quiséssemos ter ido devagar, nós já estávamos voando livre, esperando apenas a hora de cair, e por mais que tentássemos bater as asas nós caímos.
Encarar a vida sem ele se tornou algo mais monocromático depois que ele se foi, minha inspiração se tornou nostálgica, era como se uma nuvem cinza escuro possuísse todo o meu ser, estava sozinha em uma casa no fim de ruela sem saída, esperando qualquer momento ele aparecer e encher todos os cantos de vermelho, tirasse aquela sensação de azul escuro que surgia junto com uma tristeza desconhecida.
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A chuva caía sem nenhuma gentileza contra a grama, era um dia de cores escuras, mas dentro daquelas paredes tudo parecia brilhante e vivo. Encarava os olhos radiantes, os lábios avermelhados, a pele de um bronze em contraste com o branco da camisa. Mordi meu lábio inferior ansiosa para o impacto de nossos corpos, assim que meus lábios tocaram os dele com uma gentileza contraditória ao nosso desejo, senti que nada era mais certo do que estar com ele. Seus dedos contornando cada parte meu corpo, minhas unhas desenhando em suas costas, meus olhos fechados, minha pele arrepiada.
Aquele momento se repetiria por milhares de vezes e eu não queria nada mais do que continuar assim, completamente entregue ao sentimento, sendo eternamente dele.
- Abre os olhos. – Ouvi sua voz rouca quebrar os silencio confortante. – Por favor.
- Estou tentando ter certeza que está tudo memorizado em minha mente.
Pode notar sua risada falha, os braços em minha cintura, os lábios mais uma vez nos meus.
- Eu não vou deixar você esquecer-se disso tão fácil.
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E foi difícil esquecer-me dele.
Até hoje tento me lembrar de como eu conseguia viver sem sua presença e ser feliz, mas simplesmente as memorias fogem de mim, flashbacks de noites alegres, de dias coloridos. Até as noites de inverno eram mais claras e quentes do que este verão.
Depois dele foi difícil identificar o certo e o errado, foi como tentar aprender a andar de bicicleta sem que nenhum adulto estivesse segurando a sela para que você não caísse e se arrebentasse. Eu tive minhas quedas e ninguém em quem me apoiar para aprender a me virar. Cheguei a me arrepender de ter o conhecido, afinal, ele era o motivo da minha dor, mas como eu poderia me arrepender de ter aprendido a amar?
Com ele eu ami, eu vivi uma das melhores épocas da minha vida e caso dessem a escolha para a Helena de agora e não a da Helena de dois meses atrás, eu não voltaria mudaria nada do que fiz, continuaria me apaixonado por ele da mesma intensidade que me apaixonei por ele no passado, continuaria me entregando, a continuaria experimentando cores que jamais pensei que iria experimentar, vermelho luxuria, vermelho paixão, vermelho amor, ousaria experimentar os mesmos tons de vermelho, até aquele que mais odiei provar, até mesmo o vermelho raivoso.
―
- PARA! PARA DE GRITAR!
Olhei para ele enquanto nossas respirações estavam aceleradas, havia dias que nós estávamos assim, brigando por nada, discordando de tudo, não tínhamos mais vontade de estarmos um com o outro e isso estava me cansando.
- O que está acontecendo com a gente?
O vi ali, parado, com as mãos apoiadas na cintura, o peito subindo e descendo, desgastado de tudo aquilo assim como eu.
- Eu não sei... Talvez a gente tenha se precipitado. Talvez nós não era para ser assim.
- Você está dizendo que é melhor pararmos por aqui?
Não respondi, apenas abaixei minha cabeça e esperei que ele partisse, levando com ele todas as cores que um dia foram minhas.
―
Desde aquele dia eu estava vivendo assim, de flashbacks que ecoavam por cada canto daquela casa, em todos os quadros que pintava. Era ele que via, era seu olhar, era seus lábios, era o mesmo vermelho que expressava todo nosso amor ali. Nós caminhamos muito rapidamente, amamos muito intensamente, me faltou a vontade de lutar, a mesma vontade que eu tinha naquele momento.
Aquela exposição era a reflexão disso, ela mostrava exatamente o que era ama-lo.
Aquelas pessoas poderiam me parabenizar pela bela pintura, poderiam elogiar meu estilo, mas ela nãos entendiam o que cada uma daquelas telas significavam para mim, não sabiam que assim que elas comprassem uma tela elas estavam levando juntas para casa uma parte de mim.
Dirigir-me para a sessão vermelho, onde estava o meu quadro favorito, nele uma garota com todas as suas cores ama e protege um garoto todo monocromático, que sutilmente rouba todas suas cores, exatamente como ele fez comigo.
Foi andando naquela direção, enquanto todos me cercavam e eu tentava fugir o vi ali. Estava de costas, encarando o quadro com as mãos nos bolsos, eu podia não ver seu rosto, mas sabia que era ele.
- Compraram a Coluorthief, foi aquele rapaz ali. – A organizadora da exposição o indicou, foi então que minha mente começou a ganhar sutis cores pastel.
Caminhei lenta em sua direção, enquanto tudo ficava mais brilhante, mais vivo.
Forcei minha garganta produzir um som, ele então me encarou, foi como voltar ao dia em que nos conhecemos, como se uma nova chance estivesse vindo para ser colorida.
- É uma bela obra, fez uma ótima aquisição.
- Nem tão boa assim... Ganhei um quadro, mas perdi a artista.
Encaramo-nos, as emoções tomando conta de mim, eu precisava pegar minhas cores de volta.
- Talvez você não a tenha perdido.
Ele então sorriu de forma gloriosa, e todas as cores voltaram a brilhar de uma só vez, como se meu mundo estivesse de volta.
- Você tem algo que me pertence, .
- O que eu tenho de você, ?
- Minhas cores.
- Você pode ter suas cores. - se aproximou, ficamos próximos um do outro, só enxergar em vermelho. – Só se você devolver meu coração.
Foi então que nos beijamos, coração acelerado, a adrenalina correndo em minhas veias, uma explosão de cores passando em minha mente como se nada fosse mais significante do que estar naquele momento com ele. As sensações se confundiam com as cores em um caleidoscópio invadido minha mente, e ao abrir meus olhos tudo era vermelho, ele era vermelho, amá-lo era vermelho, amá-lo era tudo.