Coisa Linda

Escrito por Ray Alves | Revisado por Maria Carolina

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  Enquanto esperava descer as escadas e seguir para o camarim, rolei os olhos quando ele conseguiu olhar para mim mesmo com tantas garotas ao seu redor. Não era ciúmes, eu sabia muito bem que não podia sentir isso, mas nunca deixaria de achar que ele ganhava mais atenção que o necessário
   era músico, tocava um folk meio pop, sua banda não era superfamosa, mas ele tinha uma quantidade considerável de fãs e possuía seguidores suficientes para ganhar dinheiro com publicidade no Instagram e Youtube, que era onde a banda divulgava suas músicas. Nos conhecíamos há uns cinco anos e há cerca de seis meses estávamos tendo uma amizade colorida sem qualquer tipo de amarras.
  — Vai pra o camarim, já chego lá — ele cochichou no meu ouvido quando conseguiu chegar até mim antes de ter que tirar umas fotos.
  Não virei para trás. Sabia que ele já estaria um pouco longe. Segui para o camarim e esperei,até que uns quinze minutos depois ele chegou.
  — Oi, Yellow — ele chegou falando antes de me dar um beijo.
  — Você não vai cansar disso, né? — Reclamei por causa do apelido.
  Como amarelo era minha cor preferida e éramos amigos coloridos, achou, por bem, vez ou outra me chamar de Yellow.
  — Amigos coloridos não precisam se chamar por uma cor.
   riu de forma gostosa e me puxou para outro beijo.
  — Você sabe que não tem a ver apenas com a cor ou com o que somos. Eu amo…
  — A música do Coldplay, eu já sei — falei, rolando os olhos para tentar desmerecer algo que eu sabia que era super fofo.
  Eu tive minha fase super a fim do um tempo antes de começarmos a ficar, mas eu tinha dado um fim nela quando vi a quantidade de mulheres maravilhosas que davam em cima dele todos os dias. E para não permitir que esses sentimentos voltassem, eu evitava qualquer coisa fofa demais entre nós dois. não evitava isso.
  — Look at the stars. Look how they shine for you. And everything you do. Yeah, they were all yellow — ele começou a cantarolar e eu bufei.
   caiu na risada e voltou a se aproximar de mim, dessa vez segurando meu rosto de forma leve com as ambas as mãos.
  — Sabia que eu vejo nos seus olhos que, embora haja certa vergonha, você não odeia isso tanto assim?
  — Claro que odeio! — Refutei já na defensiva.
  — Não odeia, não. Mas é medrosa demais para assumir isso — falou. E sem mais avisos se sentou numa cadeira e me puxou para o seu colo.
  — Tá doido? — Brinquei.
  — De saudades, coisa linda. Doido de saudades — e me beijou de forma apaixonada, por mais que eu nunca fosse admitir perceber isso também.

  Eu respirava forte na cama de enquanto ele me encarava com um sorriso no rosto.
  — Você tá sendo chato — reclamei para que ele parasse de me olhar.
  — Sabia que você é muito sexy? —Ele perguntou, ainda sorrindo, e eu rolei os olhos.
  — Vai começar com isso novamente? — Perguntei enquanto bocejava para mostrar a ele o quanto aquele papo já tinha cansado. Eu odiava quando ele vinha com esse papo de me elogiar e agir como se eu fosse a mulher mais linda do mundo, afinal, eu não era.
   virou-se para mim do nada e apoiou seu rosto na mão antes de falar:
  — , por que a gente não namora?
  — Porque somos amigos e resolvemos que assim seria melhor, não lembra? — Tentei perguntar de forma calma, embora só a menção daquilo me deixasse nervosa.
  — E se não for melhor assim?
  Finalmente virei para ele. Queria ver seu rosto antes de ter que repetir para ele os motivos que nós dois, lá atrás, já havíamos discutido antes de começarmos a ficar.
  — Eu te amo demais e não quero transformar isso em algo ruim, . Imagina quando você me trair... Eu vou te odiar. Você ficar com outras pessoas agora é algo normal pra mim. Mas eu não nasci pra namoros abertos.
  — E se…
  Não iria deixá-lo terminar a frase. Aquela ideia não tinha cabimento por tantos motivos que era difícil até enumerar. Era mais do que não ter nascido para relacionamentos abertos.
  Por isso, deixei de olhá-lo e virei para o outro lado.
  — Você tem dezenas de mulheres lindas e maravilhosas que te querem, . Tira essa ideia da cabeça, fecha os olhos e vamos dormir porque eu tô com sono e não quero mais falar.
  — Mas…
  — Bom sono, .
  Fechei os olhos fingindo estar dormindo, mas minha mente trabalhava incansavelmente. Não era como se eu não sentisse algo por , ou como se na minha mente nunca tivesse passado a ideia de algo com ele, mas não dava. Eu tinha que saber o meu tamanho e, sabendo disso, também sabia que homens como não ficam com mulheres como ; ao menos, não pra namorar.

  No dia seguinte, acordou assim que saí do banho e comecei a me trocar. Como sempre, ao me ver sem roupa, ele mordeu o lábio e falou:
  — Mano, eu já te falei o quanto você é gostosa?
  — E eu já te falei que não acredito nisso? — Indaguei de volta, rindo.
   deu um pulo da cama e me abraçou por trás, dando um beijo no meu pescoço.
  — Vem cá, quero te mostrar uma coisa — falou enquanto segurava minha mão para que eu fosse com ele.
  — O que foi?
  Ele me levou até o espelho, um enorme que tinha em seu quarto e que eu sempre repetia que jamais teria um daquele, me colocou de frente para o objeto e voltou a me abraçar por trás antes de olhar para frente — de forma que eu visse seus olhos através do espelho — e começar a passar a mão pelo meu corpo.
  — Eu amo cada parte do seu corpo, coisa linda. E eu te acho muito gostosa. Não sei por que duvida disso.
  E ele estava certo, eu duvidava. Cada vez que eu me olhava no espelho, duvidava ainda mais. Eu via ossos demais, que deveriam estar cobertos por um pouco mais de carne. Cada osso das costelas à mostra, ossos abaixo da cintura que não deveriam estar expostos, pernas muito finas, peitos quase invisíveis, bunda caída mesmo sendo pequena… Não tinha como não duvidar das suas palavras.
  — Eu amo sua bunda — ele começou.
  — Ela é caída.
  — Amo sua cintura...
  — Minhas costelas me deixam com aspecto de doente.
  — Nada melhor do que sentir a sensação de tocar em seus seios…
  — Eles nem existem, . Eles nem existem — falei, tentando me soltar dele.
  — E o que é isso que estou tocando agora? — Indagou.
   parecia querer me deixar feliz, mas eu queria chorar. Não pelo fato dele me mostrar o que achava de mim, mas por não conseguir achar motivos para concordar com ele. Eu queria muito me amar e conseguir me ver ao menos como metade de como ele me via, mas todas as vezes que parava para me olhar no espelho com a intenção de olhar mesmo o meu corpo, eu só via ausência. Ausência de tudo que pudesse me tornar alguém desejável.
  — Vou trocar de roupa — foi tudo que eu falei antes de me desfazer dos seus braços e seguir sem olhá-lo.
   sabia respeitar o meu tempo e me conhecia muito bem para saber quando algo não tinha me deixado bem, então não disse nada.

  Fui direto para a faculdade aquele dia. Cursava Arquitetura e tinha uma maquete muito importante para fazer com meu grupo. Inclusive, estávamos atrasadas no andamento do projeto.
  — Bom dia, meninas — falei assim que vi Maria e Carla.
  — Hoje não é um bom dia, não — Carla falou, parecendo impaciente.
  — O que deu nela? — Perguntei à Maria enquanto ria do jeito da minha amiga.
  — Fome.
  — Hã?
  — Essa doida está a quase vinte e quatro horas sem comer, acredita?
  — Hã? O quê? Como assim? — Comecei a perguntar, assustada. — Por que você está sem comer?
  — Porque eu quero, ué!
  — Mentira! — Maria exclamou. — Isso é porque ela colocou na cabeça que precisa perder peso.
  — Não foi “colocar na cabeça”, Maria — Carla rebateu, fazendo aspas com as mãos. — Foi provar meu vestido de madrinha de casamento junto com as outras e perceber que só eu estava feia nele.
  — E por isso você está resolvendo de matar? — Perguntei chocada.
  Carla, embora vez ou outra demostrasse querer perder alguns quilos, nunca havia tentado algo parecido antes. Eu nunca havia imaginado que isso a incomodava tanto.
  — Nem todo mundo tem seu corpo e seu metabolismo, . Tem gente que precisa ficar sem comer se quiser ser magra.
  Tive vontade de rir naquela hora. Carla falava como se eu tivesse o corpo dos sonhos, mas eu estava bem longe disso.
  — Carla, você não pode fazer esse tipo de coisa. Vai acabar se matando. Estamos apenas querendo seu bem — falei passivamente.
  Ela suspirou e, depois, pareceu prestes a chorar.
  — Eu estou horrível no vestido, meninas. Horrível! — Quase gritou e senti vontade de abraçá-la.
  — Eu tenho certeza que não, Carla — Maria falou cuidadosa.
  — Sério! Eu tive vergonha quando me olhei no espelho. Quis morrer dentro daquela loja. Se vocês vissem as outras madrinhas... Elas estavam lindas. Lindas de verdade!
  — Mas você também é linda, Carla. E está bem longe de estar acima do peso. E ainda que estivesse, isso não pode servir como motivo para uma loucura dessas. Sério, amiga. Isso pode te trazer vários problemas — Maria continuou.
  — Essa é você, Carla. Ame a você mesma. E se um dia quiser mudar, tenha amor pelo seu corpo e faça as coisas de forma correta.
  Nossa conversa demorou ainda algum tempo, e conseguimos convencer Carla a comer, mas no fim daquela conversa eu me sentia mal. Mal por não ter percebido como minha amiga estava antes e mal porque cada vez que eu pedia para ela não se ver daquela forma eu me sentia uma fraude.
  Naquele dia me ligou, mas eu não atendi. Queria ficar sozinha. No dia seguinte inventei que caí no sono e sem mais explicações fui para a faculdade.
  , embora ganhasse algum dinheiro com a música, fazia faculdade de física durante a noite. Naquele dia, ele tinha uma disciplina cursada durante o dia e o encontrei na saída, como ele sempre fazia.
  — Lá vai para o seu namoro que não é namoro — Maria brincou quando fez sinal para mim.
  — Não é mesmo! — Afirmei.
  — Sério?! — Foi a vez de Carla brincar. — E me diz uma coisa, o que vocês fazem todas as terças na casa dele depois da aula? Se pegam loucamente e depois você vai embora, ou ficam fazendo comida, vendo filmes e conversando?
  — Hã?
  Qual a lógica daquela pergunta?
  — Vocês são um casal, . Agem como um — Maria falou de forma doce. — Vocês se encontram pelo prazer de ter o outro por perto, não pra suprir desejos sexuais como você insiste que é.
  — Claro que não! — Neguei, embora eu soubesse que elas estavam certas no argumento. — E eu preciso ir embora. Tchau.
  Segui até onde estava , que me esperava de sorriso no rosto.
  — Tudo bem?
  — Eu acho que sim — respondi de forma sincera.
  — Acha?
  — Estou preocupada com a Carla e com umas coisas na cabeça.
  — Então vamos logo, tenho uma surpresa em casa que acho que vai adorar.
  Seguimos de ônibus para a casa dele e, assim que chegamos na porta, ele a segurou e falou:
  — Primeiro de tudo: eu não gastei muito com isso, então não reclame. Segundo: eu espero muito que você goste.
  Entramos no apartamento e tudo parecia igual para mim. Olhei para todos os lados e não encontrei mudança alguma.
  — Tá no segundo quarto — me avisou.
  Segui na frente e, quando abri a porta, fiquei sem palavras. Tinha dois cavaletes de madeira e cada um deles estava com uma tela em branco apoiada. A mesa, que já existia ali, agora tinha algumas tintas e pincéis em cima, além da maquete de uma casa que eu tinha feito para a faculdade e havia deixado lá.
  — O quê… Por quê…
  — Pensei que você podia pintar as paredes também, com alguma coisa que goste — ele falou, ignorando as perguntas que, mesmo não completas por mim, davam para ser entendidas.
  — Você comprou telas, cavaletes… Por que você fez tudo isso?
  — Achei que seria legal. E dia desses, enquanto você dormia e eu estudava, te ouvi falando durante o sono e você falava que estava sentindo saudade de pintar.
  Olhei para o quarto e me virei para ele, louca por um abraço. Corri e o puxei para mim.
  — , não precisava. Você deve ter gastado…
  — Para com isso. Não acaba com a magia — ele pediu enquanto colocava um dedo sobre meus lábios.
  Fingi está fechando um zíper nos meus lábios e depois sorri. sorriu de volta e eu senti tudo dentro de mim sair do lugar durante aquele sorriso. E também medo. Eu sabia o que aquilo podia significar, mas ele estava certo; não tinha motivos para acabar com a magia daquele momento. Deixei o medo para depois e o puxei para um beijo que, embora não tenha admitido na hora, era cheio de sentimento.
   insistiu para que eu pintasse algo, mas eu sabia que não conseguiria com ele ali. Então, em vez disso, consegui convencê-lo a assistir Friends comigo.
  — Alguma coisa parece estar te incomodando — falou logo depois de termos terminado mais um episódio.
  — Não tem nada — tentei mentir.
  Tínhamos acabado de ver um dos episódios em que Mônica lembrava da sua época acima do peso, e embora não houvesse semelhança entre ela e Carla, aquilo acabou me lembrando da conversa que tivemos no dia anterior.
  — Yellow, não mente pra mim.
  Revirei os olhos por costume diante do apelido.
  — Só estou preocupada com a Carla.
  — O que tá acontecendo? Posso ajudar?
  Eu achava lindo como minhas amigas passaram a ser importantes para ele.
  — Ela entrou numa de fazer aquelas dietas malucas pra perder peso. Queria passar vinte e quatro horas sem comer.
   virou-se para mim assustado.
  — Vinte e quatro horas? Ela pode passar muito mal.
  — Eu sei — bufei. — Mas ela colocou na cabeça que é a única madrinha feia no vestido e parece que nada mais importa do que ficar bem nele.
  — E ela não pode tentar fazer isso sem se matar?
  — Acho que conseguimos colocar juízo na cabeça dela, mas não tenho certeza.
   se mexeu um pouco na cama e depois falou:
  — É engraçado como a insegurança de um seria a solução para outro.
  — Como assim?
  — A Carla provavelmente queria ter um corpo mais parecido com o seu, mas eu gasto horas tentando te falar como você é linda e você não acredita.
  Aquela frase me acertou em cheio e senti o ar sumindo dos meus pulmões.
  — Eu não quero falar disso — falei de forma incisiva.
  — Ei! Eu não estou tentando te acusar de nada. Só estou falando que…
  — Que o quê? — Perguntei um pouco mais alterada. — Que eu deveria agradecer por ter meu corpo em vez de achar algo ruim nele? Você acha que eu não tento fazer isso? Acha que é bom se olhar no espelho e não conseguir ver a beleza que alguém diz que você tem? Acha que eu não queria me sentir linda como você diz que sou?
  Eu não queria chorar. Não queria. Mas quando dei por mim, já estava chorando. Rapidamente veio me abraçar.
  — Linda do jeito que é, da cabeça ao pé... — Ele cantarolou, o que provavelmente era uma letra de alguma música que estava querendo tomar forma na cabeça criativa dele.
  O abracei forte e tentei controlar minhas lágrimas.
  — Me desculpe se de alguma forma te fiz mal. Eu não queria isso. Odeio ver você chorando. E odeio saber que, assim como você, tem a Carla que não gosta do corpo e mais um monte de meninas e até meninos. Meu sonho é que você se veja através dos meus olhos. Me desculpe.
  Ele parecia realmente triste ao me ver chorar.
  — Não precisa se desculpar. Eu pensei algo parecido quando ela falou comigo. Me senti uma farsa enquanto falava com ela.
   me afastou, segurando meus ombros, e falou:
  — Ei, não fala isso. Eu sei que você não queria se sentir assim. E eu sei que você tenta pensar diferente. A que conheço não toma coisas malucas para ver se ganha peso, não faz nada disso. Você não é uma farsa ao pedir que a Carla tome cuidado.
  — Mas sou ao pedir que ela se ame — respondi, voltando a chorar.
  — Não concordo. Você tem suas inseguranças, mas não abusa do seu corpo pra tentar alcançar algum padrão maldito. Você se ama o suficiente pra não fazer nenhuma loucura.
  Ali eu consegui pensar as coisas de um modo diferente. Querer exigir que a Carla se olhasse no espelho e, magicamente, não visse “os defeitos” que ela via antes era algo impossível. Mas eu podia pedir a ela para amar a si mesma o suficiente pra não colocar seu corpo e sua vida em risco. Esse era o primeiro passo.
  — É bem difícil ver defeitos e não pirar a procura de mudanças. A gente vê isso em todo lugar, . Modelos, atrizes, influenciadoras digitais que pregam amor próprio mas que só fazem isso depois de duas mil mudanças em si mesmas e acabam tendo um biotipo que ninguém sem as mesmas mudanças vai alcançar.
  — Seja a mudança que você quer ver no mundo, Yellow. Não é essa sua frase preferida? Faça a sua parte. Mude quem está perto de você.
  Sorri.
  Sorri porque eu já sabia daquilo tudo, mas às vezes temos uma síndrome de impostora que nos faz acreditar que tentar ocupar determinado espaço é errado porque não somos suficientes para isso, então precisamos escutar o óbvio da boca de alguém para, enfim, acreditar um pouco em si mesmo. E sorri grata por ter esse alguém na minha vida.
  — Posso dormir aqui hoje? — Perguntei.
  — Eu adoraria — respondeu antes de me tomar em seus braços e me encher de beijos.

  Durante aquela noite, eu navegava pela internet enquanto estava na sala, aparentemente tentando fazer alguma melodia, e pensei nas palavras dele sobre mudar as pessoas que estavam perto. Pensei que talvez pudesse ir um pouco mais longe. A internet nos dava esse poder. Procurei um pouco e encontrei um grupo feito justamente para falar sobre essas nossas inseguranças. Solicitei minha entrada e fui dormir ansiosa para ser aceita.

  No dia seguinte, havia sido aceita no grupo e como tinha que ir para a faculdade, apenas li alguns comentários de uma postagem.

  “Eu não vou em praia/piscina pq me sinto desconfortável com meu corpo. Mesmo que coberto. E pq ver pessoas com o corpo magro me faz querer chorar. [G. A.]”

  Quando li esse comentário, lembrei das vezes em que eu dava uma desculpa para não ter que ir a piscina com minhas amigas porque todas elas já tinham seios grandes, menos eu. Porque ser o que a G. A. não era, era justamente o que me fazia ter vergonha.
  Eu quis quebrar algo dentro do ônibus ao ler os comentários. Tantas meninas maravilhosas se sentindo menos que isso por motivos tão diferentes e ao menos tempo iguais: corpo.

  Cheguei à faculdade e logo fui procurar a Carla e mostrei a ela aquele grupo maravilhoso que tinha achado.
  — Se chama Coisa Linda — falei o nome enquanto lhe contava tudo. — Acho que você iria gostar.
  — Você ficou realmente preocupada comigo, não foi? — Ela indagou, parecendo meio culpada e meio grata.
  — Sim. Mas não foi apenas por você que entrei, Carla. Foi por mim também. Eu também tenho minhas neuras.
  — Você?
  — Sim — sorri. — Eu não tenho nada que as pessoas dizem ser o que as mulheres brasileiras têm, Carla. Minhas pernas são finas ao extremo, praticamente não tenho seios nem bunda, minhas costelas ficam a mostra. Sou tipo um saco de osso...
  — Ei, não fala isso.
  — É como me sinto muitas vezes, e como alguns familiares me chamam. Até conhecer o , eu não conseguia me ver como alguém sexy. Quer dizer, eu achava que minhas atitudes podiam ser sexy, mas não eu em si.
  Carla me puxou para um abraço apertado.
  — Meu Deus, . Eu não fazia ideia… Eu…
  — Tá tudo bem. Nenhuma de nós duas sabíamos isso uma da outra. Fico feliz que agora a gente possa se ajudar.

  Como eu estava louca pra pintar, acabei indo para a casa de aquele dia e, enquanto ele cozinhava para nós dois, fui ler mais algumas coisas do grupo.

  “Eu costumo ser a garota que fala pras outras se amarem mesmo que estejam acima do peso para esse padrão da sociedade. Mas hoje fui a piscina e eu não consegui ser segura. Senti tanta vergonha de mim mesma que precisei ser consolada pelo pai. Saí daquele lugar chorando [H. G. ADAPTADO]”

  “Desde pequena eu sempre fui gorda.
  Isso me incomodava, e ainda incomoda MUITO, simplesmente pelo fato de que minha avó sempre criticou muito isso em mim. Criticou tanto que hoje em dia ela não precisa nem falar. A voz dela já vem automaticamente na minha cabeça
  "Se tu continuar gorda vai ficar sozinha pra sempre"
  "Ninguém vai querer ficar com gente gorda"
  "Se não é bonita tem q ser ao menos inteligente"
  Enfim, uns 4 anos atrás eu comecei a tomar um anticoncepcional novo que me engordou muito mesmo, desde então eu sinto que piorei. Tenho 21 anos e 5 anos de relacionamento, mas me sinto a pessoa mais feia do mundo. Hoje mesmo estava chorando por ser gorda. Por tentar emagrecer mas não conseguir pq eu mesma me saboto. Tô digitando isso e chorando, pq me dói mt falar disso.
  Invejo quem aceita seu corpo, magro ou gordo. Gostaria muito de ter essa capacidade, mas eu simplesmente odeio o reflexo que vejo no espelho. [A.]”

  Chorei ao ler aquele comentário. Eu queria poder abraçar a A., falar que estava lá com ela. Arrumar um jeito dela não odiar tanto assim o que via.
  — ? Ei! Por que você tá chorando?
  — “Invejo quem aceita seu corpo, magro ou gordo. Gostaria muito de ter essa capacidade, mas eu simplesmente odeio o reflexo que vejo no espelho.” Acabei de ler isso. Acabei de ler que alguém disse a essa moça que ninguém iria querer ficar com ela por ser gorda. Acabei de ler que ela escreveu seu depoimento chorando porque sentia dor ao falar isso.
   me abraçou forte.
  — Onde você tá lendo isso?
  — Um grupo que encontrei no Facebook.
  — Tem certeza de que vai te fazer bem?
  — Sim, sim. É só que eu queria poder ajudar, sabe?
  — Yellow — ele me encarou. — Acho que o melhor que você pode fazer é falar pra essa moça que você está aqui, que ela não está sozinha.
  — É…
  Naquela noite eu pintei como havia tempos que eu não pintava. Minha mente não parava e provavelmente por isso minha tela tinha algo tão abstrato.
  — Não vai pra cama? — apareceu na porta.
  — Vou sim — falei enquanto mexia o pescoço, que já doía pelo cansaço. — Acabei essa tela agora. Só preciso de um banho.
  — Posso te acompanhar? — ELe perguntou com um sorriso travesso.
  — Pensei que estivesse com sono — respondi sorrindo.
  — Não! Imagina. Tô com uma baita insônia. Nunca estive tão acordado na minha vida.
  Caí na gargalhada e logo depois fiz questão de cair em seus braços.
  Seguimos para o banheiro e já ia tirar minhas roupas de forma apressada, quando falou:
  — Não tem pressa, . Tira devagar. Quero te ver.
  — Você sabe que não sou boa dessas coisas — falei meio sem jeito.
  Minhas inseguranças sempre me fizeram partir logo para a ação. Não ficava fazendo charme com meu corpo.
  — Por favor — me pediu. — É delicioso te ver.
  — Eu vou ficar sem graça — falei.
  — Talvez uma música ajude — sugeriu e eu ri alto.
  — Você está querendo que eu faça um strip-tease pra você?
  — Na verdade, eu só queria que você relaxasse — ele deu de ombros.
  — Acho que não consigo — falei sem jeito.
  — Calma. Me deixa escolher uma música.
  Então ele colocou a música para tocar e falou:
  — Fecha os olhos e deixa a música te levar.
  Respirei fundo e tentei fazer o que ele pediu. Eu havia passado o dia lendo sobre insegurança, talvez estivesse na hora de tentar fazer algo sem sentir vergonha de mim.
  Aos poucos aquela vergonha tinha dado lugar a uma confiança que eu não sabia que tinha.
  Terminamos aquele banho da melhor maneira possível.

  Como no outro dia não tinha aula, me permiti dormir até tarde na casa de . Quando acordei, a casa inteira cheirava a comida boa.
  Me levantei e segui para a cozinha, onde tinha ovos e queijo frito, assim como suco e torradas.
  — Caiu da cama? — Indaguei.
  — Estava um pouco ansioso.
  — Para?
  — Eu estava querendo conversar um assunto contigo.
  Me sentei em um dos bancos e lhe pedi para que continuasse.
  — Estamos nessa há uns seis, sete meses, né?
  — Aham — concordei desconfiada.
  — Você nunca pensou em como seria se…
  — Se...
  — Eu… eu…
  Todo aquele nervosismo de acabou por me deixar nervosa também, principalmente quando comecei a pensar no que poderia deixá-lo assim.
  — Você tá querendo colocar um fim? — Indaguei, justamente o contrário do que eu pensava. — Se for, tudo bem, tá? Eu fico de boa com isso.
  Afirmar e tentar acreditar na pior hipótese era sempre a forma que meu cérebro tinha aprendido a lidar com aquelas situações.
  — Pra você tudo bem se a gente…
  — Claro!
   pareceu ficar sem palavras. Então logo falei:
  — A gente sabia que isso poderia rolar.
  — Eu não quero isso, — ele falou agoniado. — Eu com toda certeza não quero isso. Você quer?
  Eu poderia até mentir dizendo que ficaria bem, mas não conseguiria mentir naquilo.
  — Não — respondi de forma sincera.
  — Olha, vamos ter um show domingo. Sei que fica ruim pra você, mas queria que você fosse. Vai ser bem legal. Falaram que a gente poderia levar quem quisesse para o camarote. E depois vai rolar uma festa bem massa.
  Agradeci mentalmente por ele ter mudado de assunto e aceitei. me deu um beijo na testa e voltou a mexer em alguma panela.
  — Você já pensou em como seria se a gente namorasse?
  — Já sim — respondi, rindo de maneira fingida. — Você me trairia e eu te odiaria para sempre. Nunca terminou bem...
  — Eu te trairia?
  — É. Aquele lance de liberdade, você sabe o que estou falando. Quando começamos isso, foi o que você mais me pediu. No primeiro mês que ficamos, você ficava com outras meninas na minha frente.
  — Eu fui um babaca, idiota.
  — Na verdade você foi o que combinamos que seríamos: livre.
   desligou a comida e virou para mim.
  — Não, . Eu fui um babaca. Eu não precisava ficar com ninguém na sua frente. A verdade é que eu fui um medroso idiota. Queria afirmar pra mim mesmo que eu não tinha mudado, que conseguiria levar nosso combinado a sério, mas no segundo mês eu já não queria ficar com mais ninguém que não fosse você. Você não me viu ficando com alguém, viu?
  — Mas você pode, tá? — Foi o que consegui responder.
  — Acontece que eu não quero. Acha que não tentei? — Ele perguntou rindo. — Só quero você, .
  Eu sabia onde aquela conversa nos levaria, e embora sua última frase tenha me deixado com o coração acelerado, não estava preparada.
  — Não, . Por favor, não faz isso — e antes que ele me perguntasse o que ele estava fazendo, continuei: — Não muda as coisas. Não me pede pra dar um passo que eu sei que não estou pronta para dar.
  Ele deu um sorriso triste.
  — Tudo bem.
  — Obrigada — agradeci de forma sincera. — Estamos bem?
  Eu sabia pelos olhos dele que ele não estava cem por cento bem, mas queria saber se poderíamos seguir do jeito de antes.
  — Sim. Claro.
  — Que bom.
  — Você ainda vai no show?
  — Claro que sim. Não se nega um bom camarote e uma boa festa. — brinquei. — Agora termina essa comida que estou morrendo de fome.
  Estávamos vendo Rei Leão quando chegou uma notificação no meu celular dizendo que mais alguém postou no Coisa Linda. Logo abri o grupo.
  Era de uma menina que, assim como eu, sua insegurança era por ser muito magra. Um trecho me marcou muito.

   “Na sétima e oitava série eu tinha aulas de educação física na piscina algumas vezes, e dentro de dois anos eu só fui em uma dessas aulas porque tinha vergonha de ficar de biquíni na frente de meninas que me veriam depois. Na oitava série a festa de fim de ano da sala foi na piscina e eu inventei que tinha uma viagem, fui lá apenas levar o presente do amigo secreto e inventei que não podia ficar por causa da viagem.
  Agora estou namorando e vez ou outra me vejo sabotando meu namoro porque sei de pessoas bem mais atraentes que eu que ele poderia estar e fico achando injusto ele estar comigo. Ele repete milhões de vezes que isso não faz sentido e que se ele está comigo, nenhuma outra pessoa importa. [K. A.]”

  Eu sabia que estava fazendo algo parecido com aquela menina, mas não conseguia fazer diferente, e enquanto a gente via o filme, acabei derramando algumas lágrimas solitárias.

  — Amigaaaaa! — Carla gritou ao me ver.
  — Se prepara que ela tá meio doida — Maria me alertou enquanto ria.
  — O que te deu, menina?
  — Eu só queria dizer que aquele grupo é maravilhoso. É pesado, mas é maravilhoso. Você poder falar sem medo de que te achem idiota, dramática... E você se vê incentivando meninas a se amarem, e então pensa: eu posso e devo fazer isso também.
  Puxei minha amiga para um abraço.
  — Eu fico tão feliz que você esteja gostando.
  — Estou sim. Mas agora quero falar de outra coisa.
  — O quê?
  — De você e o , o que mais seria? — Indagou, como se eu fosse idiota.
  — Você nos manda uma mensagem dizendo que ele meio que te pediu em namoro e depois some? Isso não é coisa que se faça — Maria reclamou e eu ri.
  — Não tem nada demais, meninas. Ele meio que pediu, eu neguei e seguimos iguais.
  — Você negou?
  — Óbvio.
  — Por que você fez isso?
  — Porque eu não queria, ué!
  — Conta outra — Maria rolou os olhos.
  — Não quero ser traída e odiar o , meninas. Não quero.
  — Mas isso não precisa acontecer.
  — Vai acontecer.
  — Alguma vez pareceu infiel?
  — Ele ficou com meninas na minha frente, e ele vive rodeado de mulheres lindas…
  — Você está se comparando a elas? Isso não é uma competição, .
  — Eu sei, e prefiro que continue assim. Olha pra mim, eu perderia fácil, fácil.
  — O quê? Do que você tá falando? Ninguém ganha ou perde, . Ou melhor, você perde a chance de ser feliz.
  — Deixa ela — Carla pediu a Maria. — Não vai adiantar. Uma hora eles vão se arrumar.
  Mesmo não concordando uma com a outra, as meninas não me deixaram e ficaram ao meu lado. Aquele dia fui pra casa quase a noite depois de ficarmos fazendo o nosso projeto e não tocamos nesse assunto. Na sexta as coisas também seguiram normal e vi apenas no sábado.
  — Você vai mesmo amanhã, né? — Ele me perguntou, depois de parar um pouco de tocar seu violão.
  — Já disse que sim. Chamei até as meninas, mas elas não vão poder ir.
  — Vamos tocar umas duas músicas na festa também, mas teremos muito tempo pra aproveitar, e o camarote falaram que é ótimo.
  — Relaxa, eu não vou morrer enquanto você toca — brinquei.
  — A Carla tirou aquela ideia de passar o dia sem comer da cabeça?
  — Tirou, sim. Mostrei o Coisa Linda pra ela. Antes de ontem ela me agradeceu, disse que o grupo estava sendo bem importante pra ela.
  — Fico feliz.
  — Tem umas coisas bem difíceis de ler lá no grupo, mas ao mesmo tempo é um lugar onde a gente encontra apoio, sabe? Uma ajuda a outra.
  — Fazia tempo que eu não te via tão empolgada com algo. Tirando seus esboços de construções, isso sempre te empolga — ele brincou.
  — Verdade. Inclusive, já que você tá aí tocando, vou pintar um pouco, tá bem?
  — Pode ir. Te chamo pra jantar daqui a pouco.
  — Como se eu fosse parar de pintar pra comer — falei, rolando os olhos teatralmente.
  — Eu nunca vou desistir de tentar.
  Fui até , lhe dei um beijo e depois segui para o quarto.
  Eu costumava pintar coisas abstratas, mas naquele dia, conforme cantarolava a música que tocava na sala, fui desenhando vários corpos femininos. É! A arte reflete o que tem dentro da gente.
  Infelizmente a fome me venceu e não consegui pintar muito, mas pretendia continuar o quadro na semana seguinte.
  Como tinha show, saímos logo cedo de sua casa. Ele pegou o ônibus e seguiu pra casa de um de seus amigos da banda e eu pra minha.
  — Preciso comprar um carro e aí te levo em casa — ele falou antes de ir.
  — Foca em pagar seus estudos e comprar seu apartamento. Carro vem depois. Eu não ligo de ir de ônibus.
  Demos um beijo e seguimos cada um pra o seu destino. Dar tchau a ele, mesmo que brevemente, já me deixava com saudade.

  Aquele dia seguiu normalmente, assim como a manhã e a tarde do domingo. Quando estava chegando perto da noite, me arrumei e segui pra o show.
  Quando cheguei ao local, fui logo encaminhada para o camarote. Não tive tempo de falar com antes dele subir pra o palco, mas mesmo assim mandei uma mensagem lhe desejando um bom show.
  Aos poucos o camarote foi ficando cheio de gente, e logo eu estava rodeada de pessoas. Conforme o show foi seguindo, três garotas se acomodaram perto de mim e começaram a falar sobre a banda de .
  — Eles são tão lindos, né?
  — Lindos e gostosos — a segunda concordou, mordendo o lábio.
  Eu quase ri. Era comum ver os meninos recebendo aqueles tipos de elogios.
  — Eu sei bem disso. — disse a terceira.
  — Como assim, sabe disso?
  — Você não sabia? A Tina já beijou e muito aquela boca ali.
  Eu tentei não virar e olhar, mas vi o dedo da garota apontar para e meu coração gelou.
  — Tina!
  — Que foi? Ele é uma delícia!
  Olhei disfarçadamente para Tina e senti como se uma pedra caísse no meu estômago. Tina era linda, linda de verdade, e entendi o porquê de estar ficando com ela.
  — Beija bem?
  — Demais. O tem uma pegada que você não faz ideia.
  Agarrei o suporte à minha frente e me controlei ao máximo que pude para não chorar. Tirando forças de onde não tinha, me esforcei e fiquei durante todo o show ali, minha mente trabalhando em mil explicações diferentes para aquela conversa.
  — O show acabou. Vai falar com ele?
  — Claro que sim. Ele sabe que eu estou aqui.
  Foi o que bastou. Quando vi subindo, comecei a descer pela escada do lado contrário. Ao me ver, ele apressou os passos e conseguiu me acompanhar quando eu já estava fora da casa de show.
  — ! Aonde você vai?
  — Tô indo pra casa.
  — Ia embora sem falar nada? O que te deu?
  Me virei para ele fervendo de raiva e cega pela insegurança.
  — Você não vai sentir falta, tem gente esperando você lá.
  — Hã? Do que você está falando?
  Eu odiava quando me desentendia com e ele agia como se não entendesse as coisas.
  — Sabe quem ficou perto de mim durante o show? A Tina. Sabe quem é?
  — Você conhece a Tina? — Ele indagou, conseguindo esconder que tinha algo com ela.
  — Sim. Quer dizer, foi impossível não escutar ela falar sobre como você é gostoso e beija bem.
  — E por que isso te deixou assim?
   olhava pra mim confuso e isso só me deixava mais irada.
  — É sério isso? Quer dizer, faz todo sentido.
  — Hã?
  — Ela é linda, maravilhosa, gostosa como eu jamais serei. Faz sentido.
  — Do que você tá falando? Faz sentido o quê? Eu já fiquei com a Tina, e daí? Nós dois já tivemos um passado, não éramos castrados antes de conhecer um ao outro. Você é minha amiga há anos, sabe que nunca fui adepto ao celibato.
  — E daí você esqueceu rapidinho que queria namorar comigo, né? Marcou até de vê-la. Ai, , mas foi bom isso, sabe? Assim a gente ainda pode ser amigos. Nós nunca daríamos certo mesmo.
  — Eu não marquei de encontrar ninguém.
  — Ela disse que você sabia que ela estava aqui — acusei.
  — Sim! Temos contato. Ela é uma ótima pessoa. Me falou que vinha. O que tem demais nisso?
  — Fica com ela. Faz mais sentido.
  — Sentido?
  — É. Você é popular, lindo, desejado... Ela também é maravilhosa.
  — Isso não é uma competição. Eu não sou nenhum prêmio e nem sou nada demais pra que você ache que precisa competir por mim.
  Ri sem humor enquanto uma lágrima idiota queria a todo custo escorrer.
  — Eu não entraria numa competição com ninguém por homem nenhum. É até por isso que não daríamos certo, sabe? Eu não tenho paciência pra isso.
  — Eu nunca te falei pra competir por mim. Você nunca precisaria disso, é você.
  — E daí?! — Indaguei agoniada, levando as mãos ao alto. — Tem um monte de meninas tipo a Tina pra estar contigo. Por que eu teria chances?
   riu como se não conseguisse acreditar no que eu dizia.
  — Porque eu te amo, idiota! Simples assim — ele praticamente gritou enquanto me encarava. — Mas no meio de tanta merda, você falou algo que eu concordo: não daríamos certo. Eu sei das suas inseguranças, mas nunca poderíamos dar certo se você nem ao menos confia em mim.
   falou isso e virou, sem deixar que eu lhe falasse nada, mas antes de seguir, voltou e disse:
  — O Caio ia nos levar pra casa. Já que não vamos mais juntos, vou te pedir um Uber.
  O ouvir falar aquelas palavras sem nem me olhar tinha acabado comigo, mas meu orgulho era maior que isso.
  — Não precisa. Eu peço — foi tudo que consegui dizer ao olhar nos olhos dele e perceber a distância que agora havia entre nós.
  — Avisa quando chegar. Agora vou voltar pra festa, vamos tocar. Tchau.
  Ele não me chamou para ficar. Não me olhou enquanto falava isso. Não fez nem sinal que viria me dar um abraço. virou e foi embora sem olhar para trás.
  Assim que fiquei sozinha, não consegui conter as lágrimas. Conforme as fortes emoções iam passando, percebia que talvez pudesse ter errado, mas toda a insegurança que havia dentro de mim logo me lembrava que, ainda assim, eu era pouco demais.
  Quando cheguei em casa mandei a mensagem avisando que havia chegado e entendi que não teria chances de conversa quando recebi apenas um emoji como resposta. Os outros dias se seguiram sem comunicação alguma entre nós, até que esses dias viraram uma semana.
  — Você deveria tentar conversar com ele — Maria sugeriu por telefone e eu ri.
  — desistiu, Maria. Em qualquer outra situação ele já teria ao menos mandando uma mensagem.
  — Mas você gosta dele, sabe que errou ao falar aquelas coisas, sabe que não deveria ter falado aquilo.
  — Mas, ainda assim, não acho que vá adiantar de algo.
  — Sinto muito, amiga.
  Conversamos mais um pouco e depois que desligamos comecei a pensar sobre como minha insegurança tinha me feito perder o cara que amava. Isso me lembrou o grupo Coisa Linda e eu ia escrever algo lá, mas antes achei um depoimento que, embora nossas inseguranças fossem diferentes, me lembrava muito tudo que o me fazia sentir.

   “Eu sempre fui uma criança levemente acima do peso, mas nada que me incomodasse. Na real incomodava mais minha mãe e minha irmã (que sempre foi muito linda), mas eu era de boa.
  Quando meus seios cresceram foi que eu passei a ter noia com meu corpo. Eu tinha os seios tuberosos (meio compridos e caídos), e tinha muita vergonha. Não saía sem sutiã, não tirava a blusa por nada, e tals.
  3 anos atrás, decidi fazer uma mastopexia, que basicamente é uma cirurgia pra reformar o formato da mama. E como eu sempre fui encorpada, coloquei silicone pra não diminuir o tamanho. Meu número de sutiã não mudou, por assim dizer. Mas eu tive problemas de cicatrização, e tenho uma cicatriz bem grande no seio. Mas agora eu meio que amo meus seios, e amo minha cicatriz pelo que ela representa.
  Bom, o problema tá resolvido, então? Não... Eu tive problemas sérios de estresse e ansiedade nos últimos dois anos, e isso fez com que eu tivesse um tremendo aumento de peso. Sabe como eu disse que sempre fui acima do peso? Bom, agora eu tava MUITO acima. 20kg em 2 anos, foi o que eu ganhei.
  E então... Eu revirei minha vida. Saí de uma faculdade que tava acabando comigo, de um trabalho que não me trazia nada e de um relacionamento estagnado (nada contra meu ex, somos bem amigos).
  Entrei num curso novo e conheci uma pessoa muito especial. Ele foi a primeira pessoa que me fez perceber que mano, eu sou linda pra cacete, seja com 20kg a mais ou a menos. Ele me olha sem roupa e me faz sentir uma delícia kkkk. Quando eu perguntei se a minha cicatriz incomodava, ele disse que acha ela linda.
  Não tô dizendo que minha autoestima depende dele. Mas juro que ter alguém que te segura e diz "eu queria que tu visse o que eu tô vendo. Cada pedaço teu é lindo" faz muito bem. Ele me ajudou a me olhar e dizer "pqp, que gata porra".
  Claro, eu ainda quero perder aqueles 20kg extras kkk. Mas hoje, é mais uma questão de saúde do que qualquer outra coisa.
  Enfim, obrigada pelo espaço, e desculpa o tamanho do texto. [V. M.]”

  O me fazia sentir algo parecido. Eu ainda não havia conseguido me sentir tão segura quanto a V. M., mas cada vez que o me olhava cheio de desejo, me sentia uma mulher e não uma garotinha. Queria dizer a ele tudo isso e quase lhe mandei uma mensagem que cheguei a digitar, mas apaguei no minuto seguinte antes de enviar. Eu precisava me amar muito mais antes de colocá-lo na minha vida.

  Mais uma semana se passou e, quando estávamos entrando na terceira semana, saí da sala de aula e me esperava na porta. Assim como fazia quando estávamos juntos.
  — Oi — ele falou meio sem jeito.
  — Oi — respondi sem jeito também.
  — Como você tá?
  — Acredito que bem. E você?
  — Acho que bem também — ele respondeu, dando de ombros, e deu um meio sorriso. — É… Eu vim te fazer um convite.
  — Convite?
  — A banda vai abrir um show internacional e…
  — Internacional? Caramba, , parabéns! — O cortei, tamanha era a felicidade. Minha vontade era pular em seus braços, mas sabia que não podia.
  — É, estamos bem felizes. E, bom, você sabe o quanto a gente queria isso, então vim te convidar pra ir. Ficaria muito feliz de te ver lá.
  Eu não esperava por aquilo. lembrou de mim apesar de tudo. Me remexi um pouco, insegura sobre o que eu deveria dizer. Percebendo meu silêncio, ele falou:
  — Você vai, né?
  — Claro! — Respondi, sem conseguir conter a felicidade.
  — Também trouxe ingressos pra Maria e pra Carla. Achei que você pudesse curtir mais ao ir com elas.
  — Nossa, , obrigada mesmo!
  — Te vejo sábado, então?
  — Sim, sim.
  E novamente ele foi embora sem dar um abraço ou fazer um convite para que eu fosse com ele pra casa.

  Era sábado, finalmente o dia do show, e se eu tentava não criar expectativas, as minhas amigas criavam por mim.
  — Vocês vão ficar, com certeza — falou Carla.
  — Óbvio que sim — Maria concordou.
  Eu ignorei as duas e foquei em ver realizando um dos grandes sonhos da vida dele. Eles estavam arrasando e eu não podia estar mais orgulhosa.
Quando chegamos à casa de show, minha vontade era de procurá-lo e abraçá-lo antes desse momento tão importante, mas não fiz nenhuma das duas coisas. Fiquei lá aguardando e depois assistindo seu show, prestes a explodir de felicidade por ele e os meninos.
  Então chegou a hora de anunciar a última música.
  — Antes de cantar a última música, que é inédita, eu queria falar algumas coisas. Alguns anos atrás, conheci a mina mais linda e maravilhosa desse mundo. Não sei por qual motivo, ou talvez saiba que era tudo medo de não a merecer, mas bom, eu coloquei na minha cabeça que com ela sempre seria só amizade. Há uns sete meses, ela deixou de ser só minha amiga, mas ainda assim eu insistia nesse título. Então me dei conta de que a amava. Na verdade, sempre amei. E não só porque ela é linda, porque, meus caros ouvintes, ela é muito linda. Mas ela é a pessoa mais extraordinária do mundo. Ela tem um monte de talentos que eu nunca terei e é dona de um coração enorme. Yellow, eu sei que você muitas vezes não se vê assim, mas eu queria que todas as vezes que você se olhasse no espelho lembrasse que você é…

Linda do jeito que é
Da cabeça ao pé
Do jeitinho que for
É, e só de pensar
Sei que já vou estar
Morrendo de amor
De amor
Coisa linda
Vou pr'onde você está
Não precisa nem chamar
Coisa linda
Vou pr'onde você está
Linda feito manhã
Feito chá de hortelã
Feito ir para o mar
Linda assim, deitada
Com a cara amassada
Enrolando o acordar
O acordar
Coisa linda
Vou pr'onde você está
Não precisa nem chamar
Coisa linda
Vou pr'onde você está
Ah, se a beleza mora no olhar
No meu você chegou e resolveu ficar
Pra fazer teu lar
Pra fazer teu lar
Coisa linda
Vou pr'onde você está
Vou pr'onde você está

  Eu queria chorar e talvez já estivesse chorando sem nem perceber, mas de qualquer maneira tentei me manter apresentável até que viesse até mim. Enquanto eu lhe esperava, recebi uma mensagem me pedindo pra ir até o camarim e me dizendo como chegar lá. já tinha avisado aos seguranças que eu chegaria.
  Eu pretendia não ser tão louca, mas assim que abri a porta e o vi, parti para seus braços e o beijei.
  — Você me desculpa? — Foi a primeira coisa que ele falou depois do beijo.
  — Te desculpar?
  — Desculpa por não ter ficado ao seu lado em um momento que deve ter sido difícil pra você, por não ter te entendido.
  Coloquei meu dedo nos lábios dele para o calar e falei:
  — Você não tem por que se desculpar. Sim, se você escolher ficar comigo, eu te peço um pouco de paciência, mas não precisa de desculpas. Eu não posso despejar todas as minhas inseguranças em você, não é justo. Eu quem peço desculpas.
  — Ficamos os dois desculpados então? — Ele perguntou brincalhão.
  — Sim — respondi sorrindo antes de voltar a beijá-lo.

   “Olá, meninas.
  Eu sempre fui abaixo do peso. Nunca tive seios grandes, bunda grande ou pernas grossas. Nunca estive no “padrão mulher gostosa e brasileira”. Por muito tempo (e algumas vezes ainda) isso fez com que eu me diminuísse e não confiasse em mim mesma. Sempre via alguém mais bonita e mais atraente que eu, que pudesse fazer as pessoas com que eu me relacionava, mais felizes. Afinal, como minha tia me disse várias vezes: ninguém gosta de um saco de ossos. Me sentia apenas isso. Um saco de ossos que ninguém iria querer de verdade.
  Minha insegurança com meu corpo, como eu disse, refletia nos meus relacionamentos e eu quase perdi o cara mais especial que eu conheço. Mas um dia li aqui uma garota falar sobre como o namorado dela a fazia se sentir linda, e é exatamente isso que o meu faz comigo. Apenas as palavras dele, embora maravilhosas, obviamente não foram suficientes para minha nova fase, mas eu diria que foi um empurrão e tanto.
  Ainda tem dias que eu não acredito tanto nas palavras dele. E tem dias em que ainda sinto vontade de chorar por não me ver como ele me diz que sou. Mas, sabe, eu ando tendo bem mais dias melhores, e isso só ocorreu quando eu comecei a entender que não preciso suprir as expectativas de ninguém. Não preciso ser como minha tia julgava ideal, nem como as garotas que vivem perto do meu namorado são, muito menos como os caras julgam ser a mulher com o corpo ideal. Eu preciso ser eu. Cuidar de mim. Me amar assim. Pra que, um dia, seja qual for a mudança, eu a faça apenas por mim.
  Às vezes eu ainda me comparo e penso que meu namorado merecia coisa melhor, mas não jogo mais as minhas inseguranças nele. Eu tenho minhas qualidades, sabe? E sorte de nós dois termos um ao outro, não apenas minha em ter ele.
  Eu queria que cada uma de vocês, ao ler essas poucas palavras, lembrassem de uma coisa: vocês são lindas, independentemente de estar nos padrões da sociedade ou não. Vocês são lindas porque são vocês. E, mano, vocês são muito mais que um corpo.
   “Amar-se é um romance que dura a vida toda” (Oscar Wilde) []”.

FIM



Comentários da autora

  Nota do autor:Oi, gente. Tudo bem com vocês? Essa história tem um significado muito especial para mim e espero muito que vocês gostem e comentem.
  Também sou autora de outras histórias aqui no site. Que tal dar uma olhadinha?
  Ela
  Me voy
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