Choices

Escrito por Danielle | Revisado por Jaqueline Rocha (Até capítulo 11) | Natashia Kitamura

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Prólogo

  Faltava doze dias para o baile de encerramento do ano letivo, e era possível sentir a vibração dos estudantes com o fim iminente de mais uma etapa. Eu mal podia esperar pelo meu último ano do colegial – já podia ver as cartas de admissão de algumas universidades chegando à minha casa e minha mãe pulando de felicidade quando eu anunciasse que fora aceita em medicina em alguma boa instituição.
  - Estou pensando em comprar outro vestido para o baile. – Tiffany disse ao meu lado lendo meus pensamentos.
  - Seria o quê? O terceiro? – perguntei rindo da minha melhor amiga. Ela fez uma careta e pegou seu espelho dentro da bolsa para conferir o visual impecável, como sempre.
  Tiff era indecisa quanto a tudo - desde o que escolheria para comer no almoço até se gostava de verdade de um garoto. E, normalmente, ela só parava para pensar se aquilo era mesmo o que ela desejava depois de já ter pagado pela comida ou depois de ter passado meses arquitetando planos e executando-os para conquistar o menino que tinha tudo para ser o pai de seus filhos no futuro, segundo a própria Tiffany.
  - Oi, minha gatinha! – Mathew me abraçou por trás, de supetão, e tive que reprimir um grito quando o gesto me assustou.
  - Caralho, Matt, até eu me assustei dessa vez! – minha amiga reclamou depois de cumprimentar Andrew, seu namorado há uma semana e amigo de Mathew desde que entrou para o time de basquete da escola no início do semestre.
  - Desculpe, meninas. Não foi minha intenção. – ele disse educadamente.
  - Está perdoado, Matt. – respondi depois de me virar para encará-lo e depositar um beijo em seus lábios perfeitos. Meu coração bateu forte dentro do peito e minhas mãos soaram nas palmas – reações comuns a cada vez que meu namorado aparecia na minha frente, com seus olhos verdes sinceros e seu perfume sem igual.

  Foi mais um dia como qualquer outro no colégio. As mesmas emoções de sempre. Babar enquanto assistíamos o treino dos meninos do basquete e nos escondermos atrás da arquibancada para que a professora de Educação Física não percebesse que estávamos matando aula. Ficar desesperada com matemática e com a prova que seria no final daquela semana. Conversar incansavelmente com Tiffany, Mellory e outras garotas com quem andava sobre a festa de fim de ano que se aproximava...

  Depois das monótonas aulas daquela típica terça-feira, eu tinha planos de ir para casa e estudar Trigonometria até entender pelo menos o que era seno, cosseno e tangente. Mas meus objetivos viraram pó no instante em que Mathew surgiu no meu campo de visão com os cabelos molhados após seu exaustivo treino e com um sorriso enorme no rosto me chamando para ir com ele, Tiffany e Andrew tomar um sorvete no shopping perto da escola. É claro que eu não soube dizer não.

  - Eu acho que aqueles dois não vão durar muito... – Matt comentou rindo quando entramos de mãos dadas no prédio onde eu morava com minha mãe em um bairro razoavelmente bom a quatro quilômetros do Central Park West, em New York.
  - Eu tenho certeza de que não passam do baile de fim de ano. – afirmei com uma risada provocando outra gargalhada de Mathew.
  - Mas isso é típico da Tiffany. Nenhum relacionamento dela dura muito. – ele deu de ombros.
  - Sim, é verdade. Eu sempre digo pra Tiff que ela só vai encontrar a pessoa certa que tanto procura quando se acertar com ela mesma, quando descobrir o que ela quer de verdade. – disse um tanto preocupada com minha melhor amiga; não era certo rir da sua falta de jeito com namoros, afinal.
Eu e Matt já havíamos chegado ao terceiro andar – o meu andar – quando concluímos que Tiffany era um caso perdido e traumatizaria dezenas de garotos antes de encontrar seu “príncipe encantado”. Procurei minhas chaves dentro da mochila e destranquei a porta ruidosamente. Entramos no apartamento e as luzes estavam todas apagadas ainda.
- Mãe?! - chamei caminhando até a cozinha, fui até o quarto de minha mãe e depois passei pelo meu, mas ela realmente não havia chegado.
- Ela ainda não chegou? – Matt perguntou colocando a chave na fechadura e trancando a porta novamente.
- Não... – respondi andando até ele e sorrindo maliciosamente.
Meu namorado murmurou alguma coisa parecida com “vem cá, então” e me beijou com a mesma empolgação pela qual eu ansiava. Suas mãos que estavam nas minhas costas - sobre as costelas, na parte dorsal - caminharam pela minha coluna lombar, passaram pela minha bunda e, então, ele me levantou quando segurou firme as minhas pernas. Abracei o quadril de Mathew com meus membros inferiores e senti as almofadas do sofá nas minhas costas; ele deitou-se sobre mim apoiando-se em de seus antebraços para não colocar o peso encima do meu corpo de verdade, e continuou me beijando. Interrompi, então, nosso beijo caloroso para recuperar o fôlego, e senti os lábios macios e perfeitos dele no meu pescoço.
Eu estava sem minha blusa e Mathew sem a dele quando o interfone tocou. Eu queria me preocupar em ir atendê-lo, queria dizer a Matt para esperar que eu estaria de volta em segundos, mas não tive força de vontade o bastante para parar o que estávamos fazendo para dispensar quem quer que quisesse subir ao meu apartamento. Ignorei as chamadas e já havia me perdoado por ter feito isso quando, instantes depois de o aparelho ter se calado, a campainha do meu “lar, doce lar” tocou.
- Quem será, hein? – meu namorado perguntou enquanto mordia a minha orelha.
- Não sei, mas eu vou ter que atender. O porteiro deixou subir, então deve mesmo ser muito importante. – falei depois de alguns segundos procurando me concentrar.
- Ok... – Matt respondeu de má vontade, e sentou-se na poltrona, catando sua blusa do chão e me passando a minha.
Eu me vesti a contragosto também e ajeitei meu cabelo, que eu não precisava olhar para saber que estava completamente arruinado àquela altura. Olhei pelo “olho” da porta antes de atender – os homens no corredor eram policiais. Uma onda de medo percorreu o meu corpo, de modo que precisei respirar fundo três vezes antes de girar a chave na fechadura.
- Olá. – a afirmação do cumprimento que eu queria pareceu mais uma pergunta.
- ? – um dos policiais perguntou com uma foto minha em uma mão e um papel que eu já tinha visto em algum lugar na outra.
- Sim, sou eu. Em que posso ajudar?
- Você está com mais alguém em casa, senhorita? – o outro homem questionou coçando a nuca.
- Boa noite. – Mathew disse colocando-se ao meu lado no instante seguinte, enquanto eu ainda processava a pergunta e buscava em minha memória onde eu já havia visto aquela foto e aquele cartão extremamente familiares...
- Nós temos uma notícia. É sobre a sua mãe, senhorita . Podemos entrar?
Aquela foto morava na carteira de minha mãe – era daí que eu a conhecia! O cartão com o nosso endereço e telefones de contato em casos de emergências que o policial, também.
- O que aconteceu com minha mãe? – perguntei automaticamente, sentindo água demais nos meus olhos e percebendo meus batimentos cardíacos acelerarem dolorosamente.
- Houve um acidente na... – eu não escutei mais nada depois disso. Embora meu corpo estivesse ali, parado na frente dos policiais e eu pudesse sentir a expressão de choque e horror na minha face, a minha mente já estava muito distante - ela foi lançada para longe no instante em que ouvi a palavra acidente ligada à minha mãe. Porque não era necessário que alguém dissesse que o acidente havia acontecido com ela e que minha doce e jovem mãe morreu na tragédia para que eu compreendesse aquilo. Porque as feições deles e pressentimentos que eu nunca imaginara que possuía me forneceram essa informação no momento em que um dos homens abriu a boca para me dar aquela notícia – a pior notícia que já recebi na minha vida.
-... Quando os paramédicos chegaram, ela já estava morta... Sentimos muito. – As palavras do policial fizeram eco no meu cérebro confirmando meus pensamentos. A próxima coisa que me lembro depois disso é de ter acordado na minha cama, no dia seguinte, com Mathew sentado em uma cadeira ao meu lado, e de ter chorado e gritado mais do que conseguia sequer me lembrar depois.

Capítulo I

  - Já estamos quase chegando, querida. – meu pai disse e sorriu para mim. Forcei um sorriso como resposta e me esforcei para prestar mais atenção às imagens ao redor.
Baltimore não era um lugar desconhecido para mim, mas eu não pisava ali há quase três anos. As últimas vezes em que encontrara meu pai, ele havia ido até New York para me visitar e, em uma das ocasiões, passamos o Natal em Phoenix, onde meus avós tanto paternos quanto maternos moravam – assim como o restante da família, exceto por uma tia que vivia em algum lugar da Irlanda. Portanto, eu definitivamente conhecia as ruas margeadas por árvores, as casas de aspecto antigo próximas ao bairro onde meu pai morava e a praça bem cuidada a quatro quadras de distância da sua rua... Porém, eu precisava admitir que não me recordava dali como deveria. As semanas que havia passado em Maryland sempre foram recheadas de pensamentos como “eu te amo, papai, mas esse lugar não é para mim”. Agora, no entanto, eu precisaria aprender onde cada avenida importante daria, como chegar à Baltimore High School, ao shopping e a outros lugares que precisaria frequentar com certa rotina, pelo menos. Baltimore era meu novo lar agora. Eu não viveria mais em um apartamento na periferia da maior cidade do mundo, passaria a maior parte do meu tempo livre em um quarto no segundo andar da casa que meu pai, Steve , comprara há sete anos, quando se casou com Louise e adotou também o filho dela, da minha idade, Zachary. Eu havia tentado pensar o mínimo possível nisso nos últimos três meses, desde a morte de minha mãe, mas agora era inevitável – agora estava de fato acontecendo.
  Louise era uma ótima madrasta. Dona de um restaurante de grande sucesso na cidade e cozinheira de mão cheia, ela sabia cuidar do meu pai e de seu filho como eu jamais vira qualquer mulher fazer – pelo menos, qualquer mulher que trabalhasse tanto e fosse tão elegante e fina, ao mesmo tempo. Meu problema também não era com o enteado do meu pai. Embora não visse Zack desde nossos 14 anos, eu sabia que ele continuava o mesmo garoto educado, engraçado e tranquilo de antes. O que me fazia mesmo detestar, odiar e sofrer tanto com aquela mudança era o quanto a situação mudaria a minha vida. Eu estava deixando para trás minhas melhores amigas, meu namorado que eu amava, a escola onde era conhecida e me sentia bem, a cidade que tinha tudo a ver comigo... E se o motivo da mudança fosse um acontecimento bom, um sinal de melhoria de algum modo, talvez eu pudesse encarar o fato como uma coisa boa. No entanto, nada indicava ou demonstrava que aquilo era agradável ou benéfico para quem quer que fosse. E conforme meu pai dirigia para as profundezas de Baltimore, eu podia sentir a tristeza e a dor crescendo dentro do meu esfolado e dolorido peito.
  - Chegamos. – Steve anunciou ao parar o carro na entrada de veículos do casarão.
  - A Louise e o Zachary estão em casa? – perguntei desafivelando o cinto de segurança.
  - Sim, estão nos esperando para lhe dar as boas vindas.
  - É muita gentileza deles. – comentei, mas a frase saiu mais melancólica do que realmente feliz.
  Meu pai abriu o porta malas do carro e eu me apressei em ajudá-lo com a minha bagagem – três malas, no total, uma vez que todos os meus outros pertences já estavam dentro de caixas no quarto reservado a mim em minha nova moradia. No entanto, eu nem mesmo havia tentado levantar a mala menor quando ouvi a voz de Louise e de um rapaz a alguns metros de distância.
  - ! – minha madrasta falou meu nome alegremente. Voltei meu olhar para sua direção e me impressionei de novo. Os cabelos pretos curtos dela e seus olhos azuis sempre sugerindo um sorriso transmitiam uma tranquilidade sem igual e desnorteante. Meu pai realmente tinha sorte por ter encontrado alguém como Louise depois de seu casamento com minha mãe ter fracassado, o que aconteceu quando só tinha cinco anos de idade.
  - Olá, Louise. – respondi dando-lhe um abraço.
  - Já faz um tempo que vocês não se veem, ... Mas, bom, aqui está o Zack. – ela disse depois de murmurar alguma coisa sobre eu estar muito crescida. E quando percebi quem era o garoto chamado Zack, senti meu queixo despencar. Ele estava vários centímetros mais alto do que eu – calculei pelo menos um metro e oitenta, mentalmente -, seu corpo sugeria uns 20, não 17 anos, e as feições perfeitinhas do Zachary do início da minha puberdade haviam sido substituídas por feições perfeitas, mas em um sentido muito mais... Mathew da palavra. E “Mathew”, no meu dicionário, significava coisas semelhantes a anjo, paraíso, céu, sem qualquer pureza envolvida, porém.
  - Ei. – ele falou sem graça lançando-me um sorriso que abalaria as estruturas até mesmo do Empire State. E a voz... A voz era absolutamente adequada ao resto do pacote. E que pacote Zachary era!
  - Ei. – consegui responder sem pigarrear ou falhar a voz, por um grande milagre.
  - E então, ? Como foi a viagem? Você deve estar cansada... – Louise perguntou como quem se desculpava.
  - Não, não estou. A viagem foi tranquila. Só estou com um pouco de fome.
  - Ah, é claro. Eu imaginei que você chegaria aqui precisando se alimentar...
  - E a lasanha que a minha mãe fez está, com certeza, divina. Pelo menos o cheiro está ótimo. – Zack acrescentou.
  - Isso no canto da sua boca é baba, Zack? – meu pai brincou arrancando-me uma risada. Vi os olhos de todos eles se iluminarem com alguma esperança; provavelmente, estavam todos tomando para si a responsabilidade de me fazerem feliz, por mais impossível que isso parecesse, e uma gargalhada era uma boa sugestão de que poderiam ter sucesso, certo? Na minha mente, porém, eu sabia que isso seria inalcançável.
  - Vou te ajudar com as malas, Steve. – Zachary falou ignorando o comentário. Pensei em questionar e dizer que eu mesma ajudaria meu pai a levar minha bagagem para dentro, mas eu havia feito aquelas malas, afinal, e sabia que não estavam leves o bastante para que meus braços pudessem carregá-las. Felizmente, antes que eu começasse a me sentir folgada demais, Louise sugeriu que entrássemos para que ela me mostrasse a casa com mais detalhes e me apresentasse às mudanças que foram feitas nos últimos meses.
  O que mais me impressionava no modo de vida do meu pai era que tudo ao redor dele era uma espécie de simplicidade requintada – pelo menos, era isso o que cada metro quadrado de sua casa sugeria. O cômodo de entrada consistia de uma sala de estar com grandes sofás, uma lareira ao leste, uma estante de modelo antigo ao norte e uma mesinha de centro, sobre um tapete. As cortinas e os quadros na parede ali foi o que mais me agradou, e o que conferia um tom clássico ao local. Um corredor continuava a partir da sala e era margeado pelas escadas de um lado, com uma porta logo na sequência – o escritório aconchegante do meu pai, com suas grandes estantes, a escrivaninha enorme ocupando a maior parte do espaço e algumas poltronas próximas à porta de entrada -, e, na margem esquerda, uma sala de televisão demonstrava a tecnologia mais avançada do ano em que estávamos – 2005. A cozinha de Louise era o último cômodo, no final do corredor, e indicava que ela entendia mesmo da parafernália necessária ao preparo de uma comida bem feita. Lembrei-me de minha mãe dizendo que jamais faria uma cozinha em tons claros demais, porque tinha piedade da faxineira e de si mesma, quando fitei o espaço quase todo branco, com apenas alguns detalhes em vermelho. Se a limpeza era tão trabalhosa, eu não saberia dizer, mas uma coisa era certa: a decoração estava linda.
  - Nós pintamos seu quarto de branco e uma das paredes de rosa, em um tom mais forte. Seu pai disse que eram suas cores preferidas. – Louise disse depois de me mostrar rapidamente seu próprio quarto e de reclamar da bagunça do quarto de Zack, cujo local ela “estava com vergonha de me mostrar, porque Zachary não a obedecia quando o assunto era limpeza de alguma coisa”. Eu ainda ria do comentário exagerado quando alcançamos a porta do meu quarto e ela justificou as cores das paredes.
  - Essa era a cor do meu quarto em New York mesmo.
  - Se você quiser mudar, pode ficar à vontade, ok? Seu pai distribuiu os móveis do jeito que pensou que ficaria mais espaçoso.
  - Esse quarto é duas vezes maior do que o que eu tinha antes, com certeza. – concluí caminhando até o centro do cômodo.
  Várias caixas estavam espalhadas ali dentro, de modo que eu sabia que depois que terminasse de guardar tudo ganharia muito mais espaço do que imaginara que teria – um benefício da mudança, afinal de contas. O guardarroupa era duas vezes maior do que aquilo que eu já esperava e preenchia a parede do lado esquerdo da cama de casal; uma mesinha e um sofazinho ocupavam a margem direita do cômodo; e, em frente ao que minha mãe chamava de “ninho”, eu tinha uma estante grande, com uma televisão e um DVD novos, e espaço ao lado para acrescentar uma cômoda ou encher a parede de pôsteres e fotos, se quisesse.
  - Tem quantos banheiros na casa? – perguntei a Louise depois de conferir cada detalhe do local.
  - Três. Meu quarto e do seu pai é uma suíte, tem um banheiro grande com banheira entre seu quarto e o de Zack e outro social no andar de baixo. Mas o banheiro do térreo não é para tomar banho. Quero dizer, ele é pequeno, só tem lavabo mesmo, para as visitas usarem sem precisarem subir as escadas, sabe? Desculpe, . Você terá que dividir o banheiro com Zack até pensarmos em um jeito de encaixar outro na casa.
  - Tudo bem, Louise. Não é preciso reconstruir a casa de vocês por minha causa. Afinal de contas, daqui um ano eu e Zack concluímos o Ensino Médio, e é bem provável que cada um vá para um estado diferente. – dei de ombros.
  - Sim, mas você precisa sentir que esta é a sua casa, que aqui é um lar para você. Sei que não deve ser a sua imagem agora e talvez não seja nunca mesmo, mas o objetivo de todos nós é fazer com que você se sinta daqui. Então, não pense que você não pode reclamar de nada ou não deve querer mudar nada por aqui simplesmente porque será sua casa por um ano ou talvez um pouco mais do que isso. Você tem tantos direitos neste lugar quanto qualquer um de nós, . Só não se esqueça disso, ok? – Louise sorriu para mim e assenti automaticamente. Foi o discurso mais longo que escutei da parte dela, mas o que ela mencionou só me confirmou o que eu já pensava a seu respeito – ela era mesmo uma pessoa admirável.
  O jantar em família foi um evento agradável. Meu pai e Zachary conversaram sobre baseball – um vício compartilhado pelos dois, pelo visto – até que minha madrasta disse que eles estavam sendo grosseiros em só conversar sobre seus próprios assuntos. Eu sorri espontaneamente a maior parte do tempo – não tive vontade de manter uma expressão séria com os comentários de Zack arrancando-me risadas o tempo todo. E, depois de sentir que não caberia mais lasanha no meu organismo, pedi licença para ajeitar minhas coisas no meu quarto.
  Eu não sabia que tinha tantos objetos até abrir as cinco caixas médias, as duas grandes e as três pequenas. Havia até coisas que eu pensei que havia jogado fora há anos – como a minha fantasia do baile da sexta série e alguns cadernos de desenho da minha fase Pablo Picasso quando tinha oito anos. E, embora eu soubesse que não usaria nada daquilo mais, não tive vontade de jogar nada fora. Aquilo tudo representava uma época feliz da minha vida, uma época sem preocupações e tranquila. Uma época cujas memórias eu já nem tinha – elas estavam traduzidas ali, naqueles pertences bobos e agora inúteis para qualquer outra coisa além de lembranças.
  Minhas roupas foram as primeiras coisas que coloquei no lugar. Enchi a estante com meus livros e enfeitei todos os lugares possíveis com meus bichinhos – sapos, coelhos, ursos e macaquinhos – de diversos materiais diferentes – alguns de pelúcia, outros de plástico ou de componentes semelhantes. A última tarefa que executei foi organizar as fotos no mural que havia pedido para meu pai embutir na parede, antes da minha mudança. E foi nesse momento que as lágrimas vieram. Chorei tudo o que havia reprimido o dia inteiro – a saudade que sentia da minha mãe, a dor que estava me rasgando por dentro ao praticamente abandonar Matt, a alegria em rir de Tiffany que eu sabia que mal teria dali para frente... Perguntei-me repetidas vezes de onde eu tiraria forças para lidar com tudo aquilo. Perguntei-me novamente, como havia feito tantas outras ocasiões nos últimos oitenta e tantos dias, por que eu estava sendo castigada daquela forma – o que havia feito de tão ruim para merecer aquilo? Por fim, decidi deixar o mural para ser concluído no dia seguinte e me espalhei na grande cama sem sequer pensar em trocar de roupas. Por um milagre, eu adormeci rápido; dentro de segundos estava mergulhada na escuridão, mas uma escuridão sem dor.

Capítulo II

  - ? – escutei alguém murmurar meu nome e acompanhar a palavra de algumas batidas na porta do meu quarto. Abri os olhos e senti a claridade machucar minhas vistas.
  - Pode entrar. – respondi com a voz rouca e pigarreei algumas vezes.
  - Com licença. – Zack pediu quando colocou o rosto para dentro do cômodo apenas entreabrindo a porta. Levei as mãos aos cabelos automaticamente, na tentativa de me ajeitar pelo menos razoavelmente.
  - À vontade, Zachary.
  - Me chame de Zack, por favor. Só minha mãe me chama de Zachary e, mesmo assim, só quando vai me dar alguma bronca.
  - Então me trate por , não por . Quero dizer, só minha mãe me chamava de e, mesmo assim, era para me irritar. Eu sou uma boa garota, nunca levo broncas. – sorri convencida para Zack. É lógico que aquilo era uma mentira e das grandes, mas eu queria desviar a atenção dele da minha aparência, e também me sentia estranhamente sociável naquela manhã.
  - Ah é? – Zack questionou arqueando as sobrancelhas. – Bom, preciso lhe apresentar meus amigos então. Eles vão me ajudar a levá-la para o mau caminho. – O garoto disse e piscou para mim. Meu coração bateu tão forte dentro do peito que tive medo que ele pudesse escutar minha pulsação de onde estava. Minha resposta se resumiu a uma risada que soou nervosa demais até para mim.
  - Mas então... Veio me chamar para o café da manhã? – fiz a primeira pergunta que me veio à mente tentando me convencer de que aquele nervosismo todo nada tinha a ver com a aparência de Zachary, de que ele não estava me paquerando nem nada do tipo.
  - Sim. Nossos pais já foram trabalhar e eu preciso ir à casa do Alex resolver umas coisas. Se você precisar ir a algum lugar, me ligue que eu venho te buscar e te ensino o caminho, ok?
  - Sabe, isso não é justo. Você tem um carro e eu não. – simulei um beicinho e cruzei os braços sobre o busto.
  - Viu só? Aprontar às vezes é mais vantajoso... – Zack falou com um sorriso malicioso. Eu gargalhei automaticamente. – Brincadeira. Seu pai está providenciando isso, então logo você terá seu carro também.
  - Relaxa, estou melhor que você, na verdade. Eu tenho um motorista particular, sabe? Só preciso fazer uma ligação que ele me busca em casa e me leva aonde eu quiser.
  - Ok, . Um a zero. – Zachary disse divertido. – Vou indo. Meu número está anotado em um papel pregado na geladeira, tá? Até mais tarde.
  - Obrigada, Zack.
  - Disponha, baixinha. – ele falou fechando a porta. Pensei em gritar algum protesto como “um metro e sessenta e cinco para mulher não é baixinha”, mas vi minha imagem refletida no espelho do guardarroupa quando me levantei e fiquei distraída demais me odiando por ter deixado Zachary me ver naquele estado.

  Meu banho durou pelo menos trinta minutos. A água estava maravilhosa e meus cabelos pediam por uma lavagem caprichada – o que deu muito trabalho por causa do tamanho deles. Eu não usava maquiagem como antes mas, no entanto, precisei caprichar no corretivo naquele dia. Meus olhos ainda estavam inchados pelo acesso de choro da noite anterior e as olheiras tão grandes e arroxeadas que eu temi que não pudesse recuperar minha pele de outrora nunca mais. Vesti uma blusa de alças com o objetivo de curtir o sol no jardim frontal da propriedade, mas me deprimi ao olhar meu reflexo no espelho. Eu sabia que os cinco quilos que havia perdido nos últimos tempos estavam fazendo falta, mas não tinha percebido tanto a diferença até aquele instante. Tiffany estava errada, afinal – 49 quilos não era melhor que 60, porque perder 5000 gramas não era mais vantajoso que ganhar a mesma quantidade. Eu, pelo menos, não conseguia pensar dessa forma.
  Tentei comer mais do que um pedaço de bolo no café da manhã na tentativa de começar a recuperar as calorias necessárias que haviam me abandonado, mas não consegui; meu apetite estava deplorável demais para que isso fosse possível. Depois de desistir de melhorar minha alimentação, dirigi-me para o jardim bem cuidado que Louise mantinha na parte da frente da casa. Várias flores em canteiros enfeitavam as laterais da varanda e eu estava distraída admirando suas cores quando uma voz vagamente familiar soou próxima a mim.
  - A Louise é uma ótima jardineira, não é mesmo?
  - Sim, as flores estão perfeitas. – respondi voltando-me para a garota que fizera o comentário.
  - , certo? – ela perguntou sorridente.
  - É... E você é... ! – consegui associar os cabelos castanhos compridos, os olhos azuis e o sorriso sincero da garota à minha frente com a menina que havia conhecido há alguns anos, em uma das visitas que fizera ao meu pai nas férias de verão. Ela não estava muito diferente do que eu me lembrava – apenas os cabelos estavam mais compridos e ela parecia mais adulta.
  - Me chame de , .
  - Ok, .
  - Caramba, eu moro ao lado do seu pai desde sempre, mas há anos não te via por aqui. Nos primeiros tempos da mudança dele pra cá você vinha visitá-lo com frequência, não vinha? Eu me lembro de você pelas redondezas...
  - Pois é. Nos últimos anos meu pai preferiu ir à New York, por isso eu andei um pouco sumida.
  - Sei... Mas e aí? Ansiosa pelo início do seu último ano do Ensino Médio? Você também se forma agora, né?
  - Graças a Deus, amém! Espero que esse ano acabe logo. Na verdade, estou mais ansiosa pela formatura do que pelo início das aulas.
  - Bom, então junte-se ao clube! Não vejo a hora de dar adeus ao colegial também.
  Conversei com durante um bom tempo ali mesmo, na varanda de entrada do meu novo lar. Ela me contou sobre seus lugares preferidos em Baltimore e se propôs a me apresentar cada um deles. fez diversas perguntas sobre New York, minha antiga escola e meus amigos, e fez comparações entre o que eu vivia no colégio na minha cidade e o que encontraria ali, na cidade dela. Também escutei suas histórias sobre sua amiga, , a quem disse que me apresentaria no nosso primeiro dia de aula, dali cerca de 72 horas.
  - A melhor coisa na Baltimore High são as festas de fim de ano letivo. – comentou em dado momento do bate-papo. - Na última nós tivemos show de alunos da escola mesmo. Aliás, o Zack é baixista nessa banda. Você sabia que ele é integrante do All Time Low?
  - Na verdade, não. Desde quando o Zack toca algum instrumento? – perguntei admirada.
  - Desde sempre, eu acho. Ele também canta. Quero dizer, no All Time Low ele é backing vocal.
  - Caramba, eu não sabia disso mesmo.
  - Pois é. Ele está na banda desde o ano passado... O Alex, praticamente fundador do grupo, é meu namorado. Foi um pouco trabalhoso manter as periguetes longe dele quando eles tocaram na escola, mas eu já estou me acostumando. Eles fazem shows com certa frequência desde o ano passado, então estou ganhando prática.
  - Você com certeza parece ser boa nisso, ! – eu ri imaginando a situação.
  - Eu sou, menina, eu sou. E me ofereceria para ajudá-la a manter as bitchs longe do Zack, mas a já faz isso por você, então não é mesmo necessário.
  - O Zack nem é meu irmão, eu não me importo com garotas morrendo por ele... – falei mais por reflexo do que por pensar mesmo daquela forma. - Mas isso quer dizer então que a sua amiga, a , é a fim do Zack?
  - Apaixonada por ele desde o jardim de infância. Mas, para o Zack, ela é só uma boa amiga. Esse é o drama da vida da .
  - Bom, nós podemos tentar reverter isso com o tempo, né?
  - , a vai mesmo te adorar...

  Louise interrompeu minha conversa com alguns minutos depois do tópico “Mel e Zack”; ela havia vindo para casa apenas para trazer meu almoço. Agradeci a sua gentileza, mas registrei como nota mental uma conversa com minha madrasta – se ela queria que eu me sentisse em casa, deveria me obrigar a me virar sozinha, porque era com isso que eu estava habituada. Convidei para almoçar comigo, uma vez que a comida trazida por Louise daria para bem mais que duas pessoas, e ela aceitou prontamente – ninguém recusaria a comida do restaurante da minha madrasta. Zack chegou para o almoço assim que terminamos de nos servir.
  - E aí, ? – ele cumprimentou com seu ânimo habitual.
  - Ei, Zack.
  - O Alex te mandou um beijo, vizinha.
  - É mesmo? Por que ele não veio com você entregar o beijo pessoalmente?
  - Você quem é namorada dele e eu quem vou saber?!
  - Olha o atrevimento, garoto. Respeite-me!
  Admirei a pseudodiscussão de Zack e durante todo o almoço, e não consegui deixar de comparar aquela situação com o relacionamento que Tiffany tinha com Mathew. Os dois pareciam dois irmãos de tanto que implicavam um com o outro. E não pude evitar me perguntar como os dois ficariam agora, se manteriam sua amizade ou não, uma vez que eu não pertencia ao grupo mais. Não da mesma forma que antes.
   sugeriu que fôssemos ao cinema depois do almoço e me acompanhou até meu quarto para que eu me trocasse e pegasse minha bolsa. Peguei uma calça jeans simples e uma blusa vermelha de maguinhas e, quando voltei do banheiro, depois de me trocar, pediu que eu lhe apresentasse as pessoas das fotos do mural e das que ainda repousavam na escrivaninha, ao lado do notebook – aquelas que eu havia deixado para pôr na parede hoje.
  - Este é o seu namorado? – ela perguntou apontando para uma foto do Natal anterior, que Matt e eu tiramos abraçados e com gorros de Papai Noel na cabeça.
  - Sim. Estamos juntos há quase dois anos.
  - Sério? Como se conheceram?
  - No colégio. O Mathew se mudou para a minha escola quando estávamos na oitava série. Fomos a um baile juntos e então começamos a namorar. Bem típico, né?
  - Vai por mim, o típico é bem mais divertido. Relacionamentos complicados são bons, mas desgastam muito também.
  - Experiência própria?
  - É... O Alex é britânico. Tivemos várias idas e vindas já, porque o pai dele muda para a Inglaterra e volta para os Estados Unidos de novo a cada vez que tem uma crise de existência ou algo do tipo. Nós estamos juntos há cinco anos... Qualquer dia te conto cada um dos nossos episódios tensos.
  - Ok, eu vou cobrar. Então, acho que foi melhor do que eu imaginava conhecer você, . Quero dizer, você é especialista na minha situação.
  - Mas você não precisaria de mim, . Algo me diz que você tem mais força do que imagina que tem. E, tipo, eu nunca passei por perdas como as que você teve nos últimos tempos, mas acredite: os primeiros meses sempre são os mais difíceis. E é como diz uma frase que eu li uma vez: “a noite é sempre mais escura antes do amanhecer”.
  Sorri para assentindo, e então ela disse que era sua vez de me mostrar sua casa e se trocar para irmos ao shopping.

  Cheguei em casa antes das sete da noite aquele dia. As aulas já haviam começado no meu antigo colégio, então eu só poderia ligar para Mathew naquele horário mesmo. E foi a primeira coisa que fiz ao passar pela soleira da porta do meu quarto – apertei duas vezes a tecla verde do celular para realizar a chamada.
  - Oi, amor. – Matt atendeu no quinto toque entre gargalhadas.
  - Oi. E aí? Como você está? Que alegria é essa? – perguntei sorrindo ao som animado da voz dele.
  - Tô bem... Para, garota! – ele ordenou ainda entre risadas para alguém próximo a ele. – A Tiffany está aqui me matando de cócegas. Você contou pra ela meu ponto fraco?
  - Não lembro, Matt. Diz pra Tiff que eu estou mandando ela te deixar em paz. – falei mais incomodada com aquilo do que de brincadeira.
  Matt passou a mensagem para Tiffany.
  - Ela mandou você ligar pra ela mais tarde... Não precisa ir embora se não quiser, Tiffany. – meu namorado disse a última frase mais distante, como se estivesse tampando o telefone. – Tá, até amanhã então.
  - A Tiffany estava na sua casa, então?
  - Sim, ela passou aqui pra pegar o dever de casa. Não foi à escola hoje.
  - Ué, por que não?
  - Dizendo ela, a falta foi porque estava deprimida com a sua mudança.
  - E desde quando isso é razão para faltar ao colégio?
  - Depois você briga com ela, minha linda. Conte-me como foi seu dia.
  A conversa com Matt rendeu quase uma hora. E não teríamos desligado o telefone tão cedo se a mãe dele não lhe chamasse para jantar – o que Louise fez comigo pouco depois, quando terminei de tomar banho.
  Desde a morte de minha mãe até minha mudança para Baltimore, eu morei na casa de Tiffany. Minha melhor amiga vivia em um condomínio fechado em New York, de modo que eu poderia passear pelas ruas do local o horário que quisesse sem me preocupar com ser assaltada, raptada ou qualquer coisa ainda pior que isso. E as minhas noites de sono só eram possíveis quando eu ia me deitar exausta – descansada ou pouco cansada, eu não conseguia sequer cochilar durante a noite toda. Assim, desenvolvi o hábito de sair para correr à noite, por volta das dez horas, ou simplesmente caminhar durante trinta minutos, uma hora. Como eu manteria o costume em Baltimore, ainda não sabia dizer. A única coisa de que tinha certeza era que precisava daquilo.
  Logo depois do jantar, meu pai e Louise subiram para seu quarto e Zack também foi para o dele. Então, escovei os dentes e coloquei uma calça de moletom mais confortável, calcei meus tênis preferidos e saí de casa sem pedir permissão ou algo do tipo. Eu só precisava correr até a praça, a quatro quadras dali, dar algumas voltas no perímetro e chegar em casa sã e salva. Baltimore não era uma cidade perigosa e o bairro do meu pai era bem frequentado, portanto, não deveria ser uma tarefa difícil. Essas conjecturas, porém, perderam a coerência quando, depois de alguns minutos de corrida, eu tive a sensação de estar sendo seguida. Alcancei a praça que estava menos deserta que as ruas antes dela, porém, e respirei aliviada quando vi um casal tomando sorvete por ali e um senhor vendendo o sorvete próximo ao garoto e à garota que namoravam em silêncio enquanto comiam.
  - Eu quero um picolé de chocolate, por favor. – pedi ao velhinho estendendo-lhe o dinheiro. O senhor me passou o sorvete e agradeceu, começando a recolher seus pertences para ir embora.
  Caminhei mais algum tempo pelo local enquanto lambia o picolé, até que decidi ir embora também. Eu estava virando a esquina de casa distraída com meu sorvete que já estava lambuzando minhas mãos ao derreter-se quando um homem esbarrou em mim e me fez derrubar o que restava do picolé no chão.
  - Ei! – reclamei com o sujeito. O pior não era meu sorvete ter sido desperdiçado, o problema era que a pressa dele fez com que o esbarrão quase me derrubasse também, e ele nem se movimentou para me ajudar a não cair de bunda no chão – precisei tirar equilíbrio do além para conseguir essa proeza.
  - Desculpe, moça. – o rapaz disse puro e secamente.
  - Tente olhar por onde anda...
  - Não precisa ficar agressiva desse jeito. Eu não derrubei seu sorvete por mal. Aliás, eu pago outro pra você. Quanto custou? – disse arrogante.
  Bufei alto e continuei caminhando como se ele não tivesse falado nada.
  - Você escutou minha pergunta? – ele questionou me seguindo.
  - Guarde seu dinheiro para que quando encontrar algum lugar que venda educação você possa comprá-la. Boa noite. – respondi monotonamente e não olhei para trás para ver se ele ainda me seguia.

Capítulo III

  O final de semana passou mais rápido do que eu havia imaginado. Na sexta-feira, fui para o restaurante de Louise junto com Zack assim que me levantei e nós ajudamos a organizar o lugar antes que fosse aberto para o almoço – minha madrasta estava com uma funcionária de férias e ainda não havia conseguido uma suplente, portanto estava precisando de ajuda já que as sextas eram os dias de maior movimento no estabelecimento. Limpar mesas e estender toalhas não era exatamente a minha especialidade – eu era péssima com serviços domésticos, para ser sincera -, mas fiquei feliz por ter com o que ocupar minha mente. À tarde, no entanto, foi um completo tédio – passei horas vagando na internet, vendo filmes repetidos e folheando revistas.
  Meu sábado se resumiu a conversas longas pelo Skype com meu namorado e com Tiffany. Falamos sobre diversos assuntos – desde o que havíamos comido no café da manhã até os mínimos detalhes do que estava acontecendo no colégio deles; minhas aulas só começariam na próxima segunda-feira e, quanto a isso, eu não tinha novidades. Por volta das sete horas da noite, Matt teve de levar sua irmãzinha de oito anos, Jane, à casa de uma tia deles, onde ela dormiria aquela noite, então fiquei completamente disponível para Tiff.
  - Eu acho que vou terminar com o Trevor, . – minha amiga disse de uma hora para a outra me pegando completamente desprevenida.
  Tiffany estava namorando Trevor há pouco mais de um mês – um de seus namoros mais longos até aquele dia. Seu relacionamento com Andrew havia terminado na semana do baile de fim de ano – nem 30 dias depois de ter começado. Eu ainda me lembrava de Tiff chorando porque não poderia ir à festa, já que não teria acompanhante, e de eu ter sugerido que Matt fosse com ela, desde que ele concordasse, quando, uma semana depois, minha melhor amiga me contou que um garoto que fora uma de suas paixonites de criança estava de volta à cidade. Essa notícia foi suficiente para que eu soubesse que Tiffany não passaria muito tempo solteira mais.
  - Por quê? – perguntei mais chocada do que deveria estar conhecendo Tiff como conhecia.
  - Ele não é quem eu pensava que fosse.
  - Como assim?
  - Ah, flor, a verdade é que eu acho que estava apaixonada mesmo pela ideia de namorar um garoto de quem gostava quando criança.
  - Tiff, você já ficou com três garotos de quem havia gostado na sua infância. Quero dizer, o Trevor seria o quarto... Isso não era exatamente uma novidade na sua vida.
  - Mas ficar e namorar são coisas diferentes, né?
- Seus namoros duram no máximo um mês, então, acho que não tem diferença no seu caso.
  - Credo, , não precisa falar desse jeito. – Tiffany falou ríspida e com a expressão de quem havia sido gravemente ofendida. - Eu não tenho culpa por não ser sortuda como você e não ter encontrado meu Edward Cullen aos 15 anos de idade. Algumas pessoas não tem a vida que você tem, ok?
  - Acredite em mim, Tiffany, você não aguentaria 24 horas vivendo a vida que eu vivo. Sorte é uma coisa pouco presente na minha rotina, definitivamente.
  - Certo, senhora “Meus Problemas São Importantes E Os Seus Não”. – minha amiga disse com o rosto distorcido pela raiva. Aquela era sua cara de “se você estivesse ao meu alcance, morreria agora”. E eu realmente queria morrer sempre que lhe provocava aquela expressão. Porque voltar às boas com Tiff depois de chateá-la era um desafio enorme a enfrentar. - Pode ir cuidar da sua vida sem sorte que a desocupada aqui, que não se preocupa com coisas importantes, vai procurar outra pessoa para chatear. Tchau. – ela saiu no Skype quando ainda estava pronuncdo a palavra “tchau”.
  Eu me odiei instantaneamente. Como havia ficado tão mesquinha e egoísta tão rápido? As crises de existência de Tiffany me irritavam às vezes, era verdade, mas eu sabia como ser compreensiva antes. Eu havia prometido para mim mesma que não deixaria as últimas tragédias que arruinaram a maior parte da minha vida afetar o que havia restado e só dependia de mim para continuar bem, mas já estava fracassando...
  Liguei para minha melhor amiga várias vezes, mas ela não atendeu. Mandei várias mensagens, enviei-lhe um e-mail e registrei um pedido de desculpas na Caixa Postal do telefone de sua casa. Depois de passar quase uma hora tentando inutilmente corrigir o meu erro estúpido, decidi sair de casa para refrescar meus pensamentos.
  - Vai sair, filha? – meu pai perguntou quando alcancei a porta da frente da propriedade e estava prestes a girar a maçaneta.
  - Só dar uma volta. Não demoro.
  - O Zack quer ir à pizzaria hoje. O que você acha?
  - Ok. A que horas vamos sair?
  - Daqui duas horas, mais ou menos.
  - Tudo bem. Até logo.
  Meu pai respondeu com um aceno e voltou para a salinha de televisão, de onde havia saído.

  Andei em silêncio durante vários minutos, apenas amaldiçoando minha personalidade e tudo o mais que tivesse provocado minha discussão com a temperamental e dramática Tiffany. Eu sabia que não estaria tão preocupada com aquilo se minha amiga fosse mais madura, mas não poderia culpá-la daquela vez – a estúpida da ocasião era eu mesma.
  - Mil dólares pelos seus pensamentos. – uma voz masculina soou perto de mim. Levantei minha cabeça para ver quem era e lembrei-me vagamente daquele rosto. Será que eu havia visto o rapaz em algum filme, série ou propaganda de roupas masculinas?
  - Como? – perguntei expressando a confusão que sentia.
  - Eu derrubei seu sorvete há dois dias. E quase a joguei no chão. E não me desculpei devidamente por isso ainda, embora eu me arrependa de verdade por ter sido tão idiota. Então, você deixaria que eu me desculpasse enquanto você toma outro sorvete? – o rapaz arqueou as sobrancelhas e sorriu para mim. Ele era tão bonito que quase me belisquei para verificar se estava sonhando.
  - Tudo bem, você está desculpado. – dei de ombros. - Nem me lembro daquilo mais, na verdade. Não precisa me pagar outro picolé.
  - Eu faço questão.
  - Eu não vou comer a pizza direito se tomar sorvete agora, então vamos deixar para outro dia?
  - Você vai jantar pizza hoje? Legal! Era o que eu mais comia há até seis meses atrás, enquanto ainda estava na faculdade.
  - Meu pai vai levar a família toda na pizzaria esta noite, foi o que eu quis dizer... E você parece muito novo para já estar formado.
  - Eu tenho 23 anos. Não é tão novo assim.
  - Meu nome é . Eu tenho 17 anos, e me formo no colegial este ano. Ou pelo menos espero que isso aconteça. – comentei estendendo a mão para ele. O rapaz já havia puxado assunto, pelo visto tentando mesmo retirar a imagem ruim que havia deixado no outro dia, então, o mínimo que eu poderia fazer era tentar ser gentil e facilitar o diálogo.
  - Eu sou . – ele respondeu com um sorriso enquanto apertava minha mão. - E eu tenho certeza de que você vai conseguir, .
  - É, também tenho grandes esperanças quanto a isso.
  - Mas então. Você é nova na vizinhança, certo? É a filha do Sr. , que se mudou pra cá essa semana?
  - Sim, eu mesma. Você é vizinho do meu pai há muito tempo?
  - Sou. E acho que você já conheceu minha irmã. O nome dela é . Ela tem os cabelos pretos, anelados e é mais baixinha que você alguns centímetros... Ela namora o Alex, amigo do Zack.
  - Eu sei quem é a ! E, pensando bem, vocês dois se parecem bastante. Têm os mesmos olhos azuis.
   ruborizou dte do meu comentário e nossa conversa prosseguiu quando perguntei em que ele havia acabado de se graduar. E teríamos passado mais um bom tempo andando a passos lentos pela rua e falando sobre todo o tipo de assunto que surgisse, mas meu pai me avistou da porta de casa e me lembrou de que tínhamos uma pizza para comer aquela noite ainda. Assim, despedi-me de , o vizinho mais lindo que já tive na vida, professor de Trigonometria em uma escola de uma cidade próxima, e o cara bom em matemática mais legal que eu já havia conhecido.

  Aquela noite, não pude fazer minha corrida noturna. Por esse motivo, só consegui adormecer às três da manhã, e, mesmo assim, meu sono foi repleto de sonhos – péssimos sonhos.

  Abri meus olhos para uma mata escura, sinistra e senti um arrepio percorrer todo o meu corpo quando uma coruja piou ali perto. Olhei ao meu redor, mas não havia nada além de árvores grandes, mato baixo e folhas secas.
  - ! Graças a Deus você acordou! – Tiffany gritou para mim ofegante.
  - Onde é que nós estamos? – perguntei assustada.
  - Temos que ir para a estrada, ao sul. Vem. – minha amiga disse sem responder a minha pergunta e me pegou pela mão, arrastando-me atrás de si.
  Andamos pelo que pareceu um longo tempo até que pude ver as luzes dos faróis dos carros se movimentando, ao passo que eles passavam pela rodovia. O barulho foi ficando cada vez mais alto, até que o asfalto se materializou dte de nós.
  - ! – uma voz feminina familiar me gritou. Olhei ao meu redor procurando por ela, mas depois de ter ouvido o chamado por três vezes que consegui localizá-la. E quando a vi, meu corpo inteiro tremeu, meus olhos encheram-se de lágrimas e eu abafei um soluço.
  - Mãe? – falei com a voz trêmula e dei um passo em sua direção. Minha mãe estava do outro lado da avenida, sorrindo e acenando para mim freneticamente. A única coisa em que consegui pensar naquele momento foi que eu precisava atravessar a pista movimentada e alcançá-la, dar-lhe o saudoso abraço pelo qual eu ansiava há quase três meses.
  - Você não pode ir, ! Veja os carros! – Tiff disse segurando meu braço com força e obrigando-me a ficar parada no mesmo lugar.
  - Eu preciso ir até a minha mãe, Tiffany! – esbravejei ultrajada para minha amiga.
  - Ela vem até você! – Tiff respondeu firme e continuou apertando meu braço.
  Foi então que tudo aconteceu. Minha mãe olhou debilmente os dois lados da pista e tomou impulso para correr para a margem onde eu a aguardava. Ela correu o mais rápido que pôde – eu vi isso, observei seu esforço de perto -, mas não foi depressa o bastante. Um caminhão atingiu o flanco de minha mãe quando ela estava a centímetros, quase suficientemente perto para que eu pudesse tocá-la. E foi neste instante que eu acordei com um grito.

  As lágrimas jorravam pela minha face e eu soluçava tanto que mal conseguia respirar.
  - ? – Zack bateu na porta do meu quarto enquanto me chamava.
  - Entre. – eu disse automaticamente.
  - O que houve? – ele perguntou com os olhos apavorados.
  - Nada. Foi só... um sonho ruim. – respondi e voltei a chorar descontroladamente.
  Eu queria parar com aquilo, queria me controlar e enfiar na minha cabeça que o pior que poderia acontecer à minha mãe já havia acontecido, então, eu só precisava seguir em frente. Mas eu não conseguia tirar a cena da minha mente, não conseguia fazer as lágrimas cessarem. Porém, isso aconteceu mais rápido do que eu poderia prever porque Zachary sentou-se na cama, na minha frente, e me abraçou. Quando os braços dele me envolveram e ele sussurrou “shiu, não foi de verdade” no meu ouvido, eu me senti melhor quase que instantaneamente. Não saberia dizer como ou por que aquilo havia acontecido, mas a calma e a tranquilidade da qual eu necessitava já estavam ali, me cobrindo por completo e fazendo aquela pequena garantia – de que não havia sido de verdade – assentar dentro do meu peito. De repente, só uma coisa importava: Zachary estava ali, comigo, então eu estava bem.

Capítulo IV

  - Quer me contar seu sonho? Desabafar, talvez? – Zack perguntou-me quando eu já estava mais calma, ainda me abraçando.
  - Foi com a minha mãe... Ela... morrendo. – consegui responder depois de alguns segundos e sem ter outro acesso de choro.
  - Ok, vamos tentar distrair a sua cabeça para que você não pense mais nisso. Que tal assistir Smallville? Eu tenho alguns episódios da quinta temporada no PC que ainda não vi e estava mesmo querendo assistir. Você gosta de séries assim?
  - Smallville é minha série preferida, Zack! Mas está de madrugada, não? Eu devo ter te acordado com meus gritos. Não quero atrapalhar sua noite de sono. Aliás, como eu não acordei nossos pais também?
  - Minha mãe tomou suco de maracujá ontem para relaxar, então deve ter capotado, e seu pai não dorme, ele entra em coma. Acho que é por isso que eles não levantaram. Mas não se preocupe comigo. Eu já virei muitas noites jogando com o Jack, o Rian e o Alex... – ele falou levantando-se da minha cama, onde nós dois estávamos sentamos de frente um para o outro. – Vou ao meu quarto buscar o notebook. Você quer água? Eu posso ir à cozinha antes e trazer, se você quiser.
  - Não quero água, obrigada. Vou esperar você aqui. – falei com um sorriso amarelo estampado no rosto e me recostei na cama.
  - Tudo bem. – Zachary respondeu e, quando deu as costas para mim ao sair do quarto, percebi que ele não estava usando camisa. A calça azul folgada também expunha a borda de sua cueca preta, e esses dois fatores somados foram suficientes para tornar meus pensamentos mais impuros. Balancei a cabeça freneticamente e fui até o espelho ajeitar minha cara.
  Zack não demorou a voltar – eu ainda estava esfregando meus olhos diante do espelho quando ele encostou a porta do meu quarto, sem realmente fechá-la, e se inclinou para posicionar o computador na beirada da minha cama. Agora Zachary vestia uma regata azul, mas seus bíceps estavam tão à mostra quanto antes.
  Voltei à minha cama repetindo para mim mesma que eu era uma garota comprometida e o Zack era o enteado do meu pai. Coloquei um dos meus travesseiros no espaço ao lado de onde pretendia me deitar para que ele se deitasse e tentei me distrair cutucando minhas unhas enquanto ele colocava a série para executar no computador. Em pouco tempo, eu já estava acomodada, com o calor e o perfume do desodorante dele emanando ao meu lado, e fazendo de tudo para prestar atenção ao Clark e aos afetados pelas pedras de meteoro a minha frente.

  Acordei no domingo de manhã me sentindo tão confortável que nem tive vontade de abrir os olhos de imediato – não queria provocar qualquer alteração no momento porque há tempos não me sentia tão bem ao despertar. Quando olhei ao meu redor, segundos depois, entendi o motivo: minha cabeça estava repousada sobre o peito de Zachary, do seu lado direito, e ele mantinha o braço ao redor do meu corpo, ao passo que a minha mão estava pousada de leve sobre seu flanco esquerdo – meu braço contornando a barriga dele. Recolhi minha mão rapidamente, mas me arrependi disso – o gesto foi tão brusco que eu provavelmente havia acordado Zack, o que estava difícil de saber porque eu não conseguia ver seu rosto naquela posição. A sua reação ao meu movimento, no entanto, foi apertar o braço ao redor de mim.
  Eu teria passado o resto da manhã daquele jeito, mas duas coisas me fizeram decidir me levantar. Primeira: se nossos pais nos vissem daquela forma, pensariam o quê? Certamente teriam uma resposta mais elaborada para aquela situação do que uma das minhas crises de choro noturnas e sonhos com mortes violentas. Segunda: eu tinha um namorado. E o problema maior não era eu estar aninhada no peito de outro cara em cima da minha cama, o problema era que eu sabia que Zachary me afetava fisicamente. Eu estava gostando mais do que deveria do abraço dele, e aquilo era proibido, era errado. Assim, recrutei toda a minha força de vontade e me levantei lentamente.
  - Bom dia. – falei sem conseguir conter um sorriso.
  - Hum... – Zack respondeu com um sorriso fraco nos lábios também e espremeu os olhos. A cena foi tão linda que precisei reprimir a vontade de apertar suas bochechas.
  - Dormiu bem? – perguntei enquanto alongava meu tronco numa despreguiçada.
  - Uhum. E você?
  - Também. – eu disse, embora quisesse mesmo falar maravilhosamente bem.
  - Caramba, eu tenho que ir para o meu quarto. Se seu pai me vir aqui vai me expulsar de casa porque estou assediando a filha dele. – ele riu e se levantou para recolher seu computador.
  - Sua mãe quem me mandaria de volta para New York, ou me mandaria para a casa dos meus avós em Phoenix porque eu estou seduzindo o filho dela.
  Brinquei também cruzando as minhas pernas sobre o colchão. Zack voltou seu olhar para mim e me fitou por alguns segundos – tempo suficiente para que eu corasse – e balançou a cabeça de um lado para o outro antes de voltar a enrolar o cabo do carregador do laptop. Enquanto eu ainda tentava interpretar a atitude de Zachary, meu celular começou a tocar. Conferi o número na tela antes de atender – era Mathew.
  - Oi. – atendi sentindo a culpa encher os meus pensamentos por um lado e, por outro, minha mente lançando coisas como “você não fez nada de errado”.
  - Oi, minha linda. Como é que você está? Dormiu bem? – Matt perguntou em seu tom mais bem humorado.
  - Sim. E você? – respondi rápido demais.
  - Também. Aconteceu alguma coisa?
  - Não, não...
  - Até mais tarde, . – Zack disse e acenou para mim.
  - Obrigada. – eu disse e acenei para ele também.
  - Quem era? – Mathew questionou confuso do outro lado da linha.
  - O Zack. Ele... olhou uma coisa na antena da TV aqui pra mim porque não estava funcionando. Eu estava agradecendo a ajuda dele. – menti e senti o remorso me esmagando quase que instantaneamente.
  - Desde quando você vê TV domingo às oito da manhã?
  - Pra você ver aonde o tédio leva as pessoas, né?
  - E esse garoto acorda cedo, hein?
  - Tanto quanto você. Não me lembro de te ver madrugar assim quando eu morava aí.
  - Ah, é aí que entra um dos motivos para eu ter te ligado a essa hora... A Tiffany me chamou para ir ao clube com uns amigos dela do teatro. O que você acha?
  - Você está me pedindo para sair com a Tiff e os amigos dela? – estranhei a atitude de Mathew; nós não éramos do tipo de casal que pede permissão para sair para lugares tão inocentes.
  - É que isso deve ir até às oito da noite, então eu tinha que falar com você antes, certo?
  - Tudo bem, Matt. Você pode ter vida social, ué. Eu não estou aí, mas não vou te impedir de fazer as coisas que você gosta.
  - Você não vai sair hoje também?
  - É bem provável que não.
  - Mas não esquenta, amor. Amanhã começam as suas aulas e você vai conhecer um monte de gente nova. Daqui a pouco nem vai ter tempo de me ligar mais com tantos compromissos que vai ter na agenda. – ele riu do outro lado da linha como sempre fazia quando se sentia culpado por estar numa situação melhor do que a minha.
  - Não faço questão que isso aconteça, acredite. Bom, divirta-se então. Eu acabei de acordar, preciso tomar um banho.
  - Certo. Até mais tarde então. Beijo.
  - Beijo.
  Eu tentei mentir para mim mesma. Tentei me convencer de que eu estava feliz por ver Matt bem, se esforçando para se adaptar a nossa nova situação. Tentei me fazer acreditar que nada sairia dos eixos, que nós continuaríamos sendo um casal perfeito que passaria o resto de seus dias juntos. Mas eu não consegui. Mesmo depois de passar minha tarde toda repetindo isso para mim mesma, eu observei o sol se pondo da varanda da frente da casa pensando em quantos domingos eu passaria sozinha até que decidisse que meus sentimentos por Mathew não eram grandes o bastante para que aquela situação servisse para mim.
  - Quem pensa não casa, . – disse escorada à cerca que ladeava sua casa.
  - Já está pensando em casamento? O Alex sabe disso? – perguntei depois de rir do comentário de .
  - Ele não vai conseguir me enrolar pelo resto da vida.
  - Eu o quê? – Alex questionou aproximando de sua namorada e abraçando-a por trás.
  - Eu estava dizendo pra que eu evito pensar porque não quero te deixar esperando no altar.
  - Huum... Então, você é a famosa ? – Alex me perguntou com um sorriso.
  - Famosa desde quando?
  - Ué, o Zack só fala de você, o Rian e o Jack só sabem perguntar quando o Merrick vai apresentar a nova irmã gos... – ele interrompeu a palavra quando lhe deu um cutucão, o que me fez rir alto. -... bonita dele pra gente e a falou a tarde toda de como você é divertida e legal. Isso é ser muito famosa pra mim.
  - A está exagerando, o Jack e o Rian não deviam se empolgar tanto porque vão acabar se decepcionando e o Zack fala demais, de modo geral, então essa é a parte mais normal disso tudo.
  - Não sou exagerada mesmo! Até meu irmão elogiou você pro Alex.
  Quase engasguei com o chiclete que estava mascando quando fez este comentário. , o vizinho bonitão e adulto falando alguma coisa boa a meu respeito? Os cidadãos de Baltimore eram mais perturbados do que eu imaginava!
- Gente, vamos mudar de assunto? – falei depois de recuperar o fôlego e ruborizada até as plantas dos pés.
  - Vou deixar vocês garotas conversarem. Eu tenho que ir embora agora. – Alex falou beijando o alto da cabeça de .
  - Vai me buscar para ir à aula amanhã? – perguntou encarando seu namorado com os olhos brilhantes.
  - Com certeza. Se cuida, minha princesa.
  - Você também, meu anjo.
  Desviei o olhar dos dois quando Alex se curvou para minha amiga para beijá-la. Era lindo ver os dois juntos – o carinho que tinham um pelo outro era algo que irradiava. Mas eu estava deprimida demais aquele dia para conseguir observar qualquer casal por muito tempo.
  Depois que Alex foi embora, eu fui para a casa de – ela me convidou para assistirmos um filme e comermos brigadeiro. E foi divertido chorar no final de Um Amor Para Recordar – era mais fácil derramar lágrimas por problemas que não faziam parte da minha realidade.
  - , você sabe onde está o controle do DVD? – perguntou abrindo a porta do quarto de sua irmã. Meu coração parou por alguns centésimos de segundos quando o vi.
   era lindo, mas estava ainda mais glorioso naquele momento. Seus cabelos pretos estavam completamente bagunçados, seus lábios molhados provavelmente porque ele havia acabado de bebericar a Coca que tinha nas mãos, e ele só estava vestindo uma bermuda branca.
  - Caralho, , bate na porta! E se uma de nós estivesse se trocando? Não é porque você gosta de aparecer seminu para as visitas que elas também acham divertido isso, sabia?
  - Eu nem sabia que a estava aqui... – murmurou assustado diante da agressividade repentina de sua irmã.
  - Mas isso não quer dizer que você não precisa bater na porra da porta do MEU quarto!
  - Não precisa surtar, . Ok, ok. Desculpe. Da próxima vez eu bato na “porra da porta”, tá, maninha? – ele respondeu levantando os braços como quem se rende. - Mas e o controle do DVD?
  - Não sei onde está. Some daqui agora.
  - Tá bom.
  Eu precisei rir da cena. , um homem feito, formado, independente financeiramente - pelo que havia dito - abaixava a cabeça tão facilmente para : sua irmã seis anos mais nova, de pouco mais de um metro e meio de altura e com um pavio mais curto ainda.
  - Você deve espantar muitas periguetes de perto dele também, né, ? – perguntei sem pensar muito bem no que dizia quando minha amiga se levantou para retirar o filme.
  - É... Mas você chegou a essa conclusão como, hein, senhorita ? – ela perguntou estreitando os olhos.
  - Eu... Bom... Quero dizer... – gaguejei, completamente sem graça. riu.
  - Relaxa, . Estou brincando contigo. O terminou um namoro tem alguns anos e nunca mais ficou de verdade com ninguém. Na verdade, seria até bom se ele arranjasse uma namorada. Assim, pegaria menos no meu pé. – ela falou recolhendo as vasilhas espalhadas pelo chão de seu quarto. – Vamos até a cozinha pegar mais doce!

  Eu estava me preparando para minha corrida noturna aquela noite, quando meu celular tocou. E quando conferi na tela quem era, nem acreditei.
  - Oi, Tiffany.
  - Oi, . Eu vi sua mensagem na minha Caixa Postal. Você está perdoada.
  - Hum, que ótimo. Desculpe mesmo por ontem, eu fui uma idiota.
  - Foi mesmo. Mas tudo bem, são águas passadas. Como estão as coisas?
  - Bem. E com você?
  - Tudo ótimo. Tenho que te contar sobre o clube hoje! O Matt disse que falou com você que iria, né? – Tiff estava tão empolgada que pronunciou tudo como se fosse uma única frase.
  - Sim, ele disse mesmo. Você sabe por que ele não me ligou ainda?
  - Ele me deixou em casa agora a pouco, deve estar dirigindo.
  - Ah sim. Mas então, como foi lá? Quais são as novidades?
  Quando Tiffany terminou de me contar cada detalhe minucioso de seu passeio – o que incluiu uma narração longa de como o Danny, o garoto com quem ela contracenaria numa apresentação do seu grupo de teatro no fim do mês, era bem mais interessante que o Travor, seu ainda namorado -, já eram quase dez horas da noite. Recebi uma mensagem de Matt pedindo que eu ligasse para ele assim que Tiffany terminasse de me alugar e fui para a minha corrida noturna, deixando a conversa com meu namorado para quando eu já estivesse deitada e pronta para dormir.
  - ? Aonde você está indo? – meu pai perguntou quando eu estava girando a maçaneta da porta. Porra, pai, pensei sentindo-me uma criminosa ao ser pega em flagrante.
  - Eu gosto de correr um pouco à noite, antes de ir dormir. É o que estou indo fazer. – respondi com o máximo de naturalidade que consegui, tentando tornar a situação mais simples e menos feia para o meu lado.
  - Isso é perigoso, filha. – ele falou como se eu fosse uma garotinha de quatro anos e estivesse escalando a cortina da sala, correndo o risco de sofrer uma fratura com a queda ou algo parecido.
  - Pai, eu fiz isso a semana toda praticamente e estou inteira, não estou? – dei de ombros.
  - Sair depois das dez horas da noite sem permissão é contra as regras, moça. – me amaldiçoei várias vezes por ter confessado aquilo. Meu pai não expressava preocupação alguma agora mais; aquele era seu tom de repreensão, de decepção por ter descoberto que eu tive coragem de desobedecer a uma das poucas leis que ele havia me imposto. Eu teria me sentido extremamente culpada se não estivesse tão preocupada em manter minha rotina de corridas noturnas ou se não considerasse aquilo exagero demais.
  - Pai, eu preciso correr um pouco se quiser dormir durante a noite. Por favor... – comecei a pedir usando minha voz de súplica, mas Steve me interrompeu:
  - Se o Zack puder ir junto, tudo bem. Sozinha, não.
  - O. Zack. Não. É. Minha. Babá. – falei cada palavra separadamente tentando me acalmar e na esperança de que ele talvez percebesse isso de uma vez por todas. - Quando vocês vão entender isso?
  - Ele não se sente como se fosse.
  - Quem disse isso: ele ou você? – perguntei sentindo a raiva invadir meu sistema e as lágrimas alcançarem meus olhos por reflexo; o estresse normalmente me provocava reações assim e eu já podia sentir a noite se arrastando à minha frente, então havia mesmo motivos para chorar.
  - ... – meu pai disse em seu tom que sinalizava que eu havia passado dos limites.
  - Olha, esquece, tá? Eu vou para o meu quarto.
  - ...
  - Boa noite. – coloquei um ponto final na conversa e corri para o meu “refúgio feliz”.

Capítulo V

  Meu primeiro dia de aula na Baltimore High School. E eu me sentia um lixo.
  Há vinte quatro horas, minha preocupação maior era em o que encontraria pela frente em um novo colégio depois de passar oito anos acomodada na mesma escola e sem uma preocupação como essa. Mas, quando acordei de manhã, com o livro que lia durante a madrugada jogado na cama ao meu lado, e depois de ter dormido pouco mais de três horas durante a noite toda, percebi que meus problemas eram de fato maiores do que me enturmar em um colégio de pouco mais de mil estudantes.
  - Quer dirigir? – Zack perguntou quando alcançamos sua picape Toyota modelo do ano anterior e que ainda cheirava a carro novo.
  - Não, obrigada. Quero aproveitar a paisagem. – respondi sinceramente; eu sabia que Zachary só havia oferecido por educação e eu também não me sentia apta para pilotar nada aquele dia - já estava tremendo por causa da quantidade de cafeína no meu sistema.
  Conferi minhas coisas dentro da bolsa, no caminho, e encarei minha imagem refletida no espelho do meu pó compacto – eu estava ficando realmente boa em cobrir olheiras e marcas com maquiagem, uma vantagem em precisar tanto de utilizar esse recurso, afinal. Espalhei um pouco de brilho nos lábios e senti meu celular vibrar no meu colo – era uma mensagem de Matt. Dizia:
  Desculpe, eu dormi! Eu sei que disse que ficaria acordado com você até a hora que você conseguisse adormecer, mas eu estava mesmo cansado. Bom, tenha um ótimo primeiro dia de aula! E me ligue assim que puder. Beijos.
  Mathew havia conseguido trocar SMS comigo até pouco mais de meia noite. É claro que quando ele parou de me responder, eu percebi que era porque ele havia dormido. E é mais óbvio ainda que eu não fiquei chateada por isso; na verdade, foi melhor assim porque, dessa forma, eu não atrapalharia a segunda-feira de aulas dele também.
  - Vendem café na cantina da escola? – perguntei a Zack em dado momento da viagem depois de bocejar.
  - Uhum. – ele respondeu parando de cantarolar a música de Nickelback que tocava no rádio. – Dormiu mal de novo essa noite? – perguntou com o cenho franzido.
  - Meu pai me proibiu de sair para correr à noite.
  - E o que isso tem a ver com sua noite de sono?
  - Se meu dia não foi cansativo, eu preciso... – parei para bocejar de novo e continuei: - Esgotar as energias antes de ir dormir. Caso contrário, não durmo bem.
  - E o Steve acha perigoso que a garotinha dele corra na rua de casa à noite?
  - Se ele soubesse o que eu já passei em New York, ficaria surpreso em ver como eu sei me virar bem.
  - Fala sério, , você não parece ser do tipo de garota que se mete em lugares perigosos.
  - Vai falar que eu tenho cara de santa agora?! – questionei confusa.
  - Santa não, de jeito nenhum. Mas, sei lá, você é sempre tão responsável.
  - Zack, metade dessa responsabilidade não existia há pouco tempo.
  Zachary perguntou-me qual havia sido minha maior loucura e ficou surpreso quando contei que já havia fugido de um cativeiro depois de uma rave maluca – na verdade, expliquei que uns caras haviam trancado a mim, Tiffany e Mellory, minhas amigas na minha cidade, em um apartamento e tivemos que sair pela janela no segundo andar do prédio porque não faríamos nada com eles. Hoje, quando parava para pensar em como havia sobrevivido sem nenhum arranhão, dado o fato de que estava tão bêbada que mal enxergava o que tinha à minha frente, e pensava que poderíamos simplesmente ter dito aos meninos que não queríamos fazer nada em vez de sair bancando as alpinistas, eu me questionava sobre a utilidade daquela loucura toda, afinal.
  - E qual foi sua maior loucura, Zachary? – perguntei, por minha vez. Zack, então, já estava manobrando o carro para colocá-lo na vaga do estacionamento do colégio.
  - Você soube pela do All Time Low, né?
  - Sim, eu soube. Você é popular na escola e tem uma banda.
  - Tipo isso. – ele piscou para mim enquanto desafivelava seu sinto de segurança e prosseguiu: - Depois do show que nós fizemos para a festa de fim de ano letivo do colégio, eu fui na ideia do Jack e participei daquele jogo louco em que você vira doses e mais doses de bebidas que nem sabe o nome... – Zack parou de falar para rir. E a risada dele era tão gostosa, tão fofa e tão contagte que eu ri junto automaticamente. – E deu merda, claro. Acordei no dia seguinte numa cama que nunca tinha visto na vida e do lado da namorada do Bruce, um dos caras mais legais da escola.
  - Porra, Zack...! – falei entre gargalhadas abrindo a porta do carro. Zachary imitou meu gesto e seguimos andando para a entrada do colégio enquanto ele prosseguia contando o caso.
  - Mano, eu estou rindo disso agora, mas foi trágico na ocasião.
  - E nem tem muito tempo, né?
  - Não tem mesmo.
  - E como você resolveu isso?
  - Não deu nada. A garota, Sammanta o nome dela, e ela até estuda aqui também, me disse que tinha pegado o Bruce agarrando outra na festa, ele estava com a cara cheia também, e ela queria dar o troco. Os dois ainda estão juntos, e nem ela, nem ele nunca me procuraram... Dizem que chifre trocado não dói, né? – ele deu de ombros.
  - É, já escutei isso mesmo.
  A conversa ficou por aí porque alcançamos o corredor principal da escola e os amigos de Zack já estavam esperando por nós.   Fui apresentada separadamente a cada um dos que ainda não conhecia – Alex e não haviam chegado ainda. Jack me cumprimentou com um beijo no rosto e me elogiou até que R ameaçou acorrentá-lo no vestiário só de cueca depois das aulas de novo caso ele insistisse em “me alugar”, e o próprio R me deu um abraço e se ofereceu para me mostrar os melhores lugares da cidade qualquer dia.
  - Você é mais sutil, mas tá querendo se aproximar da também, Dawson. Véi, eu vou ter que desenhar para que vocês entendam? Ela. Tem. Namorado. Caralho, que doença. – Zack reclamou dando um tapa da cabeça de cada um dos meninos. Eu ri do tom de voz brincalhão e sério, ao mesmo tempo, usado por ele.
  - Se ela não tivesse namorado tava liberado pra paquerar então, Merrick? – Jack perguntou coçando o queixo.
  - Não.
  - Não? – questionei a resposta de Zack ao mesmo tempo que os amigos dele.
  - Claro que não, . Você, teoricamente, é minha “maninha”, e é minha obrigação, como colaborador do seu pai e alguém grato a ele, cuidar de você. – Zack respondeu dirigindo-se especificamente a mim e me puxou para um abraço “de lado”, passando o braço sobre o meu ombro.
  - Eu queria ter a sorte de ganhar uma irmã gata, descolada da cidade grande e aos 17 anos de idade, assim do nada. – R refletiu.
  - A vida sabe que você é doente e ia passar o dia todo asseddo a menina, R. Por isso essas coisas não te acontecem. – Jack falou dando um soco leve nas costas do amigo.
  - Olha quem tá falando de ser doente...
  - O Jack e o R são doentes mesmo. O Zack é o único normal nessa turma. – uma voz feminina de trás de mim foi responsável pelas palavras, e, quando me virei para observar quem era, reconheci vagamente o rosto da garota por uma foto que havia visto no quarto de , no dia anterior.
  - ! – Zack falou confirmando minhas suspeitas. Ele abraçou a garota ternamente e alguma coisa incomodou no fundo da minha mente quando olhei de verdade para a garota e sua expressão de felicidade ao tocar Zachary. Ciúme, inveja, raiva...? Qual era o meu problema, afinal de contas? Por que o contato físico dos dois não me agradou?
   era da mesma altura que eu, seus cabelos castanho-claros um pouco mais curtos – os meus já estavam atingindo minha cintura e os dela batiam no rumo dos cotovelos – e os olhos de um tom de verde absurdo. Ela provavelmente tinha o mesmo peso que eu, antes de perder minha mãe – 54 quilos; suspeitei disso porque eu tinha um vestido quase igual ao que ela usava e ficava com o mesmo aspecto em mim antes de eu ir para os 49. Os traços do rosto de e a impressão geral que sua aparência transmitia a tornavam tão graciosa e elegante que eu associei sua imagem a Louise logo de cara. E me senti mal vestida e grosseira também – embora eu soubesse que estava bonita usando um dos meus vestidos brancos favoritos e sentisse que minha maquiagem e cabelos estavam muito bem feitos naquela manhã.
  - Ei, ! – R cumprimentou a garota com um sorriso e deu-lhe um abraço também, sendo seguido de Jack no mesmo gesto.
  - E essa é a ? – perguntou voltando-se para mim assim que os garotos terminaram de manifestar a saudade que sentiam dela com frases como “pensei que você tivesse se mudado para a Carolina do Norte e não fosse mais se casar comigo” e semelhantes.
  - Eu mesma. – respondi com um sorriso.
  - Seja bem-vinda, ! – ela acrescentou e sorriu para mim também.
  - Aaaah, não! Eu quem ia fazer as apresentações! – escutei reclamando a alguns metros de distância, puxando Alex pela mão, enquanto ele tentava carregava as mochilas dos dois com o braço livre.
  - Sua, bitch! Por que não passaram na minha casa pra me dar uma carona?! – perguntou colocando as mãos na cintura e avançando até para abraçá-la.
  - Você olhou seu celular? Aposto que não! Eu te liguei quinhentas vezes, Hastings!
  - Deixa eu ver isso aqui... – tirou seu celular do bolso e conferiu. – É. – falou com um sorrisinho sem graça.
  - Tá, mas esquece isso, então. Você não vai precisar caronar comigo e com o Alex todo dia mais. A e o Zack moram tão perto de você quanto eu e podem te trazer pra escola. – deu de ombros.
  - Viu só, ? A intenção dela em nos apresentar é só se livrar de mim. – suspirou dramaticamente.
  - Começou o drama cedo, né, ?
  Ficamos mais alguns bons minutos jogando conversa fora. Quando percebi, eu já estava participando dos papos de e de , e Zack estava ocupado dialogando com Alex, Jack e R. As garotas me acompanharam até a secretaria, onde eu deveria resolver algumas questões típicas a uma novata e, depois disso, o sinal anunciou o início oficial do ano – meu último ano do colegial.

  - , você vai sair hoje à tarde? – Zachary perguntou enquanto colocávamos nossas coisas no armário, antes de irmos para o intervalo. Nós havíamos tido todas as aulas juntos e eu estava imaginando quantos favores meu pai devia ter prometido ao diretor da escola para conseguir isso.
  - Não estou pretendendo. Por quê?
  - É que eu vou ensaiar com os caras hoje à tarde. Nós temos um show esse final de semana. Então, hoje você está sem motorista.– ele sorriu para mim e cutucou minha cintura bem no meu ponto de cócegas; eu me contraí automaticamente. - Quero dizer, eu vou te deixar em casa, mas não vou poder te levar a mais de um lugar.
  - Ai, Zack, chega. – falei, farta daquela situação. – Cara, você não é minha babá, não precisa se comportar como se fosse só porque meu pai te pediu isso ou está te obrigando a uma coisa dessas fazendo com que tenhamos todas as aulas juntos ou não me comprando um carro. Sério, eu sou bem velha e sei me cuidar.
  - Seu pai não está me obrigando a nada, mas eu entendo que você queira mais espaço. Desculpe, eu não quis te tirar isso momento algum. Eu sei que já são mudanças demais na sua vida tão de repente. – ele me respondeu com a expressão mais triste que eu já havia visto em seu rosto.
  - Eu não quis dizer que você está me sufocando, Zack. Você não tem nada do que se desculpar. – eu disse sentindo-me mal por ter dito aquelas coisas sem qualquer tato ou palavra que indicasse que o problema não era conviver com ele; minha preocupação realmente era em estar tornando a vida do garoto um inferno, e ele estava se desculpando por estar sendo tão simpático e prestativo! - Na verdade, eu quem tenho pela forma como disse isso. Olha, eu gosto de você, de verdade. E as coisas estão indo até melhores do que eu imaginava que seriam, pra ser sincera. O que eu não acho justo é meu pai ter imposto a você responsabilidades quanto a mim. Quero dizer, já é uma mudança muito grande pra você ter uma garota morando na sua casa, enchendo seu banheiro de cosméticos e cabelo... Reduzindo a sua mesada!
  - , minha mesada continua a mesma, a casa é grande o bastante para nós dois e os seus cremes e parafernália de salão de beleza não me incomodaram até hoje. Eu odeio mesmo a quantidade absurda de cabelo que você solta, mas eu já tive um cachorro que fazia o mesmo, então...
  - Merrick! – dei um soco no braço de Zack enquanto ria da comparação. – Me comparar com um cachorro é sacanagem!
  - Verdade. Você é mais bonita que o cachorro era. – Zachary piscou para mim. Eu corei instantaneamente. – Então, pare de bobagem sobre estar atrapalhando a minha vida. O maior transtorno que sua mudança me trouxe foi um bando de marmanjos me azucrinando porque eu tenho uma irmã gostosa.
  - Obrigada, Zack. Você é o melhor irmão do mundo! – falei puxando-lhe para um abraço e depositando um beijo em seu rosto, feliz por tê-lo ganhado na minha vida.

  Minha preocupação em incomodar Zack naquela tarde foi realmente desnecessária, porque no final da aula, convidou e eu para irmos a sua casa a fim de ocupar o tempo ocioso conversando e comendo besteira. E Alex fez questão de nos deixar na rua de antes de ir para o ensaio, que seria realizado na casa de R.
  - Você vai ao show que o All Time Low vai fazer esse final de semana, ? – perguntei quando nos reunimos no sofá do quarto de .
  - Eles vão tocar na festa de aniversário da filha do prefeito. E como é um evento privado, não dá pra eu ir. – respondeu fazendo bico.
  - Será que eles nos deixariam ver um ensaio qualquer dia desses? Fiquei curiosa pra ver os meninos tocando.
  - Aposto que eles deixariam que você os colocasse em coleiras e os levasse para passear, . Você está dominando aquela turma. Seus desejos são ordens. – respondeu à minha pergunta e me lançou um sorriso forçado.
  - Olha, , eu quero ser sua amiga, então vou ser bem direta. – falei encarando com um sorriso, embora a frase tivesse sido séria. – O Zack é um irmão pra mim. Eu sei, você provavelmente vai pensar “você mora com ele há poucos dias, então ainda não o adotou como irmão”, mas, pode acreditar em mim, eu amo meu namorado e não vejo o Zachary como nada além de um ótimo amigo que vive no quarto ao lado. Se quer saber mesmo minha opinião, eu acho que vocês podem formar um casal lindo e que o Zack não te vê só como amiga. O jeito como ele te olhou hoje indica mais do que isso.
  - Como você... – ela começou a dizer com uma expressão de choque.
  - Eu contei. Culpada. – levantou a mão e deu um sorriso sem graça para a amiga.
  - E eu não vou dizer nada ao Zack, pode ficar tranquila. Eu vou te ajudar a engatar a próxima marcha com ele, se você quiser, é claro. – pisquei para e vi os olhos dela se iluminarem.
  A conversa depois disso pôde ser resumida a duas palavras: Zachary Merrick. Parte de mim ainda estava incomodada pelo fato de Zack ser tão adorado e venerado por – a cada vez que ela pronunciava o nome dele, era possível ver em seu semblante que ela o amava de verdade -, mas, acima da minha vontade de juntar ao garoto de quem ela tanto gostava, eu precisava tornar Zachary totalmente inalcançável. A cada momento que passava perto dele eu me sentia ainda mais confusa sobre o que ele de fato me provocava e precisava acabar com isso – Mathew merecia o esforço, eu não aguentaria mais coisas na minha cabeça, era uma pessoa maravilhosa e meu pai surtaria se algo acontecesse entre a filha dele e seu enteado. E todos esses pensamentos ainda estavam na minha cabeça quando fui para a varanda da frente da casa depois do jantar e fiquei cobiçando a rua por onde não correria aquela noite.
  - Não vai se exercitar hoje? – perguntou andando em minha direção.
  - Meu pai não gostou da ideia. Mas eu vou fazer academia à tarde, alguma coisa assim, para compensar isso. Existem outras saídas, né? – dei de ombros.
  - Ele achou perigoso?
  - Uhum. – murmurei assentindo com a cabeça.
  - E se você tivesse uma companhia masculina? Talvez assim ele deixasse, não?
  - O Zack malha, ensaia e ainda é colaborador numa escolinha de futebol de crças à tarde. Esse horário ele faz o dever de casa, essas coisas.
  - Eu não estava me referindo ao Zack. Eu posso te acompanhar se você quiser e seu pai concordar.
  - , não precisa se incomodar... – falei automaticamente, embora a ideia dele já tivesse se transformado num quadro lindo na minha mente: eu e caminhando juntos à noite e conversando.
  - , eu estou precisando deixar a vida sedentária mesmo.
  - Você não malha nem pratica esportes? – questionei chocada. O corpo de era bonito demais para que aquilo fosse verdade.
  - Se andar de bicicleta trinta minutos por semana contar como praticar esportes, sim. E eu só faço isso porque dou aulas de reforço em uma escola aqui perto e a surtaria se eu dissesse que ela não pode mais pegar meu carro para ir às aulas de dança dela aos sábados, que ficam do outro lado da cidade. Então, eu sou meio que obrigado a pedalar aos sábados, na verdade.
  - Então, , eu nem sei como te agradecer. – eu disse, depois de pensar alguns segundos no assunto.
  - Não é necessário. Me mande uma mensagem uns dez minutos antes de irmos. Eu vou em casa me trocar.
  - Tudo bem. Até logo. – concordei ainda incrédula com a proposta dele.
  A resposta de foi um sorriso.

Capítulo VI

  Meu primeiro mês de aulas me deu novas esperanças quanto à minha mudança para Baltimore, mas também me despertou novas preocupações. A parte boa dos dias seguintes foi que um padrão começou a se formar e eu sabia o que esperar quando acordasse – eu iria para a escola com Zack de manhã, onde ficaria até às três da tarde, passaria as tardes fazendo os deveres de casa, projetos da escola ou passeando com minhas novas amigas; à noite, conversaria com Mathew e Tiffany, e correria por quase uma hora na companhia de Ian. No entanto, meu relacionamento com Matt esfriava a cada 24 horas que se passavam, e basicamente nisso se resumiam os meus novos problemas.
  Na primeira semana, nós dois conversamos todos os dias por, pelo menos, uma hora. Na semana seguinte, Mathew não pôde me ligar na quarta e na quinta-feira – ele tinha treinos extensos e trabalhos atrasados para ocupar seus dias e noites. Na terceira semana, Matt conversou um pouco comigo antes de dormir a cada noite – mas as conversas não duraram nem vinte minutos cada uma, inclusive no final de semana. E, em um dos nossos diálogos, ele dormiu enquanto eu contava sobre o meu dia – ou seja, nem três minutos depois da ligação ter sido iniciada. Na quarta semana, eu já estava tão desanimada com o nosso contato que tentava preencher todo o meu tempo – eu só não sabia dizer o que me motivava mais àquilo: dar-lhe o troco ou ocupar minha mente o bastante para não pensar em como meu relacionamento estava à beira da ruína.
  - Terra chamando . – disse batendo palmas perto de mim e me fazendo tomar um susto. Eu estava distraída com uma redação que havia sido passada na aula de português naquele dia e deveria ser entregue dali dois dias ainda, enquanto todos os meus amigos conversavam e debochavam uns dos outros ao meu redor durante o intervalo de almoço.
  - Oi? – respondi.
  - O All Time Low vai tocar em um dos lugares que mais bombam na cidade neste fim de semana, . E você ainda não viu eles tocarem. Então, o que acha da gente ir?
  - Ah, legal. É alguma festa em particular ou só o show mesmo?
  - Show mesmo. Mas está sendo organizado pelos alunos de jornalismo da Universidade Johns Hopkins. Tipo, os ingressos estão sendo vendidos mais caros para que parte dos lucros vá para a festa de formatura deles, no final desse ano. – respondeu.
  - Então, haverá muitos universitários gatos por lá? – Hanna, uma das garotas que fazia Trigonometria e Educação Física comigo e Zack, e estava almoçando conosco já há alguns dias, perguntou maliciosamente.
  - É. Digamos que sim. – maneou as sobrancelhas sugestivamente enquanto respondia à pergunta da garota.
  - Então, , não é opção. Todas nós temos de ir! – Han afirmou e eu sorri um pouco mais animada enquanto assentia.
  Decidi ver aquilo como uma oportunidade de me divertir, distrair minha cabeça e fugir um pouco dos problemas. Mas quando comentei o assunto com Matt, à noite, a informação só pareceu trazer mais chateações para a minha vida.
  - Show de adolescentes, onde um bando de cara vai tentar te agarrar? De jeito nenhum. – Mathew disse assim que terminei de falar sobre o show e como ele estava sendo organizado. O tom de voz autoritário dele fez com a raiva pulsasse dentro das minhas artérias.
  - Matt, em algum momento eu te pedi permissão para ir a esse show? – perguntei seca e friamente.
  - Por que veio falar comigo do assunto então? – o tom dele agora era incrédulo e duro.
- Porque eu faço questão de informar onde estou indo. Se você gostou da informação ou não, isso já é com você.
  - E se eu disser que não quero que você vá nesse show?
  - Se você me der um motivo melhor do que “um bando de cara vai tentar te agarrar”, eu penso se vou mesmo ou não. – eu disse e suspirei alto antes de continuar: - Ninguém vai me obrigar a uma coisa que eu não queira numa pista cheia de gente, Mathew. E se eu quiser te trair, não preciso de um show para fazer isso. Caramba, quando foi que confiança deixou de ser a base desse relacionamento? Em algum momento eu questionei seu julgamento dos lugares que você frequenta?
  - , eu não suporto a ideia de você no meio de um monte de marmanjos, só isso.
  - Eu vou a um show, não a uma casa de strippers masculinos, Mathew!
  - Faça como quiser então. – ele deu de ombros depois de alguns segundos em silêncio.
  - Pode ter certeza de que eu vou.

  Durante o restante da semana, nossas conversas foram monossilábicas. O assunto entre nós que mais rendia, de repente, era Tiffany.
  - Oi, Matt. - atendi com a voz neutra quando meu namorado me telefonou na sexta-feira, depois do jantar.
  - Oi, .
  - Como você está? – perguntei automaticamente.
  - Bem, e você?
  - Também estou bem. Fez o que hoje?
  - O mesmo de sempre: escola, treino, casa. E você?
  - Hoje eu fui ao shopping com a e a . A Tiffany surtaria se visse a liquidação que estava tendo lá. – tentei conferir um pouco de animação ao meu tom de voz; meu esforço diário para tornarem as coisas mais normais e suportáveis entre nós. - Por falar nisso, como ela está?
  - Bem. Empolgada com o baile de máscaras de caridade desse ano.
  - Você vai mesmo com ela?
  - Vou, né? Ela terminou com o Travor e não arranjou outro namorado ainda. Essa semana ainda nós vamos sair para escolher a roupa. Como você não está aqui para decidir qual vai a ser a minha, eu vou ter que ir com a Tiff mesmo.
  - Hum... – murmurei.
  E o assunto terminou aí. Ficamos em silêncio pelo que pareceu uma eternidade até que Mathew disse que tinha que terminar seu dever de casa e me ligaria antes de ir dormir para me dar boa noite. Encerrei a ligação e não consegui mais engolir o choro. Como um mês morando em cidades diferentes havia tornado as coisas tão estranhas entre nós? Será que ele percebia o quanto nós estávamos irreconhecíveis? Porque eu, sem dúvida, tinha plena consciência disso.
  Eu não sabia há quanto tempo estava chorando no meu travesseiro e recordando todos os bons momentos que eu e Matt passamos colecionando juntos antes da minha mudança e que agora pareciam lembranças de outra vida, quando uma mensagem de Ian me avisando que já estava me esperando no jardim me acordou para a realidade. Assim, calcei meus tênis o mais depressa que pude e corri para a rua.
  - Pensei que você não viria hoje. – Ian me disse enquanto eu ainda descia as escadas da varanda.
  - Eu não faltaria. - respondi com a voz rouca por causa do acesso de choro.
  - O que aconteceu, ? – meu vizinho perguntou preocupado. Eu não havia me olhado no espelho, mas tinha certeza de que meu rosto estava deplorável. Os olhos além de inchados e vermelhos revelavam o cansaço das minhas noites mal dormidas por causa das olheiras ao redor, não mais tampadas pela maquiagem que jazia na minha fronha, provavelmente.
  - Nada. – falei e comecei a corrida. Eu não queria ter aquela conversa na porta da minha casa.
  - Você chora por causa de nada, então? – Ian perguntou me seguindo.
  - Quando você acha que um relacionamento não tem mais jeito, Ian? – eu disse depois de um momento de silêncio.
  - Quando você não tem vontade de dar um jeito ao relacionamento mais. Quando você desiste dele. Mas posso perguntar qual é o motivo dessa pergunta?
  - Meu namoro está uma droga. – suspirei. - O Matt já começou a implicar com os lugares pra onde eu vou, ele nunca tem tempo pra conversar e, quando tem, parece que nós simplesmente não temos mais assunto. – respondi tentando conter as lágrimas e manter o ritmo da corrida ao mesmo tempo.
  - Qual é a distância de Baltimore a New York? – Ian perguntou depois de alguns segundos de ponderação.
  - Mais ou menos duzentas milhas. Por quê? – questionei confusa.
  - Porque eu vou te levar até lá. Claro, se seu pai autorizar. – Ian falou naturalmente como se estivéssemos combinando uma ida ao cinema e eu só tivesse 10 anos de idade.
  - O quê? – perguntei chocada parando de correr abruptamente.
  - Isso não dá nem quatro horas de viagem, . Eu posso te levar até lá. Podemos ir numa sexta-feira à noite e voltar no domingo à tarde. Eu fico em um Hotel e você pode ficar na casa da sua amiga com quem morou antes de vir pra cá. Tiffany o nome dela, certo?
  - Ian, você faria isso por mim mesmo?
  - , eu não sei se o Mathew é a pessoa certa pra você, nem sei se vocês vão conseguir mesmo lidar com isso. Mas eu sei que se eu pudesse voltar no passado, e ter a sua idade de novo, eu teria me esforçado mais para fazer meu relacionamento dar certo. Então, eu acredito que é válido batalhar, fazer tudo o que estiver ao seu alcance.
  - Eu nem sei como vou te agradecer... – falei depois de algum tempo em silêncio tentando digerir a informação.
  - Qualquer dia eu te cobro. – Ian piscou para mim.
  - Certo. – sorri em resposta. - Hã... A me disse que você não namorou mais depois do seu último relacionamento. E o modo com que você disse isso agora parece explicar porque não procurou outra pessoa ainda. O que aconteceu, Ian? – questionei com um pouco de medo de iniciar um assunto tão delicado.
  - É uma história um pouco comprida... – ele respondeu voltando a correr. - Tem certeza de que quer mesmo ouvir?
  - Eu gosto de histórias longas. – eu disse tentando acompanhá-lo.
  E então Ian me contou que conheceu a garota que sempre acreditou ser o amor de sua vida quando tinha quinze anos. Os dois participavam de um projeto da escola chamado “Anjo da Guarda”, em que os alunos visitavam creches e orfanatos todas as semanas – principalmente aos sábados – e desenvolviam atividades, bem como auxiliavam as crianças no dever de casa ou em alguma matéria que não tinham muita facilidade.
  - Eu sempre gostei de Matemática e era bom nisso. Então, participar desse projeto me indicou também qual profissão eu queria exercer, no final das contas. A Emily era um ano mais velha do que eu e ela era ótima dançarina, além de ser muito boa em Inglês. Por isso, os orfanatos eram uma espécie de segunda casa pra ela.
  “Bom, nós completamos o Ensino Médio e nós dois fomos aceitos na Universidade da Califórnia, então nos mudamos pra lá. E no primeiro Natal, seis meses depois disso, quando a Emily estava dirigindo pra cá, ela sofreu um acidente de carro. A lesão na perna esquerda dela exigiu amputamento. Ela teve que usar prótese e reaprender a andar. Por isso, ela voltou pra Baltimore e eu quase perdi o segundo período da faculdade tentando ficar aqui e em Los Angeles ao mesmo tempo. Nós quase terminamos um monte de vezes porque a Emily dizia sempre que eu não devia ficar com uma alejada. Mas fomos contornando a situação e ela foi se conformando mais com a nova realidade. Quando eu pensei que a revolta dela com tudo aquilo havia terminado e estava tudo bem, ela terminou comigo. Alguns dias depois eu descobri que ela conheceu outra pessoa na fisioterapia. E os dois estavam bem juntos.
  - Caramba, Ian. Eu sinto muito. – eu disse sinceramente desejando que houvessem palavras melhores do que aquelas e me perguntando mentalmente, ao mesmo tempo, que espécie de garota idiota parte o coração de um cara como o Ian?
  - Eu também sinto, . Eu me culpei por isso por um bom tempo. Pensei que eu não havia dado a assistência que a Emily precisava. Mas hoje eu enxergo as coisas com mais clareza. Se ela conseguiu se apaixonar por outra pessoa enquanto ainda estava comigo, é porque nós dois nunca fomos perfeitos um pro outro do jeito que eu pensava que éramos. Acho que até fomos mesmo algum dia, mas só na minha cabeça.
  - Você acha que foi tempo perdido, então? – perguntei enquanto parte do meu cérebro se ocupava da frase “nunca fomos perfeitos um pro outro do jeito que eu pensava que éramos”. Aquelas palavras de Ian pareciam combinar exatamente com o que o meu namoro com Matt demonstrava a cada dia que passava.
  - Não, de jeito nenhum. Nada nessa vida é tempo perdido, . Tudo serve pra alguma coisa. Nem que seja para te ensinar que você não deve fazer aquilo de novo. – meu vizinho respondeu parando de correr e colocando-se na minha frente enquanto se curvava apoiando as mãos nos joelhos, procurando recuperar o fôlego.
  - Por que você acha que não namorou ninguém depois disso tudo?
  - Porque a pessoa que eu quero não apareceu. Ou talvez tenha aparecido, mas eu não tive oportunidade de me apresentar adequadamente ainda... – Ian me encarou por alguns segundos depois de dizer isso e eu já havia revirado a minha cabeça em busca de outro assunto, outra pergunta ou o que quer que fosse para me distrair de seu olhar absurdamente hipnotizante quando vi, por detrás dele, o velhinho que havia me vendido sorvete no outro dia.
  - Você ainda me deve aquele sorvete? – perguntei usando meu sorriso e olhar de pidona. Eu não tinha mais certeza se poderia cobrar alguma coisa dele depois de me oferecer um favor daqueles, afinal, eram quase quatro horas de viagem, não quarenta minutos. Mas não custava nada tentar, certo?
  - Vamos lá comprar. – Ian respondeu pegando-me pela mão, e caminhamos juntos até o centro da praça.

Capítulo VII

  Meu corpo estava no meio da multidão, ao lado de , e Hanna, enquanto aguardávamos a banda subir ao palco e iniciar o show. Minha mente estava a duzentas milhas de distância, no meu namorado que eu veria dali a sete dias. No entanto, minha atenção foi totalmente tomada quando os garotos surgiram à minha frente, animados como eu nunca havia visto antes e deixando todo mundo no local no mesmo estado de espírito. e sabiam cantar todas as músicas, e eu me senti uma pseudo-irmã desnaturada por não ter nem mesmo pegado o CD já lançado pelo All Time Low para ver o trabalho deles. Fiquei impressionada em ver como Alex encontrou sua namorada com tanta facilidade no meio das mais de três mil pessoas que se encontravam no local, e ele cantou todas as músicas mais românticas olhando para ela. Em determinados momentos, pensei que o Jack tivesse usado drogas antes da apresentação – a empolgação dele não diminuía em momento algum! Mas, se eu conhecia um pouco aquele garoto, com certeza poderia dizer que era um estado que realmente combinava com ele.
  Quando o show terminou, uma hora e meia depois de ter começado, eu me sentia revigorada. Há meses não me divertia tanto. Durante aquela uma hora e meia parecia que eu estava em outra dimensão, onde não existia espaço para preocupações, problemas e mágoas – onde eu só poderia sorrir, tentar acompanhar a alegria das pessoas em volta e, inesperadamente, conseguir fazer isso.
  - E aí, ? O que achou? – perguntou quando alcançamos, enfim, a entrada do local do show, após o término do evento, e o barulho reduziu o bastante para ser possível conversar.
  - Incrível. Demais. Sensacional. – respondi sabendo que meus olhos ainda brilhavam de empolgação e sem conseguir apagar o sorriso do rosto.
  - Hoje foi o melhor show de todos mesmo.
  - Nós não vamos buscar os meninos, ? – cutucou sua amiga com uma expressão séria demais para qualquer pessoa depois de um evento daqueles.
  - Calma, , o Zack não vai ser atacado por ninguém, tá? – assegurou-lhe sorrindo. – Mas vamos lá.

   ligou para Alex, que fez com que permitissem nossa entrada no camarim deles, e depois de alguns elogios aos garotos, de ouvir Rian se gabando e Jack dando uma entrevista à Hanna, nós decidimos ir embora. Alex fez questão de levar para casa, embora ela pudesse voltar comigo e com Zack, e Hanna recebeu uma carona de Jack, que levaria Rian para a casa dele também. não foi nem um pouco discreta ao solicitar a ajuda de Zachary para chegar a sua residência – o que foi totalmente desnecessário, porque eu tinha certeza que ele ofereceria a carona a ela.
  - Você gostou mesmo do show ou está dizendo isso para me agradar? – Zack perguntou enquanto eu me acomodava no banco do carona, ao seu lado.
  - Vocês são incríveis de verdade, Zack. Foi o melhor show da minha vida. De coração. – respondi sinceramente.
  - É verdade, Zack, vocês arrasaram. Eu já fui a vários outros shows e sou obrigada a concordar que esse se destacou. – intrometeu-se na conversa de um jeito um tanto forçado.
  - Você é suspeita pra falar do All Time Low, . – ele disse rolando os olhos.
  - Ué, por quê? – a garota questionou surpresa e, embora não pudesse ver seu rosto porque ela estava no banco de trás do carro, eu poderia apostar que estava vermelha como um tomate maduro.
  - Porque você é amiga de infância de todos os caras da banda.
  - Ah, então é assim: antes da garota de New York chegar à cidade minha opinião era valiosa, agora não importa mais? – perguntou saturando a voz de charme.
  - Não foi isso que eu disse, . – Zack respondeu rindo.
  - Mas foi o que deu a entender, Zachary. Não converse mais comigo. – ela disse usando o mesmo tom que não denotava seriedade alguma.
  - Ok. – meu “maninho” deu de ombro. – Os meninos querem ir ao clube amanhã, . E aí, tá dentro?
  - Eu só vou se a for. – falei já imaginando como seria agradável uma piscina num calor daqueles. – O que você acha, ?
  - Piscina e esse calor? Combinação perfeita.

  Minha semana passou devagar, mas pareceu besteira lamentar pelas longas horas de espera quando Ian buzinou na porta de minha casa. Desci as escadas com a pequena mala em uma das mãos e a mochila pendurada no braço, sentindo a ansiedade correndo livre pela minha corrente sanguínea.
  - Domingo às sete. Se forem atrasar por causa do trânsito, me ligue avisando. – meu pai disse dando-me um beijo na testa.
  - Tudo bem, pai. Obrigada mesmo por me deixar ir.
  - Você faz por merecer, filha.
  - Vamos sentir sua falta, ! – Louise me deu um abraço apertado depois de pronunciar as palavras.
  - Domingo estou de volta, mas vou sentir saudades também.
  - Cara, eu ainda não acredito que não me deixaram ir. – Zack murmurou com a cara fechada.
  - O Ian não vai cuidar de dois adolescentes, Zachary. Eu quem não acredito que você ainda não esqueceu essa ideia idiota! – Louise falou firme.
  - Vem cá me dá um abraço, Merrick, e para de reclamar. – eu disse puxando Zack para um abraço e sentindo meu coração bater mais forte quando senti seu cheiro mais perto. Por mais que me esforçasse para eliminar esses efeitos que ele me causava, os resultados nunca apareciam.
  Todos me disseram “boa viagem”, então, e eu segui para o carro de meu vizinho, onde ele me esperava com seu sorriso acolhedor de sempre e sua presença tão divina quanto perturbadora.

  Pedi ao porteiro que me anunciasse quando cheguei ao condomínio onde Tiffany morava. Nem minha melhor amiga nem Matt sabiam que eu estava na cidade – eu queria que minha visita fosse uma surpresa.
  - A senhora Jones disse que a senhorita pode subir. – o porteiro falou e abriu o portão para mim.
  - Vou subir então, Ian. Você vai ficar no hotel que tem aqui nessa rua mesmo, né?
  - Vou sim. Meu celular está ligado. Se sua amiga não puder dirigir até a casa do seu namorado, me ligue que eu levo vocês.
  - Nós pegamos um táxi se for preciso. Você dirigiu por quase quatro horas, precisa descansar.
  - Mas pode me ligar se preferir. Vou indo. – Ian falou sorrindo e me abraçou. Fiquei desconcertada e nervosa com o contato físico, mas tentei reprimir aquilo e seguir para meu destino naquele momento: o apartamento de minha melhor amiga.
  A mãe de Tiffany, a senhora Vanda, me recebeu calorosamente, como sempre. Ofereceu-me bolo, torta e mais outros alimentos e fez várias perguntas sobre minha nova vida em Maryland.
  - A Tiffany ainda não chegou em casa. Ela foi ao shopping com alguns amigos da escola hoje e estou tentando ligar para ela, mas o celular parece que está descarregado.
  - Tudo bem, Vanda. Eu vou deixar minha mala aqui e vou pedir um táxi para ir à casa do Matt. Daí, quando a Tiffany chegar em casa, a senhora me liga que eu venho pra cá. Pode ser?
  - Para que táxi, meu amor? Use o meu carro que é mais rápido e mais fácil. Você deve estar louca para ver o seu namorado. – ela disse enquanto apanhava as chaves do carro dentro de sua bolsa.
  - Eu não quero incomodar tanto... – falei por educação, mas considerando a ideia maravilhosa.
  - Eu te conheço desde que estava no útero da sua mãe, que Deus a tenha. Vá no meu carro! Eu te ligo quando a Tiffany aparecer por aqui.
  - Obrigada mesmo. – agradeci sinceramente e corri para o estacionamento do condomínio.
  Dirigi ansiosa, mas da forma mais prudente que poderia, à grande casa onde a família de Mathew morava desde sempre. E, embora a mãe de Matt não morresse de amores por mim, ela me recebeu muito bem.
  - É tão estranho não ver você por aqui sempre mais. E eu fico tão preocupada quando penso que você está morando com uma madrasta e o filho dela que mal conhece. – minha sogra disse enquanto nos acomodávamos no sofá da sala.
  - É estranho pra mim viver em outros ambientes também. Mas a Louise e o Zack, filho dela, são ótimas pessoas. Está sendo mais fácil do que imaginei me acostumar com eles. Mas é claro que se eu pudesse correria pra cá de novo.
  - Bom, então vamos surpreender o Mathew, né? Ele deve chegar do treino daqui a pouco e vai direto para o quarto para tomar banho antes do jantar. Você vai para o banheiro da suíte dele e espere lá. Quando ele aparecer no quarto, você faz a surpresa. – Eliza disse animada. Concordei assentindo e subi as escadas da propriedade contanto os passos para distrair minha ansiedade. Em instantes eu veria Matt de novo. Eu o abraçaria longamente, sentiria seu cheiro perfeito e me lembraria, quando nossos lábios se tocassem, porque eu não suportava a ideia de terminar nosso namoro por mais diferente que ele estivesse e por mais difícil que fosse sustentar aquela situação.
  Passei alguns longos minutos pensando nisso quando ouvi, enfim, a porta do quarto sendo aberta. Respirei fundo e estava prestes a surgir no quarto quando escutei a voz dela e travei onde estava parada.
  - Eu nem devia ter vindo aqui, Matt. – Tiffany sussurrou com sua voz de choro.
  - Você me procurou no treino para conversar sobre esse assunto, Tiffany. E, sinceramente, eu não estou entendendo mais nada. – Mathew falou arrastando as palavras como se estivesse cansado.
  - Porque eu não consigo esconder isso mais. Há semanas que eu estou com isso na minha cabeça! Sério, você acha que é fácil pra mim pensar que eu estou apaixonada pelo namorado da minha melhor amiga? Eu me sinto um lixo só de imaginar uma coisa dessas. – precisei me segurar na pia do banheiro quando escutei essas palavras. Eu só poderia estar delirando, não havia como aquela conversa tão íntima entre Matt e Tiff, entre o meu namorado há mais de dois anos e minha melhor amiga da vida toda, estar acontecendo. – E eu manteria isso só pra mim se você não tivesse me beijado ontem, mas agora não dá mais. – Tiffany falou a última frase elevando a voz algumas oitavas, como se estivesse fazendo questão de que eu escutasse aquilo. “Se você não tivesse me beijado ontem...” – as palavras ecoaram dentro do meu cérebro e eu me deixei cair sentada no chão, provocando um baque mudo.
  - Aquilo... aconteceu. Eu não queria fazer isso com a . Quero dizer, eu não estou dizendo que não queria te beijar, porque eu queria e por isso fiz isso. Mas eu sei que não devia ter feito. Eu preciso resolver minha situação com a primeiro.
  - Matt, a nunca vai nos perdoar. Não importa se ficamos ontem ou hoje ou se vamos ficar juntos só daqui a dez anos. Pra ela, vai ser traição do mesmo jeito. – Tiffany disse em seu tom de voz confortador.
  - Eu sei.
  - Mas eu quero ficar com você do mesmo jeito. Eu não quero perder a , mas de certa forma, já perdi. Ela está longe agora... E eu não sei como me afastar de você.
  - Então não se afaste. – Matt falou assim que a garota terminou a frase e os dois ficaram em silêncio. E foi neste momento que consegui reunir minhas forças e sair do banheiro. Encarei o casal abraçado sentado na cama de meu namorado.
  - Meu Deus, como eu sou idiota. – eu disse cada palavra bem claro e minha voz estava mais firme do que meus pensamentos.
  - ? – Matt falou soltando Tiffany e os dois se levantaram com um pulo.
  - , você... – a garota começou a dizer, mas eu a interrompi:
  - Eu estava esperando meu namorado chegar do treino para fazer uma surpresa e veja só o que eu consegui. Enfrentei quase quatro horas de viagem, incomodando meu vizinho que trabalha e tem obrigações para me trazer até aqui. Eu planejei com a sua mãe ficar na sua casa e estava pensando em passar essa noite em claro para matar a saudade de você, Tiffany! Eu contei as horas durante essa semana para me encontrar com vocês dois...! E olha o que recebi em troca: um par de chifres do meu namorado e com a minha melhor amiga! Com tantos garotos para namorar nessa cidade, você decidiu investir no meu, Tiffany! – cuspi as palavras deixando o ódio e a mágoa pela traição dupla transbordar.
  - Eu não escolhi o Mathew a dedo para conquistar como fiz com meus outros namorados, . Eu juro que não! – ela falou caminhando até mim.
  - Fique bem longe de mim. – eu disse e ela estacou a alguns metros. – Eu te conheço bem o bastante para saber que o Mathew é só mais um charminho da sua lista interminável de desejos.
  - Eu nunca trocaria a sua amizade por um charminho, . – Tiffany retrucou ofendida.
  - Não venha bancar a ofendidinha pra mim porque a última pessoa desse mundo com direito a isso agora é você, garota.
  - , nada foi assim de uma hora pra outra. – Mathew interveio.
  - Claro que não. Vocês devem estar de caso desde o dia em que eu saí dessa cidade.
  - A única coisa que aconteceu entre nós foi um beijo ontem e um conversa hoje no colégio e essa que você escutou agora, .
  - Mesmo se eu acreditasse em você Mathew, isso já é... Nem sei descrever. – falei sentindo-me tão cansada que mal conseguia me manter em pé. Tirei as chaves do carro da mãe de Tiffany do bolso e joguei sobre a cama para ela. – Agradeça a sua mãe por mim de novo.
  A mãe de Mathew perguntou por que eu estava indo embora daquele jeito; minha resposta foi “pergunte ao Mathew depois”. Caminhei pela rua da casa dele enquanto o telefone de Ian chamava, ainda chocada demais para derramar sequer uma lágrima.
  - Oi, . – meu vizinho atendeu no quarto toque.
  - Ian, eu preciso que você me busque aqui. Estou na rua da casa do Mathew.
  - Aconteceu alguma coisa?
  - Eu te conto quando chegarmos no hotel. Ah, você pode passar no condomínio da Tiffany e pedir a minha mala para a mãe dela antes de vir pra cá?
  - Claro. Estou a caminho.
  - Até logo. – desliguei o telefone e quando encarei na tela iluminada a minha foto com Mathew, o choro veio com toda a intensidade possível. Abracei meu tronco e me sentei na calçada enquanto os soluços irrompiam pela minha boca a fora, e eu me perguntava como sobreviveria à morte de outra parte tão importante de mim.

Capítulo VIII

  Despertei desnorteada dentro do quarto escuro implorando para que o sono voltasse e eu conseguisse dormir de novo. No entanto, isso não aconteceu – eu estava descansada o bastante para pensar no que havia me acontecido nas últimas horas e para sentir o vazio imenso que havia sido aberto no meu peito. Minha vontade era permanecer deitada no colo de Ian e esvaziar a minha mente para não me lembrar de como eu era estúpida, de como Tiffany e Mathew não prestavam, de como a minha vida não valia a pena. Mas eu estava com sede o bastante para me levantar e procurar o interruptor para acender a luz do cômodo.
  Eu ainda usava as roupas da viagem e elas estavam em situação deplorável. Meu vizinho, por outro lado, havia se lavado enquanto eu estava ausente flagrando minha melhor amiga e meu namorado trocando juras de amor, e estava impecavelmente limpo e cheiroso. Eu tinha mesmo muita sorte por ter conhecido pessoas tão maravilhosas em Baltimore. E era estranho pensar em como me mudar para aquela cidade havia significado minha ruína e, ao mesmo tempo, minha salvação. Porque talvez nada tivesse acontecido entre Tiffany e Mathew se eu nunca tivesse me ausentado. Mas eu também não sobreviveria àquilo sem o ombro amigo de Ian e suas palavras de consolo.
  Peguei minha singela mala na sala e me arrastei com ela para o banheiro. Liguei o chuveiro de modo que o jato de água fosse o mais intenso possível e me enfiei debaixo dele tentando encontrar alguma coisa saudável em que pensar... E quando pensei em coisas saudáveis lembrei-me do show da semana anterior e do dia em que fomos ao clube e eu quase morri de rir das besteiras dos meus novos amigos. Lembrei-me também de Zachary me fazendo cócegas no sofá da sala quando eu disse que ele era um palhaço mesmo por estar rindo de cenas do pior filme de comédia do mundo – meu “irmão” queria me mostrar, por se aproveitar do meu ponto fraco, que a palhaça da casa na verdade era eu. E então me lembrei da noite em que eu e Ian tomamos sorvete na praça próxima a minha casa depois dele me contar a pior decepção amorosa que teve na vida. Aquela era minha vez de viver esse tipo de experiência, e tudo o que eu gostaria era de avançar alguns anos na minha vida, até que fosse tempo suficiente para que eu olhasse para mim mesma e dissesse que havia superado aquilo.

  - Bom dia. – Ian cumprimentou-me quando saí do banheiro enrolando o cabelo na toalha.
  - Bom dia. – respondi embora não considerasse nada no mundo bom naquele dia.
  - Já trouxeram nosso café da manhã. – meu vizinho informou apontando para a salinha ao lado do quarto. Foi então que me lembrei que eu não havia visto o aposento por inteiro – só o banheiro e o local que continha uma cama de casal enorme, uma televisão grande, um sofá e um armário embutido na parede.
  - Quantas horas são? – perguntei quando alcancei a varanda anexa através da qual era possível ver a cidade ao horizonte e a rua do hotel, e percebendo que o dia mal havia clareado.
  - Seis e trinta e oito.
  - E já trouxeram nosso café da manhã? – Eu não me lembrava das pessoas em New York acordarem tão cedo...
  - Na verdade, eu pedi para trazerem quando você se levantou. Você não comeu nada desde a barra de chocolate que dividimos ontem à tarde no caminho pra cá.
  - Obrigada, Ian, mas não estou com fome.
  - , vem cá. – meu vizinho deu tapinhas no espaço vazio ao seu lado na cama, e eu obedeci ao que ele pedia sentando-me ali. – Eu sei como isso é esmagador, mas ficar sem se alimentar não vai resolver nada. Só vai piorar as coisas se você ficar anêmica ou algo parecido.
  - Eu sei. – murmurei desanimada e depois de um instante e alguns suspiros, andei a passos lentos até a mesa de comida. Peguei duas torradas doces e enchi um copo de café. Ian aplaudiu meu esforço e me perguntou a que horas eu gostaria de voltar para casa.
  - ? Pensei que você fosse chegar à noite. – comentou assim que eu saí do carro do irmão dela.
  - A viagem não foi como eu havia planejado. Eu te conto mais tarde o que aconteceu. – falei e minha amiga assentiu.
  - Quer ajuda para levar suas coisas para dentro? – Ian perguntou educadamente.
  - Não é preciso. Minha mala é pequena, não está pesada. – respondi pegando minha bagagem da mão dele. – Obrigada, Ian. Não sei mesmo como te agradecer. – eu disse sinceramente e deixei minha malinha de lado para abraçar meu vizinho ternamente. Ele correspondeu ao abraço e disse na minha orelha que ficaria tudo bem.
  - Você vai correr hoje à noite? – Ian questionou enquanto eu já caminhava para a entrada da minha casa.
  - Não sei, mas eu te mando uma mensagem pra falar.
  - Tudo bem. Até mais.
  Eu respondi com um aceno e destranquei a porta da minha casa.

  Eu sabia que teria que contar ao meu pai que meu namoro com Mathew havia ido por água abaixo, mas não fazia ideia de como fazer isso ainda – pensar no assunto já me trazia lágrimas aos olhos, ter de transmiti-lo às pessoas parecia inviável. Felizmente, eu teria até mais tarde para fazer planejar como fazer isso porque nem Steve nem Louise estavam em casa quando passei pela soleira da porta.
  - ? – Zack falou esfregando os olhos com as mãos. Os cabelos dele estavam totalmente bagunçados e ele estava com os pés descalços e sem camisa. Sua visão foi a melhor que eu tive em o que parecia anos.
  - Pode voltar a ver seu jogo, Zack. – eu disse sem saber o que mais poderia falar.
  - Você não ia voltar à noite?
  - Os planos mudaram de repente.
  - Aconteceu alguma coisa? Você está bem?
  - Não, não estou. – foram as palavras que eu escolhi depois de ter pensado em “não quero falar disso agora”, “sim, depois eu te conto o que houve” e “mais ou menos, mas prefiro conversar sobre esse assunto mais tarde”.
  E quando eu pensei que o que havia dito seria o bastante para ser bombardeada de perguntas que eu não gostaria de responder, Zachary simplesmente me abraçou e acariciou os meus cabelos. O gesto dele, no entanto, despertou toda a angústia que eu vinha reprimindo nas últimas horas, e eu despenquei em lágrimas ao passo que colocava todo o peso do meu corpo sobre Zack e soluçava palavras incoerentes.

  - Se você quiser, eu vou até New York e arrebento a cara desse cara. – Zack disse enquanto eu bebericava a Soda que ele havia me entregado para me hidratar depois de colocar metade da água do meu organismo para fora.
  - Não precisa. – respondi e ri ao vê-lo enxugar seus ombros com uma toalha.
  - Eu vou buscar uma camisa.
  - Pode ficar sem, se quiser. Não se preocupe comigo, Merrick. Aliás, eu estou na pista agora mesmo. – dei de ombros.
  - E isso quer dizer o quê? Que agora você vai mesmo começar a me seduzir agora?
  - Baltimore não é tão pequena que eu precise procurar outro namorado debaixo do meu próprio teto. – falei rindo mais de nervosismo do que por ter achado o que ele disse engraçado.
- Não procure no círculo de amigos também. O Jack e o Rian vão tentar te conquistar, mas não vá na conversa deles, pelo amor de Deus.
  - E por que não? Não seria melhor pra você se eu ficasse com um dos seus amigos?
  - Não. – Zack rolou os olhos.
  Eu sorri em resposta e tentei me concentrar a partir de então no jogo de baseball que passava na TV naquele tarde.

  Zack sugeriu que ele contasse aos nossos pais o que havia acontecido em New York e, embora eu não gostasse das pessoas falando sobre meus assuntos pessoais pelas minhas costas, achei mais fácil proceder daquele modo do que eu mesma dizer ao meu pai e a minha madrasta que meu namorado e minha melhor amiga estavam produzindo meus chifres juntos.
  Às oito horas da noite liguei para e pedi que ela fosse até a minha casa. Ela apareceu imediatamente e eu lhe contei tudo o que havia acontecido.
  - Eu não acredito nisso, . – falou quando terminei de lhe dar o relato completo dos fatos.
  - Pode acreditar porque é tudo verdade. – eu disse enquanto retirava as fotos em que estava com Mathew e com Tiffany do meu mural e dos porta-retratos da estante e da escrivaninha.
  - Cara, eu vou até lá dar uns tapas nessa mocreia! – gritou revoltada.
  - Pegue carona com Zack. Ele vai até lá encher a cara do Mathew de socos. – eu ri sem humor algum.
  - Eu e o Zack somos farinha do mesmo saco.
  - São mesmo. Mas de uma qualidade incomparável de farinha, . – piscou os olhos encantada com o meu elogio. Juntei as fotos nas mãos e as rasguei em quatro partes. Joguei os pedados dentro da lixeira do quarto, e sentei-me na minha cama ao lado de . Minha cabeça estava tão pesada que tive que abaixar meu rosto nas mãos por alguns segundos para me orientar o bastante para continuar acordada. E quando fiz isso, minha amiga me abraçou.
  - Eu me sinto tão inútil. Não sei o que fazer, . Quero dizer, para te ajudar.
  - Eu também não sei o que fazer. Mas sei que só posso sair dessa sozinha, . Não se preocupe, eu não espero nada de você além de um bom ouvido e um abraço reconfortante. Isso já basta por parte dos meus amigos. Esquecer o Mathew e o que ele me fez, e a Tiffany e as atitudes dela, é questão de tempo. Espero só que não leve muito tempo...
  - Se precisar conversar ou se distrair então, me grita, viu?
  - Pode deixar, flor. Eu grito sim.

  Eu não saí para correr aquela noite. Chorar tanto me deixou cansada o bastante para dormir das dez da noite do domingo até as sete da manhã da segunda-feira, quando levantei-me com o soar do despertador para me arrumar para ir à escola.
  De onde eu havia tirado forças para fingir que estava bem naquele dia de aula, eu não sabia dizer. Como sobrevivera à semana quando ela terminou na sexta à tarde, eu também não poderia explicar. No entanto, aos poucos, eu empurrei a minha vida pela frente. É claro que estar cercada de amigos tão maravilhosos ajudava muito. Ian me acompanhava nas corridas todas as noites normalmente e sempre tínhamos coisas diferentes para conversar – e quando eram os mesmos assuntos, eles ficavam interessantes a cada diálogo do mesmo modo. Zack alegrava minhas manhãs, tardes e noites, e criamos o hábito de fazer o dever de casa juntos depois do jantar e antes da minha caminhada noturna. tornou-se uma amiga muito melhor do que Tiffany jamais fora, e conquistava um espaço maior na minha vida a cada dia que passava – embora eu ainda sentisse pontadas de ciúme dela e não estivesse me esforçando tanto mais para juntá-la a Zachary.
  Minha vida seguiu dessa forma, com um padrão assustador, mas que, ao mesmo tempo, me confortava. Baltimore, de repente tornou-se meu lar. E eu percebi isso de fato quando, em Março do ano seguinte – 2006 -, atravessei a soleira da porta de casa depois de ter passado a tarde toda ajudando a organizar algumas coisas na escola para o baile dos estudantes que aconteceria dali a três semanas e me deparei com uma mini-festa.
  - O que isso significa? – perguntei quando Rian veio até mim e colocou um chapeuzinho na minha cabeça.
  - Hoje faz seis meses que você chegou aqui! – Dawson disse enxugando uma falsa lágrima no canto dos olhos.
  - Feliz aniversário, ! – Jack gritou e assoprou alguma coisa barulhenta.
  - Cara, pela milésima vez: o aniversário dela é em Junho! – Zack deu um tapa na cabeça de Jack ao gritar a palavra “Junho”.
  - Nossa, gente, que escândalo só porque tá fazendo seis meses que eu me mudei pra cá. – eu disse entre risadas.
  - Mais seis meses e você vai embora de novo. Tínhamos que ter comemorado cada mês seu aqui. – comentou cortando o pequeno (e único) bolo da festa.
  - Quem sabe não estudaremos todos na mesma universidade?
  - Isso se os meninos forem pra universidade. – acrescentou.
  - É verdade. Pelo andar da carruagem, eles vão pra Warped esse ano, terão novo disco lançado com nova gravadora na jogada... Acho que o All Time Low vai pra frente e eles vão ficar ricos antes de nos formarmos. – falou com os olhos brilhantes.
  - Assim fica mais fácil ainda. Eu, e vamos para a mesma faculdade e os meninos vão até onde estivermos para nos vermos. Ninguém aqui vai perder contato, então não precisa desse estardalhaço todo, ok? – tentei tranquilizá-los, afinal, mudar-me de Maryland não estava mais na minha lista de prioridades.
  - Quem quer bolo? – perguntou aos berros ignorando-me totalmente e a confusão dobrou de intensidade. Observei a cena com um sorriso e me perguntando como eu poderia ter duvidado algum dia de que aquele era mesmo o meu lugar.

Capítulo IX

  Toquei a campainha da casa dos e, segundos depois, abriu a porta com sua pior cara de sono, trajando uma camiseta puída e uma bermuda, com os pés descalços e os cabelos completamente desarrumados. - Bom dia. – cumprimentei meu amigo sorrindo.
  - Bom dia, . Entra. – ele convidou e bocejou. Segui pela sala e sentei-me ao lado dele no sofá. – A já foi para a aula de dança, mas deve chegar daqui a pouco. Você já tomou café?
  - Sim, obrigada. E, na verdade, eu vim ver você, não a .
  - É mesmo? – arqueou as sobrancelhas.
  - Sua incredulidade chega a me ofender, sabia? – comentei rindo.
  - Mas é que você só vem aqui ver a . Não que eu esteja te culpando, afinal de contas, nós saímos para caminhar todos os dias.
  - E você se junta a nós quase todas as vezes que vamos assistir um filme aqui na sua casa. – lembrei-lhe.
  - Mais ainda nos últimos tempos, né? Preciso arranjar outro emprego com urgência. – Foi a primeira vez que eu vi tão preocupado com aquele assunto, ou com qualquer outro, para ser sincera. Havia dois meses que o contrato dele na escola onde lecionava, nos arredores de Baltimore, encerrara e ele me disse que já havia espalhado currículos por todos os lugares possíveis, mas ainda não aparecera nenhuma proposta, entrevista ou possibilidade. E embora não tivesse uma família para sustentar e seus pais soubessem que ele estava se esforçando, eu poderia imaginar sua frustração.
  - Não se preocupe, . Você vai conseguir. – falei e afaguei seu braço, apesar de saber que minhas palavras não contribuiriam em muita coisa. A resposta dele foi um sorriso.
  - Mas me diz. A que devo o milagre da sua visita?
  - Milagre, umpf. – rolei os olhos. – Você jura que não sabe mesmo?
  - Juro que não sei e que estou mais curioso a cada minuto.
  - Hoje é dia 11 de Março.
  - 11 de Março... – ele repetiu e refletiu por alguns segundos.
  - Caralho, , não é possível que você se esqueceu qual é a data do seu aniversário! – gritei indignada provocando-lhe um susto.
  - Como é que você descobriu isso?
  - , é claro.
  - É claro. – meu vizinho repetiu e bufou. - A vai se arrepender por ter espalhado uma coisa dessas! Eu odeio aniversários.
  - Bom, espero que o meu presente te faça mudar um pouco de ideia. – apanhei minha mochila que havia colocado ao lado do sofá e retirei de dentro dela o livro que havia comprado para ele.
  - Harry Potter e o Enigma do Príncipe. – leu o título depois de rasgar o embrulho cuidadosamente. – Como sabia que é o único que já foi lançado e eu ainda não tenho?
  - Su...
  - Claro que foi a quem te disse. – ele suspirou e riu. – Obrigado, . Eu adorei, de verdade. – me puxou para um abraço que eu, de certa forma, esperava que acontecesse, mas que nunca saberia prever a sensação que me traria. A última vez que eu havia abraçado fora no Natal, então eu mal me lembrava dos arrepios, do coração acelerado e da vontade de agarrá-lo que aquele simples toque provocava. Eu me lembrava de ainda ter me sentido culpada por aqueles sentimentos quando eles me vieram em Dezembro. Agora, no entanto, eu já me sentia livre o bastante de Mathew para não ter remorso algum.
  - Missão cumprida então. – murmurei em seu ouvido e tive vontade de pigarrear quando minha voz saiu alterada demais, mas fiquei muito envergonhada para conseguir fazer isso.
  - O que você acha de ir tomar um sorvete comigo? – perguntou tão sem graça quanto eu quando nos afastamos.
  - Ótima ideia. – concordei prontamente.
  - Então, eu só vou trocar de roupa e dar um jeito na minha cara. Já volto.
  - Vou te esperar aqui.

  - Zack? – gritei com a porta do banheiro entreaberta. Eu era mesmo muito sortuda! Sábado à noite, o aquecedor funcionava à base de eletricidade e a bendita energia resolveu acabar quando eu estava no meio do banho! – ZAAAACK! – berrei mais alto dessa vez.
  - Oi, ! – Zachary surgiu ofegante no corredor.
  - Você pode me trazer uma vela, lanterna ou outra coisa que ilumine? Está muito escuro aqui.
  - Vou pegar minha lanterna pra você. Estou tentando achar as velas, mas vou ter que ligar pra minha mãe pra perguntar.
  - No restaurante onde nossos pais foram não acabou a energia também?
  - Acho que foi só no nosso bairro. Mas eles devem me falar quando eu telefonar.
  Zack desapareceu por alguns segundos, mas voltou com a lanterna e já estava falando com Louise ao telefone. Aparentemente, o passeio dos nossos pais não foi prejudicado pela queda de energia – só os meus cabelos ficaram mal lavados e a minha pele ressecada pelo banho mal tomado.
  Amaldiçoei a companhia de energia até a vigésima geração enquanto me enxugava e me vestia à luz da lanterna. Quando saí do banheiro e desci as escadas, o primeiro andar tinha velas espalhadas por todos os cantos.
  - Você não gosta muito do escuro, né? – perguntei a Zack enquanto o observava posicionar uma quinta vela dentro da cozinha.
  - Depende da situação.
  - Hum... Eu estou com fome. Vamos ter que esquentar a pizza no forno mesmo. – comentei desanimada.
  E foi o que fizemos. Depois de comermos a pizza mal requentada, fomos para a salinha de televisão reclamar da falta de eletricidade e conversar sobre o assunto mais idiota e óbvio em uma situação daquelas: o quão ruim era o mundo antes da energia elétrica? Como as pessoas viviam e o que faziam?
  - Por isso as pessoas tinham mais filhos. – Zack refletiu por fim arrancando-me uma gargalhada. Meu estômago doeu levemente quando eu ri e a náusea me deixou um pouco tonta. Pelo visto, a pizza não havia caído bem, o que era mais uma coisa a favor de tornar aquela noite uma das piores da minha vida. Respirei fundo e repeti para mim mesma que estava tudo bem antes de contribuir para o diálogo:
  - Sabe o que é mais deprimente do que...
  - Do que não ter televisão e ter um monte de filhos? – Zack terminou minha frase e eu ri outra vez, desta vez procurando ser mais cuidadosa para não provocar um vômito ali no meio da sala.
  - Não, Zack. O que é mais deprimente do que não ter energia.
  - O que é?
  - Não termos assunto.
  - Mas como teríamos assunto? Eu já sei tudo sobre você. – Zachay disse aquilo como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
  - Ah, é mesmo? – arqueei as sobrancelhas surpresa.
  - É, é mesmo. Sua cor favorita é branco. Seu filme favorito é Um amor para recordar. Seu livro favorito é Persuasão...
  - Isso não é tudo sobre mim.
  - Eu não terminei de citar todas as coisas.
  - Ok, então eu pergunto e, se você souber mesmo tudo sobre mim, responda.
  - Certo. Vamos lá. – Zack movimentou os ombros como se estivesse se preparando para uma maratona e seu rosto empolgado sob a luz turva das velas e de sua lanterna deixaram-no ainda mais perfeito. Balancei a cabeça de um lado para outro como se aquilo fosse me devolver a concentração e me deixar menos tonta do que já estava, e comecei o interrogatório sobre mim.
  - Com quantos anos eu tive minha primeira menstruação?
  - Cara, você tá apelando. Eu seria muito indelicado se soubesse uma coisa dessas. Quero dizer, é errado te perguntar isso e eu não li seus diários.
  - Ok, concordo. – falei sorrindo. - Hã, com quem perdi a virgindade da minha boca?
  - O selinho entre você e o Paul quando vocês tinham seis anos conta?
  - Não. – respondi perguntando-me como ele se lembrava daquela besteira.
  - Então foi com o Léo, na sua festa de aniversário de 12 anos.
  - Caramba, Zack, nem vou continuar. Você tem uma memória excelente.
  - Obrigado. – Zachary agradeceu convencido. Ficamos alguns minutos em silêncio enquanto eu processava o fato de que ele provavelmente me conhecia mais do que eu poderia imaginar. A tontura que surgiu do nada minutos atrás já havia passado, para minha sorte, mas agora minha cabeça começava a doer em pontos específicos. Eu não sabia se era reação ao enjoo ou se estava tão preocupada com o fato de Zachary me conhecer tão bem, mas não tive tempo de tirar todas as conclusões que gostaria. Zack interrompeu meus pensamentos dizendo:
  - , sobre o baile dos estudantes...
  - Sim? – falei incentivando-o quando ele se interrompeu e permaneceu calado.
  - As meninas que convidam, né?
  - É.
  - Você convidou quem?
  - Eu só vou como organizadora, então não vou ter tempo de dançar nem nada disso. Nem convidei ninguém. Por quê?
  - É que a me chamou para ir e eu ainda não aceitei.
  - Ué, e por que não aceitou ainda?
  - Eu disse a ela que ainda não sei se vou. – ele respondeu inseguro olhando para suas mãos.
  - E esse é mesmo o motivo para não ter aceitado?
  - Sim. – Zachary respondeu e suspirou. – E não.
  - Sim e não?
  - Sim, porque baile não é mesmo a minha praia e a minha banda não vai tocar, o que me livra da obrigação de ir... E não, porque eu até iria se fosse outra garota, qualquer outra.
  - Não entendi, Zack. A é doida... – mordi minha língua quando percebi que estava prestes a confessar os sentimentos de pelo garoto. - ...por bailes. Ela é linda, inteligente, te conhece a vida toda e tá na cara que você gosta muito dela. Por que você iria com qualquer outra menina, mas não quer ir com ela?
  - , eu sei que a gosta de mim de um jeito diferente do que eu gosto dela. E essas coisas complicam a minha vida. Eu não quero iludir a . Já tentei sentir o mesmo por ela, mas não dá. Eu sei que ela é linda, atraente, inteligente e divertida, mas não consigo vê-la de outro modo além de como uma amiga.
  - Zack, minha mãe sempre me dizia que as pessoas ocupam na vida da gente o espaço que deixamos que elas ocupem. Tem certeza que ver a só como amiga é algo tão inevitável assim? E eu me pergunto... Se as coisas são mesmo dessa forma, por que você ilude tanto a garota?
  - Eu estou iludindo a ? – Zachary perguntou chocado.
  - Zack, você já reparou em como abraça ela, como sorri para ela, como a elogia...? Quero dizer, olhando de fora, parece que você gosta dela de um jeito diferente do jeito que gosta de mim ou da .
  - Você pensa que gosto de você do mesmo jeito que gosto da e da é diferente?
  - Bom, é o que suas atitudes demonstram. – dei de ombros. - Eu acho que você gasta energias demais dizendo para você mesmo que a é só uma amiga e não se permite testar as outras possibilidades.
  - E você acha que eu devo tentar fazer isso? – Zachary questionou depois de pensar por um minuto no que eu disse.
  - Por que não?
  - Porque se eu continuar vendo a só como amiga, ela quem vai sair machucada, .
  - Acho que a prefere isso a passar o resto da vida sem te ver tentar sequer uma vez.
  Zack ficou em silêncio um instante. Eu queria muito ler a sua mente naquele momento, mas sabia que não era capaz de lidar nem com os meus próprios pensamentos – pensamentos esses que faziam minha cabeça latejar mais a cada segundo que passava. Meus sentimentos por Zachary nunca foram bem definidos para mim, mas de uma coisa eu tinha certeza: ele não era meu irmão e eu não queria que fosse. Zack era maravilhoso e me tratava com tanto respeito e carinho quanto era de se esperar de alguém que tenha seu próprio sangue. No entanto, como você pode sentir apenas coisas fraternais por alguém que te atrai fisicamente de um jeito tão irremediável? Sim, porque eu já havia tentado não me afetar pelo cheiro, pelo rosto, pelos gestos e pelo toque de Zachary, mas não havia conseguido até aquele dia. E, de certa forma, eu sabia que não conseguiria nunca. Por outro lado, havia também. O que, afinal, eu queria com ele? Amizade, sim. Mas por que ele me afetava de tantas outras formas também?
  Tomei dois comprimidos de Tylenol na esperança de espantar a dor de cabeça esmagadora, e deitei-me para dormir aquela noite pensando em Zack e em , ao mesmo tempo. Eu sabia que sentia coisas muito diferentes e extremamente semelhantes pelos dois. Mas não sabia o que faria com aquilo nem naquela noite nem quando fosse impossível ficar apenas na dúvida. Porque se tinha uma coisa que eu sabia era que mais cedo ou mais tarde a vida obriga a gente a entender a si mesma, a fazer escolhas, a ser sincera consigo própria e com as pessoas. E nenhuma decisão é possível adiar para sempre. Se eu tivesse que escolher entre Zack e em algum momento, no entanto, com qual dois ficaria?

Capítulo X

  - O baile é daqui a 10 dias. Nós temos que ir ao shopping hoje comprar nossos vestidos. – comentou enquanto eu, ela e pegávamos nossas coisas no armário antes da primeira aula daquele dia.
  - Eu quero encontrar um vermelho bem impactante. – comentou empolgada.
  - Cara, eu nem acredito ainda que o Zack vai comigo! Quando eu o convidei e ele me perguntou se poderia pensar porque ainda não sabia se iria ao baile, eu achei que ele diria não.
  - Ele seria muito idiota se dissesse isso, . – falei e passei o braço sobre o ombro da minha amiga. Ela sorriu para mim em resposta.
  - Sobre o que as meninas estão fofocando? – Alex perguntou de trás de nós fazendo pular de susto e saltar para seu pescoço enchendo-o de beijos.
  - Vamos fazer compras hoje depois das aulas. – disse.
  - Você quer que eu leve vocês até o shopping? – o namorado da garota ofereceu.
  - Obrigada, Alex, mas Zack vai me emprestar o carro dele hoje. – respondi.
  - Eu vou o quê? – Zachary apareceu de algum lugar questionando.
  - Me emprestar seu carro hoje e ir embora de carona com algum dos meninos. Não é culpa minha se meu pai disse que meu carro só vai rolar no meu aniversário.
  - Não se preocupe com isso, . O Alex vai adorar me levar pra casa hoje, né não, Alexzinho? – Zack apertou a bochecha de Alex enquanto o chamava do apelido tosco.
  - Sai pra lá, Merrick! Não vou dividir meu namorado com você. – defendeu seu patrimônio.
  - Comigo você já divide, né, ? – Jack comentou quando finalmente apareceu com Rian. O sinal da escola soou então e tivemos que adiar o resto da bagunça para a hora do intervalo.

  Minha segunda aula na quarta-feira era Trigonometria – o terror de toda a minha vida acadêmica. Não que eu não gostasse da Matemática e suas facetas, mas eu definitivamente fugiria de algumas coisas se pudesse, e isso incluía figuras, ângulos e incógnitas. Apanhei meu livro dentro da mochila, abri meu caderno da matéria e estava escrevendo meu nome no meu dever de casa para entregá-lo à professora Margarett – ela era uma das poucas que gostava de ser chamada pelo primeiro nome, mas isso não significava que suas aulas eram mais agradáveis -, quando a voz dele soou dentro da sala:
  - Bom dia, pessoal. – ele parecia uma miragem, de modo que quase pedi a Zack, na mesa ao lado, para me beliscar porque eu deveria estar sonhando. – A Srta. Germain tirou licença por tempo indeterminado e enquanto isso eu vou cobrir as aulas dela. Para quem ainda não me conhece, como eu coloquei no quadro, meu nome é Adams. Espero que eu consiga ajudar com a Matemática até o final do semestre. – ele completou com um sorriso. - Bom, vou começar a aula então. E os deveres de casa... Podem deixar sobre a minha mesa, mas levantem de um a um para fazer isso, para evitar confusão.
   era meu novo professor de Trigonometria. Isso não estava acontecendo. Não podia estar acontecendo. – Era o que eu repetia para mim mesma a cada dez segundos.
  - Com o dando aula pra gente, estamos felizes com Matemática agora. – Zack comentou ao meu lado com um sorriso de orelha a orelha na face.
  - Ele é bom professor assim?
  - Você vai ver.
  Encarei as costas de enquanto ele escrevia no quadro. Lembrei-me da primeira vez que vi sua letra – ele havia me escrito um cartão de Natal, que me entregou junto com o livro Persuasão, de Jane Austen, meu preferido agora. E daí me veio à mente como ele estava desesperado para encontrar outro trabalho logo. Eu teria sorte por ter aulas com uma pessoa tão bacana - um amigo - e, pelo que Zack disse, alguém super competente no que fazia. Mas e se eu estivesse mesmo apaixonada por ? Passar uma hora por dia, quatro vezes por semana, vendo-o na escola não me ajudaria muito a superar isso. Porém, eu deveria ser sincera comigo mesma: correr com ele todas as noites por uma hora, a sós, não estava contribuindo para não confundir meus sentimentos por ele também. Portanto, que diferença faria neste sentido ele ser meu professor agora? O máximo que eu havia conseguido era me apaixonar pelo meu professor.
  Quando eu pensei que não era possível me enrolar de novo, lá estava eu, mais confusa do nunca.

  - Ai! – resmunguei quando a garota do time adversário acertou a bola de vôlei com força na minha cabeça.
  - Desculpe! – ela gritou do outro campo e eu fiz gesto com a cabeça indicando que estava bem. Mas eu não estava tão bem assim. Minha cabeça girou várias vezes e a dor que se seguiu me deixou desnorteada. Isso que eu ganhava por ficar pensando em como o professor de Trigonometria era lindo e encantador em vez de me concentrar na partida da aula de Educação Física!
  O outro time sacou de novo e eu recebi o saque da melhor forma que pude sentindo tonteira e dor de cabeça. Felizmente consegui manter a bola em jogo e meu time fez um ponto. Era minha vez de sacar, então peguei a bola e corri para a linha de fundo. Olhei para as meninas no outro campo e minhas vistas se embaralharam – enxerguei duas de cada uma até que minha visão desapareceu, voltando praticamente ao normal segundos depois. Sacudi a cabeça de um lado para o outro, e levantei a bola para dar a pancada tentando ignorar o transtorno momentâneo, mas meu outro braço formigava e eu mal podia controlá-lo devido à dormência. Como se tivesse sido atingida por outra bolada, minha cabeça doeu com uma pontada forte e senti meu corpo despencando no chão quase em câmera lenta.
  A próxima coisa de que me lembro foi de acordar na arquibancada cercada de garotas e com a professora de Educação Física chamando o meu nome.

  - Vamos te levar para a enfermaria. – a Sra. Fox disse ajudando-me a sentar.
  - Não é necessário. Eu estou bem. Acho que minha pressão caiu, alguma coisa assim... – respondi odiando a ideia de ter a Sra. Stewart cuidando de mim. Ela era conhecida por não ter paciência alguma e eu não precisava de ninguém gritando comigo naquele dia.
  - Vou avisar ao seu pai sobre isso, Srta. . E tentem ser mais cuidadosas no jogo, meninas. A bola deve ter contato com as mãos, no máximo os pés. Não queremos que ninguém se machuque, certo? – a professora disse com sua voz firme de sempre e todas nós concordamos com um “certo”. – E você vá pro chuveiro e está dispensada. – ela disse para mim e saiu da quadra a passos rápidos, provavelmente indo providenciar que meu pai fosse avisado do meu desmaio repentino.
  Tomei um banho refrescante no vestiário da escola, o que fez com que eu me sentisse bem melhor. Minha cabeça ainda doía um pouco, mas já sentia aquilo há tanto tempo que nem percebia mais. Apanhei minhas coisas e fui para a arquibancada do campo de futebol americano, onde Zack fazia aula com os outros meninos da nossa turma de Educação Física. E era tão lindo vê-lo naquele uniforme jogando quanto era ver dando o show que chamava de explicação na aula de Trigonometria.
  - Ué, está matando aula? – Zachary me perguntou quando passou por mim para ir ao vestiário para se lavar antes do fim das aulas do dia.
  - Não, eu tive uma queda de pressão durante o jogo de vôlei e fui dispensada mais cedo.
  - Caramba, , você está bem? – Zack questionou preocupado colocando a mão na minha testa automaticamente.
  - Estou, relaxa. Essas coisas acontecem...
  - Não acontecem se você se alimenta melhor. Eu disse que estava comendo pouco no almoço, não disse?
  - Deixa o sermão para o meu pai, por favor, Zack. Agora vai lá tomar banho. Vou te esperar perto dos armários com as meninas, ok?
  - Certo. – ele sorriu para mim e correu para o vestiário dos meninos.

  A ida ao shopping com e foi fantástica. encontrou um vestido vermelho curto, tomara que caia, justo no busto e com a saia mais soltinha, que valorizou bem as suas curvas e que se pudesse ser descrito em uma palavra esta com certeza seria impactante. comprou um vestido verde claro, um palmo acima dos joelhos, de alças finas e com o decote em formato de coração; a cor da peça valorizou os olhos dela e eu já sabia que deveria começar a me preparar para o anúncio de namoro de e Zachary depois daquele baile. O vestido que escolhi para mim era preto, com decote em V e tão curto quanto o de ; assim, consegui realçar a cor da minha pele e ainda exibir a parte mais bonita do meu corpo – minhas pernas.
  Decidimos lanchar no McDonald’s antes de irmos embora, e lá encontramos uma Hanna feliz porque iria com Rian à festa. Todas nós fomos juntas à melhor loja de sapatos, de acordo com as meninas, que ficava no centro de Baltimore e escolhemos as melhores – e mais caras – sandálias disponíveis. disse que não poderia comprar mais nada além daquilo até o baile de formatura, eu mesma torrei toda a minha mesada para completar o dinheiro que meu pai havia me dado, abriu mão de economias, e Hanna era filha de um dos professores da Universidade Johns Hopkins, então não precisou fazer sacrifícios.
  - Você vai mesmo ficar sozinha na festa, ? – Hanna perguntou enquanto colocávamos as sacolas no porta-malas do carro de Zack.
  - Eu estou ajudando na organização do baile, Han. Vou andar o tempo todo de lá pra cá vendo se há bebida e comida para todo mundo, se a serviçal está cuidando mesmo do banheiro, se ninguém está colocando vodca no ponche... Essas coisas chatas.
  - Resumindo: ela vai perder toda a diversão para trabalhar duro. – comentou.
  - Eu gosto de ajudar na organização. – falei sinceramente.
  - Você deveria entrar para a comissão de formatura. Sério, com as suas dicas baseadas nas festas e cerimônias de New York que frequentou, a nossa graduação ficaria bem mais emocionante. – Hanna sugeriu.
  - Vou pensar no assunto.
  - Não pense. Ficaria tudo mais bem feito com a sua ajuda mesmo, , mas já basta perder um baile. Na formatura você deve tirar o atraso e curtir a festa. – aconselhou-me.
  De certa forma, a estava certa. Eu realmente havia tomado uma boa decisão ao me voluntariar em ajudar com o baile dos estudantes, uma vez que precisava mesmo ocupar a minha mente com alguma outra tarefa quando entrei para o time de alunos organizadores. No entanto, eu estava mais cansada a cada dia e já não via a hora de tornar minha rotina mais leve.

  - Por que não me contou que era o mais novo contratado da Baltimore High? – dei um soco no braço de enquanto dizia isso assim que o vi aquela noite, antes de nossa corrida noturna.
  - Não deu tempo. Me ligaram ontem à tarde me convidando para uma entrevista com o diretor porque a Srta. Germain disse, depois de encerrar as aulas da manhã, que a partir do dia seguinte não iria mais. Ela perdeu uma tia no final de semana e está com sobrecarga emocional, então precisou se afastar das salas de aula pelo resto do semestre, pelo menos. E como não saímos para correr ontem à noite, nem pude te contar.
  - A sabia? Ela poderia ter me dito.
  - Eu quis fazer surpresa para ela e não contei. – deu um sorriso de lado provavelmente se lembrando da reação de sua irmã ao vê-lo entrar na sala de aula como professor.
  - Está certo. Vou te perdoar porque você é um ótimo professor. Pela primeira vez na vida eu entendi alguma coisa de Trigonometria.
  - Bom saber disso. Mas vamos aumentar o ritmo dessa corrida. Você está cada vez mais lenta, sabia? – cutucou minha cintura e começamos a correr de verdade.

  25 de Março de 2006: o dia do baile dos estudantes na Baltimore High School.
  Acordei bem cedo e parti para o colégio, onde a decoração seria montada no grande salão de festas dentro do campus, com capacidade para duas mil pessoas e um jardim lindo com uma fonte aos fundos. Quando terminamos de posicionar as mesas, tampar as janelas necessárias para escurecer o ambiente para a boate, instalar os jogos de luzes e montar o bar (onde só seriam servidos coquetéis sem bebida, já que todos os alunos eram menores de 21 anos), eu já pude começar a entender porque as festas no colégio eram a melhor coisa da cidade, conforme me dissera em nossa primeira conversa quando me mudei para Baltimore.
  - O karaokê vai ficar perto do som, no palco. – eu disse ao DJ quando ele me perguntou onde montaria esta parte do equipamento.
  - Existe alguma chance da banda do seu irmão tocar esta noite, ? – Phoebe, uma das garotas que também estava na organização do baile, me perguntou com um sorriso e esperança no olhar.
  - A ideia do karaokê é induzi-los a isso. Quem sabe, né? – pisquei para Phoebe e fui até a professora de Teatro, a Sra. Quim, para perguntar se eu estava dispensada ou se faltava aprontar mais alguma coisa.

  Eu não queria estragar o clima para Zack e , então pedi uma carona a , que como professor da escola deveria estar presente em todas as ocasiões festivas e, portanto, também iria para o colégio aquela noite. Na verdade, eu estava num debate interno com relação a Zachary e . Eu havia praticamente induzido Zack a pedir a garota em namoro, semanas atrás quando ele me perguntou se deveria ir com ela ao baile. E eu sabia que havia agido corretamente, porque não era nem mesmo justo que eu ficasse com Zack. A era linda, tinha tudo a ver com ele e o amava de verdade há muito tempo. Além disso, meu irmão-emprestado merecia mais do que uma garota confusa que não sabe exatamente de que forma o ama, nem se quer ficar com ele ou com o vizinho. Portanto, mesmo que ver Zachary com fosse me magoar de algum jeito, mesmo que eu estivesse abrindo mão da pessoa que realmente desejava, eu não via como agir de outro modo.
  - Você está linda. – disse com os olhos arregalados e um sorriso bobo no rosto quando abri a porta de entrada de minha casa para ele.
  - Obrigada, . Você também está perfeito. – respondi sinceramente ao vislumbrá-lo dentro de um terno grafite risca de giz, com uma camisa social preta e gravata na cor vinho. Se é que era possível, ele estava ainda mais divino do que o normal. Seu perfume leve, mas marcante, ocupou toda a sala e eu já estava começando a imaginar formas de agarrá-lo às escondidas na festa.
  - Obrigado. – ele agradeceu ruborizando.
  - Vou só pegar a minha bolsa e reforçar o gloss, ok? Um minuto. – eu disse e subi as escadas rapidamente.
  Quando alcancei o corredor do andar de cima, quase esbarrei em Zack. E prendi a respiração automaticamente ao fitá-lo. Zack trajava um terno moderno preto com colete, o que foi suficiente para me fazer babar. Ele segurava a gravata verde-claro em uma das mãos, o nó ainda não estava pronto, mas era só o que faltava para completar o visual perfeito. Seu cabelo estava arrumado igual ao do Jack, em Titanic, mas, surpreendentemente, ele estava ainda mais lindo que o Leonardo de Caprio na ocasião.
  - ! Graças a Deus! Diz que você sabe dar nó em grava, diz! – ele implorou juntando as mãos como que estivesse prestes a rezar.
  - Eu sei. Vem cá, vou te ajudar. – peguei Zachary pela mão e o levei até seu quarto. Eu entrava no quarto de Zack muito raramente, mas o lugar nunca mudava: sempre estava uma zona e cheirando ao creme de barbear importado dele. Pensei que teria que pedi-lo para se sentar na cama para ficar mais fácil para mim, dada nossa diferença de altura, mas meu salto de 10 centímetros compensou bem isso e foi possível fazer o nó com meu “irmão” de pé mesmo. Eu quis enrolar para terminar a simples tarefa, mas o perfume de Zachary estava me deixando desnorteada o bastante para começar a fazer meu juízo evaporar. – Pronto. – declarei por fim.- Nossa, ficou ótimo. Obrigado, . – Zack olhou-se no espelho de seu guarda-roupa e sorriu para mim.
  - Por nada. Divirta-se no baile. – ele agradeceu de novo, e então corri para o meu quarto para apanhar minha bolsa e ser levada à festa por .

Capítulo XI

  Zachary Merrick

  Pensei que estava no paraíso, no céu ou em algum lugar onde fosse possível ver anjos quando coloquei meus olhos nela. Agradeci a Deus sinceramente por nós dois estarmos na Terra e me questionei de novo de onde eu havia tirado tanta sorte para dormir só a alguns metros de distância de uma criatura tão perfeita.
   estava linda dentro daquele vestido preto decotado e que exibiam suas pernas esculpidas pelo Senhor. Ela provavelmente não havia percebido como sua aparência seria capaz de provocar uma guerra nuclear se os presidentes dos Estados Unidos e da China a vissem naquela noite, mas eu certamente percebi como irmã-postiça estava ainda mais maravilhosa do que o de costume. Por que a filha de Steve tinha que ser exatamente o meu tipo – altura perfeita, cabelos castanhos compridos, pele clara e magra de um jeito que a tornava real e ao mesmo tempo divina? Ou eu tinha muita sorte por poder admirá-la todos os dias, ou era muito azarento por não poder tentar conquistá-la.
  - ! Graças a Deus! Diz que você sabe dar nó em grava, diz! – eu disse quando consegui parar de babar em depois dela quase esbarrar em mim quando nos encontramos no corredor do andar de cima de nossa casa. Minha vontade na verdade era dizê-la que eu deveria levar a ela e não à naquela festa ou simplesmente agarrá-la e ceder ao que meus instintos pediam. No entanto, eu era covarde demais para fazer qualquer uma das duas coisas. De qualquer forma, não só apoiava como agia a favor de me juntar a . E o pai dela também arrancaria o meu fígado se eu lhe tocasse.
  - Eu sei. Vem cá, vou te ajudar. – ela respondeu sorrindo e me puxou para dentro do meu quarto.
   se posicionou na minha frente – eu só estava cinco ou sete centímetros mais alto do que ela por causa de seus saltos, então ficamos perfeitos se olhados juntos – e passou a gravata por trás do meu pescoço enquanto fazia o nó. Eu teria tirado o terno para ser possível levantar a gola da camisa, mas ela devia estar com pressa demais porque não me pediu para fazer isso. E enquanto modelava a gravata no meu pescoço, eu me peguei mergulhando no decote dela. Quando percebi o que estava fazendo, desviei o olhar e cantarolei mentalmente, temendo que ela me perguntasse o que eu estava encarando.
  - Pronto. – ela falou depois de alguns segundos.
  - Nossa, ficou ótimo. Obrigado, . – agradeci sinceramente olhando a gravata colocada por cima das minhas roupas e já começando a acertar os últimos detalhes para ficar impecável.- Por nada. Divirta-se no baile. – sorriu para mim.
  - Obrigado. – respondi sorrindo para ela em resposta.

  - Boa noite. – me cumprimentou com um sorriso enorme estampado no rosto assim que abriu a porta de sua casa para mim.
  - Boa noite. Você está linda. – Eu disse sinceramente, o que pareceu até bobo de tão óbvio. era linda; dizer que ela estava linda nem soava certo, na verdade. E com certeza sabia escolher as roupas que usava! Eu poderia passar o resto da noite olhando para , se não estivesse naquela festa também.
  - Obrigada. Você está lindo também, Zack.- Isso é pra você. – passei a pulseira de flores, bem típica de bailes, para . O objeto ainda estava dentro da caixinha. pegou a caixa, tirou a pulseira de dentro e então levou a embalagem até a mesinha próxima à porta de sua casa. Ela voltou com o adereço nas mãos e o estendeu para mim, para que eu colocasse em seu pulso, e foi o que fiz.
  - Obrigada. – esticou a mão para fitar o singelo presente que era minha obrigação lhe dar, e me senti culpado por ter pensado na filha do meu padrasto a noite toda, até aquele instante.- Então, vamos? – perguntei oferecendo meu braço a ela.
  - Vamos. – respondeu pegando meu bíceps com a mão. E, naquele momento, prometi a mim mesmo que faria o que havia me sugerido semanas atrás, quando lhe perguntei se deveria ir com a àquele baile ou não: eu tentaria me apaixonar por .

  - Casa comigo, Zack? – Jack me perguntou assim que eu e o cumprimentamos.- Ôua, Barakat, sai fora! Cadê sua acompanhante... Ou melhor, SEU acompanhante, né? – questionei provocando uma risada em e um olhar sério de Jack.
- Eu vim com uma MULHER, tá legal? A Kara quem me convidou, não lembra?
  - Ah é! Nem somos rockstars de verdade ainda e você já está se dando bem, hein? É, porque só assim pra Kara aceitar te aturar uma noite inteira por livre e espontânea vontade.
  - Ou ela pode ser masoquista também. Ou louca... – comentou e eu gargalhei.
  - Hahaha. Muito engraçadinho, dona . Vou esperar a minha acompanhante na porta do banheiro feminino que lá deve estar mais interessante do que ter vocês dois alugando meu ouvido. – Jack resmungou e andou em direção ao banheiro, mas parou no meio do caminho quando encontrou um garçom servindo bebidas. Eu e passamos mais alguns segundos rindo dele e então apareceu com e Alex.
  - Olha quem eu achei dando uns amassos no estacionamento! – disse e apontou para o casal feliz.
  - Que isso, galera, são oito horas da noite. Essas coisas são para depois das uma da manhã, quando os professores já foram embora e o vigia do estacionamento está quase dormindo no quartinho da guarita. – falei balançando a cabeça de um lado para o outro como quem se negava a acreditar que Alex e pudessem ser tão depravados. Quando olhei para o meu lado, estava fazendo a mesma coisa.
  - Você vai mesmo acreditar em tudo o que essa vaca diz, Merrick? – rolou os olhos.
  - O Alex não deve ser assim tão... esperto também, né, ? – sussurrei o comentário para minha vizinha, mas o grupo inteiro ouviu e as pessoas que passavam por perto também.
  - A minha vida sexual e do Alex não te interessa, Zachary. Vai cuidar da sua vida e tomar uma atitude antes que eu lhe dê uns tapas. – a garota respondeu séria, mas eu sabia que não havia conseguido estressá-la o máximo possível ainda. No entanto, me lembrou dos meus objetivos para aquela noite – passar tempo hábil a sós com -, então decidi deixá-la em paz.
  - Nós vamos aproveitar a boate incrível que a montou pra gente então e dançar. Até mais. – puxei pela mão e nós fomos nos acabar na pista de dança.

  - Eu já ouvi essa música em algum lugar... – comentou quando a música Everything de Life House, uma das minhas bandas favoritas, começou a tocar.
  - Smallville? Esteve na trilha sonora da primeira ou segunda temporada, se não me engano. Desenterraram essa do fundo do baú.
  - Deve ser coisa da . Ela ouve as suas músicas no seu carro todos os dias. Com certeza conhece suas preferidas.
   poderia ter razão, mas gostava da série também, então talvez fosse escolha dela porque era uma música que ela curtia.
  - Pode ser... Me concede esta dança? – estendi minha mão para e fiz uma reverência.
  - Todas as que quiser, Zachary. – ela respondeu e pegou minha mão.
  Abracei e ficamos dando curtos passos de um lado para o outro – o mais apropriado para uma música tão romântica. Fechei os olhos e me concentrei no momento, no cheiro de morango dela, em sua respiração no meu pescoço, em suas pequenas mãos que eu podia sentir tremendo no meu braço e no meu ombro... merecia encontrar aquele que a faria feliz, e o que eu mais temia era não ser essa pessoa, e, ao contrário, ser quem a fizesse sofrer. Antes de entrar na minha vida, eu havia cogitado a possibilidade de ficar com , principalmente quando percebi os sentimentos dela por mim. No entanto, conhecer me mostrou que o meu desejo de ficar com a era fraco demais para que fosse o suficiente para ela. E ali estava eu naquele momento - simplesmente porque me dissera para tentar com e porque havia me ferido escutar isso - procurando seguir o conselho dela e fingir que ela não me afetada de nenhum jeito.
  - Em que está pensando? – perguntou alto o bastante para que eu ouvisse quando a música já estava chegando ao fim.
  - Em nós dois. – respondi.
  - Em que sobre nós dois? – ela questionou ainda mais curiosa.
  - , eu não sei se o que vou fazer agora será um começo ou um fim, mas se não quiser saber, não me ajude a continuar, ok? – eu disse seriamente olhando no fundo dos olhos dela e interrompendo nossa dança.
  - Ok. – ela sussurrou e sorriu.
  Eu me inclinei para e me aproximei de seus lábios o bastante para constatar que seu hálito era tão bom quanto o seu perfume – tuti-fruti e frutas vermelhas. E ela completou a distância que nos separava iniciando nosso primeiro beijo. Foi um dos melhores beijos da minha vida – nós com certeza tínhamos química e sincronia, e era tão atraente que nem se eu quisesse não acabaria afetado por aquele momento. Eu percebi, quando nossos lábios se separaram, que eu poderia conviver com aquilo bem e ser feliz daquela forma – junto com ela. Mas não houve o suor nas palmas das mãos, não houve a vontade de pegá-la no colo e sair correndo dali, não houve o medo aterrorizante daquele ser o último beijo. Tampouco eu consegui ignorar a “goteira Danielle” no fundo de minha mente.
  - Você não sabe o quanto eu esperei por esse dia. – disse no meu ouvido quando eu a abracei depois de nos beijarmos.
  Não consegui responder porque eu não sabia o que falar. O que eu diria? Foi maravilhoso, mas não foi completo? Jamais falaria uma coisa dessas para uma garota, principalmente para a . Então, eu só a abracei mais forte e esperei até que ela me soltasse e dissesse sua próxima frase:
  - Certo, vamos pegar alguma coisa para beber agora.


  

  Eu sabia que aquilo acabaria acontecendo. Na verdade, eu era a responsável por aquilo ter acontecido. Zack praticamente me pediu para decidir por ele se a resposta para a pergunta “devo ir à festa com ?” era sim ou não. E eu havia decidido – a resposta foi sim. Agora estava usufruindo os benefícios da minha ajuda. Eu, por minha vez, me amaldiçoava a cada segundo mais por não ter sido sincera quando tive a chance.
  Não conhecer a si mesma ou ignorar o que sua mente lhe diz o tempo todo com certeza não gera bons sentimentos depois. Eu pensei que conseguiria ver e Zachary juntos de mãos dadas, trocando beijinhos ou dando um amasso no meio da pista de dança para quem quisesse ver, mas eu definitivamente não entendia o tamanho do sacrifício que seria suportar aquilo. Cortava como uma lâmina afiada rompendo a minha pele constatar que Zack não era meu e nem poderia ser. Pensar isso quando era só teoria já era difícil, no entanto, eu tinha a opção de não me concentrar na informação porque ainda não havia se concretizado, não era uma realidade. Sentir isso pesar e transformar-se em um fato dentro de mim agora fazia minha cabeça rodar e doer intensamente – tanto que eu podia sentir outro desmaio se aproximando. Sentei-me na escadinha do caminho que dava para a fonte dos fundos do salão de festas e apoiei minha cabeça nos meus braços, sobre o meu colo. Eu estava prestes a começar um acesso de choro e destruir toda a minha maquiagem pouco antes do fim da festa quando ouvi a voz dele perto de mim.
  - Muito cansada? – me perguntou com um sorriso, pelo que seu tom indicava.
  - Na verdade, sim. – respondi com a voz arrastada.
  - Vou pedir a Sra. Quim para dispensá-la e vou levá-la para casa. – ele disse e ouvi seus passos ao meu lado, subindo as escadas.
  - Não é preciso, . Eu tenho que ficar até o final e ainda verificar quantos copos foram quebrados, essas coisas. – falei levantando minha cabeça para olhá-lo.
  - Há outras pessoas para fazerem isso, . O cansaço está estampado na sua cara e pela sua palidez você não está passando muito bem também. Vou te levar para casa agora e não questione. Me espere aqui. – meu vizinho disse tão firme que, mesmo se eu quisesse, não haveria como contestar.

  - Você está bem, ? Não disse sequer uma palavra durante todo o caminho. – disse quando parou o carro no acostamento em frente à minha casa.
  - Só estou cansada. – menti desanimada até mesmo para desafivelar o cinto de segurança.
  - Hum... – meu vizinho murmurou e ficou um instante em silêncio. – Parabéns pelo baile. Ficou tudo muito bom. Se não der certo como médica você pode se tornar uma organizadora de eventos ou abrir uma empresa responsável por isso.
  - Nem sabemos se eu vou ser aceita em alguma faculdade para fazer Medicina e você já está pensando em segundas opções? – perguntei com um sorriso decidindo cooperar com o diálogo iniciado por .
  - É claro que você será aceita em algum lugar. Se candidatou pra muitas universidades?
  - Todas as que você imaginar nos Estados Unidos da América.
  - Vai dar certo, não se preocupe. Em Maio devem começar a chegar as cartas de admissão. – ele afagou o meu braço e sorriu para mim.
  - Espero que sim. – foi tudo o que eu disse e voltamos a nos encarar, ambos com a cabeça recostada em seu próprio banco.
  - Sabe, eu acho que vou me mudar também quando você e a forem para outro lugar para estudar.
  - Mas você não disse que seu contrato na Baltimore High poderia passar de seis meses para tempo indeterminado? – questionei verdadeiramente confusa com o rumo da conversa. desviou o olhar de mim e encarou o volante do carro a sua frente. – Está arrependido de ter aceitado o emprego na minha escola, ?
  - Não... – ele respondeu rápido demais. – Sim, na verdade. – admitiu depois de respirar fundo uma vez.
  - Não somos alunos bons o bastante para você, professor?
  - Meu motivo para ter me arrependido de lecionar onde você estuda tem nome e sobrenome, . – disse sério.
  - Então, eu não sou uma aluna boa para você?
  - Você é uma ótima aluna. – ele respondeu e suspirou alto. Senti-me uma idiota por pensar que o motivo para que ele estivesse frustrado com o emprego fosse eu. Uma pessoa precisava ser muito presunçosa para acreditar numa coisa dessas! – Na verdade, o problema é exatamente esse. – prosseguiu recobrando minha atenção. – Você é ótima demais.
  - O que...?
  - Quando eu te conheci, logo que você se mudou pra cá, eu percebi que não te enxergava como a , a Hanna ou qualquer outra amiga da minha irmã. Quero dizer, as meninas eram “espécies de Summer”, eram outras irmãs mais novas para mim. Mas eu nunca consegui te ver dessa forma. Você sempre pareceu mais uma amiga minha, da minha idade, vivendo a mesma realidade que eu, mas que também se dava bem com a . E depois que começamos a passar um tempo juntos todas as noites, eu tentei te transformar na garotinha que vejo nas outras garotas, eu juro que tentei. Só que eu fracassei miseravelmente. E quando você terminou com o Mathew, quando passamos horas com você deitada no meu colo chorando por causa dele... Eu soube que uma das coisas que me compeliam a lutar para te transformar em alguém intocável havia desmoronado porque você não tinha namorado mais.
   calou-se por um instante e eu me limitei a encarar o vidro do carro dele chocada demais para dizer qualquer coisa.
  - Eu aceitei o emprego no seu colégio porque eu pensei que havia conseguido nos últimos meses estabilizar meus sentimentos por você e talvez isso me induzisse a te esquecer, pelo menos dessa forma. Mas quando eu te vi hoje tão linda arrumada para essa festa e depois tão vulnerável naquele jardim reclamando cansaço... – ele se interrompeu de novo e quando continuou tinha um sorriso na voz: - A atração que sinto por você e a necessidade enorme que tenho de protegê-la são sentimentos que lembram aqueles que eu tinha pela Emily, mas são muito mais fortes do que eu sequer sonhei que seria capaz de nutrir por alguém. – concluiu e ficou observando suas mãos juntas sobre o seu colo.
  Perguntei-me há quanto tempo devia estar debatendo consigo mesmo sobre se deveria me dizer como se sentia de verdade com relação a mim; eu mesma já havia me questionado várias vezes sobre colocar as cartas na mesa com ele, mas sentir algo por Zack também era o que mais me impedia de fazer isso. Ver Zachary com me abalou tanto quanto ouvir de aquelas coisas. E mesmo que eu soubesse que poderia prejudicá-lo de alguma forma, mesmo que Zack ainda fosse uma preocupação no fundo de minha mente, eu fiz o que me deu vontade naquele momento: desafivelei meu sinto de segurança e beijei meu professor de Matemática. Quantas vezes eu havia sonhado com aquele beijo? Quinze, vinte ou cinquenta? Não importava porque nenhum dos meus sonhos se comparou à realidade. Os lábios de acenderam todos os desejos e emoções que eu era capaz de sentir ao mesmo tempo. Suas mãos apertavam minha cintura com força ao passo que eu acariciava seus cabelos macios enquanto nos beijávamos. Eu precisei nos interromper para recuperar o fôlego, mas os lábios de passaram a tocar o meu pescoço e suas mãos não abandonaram minha cintura.
  Passamos mais alguns minutos nos beijando até que o barulho de um carro passando ao lado do de nos fez acordar para a realidade.
  - Desculpe por ter te agarrado. – eu disse me recostando novamente na poltrona, mas sem me arrepender de fato de ter feito aquilo.
  - Se você não fizesse isso, eu provavelmente faria. – ele respondeu rindo.
  - Eu também estou apaixonada por você, . – Aquilo pareceu tão óbvio naquele momento que eu me perguntei como ainda tinha dúvidas. Era verdade que eu também sentia algo por Zack, e meus sentimentos por ele passavam longe de amor fraternal. Mas o que mais era preciso fazer para comprovar que ocupava uma parte grande demais do meu coração – tão grande que eu não conseguia ignorar?
  - O que vamos fazer, ? Sou seu professor de Matemática até o final de Junho.
  - Então vamos esperar que o ano letivo acabe. Depois disso, que importa o que alguém vá dizer sobre ficarmos juntos? Você nem será mais um pedófilo já que eu faço 18 anos dia 16 de Junho. – ele franziu o cenho quando eu disse a palavra pedófilo, mas limitou-se a assentir. – Eu preciso entrar. – falei sem vontade alguma.
  - Certo. Vá lá e descanse. Durma bem.
  - Tenho certeza de que vou. - respondi e virei-me para abrir a porta do Corolla de , mas ele me puxou pelo braço e me beijou longamente de novo, antes de me deixar entrar em meu doce lar.

Capítulo XII

  - Oi. – Zack me cumprimentou com um sorriso assim que saí do banheiro.
  - Oi. – sussurrei em resposta. Era madrugada e Zachary ainda segurava seu terno em uma das mãos indicando que ainda não havia passado em seu quarto desde que chegara do baile dos estudantes. Eu já havia entrado em nosso lar há um bom tempo, mas estava agitada demais por causa dos beijos que havia dado em para conseguir dormir. Assim, passei quase uma hora no banheiro tirando a maquiagem e desembolando meus cabelos.
  - Chegou em casa há muito tempo?
  - Uma hora ou um pouco mais. Perdi muita coisa da festa?
  - A melhor parte. Acredita que a fez o Alex cantar no karaokê e quando eu dei por mim já estava no palco com ele e o Jack fazendo um cover de Back Street Boys?!
  - Acredito. O karaokê foi ideia minha por isso. Eu sabia que a não ia deixar passar batido. Mas eu estava tão cansada que até me esqueci que ainda não havia visto vocês fazerem um show pra gente. – murmurei sorrindo, mas um pouco decepcionada por ter perdido a melhor parte da festa.
  - Não se preocupe por não ter visto. A -traidora filmou pra te mostrar depois.
  - Por isso que eu amo as minhas amigas! – declarei um pouco alto demais e tampei minha boca com a mão em seguida; acordar nossos pais àquela hora não era uma boa ideia. Zachary riu baixinho em resposta e seguiu para seu quarto.
  - Já terminou no banheiro? – Zack perguntou da soleira da porta do meu quarto, me seguindo quando fui para lá. Eu estava pegando uma blusa de frio dentro de uma das gavetas do meu guarda-roupa e me virei para observá-lo. Meu irmão-emprestado estava mais lindo do que antes da festa, se é que isso era possível. “A felicidade deixa as pessoas mais bonitas”, já dizia a minha mãe. Esse deveria ser o diferencial do “Zachary pré-” para o “Zachary pós-” então.
  - Sim. Ele é todo seu. – respondi e fui até a minha cama ajeitar os edredons para dormir.
  - ? – ele me chamou depois de alguns segundos de silêncio.
  - Oi, Zack.
  - Você estava certa sobre a . Talvez seja melhor arriscar do que passar a vida toda com medo. E acho que ela concorda de verdade com isso.
  - Vocês ficaram hoje à noite, né? – tentei ser o mais casual possível na pergunta, mas, para mim, ela ainda saiu com uma pontada de melancolia.
  - É. Eu não sei se vai dar em namoro, mas não me arrependo de ter feito isso também. O que tiver que ser será, certo? – Zack sorriu amarelo para mim e colocou as mãos nos bolsos.
  - Relaxa, Merrick. Deixa rolar, tá bem? Você se preocupa demais. – rolei os olhos ainda tentando demonstrar indiferença para o fato de Zachary e estarem juntos.
  - Obrigado pelos conselhos. Você é a sábia conselheira oficial do nosso grupão agora por causa disso.
  - Aposto que a concorda com você. – pisquei para Zack maliciosamente.
  - Boa noite. – ele disse corando e puxando a porta do meu quarto atrás de si.
  - Boa noite. – respondi antes que a porta se fechasse.

  - Hoje faz quinze dias desde o baile e sabe quantas vezes nos beijamos desde o dia da festa? Quatro. E todas foram no dia em que o Zack me levou no cinema. – resmungou esparramando-se em sua espreguiçadeira ao lado da de . Nós três, Hanna, Zack, Alex, Jack e Rian estávamos no melhor clube da cidade, do qual os pais de todos nós eram amigos do dono, o que facilitava muito nossas vidas em épocas tão monótonas e em que só queríamos fugir da rotina um pouco.
  - Relaxa, . O Zack até 15 dias atrás só te via como amiga e agora está tentando reverter a imagem que já tinha formado para uma mais complicada. Não adianta querer que isso aconteça da noite para o dia porque essas coisas realmente levam tempo. – comentei e beberiquei minha Coca.
  - O que foi que ele disse mesmo depois da festa quando cruzou com a ? Ah é: “não me arrependo de ter ficado com a ”. Isso no dicionário do Zachary é o mesmo que “eu gostei, mas tô com medo de admitir o quanto gostei”. Você sabe que o Zack é complicado, . Agora respira fundo, coloque os joelhos no chão e reze em agradecimento ao Senhor por ter conseguido pelo menos dar uns beijinhos no Sr. Merrick-Cabeça-Dura. – disse e posicionou os óculos escuros em seu rosto.
  - O que tá me dando medo é que na sexta-feira que vem, ou seja, daqui a menos de uma semana, ele e os meninos, claro, vão pra tal da Warped. E o que será de mim então? – jogou os braços para o alto e depois nos fitou com cara de piedade. Foi mais engraçado do que doloroso seu gesto de modo que eu e rimos alto. – Estou falando sério, amigas najas!
  - , o Alex vai cuidar do Zack e mantê-lo afastado de fãs piriguetes. Meu namorado foi bem treinado, tá pensando o quê? – emendou mais séria. Ela estava feliz e preocupada, ao mesmo tempo, com os resultados que aquela turnê grande que os garotos fariam poderia trazer. E eu tinha certeza que era a confiança de no talento dos meninos e nos sentimentos de Alex por ela que a mantinham tão firme.
  - MARCO POLO, ! – Jack berrou de dentro da piscina próxima a nós e lançou o máximo de água que conseguiu em mim. E foi água suficiente para que minha canga ficasse encharcada e meus cabelos quase no mesmo estado.
  - CARALHO, JACK! – eu, , e Hanna (sendo que esta vinha andando com um potinho de sorvete nas mãos no momento de alouca do Jack) gritamos estressadas.
  - Porra, molhou meu sorvete todo! Você vai me pagar outro, Jack Bassam Barakat! – Han gritou apontando o dedo para o garoto.
  - Vou lá dar um jeito nessa peste, meninas. – falei rindo da situação e tirando a canga molhada. Deixei meus chinelos atrás da espreguiçadeira junto com minha bolsa e corri para piscina. Caí dentro da água com um baque e a temperatura estava ainda mais baixa do que eu esperava.
  - O lance é o seguinte, Barakat. – eu disse e lancei um pouco de água na cara de Jack. Ele protestou rindo. – Corrida de nado de uma ponta da piscina até a outra. Se eu ganhar, você para de jogar água na gente por hoje e paga sorvete pra todas nós.
  - Isso aí, ! – gritou do lado de fora da piscina ainda se enxugando.
  - E se eu ganhar? – Jack questionou empolgado com a competição. Menino mais competitivo que aquele estava pra nascer!
  - Você paga só o sorvete da Hanna porque você quem estragou.
  - Feito.
  Nós caminhamos dentro d’água até a borda mais próxima da piscina e nos posicionamos.
  - Eu dou a largada! – Rian gritou ao passo que corria até nós. Observei Zack e Alex muitos metros atrás de Rian andando até o local da piscina e conversando animadamente entre si.
  Jack e eu nos colocamos a postos e Rian contou de três a zero, de trás pra frente mesmo, com uma lentidão forçada para matar a todos de raiva. E então começamos a nadar.
  Eu era uma nadadora muito boa. Era meu esporte favorito e eu só não havia entrado para um time no Ensino Médio porque conhecera Tiffany e, bom, com Tiffany o tempo ia todo para todas as tarefas do mundo menos o colégio ou algo mais recompensador. Jack nunca havia ganhado uma competição de nado de mim – e já havíamos travado várias por causa do lado do Sr. Barakat que não admitia perder para uma mulher. No entanto, eu comecei a sentir que seria diferente daquela vez quando minhas pernas ficaram dormentes de um instante para o outro dentro da água. De repente, eu não tinha controle sobre os meus membros inferiores mais e todo o meu corpo ficou pesado. Senti o desmaio chegando e abri a boca involuntariamente – a pior besteira que poderia ter feito. Depois de engasgar por alguns segundos, eu simplesmente apaguei.

  - ? , você está bem? – escutei a voz de Zack ao longe chamando meu nome e abri meus olhos para a claridade ofuscante. Senti minha cabeça doer instantaneamente com o excesso de luz.
  - Eu... e-eu estou bem. – murmurei em resposta. – O que aconteceu? Por que está tão claro?
  - Estamos no clube. Você quase se afogou. O Rian percebeu que você não estava se mexendo e te tirou da água. Eu fiz respiração boca a boca e então você acordou. – Zachary tentou me situar. – Não se lembra de nada do que aconteceu?
  - Lembro de desmaiar dentro d’água. E de acordar agora.
  - Vou te levar pra casa pra pedir o seu pai para te levarmos ao hospital. Isso definitivamente não é normal mais. – Zack disse decidido e nem pensei em protestar. Agora eu estava com medo.

  - Eu estraguei o sábado de todo mundo. – resmunguei com a voz rouca enquanto Zack destrancava a porta de nossa casa.
  - Não estragou, não. A culpa não é sua por ter se sentido mal. Mas não se preocupe. Vamos falar com o Steve e daqui a pouco te levamos a um médico. – Zachary respondeu afagando minhas costas e me empurrando para dentro de nossa residência. Desde que eu havia me sentido mal, Zack quase pediu para entrar no vestiário feminino do clube e trocar ele mesmo as minhas roupas de tão cuidadoso que estava.
  - Obrigada, Zack. – agradeci sinceramente. Ele respondeu com um sorriso e digitou o número de meu pai ou de sua mãe no telefone da casa.
  - Mãe?... É, a gente tava, mas a passou mal e eu a trouxe pra casa... Ela está melhor agora, mas eu acho melhor levá-la a um médico... Tá, a gente espera vocês aqui então.
  - O que a Louise disse? – perguntei e bocejei. Provavelmente estava mais cansada do quase-afogamento do que conseguia me dar conta.
  - Disse que vai ligar para o seu pai e os dois já estão vindo pra cá.
  - Hoje é sábado e está quase na hora do almoço, Zack. Ela deve estar atolada de trabalho no restaurante. Já basta incomodar o meu pai...
  - Seu pai está jogando golfe com os amigos. E minha mãe tem funcionários o bastante para darem conta do recado. Relaxa, ok? A família é mais importante do que qualquer outra coisa.
  - Você me considera mesmo da família?
  - Com certeza, . – Zachary respondeu cutucando de leve a minha cintura e me provocando cócegas e arrepios.
  - Sabe, Zack, você é a melhor pessoa que eu já conheci. Você recebeu ao meu pai e a mim de braços abertos na sua vida. Acho que eu não poderia pedir a Deus um irmão melhor. – falei sinceramente com os olhos marejados.
  - Não foi difícil amar você e ao seu pai como se tivessem meu próprio sangue. Vocês são pessoas maravilhosas. Quem tem sorte sou eu. – ele respondeu e sorriu; eu sorri também em resposta. – Sabe, eu gostaria de ser forte como você é.
  - Seu pai abandonou você e sua mãe quando você não tinha nem dois anos de idade e a partir de então vocês só puderam contar um com o outro, até que meu pai apareceu e se juntou à família. Meus problemas surgiram ano passado. Antes disso eu não enfrentei nada difícil demais. Então, acho que você é mais forte do que pensa, Merrick.
  - Mas eu não sei o que faria se perdesse minha mãe, . Provavelmente me mataria.
  - Eu também pensava assim antes de perder a minha mãe. E cogitei essa possibilidade quando ela partiu. Mas então eu imaginei o que ela pensaria se eu tirasse minha própria vida, e descobri que continuar vivendo não era uma opção. Eu tinha que tocar a minha vida, e acabei descobrindo como fazer isso depois de um tempo, quando as feridas já não sangravam mais.
  - Acho que você tem razão... – Zack refletiu pensativo, e então deu um sorriso torto que disparou meus batimentos cardíacos instantaneamente.
  - O que foi? – perguntei imaginando que o sorriso dele nada tinha a ver com a conversa.
  - Eu me lembrei de quando tinha 14 anos e peguei o carro da minha mãe e dirigi até Los Angeles para confrontar o meu pai. Eu nasci lá e sabia que meu pai ainda morava na cidade.
  - O que você disse a ele? – questionei surpresa com a atitude de Zachary.
  - Disse que ele era um covarde e que eu não lhe desejava nada de mal, mas que esperava sinceramente que um dia ele se arrependesse por ter caído fora quando minha mãe mais precisou dele. Ele respondeu que já tinha se arrependido, mas eu não acreditei na época e continuo não acreditando. Se ele tivesse se arrependido mesmo, teria feito alguma coisa para reparar o dano que causou, e eu nunca mais o vi desde então.
  - Você já parou para pensar que alguma coisa pode ter acontecido com ele?
  - Notícias ruins percorrem quilômetros em minutos, . Se alguma tragédia tivesse acontecido com ele, nós acabaríamos sabendo.
  Um silêncio perturbador se instalou na sala depois que Zachary falou isso, até que ele disse que nossos pais estavam demorando muito e ligaria para eles de novo. Mas antes que Zack concluísse a ligação, Louise e Steve passaram juntos pela porta.
  - ! Como você está se sentindo, filha? O que aconteceu exatamente? – meu pai perguntou alarmado e me abraçou forte. Respirei fundo, e comecei o relato sobre meu último desmaio e quase afogamento.

Capítulo XIII

  Não demorou muito para que eu fosse atendida quando chegamos ao hospital. A sala de espera do local estava um pouco cheia, mas a maioria dos pacientes que aguardavam eram crianças, de modo que os clínicos gerais ali de plantão não estavam nem com a metade do trabalho dos pediatras.
  Uma moça vestida de verde da cabeça aos pés anunciou o meu nome e indicou que deveríamos percorrer o corredor até o final. Meu pai mantinha-se ao meu lado o tempo todo, mas Louise e Zack ficaram nos esperando na sala de entrada.
  - Boa tarde. – um rapaz que julguei ter pouco mais que a idade de cumprimentou-nos assim que entramos em sua sala. O jovem médico trajava um jaleco branco de mangas compridas, calça branca e blusa gola polo listrada em tons claros.
  - Boa tarde. – respondemos em uníssono.
  - Sentem-se, por favor. – o médico pediu fazendo o mesmo e apanhando minha fixa. – . O que aconteceu, ?
  - Ela teve um desmaio enquanto nadava. – meu pai respondeu por mim. O médico arqueou as sobrancelhas e me encarou esperando que eu concordasse ou acrescentasse alguma informação, provavelmente.
  - Eu senti cãibra. Quero dizer, foi mais uma espécie de dormência nas pernas enquanto apostava uma corrida de nado com um amigo no clube, e depois disso eu acho desmaiei. Sei que engoli um pouco d’água, mas acho que não dá pra chamar o que houve de afogamento. Os meninos me tiraram da piscina rápido e não demorei a acordar. – expliquei cautelosamente tentando escolher palavras que alarmassem menos ao meu pai.
  - Você sofreu algum desmaio semelhante antes? – Kevin, de acordo com o que a plaquinha sobre sua mesa indicava, questionou enquanto tomava notas do que eu havia dito.
  - Uma vez há algumas semanas na aula de educação física, mas acho que foi uma queda de pressão. Eu tive quedas de pressão no ano passado em algumas ocasiões e desmaiei duas ou três vezes, eu acho.
  - Você também sentiu dormência antes desses outros desmaios?
  - Na aula de educação física, um pouco. Nas ocasiões anteriores eu não me lembro.
  - Você tem sentido dores de cabeça fortes, fraqueza ou sensação de cansaço, lapsos de memória, alguma coisa semelhante a isso?
  - Dores de cabeça sim. Eu sinto há algum tempo, mas estão ficando mais fortes. E lapsos de memória eu não tenho certeza se tive mesmo. Minha memória nunca foi das melhores...
  - Certo. – o médico disse, por fim, com a expressão séria. – Vamos realizar alguns testes básicos agora, ok, ? – ele sorriu para mim ao dizer meu nome, e devo admitir que fiquei mais aliviada quando vi alguma alegria em seu semblante. Meu pai também suspirou de alívio ao meu lado.
  Kevin iluminou meus olhos com uma espécie de mini lanterna que com certeza devia ter um nome mais complicado; mediu minha pressão arterial – e declarou que ela estava perfeita; ouviu meus batimentos cardíacos; pediu que eu respirasse fundo várias vezes enquanto ele pressionava minhas costas; e, por fim, pediu que eu fosse até a sala ao lado e mostrasse um pedido de verificação de glicose para a enfermeira. Minutos depois de termos saído da sala do médico – e depois de uma moça picar meu dedo de leve, recolher algumas gotas do meu sangue, colocá-lo sobre um aparelho e imprimir o valor da minha taxa de glicose em um pequeno pedaço de papel -, nós retornamos com o resultado do exame.
  - Você tem alguém na família que tem a pressão tendendo a ser mais baixa geralmente? – o médico perguntou enquanto anotava mais algumas observações em sua folha que constava meus dados.
  - Não. – meu pai respondeu por mim depois de refletir por alguns instantes e enquanto eu pensava em todos os meus parentes mais velhos para dar uma resposta correta ao doutor.
  - Bom, , eu não acredito que você tenha tido um queda de pressão anteriormente. Várias coisas podem ser a causa dos sintomas que você tem apresentado, mas um diagnóstico preciso só pode ser oferecido depois da realização de alguns exames. Eu vou encaminhá-la para um amigo meu que é neurologista e pedir no encaminhamento que ele te encaixe em um de seus horários o mais breve possível. Esse médico é o doutor Edward e ele é um dos melhores neurologistas de Mayland. – Kevin disse e começou a digitar em seu computador.
  - Mas se é necessário que ela consulte com um neurologista isso quer dizer que o que ela tem pode ser grave, doutor? – meu pai perguntou tentando manter a voz neutra, mas sem muito sucesso; eu podia sentir a preocupação no tom dele.
  - Eu não sei qual é o quadro da ainda, Sr. . Mas o fato dela precisar ser acompanhada por um neurologista não significa que esteja com alguma doença grave. Na verdade, só quer dizer que o órgão que vamos analisar primeiro é o cérebro dela. Se estiver tudo em condições normais aí, o Dr. Edward saberá qual será o próximo passo a ser tomado. – o médico disse fitando meu pai; depois piscou para mim e sorriu. Sorri involuntariamente em resposta.
  Kevin digitou mais algumas coisas e então imprimiu uma folha timbrada com um pequeno texto escrito. Depois, ele carimbou o final da folha e a assinou.
  - Vou receitar um remédio para aliviar suas dores de cabeça constantes, . Recomendo que descanse bastante do “quase-afogamento” de hoje, e não se preocupe com a ardência nos pulmões porque isso estará muito melhor amanhã. – ele disse e escreveu em uma folha pequena também timbrada, carimbou-a e assinou. - Peço que não se preocupem e que vão diretamente ao consultório do Dr. Edward Paxton no centro. Entreguem esse encaminhamento para a secretária dele. Assim, a consulta poderá ser marcada mais rápido. A agenda do Edward é muito cheia, então dessa forma será mais fácil para vocês. – o médico sorriu, passou as folhas para o meu pai e se levantou. Nós nos levantamos em seguida.
  - Muito obrigado, doutor. Na segunda-feira mesmo eu vou até o consultório do Dr. Paxton marcar a consulta dela. – meu pai estendeu a mão para Kevin e sorriu enquanto se cumprimentavam.
  - Obrigada. – agradeci também com um sorriso.
  - Fique bem, . Diga ao médico cada mínima coisa que perturbar a sua saúde, e se cuide, moça. – o jovem doutor disse-me e então caminhou até a porta de seu consultório para abri-la para sairmos.

  Assim que meu pai e eu aparecemos na sala de espera do hospital, Zack e Louise vieram em nosso encontro e perguntaram juntos “o que o médico disse?”. No caminho para casa, meu pai narrou tudo o que houve na consulta e ainda tive que ouvir um sermão sobre não ter contado que estava sentindo dores de cabeça fortes.
  - Eu já cheguei aqui com essas dores de cabeça, pai. Pensei que fosse por causa dos últimos problemas... – tentei me justificar. Meu pai respirou fundo e apenas disse que compreendia, mas que eu não poderia esconder mais nada sobre a minha saúde dali por diante.
  Ainda no carro a caminho de casa, recebi uma mensagem de texto de . Dizia:
  A me disse que você passou mal no clube. Está se sentindo melhor agora? E precisamos nos ver com urgência. Bjs.
  Digitei a resposta assim que terminei de ler o SMS dele:
  Eu estou bem, não se preocupe. Vou a sua casa assim que puder. Beijos <3
  Pouco tempo depois que meu celular informou que a mensagem havia sido enviada, meu pai parou o carro na porta de nossa casa.
  - Nós vamos ao supermercado, mas voltamos logo, crianças. – Steve disse mantendo o veículo ligado.
  - Zack, quero seu quarto arrumado quando chegar. Dê um jeito na sua cama, guarde as coisas espalhadas e coloque a roupa suja no cesto de roupas sujas, ok? Se não tiver pelo isso pronto quando eu for ao seu quarto conferir, pode esquecer até o significado da palavra liberdade até o dia da sua viagem pra Warped. Certo? – Louise comandou seu filho. Zachary rolou os olhos, mas concordou com um “tá bom, mãe”.
  - E você vá descansar, . Nada de corridas hoje nem de clube amanhã ou até segunda ordem. – meu pai tentou imitar o tom de voz autoritário de sua esposa, mas suas palavras saíram carinhosas demais para que isso fosse possível.
  - Tudo bem. – assenti sorrindo e segui para dentro de casa.

  Zachary foi tentar dar um jeito na bagunça de seu quarto, ao passo que eu me esparramei no sofá da sala e zapeei pelos canais até encontrar um que passava um filme que eu não conhecia, mas que me agradou o suficiente para que eu mantivesse naquela emissora.
  - O que você está fazendo aqui? – perguntei depois de quase gritar com o susto que a aparição dele me provocou.
  - Eu precisava te ver. Eu vi que seu pai e a Louise não entraram e decidi aproveitar pra vir até aqui. – justificou-se ajoelhando no chão, aos pés do sofá e à minha frente.
  - O Zack está em casa, . Você está ficando louco? – perguntei segurando de leve seus cabelos acima da orelha esquerda.
  - Estava. Louco de preocupação. E não estou vendo o Zack por aqui... – ele olhou ao redor procurando pelo garoto.
  - Ele está lá em cima arrumando o quarto dele, na verdade.
  - Mesmo se estivesse aqui agora não acho que haveria problema. Aliás, não sei por que não contamos ao Zack sobre nós. Esconder da tudo bem porque é linguaruda e ciumenta, mas o Zachary é de boa.
  - O Zack viaja pra Warped na próxima sexta e daí só volta alguns dias antes do meu aniversário de 18 anos. Não acho que seja necessário envolvê-lo nisso se falta tão pouco tempo pra ser resolvido, entende?
  - Certo. Não vim aqui discutir isso também. O que aconteceu com você? A disse que você desmaiou enquanto nadava...
  - Posso te explicar isso quando Zack descer. Por que não aproveitamos enquanto ele está ausente pra outra coisa mais...
   não permitiu que eu terminasse a frase. Ele me interrompeu com um beijo e, depois de movimentar seus lábios com os meus por alguns segundos, completou o gesto com uma mordida maravilhosa no meu lábio inferior e me abraçou brevemente. No minuto seguinte, ele fingiu que estava chegando à minha casa e sentou-se no sofá para que conversássemos sobre a minha saúde. Zack surgiu na sala enquanto eu começava o relato – ele apareceu no instante que eu dizia que estava apostando uma corrida de nado com o Jack e desmaiei.
  - Eu já ouvi falar no Dr. Paxton mesmo. Seu pai já marcou a consulta? – perguntou com a testa vincada quando cheguei na parte da história em que o clínico do hospital me encaminhou para o neurologista Edward Paxton.
  - O médico não atende aos sábados. Mas meu pai vai à clínica dele na segunda mesmo pra fazer isso.
  - Então, acho que vou ter que te visitar com mais frequência daqui pra frente, né? Caminhar está fora de cogitação por um bom tempo.
  - Posso confessar uma coisa, ? – ele apenas me olhou sorrindo incentivando que eu prosseguisse. – Prefiro que você venha me ver ou eu mesma ir à sua casa para assistirmos um filme do que sair para correr. Há um tempo que meu lado sedentário tem reclamado dessas corridas.
  - A agora dorme mais do que a cama. – Zack comentou e se levantou, retirando-se da sala.
  - Isso não tem nada a ver com os desmaios e todo o resto, né, ? – questionou um pouco alarmado.
  - Não sei. Eu era muito preguiçosa antes da minha mãe morrer, sabe? Talvez só seja o retorno da normal. – sorri e cutuquei o flanco dele.
  - Pega, ! – Zack disse jogando uma latinha de refrigerante para nosso vizinho.
  - Obrigado, Zack.
  - E para a doentinha da casa, temos aqui um suco de laranja natural. – Zachary disse me passando o copo de suco.
  - Obrigada. – agradeci com o cenho franzido. Eu preferia o refrigerante, mas achei melhor não reclamar.
  - E aí, ? Qual é o nome do filme? – Zack perguntou sentando-se entre mim e . Meu pseudo-irmão se esparramou no sofá o suficiente para ficar bem perto de mim, e senti os olhos de nos examinando vez ou outra.
  Embora eu já tivesse certeza quanto aos meus sentimentos pelo meu vizinho seis anos mais velho, isso não significava que a presença de Zack me afetava menos. Pensando nisso, perguntei-me o que poderia haver de errado com o meu cérebro para me aprisionar em uma dúvida daquelas. Eu falava mal de Tiffany, mas era exatamente como ela por cobiçar o rolo/ficante/amor-da-vida/namorado de uma das minhas melhores amigas – merecia aquilo tanto quanto eu merecia os chifres que Tiff e Matt colocaram na minha testa. Na verdade, se pensasse bem no assunto, eu era ainda pior do que minha antiga melhor amiga porque eu já tinha , ou seja, já era apaixonada por alguém, e ainda assim não deixava de desejar Zachary também. Em todos os aspectos – quanto a minha saúde e quanto a mim mesma -, qual era o meu problema, afinal?

Capítulo 14

  - Vou sentir tanto a sua falta... – escutei murmurando para Alex quando Zachary, Louise, meu pai e eu nos reunimos junto aos familiares dos outros garotos do All Time Low na área do aeroporto em que aguardávamos o voo de todos eles. O empresário da banda, Mark, conversava ao telefone a maior parte do tempo, provavelmente fazendo questão de deixar os meninos à vontade para se despedirem de suas famílias.
  Zack já havia se ausentado por alguns dias em outras ocasiões, mas nenhuma ocasião fora sequer perto do que aconteceria agora. Era a primeira Warped do All Time Low. 56 dias de shows junto com outras bandas famosas. Um fato que traria experiência, conhecimento e - com as bênçãos do santo da música - muita fama para aqueles jovens rapazes cheios de sonhos e esperanças. Seria a primeira vez depois de tantos meses que eu ficaria um bom tempo longe de Zachary, e eu já sentia falta dele, embora meu irmão-emprestado ainda nem tivesse partido.
  - O primeiro aniversário que meu bebê passa fora de casa e é justamente o aniversário de 18 anos dele! – Louise reclamou pela enésima vez naquele mesmo dia.
  - Não se preocupe, querida, o Zack não vai aprontar nenhuma só porque estará completando 18 anos. Ele sabe que beber só é permitido a partir dos 21. – meu pai tentou consolar sua esposa.
  - Isso nunca nos impediu de beber quando jovens, meu amor. – ouvi minha madrasta sussurrar para o meu pai, e é claro que Zack tinha plena consciência disso também.
  - Nossa festa conjunta ainda está de pé, né, ? – Jack me perguntou empolgado desviando minha atenção das lamentações de Louise quanto à viagem de Zachary.
  - Claro que está, Barakat. Dia 17 de Junho vamos abalar o melhor salão de festas de Baltimore. Vou cuidar de tudo. Será legendário! – pisquei para Jack e cutuquei sua barriga. Ele corou intensamente e deu a risada mais gostosa que já ouvi na vida.
  Desde que eu passei mal na competição de nado com Jack, ele não foi mais o mesmo comigo. Os paparicos dobraram de intensidade e havíamos passado tanto tempo juntos vendo séries – Jack me apresentou “How I Met You Mother” que se tornou uma das minhas favoritas -, filmes, conversando à toa e fazendo o dever de casa, que Barakat seria outra pessoa de quem eu morreria de saudades durante aquela Warped.
  Aguardamos por quase uma hora até que iniciaram as chamadas para o voo dos meninos. Então, eles tiveram que dirigir-se para a ala de embarque e, portanto, foi necessário nos despedirmos. chorou um pouco abraçada a Alex, mas ambos tinham um sorriso no rosto quando ele se afastou para junto de Mark caminhando até os detectores de metal. Rian abraçou seus pais e beijou Hanna antes de seguir o vocalista da banda – foi então que percebi que o baile dos estudantes havia trazido um elo mais forte do que ambos admitiam. Jack despediu-se de sua mãe com um beijo no rosto e quase me esmagou com um abraço apertado, fazendo com que minhas lágrimas começassem a escorrer nesse momento. E quando abracei Zack como despedida, eu arruinei boa parte de sua camiseta e solucei de tanto chorar – uma reação que não esperava.
  - Quero você 100% saudável quando eu voltar, ok? – Zachary disse na minha orelha antes de me soltar.
  - Ok. – respondi e funguei. Depois disso, ele me deixou, foi até , em quem deu um beijo na testa, e andou pelo mesmo caminho que seus parceiros. Aquela foi a última visão que tive de Zack pelos próximos meses.

  - Caramba, , você chorou mais do que eu. – disse e riu alto. Ela, , Hanna e eu estávamos caminhando até a sorveteria perto da casa de , onde decidimos afogar as mágoas do dia em milk-shakes.
  - Eu sou péssima com despedidas. – justifiquei-me.
  - Deu pra notar... – Hanna comentou, mas também tinha os olhos inchados.
  - Olha só quem está falando. – ecoou meus pensamentos. Eu ri.
  - Vou sentir falta do Jack, ué. – Han falou e deu de ombros.
  - Você devia deixar o orgulho de lado e admitir logo os seus sentimentos pelo Rian, Hanna. Qualquer dia, você vai acabar ficando sem ele por ser tão cabeça dura. – falou com raiva. Eu arqueei as sobrancelhas e arregalei os olhos. assoviou espelhando a minha expressão.
  - E você devia eliminar a inveja do seu coração porque ela não faz nada bem, . Não é culpa minha se a despedida que você ganhou do amor da sua vida Zachary Merrick foi só um beijinho na testa. – Hanna devolveu no mesmo tom. Quando dei por mim, as duas estavam paradas uma de frente para outra batendo boca e as pessoas começavam a encarar a discussão.
  - QUEREM PARAR COM ISSO? – gritou colocando-se entre e Hanna. – Caramba, quanta infantilidade! : não desconte a sua raiva em quem não tem culpa. Hanna: não devolva a agressão sabendo que a está nervosa. Se querem brigar, briguem entre quatro paredes. Não vou vigiar barraco de ninguém!
  Diante das palavras de , e Han bufaram e continuaram andando rumo à sorveteria. As duas partiram na frente murmurando reclamações para si mesmas, ao passo que eu e continuamos andando devagar atrás.
  - Se elas começarem a se estapear lá na frente eu vou fingir que nem conheço. – disse e riu alto.
  - Boa ideia. Fingiremos que não conhecemos essas loucas. – concordei com um sorriso também. O silêncio se instalou entre mim e por um instante até que ela voltou a falar.   - , sua despedida do Zack daquele jeito...
  - Vá direto ao assunto, . – eu interrompi minha amiga. – Você é péssima em disfarçar as coisas antes de começar a falar o que pensa.
  - Certo. – ela concordou e recomeçou: - Você parece mais apaixonada pelo Zack do que a . Pronto, falei. – disse e riu. Eu fiquei chocada demais com a conclusão dela para pronunciar sequer uma palavra. Depois de alguns segundos parada no meio da calçada com me encarando, no entanto, eu decidi arriscar dizer alguma coisa.
  - Eu também estava chorando por causa do Jack. Na verdade, foi quando me despedi dele que fiquei realmente triste. – falei sinceramente.
  - Mas você não respondeu o que eu mencionei. Você está ou não apaixonada pelo Zachary?
  - Fala baixo, ! – sussurrei as palavras e puxei minha amiga para perto de mim. – Se a escuta uma bobagem dessas estando tão nervosa é bem provável que não olhe na minha cara nunca mais.
  - , esqueça a e responda à minha pergunta.
  - Eu não sei como eu amo o Zack. Eu sei que eu o amo, só isso. Vou sentir falta dele imitando os jornalistas da TV enquanto meu pai tenta acompanhar o noticiário. Vou sentir falta de chamar a atenção dele enquanto fazemos o dever de casa para fazê-lo se concentrar. E vou sentir falta das cosquinhas quando eu estou pra baixo. Mas é isso. – Eu disse voltando a caminhar a passos lerdos rumo à sorveteria e deixando de citar o perfume perfeito de Zachary que eu procuraria em seu quarto dali pra frente para não perder aquilo, e as mensagens que ele havia deixado na minha caixa postal e que eu ouviria frequentemente para escutar o som da voz dele.
  - Sabe quando eu descobri que não podia mais viver sem o Alex? – falou me acompanhando.
  - Hum? – lhe incentivei a continuar.
  - Quando nós nos despedimos como amigos na primeira vez que o pai dele decidiu voltar para Londres e levar a família junto. Eu disse pra mim mesma que sentiria falta das brincadeiras que ele fazia para me irritar, de tomar sorvete na gangorra do parque perto da escola e de matar as últimas aulas da sexta para andar de bicicleta. E depois de alguns dias que ele estava fora eu descobri que não conseguia viver sem a presença dele mais. A coisa ficou ainda mais crítica quando eu me peguei comprando o perfume que ele usava e passando nos meus bichinhos de pelúcia para que a fragrância não desaparecesse do meu quarto tão cedo.
  - O que você quer dizer com isso, ? – perguntei preocupada com o rumo da conversa.
  - Que talvez esse afastamento do Zack te ajude a enxergar melhor as coisas. De qualquer forma, os sentimentos estão dentro de você. Mais cedo ou mais tarde, você aprende a entendê-los.
  - Mas e se eu estiver mesmo apaixonada pelo Zachary? E a ? E... – iniciei os questionamentos desesperada com a possibilidade de querer Zack do mesmo jeito que eu queria .
  - Descubra primeiro o que você sente. Depois, pense no que vai fazer com isso e com os outros fatores envolvidos. – concluiu me interrompendo.
  - Que outros fatores? – perguntou de supetão enquanto eu ainda pensava no que dissera, e eu estava tão submersa nas minhas reflexões que nem percebi sua aproximação.
  - Estávamos falando sobre a consulta da na quinta que vem com o neurologista, se é o que você quer saber, . – mentiu naturalmente.
  - Hum... E vocês vêm ou não? Estão andando feito duas lesmas. – emendou e cruzou os braços.
  - Não estamos com o pai na forca. Pode ir pedindo seu sorvete se quiser.
  Depois que disse isso, o próximo assunto sobre o qual participei um pouco foi qual milk-shake era melhor – de morango ou de chocolate?

  Aquele final de semana foi lerdo. A casa parecia enorme sem a presença de Zack e de seus amigos, e mesmo depois de passar o sábado inteiro matando o tempo na casa de e de ter dormido na casa de à noite junto com as outras meninas para pintarmos as unhas e conversarmos sobre a vida alheia, a segunda-feira parecia não chegar nunca quando me peguei olhando para o tempo no domingo à tarde.
  A segunda, por fim, deu as caras, e com ela as provas do colégio. Eu e havíamos combinado de estudar Biologia na casa dela aquela tarde e foi o que fizemos.
  - A gente podia estudar Trigonometria amanhã depois das aulas, né?
  - Seria uma boa se o desse uma ajudinha, hein? – sugeri imaginando como seria estudar para a prova com o professor.
  - Ele vai ficar na escola até as seis todos os dias dessa semana por causa das provas. E também não aceitaria nos ajudar porque seria injusto com os outros alunos. – rolou os olhos. – Eu já tinha pedido ajuda a ele e o irmão ingrato me disse isso.
  - Ele está certo, . Seria mesmo injusto com os outros alunos. – eu disse e recolhi minhas coisas espalhadas sobre a mesa da sala de jantar da casa de minha amiga enfiando tudo dentro da minha mochila. – Bom, eu vou indo. Tenho que terminar de ler Orgulho e Preconceito para o teste de literatura de quarta.
  - Ai, cacete! Ainda bem que você me lembrou, ! Eu nem comecei a ler esse livro ainda! – colocou as mãos na cabeça em desespero e eu ri da cara apavorada dela.
  - Calma, . Dá tempo ainda.
  Foi estranho chegar em casa e não ter Zachary me esperando para me matar de cosquinhas, me assustar enquanto eu subia as escadas distraída ou me perguntando quando faríamos o dever de casa. No entanto, eu teria que me acostumar com aquilo pelos próximos meses e aprender assim a encarar os fatos – logo eu estaria na faculdade e Zack viajando pelo mundo com sua banda, então já era hora de entender que não teríamos tanto contato mais.
  Tomei um longo banho e jantei sozinha aquela noite; Steve e Louise tiveram de comparecer ao velório de um cliente do escritório do meu pai que havia falecido aquela manhã por uma parada cardíaca e, portanto, não me fizeram companhia. Eu já estava saturada de velórios pelo resto da vida depois de ter comparecido ao de minha mãe há nem um ano. Assim, às nove da noite eu já estava preparada para dormir. No entanto, uma mensagem de texto me fez saltar da cama e ir até a varanda da frente de minha residência. O SMS de dizia:
  Oi, . Posso falar com você na calçada por um minuto? Bjs.   Fui até a janela do meu quarto, a partir da qual era possível ter uma visão da rua, e vi meu vizinho parado em frente ao jardim de minha casa encarando as margaridas de Louise. Por isso, não respondi à mensagem e desci rapidamente até o primeiro andar sem me preocupar em trocar o shortinho e a camiseta velha que vestia.
  - Ei! – eu disse assim que abri a porta da casa. me olhou e deu um sorriso forçado.
  - E aí? Como você está? – ele perguntou antes que eu questionasse sua seriedade.
  - Estou bem. E você?
  - Também estou bem. – o silêncio se instalou entre nós então, deixando-me absolutamente certa de que havia algo de errado.
  - O que você... – eu perguntava ao mesmo tempo que dizia “quer ir dar...”.
  - Eu ia perguntar se você quer ir dar um volta. – ele disse e sorriu mais abertamente.
  - E eu ia te perguntar o que você realmente quer falar comigo.
  - Vamos dar uma volta e eu digo o que está acontecendo. – meu vizinho sugeriu, por fim.   - Tudo bem, .
  Contei cinquenta e sete passos desde que comecei a andar lado a lado com até que ele começasse a falar o que o incomodava:
  - Eu conversei como a hoje. E em um momento da conversa, ela mencionou que parece que você está apaixonada pelo Zachary. – ele disse olhando para os pés.
  - Eu pedi pra não sair falando sobre isso. Se cai nos ouvidos da ... – falei com a voz arrastada tentando eliminar da minha mente o que me diria se ouvisse uma coisa daquelas.
  - Então ela está certa? – parou de andar e questionou com os olhos arregalados pelo choque. Eu havia começado minha explicação pela parte errada. Aliás, havia algum modo de sair daquela situação? O que eu diria a agora? Mentiria falando que Zack era um irmão pra mim e nada além disso? Ou diria a verdade – eu amo você, , mas amo o Zachary também? Que homem, garoto, cara ou qualquer pessoa aceitaria uma resposta daquelas em uma situação tão delicada? Eu e tínhamos planos, afinal. Mas eu nunca havia sido 100% sincera com ele com relação aos meus sentimentos também. E tudo era tão mais confuso a cada dia que eu nem mesmo havia parado para pensar em como um namoro com o irmão de seria errado se ele estivesse se colocando totalmente na relação e eu estivesse nela pelas metades.
  - ... – comecei a dizer e suspirei alto ao concluir que seria honesta com ele. – Eu amo você. – eu disse, por fim. Ele respirou aliviado e sorriu para mim. – Mas eu amo o Zack também.
  - Do mesmo modo que você ama o Jack, o Alex ou mesmo a , certo? – ele ponderou ainda sorrindo.
  - Eu não sei. Eu não sei se sou apaixonada pelo Zack de algum jeito. Eu não sei mesmo. – respondi sem conseguir encará-lo. não disse sequer uma palavra; ele voltou a caminhar e, quando percebi isso, ele já estava a alguns metros de distância. Corri até ele e, embora tivesse sentido vertigem, lutei para continuar lívida. – ! – eu o chamei e ele parou de caminhar. Continuei andando a passos rápidos até alcançá-lo. – , me perdoe.
  - Por que não me disse isso desde o início, ? – o tom de traição na voz dele me desnorteou.
  - Porque eu não queria atrapalhar o que temos, ou o que tínhamos. Eu não poderia arriscar aquilo que tenho certeza por algo que nem sei se passa mesmo pela minha mente. Eu sou apaixonada por você, sei disso. De que adianta pensar no que mais posso sentir por outra pessoa se eu tenho certeza quanto a você?
  - , se o Zack te dissesse agora que ama você como a gostaria que ele a amasse, o que você diria? Diria a ele que é apaixonada por mim e que quer ficar comigo?
  Olhei para o chão incapaz de mentir para . Porque eu sabia que não daria aquela resposta a Zack – na verdade, eu não sabia que rumo tomaria.
  - Então, - prosseguiu dizendo – você não tem certeza sobre mim. E eu não quero nem posso investir mais em você sem ter o mesmo em troca, . Quero dizer, já seria complicado demais tendo todo o seu afeto e amor a meu favor. Sem isso é inviável, é impossível nós insistirmos.
  - Você está... terminando comigo? – perguntei erguendo meus olhos para encarar o rosto dele. riu sem humor algum e balançou a cabeça em sinal de negação.
  - Só estou voltando as coisas ao modo como eram antes do baile de estudantes. – ele respondeu com a voz desprovida de emoção. E aquilo me irritou profundamente. Eu sabia que era a errada naquela situação, afinal, o mínimo que merecia eram todos os meus melhores sentimentos. Mas como ele podia ser estúpido e mesquinho o bastante para falar em apagar um dia inteiro e tão importante das nossas vidas?
  - Acho que nem com 50 anos de idade vocês homens vão aprender. – eu disse depois de bufar uma vez. estreitou os olhos fitando-me. – Não dá pra apagar as coisas e fingir que nada aconteceu. Não quer mais nada comigo e quer esquecer que eu existo? Tudo bem. Mas tenha coragem de dizer pra você mesmo que precisa me esquecer e não ignorar o que houve. Até os erros servem pra alguma coisa, ou pelo menos é o que dizem, . E a pessoa certa pra você existe lá fora. Um dia você irá encontrá-la. – completei e voltei pelo mesmo caminho pelo qual havíamos andado.

Capítulo 15

  - E então? Você foi ao médico? – Zack perguntou do outro lado da linha assim que eu respondi à sua primeira pergunta, que fora “está tudo bem?”.
  - Acabei de chegar de lá. Por enquanto sabemos tanto quanto na consulta com o clínico. O médico fez uns testes comigo e passou uma ressonância magnética e uma tomografia que o meu pai vai marcar amanhã e eu devo fazer na semana que vem.
  - Quanto tempo será que demora para ficar pronto esses exames, hein? – Zack perguntou depois de um instante de silêncio.
  - Eu não sei, Zack. Vamos descobrir amanhã, né? – respondi e bocejei. Eu estava tão exausta da semana de provas e dos últimos dois dias de depressão por também ter ficado sem que nem imaginava como conseguiria estudar para a prova de história aquela tarde ainda. – Mas me conta: como está a Warped?
  - Tá incrível, . E eu tenho uma ótima notícia que a queria te dar quando o Alex contou pra ela mais cedo, mas eu te digo agora e você finge que não sabia de nada pra , feito? – Zachary disse animado.
  - Ok, combinado. Qual é a boa notícia?
  - O nosso último show na quinta-feira à noite, antes de irmos embora, será em New York.
  - Há três horas daqui? Jura mesmo? – quase gritei no telefone de tão feliz e empolgada que fiquei com aquilo.
  - Juro mesmo! – Zack respondeu rindo.
  - Eu, a , a e a Hanna seremos as primeiras a chegarem no local, pode apostar!
  - Vamos dar um jeito de colocar vocês em cima do palco ou, pelo menos, no melhor lugar perto dele, mas cheguem antes mesmo pra conhecerem o camarim.
  Meus olhos até brilharam quando imaginei aquilo. Um dia a menos para ver Zack, e ainda seria no show de encerramento da primeira Warped da banda dele.
  Eu e meu “irmão” conversamos por mais alguns minutos, e então ele teve de desligar para ir ensaiar. Abri meu livro de história na primeira matéria listada pela professora para ser abordada na prova, mas nos primeiros parágrafos eu adormeci sobre minhas coisas que estavam espalhadas na mesa da cozinha.
  - ? ? – acordei assustada com Louise chamando o meu nome e balançando meu ombro de leve.
  - Hã? Hã? – perguntei desnorteada tentando me situar. – Eu dormi?
  - Sim, querida, dormiu. É quinta-feira, então acho que seu cansaço tem motivos. Por que não leva as suas coisas lá pro seu quarto e toma um banho para terminar de despertar? – minha madrasta sugeriu enquanto guardava alguns alimentos recém-comprados dentro da geladeira.
  - Sim, vou fazer isso.
  Juntei as minhas coisas rapidamente e subi as escadas de dois em dois degraus. Quando a ideia do banho surgiu em minha mente, eu fiquei ansiosa por executá-la. Catei meu roupão e minha toalha no meu quarto e parti para o banheiro que seria só meu até o retorno de Zack, dali 50 dias.
  Não sei quanto tempo passei embaixo do chuveiro lavando meus longos cabelos e cantando as minhas músicas preferidas, mas, quando desliguei a água e comecei a me enxugar, eu não me sentia nada melhor. Parti para o meu quarto já sentindo minha cabeça latejando de dor, e, quando me olhei no espelho, vi sangue escorrendo do meu nariz. O que estava acontecendo comigo? Eu deveria gritar Louise ou o meu pai? Se fizesse isso, eles com certeza me levariam a um hospital e a última coisa que eu queria naquele momento era ser internada. Eu estava me cuidando – descansando, comendo bem, indo ao médico e me organizando para fazer os exames que ele pedira. Por que parecia que eu estava piorando então?
  Limpei meu rosto com um lenço e, felizmente, o sangramento não demorou a cessar. Minha cabeça ainda doía intensamente, então peguei três comprimidos do medicamento que o clínico me passara em minha primeira consulta na semana anterior e me esforcei para terminar de me trocar. Dentro de minutos, eu já estava encolhida em minha cama e pedindo a Deus que o sono chegasse e fizesse a dor me abandonar por algumas horas. Felizmente, o Senhor ouviu minhas preces, e eu apaguei.

  Meus exames foram marcados para terça-feira à tarde, de modo quem me acompanhou aos laboratórios para realizá-los. Por volta das cinco da tarde já estávamos liberadas e resolvemos passar em uma lanchonete para comer alguma coisa.
  - , é impressão minha ou você e o não estão muito bem um com o outro? – minha amiga perguntou depois que comentei alguma coisa sobre a prova de Trigonometria da semana anterior.
  - Impressão sua, . Está tudo como sempre entre mim e o seu irmão. – menti mantendo os olhos no brownie à minha frente.
  - Então, já que eu estou vendo problemas onde eles não existem, o que você acha de ir à minha casa hoje à noite para assistirmos a um filme?
  Pensei em negar, mas fazer isso não ajudaria a confirmar o que eu havia acabado de dizer à . Além disso, eu não conseguiria inventar uma desculpa que a convencesse mesmo, então encarar pouco mais de duas horas na mesma sala que com sua irmã entre nós deveria ser mais fácil que me livrar das perguntas dela depois.
  - Tudo bem. – concordei com um sorriso forçado.

  - Ok, então vocês vão colocando o filme que eu vou fazer a pipoca. – disse empolgada partindo para a cozinha e me deixando a sós com na salinha de televisão da casa deles.
  - Seus pais estão sabendo dessa confusão aqui em plena terça-feira? – perguntei ao meu vizinho quando o silêncio começou a ficar constrangedor.
  - Os dois estão fazendo vinte e quatro anos de casados hoje, então foram comer, e provavelmente, dormir fora. – ele respondeu sério sentando-se no sofá. – Sente-se. – convidou alguns instantes depois quando percebeu que eu estava de pé feito uma idiota no meio da sala. Eu me sentei no lado oposto ao de no sofá e mantive-me calada enquanto ele mexia inutilmente nas opções de idioma e legenda do filme.
  - A foi comigo fazer os exames que o médico me passou. – comentei casualmente.
  - Hum, que bom. – ele respondeu seco e friamente.
  - Isso pode ser fácil ou pode ser muito difícil, . – falei depois de suspirar alto uma vez.
  - O quê? – ele perguntou confuso.
  - Eu sou amiga da sua irmã, sua vizinha e aluna, o que torna difícil evitar a sua casa ou não cruzar com você por aí. A vai perceber se você continuar fingindo que eu não existo.
  - Eu não vou conseguir fingir que as coisas estão como antes entre nós, . Cada um encara a situação do seu próprio modo. Você não deveria ter previsto que ficaria tudo bem pra mim você vir aqui ver um filme de uma hora pra outra.
  - Tudo bem, vou acabar com o seu sofrimento. – eu disse com os olhos marejados e sentindo a dor de cabeça sempre constante se intensificar. Levantei-me do sofá e saí da sala a passos rápidos decidida a ir embora.
  - O que você está fazendo? – perguntou aos sussurros segurando o meu braço. – A vai perguntar o que houve que você foi embora e nem se despediu dela.
  - Não me importa, . Não vou ficar em um lugar onde não sou benvinda. – falei odiando a voz de choro que estava saindo dos meus lábios. A voz que com certeza o compeliu a me abraçar de compaixão no momento seguinte. E o pior não era estar me humilhando daquela forma para ele; o pior é que eu não conseguia detestar aquele abraço como deveria.
  - Você sempre será bem vinda da minha casa, . – quase acreditei no tom de voz afável dele e precisei fazer uma força sobre-humana para não chorar todas as lágrimas que gostaria.
  - Eu não vou conseguir fazer isso. Preciso mesmo ir embora. – eu disse por fim, sentindo-me um pouco mais controlada.
  - A não vai entender e não vai sossegar enquanto não explicarmos. Você quer mesmo me prejudicar dessa forma?
  Eu sabia que se a questão em jogo fosse me trazer problemas apenas, teria saído dali imediatamente. Mas havia bem mais do que eu envolvido no assunto. E se havia deixado escapar para como eu me sentia com relação ao Zack, nada garantia que ela guardaria segredo sobre o envolvimento de seu irmão com uma aluna. Assim, decidi me recompor e voltar para a salinha de televisão da casa dos fingindo que nada havia acontecido.

  Eu e meu pai encarávamos o médico com expressões diferentes. Meu pai estava sério e compenetrado, como se aquele fosse um caso difícil em suas mãos e estivesse diante do juiz em um momento decisivo do julgamento. Eu estava alegre, esperançosa, acreditando que tudo ficaria bem. Nos últimos dias, as coisas haviam melhorado substancialmente para mim. Eu já não me sentia tão mal, conseguia dormir a noite toda e ter bons sonhos, havia ido bem nas provas do colégio e estava bem com as minhas amigas e pessoas ao redor. Desde a noite de filme e pipoca em que “briguei” com , nós havíamos voltado a nos falar quase tanto quanto antes. O fato é que não estávamos mais brigados, e isso já bastava para mim.
  - O que eu tenho para transmitir a vocês agora não é algo simples, mas quero primeiramente deixar bem claro que temos meios eficazes de proceder no seu caso. – o médico disse calmamente como sempre. Olhei para o meu pai e vi sua testa se vincando. Ele abriu a boca para dizer alguma coisa, mas a fechou de novo, inseguro quanto ao que poderia falar. – Você é uma garota forte, jovem, e vai conseguir passar bem por isso, . – Dr. Edward sorriu para mim e se inclinou na minha direção sobre sua enorme mesa branca.
  - Tudo bem, doutor. O que o senhor conseguiu pelos exames? – perguntei casualmente também sorrindo. Meus pressentimentos me provocaram calafrios, mas tentei manter-me o mais normal possível por causa do meu pai que parecia cem vezes mais frágil do que eu naquela consulta.
  - Ao que tudo indica você apresenta um meningioma.
  - Um o quê? – meu pai perguntou alarmado.
  - Meningioma. É um tumor cerebral de meninge.
  - Tumor... – sibilei.
  - Meninges são espécies de camadas que existem dentro do nosso crânio e servem para proteger o cérebro de choques mecânicos, enfim, de fatores que possam danificá-lo. E tumor é a multiplicação desordenada de células normais ou anormais, como deve ser do conhecimento de vocês. A boa notícia é que tumores cerebrais primários, que é o caso da , e que representam todos os tumores que são desenvolvidos a partir de células cerebrais, ou seja, não são metástases, são mais fáceis de controlar, em geral. – o médico disse em um tom de voz ainda calmo, como se estivesse nos explicando qualquer coisa do dia a dia. O Dr. Edward voltou-se aos exames e nos indicou neles qual era a lesão que eu possuía e que deveria ser tratada primeiro cirurgicamente.
  - Então eu vou ser operada? – questionei apavorada.
  - O primeiro passo é tentar remover toda a lesão. Vamos tentar retirar tudo, se possível. A partir da cirurgia saberemos qual será o próximo passo. Em alguns casos, apenas a cirurgia oferece cura total ao paciente. Em outros, é preciso complementar o tratamento com radio ou quimioterapia. Mas é importante que vocês mantenham em mente o seguinte: isso não é um atestado de óbito. Existem formas de lutar contra o meningioma que a apresenta e nós vamos fazer isso da melhor forma possível. Agora é importante que mantenham a calma, e que você tente levar a vida da forma mais normal possível, mocinha. Claro que deve evitar excessos para não agravar os sintomas, mas, acima de tudo, não deixe que isso ou qualquer outra coisa a impeça de viver. Estamos combinados? – o Dr. Edward disse olhando bem fundo nos meus olhos. Meu pai que segurava minha mão desde o momento que o médico disse a palavra tumor, apertou de leve os meus dedos.
  - E quando será a cirurgia, doutor? Ela vai precisar fazer mais algum exame até lá...? – meu pai questionou ao médico e a partir daí, ouvi pouco da conversa.
  A consulta durou mais alguns minutos enquanto o médico preenchia guias e falava com o meu pai sobre exames do risco cirúrgico e outros detalhes. A minha mente não era capaz de acompanhar tudo o que diziam; eu estava com os pensamentos bem longe dali, em coisas aleatórias, em coisas que eu amava e tinha tanto medo de perder.

  - Nosso plano de saúde cobre todas as despesas? – escutei Louise perguntando ao meu pai com a voz chorosa. Eu e Steve havíamos chegado em casa havia alguns minutos. Eu havia subido para tomar um banho e meu pai fora para a cozinha conversar com sua esposa que aprontava o jantar. Eles deviam estar submersos na conversa já que não me ouviram descer as escadas, e eu escutava o diálogo deles a alguns passos antes de entrar no cômodo em que estavam.
  - Vou conversar esses detalhes com a administração do plano amanhã, mas acredito que se não cobrir tudo, pelo menos deve arcar com boa parte. – meu pai respondeu com a voz arrastada.
  - Não tem nem um ano que ela perdeu a mãe, Steve... – Louise sussurrou deixando o choro tomar sua voz por completo e então soluçou.
  - Eu não sei o que vou fazer se perder a minha filha. – meu pai comentou e foi a primeira vez em meus quase 18 anos de vida que o escutei chorando daquela forma. No velório e no enterro de minha mãe, ele havia derramado algumas lágrimas, mas fora silencioso, tranquilo. Naquele instante, meu pai era uma pessoa desesperadamente triste, agoniada e, provavelmente, alguém que se odiava por ser tão impotente. Eu me odiava por ser tão impotente.
  Andei até primeira parede que encontrei e me recostei nela esperando que o meu choro também viesse. Talvez minha fixa não tivesse caído ainda, talvez a tragédia que havia me abalado no ano anterior tivesse me tornado forte. O fato é que não derramei sequer uma lágrima.
  Eu encarava a parede em frente à em que me recostava sem realmente enxergá-la quando reparei no que havia sobre a mesinha ao lado dela – as chaves da Mercedes do meu pai jaziam ali, abandonadas.
  - Pai, eu posso jantar na casa da hoje? – perguntei de onde estava conferindo no meu bolso se meu celular estava ali.
  - Claro, . – ele respondeu tentando controlar a voz.
  - Obrigada. Boa noite pra vocês. – falei catando as chaves do carro sobre a mesinha e rezando mentalmente para que a tristeza do meu pai o impedisse de perceber que o seu veículo não estava na garagem.
  Havia uma pessoa com quem eu precisava conversar aquela noite e ela estava há algumas milhas de distância. Para ser mais específica, há cerca de duzentas milhas de distância.

Capítulo 16

  - Oi, mãe. – eu disse em voz alta ajoelhando-me sobre o túmulo dela. – Eu sei, faz quase um ano que não venho te ver. Só estive aqui no dia do seu enterro e não voltei mais... Sou uma desnaturada, né? – foi tudo o que eu consegui dizer antes de me debruçar sobre a lápide de minha jovem mãe e chorar a plenos pulmões todos os medos que haviam surgido poucas horas atrás. – Por que isso está acontecendo? Por que eu tive que te perder tão cedo? Por que eu vou ter que morrer tão cedo? – perguntei quase aos berros e me interrompi quando os soluços irromperam pela minha garganta.
  Eu sabia que provavelmente estava sendo precipitada. O médico disse que a minha situação não era um beco sem saída, que eu tinha chances de me recuperar, afinal de contas. Poderia ser pior – eu poderia ter adquirido outro câncer e depois partes dele fossem enviadas através da minha corrente sanguínea para o cérebro, caracterizando metástases. Eu tinha alguns meses de vida, de qualquer forma. Eu teria chances de me despedir de quem amava, se isso fosse preciso. Minha mãe havia sido tirada de mim repentinamente, sem que nenhuma de nós soubesse que o café da manhã fora nosso último encontro. Isso era pior - devia ser pior de algum jeito. E eu, em meus temores de recordar o sofrimento que perdê-la havia me provocado, acabei negligenciado em relação aos meus sentimentos por ela - sentimentos esses que eram tão vivos em mim agora quanto quando ela ainda estava ao meu lado fisicamente. Perder a presença dela não precisava significar enterrar minhas lembranças e me esforçar para não pensar no que ela acharia das minhas atitudes. No entanto, eu era fraca demais para mantê-la acesa na minha mente como deveria, e essa fraqueza tornava o remorso naquele momento quase tão esmagador quanto o meu medo de também deixar de existir em carne e osso entre as pessoas que eu amava.
  Senti meu celular vibrar no bolso. Olhei a tela e o nome dele me fez sorrir por um lado, e me trouxe mais lágrimas aos olhos, por outro. Respirei fundo e engoli o choro antes de atender:
  - Oi, Zack. – eu disse tentando fingir animação.
  - Ei, ! Desculpe por não ter ligado mais cedo, mas é que depois do ensaio já fomos pro palco. – ele justificou-se claramente empolgado. – Como foi lá no médico? O que ele disse?
  - Ele disse que eu tenho enxaqueca, acredita? – menti e ri alto da idiotice que estava inventando, o que foi tão sincero quanto pareceu, e talvez servisse para convencer Zachary, pelo menos.
  - Você só pode estar brincando!
  - Não, é verdade. Vou fazer um tratamento com medicamentos daqui pra frente. – concluí tentando manter o mesmo tom de voz.
  - Ah, então tá certo. – Zack disse ainda animado.
  - Como foi seu dia? – perguntei tentando desviar a atenção de mim, como sempre fazia, mas, desta vez, com vários motivos para isso. E escutei feliz, pela primeira vez depois de tantas horas, enquanto Zachary me contava em detalhes tudo o que havia feito até àquela hora.

  Quando cheguei em casa aquela noite - grata a Deus por ter ido e voltado com saúde do cemitério de New York onde minha mãe estava enterrada -, Louise e meu pai ainda estavam acordados assistindo TV.
  - Oi. – cumprimentei-os normalmente e me sentei no sofá de dois lugares vago.
  - Como está a e os pais dela, ? – Louise perguntou casualmente.
  - Está tudo bem por lá.
  - Você disse... – meu pai começou a perguntar e se interrompeu.
  - Não falei nada com ninguém ainda. E quando o Zack me ligou perguntando da consulta, eu menti pra ele. Falei que tenho enxaqueca e vou só tomar remédios.
  - Por que você mentiu pra ele, )? – Steve questionou confuso.
  - Porque ele vai querer parar a turnê pra vir pra cá e ninguém pode fazer muita coisa por mim além de fingir que está tudo bem. Não quero atrapalhar a carreira do Zack que acabou de começar e ele faria questão de deixar isso acontecer se eu contasse. Então, está proibido falar desse assunto com ele ou com qualquer garoto daquela banda, ok? – falei firme e completamente decidida quanto àquilo.
  - Sim, acho que você está certa. – meu pai assentiu. Louise suspirou alto.
  - Bom, eu vou dormir. Boa noite pra vocês. – recebi outro “boa noite” de cada um deles e me arrastei para o meu quarto.

  Abri meus olhos para o quarto iluminado – o sol entrava no cômodo através das partes da janela que não estavam cobertas pela cortina. Nos últimos tempos, eu estava dormindo tanto que não costumava acordar sem o despertador em dias de semana, por isso achei aquele despertar tranquilo muito estranho. Levantei-me sem muita vontade, estiquei os braços e a espinha em uma espreguiçada, e procurei pelo meu despertador barulhento na mesinha de cabeceira que ladeava minha cama do lado direito. No entanto, o relógio de tique-taque em forma de coração não estava ali. Franzi o cenho considerando aquela situação extremamente estranha, e me levantei aos tropeços para caminhar até a minha escrivaninha onde havia abandonado meu celular. Havia uma chamada perdida de e uma mensagem de texto enviada por ela também, que dizia:
  ! Por que faltou à aula? Como foi no médico ontem? Ah, esquece, eu passo na sua casa quando sair do colégio e você me conta. Beeeijos :*
  Foi então que conferi as horas no relógio do aparelho – 11h30 A.M! Meu pai e Louise roubaram meu despertador para que eu não fosse à escola? Eu quem estava com câncer no cérebro e os dois que estavam parando de racionar?!
  Meu estômago roncou de fome instantes depois de eu sair do banheiro tendo terminado de lavar o rosto e esvaziar a minha bexiga, então decidi ir até a cozinha procurar algo para comer. Na porta da geladeira, um bilhete escrito na caligrafia da minha madrasta tentava explicar as coisas:
  

,

  Nós pensamos que você gostaria de tirar o dia hoje para descansar, então raptamos seu despertador – ele está na escrivaninha do Zack esperando que você o resgate. Se quiser ir almoçar no restaurante, vamos te esperar lá até às 12h30, mas caso você não apareça, traremos comida para você em casa.
  Cuide-se,
  
Louise e papai.

  Dormir até mais tarde era mesmo bacana, mas ter mais horas ainda para pensar nos meus problemas não facilitava muito a minha vida. Peguei uma maçã na geladeira e voltei para o andar de cima a fim de me trocar para ir comer com a minha família. Quando passei na porta do quarto de Zack – impecavelmente limpo uma vez que o Sr. Merrick Bagunceiro não entrava ali há quase duas semanas -, não consegui resistir à oportunidade de dar uma espiada em suas coisas. A estante de Zachary era cheia de porta retratos. Os que mais me chamaram a atenção foram um que ele estava na companhia de seus amigos, cada um segurando seu instrumento na banda; e o outro do Natal comigo, Louise e o meu pai. Além disso, haviam diversos CDs enfileirados e ainda uma prateleira dedicada a livros, e fiquei surpresa em ver como Zack adorava ler. As lágrimas encheram os meus olhos quando pensei que não veria meu “irmão” por algumas longas semanas ainda, e elas escorreram pela minha face quando pensei que talvez o reencontrasse para nunca mais vê-lo então. E foi aí que decidi pegar o despertador e sair dali o mais rápido possível.

  - Estamos esperando você aqui há horas! Onde foi que se meteu? – perguntou exaltada levantando-se da calçada da minha casa quando eu mal havia descido do carro.
  - Mas a aula terminou não faz nem cinco minutos... – respondi com medo da minha amiga. era mais baixa do que eu, mas com certeza tinha mais força.
  - A está exagerando, . Acabamos de chegar. – disse e rolou os olhos.
  - Ah, bom. Eu fui almoçar no restaurante da Louise e ela só pôde me trazer de volta agora. – justifiquei-me andando até a porta e sendo seguida pelas minhas amigas loucas.
  - E por que faltou à aula hoje? – questionou sentando-se em uma das cadeiras da mesa da cozinha. acomodou-se ao lado dela e eu servi suco de laranja para as duas.
  - Meu pai e a Louise me deixaram dormir até mais tarde. – eu disse ainda sem saber como anunciaria a minha doença para as duas. A última coisa de que precisava era de olhares de piedade, mas eu teria que me acostumar com isso mesmo...
  - Gente, que milagre é esse? – comentou e bebericou seu suco.
  - Isso não tem a ver com a sua consulta de ontem, né? – questionou preocupada.
  - Acho que tem. – falei sentando-me na cadeira vaga ao lado de . Nenhuma das duas respondeu nada; elas só ficaram me encarando esperando que eu dissesse o que havia acontecido. - O médico disse que eu tenho um tumor cerebral.
  - Como é que é? – perguntou aos berros e começou a tossir engasgada com o refresco. Eu e demos tapinhas nas costas dela e eu perguntei se queria água. – Não, não quero. Desculpe, , mas eu estou incrédula.
  - Perplexa. – falou e apontou para si mesma.
  - Eu também fiquei na hora, mas não se preocupem. Eu vou fazer uma cirurgia para a retirada do tumor e talvez precise de radio ou quimioterapia como complemento do tratamento. De qualquer modo, o médico disse que eu tenho boas chances de me recuperar disso. – eu parecia otimista para as meninas, ou dizia para mim mesma que parecia, embora ainda estivesse com qualquer esperança bem fraca e reduzida dentro de mim.
  - Claro que tem. E nós, suas amigas, estaremos aqui para te apoiar, não importa o que aconteça. – foi até mim e me deu um abraço.
  - É isso aí, . – também me abraçou ternamente, e ficamos ali mais alguns minutos apenas olhando uma para a outra, todas com medo e completamente perdidas quanto ao que fazer.

  - Não quero que o Zack ou qualquer garoto daquela banda saiba disso, certo? Pelo amor de Deus, , não deixe isso escapar pro Alex, e, se deixar, implore pra ele não falar nada ao Zachary. – eu disse a enquanto me despedia das minhas amigas depois delas me entregarem o dever de casa e contarem o que houve nas aulas do dia.
  - Por que você não quer que o Zack saiba? – perguntou.
  - Porque do jeito que ele é, é bem provável que o Zack saia de onde está e venha me ver, e atrapalhe a Warped com isso. Ele não pode fazer nada por mim, mas tenho certeza que vai se considerar um crápula se fingir que nada está acontecendo. Ele não vai entender que tudo o que eu preciso agora é que as pessoas finjam mesmo que nada está acontecendo e me deixem tocar a minha vida da forma mais normal possível. – assentiu diante dos meus argumentos.
  - Eu não sei se vou conseguir evitar dizer ao Alex, mas ele é ótimo em guardar segredos, . Do Alex essa notícia não passa, eu juro.
  As meninas seguiram cada uma para sua casa e eu voltei para a minha sem saber exatamente como distrairia minha cabeça de tantas coisas.
  Acordei desnorteada com o barulho da campainha. Olhei ao meu redor e a sala escura estava sendo iluminada apenas pela luz que saía da TV. Levantei-me sentindo meu corpo doer em locais específicos por ter adormecido encolhida no sofá de dois lugares da salinha de televisão da minha casa, e o som estranho parecido com um choque alto soou de novo quando a pessoa que me visitava tocou novamente a campainha da residência.
  - Louise? Pai? – gritei o mais alto que pude, mas não houve resposta. Os dois não haviam voltado do trabalho ainda, o que era estranho porque já era noite. Conferi as horas no meu celular que estava abandonado na mesinha de centro, mas ele indicava 6h15 P.M, então minha madrasta e meu pai ainda não estavam atrasados.
  Arrastei-me para a entrada da residência esfregando os olhos e ajeitando meu cabelo na tentativa quase inútil de concertar a minha aparência amassada. E quando abri a porta, desejei ter ido ao banheiro lavar o rosto e passar uma água na boca. me encarou por um segundo com uma expressão que eu não soube decifrar, mas antes que eu dissesse qualquer coisa, ele me abraçou forte. Segundos depois do início do abraço, senti lágrimas molharem meu ombro e ele soluçou baixinho. Nem que eu fosse de pedra conseguiria permanecer firme com tão vulnerável agarrado ao meu corpo, e foi por isso que eu também comecei a chorar, embora quisesse de verdade ser forte o bastante para conseguir evitar isso.
  - A te contou? – perguntei por fim.
  - Contou. – ele respondeu e fungou.
  - Vamos entrar, . – sugeri e ele concordou me soltando e fechando a porta atrás de si. Caminhamos de mãos dadas até o sofá da sala de entrada e nos sentamos um de frente para o outro.
  - Me explique exatamente o que o médico disse? – pediu enxugando o rosto com as mangas da blusa de frio branca que vestia.
  - Ele disse que eu tenho um meningioma, que é um tumor de meninge. Pode não parecer, mas há um lado bom nisso. O tumor é de células cerebrais, então é menos complicado de tratar. O Dr. Edward falou que a minha idade também colabora para a recuperação, e é provável que só a cirurgia seja suficiente para que eu me recupere. Talvez eu precise de radio ou quimioterapia, mas eu tenho fé de que, não importa como eu sofra com o tratamento, eu vou conseguir sobreviver a isso. Essa é a minha maior ambição agora. – falei cada palavra afagando as mãos de e olhando bem fundo em seus olhos. As lágrimas escorreram pela face dele quando eu disse a última frase e eu tirei minhas mãos de sobre as dele para limpá-las com os dedos. – Ei, não fique assim. Eu vou pensar que vou mesmo morrer se você me olhar desse jeito.
  - Desse jeito como? – ele questionou e pigarreou duas vezes tentando reajustar sua voz.
  - Como se fosse a última vez que irá me ver.
  - Você tem que me prometer que isso não vai acontecer, tudo bem? Prometa que nunca teremos um último encontro, que sempre poderemos nos ver de novo. – a maneira como ele disse aquilo foi tão intenso e urgente que eu não via como não enchê-lo de promessas, o que eu sabia que não poderia fazer.
  - , se tem uma coisa que eu aprendi no último ano, com a morte da minha mãe e até com o que aconteceu com a Tiffany e o Mathew, é que as pessoas só morrem se a gente deixar isso acontecer. Minha mãe é tão viva dentro de mim que seria errado falar que ela não vive mais. Já o Matt e a Tiff... Eu os enterrei tão bem dentro dos meus pensamentos que já procurei formas de ressuscitá-los, mas nem sei por onde começar a fazer isso.
  - Mas eu quero você aqui, em carne e osso, ao vivo e a cores para que eu possa tocar quando quiser, . Você acabou de entrar na minha vida, eu não posso aceitar que já saia. Quero dizer, eu sei que você vai ficar comigo pra sempre, mas, em pessoa, mesmo que você não fique, eu preciso saber que você existe, entende? – falou com uma expressão dolorosa e com os olhos cheios de lágrimas de novo.
  - Eu entendo, . E eu juro que vou lutar com todas as minhas forças para sair dessa. – prometi veementemente.
  - E eu juro que estarei ao seu lado como você quiser. Como namorado ou só como amigo mesmo. – ele completou e me abraçou outra vez.
   provavelmente não sabia disso, mas a garantia dele me dava forças, me dava ainda mais razões para querer vencer aquela batalha. Eu tinha vários motivos para permanecer viva, tinha diversos planos pela frente e muita vontade de realizá-los. E não importava o que acontecesse, se eu tivesse as pessoas que amava junto de mim até meu último suspiro, a minha morte poderia ser satisfatória.

Capítulo 17

  As últimas semanas foram estranhas. Alguns dias passaram tão rápido que eu mal me lembrava de tê-los vivido; outros se arrastaram tanto que eu contava os minutos para aquela bendita cirurgia, para os meus dezoito anos e para o retorno de Zachary – eventos estes que aconteceriam quase que simultaneamente.
  Passei várias horas presa em laboratórios realizando exames. O médico disse que, pela localização do tumor, eu sofreria uma incisura na nuca e meu cabelo seria raspado ali. Assim, como eu também não sabia ainda se precisaria de quimioterapia e, dessa forma, havia possibilidades de que eu não perdesse a maior parte do meu cabelo, decidi mantê-lo comprido como estava. Não mudar minha aparência mais do que ela já havia se transformado – eu estava ainda mais magra e com a pele assustadoramente pálida, o que era o bastante para que fosse quase irreconhecível – me dava uma sensação de conforto, de certo modo; isso parecia dizer que as coisas voltariam a ser como eram antes, de algum jeito, embora eu soubesse que nunca mais seria a mesma pessoa.
  - Quando o assunto é cérebro, os resultados sempre são imprevisíveis. Por isso, não posso dizer exatamente como será a sua recuperação ou mesmo o que acontecerá durante a cirurgia. Não existe um caso igual ao outro porque não existem pacientes iguais, nem cérebros iguais. Então, fiquem abertos a possibilidades, certo? E mantenham-se confiantes. – Estas foram as últimas palavras que o médico disse sobre a minha operação marcada para o dia 20 Junho de 2006. Eu e meu pai saímos do consultório sem dizer nada e seguimos para o aeroporto para buscar Zachary.
  Eu não havia visto Zack no show do dia anterior em New York porque passei mal e não consegui comparecer ao evento. e as meninas disseram a ele que eu não estava bem, e Zachary me telefonou assim que saiu do palco para perguntar como eu estava. Menti sobre os meus sintomas e pedi desculpas várias vezes por não ter ido, mas expliquei que o médico recomendou que eu repousasse.
  - Tem certeza que seu diagnóstico está certo, ? – lembrei-me de suas palavras preocupadas quando conversamos pelo telefone há poucas horas atrás.
  - Não se preocupe, Zack. Termine sua turnê e conversamos melhor sobre esse assunto. O que importa é que amanhã você estará aqui com a gente. – e, felizmente, a sexta-feira já havia chegado e eu teria não só o alívio de vê-lo, mas também a oportunidade de desfazer aquele mal entendido.

  Quando Alex apareceu na ala de desembarque e surgiu em nosso campo de visão, disparou correndo em sua direção e saltou em seu colo. Os dois ainda estavam se beijando quando Zack apareceu arrastando sua mala de rodinhas e segurando uma mala grande de mão com o outro braço. Olhei para o meu lado com o objetivo de conferir a reação de , e vi seus olhos se encherem de lágrimas, ao passo que ela apertava as mãos em punhos, provavelmente se segurando para não fazer o mesmo que . E quando observei meu reflexo no vidro de uma porta próxima, percebi que eu tinha a mesma expressão que e minhas mãos estavam fechadas da mesma forma que as dela.
  - ! – Zack me abraçou apertado enquanto eu ainda tentava relaxar minha postura.
  Tentei não ser egoísta e dar a a oportunidade de abraçá-lo logo, mas, pelo visto, ele estava com tanta saudade de mim quanto eu dele. Não sei quanto tempo passamos abraçados, mas foi o bastante para que eu chorasse de alegria, emoção, medo de perdê-lo e pânico sobre a notícia que lhe daria até a noite daquele mesmo dia. Então, Zachary me soltou e abraçou .
  - ! – Jack veio correndo até mim enquanto gritava meu nome, abandonando suas malas no chão do aeroporto, e me puxou abruptamente para um abraço. Ouvi meu pai gemer de um lado, com certeza preocupado com a falta de delicadeza de Barakat para com sua filha doente, e escutei algumas risadas também.
  - Saudade de você, Barakat! – eu disse ainda pendurada no pescoço do garoto.
  - E a nossa festa? Tudo pronto pra fazermos história no sábado que vem? – ele perguntou empolgado me colocando no chão.
  - Tudo pronto. – Jack bateu palmas de alegria e Alex sugeriu que todos fôssemos tomar um refrigerante para matarmos a saudade.
  Ficamos por pouco tempo na lanchonete do aeroporto – onde tudo custava o dobro do preço normal, devo acrescentar – até que os meninos reclamaram cansaço e vontade de rever suas casas. Assim, cada um seguiu para sua residência na companhia dos familiares presentes. foi para casa conosco e ela parecia mais feliz quando Zachary a convidou para nos acompanhar.
  - A passou um bom tempo nas últimas semanas organizando a festa de 18 anos dela e do Jack, sabe, Zack? Você já sabe o que vai dar de presente a ela? – escutei perguntando a Zachary enquanto andávamos até o carro.
  - É feio falar das pessoas com elas presentes, . – repreendi minha amiga sorrindo.
  - Não, . Feio é falar das pessoas com elas ausentes. – piscou para mim. – E aí, Zack? Não comprou o presente da ainda?
  - Cara, eu trouxe um monte de tralha de lembrança de cada lugar que visitamos durante a Warped. Isso é suficiente, não?
  - Mais do que suficiente, Zack. – falei abrindo a porta de trás da Mercedes preta do meu pai.
  - Claro que isso não conta. – respondeu ignorando-me. – Mas eu vou salvar sua vida, Merrick. Podemos ir ao shopping amanhã escolher o presente da . Eu te ajudo a comprar alguma coisa que ela vá gostar. – a garota chamou Zack para sair descaradamente na presença da mãe dele e do meu pai. Tentei disfarçar minha expressão de incredulidade encarando o banco do meu pai, à minha frente, mas a risada de Zachary indicava que até ele estava desconfortável com a abordagem de .
  - Você é minha heroína, . Obrigado pela ajuda. Será ótimo. – foi a resposta do meu pseudo-irmão. E foi neste momento que comecei a acreditar que ele provavelmente havia voltado da viagem com intenções mais firmes em relação à .

  Louise e meu pai quiseram me dar a oportunidade de conversar a sós com Zachary. Por isso, eles saíram para jantar com alguns amigos aquela noite, depois que minha madrasta preparou a comida preferida de seu filho – lasanha.
  - Eu sei que você acabou de voltar, filhote, mas levamos você pra jantar amanhã à noite. Hoje é aniversário do sócio do seu pai no escritório e depois tem a festa de aniversário de casamento do prefeito, então as crianças ficam em casa esta noite. – Louise justificou sua ausência ao despedir-se de Zack.
  - Mãe, relaxa. Tem comida boa, então está tudo certo. Depois a gente mata a saudade. Vocês dois se divirtam e não façam nada que eu não faria. – Zachary respondeu e voltou a servir metade da lasanha para si mesmo.
  Nós dois comemos enquanto conversávamos sobre os últimos tempos. Zack fez perguntas sobre a escola e me pediu que lhe ajudasse com as provas para sua conclusão do ensino médio. Falamos sobre em qual universidade eu estudaria – eu havia sido aceita em Baltimore na Universidade de Johns Hopkins, em New York na Universidade de Cornell, e na Universidade do Arizona.
  - Ainda não decidi pra onde vou. – respondi quando Zachary me perguntou qual faculdade teria a sorte de me ter como aluna.
  - Você devia pesquisar e escolher a melhor. – ele disse recolhendo nossos pratos de sobre a mesa e levando-os para a pia. – Tipo, a melhor colocada na lista de Melhores do Mundo, sabe? – Zack sorriu me encarando. Foi então que as perguntas começaram a brotar na minha mente. Como eu daria aquela notícia a ele? Por onde deveria começar? O que deveria dizer? – O que foi? – ele questionou provavelmente se perguntando por que eu não havia retribuído ao seu sorriso.
  - Zack, eu menti pra você. – pronunciei as palavras tão rápido que elas nem pareceram uma frase inteira.
  - Como assim, ? Sobre o quê? – ele estava claramente confuso, mas ainda manteve um sorriso nos lábios como se quisesse dizer que estava tudo bem, que ele só queria uma explicação.
  - Eu não tenho enxaqueca. – eu disse e bufei ao lembrar-me da mentira. – Eu tenho um tumor no cérebro. – falei cada palavra devagar, mas Zachary não respondeu. Ele ficou me encarando com a expressão vaga por um segundo e depois se virou, de modo a ficar de costas para mim.
  - Isso não é possível. – ele respondeu baixinho e depois voltou a me olhar; agora sua testa estava vincada e os olhos dele estavam cheios de lágrimas. – Você tem 18 anos! Quero dizer, você vai fazer 18 anos daqui alguns dias. Você é perfeita. Isso não pode estar certo.
  Caminhei até Zachary, peguei suas mãos e olhei para cima de modo a fitar seus olhos.
  - Eu fiz todos os exames possíveis e estou sendo acompanhada por um excelente médico. Ele disse que eu tenho chances de me recuperar, e o primeiro passo do tratamento é uma cirurgia pra retirada do tumor. A cirurgia será realizada daqui uma semana e alguns dias, no dia 20, e, você não precisa se preocupar, porque eu vou ficar bem. Só preciso que me perdoe por ter mentido pra você sobre isso, mas é que eu não podia deixar que atrapalhasse sua carreira por minha causa, principalmente se você não pode fazer nada por mim. – Zack tirou minhas mãos das dele e se afastou de mim, deixando-me sozinha na cozinha e desaparecendo do cômodo. Escutei o barulho de seus passos em direção ao andar de cima e decidi segui-lo até lá. – Zack! – chamei entrando em seu quarto e ele apenas ficou encarando a janela, de costas para mim. – Zack, me desculpe por ter escondido isso de você. Eu não teria feito isso se não achasse que era o melhor pra você mesmo. E eu vou me recuperar disso, você não tem que se preocupar...
  - Se eu não tivesse motivos para me preocupar você não teria mentido pra mim, . Vamos deixar as mentiras pra lá se você quer mesmo que eu esqueça que você escondeu uma coisa dessas de mim. – Zachary me interrompeu dizendo e eu fiquei calada, parada no meio do quarto dele, sem saber o que fazer a seguir.
  Passamos alguns longos segundos naquela situação – ele encarando a janela e eu encarando as suas costas -, até que Zack fungou e eu percebi que ele estava chorando. Caminhei até ele e o abracei pelas costas, colocando meus braços por entre os dele e apoiando minhas mãos em seu peito. Meu coração disparou e eu senti um arrepio percorrer o meu corpo, mas tentei ignorar as sensações, por mais insistentes que elas fossem.
  - Eu juro que vou lutar com todas as minhas forças para sair dessa. – eu disse com a voz chorosa depois de alguns segundos.
  - Sabe, é engraçado ser jovem. Quero dizer, nós pensamos que haverá tempo pra tudo. Tempo pra colocarmos nossas ideias no lugar. Tempo para conquistarmos o universo inteiro... – ele murmurou para si mesmo, e, então, saiu do meu abraço para colocar-se de frente para mim. – Mas acho que, às vezes, a vida obriga a gente a antecipar algumas coisas. – Zachary se aproximou de mim e apoiou seu queixo na minha testa. Ele respirou fundo como se estivesse apreciando o aroma dos meus cabelos e depositou um beijinho no alto da minha cabeça. Fechei os olhos para curtir a sensação incrível que era tê-lo tão perto de mim, tão próximo que eu podia sentir o ar que saía de sua boca acariciar a pele da minha testa. E eu ainda estava de olhos fechados quando os lábios dele tocaram os meus.
  Podem dizer o que for sobre a mente dominar a matéria, a razão ser mais presente no ser humano que a emoção... No instante em que senti os lábios de Zachary Merrick nos meus, eu não me importei com mais nada além daquele momento. Se eu iria morrer dali alguns meses, se me odiaria pelo resto dos meus dias, se meu pai não aprovaria ou sairia machucado... Nada disso importava. Eu só conseguia pensar nos braços dele em volta do meu tronco e da emoção, ansiedade e alegria atordoante que invadiam meu corpo, minha alma e o meu coração naquela hora.
  - Eu te amo. – Zachary disse quando nos afastamos para recuperar o fôlego e me beijou de novo, tirando-me a oportunidade de respondê-lo. Correspondi ao beijo dele desesperada por manter nosso contato físico, e senti a intensidade aumentando. As mãos de Zack deixaram a minha cintura e deslizaram pela minha bunda. Interrompi nosso beijo e olhei assustada para ele, mas Zachary tinha apenas um sorriso torto, brincalhão e travesso no rosto. Coloquei as mãos por trás de sua nuca e puxei meu irmão-emprestado para outro beijo animado.
  Quem insinuou que gostaria de avançar as coisas agora fui eu quando empurrei Zachary para a cama e sentei de pernas abertas em seu colo. Ele tirou a minha blusa e ficou sem a sua em poucos segundos; no instante seguinte, já estávamos deitados – ele sobre mim. Deslizei minhas mãos sobre o abdômen de Zachary e encontrei o botão e o zíper da bermuda que ele usava. Eu não era expert em despir outras pessoas, então ele precisou me ajudar a tirar a peça. Zack, ao contrário de mim, livrou-se do meu short bem mais rápido e de um jeito muito mais sensual e excitante.
  - Amarela, Merrick? – comentei observando sua cueca e ri alto. Eu odiava amarelo, mas ele ainda conseguia ficar lindo e sexy usando uma peça íntima daquela cor.
  - Eu não sabia que faria isso hoje à noite. – ele justificou e tirou a cueca jogando-a de lado. Arregalei os olhos para a atitude dele e para o que estava enxergando à minha frente, e, de repente, eu estava com pressa.
  Zack começou a beijar meu pescoço e eu apertava suas costas mais ansiosa a cada segundo.
  - Você tem... – iniciei a pergunta, mas me interrompi, certa de que ele já havia entendido o que eu queria dizer. Zack pegou sua bermuda jogada sobre a cama de casal no espaço vazio ao nosso lado e tirou de dentro do bolso dela sua carteira, de onde fez surgir um quadrado de plástico preto, o preservativo.
  Enquanto Zachary se distraía colocando a camisinha, eu pensei. Pensei que estava prestes a transar com o filho de Louise e enteado do meu pai, pensei que até alguns minutos atrás eu ainda não tinha certeza de quem preenchia mais espaço dentro de mim – Zack ou ? – e pensei em como mais nada passou a importar a partir do instante que Merrick havia me tocado. Aquilo sim era estar apaixonada por alguém – aquela certeza de que ele era a coisa mais importante no mundo e que eu não conseguiria abrir mão dele sem pelo menos tentar passar por cima dos fantasmas que me assombravam. De repente, os meus sentimentos por se resumiam a uma amizade profunda e uma gratidão enorme por ele sempre ter sido tão prestativo comigo, por ter me ajudado a superar o fim do meu namoro com Matt e por ter tornado Baltimore tão acolhedora quando eu pensei que jamais seria feliz ali. era uma rocha que me prendia à sanidade a cada vez que meu cérebro estava prestes a pifar. Mas Zachary... Zachary era a pessoa maravilhosa que ocupava meus pensamentos a cada vez que eu via ou imaginava algo bom. Zachary me deixava sem reação porque paralisava cada célula do meu corpo apenas com o seu cheiro. Zachary fazia as minhas entranhas sangrarem de saudade sempre que estava distante, mas conseguia entorpecer a sensação apenas por respirar audivelmente pelo telefone. Zachary era tudo o que eu pediria a Deus se tivesse essa chance, e agora só havia espaço para ele na minha mente.
  Minhas longas conjecturas só duraram segundos; logo Zack já estava deitando-se sobre mim de novo. Incrível como um beijo dele havia solucionado todo um debate interno de vários meses...
  - Você me ama? – ele perguntou voltando a beijar meu pescoço. Um arrepio delicioso percorreu meu corpo quando seus lábios tocaram a base da minha mandíbula e tive que reunir toda a minha concentração para pronunciar as óbvias palavras que falei a seguir.
  - Amo... Muito. – respondi com a voz extremamente afetada de modo que a frase parecia mais um gemido do que duas palavras juntas, e, naquele momento, essa certeza era o bastante para que parecesse correto terminarmos o que havíamos começado.

Capítulo 18

  - Zack, eu preciso te contar uma coisa. Não quero que existam mal entendidos entre a gente. – eu disse sinceramente preocupada com o modo como ele reagiria ao que eu diria. No entanto, contar era a única opção inteligente e justa, então eu não tinha saída. Imaginei que falar sobre um assunto tão delicado seria mais fácil naquele momento também.
  - Hum, o que você aprontou, ? – ele perguntou com um sorriso e continuou acariciando meu cabelo.
  Haviam se passado poucos minutos desde a nossa última atividade – nossa primeira vez, minha primeira vez. Eu estava deitada sobre o peito de Zachary e ele bagunçava meus cabelos, certamente embolando todos os fios possíveis e me dando trabalho para desembaraçá-los depois. Mas se o meu cabelo arrebentaria um pouco com o gesto dele, não importava, porque Zack fazia o melhor cafuné do mundo e isso compensava qualquer dano físico.
  - Eu fiquei com o . – falei tudo como se fosse só uma palavra.
  - Como é? – Zachary questionou e eu me sentei sobre a cama para encará-lo. Sua expressão era genuinamente perplexa, mas ele mantinha um sorriso nos lábios.
  - Eu fiquei com o . – repeti e comecei a rir histericamente. Zack me acompanhou nas risadas e me puxou para mais perto de si.
  - Explica isso direito, . – ele disse, por fim, quando paramos de gargalhar feito dois idiotas como se houvesse graça naquilo.
  - Nós nos beijamos no carro dele quando ele me trouxe pra casa depois do baile dos estudantes.
  - Nós traímos o ? – Zachary questionou depois de passar alguns segundos calado, refletindo sobre o assunto.
  - Não! – eu ri e dei um tapa no ombro dele voltando à posição em que estávamos quando deitados. – A percebeu que havia alguma coisa estranha nos meus sentimentos por você no dia em que você viajou pra Warped. Daí ela deixou escapar isso para o e ele meio que terminou comigo porque eu disse que estava confusa sobre vocês dois.
  - Você ainda está confusa sobre nós?
  - Não, Zack, claro que não. – posicionei-me sobre Zachary de modo a olhar nos olhos dele. – Minhas dúvidas viraram pó no instante em que você me beijou. – falei sinceramente e sorri, sentindo minhas bochechas esquentando.
  Zachary sorriu e me beijou. O beijo começou romântico, lento, sereno. Mas ganhou ritmo e intensidade em poucos segundos. Logo Zack já estava sentado comigo entre suas pernas e eu sentia sua animação crescendo embaixo de mim. Ele me segurou firme pelo quadril e me deitou de novo em sua cama, posicionando-se sobre mim. Zack me beijou do pescoço até o umbigo e então passou a me morder na parte interna da coxa. Mas ele demorou poucos segundos neste último gesto e travou.
  - , você tá sangrando? – ele perguntou assustado tocando meus lábios de baixo antes que eu perguntasse por que ele havia parado. Zachary me mostrou seus dedos sujos do líquido vermelho e manteve os olhos arregalados de choque.
  - Parece que sim. – eu disse frustrada, odiando ter um hímen tão resistente.
  - Eu te machuquei? – Zack questionou ainda mais assustado enquanto sentava-se na cama.
  - Não, Zack. Isso é normal. – falei aproximando-me dele e beijando sua bochecha. – Eu devo ser uma das poucas em todo o mundo que ainda sangram na primeira vez. Sério, a evolução tem a obrigação de acabar com isso e com os dentes siso. – rolei os olhos provocando uma risada em Zachary. – Vou tomar banho. – levantei-me da cama dele vendo o estrago que algumas gotas de sangue haviam provocado no lençol. – Melhor se livrar do seu lençol.
  - Eu faço isso depois. – ele respondeu e se levantou também.
  - O que foi? – perguntei observando o sorriso malicioso dele e seus olhos de gula encarando meu corpo nu.
  - Você não vai tomar banho? – eu assenti com a cabeça, então ele prosseguiu: - Então, eu vou junto. – Zachary me pegou no colo e eu ri divertida enquanto ele caminhava comigo em seus braços rumo ao nosso banheiro.

  - Você acha que devemos contar a todo mundo sobre a gente agora? – Zack perguntou afagando minha cabeça. Nós estávamos espalhados no sofá da salinha de televisão, minha cabeça repousava no colo dele, sobre uma almofada, e assistíamos a um seriado qualquer que passava na tevê. Eu não estava prestando atenção ao que passava na televisão porque ainda me recordava dos beijos que Zack me dera embaixo do chuveiro e aqueles momentos insistiam em se repetir na minha mente como vídeos repassados fora da ordem correta.
  - Acho que seria bom esperarmos minha cirurgia primeiro. E eu ainda não sei qual de nós dois deve falar isso pra . – murmurei preocupada com a reação da minha amiga, acima de qualquer outra coisa.
  - É melhor eu falar com ela. Eu dei esperanças pra , afinal de contas. Eu disse antes de ir pra Warped que ela não tinha que esperar por mim, mas ela falou que já havia esperado doze anos, então poderia aguentar dois meses. E eu não falei nada para dissuadi-la disso. A também não vai te dar ouvidos, provavelmente. Ela com certeza vai só brigar com você. A mim ela vai escutar.
  - É, você tem razão. – respondi e bocejei.
  - Vou te colocar pra dormir agora, mocinha. Você está claramente exausta.
  - Eu aposto que aguentaria um terceiro round. – pisquei sugestivamente para Zack e ele corou enquanto sorria.
  - Não temos tempo pra isso, infelizmente. Daqui a pouco nossos pais chegam. – ele fez uma careta, mas não apagou o sorriso dos lábios.
  - Falando assim parece que somos irmãos e estamos cometendo um incesto enorme, Zack. – comentei torcendo a cara para a ideia.
  - Verdade, né? – Zachary riu alto do jeito espontâneo e delicioso que só ele sabia fazer. – Mas chega de enrolar pra ir descansar. Hora de dormir, . – ele declarou mandão e me obrigou a deixá-lo me carregar para o meu quarto.

  Eu não teria continuado com a ideia daquela festa ou me esforçado tanto para torná-la realidade se Jack não estivesse tão empolgado com o acontecimento. Minha cabeça doía todos os dias não só pelo câncer – eu tinha várias preocupações queimando meus neurônios também. No entanto, não consegui dizer a Barakat assim que descobri o que estava acontecendo comigo que eu simplesmente não poderia organizar nosso aniversário conjunto mais. Por isso, acabei atolada com o planejamento e a organização do evento e, quando o dia chegou, eu nem acreditava que estava tudo ainda melhor do que eu havia imaginado.
  - , o convite já sugeria um grande evento. Mas olha só pra esse lugar! Isso aqui está...
  - Perfeito! – Jack completou a frase de assustando-nos com sua aparição repentina.
  - Gostou mesmo, Jack? – perguntei para constatar e inchar mais um pouco o meu ego.
  - Adorei cada coisa, . Como você conseguiu fazer isso tudo em um mês?
  - Eu já tinha a ideia toda pronta na minha cabeça e tinha uns contatos em New York, e Louise também tem vários conhecidos que poderiam fornecer o que era preciso aqui em Baltimore ou nos arredores, então deu um bom trabalho, mas pelo menos saiu como eu queria. – justifiquei e beberiquei meu coquetel de frutas sem álcool.
  - Quer dizer que você já tinha planejado uma festa com o tema Cassino? – perguntou sorrindo.
  - Eu tinha esperanças de convencer a minha antiga escola a permitir uma festa dessas no último ano. Eles nunca haviam deixado por causa do discurso bobo de incentivar a jogatina, mesmo que o dinheiro usado na festa fosse falso, sabe? – comentei com um sorriso amarelo e a nossa conversa ficou por aí porque o DJ colocou uma música que Jack afirmou que deveria dançar com ele.
  Olhei ao redor observando os adolescentes com trajes de gala – os homens de smoking e as mulheres de vestido longo e salto alto – procurando Zachary naquela multidão. Ele conversava com Alex em um ponto mais afastado da pista de dança e os dois estavam rindo de alguma coisa. Meu coração deu um solavanco com o vi tão perfeito de gravata borboleta e gel no cabelo, então decidi caminhar até onde eles se encontravam. Infelizmente, porém, me interceptou antes que eu cobrisse metade da distância.
  - , preciso falar com você. – ela disse séria e me segurou pelo braço. Assenti e segui junto com minha amiga para um local menos barulhento do salão de festas.
  Zack e eu havíamos combinado que ele falaria com a sobre nós dois depois da minha cirurgia já que eu tinha preocupações demais na minha mente e precisava estar bem para a operação se quisesse um resultado satisfatória nela. Será que ele havia dado com a língua nos dentes?
  - Eu estava entrando no salão quando vi os dois na portaria tentando convencer o porteiro a deixá-los entrar. – disse com a expressão ainda rígida.
  - Que dois, ? – questionei confusa.
  - Acho que é seu ex-namorado e sua ex-melhor-amiga. Eu os reconheci pelas fotos que já tinha visto, mas não tenho certeza. E eles estão de mãos dadas.
  Será possível que Tiffany e Mathew estivessem juntos até hoje? E, se estavam, o que faziam na minha festa de aniversário?!
  - Ok, vou lá na portaria ver o que está acontecendo. – assentiu e sorriu complacente para mim indo em direção a Zack e Alex, do outro lado do salão.
  Caminhei a passos rápidos para a portaria e, quando os avistei de longe, ambos vestidos como se fossem convidados, não acreditei no que enxergava. Por um lado, eu queria gritar com os dois, perguntar como podiam ser tão caras de pau e pedir que esquecessem que eu existia. Por outro, eu queria saber o que havia acontecido com os dois durante aqueles últimos meses e como Tiffany ainda estava com Matt se sempre trocava de namorado mais rápido que do que mudava de roupas.
  - ... – minha antiga melhor amiga sibilou quando saí pelo portão de entrada e estaquei na frente dela e do meu ex-namorado.
  - O que vocês estão fazendo aqui? – perguntei seca e friamente, e cruzei os braços sobre o busto.
  - Nós ficamos sabendo da sua festa pelo o seu pai e achamos que seria uma boa oportunidade para conversar com você. – Mathew respondeu e soltou a mão de Tiffany quando percebeu que eu encarava seus dedos entrelaçados nos dela.
  - Pensaram errado. Vocês não acham que já estragaram coisas demais na minha vida? Não estão contentes com que o já me fizeram e vieram tentar atrapalhar a minha festa de aniversário também? – cuspi as perguntas deixando minha raiva transbordar.
  - , não queremos atrapalhar nada. Só queremos conversar com você. – Tiff disse e deu um passo em minha direção; eu dei outro para trás, afastando-me mais deles, automaticamente.   - Eu não tenho nada para conversar com vocês dois.
  - Então, apenas escute. – a garota pediu. Pensei em deixá-los falando sozinhos lá fora, mas não fiz isso. De certo modo, mesmo que ainda tivesse raiva dos dois, eu compreendia Tiffany um pouco agora. Afinal, não tinha compromisso nenhum com Zack, mas ela o amava, e isso não havia me impedido de ficar com ele.
  - Nós soubemos que você está doente. – Mathew disse quando percebeu que eu os escutaria.   - E só por isso vieram aqui? Querem se desculpar comigo porque não suportam a ideia de que leve a mágoa que tenho de vocês para o caixão? – perguntei ultrajada entendendo finalmente o motivo daquela visita repentina. Se eu estivesse saudável, os dois jamais tentariam se redimir comigo, é claro. Na mente deles, não deveria sequer haver do que se desculparem, eu tinha quase certeza disso.
  - Não, não foi por isso. Há muito tempo nós queremos... Eu quero me desculpar com você e pelo menos tentar explicar o que houve no ano passado. Nós não planejamos te trair, tampouco quisemos fazer isso, . Nós simplesmente nos apaixonamos, aconteceu um beijo entre nós, e na noite que pretendíamos resolver a situação e contar tudo a você, você apareceu de surpresa e tudo ficou um mal entendido ainda pior. – Tiffany disse e seus olhos encheram-se de lágrimas, de repente. – Eu nunca quis perder a sua amizade e até hoje sinto a sua falta, de verdade. Tentei me afastar do Matt naquela ocasião pra que ele tentasse te reconquistar e, sei lá, vocês voltassem a ser felizes como eram, mas ele me disse que não tentaria fazer isso porque só machucaria você mais ainda e já tínhamos feito estrago demais. Eu não vou dizer que me arrependo de ter ficado com o Mathew depois disso. Depois de vocês terminarem, quero dizer. Mas eu me sinto a pior pessoa do mundo a cada vez que me lembro que o beijei enquanto vocês ainda namoravam.
  - Nós acreditamos de verdade que você vai superar essa doença, . Mas precisamos que você faça o seu tratamento sabendo que estamos realmente arrependidos pela forma como saímos da sua vida. – Matt completou e pegou a mão de Tiffany de novo.
  - Obrigada por escutar a gente. – ela disse e os dois deram as costas para mim, indo em direção ao carro de Matt estacionado do outro lado da rua.
  Eu sabia que ainda existia bastante mágoa dentro de mim pela forma como os dois se comportaram antes. No entanto, eu tinha certeza de que, se não tivesse feito o que fiz a seguir, jamais perdoaria a mim mesma.
  - Tiffany? – falei o nome dela baixo, mas Tiff se virou para me encarar. E então andei insegura até ela e lhe abracei de supetão. Tiffany correspondeu ao abraço sem jeito, mas senti lágrimas molhando meu ombro nu, destampado porque eu usava um vestido tomara-que-caia. Larguei Tiffany e abracei Matt também, que me abraçou de volta sem a mesma insegurança de sua namorada. – Vamos entrar pra festa. Vocês dirigiram mais de três horas, então acho precisam se divertir um pouco agora. – falei e sorri forçado, o melhor que eu podia fazer naquela situação.
  - Está falando sério? – Tiff questionou com os olhos arregalados limpando as lágrimas de sua face.
  - Claro que estou. E como sabiam qual traje usar? – perguntei casualmente.
  - Acho que ainda conhecemos você um pouco, . Você sempre quis dar uma festa com o tema Cassino. – minha antiga amiga disse e rolou os olhos, como eu já estava acostumada a vê-la fazer. Sorri então finalmente feliz por perceber que, no fundo, ainda restava amizade entre nós. Claro que nunca mais teríamos a mesma relação, mas nem tudo estava perdido, pelo menos.
  - É bom ter vocês de volta. – eu disse sinceramente, e seguimos juntos para o interior do salão decorado.

Capítulo 19

  Zachary Merrick

  Eu observava parado no meio do corredor enquanto caminhava junto com uma enfermeira para uma sala onde provavelmente trocariam suas roupas pelo traje hospitalar e lhe dariam um sedativo antes da cirurgia. Ela virando a cabeça levemente para trás e acenando para nós, seus familiares e amigos, foi a última visão que tive de até que ela pudesse receber visitas, cerca de dez horas depois.
  Fiquei alguns minutos sentado na sala de espera ouvindo músicas aleatórias no meu iPod. Depois folheei todas as revistas que encontrei pelo caminho, brinquei de pedra, papel e tesoura com Alex, e tentei acompanhar o noticiário – o que foi impossível por causa do barulho ao redor. Conferi as horas novamente no meu relógio de pulso e não haviam se passado nem duas horas desde que entrara para a sala de cirurgia. Decidi, então, ir para o jardim no exterior do hospital caminhar de um lado para o outro enquanto as horas se arrastavam e minha preocupação me consumia por dentro.
  - Ela vai se recuperar disso, Zack. A é forte, ela consegue. – disse por detrás de mim, a alguns metros de distância. Eu encarava a paisagem ao longe sem realmente enxergá-la.
  - Espero que você esteja certa. – respondi automaticamente e suspirei pesadamente.
  - A vida é uma coisa estranha, né? Quando você descobre que está apaixonado por aquela pessoa, que encontrou, finalmente, a sua alma gêmea, uma ironia do destino surge para dificultar as coisas. – murmurou tentando fazer as palavras serem para si mesma, mas eu sabia que ela estava se referindo a mim.
  - Quando você percebeu? – perguntei depois de passar alguns segundos refletindo nas palavras dela. Virei-me para encarar e ela sustentou o meu olhar.
  - Acho que eu sempre soube. Desde que a mudou pra Baltimore você ficou... diferente. Não te vi falando em pegar garota nenhuma depois disso, você sempre reagia estranho quando algum colega brincava em ficar com ela e lembrava a todo mundo, principalmente a si mesmo, que ela tinha namorado. Mas depois que ela ficou solteira, você continuou dizendo que não havia permissão para paquerar sua “irmãzinha”. Seus olhos brilham quando você fala dela... E durante toda a Warped você ligou para ela todos os dias. – dizia as palavras com um sorriso amarelo nos lábios e os olhos cheios de lágrimas, e sua expressão ficou absolutamente séria depois que ela disse a última frase. - Eu não recebi sequer uma mensagem. – ela concluiu e as lágrimas escorreram fartas pelo seu rosto. se apressou em limpá-las com os punhos e voltou a sorrir amarelo para mim.
  - Desculpe, . Eu tentei me apaixonar por você, eu juro que tentei. – falei realmente triste por magoar daquela forma. Tive vontade de caminhar até ela e lhe dar um abraço de reconforto, mas não fiz isso com medo de tornar as coisas ainda piores.
  - Não se preocupe com isso, Zack. Eu sei que você tentou e sei que a quase te obrigou a isso. Não posso te culpar por gostar dela como você gosta. Quero dizer, se eu não te amasse tanto poderia até considerá-los um casal bonito. – deu uma risada. – Acho também que eu descobri que a pessoa certa pra mim não vai precisar se esforçar para me ver com outros olhos, como mais que uma amiga. Você é incrível, Zack, mas acho que está na hora de eu aceitar que você não é o meu cara.
  - Eu tenho certeza que você logo vai encontrar essa pessoa. – falei sinceramente. merecia muito ser feliz e eu me sentia miseravelmente péssimo por fazê-la sofrer de alguma forma. No entanto, o que eu poderia fazer por ela àquela altura?
  - Bom, vamos ver. – ela respondeu e olhou para os seus pés. Passamos alguns segundos em silêncio até que suspirou alto e pigarreou. – Eu estou indo embora, Zack. – ela disse. Arregalei os olhos de surpresa automaticamente.
  - Você o quê?
  - Você sabe que eu sempre quis estudar na Europa, né? Bom, eu me matriculei para tentar uma vaga na Universidade de Brunell, em Londres, e fui aceita. Eu não ia aceitar a vaga a princípio por razões que você deve imaginar...
  - Por minha causa. – interrompi ainda sem saber se me sentia um completo lixo ou se estava, no fim, ajudando-lhe indiretamente a realizar um sonho.
  - É... – ela respondeu e rolou os olhos. – Agora eu decidi que vou. Já informei que desejo assumir a minha vaga no curso de Jornalismo e na semana que vem eu vou pra lá resolver umas pendências. Vou voltar ainda durante as férias de verão para me despedir devidamente de vocês, é claro. Eu só queria que você fosse o primeiro a saber e queria dizer que você e a têm a minha bênção.
  - , eu não sei o que dizer. Você é a melhor pessoa que eu já conheci nessa vida? - a frase deveria ser uma afirmação, mas pareceu mais uma pergunta.
  - Sou a segunda melhor. A ganhou de mim, né? – ela disse tingindo a voz de falso rancor, apesar de que a expressão ainda saiu bem verdadeira. Minha resposta constrangida limitou-se a uma risada forçada. – Posso te pedir uma última coisa? – perguntou como se tivesse travado um debate interior para conseguir fazer aquele pedido, mas acabou optando por fazê-lo.
  - Claro, . – respondi incapaz de negar-lhe alguma coisa depois de tudo o que ela havia feito por mim, por estar se afastando também por minha causa e ainda fazer com que isso parecesse uma bênção, embora ela mesma não o considerasse, provavelmente.
  - Você me dá um abraço bem forte? Tipo aquele que me deu no Natal de quando tínhamos sete anos e eu chorei porque o Jack cortou o cabelo da minha Barbie? – ela riu para a memória, mas seus olhos ainda eram tristes.
  Caminhei até e envolvi sua cintura com meus braços. Ela colocou a cabeça sobre o meu ombro e depositou um beijinho ali. Passamos alguns minutos abraços – eu não sabia dizer quantos, mas quando nos separamos, ela tinha o rosto ensopado de lágrimas e o meus olhos também continham algumas. iria para o outro lado do oceano de uma vez por um bom tempo, e eu ainda não imaginava a minha vida sem a sua presença constante. Eu convivia com desde sempre, e só queria que ela fosse feliz, é claro. Mas eu tinha certeza de que me culparia para sempre por não ser responsável por essa felicidade como um dia ela esperou que eu fosse.


   Aquino

  Os olhos azuis dele encarando os meus foi a primeira coisa que vi quando despertei. Eu me sentia cansada, tonta, com uma vontade desesperadora de ir ao banheiro, mas aquela visão foi capaz de distrair todos os meus pensamentos por um instante. Parecia que só havia eu e Zachary ali, compartilhando um reencontro demorado depois de uma partida dolorosa. Minha cabeça latejou na região da nuca e senti os pontos repuxando minha pele. Então, eu acordei de verdade para a triste e dura realidade.
  - Boa noite, filha. – meu pai disse e acariciou minha mão.
  - Boa noite. – respondi torcendo a cara em uma careta quando constatei que só a parte boa do breve delírio que tive não estava presente; todos os desconfortos estavam ali, pedindo para serem eliminados.
  - Eu quero ir ao banheiro. – eu disse e uma enfermeira surgiu quando mal terminei de pronunciar as palavras.
  - Isso será um pouco desconfortável, mas você ainda não pode se levantar. – ela disse e pediu ao meu pai que se retirasse. Pelo visto, minha estadia naquele hospital seria longa. Muito longa.

  - Não está sentindo dor mesmo? E tem certeza de que não está mais com fome? – Zachary questionou pela milésima vez desde que levaram minha bandeja de alimentos e aplicaram analgésicos no tudo de soro.
  - Sim, Zack. Relaxa, ok? Eu estou bem. Os pontos estão incomodando um pouco, mas é só isso. Daqui a pouco me acostumo com eles também. – respondi e toquei de leve a faixa que envolvia todo o meu crânio.
  - Certo. O médico já esteve aqui?
  - Sim, os dois. Eles vieram enquanto meu pai foi te chamar na lanchonete. Resumindo tudo, eles disseram que tudo ocorreu bem na cirurgia, que retiraram boa parte do tumor, mas que eu ainda vou precisar de radioterapia para eliminar o restante das células cancerígenas. O oncologista, o doutor Marcus, ficou de explicar os detalhes do procedimento pro meu pai já que eu ainda estou lerda por causa dos remédios e da anestesia. – respondi e bocejei.
  - Será que esse tratamento é doloroso?
  - Não é, pode ficar tranquilo. O oncologista disse que não se vê, não se escuta, nem se sente. E o meu cabelo só cai na região que recebe a radio, então eu acho que não vou perder todo o meu cabelo também. – Zack sorriu para mim e deu um beijinho na minha mão livre do tubo de soro.
  - Você ficaria linda de qualquer jeito. – ele disse e se aproximou para me dar um selinho.
  - Zack... – murmurei quando ele se afastou lembrando-me que e meu pai poderiam ver aquilo.
  - Só falta a bênção dos nossos pais para oficializarmos o nosso namoro agora.
  - O quê?
  - A percebeu que eu estou apaixonado por você. Ela veio falar comigo enquanto você estava sendo operada e disse que temos a bênção dela.
  - Jura? – questionei chocada.
  - Juro. – Zack respondeu e riu. – Só tem uma coisa... – falou mais sério.
  - Que coisa? – é claro que a notícia não poderia ser 100% perfeita; eu não tinha tanta sorte.
  - A vai se mudar para Londres. Ela se matriculou na Universidade de Brunell sem nos dizer e foi aceita. Ela disse que não aceitaria a oferta, mas mudou de ideia quando percebeu que eu e ela não ficaríamos juntos.
  - A sempre quis estudar na Europa, mas parece que nossas decisões a obrigaram a ir embora.
  - , ela não sabe que estamos juntos. Eu não disse isso. Só dei a entender que ficaríamos, porque eu gosto mesmo de você. A tomou essa decisão sozinha, e é melhor assim. Eu não estou dizendo que quero que ela fique longe. Eu só acho que vai ser mais fácil pra ela desse jeito.
  - Será que ela virá aqui me visitar? – perguntei para mim mesma depois de pensar um pouco no que Zachary disse. Ficamos alguns minutos em silêncio até que Louise entreabriu a porta do quarto.
  - A e o Alex querem ver a agora, Zack. Depois tem o Jack, o Rian e a Hanna. O quer falar com a a sós e a também. Por que você não aproveita para ir em casa tomar um banho e comer direito, hein, filhote? – minha madrasta disse gentilmente.
  - Eu ainda estou cheiroso e já comi por aqui mãe.
  - Obedeça à sua mãe uma vez na vida, Merrick. Preciso falar com o resto dos nossos amigos mesmo... Depois você volta pra passar a noite comigo, ok? Aproveite sua folga para convencer o meu pai a ir para casa. A coluna dele não aguenta essa cadeira plástica como a sua, então acho melhor você ficar aqui comigo. – olhei para Louise enquanto justificava o que dizia, mas ela sorriu de um jeito que deu a entender que já sabia que alguma coisa estava acontecendo entre mim e o seu filho. De repente, estar internada com sabe-se lá Deus quantos pontos na cabeça parecia uma coisa boa – ninguém me daria bronca enquanto eu estivesse naquela situação.
   chorou quando me viu com a cabeça enfaixada por completo, vestida com aquela roupa hospitalar ridícula e com vários aparelhos ligados ao meu redor. Garanti que estava bem, que ela não tinha com o que se preocupar, e Alex passou os trinta minutos que ficaram ali consolando sua namorada e dizendo coisas do tipo “só abriram o crânio da e tiraram um pedaço do cérebro dela, mas esse pedaço não prestava, amor”. No final, Gaskart tinha mais hematomas do que eu – os beliscões de a cada frase estúpida que seu namorado dizia com certeza deixariam marcas depois.
  Jack e Rian acharam hilário o fato de eu estar internada. Agora eu me afastaria da escola por uns dias, então minhas férias haviam sido antecipadas, o que, para eles, era motivo suficiente para que uma cirurgia daquelas fosse considerada uma bênção.
  - Ah, não, e eu estava louco pra saber como você ficaria careca! – Jack disse melancólico quando eu falei que provavelmente não perderia meus cabelos, exceto pela parte que já fora raspada para a cirurgia, claro.
  - Caralho, Barakat, como é que você fala isso pra uma garota? – Rian deu um tapa na cabeça de Jack e quase derrubou o coitado no chão.
  - Cara, a não é doente como você. Ah, sem ofensas, . Eu quero dizer é que você não é lesada como esse imbecil. Ele não sabe que mulher careca é super sexy, sabe? – Jack sussurrou a última frase como se fosse um segredo cabível apenas a seres superiores. Minha expressão estava torcida em uma careta desde que ele disse a palavra “careca”, mas, quando percebi que ele só estava tentando me deixar melhor do seu jeito distorcido de ser, tentei sorrir abertamente.
   entrou no meu quarto trazendo consigo um buquê de tulipas. Cheirei as flores e pedi que ele as colocasse na poltrona vazia, no extremo sul do quarto, e então ele se sentou na cadeira plástica desconfortável ao meu lado. Suas primeiras perguntas foram básicas: se eu estava bem, se sentia dor em alguma coisa, se o tratamento seria mesmo complementado, tudo o que médico dissera...
  A primeira coisa que reparei quando pus os olhos no meu vizinho foi em como meu organismo reagiu. Não houve coração disparado, minhas mãos não suaram e eu estava tão tranquila perto dele quanto quando estava próxima a Alex, Jack ou Rian. Fiquei aliviada e grata por isso de novo. Desde o dia que Zachary me beijou, me aproximar de era algo comum, natural como com os outros meninos. Mas eu não me cansava de constatar que estava completamente certa sobre meus sentimentos por Zack e que não passava mesmo de um amigo.
  - Você está sério... – murmurei depois que terminei de falar que faria radioterapia para terminar de combater o tumor. Sorri para ele tentando fazer com que sua expressão relaxasse mais, e ele tentou corresponder ao gesto, mas seu sorriso forçado saiu mais parecido com uma careta. - O que foi? Você já viu um caso como esse e não tem boas expectativas para mim? – perguntei preocupada pela primeira vez desde que saí da operação. Eu estava me sentindo muito melhor do que imaginava que poderia, então nem havia cogitado a possibilidade de não me recuperar. Pela primeira vez desde que havia sido diagnosticada com aquele meningioma, eu me sentia esperançosa, verdadeiramente esperançosa.
  - Eu não sou médico, . E não conheço outra pessoa tão jovem que tenha tido esse tipo de câncer. Então, não pense que eu acho que você não vai se curar. Eu tenho certeza de que isso vai acontecer. Só não gostei de te ver assim, com cara de doente, internada... Eu sei que isso é necessário e que você já disse que se sente bem, mas eu simplesmente não gosto de hospitais. – respondeu olhando bem nos olhos. Procurei resquícios de mentira em seu olhar, mas nada disso encontrei. Ele também tinha fé na minha melhora, e, com sorte, todos estaríamos certos, no final.

  - Oi. – disse abrindo a porta do quarto. Ela tinha um sorriso enorme nos lábios e só trazia sua bolsa em uma das mãos.
  - Ei, . – respondi um pouco insegura.
  - Eu não trouxe flores, mas trouxe uma forma de alegrar a sua carinha. – minha amiga falou tirando alguns itens de sua bolsa. Reconheci o rímel, o estojo de maquiagem, o lápis, o blush... Toda a parafernália relacionada a isso conforme as colocava o longo do meu corpo imóvel sobre a cama; eu estava tão dopada que mal conseguia me mexer.
  - Vai fazer a minha maquiagem?
  - Você vai ficar linda. – respondeu e começou a trabalhar. Passamos alguns minutos em silêncio até que decidi falar alguma coisa.
  - O Zack me disse que você vai para Londres. – falei quando ela terminou de passar o batom nos meus lábios ressecados. ajuntou suas coisas na bolsa rapidamente, já tendo terminado seu trabalho, e apanhou um espelho.
  - Sim, eu vou. – ela respondeu e colocou o espelho diante de mim.
  - Nossa, , eu pareço bem melhor. – eu disse não vendo mais sinal de palidez no meu rosto bem pintado. – Obrigada. – agradeci sinceramente.
  - Foi um prazer, . Foi um prazer te conhecer também. Sempre que eu pensava que o Zack estava apaixonado por você, eu te odiava um pouco por dentro, mas esse ódio nunca durou. Acho que eu sempre soube que você é a pessoa certa para fazê-lo feliz. E, acima da minha felicidade, eu quero que ele seja feliz, sabe?
  - Eu só não quero mandá-la embora do país por isso, . – falei.
  - Você não mandou. Eu ficaria pelo Zack, mas acho que erraria se fizesse isso. Eu preciso ir para outro lugar, conhecer pessoas novas, ter experiências novas, entende? Além disso, estudar em Londres sempre foi o meu sonho. – disse mantendo o sorriso que tinha nos lábios desde o momento que cruzou a porta do quarto.
  - Tem certeza que está tudo bem eu ficar com o cara que você ama? – usei as piores palavras possíveis para formular a pergunta, mas não havia jeito fácil de dizer aquilo mesmo...
  - Ele escolheu você, e você escolheu a ele. O que mais eu posso fazer? Amaldiçoar isso não vai me fazer bem algum. Torcer para que dê certo é a melhor opção, eu acho. – sorriu de lado e pegou uma das minhas mãos. – Você tentou me juntar ao garoto por quem era apaixonada simplesmente porque sabia dos meus sentimentos por ele. Você não lutou contra mim e, mesmo assim, você venceu, . O mínimo que posso fazer é concordar com o relacionamento de vocês. Eu só não posso exigir de mim mesma ficar aqui, assistindo isso. Acho que não sou forte o bastante para algo assim ainda, sabe? Ser aceita em Brunell foi uma bênção porque ofereceu tudo o que eu gostaria e precisava. Então, houve incentivo de terceiros sim, é claro, mas foi totalmente a minha maneira de reagir aos últimos acontecimentos. – concluiu e largou a minha mão. Ela afastou a cadeira ao se levantar e guardou o espelho em sua bolsa de novo.
  - Já vai embora? – perguntei e bocejei involuntariamente.
  - Você precisa descansar. Mas durma tranquila. Nós continuamos amigas. – ela me deu um beijinho na testa então, e me deixou sozinha no quarto por alguns minutos. A próxima pessoa que eu vi foi o meu pai quando ele chegou anunciado que deixaria Zachary comigo e voltaria no dia seguinte. Então, assim que Zack sentou-se ao meu lado e começou a ler um livro qualquer em voz alta para que eu adormecesse, eu me senti tranquila, cheia de paz e pronta para uma boa noite de sono.

Capítulo 20

  Eu não sabia exatamente quanto tempo havia se passado desde a minha internação, mas de uma coisa tinha certeza: eu precisava ir para casa. Assim, quando o Dr. Marcus anunciou que me veria de novo na semana seguinte para a minha primeira sessão de radioterapia, fiquei grata pelo simples fato de poder dormir no meu quarto aquela noite e comer a comida maravilhosa de Louise, em vez da gororoba estranha do hospital.
  Um cartaz enorme de Boas Vindas estava pendurado na parede da sala de entrada da minha casa. Meus amigos mais próximos me receberam com um abraço, e Zachary manteve seu braço ao meu redor o tempo todo, uma vez que eu ainda estava com problemas de coordenação o bastante para não conseguir caminhar totalmente sozinha. Não dava para chamar aquele acontecimento de festa, e eu tinha certeza de que meu pai e minha madrasta haviam freado minhas amigas para que elas fizessem algo mais simples. De qualquer modo, quanto mais eu observava os balões pendurados em volta, os salgadinhos e o bolo que havia na comemoração, mais eu percebia que a simplicidade sempre combinara mais comigo do que a sofisticação que tentei enfiar na minha vida enquanto morava em New York. Talvez Baltimore fosse meu verdadeiro lugar, afinal.
  Aquela noite de sono foi a melhor que tive em meses. Parecia que um peso enorme havia sumido das minhas costas, embora eu soubesse que não estava nem perto de vencer a guerra contra o câncer ainda. Na verdade, talvez eu não vencesse nunca. Talvez tivesse recebido mais alguns meses para aproveitar as pessoas que amava e, ao mesmo tempo, para torturá-las com meu sofrimento. Balancei a cabeça de um lado para o outro como se isso fosse afugentar meus pensamentos, e levantei-me da cama quente e confortável para encarar meu primeiro dia em casa depois do que pareceu uma eternidade.
  Consegui andar até o guarda-roupa e catar um vestido florido e um conjunto de calcinha e sutiã cor de rosa. Mas antes de alcançar a porta do quarto, minha visão ficou embaralhada e um zumbido estranho soou no meu ouvido. Sentei-me na cama esperando que o transtorno passasse, no entanto, isso não aconteceu. Pelo menos, não até Zack entreabrir a porta e falar comigo:
  - Bom dia, . – ele disse. Sua voz rouca de sono me fez sorrir, apesar de eu ainda estar me sentindo mal.
  - Bom dia. – respondi e bocejei. Andar até o armário e carregar uma troca de roupa já haviam me deixado extremamente exausta. Novamente, a sensação que tive era de que aquele pesadelo jamais acabaria.
  - Estava indo tomar banho?
  - Vou precisar de ajuda para isso.
  - Eu ficaria feliz em ajudar, mas não acho que seu pai vá concordar com algo assim, então... – Zachary comentou e riu. O som da risada dele combinada com a impressão de ouvido entupido durante um voo foi algo esquisito, mas ainda assim não pude evitar rir também.
  - Não vai mesmo. Você pode pegar meu celular pra mim? Está na mesinha de cabeceira.
  - Claro. Mas pra que você precisa dele?
  - Vou ver se a ainda quer ser minha enfermeira.

  As próximas semanas passaram rápido e devagar, ao mesmo tempo. As horas corriam quando eu estava sentada no sofá sentindo o cafuné de Zack, e se arrastavam todas as vezes que eu chegava ao hospital para a radioterapia – o que acontecia todas as manhãs, de segunda à sexta-feira. Meu pânico com relação ao tratamento foi devastador no início porque as dores de cabeça, a náusea, os vômitos, o cansaço excessivo e o quanto eu me sentia retardada ao final de cada sessão me fizeram desejar a morte fervorosamente. Claro que eu não disse nada disso a Zack, a qualquer um dos meus amigos ou ao meu pai. E fiquei feliz por ter mantido esses pensamentos para mim quando, depois de três semanas de radioterapia, eu já não sentia nada ao final de cada sessão.
  Para diminuir a fadiga constante que eu sentia, meu pai contratou uma fisioterapeuta que me visitava todos os dias por uma hora na parte da tarde. River era tão animada e gentil que, mesmo que os exercícios que ela me recomendava e praticamente me obrigava a realizar exigissem mais do que eu julgava ser da minha capacidade, cada hora que passávamos juntas renovava meu ânimo e me dava mais vontade de viver. Assim, com o tempo, acabamos nos tornando boas amigas e, graças a ela, eu não precisava mais de ajuda para tomar banho, descer as escadas, preparar meu lanche ou mesmo dirigir.
  Dois meses haviam se passado desde a cirurgia e eu já me sentia outra pessoa. Eu era outra pessoa. Caminhar por meia hora junto com no domingo de manhã ganhou outro significado, afinal, eu havia passado semanas sem saber como caminhar sem o auxílio de alguém, e poder simplesmente conversar com um amigo sobre amenidades da vida de repente era tudo o que eu precisava para ser feliz. Minha matrícula para o semestre letivo já havia sido realizada, mas eu ainda não tinha certeza se meu tratamento terminaria a tempo. De qualquer modo, eu poderia iniciar meu futuro no semestre seguinte se tudo continuasse correndo bem como estava. Havia esperanças válidas para mim e isso me fazia acordar com um sorriso nos lábios todos os dias.
  Meu sorriso foi ainda maior e mais constante no dia em que saí do consultório do oncologista depois de receber alta do tratamento. Eu veria meu médico de novo dali um ano, quando faríamos um check-up para observar se tudo estava bem. Foi a partir de então que o dia 30 de Agosto tornou-se a minha nova data de aniversário, um marco na minha vida, um dia com verdadeiras razões para comemorar. E foi o que eu e minha família fizemos naquela noite – chamamos os meninos da banda, , e e fomos todos a um restaurante festejar o fim da pior etapa que provavelmente todos nós já havíamos enfrentado.

  - Pai? Louise? - chamei antes que o casal subisse as escadas. Talvez não fosse o melhor momento do mundo, mas eu e Zachary já havíamos adiado a conversa com eles por tempo demais. Eu sabia que ninguém tocava no assunto porque eu era o objeto mais delicado da casa agora. Mas não era como se fosse possível adiar aquilo para sempre.
  - Sim? – os dois responderam em uníssono.
  - Acho que nós temos que conversar sobre algumas coisas.
  Foi constrangedor encarar meu pai e minha sogra (?) diante de mim e de Zack, todos nós sentados à mesa da cozinha. Apresentar Mathew aos meus pais nem foi necessário – eles já o conheciam porque estudávamos na mesma escola desde sempre. Não que Zachary precisasse ser apresentado ao meu pai também – Steve provavelmente o conhecia melhor do que eu mesma -, mas, desta vez, isso só tornava as coisas ainda mais estranhas.
  - Ok, crianças, vamos poupá-los de constrangimentos. Nós sabemos que os dois estão de namorico, é claro. Eu ficaria mais chateado com a situação, mas dado os últimos acontecimentos, acho que seria melhor pra todos nós simplesmente respirarmos com tranquilidade por um tempo. – meu pai disse e pude ouvir Zack e Louise suspirando de alívio antes que eu pudesse fazer isso.
  - Obrigado, Steve. – Zachary agradeceu e estendeu a mão para o meu pai sobre a mesa.
  - Eu sou um pai sortudo, afinal de contas. Quero dizer, eu ajudei a criar meu genro, certo?
  - Certo. – Zack e sua mãe disseram ao mesmo tempo.
  Aquela noite eu recebi um beijo de verdade de boa noite – não o beijinho na testa dos últimos dois meses e 10 dias. Aquela noite eu tive os mais belos sonhos de toda a minha existência.

***

  A primeira semana de Setembro de 2006 foi recheada de despedidas. No dia 02, sábado, pegou o voo das 19h no aeroporto de New York. Zachary dirigiu até a capital do estado vizinho, e Alex foram junto conosco, e às três horas de viagem passaram num piscar de olhos. Quando me deitei para dormir aquela noite, meus olhos estavam inchados pelas lágrimas e minha mandíbula doía nas articulações porque passei tempo demais rindo. Completamente contraditório – exatamente como os meus sentimentos com relação à mudança de para Londres.
  Domingo à noite foi a vez de ir para New York. Ela havia recebido uma bolsa de estudos em Julliard, para cursar Teatro, e precisaria trabalhar muito nas primeiras apresentações do semestre para manter o convite pelos próximos anos. Ninguém que conhecesse bem a duvidada que ela seria capaz disso e muito mais; em se tratando dela, nem o céu era o limite. De qualquer modo, foi impossível negar o quanto eu sentiria a sua falta.   - Vou vir para casa todos os finais de semana, eu juro. – disse ainda me abraçando.
  - Quando não puder vir por causa de alguma peça na Broadway ou algo do tipo, só avise que eu dou um jeito de ir para lá, certo? – respondi com os olhos marejados.
  - Certo. – minha melhor amiga respondeu com uma risada, abraçou Zack bem apertado e seguiu até seu carro que seria dirigido por Alex aquela noite.
  No final de semana seguinte, eu me vi dando adeus ao meu namorado. Por minha causa, o All Time Low fez uma turnê de três semanas no mês de Julho substituindo o baixista. Isso não era bom para a banda, uma vez que ainda estava em ascensão, mas Zachary não concordou de modo algum em sair de perto de mim desde a cirurgia, e, honestamente, eu sabia que não teria me recuperado tão bem sem o apoio e o carinho dele. Sem dúvidas, uma das coisas mais admiráveis em Zack era sua força. Eu não me imaginava capaz de vê-lo nas situações em que ele me viu – vomitando as tripas por uma noite inteira, sendo incapaz de segurar um copo sozinha ou mesmo esquecendo o nome dos nossos amigos vez por outra. As reações à radioterapia foram devastadoras para mim emocionalmente, mas eu não podia calcular como tudo pareceu a Zack, que se sentia incapaz, inútil e provavelmente se perguntava quanto tempo mais aguentaria me ver morrendo aos poucos daquele jeito. No entanto, mesmo com tudo isso, ele se recusou a sair do meu lado.
  - Não acredito que você vai viajar amanhã. Vou ficar quanto tempo sem te ver? Um mês? – comentei enquanto caminhávamos para o interior de nossa casa. Era sexta-feira à noite, havíamos passado à tarde no shopping e ainda não sabíamos se nossos pais estavam ou não em casa.
  - Duas semanas. Em duas semanas eu venho passar um ou dois dias com você, depois viajo de novo por mais duas semanas. E então veremos como e quando será a próxima turnê.
  - Vou sentir sua falta. – murmurei segurando as lágrimas enquanto Zack trancava a porta da casa atrás de nós.
  - Também vou sentir muito a sua... – ele respondeu me abraçando e depositou um beijo no alto da minha cabeça. – Acho que devíamos fabricar algumas lembranças para esses dias que passaremos longe um do outro. O que você acha?
  - Eu acho que isso é uma ótima ideia. – falei sorrindo e me afastando de Zack para poder encará-lo.
  - Você acha que já consegue... – ele começou a perguntar com o rosto rosado pelo rubor.
  - Peraí. – eu o interrompi. - Por isso você não arranjou um jeito de ficarmos juntos a sós até hoje? Você pensou que eu não conseguiria?
  - Eu não queria te pressionar, . Além do mais, você está se recuperando ainda e... – coloquei um dedo de leve sobre os lábios de Zachary e me pus nas pontas dos pés para alcançar sua boca com a minha. Ele me conhecia o bastante para saber quando um beijo significava que eu queria ir mais longe, que eu precisava disso. E os primeiros segundos que passamos colocados um ao outro foram só o início de uma das melhores noites da minha vida.

Capítulo 21

  - Feliz aniversário! – a turma inteira de amigos gritou animada quando Zachary escancarou a porta murmurando alguma sobre ninguém ter ido buscá-lo no aeroporto depois dele ter passado três meses fora e ainda não ter conseguido falar com ninguém pelo telefone.
  - Vocês fumaram maconha estragada? – ele perguntou rindo.
  - Zachary! – Louise repreendeu seu filho automaticamente.
  - Meu aniversário foi há dez dias. – Zack disse recebendo um abraço de Alex.
  - Mas você não estava aqui há dez dias, então estamos fazendo sua festa agora. – respondi abrindo caminho em meio às pessoas ali reunidas.
  - Ok, vamos comer e beber e deixar o casal apaixonado a sós. – Jack disse apanhando o controle remoto do som. – Vocês dois, somem daqui. – ele apontou pra gente e ligou o aparelho que estrondou Black Eye Pires no espaço e fez nossos amigos da época da escola começarem a dançar.
  Peguei meu namorado pela mão e andamos rapidamente até a varanda dos fundos da casa. Assim que empurrei a porta da cozinha atrás de nós, Zack me abraçou apertado e me beijou longo e demoradamente. Era maravilhoso sentir sua pele contra a minha de novo, nossa respiração ficando ofegante, meu coração batendo tão forte dentro do peito que chegava a doer o pericárdio. Tudo o que eu gostaria naquele momento era que estivéssemos só nós dois ali e houvessem quatro paredes nos cercando.
  - Que saudade do seu cheiro! – Zachary comentou respirando fundo e afundando seu rosto nos meus cabelos.
  - Também senti muito a sua falta. – respondi sinceramente e recebi outro maravilhoso beijo em seguida.

  O mês seguinte à volta de Zachary e todos os seus amigos para casa foi um dos melhores da minha vida. Eu estava fazendo poucas matérias do meu curso – apenas o necessário para fechar a quantidade obrigatória de créditos -, então tinha três dias lotados na semana e o restante livre para curtir o meu namorado. Pequenas e simples coisas do dia a dia já tornavam as horas perfeitas – ver um filme deitada de conchinha com Zack, assistir seu ensaio de todas as manhãs e fingir estar prestando atenção quando ele cismava me ensinar a tocar baixo, pedir inutilmente que parasse de mordiscar meu pescoço enquanto eu estudava Anatomia... A vida não podia ser mais perfeita do que aquilo, eu tinha certeza disso.
  Três semanas antes das férias de verão, o All Time Low viajou de novo. Eu e encontraríamos os nossos namorados em Los Angeles no show de finalização da turnê depois de passarmos 78 dias longe deles. Contei as horas desde a viagem de Zack até o momento que colocaria os olhos e as mãos nele antes do show – ao qual e eu teríamos total acesso ao camarim e veríamos tudo de trás do palco. E, novamente, abraçar Zachary depois de passar tantos meses apenas recordando a sensação de tê-lo junto de mim foi a maior recompensa possível por ter esperado aquele interminável tempo.
  Cada show que eu presenciava da banda dos meus amigos favoritos renovava a minha admiração por eles. Quando eu pensava que não era possível ficar mais animada e contagiada pela paixão deles pelo que faziam, me surpreendia de novo! Eu havia passado a noite toda em claro escutando as músicas da banda, então sabia a letra de cada uma delas de cor, assim como . Apesar disso, eu ainda não tomaria o título de “fã número um” dela – e Alex eram tão sincronizados que ela até refletia os movimentos dele durante as apresentações.
  - Amanhã nós vamos para Baltimore. Hoje vamos dormir em um hotel aqui perto. – Zack disse e mordiscou minha orelha, arrepiando cada poro do meu corpo.
  - Galera, o que vocês acham da gente procurar uma boate bacana agora e aproveitar o resto da noite? – Rian sugeriu animado esfregando uma mão na outra como quem arma um plano diabólico.
  - A e eu temos coisa mais interessante pra fazer essa noite, Dawson. – Alex respondeu beijando o alto da cabeça de sua namorada. Nós estávamos andando até onde a van que nos levaria ao hotel havia sido estacionada.
  - Idem. – Zack disse.
  - Eu também. – Jack falou passando a mão nos cabelos curtos. Todos nós olhamos para ele fixamente. – Nossa, gente, isso magoa, de verdade. O que é? Eu não posso ter um encontro?
  - Não vai pegar nenhuma fã menor de idade, hein, Jack? Pelo amor de Deus, cara! – Mark, o empresário da banda, que estava tão calado até então conferindo itens em sua prancheta que eu mal havia percebido sua presença, comentou sem tirar os olhos dos papéis.
  - Até tu, Mark, meu companheiro? – Barakat falou tristonho. – Pois chupem todos vocês: eu tenho um encontro hoje com uma garota de verdade, que tem a nossa idade, mora aqui em L.A e ouviu falar em All Time Low pela primeira vez na vida quando eu disse pra ela ontem na cafeteria que sou guitarrista.
  - Parabéns, Jack. Espero que dê tudo certo com ela. Como a garota se chama? – eu disse sinceramente feliz por vê-lo falar com tanto orgulho de alguma moça. Normalmente Jack só tinha “peguetes” e mal se lembrava o nome delas para dizer alguma coisa aos amigos.
  - . Ela estuda na Universidade de Los Angeles. Faz Cinema. – ele respondeu com os olhos brilhantes. Com certeza a conseguiu surpreendê-lo!
  - Não estrague tudo com ela então. E boa sorte com isso. Que Deus te guarde e ilumine. – Zack disse sério.
  - Amém! – Rian, Alex e Mark completaram em uníssono fazendo o sinal da cruz. Eu ri automaticamente.
  - Caramba, gente, deem um pouco de crédito ao Jack. – falou em seu tom de repreensão que fazia qualquer um se sentir arrependido e quase pedi-la desculpas por ter falado algo. – E torce pra não dar tudo certo pra ele, Rian, porque, se der, eu vou rir até a morte porque o Barakat, que fala mais merda do que qualquer outra coisa, desencalhou antes de você. – completou e gargalhou alto.
  - Ok, vou sair daqui antes que vocês destruam o resto da minha autoestima. – Jack falou.
  - Você está indo porque já chegamos na van. – Zack disse e rolou os olhos.
  - Não estrague o carro porque é alugado e custa mais do que a sua vida, não faça merda que depois eu tenha que limpar pra não refletir na banda, e volte até amanhã às nove. Nove e meia estamos indo pra casa. – Mark instruiu Jack jogando-lhe as chaves do veículo e todos nós recebemos um “tchau, eu amo vocês” de Barakat antes de entrarmos na van a caminho do hotel.

  Zack trancou a porta do quarto e virou-se para mim. Seus olhos azuis sorriram ao mesmo tempo que seus lábios projetaram o meu sorriso torto lindo, malicioso e perfeito. E então, ele colou os lábios nos meus e agarrou minha cintura com força. As mãos de Zachary deslizaram pela curva do meu tronco e agarraram minha bunda; juntei minhas pernas ao redor de sua cintura e, quatro passos dados por Zack depois, senti o colchão macio contra as minhas costas.   Meu namorado desabotoava minha blusa branca enquanto beijava meu pescoço, ao passo que eu acariciava suas costas e, a cada minuto, ficava mais ofegante. No momento seguinte, Zachary livrou-se também da minha roupa de baixo e trocamos de posição para que eu retirasse as suas roupas – tarefa que já podia realizar muito melhor do que um ano atrás, quando transamos pela primeira vez.
  Fazer aquilo com Zack era sempre uma experiência renovada, mesmo que os nossos movimentos fossem parecidos às vezes. Ter seus lábios percorrendo toda a extensão do meu corpo e beijar cada centímetro dele também era diferente e inesquecível a sua própria maneira em cada ocasião em que isso acontecia.
  - Eu te amo. – ele sussurrou no meu ouvido e deitou-se ao meu lado completamente suado e com a respiração entrecortada.
  Fechei os olhos e registrei mentalmente o aroma perfeito que nossos perfumes juntos no ar formavam, e repeti a mesma frase que ele antes de adormecer completamente exausta.

  No dia seguinte, acordei com um beijo no ombro. Eu estava deitada de bruços na cama, um lençol cobrindo meu corpo nu. Mantive os olhos fechados sem vontade alguma de me levantar.
  - Já são quase nove horas, . Você precisa comer e se trocar antes de irmos para o aeroporto.
  - Não quero acordar agora. – respondi como uma garotinha mimada sem mover um músculo.
  - Pois vai ter que acordar... – Zack deu dois tapas na minha bunda e deitou-se sobre mim.
  - Ai, Merrick, tá me esmagando! – reclamei sentindo seus 80 quilos pesarem sobre os meus 50.
  - Ok, então fica aí dormindo. Não vai dar tempo da gente tomar banho junto por isso. - ele disse como quem se rende.
  - Certo, você me convenceu. – Sentei-me na cama tirando o lençol de sobre mim e estendi os braços. – Me carrega? – pedi fazendo beicinho.
  - Você vai adorar essa banheira, senhorita mal acostumada! – Foi sua resposta antes de me erguer e correr comigo para dentro do banheiro incrível do hotel.

  Aquele verão foi o melhor da minha existência. Louise e Steve permitiram que Zack e eu viajássemos para o Hawai junto com , Alex e o casal “Janna” (a combinação de Jack e inventada por e que os dois loucos envolvidos amaram quando escutaram). A namorada de Jack era tão divertida quanto ele, e acho que isso que tornavam os dois um casal tão perfeito quanto e Alex e, por que não, Zack e eu. Assim, ficar hospedada em um paraíso que permitia passeios de lancha, bebidas tropicais com gosto de bala, banhos de piscina e massagens num SPA incrível junto com amigos tão apaixonantes e o melhor namorado do mundo me fizeram pensar em como morrer no ano anterior realmente não era opção – eu ainda não havia vivido nem uma pequena fração do que gostaria.
  Nossos dias na única parte tropical dos Estados Unidos passaram muito rápido. Logo já estávamos desembarcando em Maryland e faltavam duas semanas para o início do próximo semestre – um mês para a próxima turnê dos garotos.
  - Caramba, que diferença mesmo de ambiente. – comentou quando a chuva ficou ainda mais forte. Já estávamos entrando no carro de Rian, cada um de nós louco para chegar logo em casa depois da demorada viagem de volta.
  - Sejam bem vindos. – Mark comentou exalando a melancolia que aquela tempestade transmitia.
  Tomei um banho rápido, e, quando entrei no meu quarto em casa, nem pensei em desfazer as malas. Caí na cama e apaguei até o dia seguinte. Levantei-me com a luz do sol invadindo o ambiente e fiquei desnorteada por causa da claridade. Tropecei em direção ao banheiro, e então uma onda de tosses me pegou de surpresa. Minha cabeça latejava de dor e eu tossia involuntariamente – os pulmões doendo tão intensamente quanto a minha cabeça, e a dor de ambos me lembraram imediatamente o sofrimento do ano anterior, ainda tão recente em minha memória. Parei de tossir apenas para vomitar no vaso – o mesmo vômito rápido que o câncer e a radioterapia costumavam me provocar. Antes que eu pudesse pensar mais sobre isso, uma nova leva de tosses irrompeu pela minha garganta.
  - , o que houve? – Zack perguntou abrindo a porta do banheiro sem autorização.
  - N... – tentei falar, mas a tosse me interrompeu por mais alguns longos segundos. – Nada. – respondi e coloquei as mãos sobre a boca de novo voltando a tossir. – Senti algo molhado nas palmas e destampei a boca quando a tosse cessou, minha garganta ardendo quase tanto quanto o meu tórax. – Deve ser uma gripe. – falei, mas eu soube que isso não era verdade quando olhei para as minhas mãos sujas de sangue.

Capítulo 22

  Tudo o que eu temia aconteceu nas semanas seguintes. Voltar aos hospitais e passar os dias realizando exames era algo esperado, afinal, o Dr. Marcus adiantou a consulta de check-up em uma semana devido à minha última crise, mas eu já sabia que aquilo aconteceria antes das aulas. No entanto, os medos que se concretizaram foram exatamente aqueles que invadiam meus piores pesadelos, aqueles que me jogavam de novo no buraco fundo de dor e empurravam todas as pessoas que eu amava junto comigo. O buraco chamado recidiva.
  - Você está com metástases espalhadas na região anterior e posterior do cérebro e nos pulmões. – o médico disse lentamente com a testa vincada encarando meus olhos apavorados.
  - Não, não, não, não... – Eu repetia com o rosto afundado nas mãos e sentindo as lágrimas escorrendo pelos meus olhos. – Você disse que eu estava curada ano passado, lembra? – esbravejei para o doutor como se isso fosse culpa dele, mas sem conseguir externar minha frustração de outra maneira. – O que deu errado?
  - , eu disse também que havia a possibilidade de uma recidiva. Mas lembre-se que isso não quer dizer que você não vá sobreviver...
  - Quer dizer sim, doutor. Você vai prescrever uma lista interminável de radioterapia, quimioterapia e não sei mais que terapia para tentar prolongar a minha vida até que o tratamento não funcione mais e eu vá pra casa com um calendário marcando a data da minha morte pra dali alguns meses. – Gritei sem parar para pensar que meu pai estava ao meu lado ouvindo cada uma das minhas palavras e chocado demais para esboçar uma reação. – Eu vou morrer de qualquer jeito. – sussurrei de repente quase tão exausta quanto quando saí da primeira sessão de radio que fiz.
  - Todo mundo vai morrer de qualquer jeito, . Faz parte do ciclo natural da vida isso. A medicina busca métodos de lutar contra fatores que tentam encurtar esse ciclo, mas é ilusão demais pensar que é possível fugir dele. Eu sei que é frustrante passar por isso. Eu sei que você está cansada, esgotada desse tipo de notícia. Mas é cedo demais pra perder as esperanças, e, quando isso acontece, você só pesa a balança pro lado da doença, e nós precisamos de tudo a favor do nosso lado, do lado que vai te tirar dessa. Você conseguiu ano passado, você venceu uma vez, lembra?
  O médico esperou pela minha resposta, então assenti afirmativamente.
  - Então vamos conversar sobre como vamos batalhar para conseguir vencer de novo agora.

  Eu não dei a notícia a Zack – ele estava aguardando na sala de espera, mas me recusei a sair do consultório do médico enquanto ele estivesse por lá e pudesse ver minha cara de choro e desconsolo. Dr. Marcus esperou pacientemente até que meu pai conduzisse Zachary para fora do hospital, e eu saí de sua sala em seguida imaginando como aguentaria o que estaria por vir.Meu pai me enviou uma mensagem de texto pedindo que eu pegasse um táxi para casa. Assim, em poucos minutos alcancei meu quarto, despenquei sobre a cama e dormi tão profundamente quanto de costume quando estava doente. Acordei no final da tarde e a primeira coisa que vi foi Zachary – ele estava deitado do meu lado acariciando o meu braço.
  - Ei... – eu disse sorrindo automaticamente e então vi as lágrimas escorrerem pelo resto dele. – O que foi, Zack? – perguntei curiosa. Ele balançou a cabeça negativamente recusando-se a me responder. Foi então que me lembrei da resposta. Ele estava chorando porque estava com medo de me perder e as possibilidades eram grandes. O choro irrompeu pela minha garganta então e nós dois nos abraçamos transformando nossos temores em água e arruinando a camiseta um do outro.
  Não sei quanto tempo passamos naquela situação até que estávamos cansados demais para derramar sequer uma lágrima.
  - Vou ter que fazer quimioterapia dessa vez também. Vou perdeu meu cabelo todo. – comentei quebrando o silêncio que havia se instalado entre nós.
  - Seu cabelo vai crescer de novo. - Zack respondeu.
  - Se eu sobreviver.
  - Para. – ele pediu com a voz firme.
  - Vamos encarar os fatos, Zack. – falei com raiva.
  - Não existem fatos que levem a isso ainda. E mesmo se existirem algum dia, não fala isso. Eu me recuso a acreditar que você vai... que eu não vou... Eu não aceito isso, então não fala! – ele respondeu com ainda mais raiva. – Eu não quero viver se você não estiver aqui. Você quer que eu morra também?
  - Não, claro que não! E você não pode falar isso também. Você vivia antes de me conhecer... – meu tom de voz demonstrava todo o meu pânico sobre o que Zachary faria consigo mesmo se ou quando eu morresse.
  - Mas eu acostumei a viver com você, . Olha, você não fala em morte e eu também não falo, combinado? – ele propôs com a voz em tom normal ao passo que acariciava as minhas mãos.
  - Combinado. – respondi abraçando-o, completamente incapaz de prosseguir com aquela discussão sem objetivo que apenas machucaria a nós dois, e me perguntei o que eu faria se fosse Zack quem estivesse morrendo. Balancei a cabeça de um lado para o outro me recusando a processar uma informação dessas que doía mais do que qualquer coisa no mundo.

  Meu corpo rígido e gélido repousava sobre um tecido branco que revestia o caixão de madeira escura. Eu estava vestida com uma blusa branca de renda e meu short jeans preferido. Sapatinhos brancos com um lacinho na parte dorsal estavam encaixados nos meus pés e meus cabelos caíam em ondas pelos ombros.
  Paz. Por um instante uma onda gigante de paz invadiu o momento. Mas, no instante seguinte, essa mesma paz desapareceu porque Zachary debruçou-se sobre o meu corpo e chorou tão pesada e sofregamente que tudo o que eu quis foi abraçá-lo, dizer que a dor havia passado, que eu estava bem agora. Mas eu não podia tocá-lo. Porque eu estava morta.
  Abri os olhos e cobri a boca com as duas mãos quando percebi que estava gritando.
  - Xiiii... Eu estou aqui, . – Zack me garantiu e me abraçou mais forte.
  Esse era o meu primeiro pesadelo desde que Zack começou a dormir comigo todas as noites. Meu pai não havia se importado porque não era como se eu tivesse disposição suficiente para fazer alguma coisa com meu namorado. Era a minha segunda semana de quimioterapia e eu estava mais esgotada do que nunca. Os pesadelos eram o que mais me deixavam cansada, na verdade. Eles faziam com que eu me esforçasse para ficar acordada até quando eu claramente precisava de algumas horas de sono. É claro que, a maioria das vezes, eu fracassava em minhas tentativas de não dormir, mas aí os pesadelos aconteciam e eu acordava mais cansada do que quando havia fechado os olhos.
  - Quer falar sobre isso? – meu namorado perguntou, como sempre. Balancei a cabeça negativamente.
  A luz opaca dentro do quarto produzida apenas pelo abajur que ficava na cômoda deixava o ambiente aconchegante e romântico. Perguntei-me como eu não havia percebido isso antes. Fitei os olhos azuis de Zachary me encarando com ternura e sua carinha de sono me fez sorrir.
  - O que foi? – ele perguntou sorrindo também, feliz por me ver feliz.
  Como resposta coloquei a mão direita em sua nuca e puxei seu rosto para o meu. Nossos lábios se encaixaram perfeitamente, e o beijo ficou mais intenso depois de passarmos alguns segundos nos beijando. Em um movimento rápido demais para quem estava desorientada como eu estava a maior parte do tempo, coloquei-me sobre o tronco de Zack, meu quadril encaixado no seu, minhas pernas abertas sobre o seu corpo.
  Zack havia acabado de tirar a minha blusa quando minha respiração ficou extremamente ofegante.
  - , tem certeza que quer continuar com isso? – ele perguntou preocupado, mas continuou mordiscando o meu pescoço.
  - Acho que você vai ter que ficar por cima dessa vez. – Respondi quase aos gemidos e Zack riu, trocando de lugar comigo em seguida.

  Os pesadelos desapareceram depois que arranjei a interessante forma de afugentá-los, e Zachary era extremamente útil nesse sentido. É claro que eu não tinha disposição para aquilo todos os dias, mas sexo se tornou algo bem mais frequente na minha rotina.
  - Está praticando alguma atividade física além da fisioterapia, ? – River me perguntou enquanto ajustava os pesinhos no meu calcanhar. Corei instantaneamente. – Sexo também conta. – Ela disse e eu ri alto ficando ainda mais vermelha.
  As coisas estavam indo melhor do que eu havia previsto, até que o efeito colateral que eu mais temia se manifestou com força suficiente para que uma máquina de cortar cabelo fosse necessária. Isso aconteceu quase quinze dias depois da primeira sessão. Passei os dedos pelo meu cabelo e mechas e mais mechas ficaram presas nas minhas mãos. Chorei como uma garotinha boba e me recusei a sair de casa enquanto não me arranjassem uma peruca que imitasse pelo menos um pouco o meu antigo cabelo. Hanna conseguiu um cabeleireiro tão bom que o homem praticamente sondou a coisa no meu crânio. Mas alguns dias depois de lançar mão deste artifício em benefício da minha aparência, eu comecei a me sentir artificial demais e até mesmo deslocada na ala do hospital frequentada pelas pessoas com câncer. Assim, mais dias se passaram, eu desisti de usar a tal peruca e passei a treinar minhas habilidades com lenços e a adicionar mais chapéus ao meu guarda-roupa.
  A próxima turnê do All Time Low chegou e eu sabia que um momento talvez mais difícil do que descobrir que o câncer havia voltado chegara – o momento de convencer Zack a ir e me deixar aqui.
  - Cara, nós podemos substituir o baixista de novo se você precisar. – Alex disse coçando a nuca. Todos os garotos estavam reunidos na sala de estar da minha casa e essa foi a frase que escutei quando desci as escadas e percebi que estava acontecendo uma reunião por ali.
  - Não podem não. – Respondi por Zack adentrando o espaço.
  - , deixa que eu resolvo isso com os caras...
  - Não. – eu interrompi a voz carinhosa de Zachary tentando me persuadir. – Eu já sei o que você vai fazer. Vai ficar aqui, plantado do meu lado como fez no ano passado. E eu permiti no ano passado porque pensei que isso não aconteceria de novo, que eu não te prejudicaria muito. Mas estou vendo que não é bem assim que as coisas funcionam. Eu não vou permitir que você atrapalhe a sua vida por minha causa. – Eu disse firme, embora pensar em não dormir com Zachary junto a mim já me doesse profundamente.
  - Nem morto eu vou viajar e te abandonar aqui. – Ele disse como se eu fosse aceitar aquilo como última palavra.
  - Ok, Merrick. Me deixe infeliz no momento mais difícil da minha vida então. – Rebati ainda disposta a convencê-lo a ir para aquela turnê.
  - Você vai ficar infeliz se eu for então? É melhor pra você que eu não esteja por perto?
  - Se coloque no meu lugar um momento, Zachary. Você preferiria que eu ficasse aqui, assistindo a sua morte, ou que tocasse a minha vida? Como você quer que eu reaja? O que você acha que me deixa mais feliz? É claro que eu quero você aqui. Mas manter você aqui é egoísta, porque não há nada que você possa fazer para me salvar. A sua vida ainda existe, você não pode viver em função de mim! – Insisti incapaz de impedir as lágrimas de rolarem. Escutei Jack chorando, e então Alex e Rian o levaram para a cozinha.
  - Agora se coloque você no meu lugar. Se eu estivesse doente, você teria coragem de viver como se nada estivesse acontecendo ou ficaria ao meu lado pelo menos para segurar a minha mão? – Zack perguntou pegando o meu rosto magro e frágil em suas mãos grandes e firmes.
  - Que tal fazermos o seguinte... Você viaja por metade da turnê e te substituem no restante dela. E assim por diante enquanto eu não me recuperar. – Ou enquanto eu não morrer. Mantive a última frase apenas nos pensamentos; Zack não precisava disso também.
  - Combinado. – ele concordou com uma careta e me abraçou. Eu praticamente desapareci no meio dos braços dele. Estava pesando 42 quilos e tão pálida e quebradiça que chegava a dar dó. Olhar-me no espelho era algo que não acontecia há tempos e eu nem conseguia imaginar se algum dia faria isso de novo.
  Pensei nos pesadelos, em como eu estava uma cadáver linda – parecia a mesma que se mudou para Baltimore em 2006, como se ela estivesse dormindo profundamente. Obviamente eu não seria aquele belo cadáver.

OUTUBRO

xx

NOVEMBRO

xx

DEZEMBRO

xx

JANEIRO

xx

FEVEREIRO

xx

MARÇO

xx

ABRIL

Capítulo XXIII

  - Me espere na cafeteria ou vá a algum outro lugar. Eu te mando uma mensagem quando estiver saindo. – Eu disse à Louise assim que descemos do carro dela no estacionamento do hospital.
  - Ok. – ela respondeu sem reclamar. A única pessoa que eu não havia convencido a me deixar passar pelas sessões de quimio e de radioterapia sozinha foi Zachary. Mas enquanto Zack estava viajando, Louise ou o meu pai eram os responsáveis por me levarem e me buscarem no hospital. Nenhum dos dois tinha permissão para passar além da cafeteria. Já bastava a ala de oncologia do Johns Hopkins ser quase uma segunda casa para mim.
  Aqueles corredores já me eram tão familiares que eu poderia andar por eles de olhos fechados sem me perder ou sequer esbarrar em alguma coisa. Meus pés encontravam o caminho até as salas que eu normalmente frequentava com facilidade, e eu via o meu médico e as mesmas enfermeiras com tanta frequência que nos tratávamos até mesmo por apelidos.
  Os meus dias se tornaram tão rotineiros, tão iguais que a minha vida passou a ser algo monótono e assustadoramente constante. Algumas coisas mudavam quando Zack estava na cidade, mas já havia 20 dias que eu não o via e, honestamente, estava tão afundada na depressão que me inundava quando ele partia que qualquer coisa que eu fizesse seria tão ruim quanto a quimioterapia. É claro que eu não me esquecia que esperar valia a pena, que tudo seria uma lembrança vaga quando ele me abraçasse e seu cheiro invadisse o meu sistema de novo. É claro que eu não me queixaria com ele sobre a sua ausência porque isso o traria para Baltimore, isso o levaria ao hospital comigo. Mas eu não podia negar para mim mesma que cada hora longe dele passava torturantemente devagar, e que eu daria qualquer coisa por cinco minutos perto dele fisicamente.
  - Bom dia, . – Sharon me recebeu assim que alcancei a sala por onde passava todas as vezes que ia ao hospital, antes de ser conduzida ao local onde meus braços eram tomados por agulhas.
  - Bom dia, Sharon. Onde está a Heather? – Heather era minha enfermeira desde que iniciei a quimioterapia. De alguma forma nós duas acabamos nos tornando ótimas amigas. Ela era jovem, mas já tinha uma filha de três anos para sustentar praticamente sozinha e ainda cuidava dos pais idosos. Heather sempre tinha bons conselhos para mim, e ver como ela continuava alegre apesar da carga que levava tanto no trabalho quanto em sua vida pessoal fazia com que eu a admirasse muito.
  - Uma das enfermeiras da oncologia infantil faltou hoje e ela foi ajudar.
  - Oncologia infantil? Você quer dizer crianças com câncer? – perguntei intrigada. Pelo visto eu não conhecia o Hospital Johns Hopkins tão bem assim. Eu não sabia que ali havia uma ala de oncologia apenas para crianças.
  - Sim. Tivemos novos pacientes de cidades pequenas do estado dando entrada no último mês. Uma enfermeira a menos pesa muito nesses casos. Mas, bom, vamos começar então? O doutor Marcus já deve estar por lá esperando você.

  Pedi a Sharon que me explicasse como encontrar Heather, e fui à procura dela assim que o médico me liberou naquele dia. Assim que alcancei os corredores, me arrependi instantaneamente de ter ido ali. Mães de todas as idades perambulavam pelo local, e a maioria das crianças que se via não tinha um fio de cabelo sobre o corpo. Algumas eram tão pálidas e frágeis que tive medo de se quebrarem simplesmente por andarem. E então o arrependimento se esvaiu quando realmente vi os rostos delas. Porque apesar de doentes, todas tinham um sorriso, ainda que fraco, nos lábios. Todas tinham um brilho vibrante no olhar. Todas exalavam tanta vontade de viver quanto um bando de criancinhas cheias de saúde brincando num parque.
  - ? O que está fazendo por aqui, moça? – Heather disse acordando-me de meus pensamentos.
  - Oi, Heather. A Sharon me disse que você estava dando uma ajuda nesse setor hoje. – Respondi ainda com os olhos numa menininha deitada num leito dentro de um quarto em um dos lados do corredor onde eu estava parada.
  - Sim, é verdade. Mas você está precisando de alguma coisa?
  - Na verdade, eu fiquei intrigada quando soube que haviam tantas crianças com câncer no Johns Hopkins.
  - Você realmente tem instinto de médica. – Heather riu. – A maioria das pessoas sai correndo quando pensa em entrar um lugar cheio de crianças com câncer.
  Sorri amarelo para o comentário dela pensando na quantidade de pessoas que mal conseguia olhar para mim atualmente. Se essas mesmas pessoas soubessem que agora eu estava bem comparado há sete meses...
  - Sabe, você acabou de me dar uma ideia... Vem comigo! - Heather me puxou pela mão e eu deixei que ela me levasse para onde quer que estivesse planejando.

  Olhei meu rosto pintado como o de um palhaço, e então tentei calcular qual fora a última vez que havia me olhado no espelho. O nariz vermelho tampava meu pequeno nariz, e a peruca de “palhaça mulher” fazia tudo parecer uma fantasia de Halloween. A melhor parte do figurino era a roupa toda branca com o jaleco por cima – eu quase podia me sentir uma “salvadora de vidas” vestida daquela forma.
  - Profissionais da Alegria. É um projeto em que alguns estudantes de cursos da saúde da Universidade Johns Hopkins resolveram desenvolver aqui, principalmente nos setores em que há crianças. Na verdade, esse projeto já existe em outros países até com outros nomes, e foi de onde tiraram a ideia. Funciona assim: os alunos se maquiam de palhaços, mas vem vestidos como profissionais da saúde, e brincam com as crianças, confortam os pais... Enfim, tudo o que for possível para deixar isso aqui menos triste. – Heather dizia enquanto passava um batom vermelho nos meus lábios.
  - Você sabe que eu não sou a pessoa que mais leva jeito com crianças, né? – falei quase me arrependendo por dizer “eu topo” quando ela me propôs ajudar em uma coisa em troca de poder ficar mais tempo por ali.
  - Todas tem mais de um ano. E você se dá muito bem com a Emily que tem três anos, então acho que vai dar tudo certo.
  - A Emily não conta. Sua filha é fofa com todo mundo.
  - As crianças daqui também, . Relaxa, e só lembre-se: sorriso no rosto.
  No início pensei que seria difícil essa parte de sorrir o tempo todo. Ver todas aquelas crianças sofrendo o mesmo que eu e sabendo na pele o que elas e seus familiares estavam passando, fazia com que a minha vontade maior fosse de chorar e questionar a Deus por que as coisas tinham que ser assim. Mas a forma como elas me olhavam, apontavam para mim e sorriam simplesmente por me ver entrando em seus quartos com balões em formas de bichos e caracterizada daquela forma, já colocava um sorriso enorme nos meus lábios – um sorriso que eu não consegui apagar do rosto nem quando me deitei para dormir aquela noite.

  - ...E foi incrível, Zack! Eu queria muito que você estivesse lá. – Eu disse empolgada no final do meu segundo dia como voluntária do projeto Profissionais da Alegria do hospital. Naquele dia eu conheci a história de Lucy, uma garotinha de quatro anos que tinha leucemia desde os três e havia recebido transplante de medula a poucas semanas. Graças a Deus ela estava se recuperando bem. Esse infelizmente não era o caso de Kevin, um menininho de oito anos que tinha câncer cerebral, como eu. O caso dele era mais grave porque o tumor se formou de células nervosas, não a partir da meninge, como foi comigo. Assim, era mais complicado remover as células cancerígenas por cirurgia, e o tumor comprimia estruturas muito importantes do cérebro dele, gerando efeitos inesperados e difíceis – se não impossíveis - de reverter.
  - Quando eu penso que você não pode ser mais forte, você prova que consegue sim. – A voz de orgulho de Zachary do outro lado da linha fez com que eu corasse instantaneamente.
  - A coragem daquelas crianças que é surpreendente, amor.
  E foi exatamente isso que me curou mentalmente do câncer. Sim, porque uma das coisas que a doença conseguiu, foi me dar medo – medo de morrer, medo de fazer as pessoas que eu amo infelizes, medo de não realizar meus sonhos, medo de lutar tanto e, no final, nada me tirar daquela situação. Conviver algumas semanas no meio daqueles pequenos seres humanos que tinham tudo, menos medo, fez com que o câncer parasse de me assustar também. Porque a vida é sim curta. Mas mesmo que eu vivesse mil anos essa frase continuaria sendo a mesma, continuaria tendo o mesmo significado. É claro que me revoltava profundamente ver pessoinhas tão jovens, com tanto pela frente, precisando encarar tratamentos e cirurgias dolorosas, sendo privadas de correr por aí e comportarem-se como crianças “normais” deveriam se comportar. No entanto, essas pessoas me fizeram ver as coisas de outra forma porque elas não se desesperavam com o amanhã, não pensavam no que deu ou não deu certo. Essas pessoas simplesmente viviam, e eram plenamente felizes com poucas coisas. Essas pessoas me fizeram ver o quão sortuda eu era, afinal.

Epílogo

  MSN: “Enfim, senhor e senhora Barakat!”

  Yahoo: “Pela primeira vez, Jack Barakat e Barakat...”

  - Ok, acho que isso já prova que o Jack conseguiu roubar as atenções ontem. Agora sim ele conseguiu tudo o que mais queria. – Zack disse fechando o navegador.
  - Zack, não seja chato. O Jack se casou com uma pessoa maravilhosa. Isso sim foi a realização de um sonho. Aliás, a realização do sonho da maior parte das pessoas do planeta. – Eu o repreendi. Meu noivo apenas fechou a cara em um bico e se deitou no sofá ligando a TV logo em seguida. – Ei, não fique chateado porque o Jack casou antes da gente. Nós fomos padrinhos dele, pelo amor de Deus! – falei sentando-me no colo dele.
  - Nosso casamento é daqui um mês, ! Mas ele tinha que adiantar o dele... – Zachary resmungou como uma criança que está revoltada porque o irmão mais velho pôde comer a sobremesa antes do jantar e ele não.
  - Zack, ele adiantou porque a conseguiu aquela oportunidade de trabalho...
  - Ok, ok. – ele me interrompeu. - Pare de defender o Barakat Sacana agora. Conheço uma coisa mais divertida pra fazer. – Zack disse e me beijou do jeito que eu sabia onde as coisas iriam parar.

[...]

  - Um, dois, três e... – E então eu joguei o buquê! Virei-me para encarar a confusão de mulheres, damas de honra e até criancinhas tentando pegar o arranjo de flores. Por fim, Aria, a namorada de Rian há alguns meses, saiu do meio da confusão ajeitando os cabelos e levantando o buquê semidestruído.
  - Não chorem, meninas. É que eu simplesmente sempre pego o buquê. – Ela disse e rebolou em direção a Rian que a abraçou com força. Certamente, ele seria o próximo casamento que veríamos.
   e Alex estavam casados e grávidos de seu primeiro casal de filhotes – os gêmeos tão esperados para dali três meses. e seu namorado britânico, James, formavam um casal tão lindo que ninguém duvidada que passariam o resto da vida juntos, embora os dois estivessem morando sob mesmo teto sem comentar sobre oficializarem a relação. Louise e meu pai... Bom, aqueles dois eram meu espelho. Tudo o que eu gostaria que sempre houvesse no meu relacionamento existia entre eles.
  Quando consegui parar de dar risada do “fight pelo buquê”, caminhei para a fonte de água cercada de flores localizada em frente ao salão de festas. estava ali há alguns minutos, apenas observando a água e bebericando seu champanhe.
  - A noite está bonita, né? – Falei sem conseguir pensar em outra forma de iniciar a conversa.
  - É... – respondeu ainda olhando para o nada. – ... – ele disse ao mesmo tempo que eu dizia seu nome.
  - Você primeiro. – sugeri sorrindo.
  - Eu pedi a Heather em namoro. – Ele disse por fim.
  - O quê? Eu pensei que vocês tinham parado de sair. A Heather...
  - Eu sei, nós tínhamos. Mas eu realmente gosto dela. Quero dizer, acho que estou apaixonado por ela.
   e Heather se conheceram enquanto eu ainda fazia quimioterapia. Ou seja, já havia cinco anos que eu não entendia bem o que existia entre os dois. Eles eram bons amigos, isso era visível, mas ambos evitavam falar sobre ficarem juntos de outra forma que ultrapassasse amizade – acho que os dois tinham problemas demais de confiança pra pensarem em complicar as coisas. Pelo visto, isso não tinha tanta importância mais.
  - Ela disse sim, né? – perguntei esperando pela afirmativa. Ele simplesmente assentiu e não pôde evitar um sorriso de orelha a orelha.
  - Parabéns, ! – eu o abracei bem apertado querendo ser capaz de demonstrar realmente como estava feliz por ele.
  - Não, não. Hoje os parabéns são todos para você... – e então ele começou a falar como eu estava linda vestida de noiva e como desejava toda a felicidade do mundo para mim e para Zack.

[...]

  Nunca pensei muito no que viria após a morte. Se haveria um paraíso, um céu ou mesmo um inferno à minha espera. Nem quando a morte literalmente falou comigo nos meus sonhos, eu pensei em questioná-la sobre o que haveria lá do outro lado – sequer cogitei perguntar se a minha mãe estava aguardando a minha chegada. Eu sempre pensei na minha mãe como uma pessoa viva dentro de mim, dos meus pensamentos – dar a ela outra dimensão na qual viver nunca pareceu necessário aos meus olhos. Mas, naquele momento, se eu pudesse desejar permanecer em um lugar pela eternidade depois que partisse, esse lugar seria aquele. Porque o cheiro das flores entrando pelas janelas abertas; a brisa leve e constante que dava frescor ao dia ensolarado, mas mantinha o frio distante dali; o céu com algumas nuvens finas e espaçadas; o barulho dos pássaros, do riacho a alguns quilômetros do pequeno chalé, e da voz perfeita se Zachary cantando no meu ouvido tornavam tudo muito melhor que o paraíso e o céu juntos. Minha maior vontade foi congelar o resto da eternidade naquele momento e viver com aquela tranquilidade para sempre.
  - Se eu pudesse escolher como morrer, seria assim, definitivamente. – eu sussurrei ainda com os olhos fechados. Havia acordado há alguns minutos, mas não via porquê mudar qualquer coisa no cenário perfeito.
  - Eu prefiro mais a frase: “se eu pudesse escolher viver para sempre, seria assim, definitivamente”.
  Abri os olhos virando meu rosto para o lado de onde vinha o som da voz rouca matinal incrivelmente deliciosa dele, e fitei seus olhos que sorriam para mim. Zack levou uma das mãos aos meus cabelos que agora estavam compridos, caindo em ondas pelas minhas costas, e afagou minha cabeça delicadamente.
  - Nem acredito que já fazem cinco anos desde a minha alta... – comentei. Eu ainda esperava que um dos meus check-ups semestrais indicassem uma recidiva, porque eu estava sim grata por ter vencido o câncer, mas era melhor manter essa possibilidade em mente já que ela existia, e sempre existiria.
  - Pois eu acredito. – Zachary respondeu puxando o lençol que repousava sobre o meu corpo nu e cobrindo-me com seu próprio corpo. – Chega de falar de morte, chega de pensar em possíveis recidivas, chega de lembrar dos péssimos meses que vivemos cinco anos atrás. Nós temos um mês de férias aqui, então só pense nisso. – Ele sussurrou a última frase no meu ouvido e começou a mordiscar minha orelha do jeito provocante e perfeito que só Zack era capaz de fazer.
  E eu não pensei em mais nada durante os próximos trinta dias que vivi ali, naquele pedacinho do céu, no meu paraíso particular. Porque nada mais importava além disso naquele momento da minha vida. Eu estava viva, e aproveitando a melhor escolha que fiz em toda a minha existência: passar o resto dos meus dias com meu amor, meu melhor amigo, meu irmão, minha família, Zachary Merrick.

FIM



Comentários da autora

The End! Demorou, mas chegou, né, gente? Cara, vou sentir muita falta disso aqui... Respondendo aos últimos comentários antes que eu me derreta em lágrimas:

Rocksmyra: Eu morri de rir com o seu "meu Deus, esse Zack ainda acaba comigo mais?"! KKKKKKKK Obrigada pelos comentários e por acompanhar Choices ao longo deste tempo.

Mah! <3 É bem fácil mesmo falar de relacionamento em que se vê a pessoa de 3 em 3 meses no meu caso, né? Tentei falar um pouco mais da parte torturante disso no capítulo 23, porque por mais que a gente se faça de forte e tal, é muito complicado lidar com isso. :/ Mas enfim, achei super fofo você associar com a minha vida. KKK
Pois é, um pouco de suspense torturante não mata, né? Faz até um pouco bem! KKKKK Bom, agora a tortura acabou! Espero que esse final tenha valido a pena tanto sofrimento!
E fofos são os seus comentários sempre tão motivadores, engraçados, lindos e divos! Você com certeza foi uma das bênçãos de 2012 na minha vida também, flor! Obrigada pela força sempre, e conversamos melhor nos nossos e-mails quilométricos, tá? Beeeijos, linda!

Oi, Dani, sumida! Pensei que você tinha me abandonado de propósito. :/ Mas enfim, eu sei como é quando esses imprevistos acontecem. Então, estou aguardando informações sobre sua fanfic! E eu servindo de inspiração pra você? OMG, como você é fofa, garota! *o*

@dudesdomcfly, muito obrigada! Você não calcula como fiquei surpresa, emocionada e feliz com os seus elogios no comentário, sério! Obrigada por ler Choices, obrigada por tudo mesmo!

E eu quem agradeço por você ler, Bruna! Sério, vocês quem me arrancam lágrimas, girls!

Então, gente, passar esses meses com vocês que me acompanharam em Choices tão fielmente foi maravilhoso. Eu nunca tive um retorno tão bom de leitoras quanto nesta fanfic, então só posso concluir que vocês são as melhores do mundo, né? Obrigada de coração às fofas que pediram quotes de Choices no Fanfic Quote. Quando eu vi isso no hotsite do projeto fiquei indescritivelmente feliz, emocionada e sem palavras. Não tenho como agradecer a força que vocês me deram! Peço desculpas pela demora em enviar o final, mas minhas férias só chegaram dia 29 de janeiro, então a vida estava uma loucura, e eu queria caprichar para mandar o melhor final que poderia criar para vocês, afinal, é o mínimo que eu poderia fazer, né?
Um abraço beeeeem apertado em cada uma das fofas que abriram a página de Choices e leram sequer algumas linhas, e um abraço mais apertado ainda nas divas que não desistiram da fanfic e escreveram esses comentários lindos!
Um agradecimento especial à Jaque, que betou Choices até o capítulo 11 (sinto sua falta, moça!) e à Nat que tem me acompanhado desde então e feito esse trabalho maravilhoso a cada atualização da fanfic. Obrigada mesmo, meninas!

Quem quiser me acompanhar em Addiction {Outros, Andamento}, será um prazer ver vocês por lá! Beijos, e FELIZ 2013 atrasado! <333