Cheap Hotel

Escrito por Maraíza Santos | Revisado por Naty

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Capítulo Único

  — Onde você está indo? — A voz de me fez parar no último degrau da escada subitamente.
  Me virei esperando ver em seus olhos desconfiança; mas apenas enxerguei curiosidade por trás daquele verde esmeralda.
  — Dowell está me esperando no escritório, temos um projeto importante para apresentar segunda na empresa. — Minto. — Quem sabe ganho aquela promoção? — Acrescento.
  As minhas palavras fazem seus ombros relaxarem e dá um sorriso compreensível. É horrível a sensação que me bate, apenas Deus sabe que tipo de pessoa eu sou.
  Me sinto o pior dos homens.
  Ela caminha até mim e beija meus lábios.
  — Ver se não chega tarde. — Diz esperançosa e eu a abraço rapidamente.
  Afundo meu rosto em seus cabelos negros sentindo o cheiro de frutas cítricas e quase desisto daquela noite; entretanto, esse pensamento se esvai de minha mente tão rápido quanto entrou.
   é uma boa esposa — boa é eufemismo, ela era a esposa perfeita. Cozinhava bem, era companheira, sabia como me agradar em nossos carinhos e, claro, ótima na cama. Ela é tudo que um homem poderia desejar, então, por que eu estava fazendo isso?
  Passei dois anos frequentando uma igreja todos os domingos e em um daqueles sermões que consegui ficar acordado, lembro-me de ouvir um pastor baixinho e calvo falar que dentro de nós existe uma guerra com dois cachorros igualmente fortes que brigavam: certo x errado, justo x injusto, luz x escuridão. Quer saber qual deles vai ganhar? Simples, o mais alimentado vence. Digo, então, que alimentei a escuridão em mim de tal maneira que a luz que deveria existir morreu de fome.
  Entrei no carro sentindo meu coração mais pesado do que nunca. A imagem de minha esposa se despedindo de mim ainda estava fixada na mente. Era desconfortável pensar que ela confiava no pior homem que ela poderia escolher para passar o resto da vida ao lado.
  Tiro a aliança de meu dedo anelar e, por ficar com a marca, coloco o anel que comprei na formatura da faculdade. Ligo o carro e dirijo com um peso no peito.
  Já fiz aquilo diversas vezes, mas nenhuma delas doía como agora.
  Conheci ainda com 19 anos na lanchonete dos pais de Jesen Dowell, meu chefe. Ela era a garçonete sexy que não dava bola para o filho do patrão que nós ouvirmos Jesen reclamar. Assim que pus meus olhos nela com aquele jeito inteligente e sorriso bonito, comentei com meus amigos.
  — Ainda me caso com ela.
  Não sei qual tipo de deficiência mental eu estava na época pra dizer aquilo, disse por pura impulsividade. Oras, casamento e não era uma boa combinação. Foi questão de tempo até me ver totalmente envolvido com a morena da lanchonete e decidido a dá adeus a minha vida de cafajeste. Contudo, a antiga rotina que pairava sobre mim nunca deixou de existir e sim estava esperando o momento oportuno para voltar a ativa.
  Nenhuma das minhas amantes sabia que eu era casado e nem cogitaram em ter um relacionamento sério.
  Sempre foi sexo pelo sexo e só.
  Até porque não suporto a ideia de outra pessoa para conversar à noite ou passar o dia abraçado e trocar palavras bonitas. Essa é a função de , não de uma mulher qualquer.
  Paro o carro em frente da esquina deserta, como imaginava, e espero batendo meus dedos no volante. aparece minutos depois olhando para os lados para ter certeza que ninguém a via. Dou um sorriso carregado de segundas intenções ao perceber que ela não mediu esforços para cobrir a sua pele, mesmo sendo uma noite razoavelmente fria.
  Saía dai! Você ainda pode voltar atrás.
  A voz irritante da minha consciência me avisa quando abre a porta e entra.
  Conheci-a naquela mesma manhã, no café que vou todo dia antes do trabalho. O que eu sabia dela era que estava passando a semana na casa da tia, era universitária, estudava direito e cheirava a lavanda. Ah, e apenas queria uma noite divertida, como eu.
  Ela jogou seu longo cabelo em seu ombro direito me dando uma visão boa de seu decote na camisa social e cruzou as pernas na saia minúscula. Passo a língua nos lábios.
  — Boa noite, . — Sua voz saí sedutora enquanto a mesma põe o cinto.
  — Boa noite, . — Sorrio de lado ligando o carro.
  Sua mão escorrega em minha coxa e já sinto um arrepio bom com seu toque delicado.
  Não é certo.
  Ela aproxima seus lábios em meu ouvido e sinto o cheiro forte de chiclete de menta em seu hálito.
  — Espero que esteja preparado para essa noite, senhor . — Falou sensualmente e mordeu o lóbulo da minha orelha.
  Quero agarrá-la ali e ouvi os sons de seus gemidos, mas sei que tenho que esperar. Transar em um carro naquele lugar cheio de fofoqueiros não é nada discreto e meu automóvel é pequeno demais e desconfortável.
   solta uma gargalhada quando percebe que estou acelerando mais o carro e minutos depois estaciono em frente ao hotel barato que tem na entrada da cidade. Mesmo custando menos de 100 verdinhas a diária, é um lugar quase limpo e organizado. Pequeno, mas organizado. Mesmo assim, não era um hotel muito visitado. Os letreiros já haviam se desgastados e ilegíveis e por isso todo mundo o chamava de Cheap Hotel*, como qualquer outro.
  Paro no estacionamento quase vazio e abro a porta para . Ela dá um sorriso agradecida e segura meu ombro mantendo sempre seu corpo perto do meu, provocando.
  Entramos na pequena recepção e sou recebido por Fallon, filha do dono do estabelecimento, que já conhecia meu rosto. Mesmo não sendo um motel propriamente dito, era o lugar em que muitos levam seus casos extraconjugais, então, todos os cinco funcionários eram extremamente discretos.
  Peguei a chave do quarto e subi até o primeiro andar com pendurada em meu pescoço rindo de uma foto estranha que tinha no balcão da recepção.
  Só dá tempo de abrir a porta e dar uma olhada no relógio antes de minha acompanhante me beijar. Retribuo seu beijo quente surpreso e com dificuldade para fechar a porta. Ela me empurra contra a parede e em um salto entrelaça suas pernas na minha cintura. arfa e descubro quando sua saia sobe que ela está sem as roupas de baixo.
  De repente, meu celular vibra em meu bolso traseiro, me trazendo a realidade.
  Afasto-me de e aponto para meu aparelho sussurrando “Preciso ver”. Ela desce da minha cintura um pouco frustrada e anda rebolando até a cama, cruzando as pernas em seguida.
  Pisco para ela mostrando que nossa noite apenas estava começando e ligo a tela de meu telefone. Meu estômago revira quando a foto minha e de no último inverno aparece. O relógio marca vinte minutos para meia-noite.
  O sms foi enviado pela minha esposa com os disseres:

  “Você pode trazer batatas chips daquelas lojas 24 horas? Obrigada, amor. Bjos te amo (:”
  O que eu estou fazendo? Eu tenho uma esposa! Por que estou aqui?

  Um sentimento de arrependimento e desespero me bate como nunca antes e quase dispenso . Quero dizê-la que sou casado, que minha mulher está me esperando em casa, mas quando olho para ela aquela ideia começa a se dissipar.
   está ajoelhada de costa em cima da cama e escorrega sua camisa social branca pelos ombros alvos de forma sensual. Ela vira seu rosto pro lado e dá uma risadinha sacana mordendo os lábios vermelhos em seguida.
  Meu Deus.
  Desligo, então, minha consciência e meu celular no mesmo momento. Apenas voltarei para casa de manhã, direi que minha bateria morreu e convidarei para irmos ao cinema à noite. Esse é o plano.
  É questão de segundos e eu estou em cima de naquela cama vagabunda com uma das mãos fazendo um caminho pela sua perna e outra debaixo de sua blusa. Estou alternando meus beijos e mordidas em seus lábios carnudos e seu pescoço; ela arfa e geme, enquanto no outro lado da cidade, o amor da minha vida deve estar deitada na cama sem conseguir dormir se perguntando se estou vivo ou morto.

  Quando abro os olhos e percebo a claridade no quarto, uma dor de cabeça enorme me atinge. Me arrependo amargamente de não ter fechado as cortinas antes de cair na cama. De começo, não entendo de onde vem aquela enxaqueca, mas as garrafas de cerveja jogadas pelo quarto me dão uma teoria que parece se encaixar.
  Olho para o lado e vejo que as garrafas vieram do pequeno frigobar do quarto precário onde estou.
  Droga.
  Quero dar um soco no meu rosto por ter sido tão burro, só não o faço porque a dor de cabeça pode piorar; além dessas cervejas serem caríssimas, elas são horríveis e haviam algumas até fora da validade.
  O barulho de garrafa de vidro rolando no chão me desperta e eu fito pelada catando suas roupas pelo quarto.
  Rapidamente a imagem de me vem à mente e lembro das batatas que ela me pedira na noite passada. Faço uma careta ao sentir uma dor estranha no peito por estar ali no quarto imundo com alguém que não conheço direito vivendo uma mentira.
  No momento em que minha amante percebe que acordei, ela dá um sorriso sem graça. Com certeza tinha objetivo de sair de fininho sem ser notada.
  — É... Hm... — Disse encabulada — Deixei meu telefone na mesinha, caso você queira repetir a noite.
  Dou um sorriso que acredito ser galanteador e assinto. Provavelmente ela seria a primeira que eu fazia questão de repetir — parece o tipo de mulher insaciável e eu desejava saber até onde iria aquela sua sede. Assisto ela vestir suas roupas às pressas e se esticar para beijar-me pela última vez. Ela me dá um selinho e praticamente corre até a porta me dando um tchauzinho antes de sumir do meu campo de visão.
  Por um momento sinto falta dos beijos que me dá todas as manhãs. Ela nunca parece se importar com o mau hálito bisonho que tenho de manhã e me beija com tanta ternura que melhora meu humor até em dia de conferência — que costuma ser extremamente estressante.
  Sozinho, olhando para o teto mofado do quarto de Cheap Hotel penso em minha esposa e o quão decepcionada ela ficaria se descobrisse que o homem que diz que a ama todos os dias estava lhe traindo.
  Não, ela não ficaria decepcionada. Ela ficaria possessa e me odiaria — pelo resto da sua vida.
  Eu a amava, muito, mas simplesmente não posso...
  Fecho os olhos e a vergonha me cobre quando percebo que nenhuma desculpa justifica o que estou fazendo nos últimos meses. O que eu deveria fazer?
  Confessar para e parar de fazer isso.
  A minha consciência responde rapidamente.
  Era isso, mas tinha medo das consequências. é a única pessoa que realmente se importava comigo — meus pais estavam muito ocupados bajulando meus dois irmãos mais velhos pelas suas conquistas e meus amigos estavam mais preocupados em ter seu salário em dia todos os meses.
  Estico minha mão e tateio às cegas procurando meu celular e quando o ligo, vejo o número de mensagens e ligações de minha mulher preocupada.
  É o certo a se fazer.
  Me levanto sufocado pela culpa e decido falar sobre o que estava acontecendo nos últimos meses para .
  Passo pela recepção e pago a estadia com dinheiro vivo sem esperar para receber o troco. Fecho a porta do meu carro e coloco minha aliança.
  Eu sou um mentiroso desgraçado de merda, mas não precisa ser assim; tenho que fazer a coisa certa.
  O coração parece saltar no peito cada vez que me aproximo da minha casa e a ansiedade faz com que as ruas pareçam mais longas; então, avisto a fachada branca de minha casa.
  Basicamente corro para abrir a porta e derrubo as chaves duas vezes por causa das minhas mãos trêmulas.
  — Ainda bem que você chegou! — apareceu correndo pela escada de pantufas rosas — Você precisa parar com essa mania de dormir no escritório! Fiquei muito preocupada e nem respondeu minhas ligações!
  O rosto dela está corado e pela sua expressão cansada, não dormiu nada nessa noite. Seus olhos me fitam esperando uma explicação e sinto a garganta secar. Quase escuto o barulho das batidas do meu coração quando a consciência me alerta.
  Fale apenas a verdade.
  Percebo que a porta ainda está aberta e que estou segurando a madeira com força e a fecho tentando ganhar tempo para falar.
  — Amor, tudo bem com você? — pergunta, baixando suas armas. — Sei que você está muito ocupado com o trabalho e que isso é importante pra você, mas...
  O negócio era que às vezes aquilo acontecia mesmo. De vez em quando eu acabava dormindo em cima da mesa do escritório e acordava rodeado de baba com Jesen me mandando tomar vergonha na cara e ligar para minha esposa.
  Estou respirando devagar, esperando a coragem para falar a verdade dá as caras. Ela seria muito bem vinda.
  —... o que você estava fazendo lá? — conclui — Quer a minha ajuda para...
  — Não, eu... — Finalmente falo alguma coisa e os olhos esverdeados dela me fitam curiosa.
  Ela vai odiar saber que eu estava em um lugar como aquele com alguém que tinha acabado de conhecer. Penso então nos últimos sete anos juntos, nos nossos momentos felizes e o quanto disse que me amava e no sentimento que eu tinha em relação a ela.
  Não preciso de mais nenhum segundo para pensar e já tenho a resposta.
  — Está tudo bem. — Sorrio e dou um abraço nela rapidamente. — Só estou cansado demais esses dias e minha bateria estava fraca, por isso não respondi as mensagens nem atendi o telefone.
  Com aquela atitude meu corpo relaxa e novamente sinto a cabeça doer e uma sensação de secura na boca.
  Segurando-a pela cintura, a empurro levemente para a cozinha para beber água. Percebo que ela acreditou em minhas palavras e parece mais calma.
  Diga a verdade.
  — Que tal irmos ao cinema à noite? — sugiro calando minha consciência.

FIM



Comentários da autora


  Cheap Hotel de Leon Else é aquela típica música que entrou por acaso na minha playlist de descobertas da semana no Spotify que simplesmente não queria sair de minha cabeça e, caceta, eu havia a escutado apenas duas vezes! Quais as impressões que você teve com a história? Espero que você tenha gostado e peço que deixe seu comentário. Até mais. :)