Burn – We Got The Fire

Escrito por Lu Katto | Revisado por Mariana

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  Em Providence, paramos pela primeira vez.
   bebe duas doses de tequila, joga a garrafa no banco de trás do carro e desce para encher o tanque do carro. Eu aproveito para esticar as pernas após três horas de viagem. Encostada ao capô, observo o movimento, formado basicamente por executivos voltando do horário de almoço. Apressados, eles não reparam nos dois jovens enchendo o tanque de um modelo antigo da Fiat.
  Sinto o vento bater no meu rosto pálido e sorrio.
  Estou vivendo a decisão mais acertada da minha vida.
  - Pronto, amor – declara – Vamos?
  - Até o fim do mundo.

*

   tem 21 anos na identidade falsificada, 10 relativamente ao gene da preocupação e 50 a julgar pelo gosto musical. Ou boas melodias são atemporais. Não sei, aprendi mais sobre música nos últimos meses do que em toda uma vida assistindo a programação da MTV. Apenas sei que foi uma canção que iniciou tudo.
  Quatro versos escritos em um guardanapo e uma história de amor. Carrego ambos sempre comigo.
  - Olhe, abre a janela do carro e deixa o vento noturno entrar – Olha o que eu consigo fazer.
  Ele coloca os pés no volante e passa a dirigir deste modo. Eu rio e abro mais uma cerveja.
  - Você vai bater.
  - Eu não faria isto com você.
  E eu acredito na afirmação dele, do mesmo modo que acredito na existência das estrelas, nas fórmulas matemáticas e na ciência do nosso amor. O futuro está na nossa frente, esperando para ser agarrado e eu já posso senti-lo roçar nos meus dedos.
  - Pare com isto, nós vamos nos atrasar.
  - Como? – volta a dirigir como uma pessoa normal – Nós temos todo o tempo do mundo.

*

  Pessoas únicas fazem você se sentir do mesmo modo.
  Na primeira vez que dançamos embaixo das estrelas, eu soube que era paixão. , com seus olhos imensamente vívidos, me envolveu com sua jaqueta de couro e guiou nossos rodopios, assobiando uma melodia do Pink Floyd. Meus colegas de sala apontavam, mas eu não ouvi nenhum dos comentários maldosos sendo trocados.
  Eu senti as risadas, em um momento posterior, mas então já era amor.

*

  Perto de Nova Iorque, usamos a internet pela primeira vez. A página inicial do facebook está invadida por fotos minhas, com a legenda ‘desaparecida’ embaixo. Imagino que existam mil ligações perdidas no meu celular, jogado em um rio nos primeiros cem quilômetros.
  A maioria da minha mãe, reclamando da distração nos procedimentos de seu quinto divórcio. Algumas de Kim, que não hesitou em inventar todas aquelas mentiras, outras de Mario, sentindo a falta de um coração para partir. E, quem sabe, até mesmo de meu pai, fingindo preocupação pela primeira vez na vida.
  Eles nunca se importaram, mas eu nunca achei que chegaria o dia que eu também não me importaria com eles.
  Até que eu conheci .
  Ele me mostrou que não há tempo para se perder com a amargura alheia e sentimentos não retribuídos.
  A vida é curta demais para mentiras.

*

  Estacionamos em uma rua escura no Brooklyn. Ele beija a ponta do meu nariz e murmura uma frase de ‘Your Love Is Stranger Than Mine’, do Camel, antes de adormecer.
  E eu nunca me senti tão viva.

*

  Eu estava prestes a me formar como a melhor aluna da turma. Harvard era uma questão de tempo. Eu era a aluna perfeita, a filha perfeita e imperfeitamente infeliz. Contudo, meu destino parecia rígido, formado em uma rede de quase sentimentos, fadado à mesmice. E eu tinha me conformado, aceitando que as coisas simplesmente eram assim.
  Precisei me queimar para perceber a existência do fogo dentro de mim.
   apareceu como um incêndio, provocando minhas certezas de bases fracas e oferecendo cada beijo como se fosse o último. O garoto de jaqueta de couro, que um dia chegou do nada na cidade pequena, dormindo em bancos de praça, ouvindo rock no último volume e não dando nenhuma explicação sobre sua procedência.
  Do que ele vivia? Ele tinha pais? Ele não deveria ainda estar no colégio? Perguntas que todos faziam e ninguém sabia responder. Alguns garantiam que ele traficava drogas, outros que ele roubara o dinheiro e o carro dos pais, como o pequeno marginal que definitivamente era. Ninguém tinha dúvida quanto à última afirmação.
  Eu mantive distância de início, mas então encontrei aquele guardanapo entre os meus cadernos do colégio.

*

  - Como você conseguiu colocar ele lá? – Pergunto, enquanto passamos por New Jersey – O guardanapo?
  - A carta de amor você quer dizer?
  - A síntese do amor em quatro versos.
   sorri.
  – Eu apenas aproveitei um momento de distração.
  - Eu deveria ter percebido.
  - Isto teria mudado alguma coisa?
  Não. Todos os caminhos que consigo imaginar terminam em nós dois juntos neste carro, vivendo nossas vidas.

*

  Na Filadélfia, paramos em uma balada.
  Não é o nosso tipo de música, mas juntos dançaríamos ao som de qualquer coisa. A presença do outro é suficiente para cada momento ser o melhor até agora. Jogamos nossos braços para o alto, balançamos nossas cinturas e, então, nos beijamos com toda a força da nossa juventude, com todo o fôlego dos nossos pulmões.
  As luzes roxas, azuis, verdes, iluminam o rosto pálido de e eu enxergo o homem que faz cada vibra do meu corpo acelerar. Sei que sou a pessoa mais sortuda no recinto. A mais única. A mais completa.
  Só somos completos no amor.

*

  Acho que resisti no começo. Não posso ter certeza. Parece um sonho o antes de . Eu não existia. Não como . Era apenas aquilo que os outros queriam de mim, um quase sem personalidade. É difícil descobrir quem você realmente é, mas com , ao menos, eu estou no caminho.

*

  Meus pais não aceitaram, claro. A orientadora do colégio pediu para conversar comigo, as pessoas que eu achava serem minhas amigas viraram as costas e riram da minha cara. E, no início, eu chorei. Chorei pela opinião dos outros, chorei pelas invenções que pintavam nosso relacionamento como algo sórdido e chorei pela garota que eu poderia ter sido.
  E quando eu não tinha mais lágrimas para derramar, percebi que apenas uma pessoa nunca tinha saído do meu lado: .

*

  - Viver o momento, grita para o vento, quando passamos outra divisa de estados – O melhor momento.
  - Aumenta o volume – Eu peço – Quero gritar para o mundo.
  Tudo o que você precisa é de amor.

*

  Decidi fugir numa noite e parti na manhã seguinte.
   não hesitou em nenhum momento.

*

  Em Ohio, contamos as notas que guardamos embaixo das latas de cerveja. Resta pouco mais da metade das nossas reservas, constituídas das joias e roupas de marcas que eu vendi pelo caminho e do que sobrou da herança de .
  Ele nunca menciona os pais, mas eu entendo que certas coisas não merecem ser ditas. Eu também ignoro a existência dos meus e nós nos beijamos sob a benção das estrelas.

*

  Nossa primeira briga dura exatamente o tempo necessário para atravessar a capital de Indiana. Envolve cigarros, inseguranças e alguma idiotice sobre placas. Quando entramos na rodovia, desacelera aos poucos, até parar na beira da estrada. Eu estou nervosa e pronta para usar as habilidades adquiridas nos clubes de debates, mas então ele coloca uma canção dos Bee Gees e vira o rosto para mim.
  - Você me perdoa? – Ele está prestes a chorar – Por favor?
  E eu sei que o pedido é sincero, por duas razões: nunca aprendemos a mentir um para o outro e ele odeia aquela música, mas sabe que eu a amo.
  - Amor? – pergunta, inseguro – Por favor?
  Eu respondo trocando para a nossa música e oferecendo um beijo.

*

  Os presentes na festa em Illinois são ainda mais loucos do que nós, membros do ‘Movimento Cabeças Sem Camisa’ dançando como se o mundo estivesse prestes a acabar. Contudo, quem sabe ele esteja mesmo. E eu não quero correr o risco de estar parada quando o fim chegar.

*

  Não fui totalmente sincera até agora. Eu resisti quem sabe, minimante, no começo. Não quando era só nós dois, abraçados em noites frias, mas eu neguei tudo uma única vez em público e quase parti, irremediavelmente, dois corações. Assim que percebi o que tinha feito, disparei a chorar, me sentindo a pior pessoa do mundo.
  Tive certeza que ele não iria comparecer para nosso encontro diário no bosque abandonado, mas então apareceu com o seu violão riscado e, antes que eu pudesse falar qualquer coisa, começou a tocar uma canção de amor do Led Zeppelin.
  É amor quando você consegue se comunicar por intermédio de músicas.

*

  - Você é uma pessoa melhor do que eu.
  Desabafo, após a besteira que faço no hotel em uma cidade perdida de Missouri.
   desacelera e segura a minha mão.
  - Nós somos pessoas melhores quando estamos juntos.

*

  Quando estamos deixando Jefferson City, encarando o pôr do sol, eu me convenço que nosso destino é espalhar amor pelo mundo.

*

  Quase batemos ao sul de Kansas e prometemos não beber mais dentro do carro. Jogamos nossas latas de cerveja e o que restou da tequila, em um desfiladeiro, como gesto simbólico.
  - Isso me lembra uma das faixas de London Calling.
  - O que não te lembra uma música?
   ri e estende a mão para o porta luvas do carro – Guardei duas – Ele tira as cervejas e joga uma para mim – Vamos dividir.
  - Não dirija antes de beber.
  Recito a frase de um daqueles informes do governo.
  - Podemos ficar aqui até o efeito passar.
  Há um arco íris no céu e a ideia soa como perfeição.

*

  Nem sempre conseguimos seguir a promessa.
  Em Louisville, rodopiamos no meio de um campo abandonado, com as estrelas como espectadoras, brincando com a doçura do licor de morango nas nossas línguas.
  Do rádio, Chris Martin promete amar alguém para sempre.

*

  É irresponsável. É errado. E é perfeito. É tão perfeito. É incontrolável como o fogo. É tudo o que eu nunca conheci e sempre quis. É paixão. É amor. É nosso futuro e o agora.
  É .

*

  Nosso dinheiro acaba na divisa com o Novo México. Encaramos-nos, por um longo minuto, e então desatamos a rir. Nossa gargalhada dura até perdermos o fôlego e, abraçados, adormecemos no banco de trás do carro.

*

  A gasolina segue o mesmo destino e, logo, ficamos sem carro. Caminhamos até a cidade mais próxima, cantarolando velhas canções, apenas com nossas mochilas e o violão riscado.

*

  Burnham é uma cidade do interior, com pouco mais de cinco habitantes. Arrecadamos capital, lavando pratos durante o dia e, de noite, ensina canções para as crianças na pequena praça local.
  - Sempre preferi o Paul.   Declaro, quando ele termina de tocar ‘Watching The Wheels’ do John Lennon.
  - Eles se completavam – afirma – Assim como certo casal que eu conheço.
  - Toque uma dele, agora.
  Ele toca ‘Silly Love Songs’ e, em seguida, a nossa canção.

*

  Cerca de um mês depois, seguimos viagem, desta vez em uma sequência de ônibus e camas improvisadas embaixo de árvores. Contamos estrelas e imaginamos que todas elas são cadentes, mas não precisamos pedir nada, porque temos um ao outro.
  Eu não acho que alguém seria capaz de compreender nosso amor. Entretanto, é só olhar para nós dois para perceber que estamos apaixonados. Não sei como meus pais, minha turma, minha cidade, foi capaz de enxergar qualquer coisa além de amor. Amor que pode ser visto do espaço.
  Há um brilho diferente nos olhos dos apaixonados.
  No meio do nada, perto da meia noite, levanta minha camisa xadrez e inicia uma trilha de beijos no meu corpo. E eu sinto o fogo crescer dentro de mim.

*

  Em Phoenix, tatuo os quatro versos.
  - Estamos quase chegando – Digo, enquanto analiso a marca permanente – Achei conveniente.
  - É perfeito – me agarra pela cintura – É perfeito.

*

  Nosso destino é Los Angeles, localidade tão clichê quanto Nova Iorque, mas, assim como a Big Apple, ponto de partida de histórias únicas.
  Pode ser que nossos planos profissionais fiquem na esfera abstrata, pode ser que não tenhamos o que comer, em alguns dias. Porém, também pode ser que o mundo acabe amanhã e, então, como você vai querer que o seu último dia tenha sido? Eu sei a resposta e, por isso, não hesito em gastar nossos últimos sessenta dólares em um festival de bandas locais.
  Já estou embriagada no meio da apresentação da primeira banda e, na altura da segunda, estou cantando as músicas, na maior parte covers, com toda a força dos meus pulmões, inventando letras e me balançando nos braços seguros de .
  - HEY, EU AMO ESTA MÚSICA! ELA NÃO É LINDA, ?
  - Você não precisa gritar! – Ele ri – Pode sussurrar no meu ouvido.
  - EU AMO ESTA MÚSICA!
  Grito, novamente, e como sei que ele, em geral, não se interessa por músicas escritas depois do seu nascimento, canto baixinho, para só ele ouvir.

When the lights turned down, they don't know what they heard
Strike the match, play it loud, giving love to the world
We'll be raising our hands, shining up to the sky
'Cause we got the fire, fire, fire
Yeah we got the fire, fire, fire

   balança a cabeça e murmura – Eu te amo também.

*

  Após o festival, caminhamos até a praia, sentindo a brisa leve nos nossos rostos. Sentamos na areia e cantarola nossa canção, passando devagar os dedos na minha tatuagem.
  - Repete? - Peço, quando ele chega nos nossos quatro versos – Por favor?
  - Até você cansar dela.
  Então, ele não irá parar de cantar nunca. A história ao lado de tem sido uma sucessão das mais lindas melodias e ainda estamos apenas no começo.
  - Para sempre, , para sempre.
  - E para o além dele, meu amor.
  Reitero. Estou vivendo a decisão mais acertada da minha vida.
  Abandonei a segurança do meu futuro planejado pela certeza de que amor nunca tem fim.

FIM



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