Bulletproof

Escrito por Laura Malik | Revisado por Natashia Kitamura

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Parte do Projeto Songfics - 12ª Temporada // Música: Augustine, por Nevertheless

We watched the ships come in from across the bay
I watched your lips move in wondering what to say
That was good enough?
That was strong enough?
That was good enough for you?

  O sol estava se pondo, mergulhando nas águas límpidas do mar da baía. Era o meu lugar preferido, o píer. Observar os navios sumindo pela imensidão de águas era terapêutico, embora tudo o que aqueles navios representassem para mim agora era apenas a solidão. Mas, após cinco longos e lúgubres meses em regime de silêncio, era um alento que ele estivesse aqui. A sua mão gelada na minha, seus ombros ossudos encostados aos meus. E o seu sorriso que, mesmo sem emitir som algum, colocava um fim àquele regime, ironicamente, ensurdecedor. Eu tinha tantas perguntas, tantas novidades que me sufocavam. Eu queria lhe dizer tantas coisas, mas não tive coragem de interferir em nossa atmosfera reconfortantemente nostálgica. À terceira buzina de um dos navios ao fundo, senti seus dedos gélidos deslizarem pelo meu braço, até alcançarem a minha mão e, ali, aninhar-se aos meus dedos. Estava tão magro que seus ossos machucavam meus frágeis dedos, mas não me importei. Era bom ter meu melhor amigo de volta. Era bom ter de volta.
  Inclinei-me o suficiente para recostar minha testa em seu braço, também magro. Afinal, aquele era : colocando o bem-estar de outros a frente do seu próprio. E Deus, como eu o admirava. Admirava cada pequena parte de seus ossos, de seu corpo, de seu ser. Levantei a cabeça, encontrando o seu rosto inclinado para o horizonte. Seus olhos, de radiantes e extremamente mais claros naquele dia, estavam tristes e marejados, mas ainda sim, sua beleza continuava intacta. Os cabelos, em um corte desgrenhado, caindo em sua testa, sendo balançado pelo vento apenas evidenciavam o grande período em que estivera longe de mim. Não permitiria tamanho desleixo. Ri de meus próprios pensamentos, rolando os olhos, ao mesmo tempo em que abriu a boca fazendo menção a se pronunciar, mas fechou-a logo em seguida. Apertei sua mão entrelaçada a minha, incentivando-o. Ele fechou os olhos, soltando um longo suspiro na sequência.
  - O que eu devo te dizer, ? O quê? Eu realmente não sei. – finalmente verbalizou a sua angústia, mantendo-se de olhos fechados. Bom, não havia muito para expressar. “Sinto muito que o seu namorado tenha morrido na guerra”? “Horrível a perda do meu melhor amigo e do seu namorado, mas o que eu posso fazer? Era a porcaria de uma guerra”? Eram opções, mas, sinceramente, eu preferia não escutá-las. sabia disso. E sabia exatamente o que dizer nessas horas.
  - Senti tanto a sua falta. – foi o que disse, doce e choroso, ao esmagar ainda mais meus dedos nos seus. A simples melodia de sua voz fez algo em meu interior se revirar. Talvez minha pequena sementinha também estivesse feliz com o seu retorno.
  - A única coisa que me reconfortava de sua ausência era saber que você estava cuidando de . E de todos os outros soldados estadunidenses. – respondi sincera.
  - Mas agora estou aqui pra cuidar de vocês. – desvencilhou seus dedos magros dos meus e postou delicadamente suas mãos em minha grande barriga. Seu toque era de tamanha delicadeza que, em sua cabeça, minha barriga era feita de vidro. Ou cristal. Não contive um sorriso tímido e leve escapar.
  - Não. Você está aqui porque eu preciso de você. – eu posicionei minhas mãos em cima das suas, acariciando-as. – E eu sei que você precisa de mim.
  - Vocês precisam de mim. – ele insistiu. Achegou-se mais a mim, deixando-nos frente a frente, e encostando sua testa na minha, sussurrou: - E eu quero ser o pai do seu filho.
  Ainda me lembro de quando Katherine sentou-se em meu sofá, com os olhos inchados e, com as suas mãos trêmulas, estendeu uma carta timbrada para mim. Não me recordo das palavras escritas na carta, para falar a verdade, quando me dei conta do que se tratava... De que a carta era de condolências, minha visão embaçou, e as lágrimas me impediram de enxergar qualquer sílaba a minha frente.
  A sensação era semelhante à de uma mão atravessando o seu peito, arrancando seu coração e, quando você estivesse de joelhos, sagrando com o peito aberto, seu coração fosse jogado a sua frente e a única coisa que lhe restara era assistir a sua vida se esvaindo de você.
  Não que fosse humanamente possível sobreviver a isso, mas, era como eu me sentia. E era exatamente assim que a morte de havia me deixado.
  No lugar de meu coração, nada além de um vazio completo. Mas, ao ouvir a voz doce e determinada de (em minha cabeça, pausadamente), dizendo que queria assumir a criança como sua, era como se Deus, com suas mãos divinas, colocasse meu coração onde não deveria ter saído nunca.
  - Você... Você nã-ão precisa fazer isso. – sem que eu percebesse minha voz tornou-se trêmula, e aos poucos, o tremor tomou conta de todo meu corpo e, inevitavelmente, os soluços escaparam de minha garganta.
  Quando dei conta por mim, estava envolta nos braços de , num abraço reconfortante, enquanto ele acariciava meus cabelos, e repetia:
  - Mas eu quero fazer isso... Eu quero. – sua voz soprava suave, mas tudo o que eu me permitia fazer era chorar. Chorar porque eu não tinha mais . Chorar porque, quando a criança nascesse, eu teria de aguentar as punhaladas da sociedade e, principalmente, de minha família. E chorar porque era o melhor amigo que, nem se eu o tivesse encomendado, seria tão bom.
  - Vai ficar tudo bem, ok? – ele esperou que eu me acalmasse, e então tomou meu rosto em suas mãos, limpando os resquícios das lágrimas com o seu polegar. Dei um longo suspiro, seguido de um soluço. – Eu vou assumir esse filho. A gente não precisa casar, se você nao quiser, mas eu quero que essa criança cresça tendo uma família. – sorriu triste para mim, seus olhos completamente marejados. Mas eles não me encaravam. Estavam fitos no céu, como se aquelas palavras não fossem para mim, e sim para . E foi então que percebi.
  Como pudera ser tão burra e lenta? Era óbvio que pediria a que cuidasse de mim e do bebê.
  Eu deveria discordar, mas, àquela altura, tudo o que eu queria era ter alguém em quem me apoiar.
  - Você é incrível. – limitei-me a dizer, enquanto absorvia as informações.
  O problema era que na voz doce e gentil de , os problemas transformavam-se em meros obstáculos. Mas, a começar pelos meus pais, era um obstáculo que tropeçaríamos muitas vezes. Eu não queria me casar. Não seria justo com . Não seria justo com .

Love is an ocean caught in a storm
Breaking down walls and taking its form
The farthest from safety but the closest I've come
As we come undone in Augustine

  ’s POV
  Eu estive por cinco meses em um dos postos médicos dos Estados Unidos, como médico voluntário, cuidando de cada soldado ferido na guerra do Vietnã. Cuidei de muitos rostos desconhecidos; rostos que nunca cheguei a descobrir se conhecia; e alguns, poucos, rostos que conhecia pouco ou muito bem. Nesse ínterim, me mantive forte, mesmo diante do falecimento de rostos conhecidos. Eu sabia que se eu desistisse, outras famílias perderiam seus pais, filhos, irmãos... E, bom, no meio daquele caos... Tinha . Ele precisaria de mim. Na realidade... Ele precisou.

  - , mon amour, porque não vai descansar? Seu turno acabou há três horas. – Amellie, como sempre, trouxera uma xícara de café e tentava me convencer de abandonar as horas extras que sempre fazia após meus turnos. Sorri em agradecimento, depositando um beijo rápido em seus lábios.
  - Só estava verificando o medicamento de Phillip. Ele estava resmungando muito de dor. – tomei um gole do café enquanto Melli me olhava como se eu fosse o ato de pacificidade da guerra em pessoa.
  - Você tem um coração tão lindo e puro. Já te disse isso, né? – Melli abriu o sorriso que era como se fosse a minha salvação em meio a toda aquela dor.
  - Pra estar comigo, você tem uma alma mil vezes melhor do que o meu coração. – ela revirou os olhos, e eu depositei um beijo em sua testa.
  Era verdade. Amellie não merecia estar com um cara como eu. Ela era uma linda francesa de cachos loiros, estudante de enfermagem nos Estados Unidos. Nós nos conhecemos em uma das festas pelo campus da faculdade e quando se iniciou a guerra, decidimos juntos que nos voluntariamos para os postos médicos. E lá estávamos. Eu tinha muita sorte de tê-la, especialmente por ter me aceitado mesmo sabendo que meu coração era de outra mulher. A mulher de meu melhor amigo. A mulher do meu melhor amigo a qual estava esperando um filho dele.
  - Eu vou te fazer me amar e esquecer-se da . Prometo. – foi o que Amellie me disse quando ficamos juntos pela primeira vez. No mesmo dia em que descobri que estava grávida. Eu não pude prometer nada a Amellie, mas o carinho que tinha por ela não poderia ser descrito. E toda a sua dedicação a mim fora o que me mantivera firme durante toda aquela carnificina.
  - Podemos resolver isso no seu dormitório? – Amellie passou seus braços pelo meu pescoço, abraçando-me e sussurrando próximo ao meu ouvido.
  - Não resisto aos seus pedidos, você sabe. – a abracei pela cintura, e enquanto nos guiava para fora do quarto, ia enchendo-a de beijos rápidos em seus lábios.
  - E eu não resisto a você. – seus lábios se abriram num sorriso antes de colarem-se aos meus. Agarrei a cintura dela com afinco e a encostei na parede, impulsionando meu corpo sobre o dela. Um barulho nos chamou a atenção, e por segundos, nos separamos. Olhamos ao redor e nenhum sinal de ninguém. Demos de ombros, pois o barulho deveria ter sido pela força desnecessária ao prensá-la na parede. Mas, assim que nossos lábios se encostaram novamente, o barulho se intensificou e nos deixaram em alerta. O caos que sempre caía sobre a base quando um soldado ferido chegava se instalou em segundos ali. Amellie e eu apertamos os passos para acompanharmos os enfermeiros e a maca que estava sendo carregada. E eu realmente queria ter continuado, ido atrás da maca naquela hora. Mas meus pés se estagnaram no chão. Estava inapto a me mover. O soldado ferido em questão era . Meu melhor amigo. E pai do filho da mulher da minha vida.
  Meus joelhos fraquejaram ao ver a quantidade de sangue que lavava a sua camiseta branca. Somente voltei a mim quando senti o toque firme das mãos de Amellie nas minhas, me incentivando a acompanhar .
  As próximas horas foram apenas borrões e flashes de desespero. havia sido baleado no pulmão. As horas seguintes foram completamente vermelhas e dolorosas.
   estava em seu último suspiro, lutando com os médicos para o deixarem ir. Uma grande virtude de que eu admirava era a sua coragem para bater de frente em todas as dificuldades, mas saber quando era a hora de desistir.
  - . - suas mãos agarraram meu braço, e sua voz não fora nada além de um sopro.
  Engoli em seco porque sabia o que viria a seguir e ser forte estava passando longe das minhas condições. Meus joelhos já pareciam gelatinas.
  - Não se esforça, ! Shh... - pedi, segurando o choro, os olhos ardendo.
  Ele apenas fechou os olhos fortemente, tomando fôlego para continuar.
  - Cuide da pra mim. Da e do bebê. - e o seu pedido fora seu ultimo suspiro. Sua ultima súplica.
  E eu cumpriria até o meu ultimo suspiro, também.

   era filha única dos , mas passava longe de ser a ricaça mimada que seu status sugeria que fosse. tinha opinião própria e nunca se calava ou abaixava a cabeça para seus pais. Embora fosse uma garota frágil e extremamente doce, sempre deu seus passos, sozinha. A primeira vez que a vi fora em uma festa na nossa cidade. Era dia de Santo Agostinho. , seu primo, e eu estávamos nos embebedando escondidos nas escadas dos fundos da igreja quando ela apareceu. De traquinagem para cima dos pais, fugiu para ir à festa.
  Ela estava estonteante, com pele demais a mostra com sua saia vermelha e blusinha branca mostrando a barriga. E com uma jaqueta que identifiquei ser de . Para minhas faculdades mentais de um cara alcoolizado, reparei mais em do que deveria. A sensação de encontrar seus olhos, tão lindos e cheios de vida, ainda me arrebata toda vez que essa lembrança me vem à mente. Se amor à primeira vista não existia, eu tinha inventado naquele momento. Ela era incrível.
  Juntou-se a nós, sentando-se um degrau abaixo de mim, ao lado de . É por mais que minha consciência gritasse que não era certo, eu só tive olhos para o resto da noite. Suas bochechas ficavam redondinhas toda vez que sorria, e elas eram naturalmente avermelhadas. Seus olhos castanhos brilhavam juntamente com seu sorriso. E toda vez que colocava uma mexa de cabelo atrás da orelha e umedecia os lábios quando ficava sem graça, eu me apaixonava um pouco mais. era graciosa... Mas, minha paixão sempre se manteve presa na forma de carinho de melhor amigo. Já naquela época, ela namorava .
  O único problema era que, quando eu amava, não sabia conter o sentimento. Eu era intenso. Então e o mundo sabiam de minha paixão pela bela . Mas acho que minha dignidade de respeita-los e manter nossas amizades era o suficiente. Pelo menos para e .
  Quando voltei à cidade, duas semanas após seu falecimento, a primeira coisa que ouvi foi: "Agora você vai conseguir o que sempre quis, , a de ". Fraquejei diante desses comentários, mas fiz uma promessa a ele em seu leito de morte. Era uma promessa seria e envolvia o bem estar de outros dois seres humanos que, apesar de não conhecer um ainda, já o amava incondicionalmente. Ignorei os comentários, ate mesmo os que saíram da boca da família de .
  Quando contei a sobre tais comentários, ela sucumbiu em lágrimas nos meus braços. E pela primeira vez desde a morte do , desejei que ele ainda estivesse aqui e nada estivesse fora do lugar. Mas meu dever era passa segurança a , então não verbalizei meus sentimentos.
  - Você ainda tem a mim, pequena . Seu pai também está ao seu lado e tenho certeza que também. - limpei as lágrimas teimosas que desciam por sua bochecha, acariciando aquela região enquanto tentava dar o meu melhor sorriso de encorajamento.
  Pareceu funcionar, porque abriu um sorriso lindo, apesar de um pouco triste. Mas fazê-la sorrir já era reconfortante.
  - vem para a festa de Santo Agostinho. - ela falou baixinho, aproximando-se de mim. Colei nossas testas, ainda acariciando suas bochechas.
  - Então nós vamos na festa? - perguntei, dando um beijo em seu nariz. suspirou longamente, retribuindo-me com um beijo na bochecha.
  - Vou pensar com carinho no seu convite. - ela falou. Queria que ela fosse, pois não queria que deixasse o mundo dizer a ela como deveria viver. Queria que ela mostrasse que era forte, porque ela era. E queria que ela confiasse em mim para estar lá com ela.
  - Tenho ótimas lembranças de lá. Pense com carinho mesmo. - pisquei para ela, e com a sua cara de desconfiada tive certeza que havia ganhado seu sim.

We dangled our feet over water from the wall
I took your hand ready for the fall
I'd fall fast enough, I'd fall hard enough, I'd fall fast enough
For you…

  ’s POV
  Eu não podia negar que me sentia traindo o luto pela morte de indo para a festa de Santo Agostinho. Afinal, todos os anos , , e eu íamos juntos para a festa. Era como a nossa tradição particular. E esse ano, bom... Apenas não parecia certo ir até lá, sentar nos degraus da igreja e rir como se tudo estivesse bem. Mas, como sempre, possuía o dom de me fazer sentir que era o certo apenas por tê-lo ao meu lado. Estranho porque com eu nunca tivera essa certeza...
  Afastei esse pensamento, no mínimo, perturbador da cabeça quando percebi que a igreja entrava em minha visão. Todas as pessoas com quem cruzava socialmente e, socialmente também, me julgavam agora, já estavam lá. Minha hesitação foi eminente. Meus pés se recusaram a dar qualquer passo que fosse. Forcei mais meus dedos entrelaçados aos de , voltando a sua atenção para mim.
  - Ei... – ele soprou baixinho, me puxando para perto dele, tomando meu rosto em suas mãos grandes e ossudas. – Você é forte, lembra? E eu estou aqui... também. – ele sorriu doce, tentando me passar confiança. Mas eu não era a garota forte que ele dizia, eu era fraca. E cedi a minha fraqueza.
  - Eu simplesmente não vou aguentar cada palavra de consolo e pêsame de quem não sente se quer simpatia por mim. Por ele. – cuspi, tremendo-me dos pés a cabeça e deixando as lágrimas seguirem livremente pela minha bochecha.
  - ! – chamou, sacudindo-me levemente pelos braços. Sabia que quando ele não utilizava sua doçura era porque eu precisava me reerguer. – ! – chamou novamente e, após um longo soluço, o fitei. E ele sorria.
  - Você está de luto e tem todo o direito de ser ranzinza com todos que dignarem a serem falsos com você. E mostrar um dedo realmente feio para eles. – ele fechou a cara, fingindo estar bravo e em segundos, de lágrimas, passei a risos.
  Simplesmente amava a simplicidade de . Eu o amava.
  - Certo. E depois disso a gente corre como se tivéssemos doze anos de novo? – perguntei, abraçando-o e o assegurando que poderíamos entrar naquela festa feito super-heróis. Porque era exatamente essa força que me passava.

  A luta contra o sentimento de traição ao luto não acabou ali. Quando encontramos com , ele sugeriu que fossemos até a escadaria da igreja, onde costumávamos ficar com nas festas passadas. Não parecia certo, mas quando pensei em hesitar, já estava ali me abraçando e me lançando o olhar de que tudo ficaria bem. Sentamos nos degraus gelados, com as expressões vazias como se faltasse alguma coisa. E realmente faltava.
   sentou-se um degrau acima de mim, abraçando-me e fazendo questão de acariciar minha barriga. Era um sentimento novo... Parecia errado sentir-me daquele jeito, mas, seus carinhos me deixavam feliz. O bebê parecia feliz, também, pois toda vez que falava ou acariciava minha barriga, ele se remexia dentro de mim. Sensação única, porque era como se estivesse sendo amada duas vezes. Pelo bebê e pelo homem que o assumiria.
  Traição, traição e traição. Era tudo o que passava em minha mente ao pensar nisso. Mas, era de fato, traição a quem? As cinzas de que logo seriam absorvidas pelo oceano? A memória de namorado fiel dele? Porque, a , eu jamais poderia trair... Certo?
  E, afinal, eu amava . Ele sempre fora cavalheiro, gentil, carinhoso e extremamente altruísta em relação a mim. Sua paixão por mim não era segredo para ninguém, muito menos para mim. Ele era apaixonado por mim e, ainda assim, sorria quando lhe chamava de melhor amigo e ajudava com os presentes e com as cartas que escrevia para mim. Era óbvio que não conseguiria ser tão romântico quanto era, era fácil relacionar cada frase a seu criador em minhas cartas. Enfim, era admirável que me amasse como mulher, mas não abrisse mão de sua amizade comigo e com .
  E eu não devo negar que as minhas estruturas se abalavam frequentemente com o seu amor. Eu era total e completamente apaixonada por , mas... Tremia ao mero toque de e sentia o estômago afundar toda vez que ele aparecia na porta de minha casa.
  - ! – ouvi a voz de sobressair-se à dos meus pensamentos e foi então que me dera conta de que estivera quieta por tempo demais.
  - Sim, querido ? – sorri para ele, recostando a cabeça no peito de . Senti os olhos de brilharem sobre mim e automaticamente minhas bochechas queimaram.
  - Eu não vim lá da Suíça pra você não me dar atenção. – ele disse sério, com um bico do tamanho do mundo. Senti-me culpada, porque era o irmão mais velho que eu não tivera e estava descontando nele um sofrimento o qual ele não tinha culpa.
  - Perdão! Em tempos de guerras e perdas, me sinto extremamente feliz que você esteja aqui, , de verdade! – fui sincera, recebendo um sorriso gigante dele. E ganhando, também, um pigarro de . Ri levemente, virando-me para ele.
  - Você sabe o quanto a sua presença aqui me deixa feliz também, ... Aliás, nos deixa feliz. – dei um longo beijo em sua bochecha e imediatamente senti seus braços se apertarem cuidadosamente ao meu redor. Por fração de segundos, pareceu errado beijá-lo ali. Na bochecha.
  - Eu acho bom mesmo, pequena . – sorriu, dando um beijo em meu nariz. Quando voltei à atenção para , ele nos encarava como se estivesse assistindo o mais lindo filme de romance.
  - Então, ... Conta como está sendo estudar na Suíça! – pigarreei, tentando afastar aquela neblina romântica indevida. afrouxou o seu abraço e eu me senti... Magoada. Deus, eu realmente não sabia lidar com o luto.
   ia começar a contar, mas sua atenção se voltou para um grupo de garotas próximo a nós, que cochichavam e apontavam. Era óbvio, não tinha como esconder uma barriga de grávida de sete meses. Abaixei o olhar, mas aparentemente tinha escolhido aquela luta junto com .
  - As senhoritas perderam alguma coisa aqui nas escadas? Ficaria encantado de ajudá-las a procurar. – ele provocou, irônico e eu arregalei os olhos para . Ele ria e estava apenas esperando a hora de se pronunciar, podia ver em seus olhos.
  - Acho que quem perdeu alguma coisa foi a sua priminha, não, ? Talvez a virgindade... – uma delas falou.
  - A dignidade... – outra voz continuou.
  - O pai do filho dela. – a primeira garota completou e aquilo fora como um tiro no peito.
  - E eu vou esquecer rapidinho que sou homem e vou perder a minha mão nessas caras deslavadas de vocês! – gritou, por cima da minha cabeça e pude senti-lo se inclinando, mas não lhe permiti levantar. prendia o riso, mas tudo o que eu queria fazer era cavar um buraco e morrer ali.
Não atrevi erguer o olhar até as garotas, apenas pedia baixinho para que parasse com aquilo. Pude ver pela minha visão periférica que tentava manda-las embora com gestos, mas não sei se chegaram partir.
  - Quer saber? Chega! – disse firme, levantando-se e não me dando tempo de reagir.
  Ele parou de frente para mim. E em meio aquele caos, só consegui reparar o quanto ele ficava lindo quando se vestia totalmente de preto, destacando aqueles límpidos olhos .
  - Caramba, ! Você é uma garota incrível e não merece ser atacada desse jeito pelas escolhas que fez na merda da sua vida pessoal! – ele começou, e eu não sabia o que fazer além de assisti-lo em seu monólogo.
  - Muito menos quando todos deveriam estar te dando apoios. Mas, sabe? Eu sei que não sou e sei que eu nunca posso chegar a ser metade do pai que ele seria pra esse filho, mas... Caramba, eu amo você e esse bebê e quero dar a vocês a melhor vida que vocês possam ter. Eu vou me esforçar para isso todos os dias! – àquela altura, especulava e falava alto, mexendo nos cabelos a todo o momento, completamente... Nervoso. Eu sabia o que viria a seguir. Ele se ajoelhou da melhor maneira que pode nas escadas, e me deu o sorriso mais lindo do mundo. E então, todos sabiam o que viria a seguir. retirou do bolso uma caixinha de veludo vermelha e a abriu, revelando um anel de diamantes.
  - Aceita se casar comigo e me fazer pai do seu filho, pequena ? – ele propôs. Cada sílaba saindo de sua boca em câmera lenta, como se o mundo tivesse parando somente para mim e ele.
  Eu não sabia o nível de erro que estava cometendo ou talvez fosse o melhor acerto da minha vida, mas, no segundo seguinte joguei-me nos braços de , colando meus lábios nos dele com força.
  Ele pareceu surpreso, a princípio, totalmente tenso ao meu toque, mas aos poucos fora processando que sim, eu estava lhe beijando e cuidadosamente nos levantou, aprofundando o beijo. O seu beijo fora suave, calmo e... Apaixonado. Era urgente também e, infelizmente, ainda possuía um pouquinho de culpa.
   afastou-se, antes dando um leve selinho em meus lábios.
  - Eu te amo. – falei, enquanto roçava nossos narizes.
  - Eu te amo mais. – ele abriu um sorriso, abraçando-me.
  E foi então que percebi que, metade da festa de Santo Agostinho havia parado para nos assistir. , vendo de camarote, deixava uma solitária lágrima descer pela sua bochecha. Ele logo a limpou, mas eu vi.
  Não sabia como aquela cena repercutiria em minha vida, mas, eu tinha uma certeza: Não importava como, eu tinha para lutar comigo.

Don't say a word, I hope that you know
There's truth in the way that we feel
The current is strong
I'll never let go of you

  ’s POV
  - , ! – ouvi uma voz me chamar em meio às batidas frenéticas na porta de casa. – , eu sei que você está aí. – bateu mais uma vez e então eu reconheci a voz chorosa. .
  - Pequena , o que aconteceu? – perguntei, assim que abri a porta e encontrei em prantos, com o rosto vermelho provavelmente pelo choro. se jogou em meus braços, e eu a aninhei num abraço. Ela tremia, mas nenhum som, além de seus soluços, saía de sua boca. – , por favor, você está me assustando. O que houve?
  - A minha mãe, ... Ela, ela... Surtou. Me bateu, disse que não carregaria o fardo de ter uma filha grávida, viúva e um neto órfão de pai. , por que ela é tão cruel? – desabou, cuspindo as palavras com tanta mágoa que fora difícil não cair de joelhos e chorar junto com ela. Respirei fundo, sentindo uma raiva gigante da senhorita . Mas raiva nunca resolveu problemas...
  - Vem aqui... Você precisa se acalmar, esse nervosismo não faz bem para o bebê! – a abracei, alisando seus braços e esperando que se acalmasse.
  Aos poucos, ela fora explicando que sua mãe lhe expulsara de casa e que seu pai não movera um dedo para defendê-la. Eu não lhe respondi de prontidão. Minha cabeça maquinava lentamente quais seriam os nossos passos porque o único apoio que tínhamos estava na Suíça.
  - ... Se você quiser desistir, eu entend...
  - Eu não vou desistir. Isso é tão importante pra mim quanto pra você. – não deixei que terminasse sua frase. Meu silêncio não era de desistência.
  Continuamos ali abraçados. Cada um com seus próprios pensamentos. Precisava pensar numa forma de sobrevivermos àquela loucura, de sairmos daquela bagunça. De fugirmos. No mesmo instante que a ideia perfeita me ocorreu, se pronunciou.
  - ... – ela chamou e esperou que eu a encarasse. – Por que, além do óbvio, é tão importante assim assumir esse filho? Essa guerra não é sua. – ela cuspiu o que esteve ruminando todo aquele tempo em silêncio.
  Era hora de cuspir tudo o que guardei durante muito tempo.
  - Por quê? Bom... – Lhe sorri antes de continuar. – Eu não posso ter filhos, . Sou estéril e não há nada que eu possa fazer a respeito disso. – sua boca se abriu levemente em surpresa. – E essa guerra é minha sim. a colocou na minha mão e acredito que essa foi à resposta de Deus por eu ter questionado tanto por não poder ter um filho. – confessei e, sem que eu percebesse, as lágrimas já corriam livres. Senti o abraço forte de ao redor de meu corpo enquanto ela enchia-me de beijos.
  - Eu só não te bato por não ter me contado antes porque, Deus, , você não pode ser real de tão perfeito. Aceito ser pobre, cuidar do nosso filho a base de água e pão e morar numa casa de pau a pique, o que for... Só quero ter você do meu lado.
  Apertei-a em meus braços, sorrindo e chorando ao mesmo tempo. Ela não tinha ideia do quanto havia me transformado com aquele “nosso” filho.
  - Não vai ser necessário nada disso. Sei quem pode nos ajudar. – falei convicto.
  - Quem?
  - Amellie. Ela não vai nos negar ajuda. Tenho certeza.

We'd fall fast enough
We'd fall hard enough
We'd fall sure enough
And never look back

  5 anos depois…
  ’s POV
  O Sol estava se pondo, deixando seus últimos raios iluminarem o rosto cheio de vida de . Ao seu lado, estava Anthony, concentrado em seu papel quase em branco enquanto contava ao pai o que estava desenhando. ergueu seu olhar até mim, sorrindo, e como um filme os últimos cinco anos passaram em minha mente. A fuga, as complicações no último mês de gravidez, nossa luta para criar uma criança em um país onde não dominávamos a língua e o pior, sem o apoio da família. Mas a força de vontade e o grande homem que sempre fora nesse interim também me vieram à mente, e eu lhe sorri de volta.
  - Pai, o senhor ‘tá me ouvindo? – Anthony lhe chamou e voltou a sua atenção para ele.
  - Sim, filho?
  - Meu desenho tá pronto, o senhor quer ver? – Ant abriu um sorriso, erguendo a folha no alto. Tentei dar uma espiada, mas ele não parava de sacudi-la.
  - Quero, claro! Mostra e continua explicando pro papai.
  E então Ant colocou o desenho de volta a mesa, e levou seus dedos ao que parecia ser uma mulher palito.
  - Essa é a mamãe. – ele explicou. Depois levou o dedo até uma criança palito.
  - Esse sou eu de mãos dadas com a mamãe. – continuou, levando o dedo até um homem palito. – Esse é o papai. – e então, pela primeira vez percebi um quarto boneco de palito. Era um homem. Com asas. – E esse é o meu papai que está no céu, de mãos dadas com o papai.
  Ant abriu um sorriso de orelha a orelha, mas nós apenas conseguimos deixar as lágrimas caírem por nossos rostos.
  E foi então que compreendi que não precisava da vida que tivera nos Estados Unidos. Não precisava da minha família. Porque fora o homem da minha vida e , nosso anjo protetor.



Comentários da autora


*sendo positiva e pensando que alguém chegou até aqui*. Primeiro: obrigada MESMO DE CORAÇÃO por lerem. Segundo: Peço desculpas pela história corrida, mas... eu SEMPRE quis tratar desse assunto de guerra, gravidez e infertilidade. Vacilei de ter escolhido colocar a historia numa songfic, MAS essa música inteirinha me lembrou dessa história. E deixo aqui minha indignação com só 8 páginas :( poxa, pra song/short ser decente tem que ser no mínimo umas dez páginas. A história corre demais com esse número extremamente pequeno e limitado. Enfim.
Espero que tenham se apaixonado pela história tanto quanto eu e, se vocês gostarem, digo que ela é um projeto meu. Quero transformá-la em longfic e provavelmente com outro nome. Enfim.
Agradeço a Gabs, que me ajudou em cada parágrafo dessa fic. Significou demais pra mim o apoio. <3 hahaha
Obg, cupcakes. Beijos. xx