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#002 Temporada

Breathe Me
Sia




Breathe Me

Escrita por Effy Stanfield | Revisada por Songfics

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  Dalila sempre fora uma menina fora dos padrões. Seus cabelos não eram lisos ou cacheados. Seus olhos, nem claros, nem escuros. Seu corpo sempre fora mais rechonchudo que o das outras meninas da sua idade.
  Em sua infância, preferia livros a brinquedos; chorava quando via um animalzinho machucado ou quando assistia filmes sobre cachorros. Não tinha muitos amigos, apenas Samuel, o qual conhecia desde que se entendia por gente.
  Doce, frágil e delicada, exatamente como seu nome sugeria. Uma “garota especial”, como seu melhor amigo lhe dizia constantemente.
  Hoje, aos seus dezesseis anos, toda essa “especialidade” lhe incomodava demasiadamente. Não exatamente a ela, mas, sim, às vozes. Vozes essas que habitavam sua mente.
  Sentada ao chão de seu banheiro, escorada à porta e com um pedaço de lâmina entre os dedos, a menina tentava decidir se aquela era mesmo sua única opção, porém, mais uma vez, aquelas malditas vozes não a deixavam pensar. Há quatro dias Dalila não dormia. Uma vermelhidão já típica e bolsas escuras abaixo de seus olhos davam uma expressão cansada e abatida ao seu rosto.
  Havia uma semana que ela não frequentava a escola; simplesmente não conseguia encarar aquelas pessoas. Não entendia o porquê de elas serem tão más. Por que caçoavam de sua aparência e seu jeito de ser? Qual era o problema em ser diferente, afinal?
  “Você é uma fracassada! É por isso que ninguém gosta de você!”, o som ecoa em sua mente.
  Talvez a voz estivesse certa. Talvez o problema realmente fosse ela. Nunca fora boa com criticas e não suportava submeter-se a qualquer tipo de pressão. Ela era fraca e pessoas fracas não merecem viver.
  Disposta a por um fim ao seu sofrimento e silenciar as vozes em sua cabeça, Dalila ampara a pequena gilete entre seu dedo polegar e o indicador e a posiciona sobre a fina linha azulada translúcida na pele alva, já com algumas cicatrizes, de seu pulso.
  Contudo, um barulho vindo de dentro do seu quarto a impede de concretizar a ação. Eram passos.
  “Você não trancou a porta? Será que é tão inútil ao ponto de nem isso conseguir fazer?”, a voz ressoa em seus pensamentos mais uma vez.
  - Lila? – seu nome é chamado do outro lado da porta.
  Automaticamente todo o seu corpo perde a estabilidade e suas mãos começam a tremer. A voz tinha saído abafada, mas ela sabia quem a chamava. Era ele. Era Sam.
  - Lila, abre a porta, por favor! Eu preciso conversar com você!
  - Vá embora, Sam! – a menina vocifera com a voz embargada.
  A menina cerra as pálpebras úmidas fortemente e fecha as mãos em forma de punho, prensando a lâmina em sua palma. Lila sente uma pequena ardência e um líquido quente percorrer entre seus dedos, indicando que sua mão estava ferida. Contudo, ela não ligava. Já estava acostumada àquela sensação e agora ela tinha uma dor bem maior. A dor de ter de afastar Sam.
  Lila e Sam são grudados desde que ainda eram bebês. Consideram-se quase irmãos, a única coisa que os separavam era não haver ligação sanguínea. Sempre confidenciavam tudo um ao outro; seus medos, suas paixões, suas primeiras experiências... Mas dessa vez ela não queria envolvê-lo em seus problemas, não queria que ele também sucumbisse aos seus demônios. Sam não merecia aquilo.
  Seu melhor amigo sempre fora um garoto muito alegre, simpático e extrovertido e por isso tinha vários amigos; Lila não queria que ele os perdesse por ser visto andando com a “esquisitona”. A menina não entendia como ele ainda tinha coragem de perder seu tempo com ela. Duvidava que se ele a tivesse conhecido nos dias de hoje, mal a dirigiria o olhar nos corredores da escola.
  Seu coração lhe dizia que ele nunca a abandonaria, não importava o que acontecesse, porém sua mente gritava que ela deveria se afastar e se tem uma coisa que ela havia aprendido durante a sua vida, era a não seguir seu coração. Então ela decidiu ignorar todas as suas ligações e mensagens durante aquela semana. Tomar aquela decisão doeu tanto que ainda fazia seu coração latejar.
  - Eu não vou te julgar, Lila! Só... me deixa entrar!
  Sem nenhuma resposta da amiga e frustrado por não ser capaz de ajudá-la, o rapaz suspira e se senta ao chão, apoiando sua cabeça na porta, com os olhos fechados. O garoto se sentia extremamente impotente por não saber o que fazer. Dalila era uma das pessoas mais importantes de sua vida e lhe partia o coração saber que ela se sentia tão mal a ponto de querer se machucar ou tirar a própria vida. Queria poder fazer tudo aquilo desaparecer. Queria ver sua amiga feliz e sorrindo de novo.
  Uma brisa gelada atravessa a janela e atinge o corpo de Samuel, trazendo-lhe à memória um momento antigo, porém ainda muito vivido em sua mente.
  - Lembra de quando nós éramos pequenos e você me disse que odiava o frio e me pediu para te abraçar e esquentar? – O rapaz sorri com a lembrança. – Aquele dia eu prometi que te protegeria de tudo e de todos, lembra? Queria muito poder fazer isso agora.
  Um soluço audível escapa pela garganta de Lila, provocando um aperto no peito de seu melhor amigo. Ele odiava vê-la chorar. Nunca sabia como agir, então apenas a abraçava fortemente, até o seu choro cessar. Porém, ele estava incapacitado de consolá-la agora e isso o matava por dentro. Antes de conseguir se conter, vestígios de lágrimas eram deixados por suas bochechas.
  Sentia-se profundamente culpado, pois sabia que se não a houvesse deixado sozinha nada disso estaria acontecendo. Agora temia perdê-la para sempre.
  - Por favor, Lila... – A suplica atravessa seus lábios em um sussurro quase imperceptível.
  No entanto, a menina havia ouvido e isso só acarretou a intensificação do pranto que banhava seu rosto. Não suportava saber que seu amigo sofria, ainda mais por sua causa. Preferia morrer a fazê-lo sofrer. Dalila reuniu as poucas forças que ainda lhe restavam e destrancou a porta, afastando-se dela.
  Ao perceber que a porta havia sido aberta, o garoto se desloca abruptamente para dentro do cômodo, engatinhando em direção à sua melhor amiga, que estava encolhida ao lado da pia. Tão frágil. Tão vulnerável. Vê-la daquele jeito lhe embrulhava o estômago.
  Sem perder nem mais um segundo, o rapaz a envolveu vigorosamente com os braços, depositando naquele ato todo o seu amor, seu carinho, sua compaixão e sua segurança. Gostaria que através daquele feito ele pudesse tirar toda a sua dor e sofrimento.
  As lágrimas que já saiam com intensidade dos olhos da menina, agora pareciam a correnteza de um riacho, lavando o seu rosto e ensopando a camisa de seu melhor amigo. Entretanto, nenhum dos dois estava dando importância a isso, somente queriam aproveitar aquele momento de companheirismo e amizade. Logo, permaneceram assim por alguns minutos, abraçados, aos prantos, em silêncio, esperando toda aquela angustia passar.
  O garoto percebe a mão ensanguentada da amiga e uma onda de desespero atravessa seu corpo. Esperava não ter chegado tarde demais. Todavia, o sentimento de alivio se apossa de seu coração quando ele constata ser um corte superficial na palma da mão dela.
  Sam auxilia o corpo debilitado de Lila a se levantar e a assenta sobre a tampa da privada. Segura sua mão com cautela e a põe sob a água corrente da torneira.
  A menina não demonstrou nenhum sinal de dor ou aflição. Seu olhar era distante e opaco, como se ela não habitasse mais este mundo.
  Sam estava seriamente preocupado. Não conseguia decidir se deveria comunicar alguém, pedindo ajuda. Deveria ligar para os pais dele? Os de Lila estavam totalmente fora de questão, seu pai era alcoólatra e sua mãe se transformara em uma fanática religiosa depois da separação.
  Não, melhor não, pensou. Lila o odiaria caso contasse a alguém. Então o rapaz decidiu que cuidaria da melhor amiga por conta própria. Se pôs a procurar pelo kit de primeiros socorros e aprontou todo o material necessário para tratar o ferimento. Secou a mão da garota cuidadosamente e aplicou o líquido antisséptico sobre o corte, cobrindo-o com um curativo imediatamente.
  Samuel sustentou o peso de Dalila em seus braços e fez o caminho de volta ao quarto da garota. Depositou-a sobre os lençóis da cama e se deitou ao seu lado, cobrindo ambos os seus corpos com o edredom, aninhando-a de volta aos seus braços e iniciando uma carícia em seus cabelos logo em seguida. E isso se seguiu até a garota cair no sono.
  Contudo, Sam não conseguiu pregar os olhos nem por um segundo durante aquela noite. Sua cabeça estava cheia demais. Cheia de preocupações. Cheia de dúvida. Cheia de perguntas não respondidas. Ansiava ajudar sua amiga, mas não conhecia nenhum modo de fazê-lo sem envolver um especialista. Ela precisava de um especialista. Ele tinha ciência de que somente a sua assistência não seria suficiente. Um dia ele poderia chegar tarde demais e só em cogitar essa possibilidade, já sentia todo o corpo estremecer e uma forte pontada no peito.
  O menino virou-se para o lado e se pôs a observar o rosto da amiga, tão calmo e sereno. Dalila era tão jovem, bonita e inteligente. Não merecia estar passando por nada daquilo. Ninguém merecia, na verdade. O sonho de Lila era se tornar médica veterinária, para assim poder ajudar animais doentes e feridos. O rapaz sorriu com um pensamento. Até as intenções da menina eram as mais puras possíveis. Ele simplesmente não compreendia como alguém era capaz de fazer qualquer maldade contra ela.

  Estava tão perdido em pensamento que só percebeu quanto tempo havia se passado quando feixes de luz atravessaram a janela, iluminando o quarto e indicando que já estava amanhecendo. O garoto sentiu a movimentação ao seu lado e retornou a atenção à sua melhor amiga, constatando que ela havia acordado.
  - Ei! Bom dia! Se sente melhor? – a menina balança a cabeça, afirmando. – Que bom! Você me deu um susto e tanto, sabia?
  - Desculpa... – A voz de Lila sai como um sussurro e sua expressão estava carregada em culpa.
  - Você não tem de se desculpa! – o menino diz em um tom quase ofendido. – Eu é que deveria me desculpa! Isso foi tudo culpa minha, não deveria tê-la deixado sozinha!
  - Sam...
  - Não, Lila! Eu deveria ter vindo antes, deveria ter insistido mais! Eu pensei que você queria um espaço! Eu... – A garota o interrompe, segurando seu rosto entre as mãos e olhando-o profundamente nos olhos.
  - Não foi culpa sua, ok? Eu estava com a cabeça cheia demais, não conseguia dormir, não conseguia pensar. Só... Aconteceu.
  - Isso não pode continuar assim, Lila! Promete que vai procurar ajuda?
  - Prometo, Sam!
  - E promete que não vai mais se afastar desse jeito? Nem vai mais me expulsar da sua vida? – A garota assente, fazendo com que uma madeixa caia sobre seus olhos. Sam a afasta de seu rosto, onde permanece com sua mão. – Meu Deus, Lila, eu fiquei com tanto medo! Quero tanto te ajudar! Me diz como eu posso te ajudar!
  E foi então que Dalila percebeu que Samuel era seu porto seguro, sua válvula de escape. Ele era o que a mantinha sã, afastava as vozes em sua cabeça e unia os seus pedaços novamente. Enquanto ela tivesse sua amizade, nada poderia atingi-la. Enquanto ele estivesse ali, ela estava a salvo.
  - Só me abraça, me aqueça; seja meu amigo, como você sempre fez.
  E ele o fez. E faria de novo e de novo e quantas vezes mais fossem necessárias, até o fim de suas vidas. Nunca a deixaria sozinha com seus pensamentos de novo e faria o possível e o impossível para protegê-la.
  Iria sustentá-la, envolvê-la, descobri-la, aquecê-la e, até mesmo, respirá-la, se fosse preciso.

FIM

Nota da autora: Gostei demais de escrever essa história e espero de coração que quem indicou a música também tenha gostado, aliás, gostaria de agradecer a essa pessoa, pois além de conhecer uma música linda, pude abordar um assunto que queria há um tempo. Bullying, ansiedade e depressão são problemas que infelizmente ainda são atuais, atingem grande parte da nossa geração e precisam ser discutidos. Se você está passando por algum desses problemas, converse com alguém e peça ajuda! Você não está sozinho! Não desista e aguente firme! O mundo necessita do seu sorriso <3