Boy

Escrito por Cath / Rapha | Revisada por Natashia Kitamura

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  É claro que eu estava nervosa. Mais uma vez. Sentada no pé de minha cama, com os joelhos dobrados e o rosto enterrado nas minhas mãos, vez ou outra bagunçando e puxando meus próprios cabelos como se este fosse o único jeito de aliviar a frustração.
  , minha irmã, já sabia o que fazer nestas situações. A solução sempre era ligar para Michael e me deixar sozinha enquanto ele não chegasse e me confortasse... De novo. Já se passaram alguns minutos, não sei quantos de fato, desde que eu e Max terminamos. Mais uma vez.
  E eu sempre acabava da mesma maneira, talvez por que eu realmente sou muito estúpida. Ou estúpida de mais pra entender se eu o amo ou o odeio, ou se eu tenho coragem o suficiente pra admitir pra mim mesma qual é a resposta desse último dilema. Era frustrante. Tudo era frustrante. E lá se foi outro apertão-puxão em um chumaço de cabelos.
  Quando a porta foi escancarada com tudo, eu continuei com o rosto enterrado em minha mão esquerda, já que a direita agora se encontrava na minha nuca, e inclinei o meu rosto para a parede ao meu lado, evitando olhar para porta. Não era justo eu fazer isso com ele sempre, eu sabia disso, mas eu não tinha mais ninguém, nem mesmo . Ela só lembrava que tínhamos algum parentesco em situações absurdamente extremas, ou nesses casos.
  - De novo? É a terceira vez só nesse mês, . – Ele sentou ao meu lado, tirando delicadamente minha mão direita do meu emaranhado – ninho de ratos – de cabelos e depois a minha mão esquerda, as repousando no seus joelhos entre suas próprias mãos. Eu ainda encarava a parede, espremendo meus lábios um contra o outro para evitar soluçar, sentindo o meu nariz formigar. As lágrimas ainda rolavam. – Olha pra mim.
  Eu neguei com um chacoalhão frenético de cabeça.
  - Por favor? – E ele sabia que eu olharia. Ele sabia que eu nunca poderia negar nada pra ele. – Eu vim o mais rápido que pude, desculpa por ter demorado todo esse tempo… O que foi dessa vez? – Eu ia abrir a boca para respondê-lo, ia mesmo, mas só de lembrar tudo o que aconteceu meu nariz começou a formigar mais forte – se é que era possível – e eu senti meus olhos lacrimejando e embaçando minha visão ainda mais, apesar do quarto estar semi-escuro e a única luz presente era a do poste de luz da esquina da minha casa, que ficava consequentemente na janela do meu quarto. Michael me abraçou forte, passando um braço pelo meu ombro e segurando meu cotovelo, fazendo com que eu me apoiasse em seu peito.
  Consegui murmurar um “o de sempre” (mais um sussurro do que um murmúrio, de fato) e senti ele assentindo quando o queixo dele bateu levemente no topo da minha cabeça. Michael esticou o braço que não estava me envolvendo para cima e puxou uma das cobertas que ficavam dobradas ao pé da cama até nós dois, cobrindo minhas costas e depois passando por trás das suas, com o máximo de cuidado possível para não me deixar desconfortável nem um segundo sequer. Aquilo significava que passaríamos um bom tempo ali sentados.
  - Escuta, – Disse Michael. – Você realmente tem que esquecer desse cara. Sério. Ele não sabe como te tratar, e eu não vou falar isso só por que eu sou seu melhor amigo, mas, caramba , você merece alguém melhor! Merece mais! Você sabe que eu teria quebrado a cara dele um milhão de vezes se você tivesse deixado, mas eu não fiz por você, e todas as vezes que ele retrucou ou pareceu interessado em acertar um murro na minha cara, parecia mais que ele queria se provar macho, não que queria lutar por você. – Ele disse, se apressando para completar com um tom um pouco mais alerta. Parecia surpreso por ter dito aquilo. – Digo, lutar pra provar um ponto sobre você, ou para te defender… Não que ele precisasse lutar comigo por você, ambos aqui sabemos que não é por que você não é minha namorada que você deixa de ser minha. – Michael concluiu com um tom brincalhão e eu dei uma fungada-risonha, se é que isso existe.
  - Eu menti, Mike. – Disse depois de poucos segundos que o mini-discurso acabou. Michael curvou-se pra direita para me olhar. – Eu menti. Não… Não foi o de sempre… Ele me traiu. De novo, eu sei que não é uma novidade, mas…
  “O de sempre” era o código de “Max ficou bêbado e me falou várias merdas”. Eu sempre dizia que era “o de sempre” por que eu sabia que Michael ficava fulo da vida quando ele me traía, - Deus sabe o que ele faria se soubesse que há mais do que isso - mas depois de tudo que ele falou, simplesmente pareceu errado mentir de novo. Sempre parecia errado mentir. De novo.
  Michael soltou meu cotovelo com uma força descomunal, se levantando no mesmo segundo, me fazendo cair com as mãos espalmadas no chão de madeira. A raiva estava estampada na cara dele; os olhos semi-dilatados, a expressão de nojo e repulsa, o maxilar trincado, o pescoço tensionado...
  - Quer saber, ? Eu realmente não entendo o que caralhos você enxerga nele. – Disse Michael, usando palavrões de verdade, como ele só fazia quando estava realmente bravo. E então, começou a gritar. – Quando eu digo que você merece algo melhor, eu nunca brinquei! Você merece alguém que te ajude, que te apoie, que não ligue pra você no meio da noite mais chapado do que mendigo na praça só pra fazer você ouvir ele fodendo com outra! - Ele cuspia as palavras, andando pelo quarto mas nunca tirando os olhos de mim. - Ou que bebe em uma noite mais do que qualquer rim aguentaria em uma vida inteira e fica te chamando de lixo, de puta, de corna! De corna! E no dia seguinte chega te chamando de amor, pedindo desculpas, estalando a porra dos dedos e você correndo pra ele, como um poodle de madame! Honestamente, ele é um bosta. E você é uma bosta e meia por ainda se colocar nesse lugar, ! – Michael gritou a última parte mais alto do que ele mesmo esperava, e a expressão de horror misto com surpresa que ele tinha estampada na cara entregou isso.
  Eu já estava mais encolhida do que um hamster, obviamente. Chorava, obviamente também. Afinal, ele não contou nenhuma mentira. Me arrastei até o canto entre o pé da cama e o encontro da parede, apertando o cobertor contra mim. Michael nunca gritava comigo, e sempre que gritava já era o suficiente pra me fazer desabar. Juntar Max e ele não era uma combinação saudável. Ele passou os dedos entre os cabelos, puxando-os em frustração como eu fazia. Não me lembro quem pegou a mania de quem depois de sete anos em que somos amigos, mas aquilo simplesmente funcionava conosco.
  Michael respirou fundo, e caminhou devagar até a minha frente, se ajoelhando e depois sentando sobre os calcanhares, ainda assim ficando um pouco mais alto do que eu.
  - Me desculpa… Eu não quis dizer isso, você sabe que eu não quis dizer isso.
  - Nós dois sabemos que você quis dizer isso, Michael. – Respondi na intenção falha de ser seca, já que á essa altura eu estava rouca e com as cordas vocais sentindo algo similar á uma faca passando levemente de uma em uma, depois fazendo todo o processo de volta, e depois, de ida, e então de volta mais uma vez. Tudo de novo outra vez.
  Ele suspirou.
  – É que você é tão inteligente, ! É impossível entrar na minha cabeça que você é tão burra nesse aspecto! A essa altura, se você estivesse sendo racional, você já teria dado o troco nele faz muito tempo. Já teria, sem dúvida, esfregado na cara dele que você não é uma qualquer. Por que você não é, caralho! – Michael bufou em frustração de novo. – Fala sério, quando ele era um cara legal eu até entendia por que tudo isso, e eu até ia com a cara dele antes de ele se tornar um retardado mental, mas, as coisas mudaram , só você não percebeu isso ainda? Isso aqui não é mais a oitava série.
  Enquanto falava, ele pegou minhas mãos de novo, que antes beliscavam de levinho a parte de trás da minha orelha – outra tática anti-frustração – e as envolveu mais uma vez dentro das suas palmas.
  - Eu já tentei dar o troco nele, Michael! Eu não sou assim tão estúpida! – Murmurei o mais alto que eu consegui, o que resultou em uma fala normal, porém baixinha. Mas Michael estava tão perto de mim que eu nem precisava falar tão alto. – Já tentei. Diversas vezes. UM ZILHÃO de vezes! – Consegui aumentar um pouco o tom de voz. – Já tentei ficar com um monte de garotos, e você não entende o por que eu ainda fico nessa? Justamente pelo mesmo fato do por que eu não consigo dar o troco de verdade. Eu sou, literalmente, uma merda e meia. – Me coloquei de pé e levantei minha camisa até a barra do sutiã, onde na minha costela tinha um grande hematoma roxo. Comecei a chorar mais uma vez. Dessa vez, bem mais do que as outras. Talvez mais do que todas as vezes que eu chorei essa noite juntas. – É por isso que eu ainda me submeto a isso, droga! Se eu tentar qualquer coisa, se eu fizer qualquer coisa, eu ganho mais e mais desses em lugares que só eu posso ver, pra que, segundo ele, ninguém tem que meter o bedelho em algo que só eu deveria saber.
  Michael se levantou em um pulo, literalmente falando já que ele estava apoiado nos calcanhares. Ele me olhou horrorizado, completamente horrorizado, e eu imediatamente me arrependi de ter lhe mostrado o hematoma recente. Michael se virou para a porta, parando bem na frente dela, e eu me perguntei se ele iria sair por ela e ir correndo até a casa de Max. Se ele ia espancá-lo. Se ia matá-lo, por que, eu realmente não duvido que isso é algo que ele faria em um excesso de raiva, se ia sair correndo até a delegacia do centro da cidade...
  Mas ele só ficou ali, parado, encarando a madeira marrom-escura, que parecia meio acinzentada devido à luz do poste. Eu esfreguei meus olhos com força, tentando falhamente achar um botão pra travar o fluxo do canal lacrimal, e funguei, respirando o mais fundo possível. Abaixei a camiseta até a minha cintura novamente e fui cautelosamente até a frente de Mike, ficando entre ele e a porta. Michael chorava.
  - Por favor, não faz isso. – Senti meu nariz formigar de novo, mandando o aviso-prévio de que eu estava pronta pra chorar mais uma vez. Ele apertou os olhos e se manteve imóvel, inclinando levemente a cabeça pro lado evitando olhar nos meus olhos. – Michael, olha pra mim…
  Eu me senti um monstro. De verdade, um monstro. E a culpa nem era minha. Eu era como o Frankstein, que era o monstro que faziam os aldeões chorarem, quando na verdade o mostro de fato era o Dr. Stein. Melhores amigos não deveriam deixar os melhores amigos dessa forma, era errado. Ilógico. Eu devia ter contado pra ele antes, devia ter mandado indiretas. Tivemos tantas conversas sobre Max e eu sempre tive mais medo dele do que confiança nos possível “Vai ficar tudo bem, princesa” que o Michael soltaria. E eu confiava cegamente nele.
  Ele ergueu o olhar, mas não olhava pra mim ainda, olhava através de mim. Ele estava concentrado no meu rosto e parecia ler cada depressãozinha entre a pele, localizando qual parte deveria enrugar quando eu franzia o rosto em uma expressão de dor. Ele deveria estar imaginando se eu gritava de dor. Se Max me pegava de surpresa quando fazia isso. Se me espancava. Quantas vezes já aconteceram. E eu sei que ele estava pensando exatamente nessas coisas, ele não precisava nem me dizer. O rosto dele se curvava em uma dor que literalmente fazia meu peito apertar.
  - Por favor, para, você ta me matando desse jeito! – Eu supliquei em um soluço, o abraçando pelo pescoço de supetão. Ele instintivamente me abraçou pela cintura, mas com mais cuidado do que geralmente faz. Michael afundou o rosto na curva do meu pescoço e finalmente se permitiu chorar de verdade. De soluçar.
  A cada gemido que ele dava ou suprimia, eu sentia como se meu coração estivesse envolto em um cinto de couro, e um soluço dele era o gatilho pra um buraco mais apertado no cinto entrar na fivela, espremendo e espremendo o meu coração cada vez mais.
  Quando eu percebi que ele começou a apertar mais forte a minha cintura, chegou a parte que eu realmente temia. Ele passou de compaixão por mim á raiva de Max. Eu não o soltei por que sabia que se fizesse, seria pior. Dei um passo curto pra trás para atingir a porta com minhas costas, e ele por sua vez, soltou minha cintura abruptamente para socar com os dois punhos fechados a porta bem ás margens da minha cintura.
  Eu podia sentir que ele trincava os dentes, e tentei acalmá-lo acariciando seu cabelo, mas não parecia muito eficiente. Ele não estava nem mais nessa órbita, quanto mais dando alguma atenção para o que eu faria ou deixaria de fazer com ele. Eu poderia tentar trazer ele de volta á sanidade com palavras, mas eu estava tão abalada com ele socando a porta repetidamente, as vezes apertando a minha cintura por precisar de algum apoio, que eu mal conseguia elaborar algo na minha cabeça.
  - Michael, presta atenção em mim. – Pedi aproximando ainda mais meu corpo ao dele, tentando alcançar um melhor jeito de fazer ele me ouvir, falando ao pé do seu ouvido e ficando de uma maneira qual os movimentos de seus socos não me atingissem. – Você tem razão. Eu vou dar um fim nisso, e eu sei que você vai me ajudar. Nós vamos até a polícia ou algo do gênero, mas você não vai espancar ele, ou matá-lo. – Eu disse negando tudo o que ele murmurava enquanto socava a porta atrás de mim, possivelmente imaginando o rosto de Max bem ali. – Por favor, para Mike, você ta me assustando, por favor. – Eu fiquei nas pontas dos pés, abraçando seu pescoço com mais força e chorando baixinho, distribuí beijos fracos pelo seu ombro, na esperança que ele se acalmasse um pouco.
  Quando senti a respiração dele contra mim diminuir um pouco e os socos na porta ficarem um pouco mais desajeitados, mais fracos, suspirei fundo pelo sucesso. Continuei traçando um caminho de beijos até sua bochecha, e depois me afastei, olhando diretamente pra ele, que dessa vez, de olhos vermelhos e inchados, não desviou o olhar. Coloquei minhas mãos em suas bochechas e fiquei nas pontas dos pés novamente, para alcançar beijá-lo entre as sobrancelhas já que a testa estava fora de alcance ainda nessas condições. Me abaixei e afaguei suas bochechas usando meus dedões, para tirar o suficiente de vestígios de lágrimas dali.
  - Me desculpa. – Ele pediu fechando os olhos com o carinho. – Me desculpa, me desculpa.
  - Você não tem que se desculpar por nada, Micha-
  Antes que eu pudesse terminar a frase, ele pressionou seus lábios contra os meus, me dando um selinho demorado. Eu, em choque, nem sabia como respirar diante aquilo, quanto mais me mexer. Ele afastou seu rosto do meu por poucos centímetros, e com a respiração ainda pesada pelo surto, me encarou olho-no-olho. Naqueles míseros segundos do beijo, todo o discurso de "você merece mais" passou pela minha cabeça. "Você merece mais... Você merece mais... Você deveria dar o troco..."
  Talvez eu o assustei quando segurei sua nuca e o puxei para outro beijo, mas se eu realmente fiz isso, ele não transpareceu. Michael me pressionou contra a porta, só que para beijar o meu pescoço dessa vez. Quando ele segurou a barra da minha camiseta, ele parou por um momento, hesitou. Tipo, sério?
  - Tira isso logo, Michael. - Eu respondi impaciente. Deus, como eu queria aquilo. Como eu queria ele.
  Soltando uma risadinha, ele obedeceu, e então engoliu em seco diante de todos os hematomas que estavam naquela área. Tirando o recente - mais visível - ainda tinham alguns na outra costela, na altura dos ossos do meu quadril e dois na clavícula. Michael beijou cada um deles delicadamente, fazendo isso de novo e de novo, várias vezes.
  Depois de alguns minutos, estávamos entre cobertas, e lençóis, e travesseiros, e risadas e, devo dizer, alguns gemidos também. Muitos, pra ser sincera.
  Ele em certo ponto disse que me amava, que "tipo, sempre me amou", e eu só conseguia pedir desculpas por todas as situações, como a que deveria ter sido no inicio da noite, em que eu já o havia colocado. E pedi desculpas por ser tão estúpida, e por todas as outras vezes que eu, em algum devaneio, defendi o Max. Michael só riu, me calando com um beijo mais uma vez.
  - O que você pensa que está fazendo? - Eu perguntei afastando nossos lábios quando ouvi o "clique" de uma câmera fotográfica vindo do celular dele.
  - Bom, agora é a hora que você dá o troco. - Ele me entregou o iPhone onde a página de mensagens do Max estava aberta, a imagem esperando um OK de envio. Respirei fundo e cliquei no botão, recebendo um beijo na testa logo em seguida.
  Michael tomou o aparelho das minhas mãos de novo, e por cima de seu ombro, vi o que ele havia digitado e enviado para Max, sem nem mesmo hesitar.
  "Se você aparecer a pelo menos 15 metros dela de novo, se você ousar até mesmo mandar uma mensagem pra ela, você pode ter certeza, Max: Eu irei atrás de você e irei fazer cada um dos roxos que você fez nela parecerem brincadeira de criança."

FIM



Comentários da autora

  Já tinha postado a fic na forma não-interativa, no socialspirit; Espero que gostem <3