Bored

Escrito por Cáa Cardoso | Revisado por Cáa

Tamanho da fonte: |


  O tédio era algo que podia até ver, brotou do teto e escorria pelas paredes, molhando seu sofá de couro preto que acabara de comprar. Enchia a enorme sala, chegava a altura de seus joelhos e partia para os outros cantos do apartamento, sem nenhuma piedade ou pudor.
  Ele conseguia ver tudo isso acontecendo enquanto estava sentado em sua poltrona, no canto da sala. Olha para os lados, bufa e revira os olhos antes de bater teatralmente em suas pernas com ambas as mãos e, finalmente, levantar. Segue para a cozinha e se depara com um bilhete em cima da tábua de cortar carnes.

Pegarei todos os cobertores na recepção do prédio e entregarei a uma casa de caridade que conheço.
Não se esqueçam que isso é importante, nunca passou por um inverno tão rigoroso quanto esse e milhares de moradores de rua estão morrendo.
Faça isso pelos outros. (:
PS.: Dobre os cobertores e os coloque na caixa, ordenadamente. Não queremos que a recepção fique bagunçada.

  Releu o bilhete mais uma vez e fingiu que vomitava. Estava sozinho em casa, fazia isso por ele, para ele. E depois ri do quão patético ele era quando estava sozinho.
  Reflete por alguns segundos e ri mais por perceber que era mais patética do que ele.
  A garota tem 23 ou 83 anos? Era o que ele pensava sempre que ela surgia com essas ideias revolucionárias que poderiam ajudar o mundo.
  Dá mais uns passos e para enfrente a geladeira. Encara seu reflexo, geladeiras de inox eram as mais legais. Abre a porta sem o mínimo de cuidado e a encara, como se lá dentro passasse um filme ou uma série que ele seguisse na televisão. Nada.
  Duas caixas de suco de laranja, quatro cervejas e um pedaço de queijo que já estava ficando meio verde.
  - Merda. - Ele diz, sem emoção nenhuma. O tédio avançava ainda mais, agora já atingia sua cintura. Passa a mão pela nuca enquanto usava a outra para fechar a porta da geladeira.
  Fica pensando até chegar ao limite, o tédio já passava da altura de seu nariz. Ele estava se afogando, era só uma questão de tempo.
  - Preciso sair daqui. - Resmunga e pega a carteira e as chaves antes de bater a porta do apartamento com força.

  Apertava o botão sem parar, mas o elevador não dava nem sinal de vida. Estava parado no quinto andar, a luz deixando o número cinco mais exposto do que os outros já o irritava. O número cinco já o irritava. Mas o que mais o irritava era saber que morava no quinto andar. Ela e ela.
  Soca o botão para chamar o elevador e nada adianta. Decide ir pelas escadas. Droga, odiava escadas de prédios.
  Desce rápido, pulando vários andares. Vê o número cinco gigante pintado na parede e, como num piscar de olhos, decide fazer o que passou por sua mente.
  Era isso, a ideia perfeita para a quantidade de tédio que dominava seu corpo.
  Sorri perverso antes de tudo começar.
  Abre a porta e dá de cara com tirando sacolas e mais sacolas de compras do elevador.
  - Oi, ! - Ela sorri quando percebe o cara parado na saída da escada de emergência.
  - Hey. - Ele diz, a medindo. O que tinha de neurótica, tinha de gostosa. Por que uma garota na idade dela tinha que aparentar ser tão certinha? O que ele poderia fazer a respeito de calotas polares derretendo ou todo esse papo furado? O que ela poderia fazer?
  - Oh, você precisa usar o elevador, não é? - Ela se sentia culpada. era sempre assim. - Quer dizer, precisava. Deus! Desculpa, eu não reparei que estava demorando tanto...
  - , a garota perfeita, não reparou, qual é? - Um sorriso estranho tomava conta de seus lábios, ele nunca havia feito nada do que estava pensando antes, mas as coisas simplesmente se encaixaram em sua cabeça, como um quebra-cabeça extremamente fácil, ele tinha todas as peças bem ali, e o pior, sua cabeça se encarregara da sequência delas também.
  - Desculpe, aceita entrar para tomar uma limonada? - disse, arrasada pelo o que acabara de fazer. Seu sorriso vacilava, suas pernas tremiam e seu corpo pedia um banho frio. Ser tão perfeita era difícil. Ou, pelo menos, aparentar a perfeição.
  - Claro, por que não? - sacode os ombros sem emoção. Os dois eram os mais novos do prédio, mas nunca fora o tipo de . Não até aquele dia.
  Os dois entraram e se dirigiram para a cozinha. Enquanto preparava a limonada, dissera que precisava ir ao banheiro; coisa que não aconteceu. fora até a porta e a trancara, depois escondeu a chave em um de seus bolsos.
Foi para o banheiro e se encarou no espelho antes de procurar a outra parte do seu quebra-cabeça. Um sorriso maníaco tomava conta dele, o tédio não existia mais, ele fora dominado pela ansiedade. A ansiedade consumia , ele não podia mais esperar, mas seu cérebro tinha um plano, e seus instintos o seguia; incrivelmente.
  Abaixou-se para o armário do banheiro e procurou as luvas de plástico que com certeza tinha, lembrara de seu cabelo ser mais escuro do que agora, com certeza ela pintava. Achou algo melhor, a tinta que ela usava proporcionava luvas de látex. Seu sorriso aumentou assim como a velocidade que seu sangue corria. Adrenalina substituiu a ansiedade.
  Voltou para a cozinha com as mãos no bolso e o sorriso medonho. não reparara em nada, estava sentada, o esperando pacientemente. A queda que ela alimentava por era mais forte do que outra coisa. Mas é claro que ele só a notaria se ela fosse perfeita.
   atravessou a cozinha e fixou seus olhos no conjunto de facas enfiadas em um pedaço moderno de madeira. Sorriu mais ainda. Olhou para e ela o encarava encantada.
Quem não encararia encantada um cara com seus 25 anos, bem sucedido e lindo?
   se aproximou de e a pegou pelos ombros, com as luvas já colocadas. O encanto de era tão forte que ela não ligou, ela só queria mais dos toques de . Afinal, ela só era perfeita por ele.
  Ele não pensou duas vezes. A jogou contra a parede com força, logo esbugalhara os olhos, mas era tarde demais, a pegara pelos cabelos e batera sua cabeça contra o batente da porta. Nada, nada foi o que pode fazer. No momento seguinte, estava desacordada.

  - Isso vai ser lento e delicioso. - acordara grogue, mas pode ouvir as palavras de . Sentiu a boca seca, uma meia se encontrava lá. não podia nem falar.
  Encontrou os olhos de e estremeceu, alguma coisa muito errada estava acontecendo. E ela só reparou nisso aquela hora. Tentou se soltar, mas só conseguiu sentir um barulho de plástico e os braços e pernas doerem. Levantou a cabeça e quis chorar. Estava amarrada a cama por cordões de tênis, seu colchão envolto em papel filme, assim como outros objetos perto dela. Lágrimas brotaram em seus olhos quando encontrou seu jogo de facas na cabeceira de seu quarto. estava logo ao lado do jogo, parecia escolher o que usaria. Estava nas nuvens, o tédio se esvaíra, a ansiedade, a adrenalina, o medo. Estava exultante. Estava faminto, queria começar aquilo logo.
  - Se você gritar, arranco seus dedos com o alicate que está na terceira gaveta do seu armário na cozinha. - Ele disse, tirando calmamente a meia da boca de . Ela não poderia gritar, estava em choque.
  - Por que está fazendo isso? - Ela perguntou com a voz baixa e fraca.
  - Eu quero cuspir em você, lindinha. - O tom de voz era outro. estava fascinado consigo. Desde quando era assim? Tão bom? Olhou para a mulher em sua frente e rolou os olhos. - Brincadeira, o tédio me deixou assim.
  - Tédio? Como ousa? - sabia que nada ali acabaria bem, não adiantava gritar. Não adiantava chorar, não adiantava fazer nada. A não ser estabelecer uma conversa. Porque mesmo que ela quisesse negar, estava ali, em sua cama, com . Sua queda desde que se mudara para o prédio, há 1 ano. Era doentio se sentir atraída por um cara que agora pegava uma de suas facas para cortar carne.
  - Você não pode ser tão perfeita assim, . - Ele disse, alisando a faca. A encarava com desejo. Não o desejo de fodê-la, o desejo de matá-la. O desejo de ver o sangue escorrer pelo papel filme que colocara em toda a cama, estrado e chão do quarto de .
  - Tenho um desejo antes de tudo? - pergunta de forma matura. Se estivesse desamarrada, com certeza já estaria sem roupas, o puxando para a cama com ela. Com ou sem faca. a deixava doida, mesmo ele sendo o doido.
  - Último desejo? - achava graça em tudo aquilo, mas deixou rolar para ver até onde chegaria. - Vá em frente.
  - Do me. - Ela disse, tentando ser sexy. O que deu certo, sentiu uma pontada em seu pênis. Seria uma boa finalização, transar com e depois a matá-la. Mas seu cérebro tomava as rédeas da situação. Seu sêmen seria facilmente encontrado se algo desse errado e pessoas suspeitassem de alguma coisa. Já cuidara do copo extra que estava na bancada da pia, não podia deixar tudo o afundar, teria que seguir o plano. Riu com escárnio e tomou fôlego antes de falar.
  - Cruzes, ! Desde quando eu traçaria uma garota perfeita como você? - O nojo em sua voz era fingimento. Ele não sabia que era capaz disso, mas estava adorando cada parte de seu novo eu que descobria.
  - Eu só me tornei assim por você. - A garota falava com os dentes trincados e lágrimas rolando por seu rosto.
  - Que meigo. - disse depois de um tempo em silêncio, só apreciando a cena. Voltou a colocar a meia em sua boca, mas logo a tirou. Fez a garota tomar um copo de água para tirar todas as fibras da meia e dessa vez colocou uma bola de papel filme em sua boca. Segurou a faca com mais firmeza e a cortou. Cortou repetidas vezes, de formas diferentes, maneira experiente e o brilho doentio nos olhos. Cortou-a até não poder ouvir mais sua respiração e estar cansado de passar mais de três camadas de pele com a faca de de cortar carne de vaca. Cortou-a até ver uma de suas costelas expostas. Cortou-a até ela não ter sangue suficiente para jorrar de sua jugular e causar um acidente inesperado no teto do apartamento. Cortou-a até sentir os músculos tensos, mesmo depois de nada mais funcionar naquele corpo.
  - I get bored. - disse, anted de fincar a faca no coração da garota, agora morta.

  Limpara tudo como um profissional. Se espantou de uma maneira satisfatoriamente deliciosa com esse novo . Pegara o corpo todo estraçalhado e colocara em sacos de lixo. Partes separadas, partes cortadas, todas as partes.
  Levara para um lugar mais calmo, sabia que de madrugada o lugar era uma boca de fumo, para garotos de dezessete anos e sem nenhum medo se drogarem a vontade. Mas estava relativamente claro. O relógio marcava nove horas da noite, mas a neve refletindo para todo o canto fazia as pessoas enxergarem muita coisa. Coisas até demais.
  Levara os pedaços de para seu carro com cuidado, escapando das câmeras e pessoas indesejadas graças a seus novos dons recém descobertos.
  Jogara todos os quatro sacos de lixo pretos na rua da boca, os empilhando e certificando que ninguém assistia. Pegou uma garrafa de vinho e depois de despejá-la pelos sacos de lixo, acendeu o fósforo e o jogou lá sem emoção.
  Tudo logo ficara mais claro, os sacos derretendo na pele de , os barulhos estranhos que o corpo de fazia por estar queimando. A sensação de poder em só crescia.
  O cheiro começou a ficar forte, mas o vinho disfarçara perfeitamente. não tinha uma sequência de ideias tão boas assim há anos. Desde que apresentara seu novo projeto para seu chefe.
  O cara ficara pensando até as chamas diminuírem por completo, e nada ser visto lá. Tudo se reduzira a cinzas e o sorriso de desapareceu com o fogo.
  Deu meia volta e olhou ao redor pela enésima vez. Estava sozinho, mas via uma coisa: A onda de tédio o dominando novamente, a onda invadindo a rua deserta, enchendo-o mais rápido dessa vez, o dominando por completo. Não demorou muito para estar com a onda de tédio imaginária acima de sua cabeça. Era isso, o tédio o dominava de novo.

FIM



Comentários da autora

  Não me mate. SIM É A PRIMEIRA FRASE QUE FALAREI NA N/A. TT_TT
  Em minha defesa, ela tinha que morrer. Minha primeira Death, não me dei muito bem com isso, mas foi pensando em você, Ass! :D
  Já ouviu a música Bored do Deftones? Foi meio que inspirada nela. E a parte da morte em Dexter, o seriado. ANYWAY!
  Primeira Death fic, não me bata e espero que não esteja tão ruim assim. >.<'
  <3