Boombayah – A história de uma assassina
Escrita por Pams | Revisada por Mariana
As luzes passavam rápido pela janela, o vento soprava rudemente em seu rosto, o silêncio era rompido pela batida latente de uma música do rádio, impedindo que se pudesse ouvir o ronco feroz dos motores na rua quase deserta. Seu cabelo teimava em ficar preso e algumas mechas caíam, os dedos tamborilavam no volante a cada batida da música, os olhos atentos a cada movimento à frente e atrás. Ao entrar em um túnel, o primeiro disparo. A bala acerta o retrovisor esquerdo. Outros dois tiros ecoam e o carro começa a se desestabilizar sentindo o impacto nos dois pneus traseiros. Buscando uma última alternativa, a garota vira bruscamente o volante e o carro derrapa na pista sendo impulsionado a girar no asfalto, cada vez mais rápido e com grande força. Quando ele para, Jennie não tem mais escapatória.
10 horas antes.
Buzinas. Telefones tocando. Pessoas conversando. Pessoas gritando. Crianças chorando. Música em alto falantes. Passos indo e vindo. Cachorros latindo. "Coreia do Norte e Coreia do Sul anunciam nova reunião de cúpula". "Mais de 70 mil mulheres em um grande protesto contra a proliferação do molka". Jennie tenta se esquivar das pessoas que ousam atrapalhar seu caminho e atrasar sua chegada ao prédio da companhia em que trabalha. Com o telefone em uma mão e várias sacolas na outra, ela tenta discar um número. Mas não de qualquer pessoa, Lisa, quem está colaborando para que o sonho de Jennie se torne realidade.
Jennie sonhava em ser modelo desde criança, mas devido à vida que levava, ela achou que essa era uma ideia impossível. Ao ser deixada pelos pais, ela simplesmente esqueceu toda a ilusão e se jogou em um mundo completamente diferente, lutando por si para ganhar algum dinheiro. Quando completou seus 20 anos, ela conseguiu sair do mundo obscuro ao qual estava e fez uma grande amiga. Mudou de nome e de vida, Lisa a ajudou a entrar em uma agência muito famosa, porém não como modelo. Jennie era Auxiliar de Produção de Moda, desse modo seu sonho não parecia mais tão distante. Devido a isso ela tinha que correr contra o tempo para chegar na agência antes que sua chefe percebesse seu atraso.
- Lisa, eu não posso perder essa oportunidade!
- Mas...
- Olha, o desfile é amanhã, eu preciso do vestido.
- Eu já falei que não tem como, Rose.
- Como não? Você disse na semana passada que tudo bem.
- Não é isso.
- Então me diz o que é?
- Ele não está comigo.
- O quê?
A calçada movimentada não parou como Jennie, então as pessoas ficaram um tanto quanto estressadas de ter uma garota atrapalhando o caminho para que chegassem a algum lugar.
- Como ele não está com você?
- Uma amiga pegou na semana passada para ir a um casamento e desde então não me devolveu.
- Tudo bem, é só ir na casa dela pegar.
- Ela está em Jeonju, Rose. Não tem como.
- O quê?! Quer saber, esquece, estou atrasada, depois eu te ligo.
Frustrada, a jovem seguiu seu caminho rumo ao prédio que ficava a duas quadras a frente. Desatenta e desinteressada, Jennie perdeu cenas ótimas de se apreciar. Uma garota pequena tocava violino e cantava uma canção famosa com uma afinação surpreendente, um rapaz ao perceber a dificuldade de um senhor ao atravessar a rua o ajudou e voltou para conversar com os amigos, uma criança explicava a mãe sobre o porquê de ela acreditar em Deus e no amor. Perdida em seus próprios ressentimentos e preocupações, Jennie não notou nenhuma das cenas descritas, assim como não notou quando um homem magro de paletó colocou algo em sua bolsa. Algo valioso que mudaria não só aquele dia para a jovem, mas talvez a vida toda dela.
Do outro lado da rua o homem fazia seu caminho sempre a observar àquele sujeito magro de terno, espreitando suas mãos velozes e olhos curiosos. Para o jovem Charles aquilo era tudo muito simples, apesar de não ter tanta experiência ele era bastante esperto e inteligente. O homem magro não estava a procura de uma garota qualquer, o que estava em sua mão tinha destino certo. Foi então que Charles desviou o caminho, seguiu para o outro lado da rua e começou a fazer os mesmos passos que a jovem a sua frente. Como não era discreto, a garota logo notou e seus passos se apressaram, loja após loja. Ela encarava o prédio a sua frente depois olhava para trás repetidamente. Charles deveria ser mais discreto como o magro senhor.
- O que você está fazendo? - disse Jennie quando Charles a tomou pelo braço e fez com que ela desviasse de seu caminho sem sua vontade, devido ao silêncio do brutamonte ao seu lado a jovem continuou. - Me solte!
- Eu não posso, senhorita.
- Me solte! Alguém me ajude! - apesar de tentar Jennie não conseguia se soltar, ou não queria.
- Por favor, senhorita, não faça muito barulho, eu não posso impedir se algo mais grave lhe ocorrer.
- Do que você está falando? Está me machucando!
- Eu já lhe disse, eu não posso.
- E por que não?
- A senhorita está com algo que não lhe pertence, mas certamente corrigiremos esse erro rapidamente e poderá voltar à sua rotina maçante.
- Eu não estou com nada de ninguém, deve estar me confundindo.
Ao chegarem em um beco que parecia totalmente esquecido, Charles afundou a mão na bolsa da jovem encontrando o objeto perdido. Sorriu à jovem desesperada a sua frente.
Jennie foi tomada por um sentimento assustador, como quem prevê o futuro e sabe que coisas ruins poderiam acontecer, ela sabia o que ele segurava. Infelizmente seu passado veio à tona.
- Eu não peguei nada, eu juro. Nem sei como isso foi parar aí. Não... não sei de quem é. – ela se esforçava para manter a mentira.
- Está tudo bem. Como eu disse foi um mal entendido.
Charles então se virou para a avenida disposto a seguir seu caminho, mas uma Jennie curiosa e cheia de perguntas o seguia.
Pobre Jennie, enfrentava um dilema moral entre reviver o passado e deixar tudo isso para trás. Mas se ela revirasse essa página do passado, poderia ela finalmente seguir em paz?
- Quem é você?
Sem resposta, a garota repetiu a pergunta.
- Quem é você?
Quando cruzaram a primeira esquina, ouviu-se um barulho, o ruído era horrível, uma arma atirando em sua direção. Jennie impulsivamente se abaixou e seus pelos se eriçaram. Charles rapidamente soube de onde havia partido o disparo e sacou sua arma para contra atacar. No meio da avenida então começou uma chuva de balas, acertando diferentes locais, era uma cena horrível de se ver e Jennie se recusou a levantar para observar. Pessoas correndo e gritando em direções opostas feito loucos saindo de um manicômio, não conseguiam decidir para qual lado ir. Enquanto isso, Jennie continuava abaixada com as mãos nos ouvidos, tentando abafar o ruído que insistia em latejar. Charles acabou olhando para ela naquela situação e decidiu fazer alguma coisa.
Novamente ele segurou os braços da garota e a apoiou em seu corpo, ainda que estivesse meio surda ela conseguiu ouvir o que ele disse.
- Você vai ter me ajudar aqui.
- Vamos, levante!
Jennie se apoiou no rapaz e eles saíram de lá em um carro, roubado, certamente o dono se esqueceu dele no meio da confusão toda.
- O que diabos está acontecendo? - gritou Jennie, pois seu ouvido ainda estava abafado.
- Um tiroteio, o que mais?
- Isso não pode estar acontecendo. Não agora!
- Sei o quanto você deve estar abalada, mas poderia segurar isso pra mim? - Charles estendeu a arma para Jennie e colocou em seu colo.
A garota estava aflita e sem reação. Era tudo verdade. O futuro manda lembranças.
- É só uma arma! Aliás você vai precisar segurar se quiser sobreviver a isso!
- O quê?
- Você sabe atirar?
- Você só pode estar brincando?!
- Você não sabe atirar? Ok! Isso vai ser mais difícil do que eu pensei.
Charles dirigia o carro em uma velocidade absurda. Vários tiros foram disparados contra o carro, alguns deles acertaram o vidro traseiro e o estilhaçaram em vários pedaços pequenos ao longo do banco. O rapaz fazia o seu máximo para contra atacar e dirigir ao mesmo tempo.
- Como você não sabe atirar, será que poderia dirigir?
Ele começou a se mover para o lado do passageiro deixando Jennie apavorada com o volante que se movia sozinho.
Com sucesso os dois conseguiram trocar de banco e a jovem continuou o ritmo acelerado enquanto seu companheiro atirava sem parar no carro que vinha atrás deles. Jennie às vezes pegava a contramão, desviava de pessoas, animais e lojas, passando por caminhos desconhecidos. Ela sabia exatamente o que fazer, porém preferia não saber. Quando Charles percebeu que podiam ter despistado o perseguidor, acabaram entrando numa rua sem saída, Jennie pisou fundo no freio e olhou feio para o garoto ao seu lado.
- Você ficou maluca?
- Quem é você?
- Charles. – ele começou a desconfiar que talvez ela não fosse quem ele pensava.
- Charles. Pra quem você trabalha?
- Faz perguntas demais.
- ME DIGA!
- Por quê?
- Primeiro você me aborda brutalmente e me faz entrar numa vala, depois um tiroteio bem na minha cara, agora eu estou no meio de uma perseguição com a merda de uma arma no meu colo tudo por causa dessa coisa. Você não acha que é algo que eu precise saber?!
- É um belo ponto.
- Então?
- Por que não saímos daqui e vamos para um lugar seguro, ok?
A contragosto de Jennie, os dois saíram do carro, enquanto Charles se esforçava para retirar a placa, ela tentava em vão guardar a arma dentro de sua bolsa, logo depois saíram cautelosamente da rua e entraram em uma avenida movimentada. Só então Charles deu uma boa olhada na jovem que o acompanhara, suas roupas e seu rosto. Era uma beleza diferente do comum, coreana como ele, mas não tão delicada como demonstrava ser, tinha alguma coisa errada nela.
- Você é bonita.
Apesar de ser pega de surpresa, Jennie não ousou corar.
- É de alguma agência de modelos?
- Sim. Mas não sou modelo. Sou auxiliar.
- Jura? Bom eles estão perdendo alguma coisa.
Muitas pessoas já haviam dito isso a ela, devia estar acostumada, mas por algum motivo era diferente dessa vez.
- Eu não posso fazer muito por você, pelo contrário, tenho um compromisso há algumas horas e você certamente também tem. É aqui que você fica.
- Como é? Me arrastou no meio disso tudo pra nada?
- É como eu disse. Foi um erro. E é melhor pra você. Volte para sua vida.
Dito isso, Charles virou e saiu andando no meio da multidão e como se fosse uma pegadinha do destino o telefone de Jennie tocou, sua chefe. Ela precisava decidir entre o passado e o futuro naquele exato momento. O toque do telefone continuou, o coração batia acelerado, o suor escorria, as mãos começaram a tremer. Ela desligou o telefone e voltou a atenção à multidão a sua volta tentando achar o rapaz que a colocou no meio de tudo, de novo. Como não achou, ela fez algo que a tempos não fazia, roubou um carro. Era a segunda vez em um carro roubado no mesmo dia, dessa vez, por ela.
Dirigiu acompanhando a multidão por várias quadras, apesar de não tê-lo encontrado, viu outro rosto conhecido. Era como se tudo encaminhasse para aquela exata ocasião. Parou o carro em qualquer lugar depois desceu, atravessou o mar de pessoas até ficar frente a frente com passado.
- Jesse!
- Desculpe, eu te conheço?
- Não se lembra de mim?
- Jennie?
- Quanto tempo! O que você está fazendo aqui?
- Eu mudei pra cá depois de toda a confusão na Nova Zelândia.
- Você sabe que se o chefe te achar ele vai ficar puto né?
- E por que você acha que ele vai me achar?
- Você não se ligou né? O que você acha que eu estou fazendo aqui? Ele tá aqui.
Jesse teve bastante tempo para explicar a Jennie a operação que estavam realizando na Coréia, todas as pessoas que estavam perseguindo e todos o que estavam atrás deles, Jennie ouviu com atenção e tomou uma decisão drástica.
- Vamos fazer isso.
- Vamos? Eu pensei que você tinha decidido mudar de vida, virar uma modelo que todos babam em cima, essas coisas.
- Bom, eu ainda tenho um trabalho a fazer, e se todo esse bando for quem eu estou pensando, o destino me trouxe de volta.
- Você tem ideia do que ele pode fazer quando te ver né? Você fugiu Jennie, deixou a gente na mão na primeira oportunidade.
- Eu não tinha escolha. Mas agora eu estou fazendo uma. E então, o que me diz?
- Você sabe que não dá fazer nada com essa roupa, ne?
Jesse guiou a moça até um brechó, o qual ela achou um tanto quanto cafona.
- Vamos, vista isso. - disse estendendo uma calça preta justa pouco agradável. - É o melhor que posso comprar.
Estendeu a ela também uma blusa regata simples, também na cor preta.
- Isso é loucura. - disse a garota se virando para o provador.
Tirou sua calça jeans, saltos e camisa para colocar a calça básica preta, coturnos e a regata.
Jesse tirou um dinheiro do bolso e pagou o vendedor.
Ele estava atento em qualquer carro que estivesse dando bobeira e como parecesse um clichê, havia uma lamborghini estacionada em frente a um hotel com a chave na ignição e portas destravadas. Como não era bobo, logo partiu para dentro dela.
Jennie não quis chamar atenção e entrou calmamente no veículo.
- Você está maluco? Acha que não vão perceber uma lamborghini roubada?
- Relaxa, não vamos ficar com ela por muito tempo.
Ele a levou a um depósito abandonado no centro da cidade onde provavelmente drogados e traficantes se encontravam à luz da lua. O tipo de lugar que Jennie poderia ter conhecido nos tempos de sua juventude.
- Bom, se você vai me ajudar, tem que saber se defender. Você era muito boa nisso, ainda se lembra como faz?
Jesse lhe entregou uma arma, a jovem a pegou, destravou e começou a atirar nas garrafas abandonadas pelo depósito. Jesse sorriu, sua garota estava de volta ativa. Treinaram pelo máximo de tempo que conseguiram, mesmo enferrujada Jennie ainda se sobressaia a ele.
- Você ainda é a melhor.
- Eu sei. - disse sorrindo convincente.
- Ainda tenho uma chance?
- Cai fora, Jesse - sorriu sem graça.
- Qual é? Eu não estou tão fora de forma assim.
Jesse ainda sabia como fazer Jennie sorrir.
Mal terminou de falar seu telefone tocou, de costas ele atendeu.
- Sim? Diga? Sei. Tudo certo. Sim. Chego em meia hora.
- Quem era?
- Você vai logo saber. Entra no carro.
Se estavam do mesmo lado ou não, iriam descobrir minutos depois.
O carro seguiu para o centro da cidade, depois foi se afastando para um bairro mais fechado e bem mais caro. Entraram pelos portões de uma mansão e estacionaram na garagem. Fizeram o caminho até a porta ainda em silêncio e foram recepcionados por um homem alto e de aparência duvidosa, até quase semelhante a alguém que Jennie talvez possa ter visto em algum lugar, alguém que Jesse se espelhava em ser algum dia, alguém que quase chegou aos pés da melhor agente de seu patrão.
A casa apesar de grande tinha poucos móveis, as janelas ficavam fechadas, mas a claridade se fazia presente. Passaram por vários cômodos até se depararem com um vão entre duas portas. Jesse empurrou o vão e fez revelar um outro corredor, menos iluminado e menos espaçoso. O corredor fazia curvas confusas, mas ao final deu para uma porta de aço pesada.
- Está preparada?
- Acho que sim.
Jesse tirou do bolso um cartão e a leitura foi feita. "Acesso permitido". Um click e a porta destravou. De costas um homem alto e robusto conversava alegremente com um homem moreno, quando perceberam a presença dos dois jovens na sala, a conversa cessou e os olhos dos dois pararam em Jennie.
Outros homens que estavam dispostos ao redor da sala em suas próprias conversas também pararam o que estavam fazendo e encararam Jennie profundamente, como se pudessem despi-la com o olhar. Sua beleza era notável, mesmo em roupas simples. Alguns ela reconhecia de seus velhos trabalhos e lhe deram um olhar desconfiado, outros apenas a desejavam.
O homem mais velho ao centro virou para encarar de frente a garota e se aproximou, pensou em lhe desferir um tapa para demonstrar o quão magoado e irado estava, porém ele nunca ousaria lhe levantar a mão para tal ato. Seu olhar era de decepção e saudade ao mesmo tempo, estava confuso, assim como Jennie. Fazia anos que não via aquele que aprendeu a chamar de pai, anos que decidiu sair de sua vida para sempre, anos desfeitos pelo dia atual.
- Como ousa aparecer aqui depois de tudo o que você fez? - sua voz era firme e consistente.
- Acredite em mim, era meu último desejo estar aqui.
- Como você sabia que eu viria pra cá?
- Eu não sabia. Eu me mudei pra cá há cinco anos. Só descobri hoje que estava aqui também.
- Como descobriu?
Jesse tomou a palavra e explicou tudo ao chefe, o objeto perdido, o tiroteio, o encontro com Jennie. Também disse que ela decidiu voltar por conta própria.
- Por quê? - perguntou à jovem.
- Um último trabalho e estamos quites. Estou finalmente fora.
- Você não estava fora todo esse tempo?
- Sabe que não.
- Você é quem decide.
Ele sorriu e voltou a atenção aos homens ao seu redor.
- Cavalheiros, é com muita honra que eu anuncio um retorno surpreendente, com vocês Jennie Kim.
Os homens mesmo não conhecendo Jennie, já tinham ouvido histórias de seus grandes feitos, "a filha adotiva de Jack", "a princesa das armas". Ficaram boquiabertos, pois não tinham noção do quanto era bonita, aplaudiram e ovacionaram. Em alguns olhos a insegurança se fazia presente, mas não deixaram de aplaudir.
Jack explicou o plano a ela, em como ela participaria e o quanto sua ajuda seria importante.
- Mas você não vai sozinha.
- O quê? Por quê?
- Não confio em você.
- É sério?
- Você vai com um dos meus melhores homens, Charles. Até vai gostar dele.
- Charles?
- Sim, ele é coreano como você. Vão se dar bem.
- É, acho que não. Se for quem estou pensando.
- Como é?
- O cara que me tirou do tiroteio. O nome dele era Charles, alto, mais novo que eu.
- Então eu devo agradecer a ele. Te trouxe de volta.
- É, mas só para essa operação.
- Por quê? Você pode continuar.
- Tenho meus motivos.
Os dois continuaram o plano e ao terminar, se juntaram com os outros em um círculo. Foram surpreendidos quando a porta se abriu e um coreano alto de rosto familiar entrou. Seus olhos pararam em Jennie e sua expressão era indecifrável.
- O que você está fazendo aqui?
- Charles, sei que você já se conhecem, essa é Jennie.
- Espera, você é a Jennie? "A Jennie?". Mas você nem sabia atirar? Isso é alguma pegadinha?
- Não. Agora fique quieto. Ela vai ser sua parceira hoje.
- O quê? Eu não vou ser parceiro dela. Eu nem sei se ela sabe se defender sozinha. Não confio nela.
- Você tem 15 minutos para tentar a sorte.
- Pra quê?
- Pra adquirir confiança.
Jennie sorriu satisfeita. Era como nos velhos tempos. Os homens riram e aplaudiram, um combate se iniciaria em poucos segundos. Eles queriam ver a garota vencer, estavam fartos do Charles e sua autoconfiança exacerbada. Se afastaram e deixaram Jennie e Charles no centro da roda. Que vencesse o melhor.
Ele estava inseguro, nunca havia nem mesmo levantado a voz para uma garota, muito menos a mão. Ela estava nervosa, podia errar qualquer movimento e algo quebraria em seu corpo. Ambos com sede de provar o quanto podiam ser melhores em campo.
Foi Jennie quem desferiu o primeiro golpe, um soco de direita que acertou em cheio o queixo, meio desnorteado, mas sem coragem Charles se afastou. Ela desferiu outro em seu estômago, quando ele caiu, ela o acertou no queixo novamente. Todos estavam surpresos com a pequena garota, ou quase todos.
Charles se recompôs cheio de fúria, não queria ser envergonhado na frente dos amigos. Ele acertou o primeiro soco em seu estômago. Era como desaprender a respirar, a dor fez Jennie querer vomitar, mas não desistir. Ela era atenta a qualquer pequeno movimento, quando notou que Charles se preparava para outro golpe ela segurou seu braço com bastante força, torceu-o para um lado e lhe deu outro soco, no nariz. Ao se afastar novamente, Charles recebeu um chute no estomago e caiu para trás, Jennie o observava, queria que ele continuasse. O rapaz se levantou e partiu para cima dela, apesar de ter tempo para desviar, Jennie não o fez e acabou levando um soco no queixo que a derrubou no chão. Charles se deu por vitorioso cedo demais, queria um reconhecimento sem agir muito bem, essa luta ainda era dela. Jennie se levantou e com um movimento rápido se ergueu no ar, as pernas foram diretamente no pescoço do rapaz, os dois caíram, ela o imobilizou ao novamente torcer o seu braço. Charles gritou de agonia e dor e foi então que Jack deu o sinal final. A luta acabara por ali.
Jennie levantou e foi aplaudida, mas Charles não suportou tal ato, queria agir pelas suas costas, mas Jennie já lidara demais com homens que não suportam perder para uma garota, quando sentiu que ele estava se aproximando, fez um giro rápido e chutou com bastante força no estômago.
- Eu disse que a luta tinha acabado Charles, não foi assim que o ensinei. Agir pelas costas? Não, não. Jennie, você não cansa de me surpreender. Foi uma boa luta. Todos vão para seus quartos, o espetáculo já acabou, se prepararem para essa noite.
Jennie se acomodou em um quarto e lá ela recebeu roupas novas, armas, e um celular novo, revisou mentalmente o plano diversas vezes e quando queria dar um tempo, se exercitava por medo de estar enferrujada. Depois de tomar um banho, se trocou e resolveu fazer um tour pela mansão. Seu silêncio foi quebrado quando Charles resolveu lhe fazer companhia.
- Ainda me seguindo?
- Foi você quem veio até mim. Não tenho culpa do meu charme.
- Não se gabe tanto, eu posso te dar uma surra agora mesmo. Ou melhor, outra surra.
- Engraçado. Mas não.
- Não?
- Não estou te seguindo. Mas estou curioso.
- Ah é?
- O que aconteceu de verdade? Por que está aqui? Não veio reestabelecer laço com o papai.
- E por que minha vida te interessa tanto?
- Bom, todos já ouvimos falar de você, às vezes por alto, mas seu nome sempre surge. Por quê?
- Não fique remexendo no passado, pequeno Charles, você pode se dar mal.
- Ele matou seus pais?
- Como é? - perplexa, Jennie parou sua caminhada e se virou para ele.
- E depois te recrutou?
- Ele nunca me fez mal algum.
- Só te transformou em uma assassina?
- Isso foi escolha minha.
- E por que você escolheria isso?
- Por que eu não tinha mais nada a perder.
A conversa dos dois foi interrompida por Jack, que caminhava até o corredor para chamar a todos.
- Está na hora.
Jack piscou para Jennie, como se perguntasse se estava de pé, ela piscou de volta e voltou para o seu quarto, pegou suas armas e arrumou a bagunça. Se tudo desse certo, era a última vez que precisava fazer isso.
- Você sabe que isso não foi deixado na sua bolsa por engano não é? - disse Jack assustando Jennie em seu quarto. - Eles queriam você nessa.
- Eu sei. E é por isso que estou aqui. Vou dar um fim nisso.
- Eu nunca entendi porque você foi embora.
- Foram eles, pai.
Jack quis sorrir ao ouvir Jennie lhe chamar de pai.
- Eles acabaram com a minha vida, tiraram tudo de mim. E agora decidem quando voltar. Eu preciso dar um fim nisso. Pela minha família.
- Você vai. Nós vamos.
Jennie se virou e sorriu gentilmente, ainda que sentisse vontade de chorar.
- Quase me esqueci, isso é seu.
Jack caminhou até ela e retirou do bolso o pequeno colar que fora da mãe de Jennie, o mesmo deixado em sua bolsa, o mesmo que fora tirado dela quando os assassinos tiraram seus pais dela, o mesmo que colocou Jennie de volta a ativa. Ela precisava fazer isso valer a pena.
Com o colar no pescoço, a jovem fez o caminho até a garagem, todos estavam lá, arquitetando o plano. Ela nunca tinha invadido outra base de atividades, porém estudou muito bem a situação, em poucas horas ela tinha memorizados as plantas, o número de homens, suas posições, suas armas, seus papéis no mundo do crime, sabia onde ficava cada câmera de segurança. Ela só precisava ter coragem para enfrentar os medos passados.
- Jennie, você vai com o Charlie. Ficam com a lamborghini.
- Ei, ei. Por que eles ficam com ela? - alguém perguntou ao fundo.
- Porque eu quis assim. Todos sabem seus papéis, todos sabem o que fazer. Mãos a obra.
Cada carro seguiu um caminho diferente, tudo para evitar chamar muita atenção. Jennie pegou o caminho mais curto, precisava chegar antes de todo mundo para cumprir sua parte no plano, ser pequena tinha suas vantagens. No caminho, Charles insistia em manter uma conversa.
- E então, Jennie Kim, o que você veio fazer na Coréia? Você era da Nova Zelândia, certo?
- Sim.
- Então, por que se mudar para tão longe?
- Me sentir em casa, mudar de vida.
- Rever a família, depois de tanto tempo, eu presumo.
Jennie se manteve em silêncio, nunca gostou de falar de seus pais ou da família que nunca lhe acolheu.
- Eles devem ser muito orgulhosos de você. Como eles eram?
- Não te interessa.
- Como será que eles reagiriam quando viram que você mata pessoas?
- Eles morreram. Não podem mais ver ou reagira nada.
Charles se calou por alguns segundos e se recompôs com grande deselegância.
- Os meus também.
Jennie se absteve de comoção e continuou dirigindo.
- Sinto muito.
- Não precisa mentir. Venho de uma família toda envolvida nisso. Foram assassinados e o que me restou foi achar os culpados. Assim como eles fizeram a vida toda. Sempre procurando culpados.
- É.
- E os seus?
- Não pense por um segundo que eu vou falar deles pra você. Agora cale a boca e se afunde no seu papel para o plano.
O silêncio se manteve até Jennie estacionar o carro na rua em que o gigante depósito da corporação ficava, ambos saíram do carro e aguardaram o momento certo. A troca de turno.
Jennie foi primeiro, atacou o segurança com tiros no peito, subiu para o telhado com uma facilidade absurda. Seu pouco peso ajudou a não fazer ruídos, seguiu diretamente para a parte sul do depósito, onde ficavam as caixas com armas, pela janela ela entrou e se escondeu. Desviou a câmera para mirar somente onde ela não passaria. As caixas precisavam de chave para abrir e com o grampo conseguir abrir as travas, pegou mais armas e repetiu o processo com o grampo para abrir a porta da sala. Em passos leves caminhou para o corredor onde ficavam os seguranças, atirou em algumas câmeras e outras ela apenas as virou, como a da sala, atirou nos vigias e um por um caiu ao chão ensanguentado. Continuou o percurso até a porta principal e liberou a passagem para aqueles que trabalhavam com ela.
Subiram as escadas do galpão, fizeram uma limpa no local, alguns não conseguiram. Procuravam aquele que chamavam de "O marcador", mas ele não parecia estar em nenhum lugar. A medida que Jennie fazia a varredura do local, ela percebeu que tinha alguma coisa errada, estava tudo fácil demais, como se estar ali fosse o que tinha que acontecer, mas ela tinha de ter certeza. Ao entrar em uma sala escura, ela teve certeza.
- O que você está fazendo aqui, Charlie? Volte para os fundos.
- Jennie, Jennie. Para uma garota tão conhecida eu esperava que fosse um pouco mais esperta.
- Do que está falando? - sua mão vacilava ao segurar a arma.
- Você percebeu não é? Está tudo muito calmo, muito fácil. Ah Jennie, talvez você não seja tão burrinha.
- Do que está falando?
- Não tem ninguém aqui. Nunca teve. Eu queria você aqui.
- Você?
- O que achou disso tudo? O nosso esbarrão na rua, seu encontro com o papai, todo esse lugar cheio de homens com armas, as câmeras? Legal não é? E o colar? Ah! Foi a peça chave.
- E por que arriscar tantos homens só por isso?
- Ah, não foram tantos. Péssimos mentirosos eu devo admitir. Já você, uma peça rara, um mito. Uma traidora.
E lentamente a verdade ia se revelando.
- O que você sabe sobre mim?
- Me diz você. Por que foi para Nova Zelândia?
- Meus pais procuravam empregos.
- Mas por que tão longe? Você nunca soube não é? - Jennie se manteve em silêncio - O que seu pai fazia na noite em que morreu? - Charles continuou - Por quem ele morreu? Por que Jack te acolheu? Por que te fazer a filha prodígio dele? Por que guardar esse colar durante anos? Ligue os pontos, pequena Kim. Vamos, vamos.
- Eu não sei do que você está falando.
- Eu vou te ajudar. Você percebeu que na Coréia papai estava com muitas dívidas então ele decidiu levar a família pra bem longe e então rapidinho ele arrumou um emprego, comprou coisas caras, bebia muito. Um certo dia, papai Kim desaparece e volta bêbado para casa, pedindo pra vocês arrumarem as malas e de repente BAM. Um tiro. Papai Kim morre bem na sua frente. Depois. BAM. Outro tiro, e lá se vai a mamãe Kim. A jovem Jennie corre desesperada para pedir ajuda e encontra com um grande homem que promete ajudá-la. Faz um funeral para os pais da garota, adota ela e ensina ela a lutar, a atirar. Logo se tornam papai e filha. Uma família feliz. Anos depois, papai Jack pede pra filhinha fazer um trabalho sujo, matar uma família que devia muito dinheiro a ele. E ela fez isso, só que ela não sabia da criança. Um menino pequeno que ela havia acabado de deixar órfão. Uma trágica história que se repetia. Então a jovem Jennie resolve abandonar o papai Jack e volta pra Coreia. Decide passar uma borracha e viver sua vidinha fútil e medíocre, como se nada tivesse acontecido. Até que hoje, aqui está você, com uma arma na mão, se sujando de sangue, tentando honrar sua família. Uma pena que esteja fazendo errado.
- Como sabe tudo isso?
- Você sabe que quem matou sua família não foi um assassino marcador. No fundo você sabe que não foi.
- Pare!
- Diga o nome, Jennie!
- PARE!
- Diga, Jennie!
- PARE COM ISSO AGORA!
- VAMOS, JENNIE, DIGA O NOME!
- JACK!
- Como é?
- Jack. Foi ele.
- Garota esperta.
A jovem chorava como uma menininha, estava enfrentando seu passado e seus medos da pior forma.
- E você... você é...
- Joshua Sang.
- Sang?
- Você se lembra de mim não é? Você se lembra do meu choro. Do quanto eu implorei pra não matar minha família. Você não é um ícone, Jennie Kim. Você é um monstro.
- E o que você está esperando? Acabe com isso.
Joshua apontou sua arma diretamente para a cabeça de Jennie, destravou-a. Um tiro. Um único tiro. Joshua caiu no chão. Jennie não entendeu o que estava acontecendo ou de onde o tiro surgiu. Joshua ainda dizia alguma coisa.
- Nós podíamos ter sido os melhores. Eu e você. Se não fosse tudo isso. - Jennie apenas o encarava, ela não o conhecia, mas ele sabia toda sua vida. - Uma menina bonita, um menino bonito, juntos numa vida obscura.
- Eu nunca quis um menino, Joshua, eu sempre quis um homem.
- Um brinde a nós. Dois ferrados nessa vida. Eu poderia te servir uma Hennessy.
- Eu odeio Hennessy.
Jennie percorreu o olho par ao jovem rapaz ao qual ela teria lhe tirado tudo e nunca sentiu tanto ódio de si mesma.
- Seus olhos dizem, eu sei que você quer me tocar.
- Eu sinto muito, Josh.
- Josh. Eu gostei disso.
E então Jennie lhe atirou no peito. Acabando com tudo. Tirando mais uma vida. Por mais que ele tenha tentando algo contra ela, o que ela fez era imperdoável e só tinha alguém que havia mais culpa que ela nisso tudo.
Jennie iria cumprir a promessa que fez aos seus pais um dia, ela iria vingá-los.
O relógio marcava duas da manhã, Jennie vigiava o carro de Jack de longe. Era fácil segui-lo, ele se sentia confiante demais para ser pego desprevenido. Esse era um grande defeito seu, a confiança de que seus planos sempre dariam certo. O defeito de Jennie era nunca deixar para uma outra hora.
Quando os capangas deixaram Jack em sua casa, foi fácil para ela passar por toda a segurança, por todas as câmeras, ela esteve no local e teve bastante tempo para estudá-lo. Ela sabia onde ele estaria e foi ao seu encontro.
Numa sala, com uma taça de vinho na mão, Jack refletia sobre números. Perdas e ganhos. Seus pensamentos foram interrompidos pelo click de uma pistola.
- Olá, papa.
Jack virou sua cadeira lentamente e ao se deparar com a uma arma apontada para ele, teve vontade de gargalhar.
- O que está fazendo, pequena Jennie?
- Eu sei o que você fez.
- O que eu fiz?! O que eu fiz?
- Em julho de 82. Na noite fria de um bairro da zona sul da Nova Zelândia.
- O dia em que te resgatei?
- O dia em que matou os meus pais.
- Do que está falando? Eu não...
- NÃO MINTA PRA MIM!
- Eu não estou mentindo.
Jennie se manteve séria, ela sabia quando ele estava mentindo.
- Você sabia que eu poderia ir atrás de você algum dia, então por que não em acolher? Inventar uma grande história? Mentir na minha cara a vida toda. Eu te chamei de pai.
- Você não...
- EU TENHO NOJO DE VOCÊ.
- Você quer a verdade? Seu pai não passava de um drogado. Você não merecia isso. Eu te acolhi. Eu te dei educação. Eu te ajudei.
- Você me enganou. Me usou pros seus crimes horríveis.
- Certo. E então o que você vai fazer? Me matar? Fique a vontade. Mas você não vai sair dessa vida tão cedo. Eu posso te deixar em paz, posso fazer com que te deixem em paz.
- Eu não quero ouvir mais nada. Você é um verme, um desgraçado que acabou com a minha vida.
- Vá em frente! Atire. ATIRE!
BAM.
- Acredite, eu não sinto muito.
Correndo ela pegou o primeiro carro que encontrou e saiu dirigindo loucamente pelas ruas, vários carros a seguiam, mas ela tentou manter a calma. Ela sabia que aquilo podia acontecer. Ela estava preparada. Se ela podia voltar, podia sair. Podia tentar uma nova vida outra vez, mas teria que tentar. Ao entrar no túnel ela decidiu. Era hora de deixar o medo de lado.
As cápsulas de bala estavam em todo lugar, o sangue era como um tapete vermelho que honrava Jennie por ter conseguido honrar sua promessa. Os vidros estilhaçados ameaçavam cortar sua pele, mas ela não sentia mais dor. Fora lhe tirado tudo que mais amava. Num lampejo de memória, pegou o telefone de um dos caras que estavam no chão e mandou uma mensagem de texto para Lisa. “Eu sinto muito. Tenho que ir embora. Amo você. Obrigada por tudo.”
No dia seguinte
"Está em todos os noticiários! Máfia Neozelandesa encontrada morta em túnel! O grande Jack encontrado morto em sua própria mansão!"
"Uma mulher está sendo procurada"
Mais uma vez, Jennie era o centro de atenções. Mais uma vez, Jennie se sentiu pronta.
- Pra onde vamos agora, Jesse?
- Nova York.
- Nova York! Isso vai ser fantástico.
- Coloque os óculos e aperte o cinto. A viagem vai ser longa.