Bold as Love

Escrito por Isy | Editado por Lelen

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01. It's just a spark, but it's enough to keep me going

  Aquela vista era admirável. As nuvens passavam de forma rápida e singela do outro lado da janela. O azul de todo o céu a deixava mais tranquila e fazia com que não lembrasse que estava em um avião. tinha medo de aviões. Na verdade, não deles, mas da altura. Era tão irônico, porque quanto mais alto o avião estava, mais a paisagem era bonita e mais a mulher queria olhar.
  Respirou fundo, encostando a cabeça na janela arredondada. Os dedos batucavam em sua coxa, em uma tentativa falha de controlar a ansiedade. A morena não sabia exatamente o que estava sentindo. Nervosismo, ansiedade, medo... Ela estava sozinha. Sem sua mãe e sua irmã. E não fazia ideia de como sua vida seria agora, a partir de quando descesse daquele avião. Ela só tinha a mochila, algumas roupas e um celular quase sem bateria. Ah, e algumas barrinhas de cereais que havia separado como aperitivo durante toda a viagem.
  Enquanto o avião passava novamente por algumas nuvens, parou para refletir um pouco. Não iria ficar na casa de nenhum parente, até porque não tinha algum que morasse em Londres e as únicas libras que tinha em sua carteira eram para cobrir poucas despesas. Sabia que logo teria de arrumar algo para se sustentar. Balançou a cabeça veemente, tentando, naquele momento, não se lembrar do enorme problema que teria pela frente.
  Com isso, virou seu rosto para a paisagem e seus olhos se arregalaram com tamanha cidade abaixo de si. Ela estava em Londres!
  Passou os olhos por cada lugar, cada bairro que poderia avistar da distância em que estava. Pôde avistar o London Eye, os carros parecendo miniaturas em todas as ruas, as árvores colorindo o Hyde Park. Olhou mais à frente e estreitou seus olhos. Conhecia àquele lugar. Claro! O Big Bem. Sorriu com toda àquela vista. O lugar era maravilhoso e a morena só conseguia lembrar de todas as vezes que sonhava em estar ali e de sua felicidade ao finalmente ter conseguido juntar dinheiro, no começo, para comprar a passagem.
  Agora, depois de tanto tempo de espera e de horas sentada na mesma poltrona, estava se preparando para esperar o avião pousar e podia sentir seu coração tamborilar dentro de seu peito.
  — Certo. Respire, . — disse, em um sussurro para si mesma. Sentiu o balanço do avião ao encostar no chão e fechou os olhos rapidamente, abrindo-os em seguida. Olhou em volta, avistando as pessoas tirando seus cintos e fez o mesmo, mas com um pouco mais de calma. Suas mãos trêmulas a impediam de fazer o ato com mais agilidade.
  Ouviu a voz da aeromoça anunciando o fim da viagem e se levantou, pegando sua enorme mochila em cima do bagageiro. Uma pequena fila havia se formado em direção à escada. Ao ver alguns passageiros começando a descer, sentiu seu estômago embrulhar com a ansiedade. Era óbvio seu desespero por descobrir a cidade e estava começando a ver que as pessoas à sua volta estavam começando a notar. Assim que chegou sua vez, olhou escadaria abaixo, dando um pequeno sorrisinho. Era ali que começava sua nova jornada.
  Desceu vagarosamente, sentindo o peso de sua mochila nas costas. Não via à hora de se sentar em algum lugar confortável e descansar devidamente. Pôs os pés no solo londrino e percebeu que até o ar parecia diferente. Passou por uma das aeromoças que estavam ali e recebeu um sorriso aberto em cumprimento. Era incrível como tudo era diferente, até a forma hospitaleira das pessoas.
  Caminhou para a parte interna do aeroporto e suspirou. O frio na espinha tomou conta de todo o corpo da garota, dando calafrios. Ela não fazia ideia para onde iria agora, muito menos por onde começar. Ninguém estava aqui para dar as boas-vindas e a receber com um abraço apertado, assim como alguns em volta faziam. estava sozinha, completamente sozinha.
  Olhou para os lados, avistando um jovem vendendo o mapa da cidade, então logo se adiantou, comprando um. De todas as opções, o trem ficava mais perto e seria mais rápido para chegar ao centro da cidade. Em seguida, dobrou o mapa cuidadosamente e o guardou no bolso da calça jeans, pronta para seguir seu novo destino: o terminal. Vários táxis estavam estacionados em fila indiana, esperando seus passageiros. Ela teria que andar um pouco até a linha, assim pouparia um pouco mais de dinheiro. Puxou seu celular e a bateria piscava, avisando a falta do carregador. tinha seu carregador na mochila e o que faltava, no momento, era uma tomada para pôr o aparelho para carregar.
  Havia saído do aeroporto há pouco mais de uma hora e ao final já conseguia ver a Estação Paddington, assim se apressando e indo até o guichê. Ao comprar a passagem, soube que o trem logo sairia. Seguiu pelo terminal, avistando seu trem a ponto de partir e entrou, logo achando seu assento ao lado da janela. Não queria perder um segundo sequer de seu primeiro dia. Em poucos minutos, já podia perceber o transporte em movimento, indicando a ida para a cidade. Olhou para o lado, vendo algumas árvores passarem devagar, assim como os prédios e algumas casas. Era uma vista maravilhosa.
  Ergueu seu olhar, vendo o céu, que antes era azul e agora estava cinza, e o vento gelado começava a adentar pelas janelas do vagão. Colocou sua mochila na cadeira ao lado, tirando dali sua touca preta e a ajeitou na cabeça. Assim, se aqueceu um pouco mais. Ao encostar suas costas na poltrona estofada e confortável do trem, pôde avistar a cidade se aproximando vagarosamente e seu sorriso foi crescendo pouco a pouco em seu rosto. Era final de tarde em Londres e a paisagem parecia mais uma cena de filme. Pegou rapidamente seu celular de um de seus bolsos e apontou em direção ao céu e à cidade, mas o pouco de bateria que tinha havia dado para apenas um clique. O aparelho havia descarregado.
  Que sorte! Pensou a mulher, jogando o aparelho de qualquer forma na mochila e cruzou seus braços, de forma emburrada. Balançou sua cabeça e sorriu, àquilo não iria desanimá-la. Não naquele lugar!

✈️🎡

  O embalo do trem parando fez com que despertasse de seus devaneios e começou a ajeitar sua mochila nas costas, pronta para descer, assim seguiu para porta de saída. Assim que pisou a plataforma, olhou ao redor, se dando conta de que já estava no centro de Londres. Caminhou quase dando uma pequena corrida até a rua mais próxima e se deparou com a movimentação dos carros, ônibus, motos e até mesmo bicicletas. Era tudo tão real para ela.
  Já na calçada onde se encontrava, mal conseguia ficar parada. Todas as pessoas passavam por ela como vento e algumas esbarravam sem se desculpar. Chegou para trás, encostando seu corpo na parede de uma das lojas que se encontravam pelo centro. Respirou fundo e, mesmo estando um pouco nervosa, tentaria se situar. Primeiro teria que saciar sua fome. estava faminta.
  Olhou para o outro lado da avenida e seguiu até a lanchonete, passando por toda a carraria mesmo aquilo sendo uma loucura. Alguns buzinaram e outros passavam por ela resmungando algo que a garota não conseguia entender. Fez uma careta e entrou na lanchonete, ouvindo aquele famoso sininho tocar assim que abriu a porta. Deixou um sorriso escapar, era mais uma daquelas cenas de filmes. Clichê até demais. Avistou várias pessoas lanchando nas mesinhas coloridas ao redor e procurou alguma vaga para se sentar. Como só havia espaço no balcão, se aproximou, sentando-se em um dos bancos e avistou a garçonete, com suas mechas loiras, se aproximar com um sorriso no rosto.
  — Oi, boa tarde! O que vai querer? — puxou o bloco branco do bolso do avental junto à caneta e sorriu alegremente. A menina do outro lado parecia bem confortável ao trabalhar no local.
  — Um sanduíche e um suco, por favor. — sorriu tímida ao pedir. Assim se permitiu olhar em volta. O lugar era bonito e aconchegante, as pessoas pareciam gostar dali.
  Olhou para a janela ao seu lado e observou a movimentação do lado de fora, algumas pessoas apressadas, provavelmente indo para seus trabalhos ou casas, já que logo escureceria. Abaixou seu olhar, sentindo uma leve pontada de saudade de sua casa e sua família. Estando ali agora, e sozinha, se deu conta de como estava com saudade do Michigan. Mal sabia como sua mãe e sua irmã estavam naquele momento.
  Balançou a cabeça veemente e se deparou com um pequeno mural do outro lado do balcão. Com um pouco de dificuldade, estreitou os olhos e percebeu que havia um anúncio preso ali. Esticou o corpo para entender melhor o que estava escrito e quase conseguiu derrubar os copos com a voz feminina ao seu lado.
  — É um anúncio sobre aluguel de quartos. — ouviu a loira comentar, depositando o prato e o copo de suco em cima do balcão. Olhou-a seguir até o mural e arrancar o papel, o lendo e a entregando. — Parece que alguém está alugando por um preço bom. Você quer ver?
  — Quero sim, por favor. — a morena pegou o papel um pouco amassado da garçonete e o leu. Era um preço ótimo e ela poderia pagar por dois dias, no mínimo. Sorriu de forma agradecida, pelo menos teria um lugar para dormir. Dobrou o papel e o guardou. Assim que saísse, procuraria o local.
  Continuou ali por algum tempo, tomando seu suco, abocanhando seu sanduíche com calma e assim observou a cidade pela janela de vidro. Com sua distração, nem percebeu quando a mulher do outro lado do balcão a observava de forma divertida.
  — Você não é daqui. É? — perguntou.
  — Não. Sou de Michigan. — tomou mais um gole do suco. — Por quê?
  — Bom, você é educada e tem um mochilão. — apontou para a mochila próxima aos seus pés. — O que faz em Londres? Desculpe a intromissão, você parece um pouco perdida.
  A mulher soltou uma risadinha e a acompanhou, desviando seu olhar.
  — Para falar a verdade, eu nem sei. Sempre foi meu sonho conhecer a cidade. Só arrumei minhas coisas e tomei coragem para vir.
  — Ah, entendo. — se ergueu para atender outro cliente. — Só um segundo.
  A morena balançou sua cabeça, assentindo e terminou de fazer seu lanche, sentindo sua energia voltar aos poucos. Antes de se levantar e se despedir da atendente que havia sido super simpática com ela, pegou novamente o anúncio e tentou ler o endereço, mas não fazia ideia de onde ficava. Desceu do banco, arrumando suas coisas.
  — Você já vai? — a loira perguntou, fazendo-a levantar o olhar. Assentiu com um pequeno sorriso. — Eu saio em cinco minutos. Se me esperar, posso te levar até o apartamento.
  — Tudo bem, eu espero sim.
   olhou para o lado e, como iria esperar pela garota, sentou-se a uma mesinha ao fundo para dar lugar a algum novo cliente que entrasse. Aproveitou que estava por ali e procurou por alguma tomada próxima, mas não havia nenhuma. Seu celular ainda continuaria morto por um tempinho. Tirou a touca para ajeitar os cabelos e percebeu a mulher saindo enquanto colocava sua bolsa no ombro. Olhou para a outra e apontou com a cabeça para a saída do local.
  Já na calçada e como a movimentação das pessoas já havia diminuído, as duas seguiram em direção à praça mais próxima e continuaram caminhando por ali. não fazia ideia de onde estava, só tinha certeza de que estava seguindo uma garota que não parava de falar um segundo sequer. O que era engraçado, já que se não fosse por ela, a garota estaria acabando de se ajeitar em uma calçada qualquer.
  — E então, eu estou ajudando uma garota que mal sei o nome. — disse, e em seu rosto havia um sorriso amigável. A morena sorriu em resposta.
  — Bom, eu que devia dizer isso, não? Estou seguindo uma garota que não sei o nome. — a imitou. Com isso, abraçou seu corpo, sentindo o frio tomar conta e apertou o casaco em si mesma. — Pode me chamar de .
  — Certo, . — repetiu o nome da garota e riu consigo mesma. acompanhou sua risada, achando aquela menina até divertida. — Sou . E é aqui que você fica.
  A morena parou de frente para o pequeno prédio e observou os andares do lugar, vendo alguns acesos. Respirou fundo e curvou os lábios em um meio sorriso, virando novamente para a garota ao seu lado. Naquele momento, ela havia murchado um pouco ao perceber que ficaria sozinha mais uma vez. Tinha acabado de conhecer e ela parecia ser uma ótima amiga.
  — Eu nem sei como te agradecer. — relaxou seus ombros. — Obrigada, de verdade. Se não fosse por você, eu nem sei o que estaria fazendo agora.
  — Não precisa me agradecer. Sério. — balançou as mãos. — Vamos fazer assim, se precisar de mim, é só me ligar. Eu tenho meu número anotado aqui, pode pegar.   Puxou sua pequena bolsa, vasculhando-a e tirou o pequeno pedaço de papel branco. Estendeu-o e sorriu em despedida, se virando para ir embora. encarou os números, colocando o papel dentro do bolso de seu jeans surrado e assim entrou no edifício. Na recepção, havia um senhor de idade, sentado com um jornal nas mãos. Parecia concentrado.
  — Em que posso te ajudar, minha jovem? — ergueu seus olhos abatidos e sorriu reconfortante. Por um instante, a morena sentiu seu coração aquecer com aquele gesto familiar.
  — Eu preciso de um quarto. Se não for pedir muito, o mais em conta que tiver, por favor.
  Deu um pequeno sorriso amarelo e se aproximou do balcão. Odiava estar naquelas condições, sentia que a qualquer momento iria depender de alguém e aquilo, para ela, era o cúmulo. Era triste.
  — É nova na cidade, sim? — comentou, indo até o mural repleto de chaves. Tirou um par de chaves com uma etiquetinha preta e estendeu. — Não é nada luxuoso. Você poderá passar a noite, ou quantos dias quiser.
  — Está ótimo. Muito obrigada. — sorriu abertamente e tirou sua mochila das costas para efetuar o pagamento da estadia. Iria começar a contar suas libras, mas parou assim que viu o senhor estendendo suas mãos, como se negasse aceitar.
  Estreitou seus olhos.
  — Não, querida. Não precisa se preocupar com isso agora. Vá descansar e quando estiver de saída, poderá acertar comigo. — deu uma piscadela e apontou para a escada que dava acesso aos quartos disponíveis. A garota soltou todo o ar e balançou sua cabeça, assentindo e indo descansar devidamente. Ela não sabia o nome daquele senhor, mas o viu tão educado e gentil que só sentia vontade de abraçá-lo pela bondade com ela.
  Já no corredor, colocou a chave na maçaneta e adentrou o quarto. Ao trancá-lo, permitiu-se encostar na porta e escorregar até cair sentada no chão.
   estava exausta. Cansada, com sono e principalmente com saudade de casa. Sentia que estava perdida, sem rumo e começava a achar que não havia feito o certo em largar tudo para trás e seguir naquela viagem. Seria difícil se refazer ali, em outro estado, sozinha.
  Ao estar ali, sentada, observou atentamente o quarto em que estava. Era pequeno, aconchegante e bem arrumadinho. Havia uma cama com um criado mudo no canto, uma janela com um móvel embaixo que continha uma televisão em cima e uma portinha em frente à cama, onde provavelmente daria para o banheiro. Com aquilo, deu impulso com seus braços e se levantou, caminhando em direção à cama e depositando ali sua mochila nada leve. Retirou a toalha de banho e uma muda leve de roupa, pronta para um banho. Respirou fundo.
teria que pensar bem em como iria começar a fazer as coisas para não acabar na rua. Com poucas mudas de roupa na mochila, poucas libras, não sabia ao certo como iria ser.
  — Será que isso tudo realmente foi uma boa ideia? — lamentou, em um sussurro para si mesma.
  Com o pouco de ânimo que tinha, deixou o corpo cair sobre a cama arrumada e sentiu algumas lágrimas aquecendo suas bochechas geladas pelo frio daquela noite. estava com medo, muito medo. Medo de como iria ser, medo de acabar com fome e com frio, sem um lugar para dormir. Medo de tudo dar errado e ter que voltar para Michigan, frustrada por seus planos irem por água abaixo. Ela só precisava do abraço reconfortante de sua mãe, Lenna, agora. E se tudo aquilo fosse um pesadelo, só desejava acordar.
  Fungou algumas vezes e enxugou as lágrimas que caíam teimosas por seu rosto. Não. Ela não podia se permitir continuar pensando tudo aquilo. Havia ido para Londres com um propósito de que, além de conhecer a cidade, iria se reinventar ali. Iria crescer ali e dar um futuro melhor para sua família.
  Balançou sua cabeça, um pouco mais animada e afugentou todo e qualquer tipo de pensamento ruim. Pegou suas roupas e seguiu para o banheiro, querendo, naquele momento, um bom banho e um descanso devido. Afinal, tudo aquilo estava apenas começando e ela tinha certeza de que iria fazer suas melhores lembranças na cidade da Rainha.

02. Maybe getting lost is the right way to start

  O dia seguinte após ter chegado à Londres havia passado rápido. havia aproveitado para descansar devidamente e fazer seu pequeno roteiro, pontuando todos os lugares que iria visitar e apreciar devidamente. Aproveitou para arrumar suas coisas, de forma que sua mochila ficasse mais leve. O que, de fato, não aconteceu. Não iria poder deixar suas coisas naquele quartinho, já que logo deixaria o hotel.
  Revirou o corpo na cama macia e desarrumada, tomando coragem para se levantar. Enquanto estava ali parada, observou o raio de sol acima de sua mão, este adentrava entre a fresta da janela e da cortina fina. O pequeno ato fez a garota sorrir abertamente. Só de lembrar que agora era oficial e ela realmente estava em Londres.
   era sonhadora. Desde pequena, sempre gostou de imaginar o que faria quando conseguisse sair do Michigan. Como vinha de uma família humilde, não tinha a regalia de ter um notebook ou um celular bom para que pesquisasse sobre os países encantados de que tanto ouvia falar quando mais nova. Se lembrava bem que em sua escola havia um globo e ela vivia rodopiando o objeto com os dedos, como se aquilo a fizesse ficar mais próxima de cada cantinho no mundo. Rodopiava decorando alguns nomes, alguns lugares que ela julgava que fossem bonitos.
  Mas foi só ter acesso a algo melhor, que pode se apaixonar perdidamente. Se apaixonou assim que descobriu Londres. Assim que entrou no Maps e pôde ver detalhadamente as ruas, os bairros e as atrações do lugar. sabia que aquela seria sua primeira parada e, talvez, única.
  Fechou seus olhos por um breve momento e suspirou. Suas lembranças eram nostálgicas, a fazendo lembrar de casa, mais uma vez, e de sua família. Ter deixado sua mãe e irmã para trás era o que mais apertava em seu peito, mesmo sabendo que Lenna havia sido o motivo de toda a motivação. Sua mãe sempre desejou o melhor para si e para Madison, sua irmã.
  Ela não estaria ali se não fosse pelas duas.
  Espreguiçou-se uma última vez e resolveu se pôr de pé. Era seu último dia hospedada em um quarto de hotel e, sendo sincera, não sabia como iria fazer a partir daquele dia. Havia gasto suas poucas libras tendo um pouco de conforto e agora o que lhe restava ainda era pouco para continuar gastando com o aluguel de um quarto.
  Resolveu não pensar em seus problemas naquele instante. Estava focada em conhecer Londres inteira e era isso que iria fazer. Começaria por onde, afinal? London Eye? Palácio de Kesington? Eram tantas opções.
  Optou por tomar um rápido banho, parando em frente ao espelho e notando sua aparência, o rosto delicado e a pele ainda bronzeada pelo sol de sua cidade natal. Caminhou enrolada na toalha até o centro do quarto e retirou uma muda de roupa confortável. Calça jeans e tênis, para variar. Era o que ela mais gostava.
  Checou seu celular carregado e guardou seu carregador. Com isso, avistou que sua internet não estava funcionando muito bem, já que não conseguia carregar suas mensagens.
  Com suas coisas arrumadas, pronta para sair, observou o quartinho mais uma vez e o trancou, seguindo para a escada e, com isso, indo em direção ao balcão. No hall, avistou o senhor da noite anterior.
  — Oh! Você está aí. — comentou, ao ver a garota parada, o esperando. — Como dormiu? Espero que bem, apesar de nossos aposentos não serem cinco estrelas.
  A morena soltou um pequeno riso, negando com a cabeça ao ouvir o comentário.
  — Eu dormi mais do que bem. Agradeço por tudo. — sorriu. — Gostaria de acertar com o senhor os dias em que fiquei, por favor.
   agradeceu ao senhor antes de sair de vez do local. Ele deu algumas dicas de onde e como chegar, fazendo-a a agradecer mais ainda. Com isso, apertou a alça de sua mochila e colocou os pés na calçada.
  Naquele instante, ela teve uma visão bem ampla da avenida. Começou a caminhar pelo local, tentando observar o máximo que podia da arquitetura do lugar. Os ônibus passavam a todo vapor, assim como os carros que transitavam por ali. As pessoas passavam apressadas, ocupadas em seus telefones e outras passeavam. Ela nem sabia o que pensar, era tanta informação, tanta coisa para observar.
  Ao chegar próximo ao centro de Londres, ao que seu mapa e seu GPS indicavam, conseguia observar melhor a beleza daquele lugar. Havia lojas das marcas mais famosas, algumas cabines telefônicas, daquelas que se vê em algum post no Tumblr.
  Deu um pequeno sorriso ao se lembrar pesquisando as fotos e ergueu seu celular, fotografando-as.
  Depois de andar um pouco mais, virou em uma das esquinas movimentadas e paralisou ali mesmo onde estava. Não poderia acreditar, mas estava ali, de frente ao Big Bem. Ficou alguns minutos encarando o enorme relógio até perceber que atrapalhava o caminho. Resolveu se aproximar lentamente, ainda sem acreditar. Observava cada cantinho, cada detalhe. Era demais para acreditar que realmente estava acontecendo.
  No mesmo local, havia uma pequena fila e um guia turístico explicava melhor sobre o local. Queria tanto poder pagar para participar daquilo, mas não iria desanimar. Iria ser sua própria guia.
  Ao seu lado esquerdo, conseguia avistar o London Eye, ao longe. Pegou seu celular do bolso e começou a fotografar tudo o que podia ver pela frente, sem se cansar.
  Enquanto andava lentamente, sem se preocupar na hora que passava, observava cada banca, cada loja, cada pessoa que passava por ela. Somente quando sua barriga doeu, roncando alto, que havia despertado e lembrado de que ainda não havia comido nada.
  Observou se perto dali havia alguma lanchonete e avistou uma lojinha de condimentos, logo adentrando-a.
  O lugar era bonito, tinha a decoração colorida e o cheiro era convidativo. Resolveu pegar o necessário que saciasse sua fome e observou a fila do caixa, esperando pela sua vez. Com isso, ouviu alguns gritinhos, se assustando e estranhando. Havia algumas garotas no outro corredor, conversavam entre si animadas.
  De onde estava, pôde ouvir um trecho da conversa.
  — Você viu que eles vão estar pela cidade hoje?
  — Não brinca! Eu preciso ver isso! Será que conseguimos...
  Elas gesticulavam, falando como se realmente fosse alguém importante. Havia ficado curiosa, precisava admitir. Quem quer que eles fossem, faziam sucesso por ali.

✈️🎡

  Com um pedaço do biscoito nos lábios, observava seu mapa em mãos enquanto caminhava lentamente entre as pessoas na calçada. Na direção em que estava, poderia seguir mais um pouco e encontrar o Hyde Park. Ou, se desse meia volta, encontraria um dos museus mais famosos da cidade. Era realmente uma dúvida daquelas.
  Depois que deixou a pequena lojinha, encheu sua galeria do celular de fotos de cada lugar em que passava e selfies em frente a eles. Ela não podia passar em branco o fato de realmente estar ali. Quem sabe, postaria em alguma rede social. As pessoas a olhavam de soslaio, provavelmente se perguntando do que ela tanto tirava foto, mas não ligava. Ela queria mais era gravar tudo o que pudesse.
  Resolveu por seguir em direção ao Hyde Park. Se deu conta de que sempre o quis conhecer e estando ali, poderia visitá-lo quantas vezes quisesse. Caminhou um pouco mais, com o vento bagunçando seus cabelos e um sorriso contido nos lábios. Era uma sensação maravilhosa.
  O parque era tão grande quanto poderia imaginar. Ela não fazia ideia. Todas aquelas entradas e árvores tão verdes, do jeito que tinha visto no aplicativo. Percebeu também que muitas pessoas praticavam algum tipo de esporte, como caminhadas, corridas e yoga naquele gramado.
  Com isso, resolveu seguir junto a elas, caminhando.
  Cada folha que caía ao chão era memorável. O verde se misturava com algumas folhas ressecadas, que caíam com a chegada do outono. E além das folhas e árvores, havia flores, pássaros por todo canto. Parecia uma cena digna de filme americano. Isso a fez pegar seu celular e tirar mais algumas fotos.
  Percebeu a cada vez que caminhava um pouco, havia uma entrada que dava para outro lugar dentro do Hyde Park. Você podia seguir para um restaurante, ou várias mesinhas onde alguns idosos jogavam xadrez. Se caminhasse mais um pouco, poderia seguir pelo caminho em que dava para algum monumento importante ou para a saída mais próxima. Era incrível.
  O lugar parecia ter sido projetado de forma minuciosa, tão detalhada. Sabia que não conseguiria conhecer tudo em apenas um dia.
  Com mais uma olhada, seguiu em direção à saída mais próxima. Parada ali, percebeu que estava em uma avenida bem movimentada, por sinal. A maioria das pessoas que passavam por ali estavam arrumadas. Terno, gravata, vestido e salto alto. E ali, tinha um dos maiores e mais bonitos prédios. Era de fazer qualquer um suspirar.
  Inundada em seus pensamentos, observou um banquinho próximo e se sentou, retirando de sua mochila uma touca. Naquele final de manhã, havia uma brisa gelada. Essa que a fazia se arrepiar. Era melhor estar aquecida com o que tinha, então.
  Estando ali sentada, descansando suas costas no encosto do banco, uma única coisa inundava seus pensamentos. Uma única preocupação.
  Como iria ser a partir de agora? Como se sustentaria?
  A ideia inicial era de arrumar um emprego decente, para que conseguisse pagar sua estadia e suas contas no final do mês. Pensava, ao menos, em começar assim. Agora parecia estranho. Parecia incerto.
  E se não desse certo? E se não conseguisse nada do que planejou?
  Será que foi o certo a se fazer?
   estava assustada, estava com aquele famoso aperto no peito. Queria voltar para casa. Era a vontade que, naquele momento, inundava sua mente. Em casa, teria sua cama, teria alimentação, teria sua família.
   nunca se sentiu tão sozinha como agora.
  Ergueu seu rosto e avistou o céu entre os galhos de árvores que ali estavam. Este estava cinzento, com algumas nuvens o rodeando.
  — Eu posso fazer isso. — comentou, para si mesma.
  Respirou fundo e se levantou, tentando se animar. Iria agora procurar alguma lanchonete para se alimentar, já que era horário do almoço. Não poderia pagar um almoço daqueles, mas iria comer algo. Com isso, atravessou a avenida e pediu licença a algumas pessoas ao chegar à calçada do outro lado, que estava lotada.
  Caminhou por ali, observando o comércio em si do local. Era tudo muito bonito, organizado. O que mais tinha era loja de vestuário. Em uma delas, havia um pequeno cartaz na parede de vidro.
  A garota resolveu se aproximar, curiosa para saber do que se tratava.
  “Estamos contratando. Por favor, entre em contato conosco pelo número...”
  Mal pôde terminar de ler, já estava anotando o número e o nome do local para entrar em contato. Talvez, quem sabe, as coisas estejam começando a dar certo? Esperava que sim.
  Antes de começar a caminhar novamente, observou um aglomerado de pessoas mais à frente, próximos à esquina. A maioria estava agitada, comentavam algo entre si. Logo à frente dessas pessoas, havia um carro enorme estacionado. O carro deveria ser lançamento daquele ano, já que nunca havia visto um modelo como aquele.
  Resolveu se aproximar um pouco. O que será que estava acontecendo por ali? Será que tinha acontecido algo?
  Pôde perceber que, entre as meninas, havia quatro rapazes. Eles conversavam com elas, parecendo bem interessados no assunto. Quando comentavam algo, elas riam e gesticulavam de forma exagerada. Da forma que via, pareciam ser um grupo de amigos bem íntimos.
  Para não ser notada, tentou se esconder próxima a uma das bancas em que estava a sua frente na calçada. Precisava admitir que estava bem curiosa.
  Encostou seu corpo na lateral da banca e continuou os observando. Eles tiravam fotos, mostravam algo no celular e toda vez que os rapazes comentavam algo, as meninas pareciam se derreter ao trocarem olhares.
  Relembrou um pouco de sua cidade natal. Nunca fora de ter muitos amigos, era bem seletiva quanto a isso. Sua única amiga na adolescência havia se mudado para longe e o único contato que tinham, às vezes, era por Skype. Sentia sua falta. Ou talvez sentia falta de ter uma amiga ali por ela.
  Notou que, com a movimentação, um dos rapazes virou de forma que pudesse vê-lo melhor. sentia que ele não era estranho, mas também não o conhecia de forma alguma. Tinha seus cabelos castanhos ondulados, algumas mechas caíam em sua testa. Seus óculos escuros atrapalhavam descobrir como eram seus olhos. O sorriso em seu rosto era cativante, de forma que quanto mais você olhasse, mais teria vontade de sorrir também.
  O rapaz era bonito. Tinha que admitir. Parecia ter uma beleza única.
  Desviou o olhar, para que não desse a entender que estava encarando muito. Justamente ele. Aos poucos, retornou a olhá-los. Observou a cena um pouco mais, pareciam se despedir agora.
  Sentiu uma pontinha de decepção. Iria adorar olhá-lo um pouco mais. A pele clara do rapaz era totalmente oposta à sua. Costumava achar o bronzeado tão atraente, mas vê-lo parecia ter despertado algo. Talvez estaria começando a gostar da pele clara americana.
   colocou a mão na touca em sua cabeça, ajeitando-a e percebeu um pingo de chuva cair sobre suas mãos. Com isso, percebeu que iria sim, chover.
  Seu coração acelerou tão rápido, preocupada em onde iria dormir com aquele tempo, que ao dar alguns passos para trás, acabou esbarrando na redonda máquina de doces. Esta se inclinou, quase caindo e, no mesmo instante, a morena o abraçou, pondo-o no lugar novamente.
  Se desculpou com o responsável da banca e fechou seus olhos por um breve instante. O que estava pensando, afinal de contas? Quase havia feito um desastre e isso chamaria a atenção do rapaz que estava vendo antes.
  Pela última vez, antes de sair do lugar, jogou um pequeno olhar ao grupo de amigos onde estavam e o rapaz, que antes olhava, agora estava encostado no carro esportivo. Suas mãos no bolso do jeans e os óculos virados em direção à morena. Desta vez, ele não tinha aquele sorriso que havia aquecido seu coração. Não. Ele estava sério. Sua expressão era de curiosidade. Como se perguntasse quem era a mulher que o encarava.
   sentiu a vergonha tomar conta de todo seu corpo. Engoliu em seco e apertou a alça de sua mochila, se virando e saindo dali o mais rápido possível. Por mais que nunca mais o veria, estava envergonhada. Não devia ter olhado tanto assim.
  Contornou a esquina com tanta vontade que não havia notado. Sequer percebeu.   O rapaz estava prestes a ir em sua direção.

✈️🎡

  O final de tarde estava acabando, dando lugar ao céu escuro e com poucas estrelas de Londres. havia colocado seu casaco, suas luvas e tentava aquecer seu rosto de forma falha. Era uma noite daquelas, o frio parecia ter caído sobre ela.
  Contou e recontou suas libras, percebendo que não havia como pagar mais um quarto naquela noite. Até poderia, mas e os outros dias? Ela não teria nada. Não até conseguir um emprego.
  Podia dizer que estava começando a ficar desesperada, com sono e fome. Comeu o resto que sobrara do pacote de biscoitos e uma caixinha de suco que havia comprado.
  No meio daquela avenida, tão movimentada e cheia de luzes, ela queria sentir um pouquinho de esperança. E como queria. Queria poder se convencer de que tudo ficaria tão bem a ponto de poder ligar para sua família e dizer que havia conseguido. Ela queria estar feliz.
  Mas não estava. Sentia o medo. O desespero. O coração apertado e o corpo dolorido.
  Sabia que teria que fazer algo que sequer havia imaginado.
  Com o corpo cansado e a mente em um turbilhão de pensamentos, sem nenhuma solução, caminhou um pouco mais.
  Uma pequena viela, um beco mal iluminado. O observou bem. Deu um passo para adentrá-lo, mas travou, virando seu corpo novamente para a avenida. Piscou algumas vezes, achando loucura o que havia pensado.
  Rapidamente, pegou seu celular e com isso deixou cair o papel amassado que estava em seu rosto. Era um número. Havia se lembrado que o número pertencia à garçonete que havia lhe ajudado outro dia.
  E se ligasse para ela?
  Não. Mal a conhecia. Não a incomodaria também. Muito menos se fosse para pedir que passasse uma noite. Não a conhecia.
  Mordiscou seus lábios, ressecados pelo frio e guardou o aparelho, desistindo da ideia. Ela não poderia fazer aquilo. Não poderia fazer nem o que estava pensando, mas percebeu ser a única solução.
  Ela não iria dormir ali. Claro que não. Mas, talvez, se descansasse um pouco o corpo...
  Olhou para os lados, verificando se alguém a olhava e adentrou o beco. Não havia ninguém por ali, nem mesmo um morador de rua. Havia uma grande lixeira e alguns papéis espalhados pelo chão. Passou os olhos por todo o lugar e notou um canto, não tão sujo. Ali se sentou e suspirou, deixando que todo seu ar escapasse.
  Colocou as mãos no rosto, pressionando-o. não ia aguentar. E se seu sonho acabasse em pesadelo? Sentia que tudo iria desmoronar.
  — Eu não posso fazer isso. — Sussurrou, para si mesma, e suspirou mais uma vez. O nó estava se formando em sua garganta.
  E agora, o choro alto vinha à tona.
  Sentiu suas lágrimas mornas descendo pelo rosto. Sentiu toda sua coragem se esvaindo de seu corpo. Ela não estava acreditando. Como havia deixado isso acontecer?
  Fungou algumas vezes, ainda com o rosto molhado, e tentava se acalmar vez ou outra. Não conseguia pensar no que fazer, estava com tanto frio, com tanta fome. Não sabia como começar. Não conseguia organizar seus pensamentos.
  E foi com toda essa preocupação, com toda dor e saudade de casa, que tudo começara a escurecer.

03. I know there's gonna be better days for you…

  Seu corpo doía. Sua mente parecia entrar em colapso a qualquer momento, mas a única coisa que conseguia sentir naquele momento era o peso que sua nuca carregava por ter dormido mal, praticamente sentada, encostada naquela parede úmida e suja do beco.
  Não queria abrir seus olhos e enxergar a realidade que lhe aguardava. Na verdade, desde que teve que dormir sem alguma acomodação, torcia para que fosse um pesadelo qualquer e para que logo acordasse. Não aguentava passar por aquilo e não imaginava que tudo seria daquela forma.
  Será que realmente havia colocado os pés pelas mãos ao decidir ir para Londres? Ela havia se planejado, havia pensado em toda sua viagem com calma e com antecedência, por que aquilo estava acontecendo então? Por que parecia que seu sonho estava indo por água abaixo? Não era possível que tudo fosse tão ruim assim.
  Com um suspiro fundo e vagaroso, levou suas mãos em direção ao rosto e as permaneceu ali por alguns segundos, até decidir o que realmente iria fazer.
  Não queria desistir, não queria voltar para casa e contar que todo o seu sonho não havia passado apenas disso. Um sonho. E que sua experiência não havia sido memorável a ponto de não aproveitar nada do que havia imaginado.
  Era frustrante, decepcionante... Era triste, sabia bem. Só não sabia até quando poderia suportar tudo aquilo.
  Ainda com as mãos espalmadas em seu rosto, alisou-o como se aquilo a fizesse acordar completamente. Com os olhos ainda sonolentos, os abriu, avistando o que nunca imaginou ver em Londres. Havia algumas lixeiras comunitárias, alguns sacos de lixo espalhados por ali e caixotes. Uma vista nem um pouco agradável.
  Deixou um resmungo alto escapar por seus lábios e ajeitou os cabelos, antes desarrumados, em um rabo de cavalo, se preparando para sair dali o mais rápido possível. Olhou para suas vestimentas, percebendo-as já não tão limpas e pensou no que poderia fazer para tentar se limpar. Poderia tentar comprar algo para comer e parar em uma das lanchonetes em que poderia ir ao banheiro, como fez da última vez. Talvez isso a ajudasse um pouco.
  É, talvez poderia arrumar um jeito de sair daquela. Faria isso, tinha certeza.
  Olhou para os lados, notando que não havia ninguém pelo local e retirou o celular do bolso de sua mochila, apenas para se olhar melhor. Observou pela tela que sua expressão, apesar de cansada, ainda não estava tão ruim e que talvez até pudesse passar alguma impressão, mesmo não estando limpa como queria.
  A verdade era que queria gritar por estar daquele jeito. Queria ligar para sua mãe para contar tudo o que estava passando, mas aquilo não seria certo. Não. Ela não podia simplesmente pedir socorro quando as coisas ficavam ruins assim, até porque sabia bem como a mãe poderia ser ao saber pelo que estava passando e no mesmo instante poderia querer pegar o primeiro voo para encontrar . Da mesma forma que também não poderia aceitar seu dinheiro, ela já havia ajudado muito com seu sonho de ir para Londres. Já havia feito muito.
  Balançou sua cabeça, como se isso fosse espantar todos os pensamentos infortúnios que pairavam por sua mente e colocou a outra alça da mochila nas costas, pronta para sair daquele lugar e começar novamente sua tour pela cidade da rainha. E foi só pensar naquilo que um frio conhecido passou por sua barriga, mas sendo confundido plenamente com a fome que sentia.
  Fez uma pequena careta, levando uma das mãos na barriga e entortou os lábios com aquela situação, quase como se fosse sorrir. Sim, sorrir. sabia que estava passando por um perrengue daqueles, mas tentaria tirar o melhor para si. Faria com que mesmo os piores momentos em Londres se tornassem boas lembranças para seu aprendizado.
  Não se deixaria abater.
  Quando colocou os pés calçados pelo tênis para fora daquele beco e pisou a calçada, pôde sentir quase como se estivesse em outro mundo. Observou como as pessoas andavam apressadas e como outras caminhavam analisando cada canto do local, o que logo notou por serem turistas, assim como ela. Claro que havia percebido aquilo no primeiro dia que aterrissou em Londres, mas toda vez parecia a primeira. Ela achava fascinante.
  Com um pouco de insegurança por suas vestimentas, começou a caminhar de forma calma, passando por algumas lojas, só então notando que ela ainda estava próxima ao centro da cidade, percebeu quando viu uma das placas em que informava estar perto do Tottenham Court Road.
  Olhou admirada a estrutura do lugar, em como os prédios antigos ainda assim aparentavam ter um charme irresistível e de como o céu azul contrastava com o colorido deles. E com isso, também observava os ônibus de dois andares vermelhos trafegando por ali, com anúncios em suas laterais de novos locais ou até mesmo algum show que alguma banda qualquer faria em Londres.
  Assim como os ônibus, havia vários táxis e muitos, muitos carros. Era surreal para ela. Não parecia que realmente estava ali e com esse observar, acabou se esquecendo de tudo o que havia passado até então. Só conseguiu notar o quanto aquela cidade era diferente da sua pequena Ann Arbor. Apesar de não ser nada comparada a Londres naquele ponto de vista, sua estrutura era acolhedora e para ela não havia outro ar como o de lá.
   agora dava passos mais animados, olhando para as lojas ao seu redor enquanto dizia para si mesma que tudo iria se ajeitar. Ela conseguiria achar um emprego de início, conseguiria pagar um lugar para ficar e aos poucos se ergueria em Londres, do jeito que sempre sonhou.
  Caminhou por mais algum tempo, aproveitando a oportunidade de encontrar algumas lojas que estavam aceitando novos atendentes para assim se apresentar e tentar encontrar um novo emprego. De cara, recebeu um não, e nas duas outras tentativas disseram que iriam entrar em contato com ela. Claro que, de início, a primeira coisa que sentiu foi rejeição. Sabia que por suas roupas e seu estado todos já a olhavam meio torto ao entrar em qualquer lugar, ainda mais ao falar sobre emprego. Não a aceitariam tão fácil assim.
  Deixou um suspiro cansado sair de seus lábios e os pressionou, erguendo a cabeça. Não iria se deixar abater, não poderia pensar nisso logo quando achou que poderia fazer diferente e, pelo menos naquele dia, tentaria pensar e sentir algo diferente de todas as emoções anteriores.
  Olhou ao seu redor, observando as pessoas que passavam e todo o cenário que um dia sonhou em conhecer. Observou cada detalhe como antes para gravar o máximo que pudesse antes de estar de volta à sua cidade natal, já que no fundo ela sabia e sentia que aquilo não demoraria muito a acontecer. Claro que chegar aonde havia chegado havia sido algo muito grande para ela, mas no fundo a garota sentia que boa parte de tudo o que sonhou não estava sendo realizada da forma que queria, da forma que planejou.
  Ela podia sentir seu peito se comprimindo aos poucos por se lembrar vagamente de todas as noites perto de seu abajur, com o pequeno caderninho de anotações, fazendo cada pequeno percurso e anotando tudo o que iria fazer quando chegasse a Londres.   Não pôde deixar de conter um sorriso no canto dos lábios quase como se pudesse sentir toda aquela esperança que tinha invadindo seu coração novamente. Adorava se lembrar de como parecia uma adolescente animada ao observar por horas as fotos dos pontos turísticos que hoje havia conseguido ver de pertinho.
  Apesar de tudo, se sentia grata por ter conseguido chegar até ali.
   colocou as duas mãos na alça da enorme mochila que pesava suas costas e ergueu o rosto novamente, conseguindo avistar o céu azul e com poucas nuvens o estampando, notando assim como o clima daquele dia era ameno e favorável. O pouco vento que passava pelo local não fazia falta, já que mesmo o tempo estando aberto, ainda fazia um pouco de frio pelo clima naquela estação.
  O outono chegava a ser encantador ali.
  Com o mesmo pensamento de antes em sua mente, continuou caminhando pelas ruas movimentadas e agitadas, mas foi quando a garota virou a esquina da Regent Street, se deparando com a movimentação maior que a anterior e a música que ecoava pelo lugar que conseguiu sentir naquele instante todo o seu corpo se arrepiar. Parecia completamente surreal. Será mesmo que ela ainda não estava sonhando em seu pequeno quarto?
   sorriu. Sorriu de forma tão aberta e sincera que mal podia explicar tudo o que estava sentindo naquele momento. Não acreditava, nem mesmo parecia estar realmente ali, como se seu corpo estivesse anestesiado e tudo parecesse sim um sonho maravilhoso.
  Não soube dizer como estava sua reação naquele momento, mas sabia exatamente que seus olhos estavam arregalados e marejados, avistando somente toda a arquitetura e decoração que a avenida tinha. A verdade era que parecia que estava dentro de um filme clichê com toda a paisagem que qualquer um poderia sonhar, mas a única diferença era que normalmente em filmes as coisas costumavam ser bem mais fáceis.
  Ela não iria pensar naquilo. Não mesmo. Com os olhos focados nos prédios ao redor, ela só conseguia pensar em gravar cada pequeno detalhe da rua em que estava.
  A garota olhava com admiração cada janela e detalhe arquitetônico antigo que marcava os prédios enfileirados dos dois lados da rua, percebendo o quanto a cidade era idêntica às fotos e ao Street View que ela sempre via. Sempre pensou que talvez não fosse nada daquilo que ela estava imaginando, ou que talvez poderia se decepcionar ao chegar ali, mas estava completamente errada. Errada porque Londres nunca decepcionava, era tão magnífica como havia visto e imaginado em seus sonhos.
  Continuou caminhando vagarosamente, imersa ao seu redor e na música leve que tocava provavelmente de alguma das lojas que tinha por ali, essas sendo mais um dos motivos para que não conseguisse tirar seus olhos das vitrines que passava. Olhou de forma observadora como havia lojas caras, famosas e até mesmo as menos conhecidas que, em meio a elas, se tornavam grandes e importantes. Notou também que havia algumas promoções e seu subconsciente quase a alertou novamente para prestar atenção se em algum daqueles lugares havia algum aviso de que tinham vagas para qualquer trabalho. Naquele ponto, tão apaixonada e emocionada com o lugar, a única coisa que a garota mais queria era permanecer em Londres o máximo que pudesse, exatamente no tempo que havia planejado.
  Cantarolou baixo, consigo mesma, a música qualquer que ressoava por ali e continuou caminhando, sequer percebendo como estava ficando mais animada só de sair observando o lugar por ali. Ela sabia bem que não tinha uma próxima parada e nem sabia o que faria após turistar ao final daquele dia, mas aquilo não importava no momento. Não. Ela aproveitaria o máximo de tudo o que pudesse, nem se fosse apenas olhando.
  Ao final daquela rua, conseguiu ver a enorme curva que fazia, levando a continuação da Regent Street onde haviam mais lojas ainda e, com isso, a aglomeração de pessoas ia se intensificando entre aquelas que saíam abarrotadas de sacolas de grife, as que caminhavam despreocupadas como e as que não estavam ali apenas por prazer, e sim para trabalho. Ela já havia percebido aquilo nos dias anteriores, mas era como se toda a vez fosse a primeira e ela sentia que, como tudo era tão novo, não se enjoaria de notar as pessoas que passavam por si com todo o ar que Londres tinha.
  Era uma cidade sem igual.
  Enquanto caminhava, pôde perceber que estava passando por uma das lojas que havia ouvido falar e que havia pesquisado também. A Stefanel estava localizada quase ao final da Regent e era completamente iluminada, com luzes amareladas e continha uma pintura básica, clara, com apenas o preto e branco em suas paredes e portas. engoliu em seco ao vê-la tão perto, não por ser uma loja famosíssima, mas por se olhar através da vitrine, em frente ao manequim que ali continha. Comparando suas roupas com a que ele vestia, conseguiu sentir seu rosto queimar pela pouca vergonha que sentiu ao se ver tão… Desarrumada. Não era só o fato de estar desarrumada, mas sim de também estar suja e não ter um lugar para se limpar devidamente. Ela ainda trajava sua calça jeans, o all star surrado e a blusa de manga que antes era coberta pelo pesado casaco moletom que tinha enquanto o manequim vestia um conjuntinho básico formado por uma calça branca e casaco preto perolado que ela não precisava nem apostar que valia muito mais do que havia economizado para ir a Londres.
  Como ela queria estar, ao menos, vestida de forma apresentável.
  Colocou uma das mãos em seu rosto, se vendo pela vitrine mais uma vez e conseguiu notar o quanto estava cansada, a expressão exausta.
parecia até ser mais velha do que realmente era pelas bolsas escuras logo abaixo dos olhos castanhos e o cabelo ondulado caía sobre seus ombros, com pouco menos brilho do que realmente tinham. Ela precisava se recuperar, necessitava tentar não se deixar abater como vinha acontecendo.
  Fechou os olhos brevemente, respirando fundo.
  Vamos, , você consegue. Você é forte e chegou até aqui. repetia para si mesma a todo tempo, se encorajando para não sucumbir ao desejo mais fácil que tanto passeava por sua mente de desistir. Ela não poderia fazer isso depois de tudo.
  Não! Ela não iria desistir e olhar para o final da Regent Street, que dava para o centro com ainda mais lojas para conhecer. Assentiu consigo mesma, voltando a colocar um sorriso aberto em seu rosto.
  Ela ainda tinha muito o que fazer até o final do dia e com certeza estava pronta para continuar conhecendo uma parte incrível de Londres.

✈️🎡

  Foi no momento em que viu os raios de sol se escondendo entre as nuvens, indicando o final de mais uma tarde, que se deixou levar pelos sentimentos bons que sentia naquele momento e não pelas lembranças ruins que havia vivido desde que chegara a Londres e que tanto costumavam voltar para assombrar sua mente. Olhando toda a arborização do Queen Mary’s Rose Gardens, foi realmente como se garota não tivesse passado por nada daquilo e que, pelo menos por alguns momentos, nada do que tinha passado anteriormente havia mesmo acontecido. Quase como se tudo tivesse sido apenas um pesadelo e talvez ela tivesse mesmo com aquele sentimento porque, no fundo, queria que fosse.
queria tanto que todos os momentos, principalmente os que passou fome e que precisou descansar na rua, nas noites frias e solitárias de Londres, pelo menos para ela, fossem só um pesadelo e que a qualquer momento ela pudesse abrir os olhos de uma vez e notar que estava bem, saudável e feliz, realizando o seu grande sonho de visitar a cidade que tanto amava.
  Deu um sorriso fraco, apesar de triste, com seus pensamentos. Se sentia tão ingênua por tudo o que estava acontecendo que a vontade que ia invadindo seu peito na medida em que os minutos se passavam era de apenas contemplar tudo pela última vez e voltar para casa, sendo acolhida pelos braços reconfortantes de sua mãe e o carinho atencioso de Madison, e não poderia deixar de voltar a sentir a saudade imensa a invadindo por completo.
  Fechou os olhos por alguns instantes, se lembrando vagamente do sorriso incentivador que sua mãe colocou nos lábios ao vê-la embarcando e das mãos de sua irmã se abanando em um adeus breve. Como ela sentia falta de sua família…
  Passou uma das mãos no rosto, tentando espantar um pouco todas as lembranças que faziam seu coração se apertar um pouco mais e colocou o resto do biscoito, que tinha nas mãos, na boca, fazendo assim com que descartasse o pacote e se aproximasse de um banco livre pelo lugar, ainda observando a mesma paisagem anterior, esta com o céu em um azulado mais escuro indicando que logo anoiteceria.
estremeceu com seu pensamento, sabendo que teria que arrumar um lugar para passar mais uma noite, mas não focou nisso naquele momento.
  Ela precisava fazer outra coisa.
  Com um pouco de dificuldade, retirou a enorme mochila de suas costas, a apoiando no banco ao seu lado e a abrindo, tentou procurar seu celular por dentro dela. Sabia que provavelmente este não estava com bateria e, mesmo o desligando, não a poupara por muito tempo, mas queria de alguma forma poder ouvir a voz de sua família e não apenas ler algumas mensagens e respondê-las, dizendo que estava tudo bem.
  Tudo bem.
  Suspirou, sabendo que aquela era a maior mentira que poderia contar.
  Ao sentir o aparelho gelado em suas mãos, o pegou, apertando o pequeno botão para que ele ligasse rapidamente e viu o pequeno símbolo da marca aparecer na tela, fazendo um resquício de alívio tomar conta de seu corpo por ver que ainda poderia usá-lo um pouco. Enquanto o esperava ligar por completo, olhou ao redor, podendo ver algumas pessoas caminhando por ali, outras conversando entre si e algumas apenas e provavelmente fazendo seu caminho de volta para casa, já que aquele horário era o de saída de expediente para alguns. Deixou seus olhos caírem sobre as roupas que vestiam, o modo em que andavam e se portavam, assentindo para si mesma mais uma vez que os londrinhos tinham seu jeito único e marcante, não podia ter mais certeza daquilo.
  Observou que também passavam alguns grupos de amigos, mas dois rapazes que passavam quase como se estivessem se vigiando lhe chamaram a atenção, fazendo pensar o que eles estavam procurando, afinal, olhavam muito para os lados. Ela continuou os olhando até que um deles a olhasse de volta e aquilo de certa forma a deixou incomodada. Não era um olhar comum, mas quase como se a fizesse estremecer. E não de um jeito bom.
  A garota abaixou a cabeça, balançando-a e os ignorou por alguns instantes, vendo o display de seu celular aceso. Rapidamente e com um sorriso pequeno surgindo em seus lábios, pressionou o número de sua mãe, conseguindo ouvir os toques começarem a ressoar.
  Em pouco tempo, pôde ouvir a voz melodiosa de Lenna invadir seu ouvido e no mesmo instante seus olhos marejados, fazendo quase soltar um soluço pelo choro contido.
  — Mamãe.
  Disse quase em um sussurro antes de qualquer coisa.
  — Meu amor, eu estava tão preocupada com você! — Sua mãe dizia em um tom ameno, mas apreensivo. — Como estão as coisas? Como você está? E como é Londres, querida? É exatamente do jeito que você sonhava?
   fechou os olhos, sentindo uma lágrima escapar ao ouvir as perguntas de sua mãe. Ela queria tanto dizer que tudo estava perfeitamente bem, que ela estava tão feliz e que Londres era apaixonante, mas não. Era completamente o contrário daquilo, nunca imaginava que aqueles sentimentos fariam parte de si algum dia.
  Ela se sentia magoada, decepcionada e arrependida. Sim, tudo aquilo e um pouco mais, e ao ouvir a voz de sua mãe tão esperançosa ainda a incentivando fez com que tivesse a certeza de que queria voltar para sua casa o mais rápido possível.
  — Oh, mãe… Londres é tão linda, tão mágica… Você e Mad iriam adorar, eu tenho certeza. Toda a arquitetura, a iluminação e principalmente todo o ar daqui é diferente. Sabe, como as fotos que te mostrei antes de vir — ela dizia ainda com os olhos sob o céu escuro e admirava de forma nostálgica as estrelas que iam surgindo. Sua garganta doía, o nó só ia crescendo. — Eu estou bem, tem sido um pouco corrido. Eu tenho procurado emprego sempre que posso. — Omitiu algumas partes e assentiu consigo mesma ao ouvir a voz surpresa de sua mãe.
  — É mesmo? E como tem sido? Eu sei que é difícil, conversamos sobre isso. Eu confio muito em você, minha filha. — Suas últimas palavras fizeram levar uma das mãos à boca, como se isso segurasse o choro apertado que insistia em sair. Pressionou os olhos novamente, levando um tempo antes de responder. — Você conseguiu um lugar bom para ficar? Tem se alimentado direitinho? Não se esqueça do café da manhã, é a alimentação essencial para o começo do seu dia — ralhou, soltando um suspiro ao final por saber que não conseguiria chamar a atenção da filha.
  — Eu consegui um lugar, não é um dos melhores, mas eu gosto e não é sempre que consigo me lembrar de comer pela manhã, mas sempre faço um esforço — inventou uma desculpa rapidamente para não deixar Lenna preocupada e a ouviu concordar do outro lado. — Não precisa se preocupar assim…
  Disse, deixando sua mente vagar para sua cidade natal. Por um lado, queria muito contar à sua mãe o que realmente estava acontecendo, queria lhe dizer a verdade e queria saber a opinião dela, mas, por outro lado… Saberia que talvez só iria piorar toda a situação. Lenna faria o impossível para trazer de volta a Ann Arbor ou até mesmo daria um jeito de fazê-la continuar ali.
  Isso era uma das coisas que a garota não queria, tinha prometido à sua mãe que tudo daria certo e ficaria bem.
  Ou pelo menos achou que seria assim.
  Nos minutos seguintes, ouviu sua mãe comentar sobre como ela e sua irmã estavam, em como estavam se esforçando para continuar fazendo o restaurante da família continuar funcionando e que Mad fazia seus horários na maior parte do tempo, não por ser obrigada, mas porque queria e de certa forma aquilo fazia um pouco da saudade de se dissipar minimamente. Ouvir aquilo de sua mãe fez chorar um pouco mais, sentindo que mais do que nunca precisava voltar para sua família, mesmo sua mãe lhe apoiando o contrário.
  Suspirou mais uma vez, demonstrando a tristeza que invadia seu peito e fazendo assim com que sua mãe percebesse.
  — Querida, você está chorando? — Perguntou aflita. murmurou em resposta. — Oh, meu amor... Não fique assim. Você está realizando um sonho, mesmo longe de nós duas. É tão corajosa e valente, . Eu e sua irmã estamos muito orgulhosas de você. Sabe disso, não é?
   balançou a cabeça, assentindo como se sua mãe estivesse vendo aquilo.
  — Mamãe… — murmurou mais uma vez, limpando o rosto molhado. — Eu sinto tanta falta de vocês. Às vezes até penso em desistir de tudo e voltar para casa.
  — Você sabe minha opinião quanto a isso, sempre te receberei de braços abertos, mas, minha filha… — pausou, suspirando. — Não desista de seu sonho tão facilmente assim. Você tem tanto para ir longe ainda, tanto para conhecer e viver em Londres. Sempre soubemos que não seria fácil, a vida não é fácil, meu amor. Precisamos passar por tormentos para chegarmos ao momento de paz — disse de forma tão calma que sentiu todo aquele sentimento tomar conta de si. Ela amava tanto sua família e sua mãe parecia saber exatamente pelo que ela estava passando, mesmo sem dizer. — Eu amo você, , e também sentimos muito a sua falta, mas saiba que você ainda pode, e eu sei que vai, conhecer Londres do jeitinho que sempre sonhou.
  — Você não faz ideia de como eu precisava te ouvir.
   disse baixinho, se dando por vencida e deixando todo o choro que segurava vir à tona, fazendo-a suspirar e soluçar por alguns minutos. Sabia que falar com sua mãe não seria fácil, sabia desde o primeiro momento, mas havia sido tão importante para sua jornada ali. Ela precisava.
  — Eu amo você, meu amor, e oro todas as noites para que fique bem e que não passe por nada ruim. Sempre te carrego em meu coração — disse e soube que ela sorria do outro lado da chamada. — Nos ligue mais vezes, tudo bem? Eu sei que talvez você não consiga pelo fuso horário e pelos seus afazeres, mas isso não importa. Eu e Mad vamos sempre te atender. Você tem certeza de que está bem, filha?
   concordou mais uma vez, passando as mãos pelo rosto de forma rápida.
  — Estou bem, sim, mãe. Não se preocupe. Eu só senti muita saudade, foi isso — respondeu, pressionando os lábios e deixando um sorriso mínimo transparecer. — Tudo vai ficar bem, como você disse. Vou ser forte e continuar — afirmou mais para si mesma do que para sua mãe. — Eu amo vocês, mamãe. E sempre carrego as duas em meu coração também.
  — Ah, meu orgulho! Fique bem, minha querida. E se precisar de qualquer coisa, inclusive na questão financeira, eu dou um jeitinho, tudo bem? E eu estou falando sério, — disse firme, soltando uma risadinha ao final. — Agora tenho que ir. O restaurante já abriu. Fique bem, filha.
  — Vou ficar, mãe. Até logo, amo vocês!
  Pôde ouvir a mesma resposta de sua mãe em despedida e em seguida só conseguiu ouvir o toque final anunciando que havia desligado.
permaneceu na mesma posição por alguns segundos, digerindo tudo o que havia acontecido e se sentiu tão acolhida novamente, como se realmente tivesse recebido um abraço de sua mãe, e quando percebeu estava chorando novamente, não só por ter omitido tudo o que realmente estava acontecendo, mas por ver que sua mãe ainda a incentivava de forma terna e tentava lhe ajudar mesmo não podendo.
  Ela não sabia como agradecer.
  Continuou sentada no banco do jardim, notando que já estava de noite e o frio daquele dia se tornava mais evidente ainda, a fazendo desligar e guardar o celular mais uma vez, tirando a touca de dentro da mochila e aquecendo sua cabeça assim que a colocou.    soltou um suspiro enquanto encaixava agora suas luvas nas mãos, voltando a olhar ao seu redor, percebendo que não havia tantas pessoas como antes e aquilo a alertou por alguns instantes, percebendo que havia ficado praticamente sozinha no lugar. Olhou para o lado, observando as luzes que iluminavam o caminho calçado do lugar, no centro do jardim cheio de flores coloridas e árvores as quais suas folhas caíam pelo chão. Com isso, resolveu por logo ajeitar sua mochila novamente nas costas e partir para um lugar mais movimentando para então pensar o que faria naquela noite para poder descansar.
  Aquele sentimento de impotência, de desilusão, começara a tomar conta de si novamente, mais uma vez, em mais uma noite. O que faria? Todos os seus dias seriam assim ao final? Ela não podia continuar daquela forma, não poderia continuar descansando todas as noites em um beco qualquer.
  Não era o que tinha planejado.
  Respirou fundo, pressionando os lábios, como se aquilo pudesse conter seu choro novamente, mas não teve muito tempo para pensar mais sobre o assunto, já que alguns passos começavam a ficar evidentes no local, bem atrás dela.
   olhou para os lados, não conseguindo ver ninguém, mas ao olhar para trás, conseguiu avistar os dois rapazes de mais cedo caminhando até ela, com os dois pares de olhos focados na garota.
  Ela sentiu o coração descompassar. Será que estava imaginando coisas e talvez fossem apenas duas pessoas quaisquer caminhando por ali àquela hora? Não sabia, mas sentia seu peito comprimir ao notar que eles a seguiam e não faziam questão de passar por ela.
  Apressou seu passo. andava de forma tão rápida que sentia sua garganta secando na medida em que seus passos eram largos e apressados, evidenciando seu espanto pelo que estava acontecendo.
  Pôde ouvir risadinhas e duas vozes invadindo sua mente.
  Não. Aquilo não podia estar acontecendo.
  — É melhor que você não corra — um deles falou e naquele momento ela percebeu que estavam mais perto do que imaginava. só conseguia ver as árvores que decoravam o caminho até o final do jardim, mas ela não conseguia ver com nitidez a rua em si, indicando o final da calçada.
  Ela queria gritar, queria chorar, queria pedir por ajuda, mas sua voz não saía, estava desesperada demais para aquilo.
  Uma lágrima caiu, sendo seguida por outras inundando seu rosto e fazendo com que sua visão começasse a ficar turva, impedindo que ela conseguisse ver com clareza.
nunca, em toda sua vida, achou que passaria por aquilo algum dia.
  Não imaginou que acabaria em Londres daquela forma, sem dinheiro, sem um teto para dormir e sendo perseguida no meio da noite. Não. Ela não podia estar passando por aquilo.
  Quase como inevitavelmente, sentiu o choro alto vindo à tona, fazendo assim com que soltasse um murmúrio alto pelo soluço engasgado. Ela continuava ouvindo os passos, eles zombando e dizendo como a pegariam assim que se aproximassem ainda mais.
   só queria encontrar a saída. Observou a pouca luz no final daquele corredor de flores e árvores e conseguiu avistar de forma embaçada as luzes amareladas e coloridas das lojas ainda abertas naquele horário. Ela praticamente correu em direção à rua, sentindo o corpo tremer de forma tão agitada, apavorada e, sem nem olhar, virou à direita, sentindo seu corpo bater em outro de forma violenta, soltando um pequeno gritinho de quem quer que havia esbarrado e fazendo com que caísse ao chão, sentindo o corpo doer pela queda.
   se sentia fraca, debilitada.
  Ela não poderia continuar ali daquela forma. Depois de tudo aquilo, havia decidido.
  Voltaria para Ann Arbor na primeira oportunidade.
  Ainda no chão, deixou que suas lágrimas continuassem caindo e como se sua ficha tivesse caído por completo, o choro alto e desesperado se alastrou, a fazendo colocar as mãos ao redor dos joelhos, os abraçando e afundando o rosto entre seu colo e as pernas. Ela não aguentava mais, era demais para suportar.
  Não era forte como sua mãe havia dito e nem mesmo conseguiria continuar.
   sentiu o corpo ceder aos poucos, não sabia ao certo o que estava acontecendo, mas estava completamente fraca e a queda só evidenciou o quanto estava mesmo debilitada.
  — ? — Ouviu a voz ao longe, sentindo os olhos pesarem por todo o cansaço e esforço feito. Ainda chorava. — , é você?
  A garota ergueu o rosto, passando uma das mãos, tentando limpar as lágrimas molhadas e aos poucos conseguiu avistar um rosto feminino ficando nítido à sua frente. Conseguiu ver as mechas loiras caindo sob seus ombros, o casaco pesado abraçando seu corpo e o olhar aflito em seu rosto.
  Aquela não era…
  — ? — Perguntou em um sussurro. — O que… Eu… Me desculpe.
  Continuou murmurando até avistar a garota ajustar suas sacolas de compra nos braços e abaixar em direção a , colocando as mãos em seu braço, a ajudando a se levantar.
  — Ei, fique calma. O que houve? Por que você está chorando? — Perguntou aparentemente preocupada e olhou por completo, como se realmente já a conhecesse há tempos. — Você está bem?
  — Eu… — A morena não sabia nem por onde começar. Estava tão atordoada, tão perdida, só queria entrar no primeiro avião disponível para sua casa. — Eu sinto muito ter esbarrado em você. Não foi minha intenção, eu só…
  Fungou. Uma, duas, três vezes. E aí, voltou a chorar desesperadamente, abraçando seu próprio corpo.
   a olhou, engolindo em seco e fez o que sequer esperava de alguém tão cedo por ali.
  A abraçou.
   ficou parada por um tempo, sentindo o corpo amolecer pelo contato e isso fez com que todos os sentimentos guardados a sete chaves que insistia em manter para não a tirarem do chão, viessem à tona de uma vez por todas. E isso fez seu choro ficar ainda mais alto.
  — Não precisa se desculpar, está tudo bem, de verdade — disse abafado por ainda estar abraçada à garota. — Eu não sei o que aconteceu, nem mesmo precisa me contar se não quiser, mas pode colocar para fora. Vai te fazer melhor — continuou dizendo e deu pequenas batidinhas nas costas de . Isso fez com que ela se sentisse reconfortada aos poucos, sentindo o choro amenizar. — Tudo bem agora?
  Balançou a cabeça, tentando demonstrar que estava ficando melhor. Nos segundos em que se recompunha aos poucos, deixou os olhos caírem na garota ao se afastar e observou que provavelmente havia acontecido algo não tão bom com ela, já que de fato ela não parecia igual como a tinha encontrado da última vez. parecia cansada, exausta e perdida.
  Completamente perdida.
  — Você está com frio — murmurou para si mesma ao observar tremer aos poucos.
tirou seu cachecol, esticando em direção da garota, piscando algumas vezes. a olhou surpresa e continuou a observando, antes de pegá-lo e enrolar em seu pescoço rapidamente. a observou. — Eu não sei o que está acontecendo e, como eu disse, você não precisa me falar se não quiser, mas… Por que chorava desse jeito? Confesso que fiquei preocupada.
   permaneceu com os olhos em cima dela e, ao ouvir sua pergunta, abaixou o olhar, começando a mexer de forma nervosa nas pontas soltas de seu mais novo cachecol.
  — , eu… — tentou começar de alguma forma, sentindo as palavras se perderem ali mesmo. balançou a cabeça com sua reação e sorriu mais uma vez, mostrando que não havia problema. Com isso, colocou uma das mãos sobre as de .
  — Olha, está tudo bem, mesmo. Só fique mais calma, ok? — Disse, ainda sorrindo. — Eu estou indo para casa agora e adoraria companhia. O que você me diz? Eu sei fazer um chocolate quente incrível nesse frio.
  Soltou uma risadinha, como se aquilo fosse animar a outra de alguma forma.
engoliu em seco, se sentindo estranha com aquele convite por estar tão malvestida e por estar suja. Sorriu sem graça.
  — Eu adoraria, mas…
  — Por favor, podemos conversar melhor e olha… Não vou conseguir comer essa torta de maçã inteira sozinha. Vou precisar de companhia. — Piscou, levantando uma das sacolas para mostrar a , que instantaneamente sentiu sua barriga roncar, levando uma das mãos até ela. Pressionou os lábios ao ver ainda sorrindo para ela.
  — Não quero dar trabalho, . Obrigada, de verd...
  — Não, não. Não aceito um não como resposta — disse, cortando e se posicionou ao seu lado, entrelaçando seu braço livre com o dela. Isso fez tomar um pequeno susto, não esperava que a recepcionasse daquela forma, ainda mais por ela estar mesmo suja. — Vamos! Eu nem moro tão longe assim.
  Observou o olhar da garota sobre si, tão amigável e acolhedor que sentiu seu coração se aquecer aos poucos por perceber que ainda havia pessoas boas e verdadeiras, pelo que havia percebido. havia salvado sua noite naquele momento.
   balançou a cabeça, assentindo ao pedido da garota e caminhou com ela de volta pela Regent Street enquanto fazia questão de contar cada mísero detalhe da avenida em si, ainda assim mostrando novamente tudo o que havia visto mais cedo, quando o sol ainda estampava boa parte do lugar. Naquela pequena conversa que tiveram, percebeu que tudo o que havia sentido anteriormente em meio ao seu choro desesperado havia se dissipado e que agora uma sensação de ansiedade por tudo o que estava ouvindo tomava conta de si. Ela estava adorando saber.
  Caminharam um pouco mais depois da Regent, pegando a Grosvenor St. em direção à Bayswater Rd., onde, de acordo com , era um dos caminhos mais fáceis e rápidos de chegar ao seu querido e aconchegante bairro, Shepherd’s Bush, que não era tão afastado assim do centro de Londres.
percebeu todas as luzes que iluminavam aquela fria noite e todo o trânsito pelo horário que provavelmente todos saíam de seus trabalhos.
   havia falado que o caminho andando até seu bairro era um pouquinho longe, mas as duas não notaram que havia passado tão rápido pela forma que conversavam. Na verdade, a única que falava o suficiente pelas duas ainda era , já que se sentia um pouco retraída por estar sendo recebida tão bem daquela forma.
  A garota ao seu lado parecia um raio de sol, de tão animada e receptiva que era e isso só ajudava ainda mais a se esquecer de todas as suas preocupações e problemas que a atormentavam, pelos menos por alguns instantes.
  E aquilo havia sido o suficiente para que a vontade de ir embora de Londres sumisse aos pouquinhos, sem que percebesse.

✈️🎡

  Quando parou com em frente a uma pequena rua, pelo que viu na placa era a Hopgood St., as duas caminharam por uma vielazinha pouco movimentada e logo na entrada a garota percebeu que estavam em direção ao apartamento da outra, onde havia uma fachada clara e com algumas árvores pequenas dando um toque especial e nostálgico ao lugar. A calçada estava com várias folhas secas espalhadas. , por alguns segundos, se sentiu dentro de um filme ao ver o apartamento de dois andares à sua frente, com a pequena escadinha logo na entrada.
  , observando a feição agraciada da garota, sorriu consigo mesma.
  — Só vou pedir para não reparar a bagunça, não sou uma das pessoas mais organizadas. — Soltou uma risadinha fraca, encolhendo os ombros enquanto tirava de sua bolsa a chave do lugar e sua pequena escadinha branca. continuou no mesmo lugar, ainda observando. — Você não vem?
  E isso a fez despertar de todos os seus pensamentos, concordando com e seguindo em direção e ela. Assim que adentrou, fechando a porta atrás de si, observou o corredor estreito, dando para uma outra escada ao final, indicando a ida para outros andares. O lugar não era extravagante, nem mesmo espaçoso, mas era organizado e completamente limpo. estava encantada.
  Subiu as escadas com cuidado e no segundo andar parou em direção à porta branca logo atrás de , que a abriu com um pouco de dificuldade por conta das sacolas e rapidamente foi em direção a ela para ajudar.
  — Deixa que eu te ajudo.
  Pegou algumas sacolas em suas mãos, segurando-as quase às abraçando e esperou que a indicasse um lugar para colocar. A garota deixou sua bolsa pendurada logo ao lado da porta e retirou o casaco, sorrindo ao ver parada de forma tímida.
  — Pode colocar as sacolas em cima da bancada, por favor. — Apontou para a pequena bancada de mármore da cozinha, que fazia divisa com a também pequena sala. Observou atentamente que o apartamento não era grande e era bem estreito, mas toda a arrumação minimalista e colorida dava um toque especial e não fazia parecer que era mesmo pequeno. — Você quer tomar alguma coisa antes do chocolate? Vou só arrumar as coisas da despensa.
  — Eu gostaria de um pouco de água, por favor — disse baixo, mas o suficiente para que a ouvisse e logo trouxesse um copo de água em temperatura ambiente. tomou de forma tão rápida que nem percebeu que a garota ao menos havia se retirado. sorriu mais uma vez e seguiu para arrumar as coisas de forma rápida e logo fazer o chocolate que tanto havia dito para . Queria deixar a garota o mais confortável possível.
  Quando voltou com as duas xícaras cheias, do líquido ainda saía uma pequena fumaça e quando se chegou ao centro da sala, conseguiu observar que se mantinha encostada no sofá, como se seu corpo estivesse sendo consumido pela maciez do móvel. Notou que ela parecia realmente cansada e se perguntou o que havia acontecido para chegar àquele ponto.
  — Você parece cansada — mencionou, depositando sua xícara em cima da mesinha de centro e estendeu a outra para .
  A morena a olhou, pegando o objeto.
  — Obrigada — agradeceu, sorrindo fraco e deu uma leve soprada no líquido para esfriar. Com isso, olhou da xícara para . — Eu… Eu tenho estado bem exausta, na verdade.
  — Você quer falar sobre?
   ponderou por alguns instantes e respirou fundo, depositando o chocolate em cima da mesinha de centro. Colocou as mãos na abertura de seu casaco, o ajeitando em seu corpo e se sentou de forma correta, se preparando para falar um pouco do que havia lhe acontecido.
  — Eu vim para Londres conhecer a cidade, sempre foi meu sonho, mas parece que as coisas não saíram exatamente como eu planejei — mencionou, olhando para suas mãos, que se remexiam de forma nervosa. — Sabe, eu achei que realmente tinha visto tudo da forma correta, que não havia esquecido nada. A verdade é que tudo saiu de controle e eu tenho passado pelo pior… — Sentiu a voz embargar e os olhos arderem com todas as lembranças. — Eu tenho me sentido tão perdida, sinto que fiz tudo errado e a única coisa que consigo sentir é o arrependimento de ter saído de casa desta forma, mesmo com o apoio de minha família. Eu deixei... — Não conseguiu continuar já que sentiu as lágrimas ressurgindo em seu rosto.
   olhava a cena de forma atenta e na medida em que ia falando, sentia seu coração se apertar, já fazendo ideia do que poderia ter acontecido com a garota. Realmente deveria ser muito complicado.
  — Desculpe, . Você não merece ouvir nada disso.
  — Está tudo bem. Não precisa se desculpar — repetiu, sorrindo de canto. Esperou alguns segundos e se levantou, se sentando ao lado de no sofá, que a olhou enquanto enxugava o rosto. — Pode falar no seu tempo, se acalme. Olhe, tome um pouco, vai esfriar.
  Apontou para a xícara em cima da mesinha e a pegou, bebericando um pouco do chocolate. Com isso, sentiu seu estômago se aquecer gradativamente e agradeceu aos céus naquele momento por se alimentar, mesmo que só com bebida.
  Fechou os olhos brevemente e os abriu. Notou que ainda a olhava, como se esperasse o restante de sua história, mas ver o olhar de pena sobre si causou um novo sentimento. não queria ser vista daquela forma, não mesmo.   Respirou fundo, terminando de beber.
  — Obrigada pelo chocolate, . Acho que já te atrapalhei demais. Agradeço novamente por ter me ajudado essa noite — mencionou, limpando o rosto com as mãos e se preparou para se levantar, ficando de pé ao lado da garota, que a olhava curiosa. não entendia ao certo a reação de , mas sentia que algo estava errado. Na verdade, ela sentia que poderia ajudá-la de alguma forma, não sabia exatamente o que era aquilo, mas no fundo viu um pouco de si em . Um pouco do sonho que sempre teve de viajar o mundo e nunca teve coragem para realizá-lo.
  — Espere um pouco. — Ergueu o indicador para que esperasse no mesmo lugar e seguiu até o armário ao lado do banheiro, o cantinho em que guardava coisas que usava raramente quando precisava. — Eu sei que não é muito e sei que por enquanto não vai ser tão confortável, mas…
  Dizia alto por estar longe e aos poucos sua voz foi ficando mais presente, misturada ao barulho de algo sendo arrastado. retornou à sala com um colchão fino, porém aparentemente novo e voltou ao quartinho novamente, trazendo um travesseiro e algumas mantas.
   olhava toda a cena paralisada, sem entender o que acontecia.
  — O que é isso? — Perguntou com a voz falha.
  — Você me contou por alto, mas eu consegui captar algumas coisas — começou, enquanto caminhava de um lado para o outro, retirando a mesinha de centro do meio da sala e arrastando o colchão até ali, arrumando para . — Quando nos esbarramos, você tinha estampado em seus olhos que estava mais do que perdida e quando te vi chorando daquele jeito, percebi que tinha algo fora do lugar. Você tem olheiras debaixo dos olhos, sua expressão é mais do que só cansaço… — mencionou, se aproximando de . — Eu sei que isso tudo parece estranho e tudo bem se não quiser dormir. Eu sou uma desconhecida para você, certo? Mas eu sinto que preciso te ajudar de alguma forma. Se você quiser, claro — dizia, sorrindo de forma reconfortante para a garota. naquele ponto sentia um nó se formar em sua garganta. — Sabe, eu nunca fui de fazer amizade fácil e nunca tive muito apoio também, mas pelo que você me contou, tem alguém torcendo por você, não é? — Mencionou, fazendo a outra pressionar os lábios ao sentir o peito comprimir com o comentário. — Se você não se sentir confortável, tudo bem ir embora amanhã, mas se não quiser, acho que podemos ser boas amigas, o que me diz? Não precisa dizer nada agora, claro. Só descanse, ouviu? O banheiro fica naquela direção no corredor e tem algumas toalhas na prateleira. Ah! Vou deixar uma muda de roupa para você também, tá? Boa noite. — Apontou na direção do banheiro e voltou seu olhar para , sorrindo abertamente, demonstrando a simpatia que vinha percebendo todo o caminho até o apartamento de . Notou que a garota era muito verdadeira e parecia realmente querer ajudá-la de alguma forma.
   não respondeu, apenas balançou a cabeça, concordando com a parte do descansar e observou , indo até a cozinha, tirando um pedaço da torta e depositando em um prato, levando logo em seguida para a morena. Colocou em cima da mesinha de centro, que agora estava em um canto junto à outra xícara de chocolate. também não falou nada, apenas deu outro sorriso para , tentando demonstrar que tudo ficaria bem e seguiu em direção ao seu quarto, fechando a porta depois de ir até o banheiro ao deixar a muda de roupa.
   ficou parada no mesmo lugar por um tempo, tentando digerir tudo o que havia lhe acontecido naquelas poucas horas e que pelo menos naquela noite, teria um lugar seguro para dormir. Deixou seus olhos pousarem no colchão próximo aos seus pés, nas mantas dobradas e no travesseiro que lhe aguardavam.
  Sentiu os olhos marejarem.
  Não sabia nem o que dizer, muito menos como agradecer.
havia sido tão humana naquele momento que a única coisa que conseguia sentir era seu coração se enchendo e as lágrimas transbordando em seus olhos, em um choro fraco e emocionado.
  Ela, naquela noite, teria o que comer e onde dormir e toda a situação havia sido o suficiente para que algo passasse por sua mente antes de dormir.
  Será que, pela primeira vez, tudo aquilo era o destino querendo lhe dizer algo?

04. Maybe it's time to get rebuild…

   ouviu os pássaros do outro lado do apartamento, mas em momento algum fez menção em abrir seus olhos. A verdade era que, ela não queria voltar para sua realidade e saber que tudo o que havia acontecido no final do dia anterior, havia passado apenas de um sonho.
  Deixou que seus olhos continuassem fechados. Pôde sentir o conforto do lugar em que estava deitada tomar conta de seu corpo mais uma vez e deixou que, por breves segundos, sua mente voasse para todos os acontecimentos desde que havia chegado à Londres.
  Um arrepio lhe correu pela nuca.
  Ao se lembrar da noite anterior, em que seu coração batia descompassado no mesmo instante em que lágrimas grossas caíam por seu rosto, ainda que sentindo o frio avassalador da cidade, desejou profundamente que tudo aquilo não tivesse passado de um pesadelo.
  Um pesadelo horrível.
  Foi inevitável não lembrar de quando fazia seus planos, tão imersa no sonho de visitar a capital da Inglaterra, achando que tudo realmente aconteceria como havia planejado em seu quarto.
   queria voltar no tempo. Queria voltar para tentar ver onde é que havia errado para chegar àquele ponto.
  Respirou fundo. Deixou que a mão próxima a seu rosto cobrisse seus olhos da minuciosa claridade do cômodo em que estava e quase não percebeu quando os pássaros começaram a cantar ao lado de fora, a fazendo despertar por completo.
   piscou vagarosamente. De primeira, avistou o teto claro da sala. O silêncio impregnava o cômodo, deixando evidente apenas o assobio das aves e o barulho do trânsito próximo dali.
  Se perguntou se era um sonho. E, para ser sincera, desejou no fundo de seu coração, pela primeira vez, que aquela fosse sua realidade.
  Sentindo a paz, o conforto de não ter nenhuma preocupação naquele instante.
  Pôde sentir seus olhos marejando levemente. queria sorrir e dizer que a partir daquele momento, depois de alguns dias turbulentos, tudo iria ficar bem.
  Era o que ela queria muito acreditar.
  Mas algo parecia lhe incomodar ao ponto de saber que aquilo era apenas temporário.
  Deixou outro suspiro pesado escapar de seus lábios. Olhou para o lado, podendo ver o cômodo límpido e reconfortante do apartamento de . O lugar em si era minimalista e não tão grande, mas suficiente para que se sentisse um pouco segura.
  A sala era ligada diretamente à cozinha, sendo separada apenas por um estreito balcão de mármore claro, que continha algumas banquetas altas para quem quisesse desfrutar de alguma refeição ali. As panelas coloridas permaneciam penduradas à parede quebrando um pouco do branco do lugar e na geladeira, algumas fotos polaroids estavam presas à ímãs.
   ficou curiosa. Pensou em vê-las mais de perto, mas ao mesmo tempo, se deu conta de que seria invadir demais a privacidade da garota que nem mesmo conhecia direito.
  Ergueu o corpo para uma visão melhor do apartamento. Só então notou que provavelmente não estaria por ali, já que não conseguia ouvir qualquer resquício de outro barulho no local.
   abraçou o próprio corpo ao notar que estava sozinha.
  Mesmo que soubesse que não estaria correndo tanto perigo assim ali, no fundo de sua mente, as situações anteriores a faziam se lembrar de tudo o que havia passado desacompanhada desde que havia pousado em Londres.
  O medo, a insegurança e o desespero ainda se faziam presentes na garota.
  Ela puxou a almofada colorida, a abraçando como se sua vida dependesse daquilo.
   fechou os olhos com força, desejando que todo aquele misto de sentimentos dissipasse dela o mais rápido possível.
  E tentou assim, focar sua atenção em qualquer outra coisa que não fosse aquela sensação ruim. A que começava a lhe consumir aos poucos, sufocando minimamente…
  — ?
  Não notou quando o molho de chaves balançou à porta, nem mesmo quando os passos agitados de adentraram o cômodo. Só conseguiu ouvir seu nome ser chamado, a tirando de todo aquele devaneio.
  A garota ergueu a cabeça, tentando focar na silhueta de , mesmo tudo estando um pouco turvo a seu redor.
  — Você acordou! — disse, transparecendo animação. Como não obteve resposta da que estava sentada, se aproximou. — Tudo bem? Não dormiu como queria?
   observou a figura de sentando a seu lado e encostando o corpo no sofá, deixando toda sua atenção preocupada voltada para .
  — Ah, não é isso! — disse, gesticulando prontamente. Logo, ajeitou o corpo. — Eu dormi bem sim, agradeço muito por ter me deixado ficar aqui essa noite.
  — Que isso. Não foi nada. — gesticulou, sorrindo de canto. — Não te chamei quando fui trabalhar, você parecia estar em um sono daqueles. — deixou uma risadinha fraca escapar. sentiu as bochechas enrubescerem. — Mas fico feliz que tenha descansado um pouco.
   não se deu conta de que horas eram, apenas arregalou os olhos com a menção que havia feito de seu descanso.
  — E que horas são?
  — Quase uma da tarde. — respondeu.
  — Caramba! Eu… — levou uma das mãos à boca, em espanto e olhou ao redor, procurando por suas coisas. — Eu sinto muito, mesmo. Não imaginei que ficaria por tanto tempo. Devo ter incomodado o bastante já. — continuou dizendo, levantando do sofá às pressas. ainda a olhava. — Agradeço muito, de coração mesmo, . Obrigada por ter me acolhido essa noite.
  — E onde você pensa que vai?! — questionou, olhando a outra com as coisas nas mãos.
  — Não posso ficar ocupando seu espaço sem ao menos poder ajudar em algo… Você já fez muito por mim, mas acho que agora preciso ir. — disse, um tanto incerta.
  A verdade era que havia sido ótima para ela naquela noite, lhe oferecendo comida e um lugar para ficar, mas sentia que iria abusar demais ficando ali por mais algum tempo, mesmo a outra se oferecendo para isso, sem contar que o principal era o fato de que mal a conhecia.
  — Eu vou entender perfeitamente você não querer ficar, mas Você tem mesmo para onde ir?
  A pergunta da garota fez com que parasse onde estava, pensando para onde é que iria ao sair dali. Ela não tinha opções, para ser sincera. Ao menos tinha com certeza um lugar para dormir naquela noite.
  Deixou que seu olhar caísse sobre , sem saber o que lhe responder.
  Ela não tinha resposta para aquela pergunta.
  — Não. Não tenho outro lugar. Mas, , só vou te atrapalhar aqui. Olhe só para mim — apontou para si mesma. permaneceu em silêncio. — Fiz um planejamento completamente errado para vir à Londres procurar uma vida melhor. Não tenho dinheiro, um emprego, ao menos tenho roupas decentes… Vou acabar atrapalhando sua vida e rotina. Ao menos me conhece para isso…
  Sussurrou a última frase, já sentindo a garganta apertar em um nó pelo aglomerado de emoções que lhe invadiram o peito e desviou o olhar da outra.
  Seu peito ardia. Não queria receber um olhar de julgamento, muito menos de pena.
  Aquilo era o cúmulo para ela.
  O silêncio permaneceu e estranhou. Pressionou os lábios e voltou a olhar para , que a observava como se estivesse esperando por mais.
  O olhar de aflito e desesperançoso fazia com que quisesse insistir ainda mais em ajudá-la. Não por pena ou qualquer compadecimento, mas por ver que dentro da garota, havia um objetivo enorme a ser conquistado.
  Um objetivo que fazia acreditar que ela ainda conseguiria alcançar.
  Ela se aproximou, colocando as mãos nas laterais de e sorriu de canto.
  — E é por isso que acho que você deve ficar aqui. — respondeu, simples. — Você aceitou estar aqui sem ao menos me conhecer. Confiou em me contar sua história e mostrar o quão decepcionada está. — a afagou. — Não é sobre conhecer alguém ou não. É sobre apoiar uma causa, um sonho.
  —
  — Como eu te falei, , eu vou entender muito bem se quiser sair por aquela porta — apontou para a porta amadeirada branca. — Mas quero que saiba que você tem um lugar para ficar e uma nova amizade a conquistar.
   abriu os braços, demonstrando que aquele poderia ser seu novo lar. a olhou, sem saber ao certo o que lhe dizer. Seus olhos já estavam marejados e ao ouvir a garota por completo, sentiu uma lágrima escorrer por sua bochecha.
  Não sabia o que tinha feito para merecer aquilo, nem mesmo se era apenas temporário.
  Mas algo em seu coração a fazia crer que valeria a pena tentar.
  Com certa rapidez, limpou a lágrima teimosa e respirou fundo.
  — Eu prometo que vou arrumar um emprego o mais rápido possível para te ajudar.
  Disse, sem pensar muito. franziu o cenho e em seguida, soltou uma risada fraca.
  — Não se preocupe com isso. É só uma questão de tempo até tudo se organizar. Você vai ver. Não há tempo ruim que dure para sempre, .
  Aquela frase fez com que olhasse para a garota por alguns segundos, sentindo o coração aquecer gradativamente dentro do peito.
  Só não notou, naquele momento, que o resquício de esperança que estava lhe dando, fazia com que o impulso enorme para que voltasse a acreditar em seu sonho voltasse a crescer minuciosamente.
  — E então, minha nova roommate, o que acha de irmos almoçar? Eu ‘tô morrendo de fome! — perguntou, levando as mãos em direção à barriga. — Não tenho nada pronto aqui mesmo. Podemos comer em algum lugar e aí, começamos uma pequena tour pela cidade da rainha! Vamos?! Por favorzinho…
  — Eu que devia implorar assim, não? — perguntou, fazendo graça, ainda que um pouco retraída. — E claro que podemos! Eu só vou, hm… Preciso tomar um banho e trocar de roupa, mas não sei se tenho algo quente o suficiente para o frio de hoje.
  — Isso não é problema. Vou separar algumas peças para você, ok? Agora vai! Não vou aguentar por muito tempo!
  E então a empurrou em direção ao banheiro e riu fraquinho com o desespero da outra, sentindo o coração ser afagado aos poucos pela receptividade e gentileza que estava recebendo ali.

✈️🎡

  — The Kooks?
  — Ah, eu até gosto, mas não ouço muito. Hm, deixa eu ver… Midland?
  — Meu Deus! Você gosta de música country. — soltou uma gargalhada, deixando cair um pouco do recheio do churros que comia. — Ai, droga.
  — Você quer reclamar do meu gosto musical e acha que o universo vai ficar quieto com isso? É a lei do retorno, . — respondeu, rindo junto da outra garota.
  — Para ser sincera, achei que fosse falar sobre qualquer outro gênero musical, menos… Country. Sei lá, Arctic Monkeys ou Sum 41?
  — Agora você me pegou. Eu fico com os dois. — respondeu, convencida. — E você conhece essas duas bandas? Achei que o seu negócio era pop, coisa de boyband, sabe? One Direction e 5 Seconds Of Summer.
   riu mais uma vez e concordou, mordiscando mais um pedaço da comida que segurava. Enquanto as duas caminhavam em direção ao centro da cidade, o vento leve do frio ameno que fazia aquele horário acariciava a pele de , a fazendo apertar um pouco mais o casaco que vestia.
  Queria sorrir um pouco mais. Se sentia quentinha, confortável.
havia lhe emprestado uma jaqueta aveludada e não fazia ideia de quantas vezes a havia agradecido por isso.
  Respirou fundo, desfrutando do fim de tarde que a paisagem londrina conseguia lhe fornecer e observou as pessoas a seu redor que passeavam ora despreocupadas e ora com pressa até demais.
  — Olha ali! — disse um pouco mais alto, apontando um pouco mais a frente. Queria lhe mostrar um dos pontos turísticos que estavam mais próximos. — Você passou por aqui desde que chegou? Esse é o Royal Albert Hall, conhece?
  — Eu visitei o outro lado do Hyde Park — apontou, olhando para o lado oposto. Assim, voltou a observar o lugar que havia lhe falado. Era enorme. Sua arquitetura era um pouco antiga, fazendo jus a quase toda parte de Londres. Olhou para cima, observando o pouco sol fazer contraste com parte do salão e se sentiu maravilhada ao conseguir ver cada pequeno detalhe tão perto assim. — É incrível… Pessoalmente é ainda maior.
   deixou uma risadinha fraca escapar com o deslumbre da garota. Ela parecia estar presa em um sonho.
  — É sim. Costumam ter vários shows aqui. Dos grandes. Você ia gostar.
  — É mesmo?! — perguntou, animada. — Teve algum recente? Você veio?
  — Você conhece McFly? — a olhou, ainda caminhando ao redor do lugar. parecia pensativa. — Everybody wants know your name…
  A garota cantarolou e sorriu nostálgica com aquilo.
  — Eu conheço essa. Uau. Dá para acreditar?
  — O quê? — pressionou os lábios, contendo outra risadinha.
  — Eu ‘tô em Londres! — abriu os braços, eufórica. A outra continuou a observando. — Em frente a um local que o McFly se apresentou. Vai, tira uma foto minha?
   assentiu rapidamente.
  — Claro que eu tiro. Fica ali, se posiciona. — apontou para a entrada do lugar que, naquele horário, estava fechada e ficou ao centro, colocando os braços no ar e apresentando um sorriso para lá de cativante.
  Ao ver a cena, antes mesmo de clicar para tirar a tão querida foto, sorriu como ela, animada como tal.
  Tinha a sensação de que se daria muito bem com .

  Depois de algumas fotos, risadas contagiantes e expressões em surpresa, as duas caminharam um pouco mais por Kensington, rodeando o bairro sem qualquer pressa e assim, resolveram por visitar corretamente o Hyde Park.
   havia explicado a que estava tentando fazer aquilo no dia anterior, quando houve todo o problema que a levou esbarrar em , mas a garota informou que era para ela esquecer o que havia acontecido.
  Hoje, ela iria conhecer o Hyde Park como se fosse a primeira vez.
  — Você pode escolher qualquer entrada. Cada uma delas te leva a um lugar específico dentro do parque. — disse, tentando ser o mais minimalista possível com sua explicação. Queria que gravasse cada detalhe. — Podemos ir pela principal, que é um pouco mais ali na frente — apontou, para alguns metros depois, onde algumas pessoas caminhavam e adentravam o local, desacompanhadas, com alguém e até mesmo com animais de estimação. — Ou, entrar por umas dessas aqui mesmo.
  — O que você me aconselha?
   sorriu, segurando o pulso de com leveza.
  — Vem. Acho que você vai gostar do que ver.
  As duas saíram caminhando para dentro do parque, sendo rodeadas por árvores esverdeadas e folhas secas espalhadas pelo chão. Alguns ciclistas passavam por elas e conseguia se sentir, ainda, dentro de um filme.   Tudo parecia surreal demais.
  — Não parece um papel de parede de computador? — perguntou, fazendo graça.
apenas balançou a cabeça, ainda encantada com a vista que aquele corredor enorme lhe fornecia.
  Quando andou um pouco mais, observou algo que lhe deixou sem ar.
  — Aquele é o lago do parque? — apontou, voltando a olhar para . A outra sorriu abertamente, assentindo e bateu palmas levemente, deixando ainda mais animada.
  — É sim! Foi o que falei que você iria gostar. E ‘tá ainda mais bonito por conta do…
   parou de falar assim que o celular começou a tocar no bolso do sobretudo. A garota franziu o cenho, soltando um resmungo ao ler o provável nome estampado no visor do aparelho.
  Ela não parecia muito satisfeita.
  — Tá tudo bem? — perguntou, baixo.
  — Ah, sim. Não se preocupe, não é nada demais. É só o meu chefe. Vou precisar ir ao trabalho rapidinho. — soltou um muxoxo, olhando ao redor. Assim, retornou o olhar para que parecia até curiosa demais. — Ahn, , por acaso você se importaria se eu fosse lá rapidinho e voltasse?
  — Claro que não! Eu posso ficar por aqui e caminhar um pouco.
   ouvir a garota comentar, mas algo em seu olhar parecia querer dizer outra coisa. Observou que começou a segurar seus próprios dedos, como se estivesse ficando nervosa com o fato de que ficaria sozinha ali outra vez.
  Com isso, levou a mão livre em direção ao ombro da garota, apertando levemente o local.
  — Não se preocupe. Vou pegar um táxi, não devo demorar mais que quarenta minutos. Você anotou meu número, não foi? Pode me ligar se acontecer qualquer coisa. — piscou, deixando um sorriso fraco surgir em seus lábios, tentando passar tranquilidade para sua mais nova amiga. não respondeu. — Olha, eu sei que com certeza foi muito complicado estar aqui ontem, passando pelo que você passou, mas está tudo bem agora, tá? Você não está mais sozinha.
  Você não está mais sozinha.
  A frase ecoou pela mente de , fazendo com que seu coração apertasse levemente dentro do peito. Se sentiu acolhida e abraçada, sem mesmo que precisasse fazer tal.   Não imaginava que precisava tanto ouvir algo como aquilo.
  — Vai ter alguém te enchendo o saco pelo tempo que estiver aqui. — riu nasalado, fazendo uma careta. a acompanhou. — Já volto!
  Assim, se afastou, deixando ali, dentro do Hyde Park, sentindo o vento acariciar sua pele uma outra vez. queria agradecer, mas sabia que entendia aquilo, mesmo sem precisar dizer algo.
  Respirou fundo, limpando a garganta e mordiscou o lábio inferior, virando o corpo para observar melhor a paisagem a seu redor.
  Já deveriam ser mais de cinco da tarde, o céu londrino lhe entregava um horizonte indescritível visto de onde estava naquele instante e o sol se pondo deixava seu coração ainda mais aquecido do que já estava.
  Não fazia ideia de que, há alguns meses, estaria ali, parada naquele lugar, tendo o misto de sentimentos invadindo seu peito, mesmo que com tudo que havia acontecido desde que tinha chegado ali.
   sentiu o canto dos olhos umedecer pela emoção que sentia. Pressionou os lábios ao sentir o choro fraco vir à tona e abraçou o próprio corpo, ainda observando o pôr do sol de antes.
  Era surreal demais.
  Com isso, decidiu que, desde que já estava ali para aproveitar, ela faria mesmo aquilo. Tentaria deixar todos os sentimentos ruins que volta e meia vinham lhe atormentar para que pudesse passear e registrar cada pequeno momento que a cidade lhe proporcionaria.
  Voltou a caminhar, um pouco mais animada, com o celular em mãos preparado para tirar as fotos que tanto queria. De primeira, o apontou em direção ao lago já iluminado pelas luzes que acendiam ao fim de tarde e conseguiu captar o sol bem ao fundo, quase desaparecendo. Rapidamente, se posicionou e tirou também uma selfie naquela mesma paisagem.
  Continuou a percorrer o caminho, capturando cada estátua, cada monumento diferente que encontrava por ali e até mesmo algumas pessoas andando ao redor.
  Sabia que quando chegasse à casa, veria cada foto e enviaria à sua família.
  Aquilo a fez querer ligar para sua mãe e irmã novamente. E seria uma ótima ideia fazer aquilo visitando o Hyde Park como tanto queria.
  Desbloqueou o celular mais uma vez, pronta para iniciar uma videochamada e até começaria, não fosse por algo pular em suas pernas, completamente agitado.
   olhou para baixo e um sorriso enorme cresceu em seus lábios.
  — Oh! Você me deu um susto, criança.
  Se abaixou em direção ao cachorro, lhe acariciando por completo. O animal começou a lamber seu rosto em animação.
  Ela deixou uma risada nasalada escapar, procurando pela coleira do mesmo e assim que a encontrou, observou o nome escrito no pingente.
  Jesse.
  — Jesse? É assim que você se chama? Você está perdida por aqui? — perguntou, como se ela fosse mesmo lhe responder. Observou ao redor, mas não parecia ter alguém procurando pelo animal. Por um momento se preocupou. — E agora? De onde você veio, hein?
  Acariciou um pouco suas orelhas, seguindo para o focinho e ergueu o corpo, tendo uma visão melhor de todo o parque. Olhou mais uma vez para baixo, observando o animal por alguns segundos. Notou que era da raça Golden Retriever e parecia estar muito bem cuidada para estar perdida ali, como se não tivesse algum dono.
  Não teve outra escolha a não ser continuar caminhando, percebendo que Jesse vinha atrás de si sem demorar muito, como se fosse sua.
   virou o rosto para o lado, observando o animal caminhando junto de si por um bom tempo. Achou engraçado como estava se sentindo confortável com ela a seu lado.
  — Você com certeza deve ter algum dono. — disse para Jesse. fez uma careta. — Devem estar doidos atrás de você. Que danadinha. — brincou com ela mais uma vez. A cadela pulou em suas pernas. — De onde você veio? Confesso que estou curiosa. Espero muito que tenha alguém para cuidar de você. — voltou a afagar as orelhas do animal. Jesse agora tinha a boca aberta com a língua para fora, parecendo realmente muito animada. — É um pouco complicado estar perdido assim. Eu sei bem como é. Mas apesar de tudo, me sinto feliz pela primeira vez desde que cheguei aqui.
  Sorriu para si mesma, enquanto seus dedos passeavam os pelos do animal e se aproximou de Jesse, a abraçando levemente.
  Ela correspondeu.
  — Bom, parece que ela está feliz também.
   sentiu o corpo cambalear e sem qualquer equilíbrio, caiu sentada para trás, arregalando os olhos com tamanho susto.
  A pessoa que havia lhe respondido, prontamente veio lhe ajudar e assim que se reergueu, com o rosto avermelhado pela vergonha, agradeceu.
  — Desculpe, não queria te assustar.
  — Não foi nada. Sério. — gesticulou, observando o rapaz a sua frente. Seus olhos estavam camuflados pelos óculos escuros e os cabelos, aparentemente claros, pelo boné. — Ela é sua?
  — Ahn… Podemos dizer que sim. É de um amigo, mas estou cuidando hoje. — mencionou. Jesse pulava animada nas pernas de , chamando-a para brincar. — Parece que ela gostou mesmo de você.
  — Gostou, não é, garotinha? — se abaixou mais uma vez, afinando a voz e soltando uma risada fraca com sua animação.
  — E então, tem gostado de Londres?
  — O quê?
   soltou, confusa e perplexa por ele saber que ela não era mesmo dali. Piscou algumas vezes e o rapaz fechou os olhos brevemente, como se tivesse cometido algum erro.
  — Me desculpa! Não quero que entenda mal. Ah… É que ouvi você falar com Jesse que se sente feliz desde que chegou aqui, achei que…
  — Ah…
  A garota soltou o ar que segurava, levando uma das mãos à testa ao entender o que ele realmente queria dizer. Por um momento pensou o pior e seu coração começou a bater mais rápido com aquilo.
  — Acho que te passei a impressão errada. Sinto muito mesmo.
  — Não. É só que… Achei coincidência. Nunca ia pensar que tinha ouvido minha conversa com ela. — riu fraco, se sentindo meio boba. — Para ser sincera, a cidade tem me surpreendido bastante até agora, mas sinto que, de alguma forma, o que tem acontecido é necessário de algum jeito.
  — Eu entendo. — respondeu, já com Jesse presa a sua guia. Os dois começaram a caminhar vagarosamente sem ao menos perceber. — Que bom que tem gostado. Acho que Londres vai te dar uma experiência que jamais vivenciou.
  — Eu tenho certeza que sim. — riu fraco, se lembrando aos poucos de tudo o que havia passado para chegar até ali. — Posso fazer uma pergunta?
  — Se eu souber responder, claro.
  — Você acha que uma pessoa é fraca por querer desistir de um sonho?
  Ele a olhou, pensativo e voltou a encarar a rua que passavam.
  — Tudo vai depender da dificuldade que ela está passando, mas não. Eu acho, em minha opinião, que qualquer coisa que aconteça vale a pena para alcançar um objetivo. Por mais que doa e que no momento você ache que chegou ao ápice para aquilo. — disse, sincero. o olhou. — Você sabe, nada vem fácil assim. E olha só, o quão prazeroso seria você olhar para trás, para todo o caminho que traçou e ver que conseguiu passar por aquilo para estar em algo muito melhor agora?
   mordiscou o lábio inferior, pensativa com a fala do rapaz que havia acabado de conhecer. No fundo, ela sabia que ele tinha razão em tudo o que havia dito.
  Mas por que parecia tão difícil colocar aquilo em prática?
  — Você tem razão. — concordou. — Acho que tem um lado positivo em tudo que acontece conosco.
  — É claro que tem. Pode ter certeza. — piscou, a olhando por alguns segundos. — Seja o que quer que esteja passando, vai melhorar. É só uma questão de tempo.
  — Não é isso, acho que você entendeu errado…
  Tentou pensar em qualquer desculpa para lhe dar. Não queria que ele entendesse que era sua própria situação.
  Ele soltou uma risadinha fraca, parando de andar para observá-la melhor.
  — Não precisa se preocupar. Eu entendo muito bem o que é isso. A pressão, as coisas dando errado. Tudo a favor de um planejamento ir por água abaixo. É motivo suficiente para desistir de algo tão sonhado. — disse, um pouco mais baixo. Olhou por trás de , admirando o anoitecer. — Mas não desista. Faça o que precisar fazer, tire o tempo que for para respirar, mas não desista. Existem coisas muito melhores ao passar por essa fase turbulenta. Palavra de escoteiro.
  Disse, fazendo graça. franziu o cenho, mas não deixou de rir.
  — Palavra de escoteiro? Gostei dessa. — mencionou, o olhando de canto. Ele também riu. — Mas, uau, obrigada. Não esperava uma reflexão em uma tarde como essa.
  — Bom, as melhores coisas acontecem quando menos esperamos. — deu de ombros, abaixando o corpo para acariciar Jesse. — E você pareceu alguém que precisava ouvir algo do tipo.
  — Estava tão na cara assim?
  — Um pouco só. — fez careta, se reerguendo. — Brincadeira. Mas, não sei, você parecia precisar ser reconfortada. Mesmo por um desconhecido.
   sentiu as bochechas queimarem com o comentário e desviou o olhar.
  — Pela primeira vez, foi bom ter um desconhecido por perto. — soltou, sem ao menos perceber que ele prestava atenção minuciosamente nela. — Dá última não tive uma experiência muito boa…
  Disse, quase em um sussurro se lembrando do dia anterior, em que quase foi assaltada e perseguida ali mesmo, no Hyde Park.
  Ele ficou em silêncio por alguns segundos e sem pensar muito, retirou o aparelho celular do bolso do casaco, o desbloqueando para fazer algo.
   o olhava curiosa.
  — Pode anotar seu número? Vou te mandar uma mensagem. E aí, sempre que precisar fazer uma pergunta e se eu souber respondê-la, podemos refletir sobre mais uma vez.
  Ao final de sua frase, o rapaz sorriu abertamente, como se aquilo fosse mesmo grande coisa não só para ela, como para ele. sentiu o coração bater rápido dentro do peito e pressionou os lábios, se sentindo envergonhada, mas logo pegou o celular, anotando ali seu número.
  — Pode me chamar de . Salvei assim. — mostrou no display. Ele assentiu.
  — Tudo bem, . — deu ênfase. — Pode me chamar de . Nos vemos uma próxima vez?
  — Claro. Até.
  Assim, o rapaz acenou, pegando a patinha de Jesse e fazendo o mesmo, arrancando uma risada fraca de , que olhava a cena encantada.
  E antes que pudesse se virar para começar a caminhar, sentiu o celular vibrando no bolso e o pegou, avistando o nome de piscando ali, provavelmente a procurando pela demora.
   olhou mais uma vez para trás, rapidamente, sorrindo para si mesma ao se lembrar o que havia acabado de acontecer.
  Será que havia feito mais um possível novo amigo?

✈️🎡

   caminhava despreocupado, em direção à casa de , ao final da Carlyle Square, em Chelsea, se certificando de que o carro estava devidamente estacionado e travado. Olhou ao redor, observando a iluminação da rua naquele horário que a deixava ainda mais bonita e sentiu o coração bater mais rápido ao saber que logo encontraria sua melhor companhia, Jesse.
  Em dias como aquele, em que ele gostava de ir ao centro de Londres sem ser reconhecido como costumavam fazer vez ou outra, deixava Jesse com para que assim pudesse fazer o que queria e ainda, de quebra, sua amiga faria o passeio que tanto queria em algum parque da região acompanhado do melhor amigo do rapaz.
  Claro que poderia levá-la consigo. Mas, no fundo, sabia que nada chamaria tanta atenção quanto sua Golden caminhando a seu lado pelas ruas centrais de Londres. Afinal, os fãs conseguiam reconhecer como ninguém.
  Ajeitou as sacolas na outra mão, para que pudesse pegar a chave do apartamento de em seu bolso e rapidamente adentrou o local, subindo o lance de escadas à frente e logo podendo ouvir alguma música qualquer tocando por ali.
  — Espero não ter demorado tanto. E espero também que essa garota não tenha dado tanto trabalho como da última vez.
  Mencionou, chamando a atenção de seu amigo que, naquele momento, tinha o corpo relaxado ao enorme sofá que ele tinha orgulho de dizer o quão confortável era.
   sorriu, deixando o celular de lado e se sentou, olhando Jesse. A cadela estava deitada em seu tapete, mas logo levantou animada ao ver caminhando pelo apartamento.
  — Ei, garotona. Papai sentiu sua falta. — afagou o focinho de Jesse, a puxando para si. sentou no chão.
  — Você consegue ser extremamente babão por ela.
  — Estranho seria se eu não fosse. — riu fraco, agora acariciando a barriga do animal. Jesse havia deitado, se espreguiçando por completo. — O que fez? A levou ao Hyde ou passearam aqui por perto?
  — Você sabe como Jesse é, adora lugares grandes. — fez uma careta, ouvindo o resmungo da cadela. — É isso mesmo, não posso esconder do seu papai suas luxúrias, sinto muito. — brincou com a mesma ao se abaixar, que mordeu levemente sua mão. Passou pelos dois ao chão em direção à cozinha. — Quer alguma bebida?
  — O de sempre. Tem aí?
   não precisou responder. Pegou a lata da cerveja que gostava e jogou em direção à ele, que pegou no ar e voltou para a sala, se jogando novamente no sofá.
  — Hoje o dia foi bom. Jesse adora conhecer pessoas novas.
   riu fraco, olhando a cadela à sua frente mais uma vez e passou seus dedos por ela, a acariciando como antes. Sabia bem como ela costumava ser quando saíam, muito comunicativa e extrovertida, apesar de já não estar mais na idade para sair chamando pessoas para brincar ou arrumar brincadeira com outros animais.
  , por sua vez, deixou a mente vagar até mais cedo no Hyde Park, quando perdeu Jesse de vista e quase enlouqueceu por aquilo. Sentiu o coração palpitar ao se lembrar que não havia prendido devidamente a coleira em seu peitoral e aquilo fez com que ela se soltasse, saindo de perto dele.
  Mas, por um lado, foi bom. Havia conhecido alguém diferente.
  .
  E ela ao menos havia o reconhecido, o que era melhor ainda. Não havia nem se dado conta de que já conversavam de forma tão fluida que não havia tempo de pensar que mal se conheciam.
  Aquilo havia o deixado mais intrigado ainda.

  Ele caminhava apressado pela extensão do parque, tentando não esbarrar com algumas pessoas, nem mesmo chamar tanta atenção assim.
  Olhava por todo canto, mas não via nem sombra de Jesse.
  — Ah, aquela garota… — resmungou, passando uma das mãos por debaixo dos óculos escuros. Queria tirar aquilo para enxergar melhor, mas sabia que não podia correr o risco.
  Engoliu em seco. iria matá-la. Ele tinha certeza daquilo.
  Se tivesse perdido mesmo Jesse, seria bom nem voltar para casa aquele dia. Sabia que tinha várias opções para que fosse trucidado pelo melhor amigo.
  Pensou em várias coisas para fazer.
  A primeira era pedir ajuda por ali, mas também não podia fazer aquilo.
  A segunda era anunciar em algum lugar, o que estava mesmo fora de cogitação.
  E a terceira, bom, era ligar para . O que, de fato, não aconteceria nem se quisesse.
  Parou onde estava. Colocou uma das mãos na cintura e se virou.
  Só ali ele a viu. Mas ela não estava sozinha.
  Droga. Será que deveria se aproximar? E se fosse reconhecido e tornasse aquilo, que era apenas um passeio, uma fuga dos fãs em meio ao Hyde Park?
  Pensando bem, aquilo seria muito menos pior do que o praguejando pelo resto da vista.
  Com isso, se aproximou vagarosamente, observando a garota que acariciava Jesse com toda a delicadeza do mundo e aparentemente, conversava como se o animal realmente estivesse entendendo o que ela falava.
  — É um pouco complicado estar perdido assim. Eu sei bem como é. Mas apesar de tudo, me sinto feliz pela primeira vez desde que cheguei aqui.
   parou, prestando atenção. Ela parecia dizer aquilo com toda a sinceridade do mundo e algo em seu tom de voz o fez ficar curioso.
  Ela não era dali e algo a preocupava. Pareciam ser muitas questões e ela parecia precisar mesmo de alguém para conversar.
  Ponderou um pouco. Será que deveria?
  Mordiscou os lábios e olhou ao redor. Bom, ele havia achado Jesse, o maior de seus problemas estava resolvido. O que custava conversar um pouco em agradecimento por tê-la encontrado?

   deixou os olhos caírem sobre , o observando pensativo, completamente fora de órbita e achou engraçado o mesmo estar divagando daquela forma. Parecia ter esquecido que o amigo estava ali com ele.
  — Aconteceu alguma coisa? — perguntou. piscou algumas vezes e voltou sua atenção aos dois sentados no chão. — Você desligou.
  — Não foi nada. Só… Foi bom ter saído de casa hoje. O parque estava agitado. — desconversou, bebericando um pouco mais da bebida. — E o que é isso aí? Foi àquela loja outra vez?
   assentiu, puxando a sacola plástica para mais perto.
  — Parece que é o único lugar que consigo comprar algo sem ter que dar um autógrafo. E a sra. Anderson me conhece há bastante tempo para manter meu anonimato. — deu de ombros. — Não é qualquer lugar que costumo encontrar um vinil desses, não acha?
  Retirou a capa do disco que havia comprado, mostrando orgulhoso ao amigo.
   fez uma careta.
  — Cara, já estamos na era do Spotify e você insiste em colocar aquela vitrola velha para funcionar. — rolou os olhos, mas achando graça na feição que havia feito.
  — E o que tem? Isso quer dizer que tenho um ótimo gosto musical. — continuou, aprofundando o assunto. — Já parou para ouvir meus discos?
  — E nem quero, obrigado.
  — Você tem um toca discos por aí?
   o encarou, piscando algumas vezes e balançou a cabeça em negação, voltando a deitar na almofada.
  — Você só pode estar brincando…

✈️🎡

  A noite já caía e o frio havia se intensificado, mas aquilo não era suficiente para desanimar as duas garotas que andavam animadas pelo centro de Londres.
   havia comprado um chocolate quente para as duas e agora caminhavam em direção à uma das ruas mais agitadas da cidade. Ela apontava para cada lugar que julgava ser interessante conhecer para que conseguisse ver melhor a medida que iam passando por ali, não só observando, como também tirando várias fotos.
  Por mais que já morasse em Londres por um bom tempo, saber que estaria conhecendo a cidade pela primeira vez a fez querer mostrar tudo o que poderia para ela, para que fosse memorável o bastante para assim, ter boas recordações.
  E vendo a empolgação de , deixou um sorriso tranquilo tomar conta de seus lábios. Ela sabia que nem todos os dias seriam tão bons como aquele, em que as preocupações não tomariam conta de sua mente e que ela conseguisse desfrutar da paz que invadia seu peito.
  Sabia certamente daquilo, mas decidiu, a partir do momento que saiu de casa, não deixar se abalar pelos momentos ruins.
  Que como , sua nova amiga, havia dito, não havia tempo ruim que durasse para sempre.
  E que como , um desconhecido, também havia lhe contado, existiriam coisas muito melhores ao passar por aquela fase tão turbulenta.
   decidiu que deixaria as coisas acontecerem.
  E o que tivesse que ser agora, seria.

05. Hope your heart is still healing…

  O silêncio inundou o local outra vez.
  Não era costume para ter seu corpo preenchido pela maciez do lugar onde estava deitada e de conseguir respirar o ar fresco do cômodo, mesmo que estivesse acordada há um bom tempo com seus olhos fechados.
  A verdade era que ela não queria abrir. A dúvida de estar sonhando ou de que aquela era mesmo a sua realidade lhe rodeava a cabeça. Depois de todos aqueles dias turbulentos e exaustivos, finalmente conseguiu descansar.
  Ela nem conseguia acreditar.
  Deixou que suas mãos tateassem pelo tecido do móvel o qual ainda estava deitada, sentindo a maciez na ponta de seus dedos. O local estava morno, indicando a pequena fresta do sol aquecendo o sofá.
  Aquilo fez com que sentisse um minucioso sorriso crescendo no canto de seus lábios. Não conseguia descrever tamanho alívio por, finalmente, se sentir mesmo que pouco, segura.
  Depois de todos aqueles dias, andando pela cidade, passando pelo pior, podia sentir que aos pouquinhos conseguia recomeçar, mesmo que aquilo não estivesse dependendo só dela. Mesmo que a maior parte de tudo fosse pela ajuda de ou até mesmo pelas palavras do desconhecido que havia encontrado pelo parque.
  Havia sido um conjunto. E ela agradecia muito por isso.
  Pressionou os olhos um pouco mais, agora, sentindo o sol de encontro à sua pele, aquecendo a mesma em uma sensação relaxante. Aquilo a fez se espreguiçar.
  Antes que pudesse pensar em qualquer outra coisa, o barulho de algo caindo a despertou, fazendo com que abrisse os olhos rapidamente, sentindo o coração palpitar.
  Deixou que o corpo ficasse ereto, ainda sentindo o mesmo pesado pelo sono que havia tido e que, muito provavelmente, também havia sido consistente, já que não se lembrava de ter acordado alguma vez naquela noite.
  Quando virou o rosto, pôde avistar a silhueta de descer por uma escada estreita, a qual vinha do sótão, segurando um rolo enorme, grosso e que estava amarrado com firmeza.
   franziu o cenho, achando um tanto engraçada a cena que via.
  Em poucos segundos, deixou a cabeça pender para o lado, conseguindo avistar, finalmente, sentada ao seu sofá.
  — Oh, bom dia! Eu te acordei, não foi? Ai, desculpa, não era minha intenção.
  — Não tem problema. Confesso que já estava acordada há um tempinho. — deu de ombros, deixando um sorriso tímido escapar. Deixou que sua curiosidade falasse mais alto ao parar seus olhos outra vez no que segurava. — O que é isso?
  — Isso? — levantou o embrulho e pressionou os lábios, animada, andando até o meio da sala. — Algo que vai te ajudar muito. Inclusive, você dormiu bem? Meu sofá não é nem um pouco confortável. Falo por experiência própria.
  Deixou uma risada fraca escoar por ali e fez com que a acompanhasse. A garota acompanhava cada movimento que fazia ao afastar alguns móveis, perto da janela.
  — Dormi melhor do que em muitas noites, pode ter certeza. — afirmou.
  — Então você vai se sentir nas nuvens agora! — bateu uma mão na outra, apontando para o que havia levado e, assim que tirou as cordinhas que seguravam o volume, o mesmo se abriu deixando que o colchão ficasse reto por completo. — Esse colchão estava guardado lá em cima, caso precisasse para alguma urgência. Ele é um pouco antigo, mas te garanto que é bem fofinho e vai fazer você—
  Não foi possível que conseguisse terminar a frase. Os braços de a enlaçaram, em um abraço confortável e repleto de agradecimentos. Ali, envolvendo sua mais nova amiga, quase chorou outra vez. Não conseguia medir com palavras como se sentia grata pela atitude de , de como não conseguia nem agradecer por tudo o que ela estava fazendo para lhe ajudar.
  Nunca havia imaginado que poderia encontrar alguém que a acudisse em um momento como aquele.
  Não em Londres.
  — Juro, não sei nem como te agradecer por toda ajuda, .
  — Ah, deixa disso. — riu fraco, se separando minimamente da amiga. continuou a olhando. — Mas, podemos terminar de ajeitar seu novo cantinho e começar com o café da manhã. O que acha?
   sorriu abertamente, assentindo sem pensar duas vezes.
  — Acho perfeito.
  Enquanto conversavam em meio a pequena arrumação da sala de , aproveitaram para se conhecer um pouco mais. Mesmo um pouco relutante, tentou contar algumas coisas de sua vida para ela, assim como também fazia consigo, mas com muito mais animação. achava graça em como ela conseguia ser extrovertida, carismática e agradável, o que pensava ser o seu completo oposto.
  Talvez aquilo fosse o suficiente para que elas pudessem ter se dado bem.
  Entre risadas e novas descobertas, seguiu em direção à cozinha para, finalmente, preparar o café das duas.
  Nesse momento, em que a amiga estava longe, se deixou levar mais uma vez por seus pensamentos insistentes, deixando que sua visão ficasse na janela do apartamento, a qual dava panorama para Shepherd Bush e, inclusive, para boa parte de Londres também. Conseguia observar com calma a leveza do vento nas árvores, fazendo com que as folhas alaranjadas caíssem e cobrisse as calçadas no lugar. O tempo naquele dia não estava tão azul como nos outros, mas mesmo daquele jeito, conseguia apreciar a beleza do outono que decorava a cidade.
  A exata beleza que sempre quis ver pessoalmente.
   pareceu notar o quão absorta em seus pensamentos e questões parecia estar. Parecia estar com tantas coisas em sua mente, preocupações e indagações que, por um momento, se sentiu triste por saber como ela havia passado por coisas tão ruins. Por se dar conta que ninguém ao menos teve a atitude de ajudá-la verdadeiramente.
  No fundo, sabia certamente que nenhuma pessoa merecia passar por algo como aquilo.
  Olhou para uma última vez, terminando de encher as canecas com o café fumegante que havia feito e caminhou até a sala, se sentando ao lado da outra no colchão. Esticou a mão, oferecendo o copo mediano e ela pegou.
  — Parece que Londres tem mesmo seu encanto, não é?
  — Nada se compara a estar aqui pessoalmente. Sabe? — virou o rosto para observar . Ela sorriu. — Quando comecei a planejar minha viagem, o que eu mais via eram imagens e vídeos de cada lugarzinho aqui. Cada ponto turístico, cada parque, cada rua diferente. As cabines telefônicas? Parecia um sonho longe demais para ser alcançado. — deu um pequeno gole do líquido, suspirando. — Só que, estar aqui, de verdade, é totalmente diferente. É como ver algo em HD.
  Deixou uma risadinha fraca escapar com sua comparação e riu junto dela, assentindo.
  — É exatamente assim, . Nasci em York, aquela cidadezinha antiga, onde tem as muralhas, enfim. Você deve saber — balançou a cabeça, deixando o corpo recostar no sofá. — Quando vim para Londres, tive a mesma sensação que você. Surreal demais, enorme demais. Parecia coisa de filme. E, vamos ser sinceras? Me surpreendo a cada dia que passa.
  — Ela fica ainda mais linda, não é?
  — E coloca linda nisso. — afirmou, rindo fraco junto dela. Beberam um pouco mais do café, até que as canecas se encontrassem vazias. — Sabe uma coisa que estranhei muito quando cheguei aqui?
  — O que?
  — As pessoas são muito frias. Insensíveis. Me acostumei com uma cidade média em que a população, comparada a Londres é mínima e, ainda assim, as pessoas são muito mais afetivas. — deu de ombros, pegando um pouco da torrada que tinha levado até e jogou-a na boca. — Quando cheguei aqui, foi a primeira coisa que estranhei e por um pouquinho quase voltei para lá.
  — Pode ter certeza que eu percebi isso. — deu ênfase, comendo junto à ela. — Acho que foi uma das coisas que quase me fez querer voltar também.
  Comentou, se lembrando minimamente dos acontecimentos desde que havia chegado à cidade.
   suspirou. Ela fez o mesmo.
  Deixaram que um assunto qualquer tomasse conta de conversa por mais algum tempo. havia se dado conta que, passar parte do tempo com , mesmo jogando conversa fora, a deixava menos preocupada e aliviada, mesmo depois de tudo.
  Antes que pudessem continuar, deu um pequeno pulo, como se tivesse lembrado de algo.
   a olhou.
  — Ai, caramba, o trabalho! — ligou depressa o display do celular, se dando conta que, provavelmente, chegaria atrasada ao local. Deixou a caneca em cima da mesinha de centro e ergueu o corpo. — Eu preciso ir para a lanchonete. Você vai, hm… Vai…
  — Eu vou ficar bem, . — complementou, com um sorrisinho de lado. sorriu da mesma forma e saiu às pressas procurando por sua bolsa antes de se despedir.
  — Até mais tarde!
  E assim, bateu a porta atrás de si, deixando sozinha no apartamento.

✈️🎡

  Por incrível que pareça, conseguia sentir o tédio tomando conta aos pouquinhos, mesmo que já tivesse feito bastante coisa para que aquilo não acontecesse.
  Depois que havia saído para trabalhar, resolveu não ficar parada. Observou atentamente cada canto do cômodo em que estava, pensando em algo que pudesse fazer para ajudar sua mais nova colega.
  E a primeira coisa que lhe passou à cabeça foi fazer uma faxina. Começou pela sala em que estava, ajeitando seu colchão e as demais coisas que estavam afastadas por ali. Deixou o sofá um pouco mais afastado, próximo da janela, fazendo com que assim que se sentassem, tivessem como observar a maravilhosa vista que tinham dali. E que para , se tornava um dos melhores lugares para se estar no apartamento.
  Da mesma forma que ajeitou a sala, fez o mesmo com o restante dos cômodos, fazendo o possível para deixar o mais limpo que pudesse. Afinal, aquilo era o mínimo que poderia fazer em agradecimento a tudo o que lhe fazia.
  Quando terminou, colocou uma das mãos na cintura e respirou fundo. Se sentia satisfeita com o resultado, mas aquilo ainda não preenchia o que sentia. Ela continuava a achar que poderia fazer mais.
  E já que dentro do apartamento não conseguia encontrar alguma outra coisa para fazer, decidiu por sair de casa um pouco, para aproveitar o ar fresco e entregar o restante dos currículos que ainda tinha em mãos. Aproveitaria para conhecer um pouco de Shepherd Bush e, de quebra, tentaria arrumar algum emprego.
  Ela sorriu. Com aquelas ideias em mente, começava a se animar um pouco mais.
  Rapidamente seguiu até sua mochila, tirando dali uma muda de roupa um pouco mais quente, já que além de estar nublado, o tempo deixava evidente que esfriaria um pouco mais do que o esperado. Foi em direção ao banheiro, tomando um banho não tão demorado e secou os cabelos com rapidez, ainda se sentindo entusiasmada para perambular pela cidade outra vez.
  Assim que terminou de ajeitar sua roupa, colocou a touca na cabeça e ajeitou os fios bagunçados ao lado do rosto. Deu uma última olhada no espelho e assim que pegou todas as coisas necessárias para sair, desceu as escadas em direção à rua.
  Quando colocou os pés na calçada, a primeira coisa que sentiu foi o vento frio de encontro a seu rosto, a fazendo arrepiar por inteira.
  Não imaginava que já havia chegado àquele ponto, em que precisaria se agasalhar corretamente, mesmo que já estivesse com um casaco pesado em cima do corpo.
  Resolveu por não pensar muito. Caminhou até a esquina e já pôde perceber a movimentação que o bairro de continha. Muitas pessoas passavam a seu lado, ocupadas, muito provavelmente indo em direção ao trabalho ou indo almoçar, pelo horário. Observou as lojas, não tão cheias, mas vívidas e coloridas chamando a atenção pela rua. Havia um Subway, bem na esquina do apartamento, algo que ela não se esqueceria tão fácil ao voltar para casa.
  Continuou caminhando. Se tinha uma coisa que gostava era de sempre observar cada lugar que passava, ainda mais se estivesse andando como naquele momento. Gostava de admirar cada minucioso detalhe e fazer aquilo em uma cidade completamente diferente da sua parecia mágico.
  Passou por uma cafeteria e até mesmo pelo mercado de Shepherd Bush, não perdendo a oportunidade de deixar alguns currículos por ali. A verdade era que ela não se importava de qual fosse o lugar, desde que conseguisse alguma vaga para se manter e ajudar , mesmo não sabendo por quanto tempo iria ficar com ela.
  Com isso, continuou passeando. A conversa das pessoas ao seu redor continuava a animá-la. Muitas pareciam não estar ali só pelo trabalho também. Pareciam turistas, pessoas que só queriam passear sem qualquer compromisso. gostava de ver como pareciam confortáveis em estar ali e era a mesma sensação que sentia no bairro em que estava.
  Era quase como estar em casa. E aquilo a confortava.
  Enquanto continuava andando até o centro de Londres, se deixou perder em pensamentos mais uma vez. Depois de todo aquele tempo ali, sentia seu coração leve. Não conseguia dizer exatamente há quantos dias já estava na cidade, mesmo parecendo meses para si, mas independente de tudo que havia lhe acontecido antes, agora as coisas pareciam estar se encaixando.
  Aquilo não poderia deixá-la mais feliz.
  Continuou com a sua missão de distribuir o restante dos currículos que tinha. Queria aproveitar a ocasião de estar passando por variadas lojas e lugares possíveis com vagas em aberto para tentar conseguir algo. Claro que sabia que não seria fácil. E sabia ainda mais o quão rigorosos acabavam sendo com contratações novas.
  Mais uma vez, resolveu não se preocupar. Já que, como havia chegado à conclusão no dia anterior, o que tivesse que ser ali, um emprego agora ou depois, continuar na cidade ou não, seria de alguma forma.
  Com esse pensamento, resolveu continuar, só que dessa vez um pouco diferente.
  Tinha um sorriso nos lábios e o fone de ouvido conectado ao celular, deixando uma música qualquer tocar.

In this world, it's just us
  You know it's not the same as it was…

  — Para onde vou agora?
  Aquele havia sido seu questionamento.
   franzia o cenho, tentando decidir para onde iria ao encarar o Maps em seu celular. Já havia passado por boa parte da cidade até conseguir chegar a uma parte de Londres e confessava que já conseguia sentir suas pernas um pouco cansadas. Claro que também se praguejava. Quem em sã consciência caminharia de Shepherd Bush a Kensington ao invés de pegar o metrô? Seria muito mais rápido do que ter que levar quase quarenta minutos andando naquele frio.
  Quase riu. Como conseguia ser boba às vezes. Mesmo fazendo algo tão sem noção como aquilo, não conseguia achar de todo ruim. estava onde queria estar e aquilo bastava.
  Notou que alguns ônibus passavam pela avenida, assim como os carros. Algumas pessoas também atravessavam apressadas, ao contrário de que não parecia ter um rumo certo daquela vez.
  Foi quando pensou em ligar para que seu celular vibrou e um número desconhecido acendeu o display.
  Não reconheceu de primeira quem poderia ser, portanto resolveu abrir a mensagem pela curiosidade que surgiu.

SMS
Ei,
É o , lembra?
Claro que lembra. Te dei um susto ontem hahah Sem querer, claro.
E aí, qual seu questionamento de hoje?

   franziu o cenho.
  Não levou a sério quando ele disse que mandaria mensagem no dia anterior, tanto que até havia se esquecido por um momento. Pôde se lembrar do rapaz brevemente, os cabelos escondidos pelo boné, os olhos claros e ingênuos, assim como o sorriso pequeno e singelo. Não havia como se esquecer de como o rapaz havia sido simpático com ela e até mesmo, um tanto compreensivo.
  Deixou um sorriso fraco crescer nos lábios e rapidamente o respondeu.

SMS
Oi! Parece que você apareceu na hora certa, outra vez…
Acabei de chegar em Kensington e confesso que não sei muito para onde ir agora.
Recomendações?

 SMS
O que eu mais tenho é lugar para te recomendar, senhorita.
Mas, antes, que tal começarmos por… Como você está?

   parou por um momento com a pergunta de . Achou interessante como ele havia se importado a ponto de perguntar como ela estava naquele dia. Ao menos se conheciam bem. Nem mesmo haviam tido uma conversa decente.
  Mas algo no rapaz fez com que ela se animasse um pouco mais. Pensar que poderia estar conquistando um novo amigo em Londres era mais do que estimulante para que sua vontade de permanecer ali crescesse um pouquinho mais.

SMS
Eu dormi como queria e precisava, acho que isso é suficiente para eu estar bem.
E você? Ainda servindo de babá para Jesse?

SMS
Fico feliz. Nada do que um bom sono para nos revigorar.
E não fale assim. Adoro aquela garota 😛
Olha só, acabei separando alguns lugares que tenho certeza que você vai gostar de visitar. Aí vai…

  A lista que havia enviado era enorme. Nem mesmo imaginava que poderiam existir tantos lugares que pudessem ser visitados na cidade. Restaurantes, museus, parques… Locais que tinha plena certeza que amaria. E não demorou muito para seguir em direção a um deles para começar a explorá-los, não antes de agradecer a seu novo conhecido.

✈️🎡

  Já era quase noite quando a garota abraçou o próprio corpo, já na avenida de volta para casa. se sentia um pouco cansada, mas era o exato cansaço que havia valido à pena. Conseguiu entregar todos os currículos que havia levado e ouviu palavras de encorajamento para que não desistisse, o que a deixou ainda mais incentivada.
  Sabia que não seria fácil arrumar alguma coisa, mesmo que temporariamente, mas ver o quanto as pessoas transpareciam estar torcendo por ela era mais do que esperançoso.
  O que a fez pensar que, até aquele momento, seu dia não poderia estar sendo melhor.
   andou por quase todos os lugares que havia lhe indicado, fazendo o possível para deixar marcado o quanto havia gostado, tirando algumas fotos. Não deixou de mandar uma ao rapaz, agradecendo mais uma vez por sua pequena aventura e, sem pensar duas vezes, encaminhou uma selfie para o contato de sua mãe, dizendo que ela não precisava se preocupar e que a amava muito.
  Depois de toda a conversa que haviam tido desde que chegou ali, Lenna finalmente não tinha motivos para se preocupar.
  E para ser sincera, quase chorou ao terminar de digitar as palavras. Quase chorou pela saudade que sentia de sua família e por ter que omitir tudo o que havia lhe acontecido desde que havia chegado à Londres. Quase chorou por ter passado pelo que passou.
  Não queria, do fundo de seu coração, ter vivenciado todas aquelas coisas que lhe aborreciam e importunavam sua mente vez ou outra.
  Respirou fundo. Deixou que os pensamentos inconvenientes fossem para longe e focou sua atenção ao seu redor. Não tinha notado que já se aproximava da rua do apartamento e que, ao anoitecer, algumas luzes amareladas eram acesas, dando um toque mais do que especial ao bairro.
  Não parecia real.
   sorriu. Uma música fraca tocava por ali, provavelmente vindo de alguma lojinha e as pessoas à sua volta pareciam mais agasalhadas que mais cedo, já que o frio estava ficando cada vez mais forte por conta do horário. Na verdade, aquilo era uma das poucas coisas que a incomodava. 
  Naquele momento, o vento gélido parecia ser ideal enquanto ia para casa.
  Assim que virou a esquina, observou o apartamento de e alguns minutos depois já o adentrava, sentindo o corpo inteiro esquentar minimamente em uma sensação confortável.
  Fechou a porta atrás de si e ligou o aquecedor, deixando seu corpo relaxar um pouco no sofá da sala. Deixou que seus olhos analisassem cada detalhe do apartamento e sorriu consigo mesma ao se sentir extremamente confortável ali, quieta, sem ao menos fazer alguma coisa.
  Olhou para o colchão, agora seu, para sua mochila no canto ao lado das plantinhas que gostava de cuidar. O lugar realmente lhe transmitia a sensação de estar segura, em casa.
  E ela agradecia por aquilo.
  Resolveu por tirar o casaco pesado do corpo, a touca e os demais complementos. Já começava a sentir um pouco de calor e com isso, se levantou, indo até a janela da sala. A mesma mostrava como a cidade conseguia ser bonita na parte da noite, com todas aquelas luzes e movimento. Não tinha visto como Londres conseguia ser bonita naquele horário, não com calma e pouca preocupação.
   sabia que poderia ficar horas admirando a paisagem. Poderia ficar ali a noite inteira só apreciando e percebendo que aquela era a sua mais nova realidade.
  Sabia que aos poucos conseguiria colocar sua vida de volta aos eixos.
  Só desviou o olhar do horizonte quando ouviu o molho de chaves abrir a porta do apartamento e uma agitada o adentrou, se abraçando exageradamente.
  — Meu Deus, que frio! — exclamou, retirando aos poucos as peças de roupas. Olhou para e sorriu. — Você faz ideia de como está congelando lá fora?
  — Faço sim. Quase chegamos juntas.
  — É mesmo? Foi explorar um pouco mais da beleza londrina? — perguntou assim que se aproximou. deixou o corpo descansar no sofá assim como havia feito, há momentos atrás.
  — Quase isso. Fui conhecer alguns lugares que ainda não tinha ido e aproveitei para deixar alguns currículos pelo caminho.
  — Sério? — ergueu o corpo, abrindo um sorriso que animaria qualquer um. assentiu, contente como ela. — Já teve algum retorno? Como foi?
  — Ah, nada demais. A maioria me recepcionou muito bem, desejaram sorte. Essas coisas. Disseram para que eu ficasse atenta ao celular.
  Ergueu o aparelho que continha o display ligado. A amiga bateu palminhas, em emoção.
  — Tenho certeza que vai conseguir algo. Quem é que não te contrataria?
  Disse, como se fosse óbvio. deixou uma risada escapar.
  — Não sei. Muita gente, talvez.
  — Ah, pare. Pense positivo! — ergueu as mãos fechadas, a incentivando. sorriu para a amiga e respirou fundo, só então notando algo. — Espera. Você limpou o apartamento?
  Virou o corpo rapidamente, olhando ao redor.
  — Não foi nada. Resolvi ajeitar algumas coisinhas. Você não gostou? Desculpa, eu—
  — Claro que eu gostei, ! Mas não precisava ter feito isso, menina. Deve ter dado o maior trabalho. — colocou uma das mãos na boca, sem acreditar que realmente havia feito aquilo e deixou uma risadinha escapar. Não pensou muito para jogar os braços em direção a menina em um abraço carinhoso. — Obrigada! Eu não esperava.
   não teve reação. Não conseguiu retribuir de imediato seu abraço e parecia não ter notado sua surpresa. A verdade era que ela não estava acostumada com aquele tipo de afeto. Não que fosse ruim, longe disso. Desde o início, havia percebido que era bastante expressiva e comunicativa.
  Só que, para ela, era diferente.
  E com aquela atitude, começou a perceber que aquela amizade realmente podia valer à pena.
  — Quer saber? Eu acho que devemos sair.
  — Acabamos de chegar. — franziu o cenho. A amiga deixou um sorriso de lado transparecer, como se estivesse pensando em algo. — Ok! Qual o seu plano?
   levantou, retirando o restante das roupas que lhe aqueciam ficando apenas com a calça jeans e a blusinha clara de alça fina.
  — Ainda é cedo. Algumas partes da cidade costumam fechar mais tarde. E eu tenho um lugar incrível para te levar. — apontou para ela. riu.
  — Por que eu tenho a leve impressão que isso envolve bebida?
  — Parece que você está me conhecendo muito bem, senhora . — colocou uma das mãos na cintura e a outra estendeu para a que estava sentada. se levantou com a ajuda de . — Eu vou separar algumas roupas e aí você pode escolher a que ficar melhor, ok? E você pode ficar à vontade, mesmo, . Vi que você nem desfez a mochila ainda!
  Disse enquanto ia em direção ao seu quarto. olhou em direção à sua mochila e a observou ainda cheia. Pensou por alguns instantes antes de tomar alguma atitude.
  Estar ali, na casa de alguém que havia acabado de conhecer, lhe deixava receosa. Mas, ao mesmo tempo, se sentia tão confortável que ao menos conseguia se deixar levar pelo sentimento de frustração que, bem no fundo, ela sabia que ainda estava ali.
  Com um sorrisinho de canto, decidiu o que faria. E começaria por tirar as roupas de dentro de seu mochilão.

✈️🎡

  Não demorou muito para que estivesse abraçando o próprio corpo outra vez.
  Quando colocou seus olhos no céu e o viu nublado, ainda que algumas estrelas perdidas insistissem em aparecer espalhadas por ele, sabia certamente que a tendência era sentir ainda mais frio que antes.
  Olhou para o lado, avistando a amiga que havia acabado de descer do táxi. tinha uma touca cobrindo os cabelos, assim como ela e o cachecol enlaçava seu pescoço, aparentando deixá-la bem aconchegada. não estava tão diferente assim. A calça jeans escura lhe esquentava, assim como a blusa de manga comprida e o mesmo casaco pesado de antes.
  Se sentia bem.
  — Acho que você não veio aqui desde que chegou, não é?
  — Confesso que não me lembro de ter vindo. — disse, começando a andar ao lado de . — Isso é lindo.
  — Então, seja bem-vinda à Waterloo.
  Deixou os olhos admirarem o quão aquele lugar, muito provavelmente, havia ganhado seu coração. Desde que chegou à cidade, pôde vislumbrar variados lugares incríveis, mas aquele jardim em questão, parecia coisa de outro mundo.
  Luzes amareladas estavam espalhadas por toda sua extensão. Havia um prédio pequeno de dois andares, há poucos metros das duas e notou que se tratava de alguma lanchonete. As pessoas que ali estavam pareciam adorar o clima aconchegante que o gramado extenso proporcionava, mesmo estando mais frio do que deveria.
  Conseguiu notar vários grupos de amigos e alguns casais sentados à grama, jogando conversa fora sem muita pretensão de querer sair do lugar.
  Aquilo a fez sorrir. O espaço lhe deixava animada.
  — Esse é um dos lugares queridinhos daqui. Não é só um parque enorme com um restaurante, volta e meia acontece de rolar alguns eventos e shows pequenos. É sensacional.
  — Sério? Dá para notar o porquê de gostarem tanto. — disse, ainda admirada.
  — Você ainda não viu nada, . — a puxou, sorrindo. — Vem. Vou te mostrar onde a mágica acontece.
  Puxou em direção à uma estreita escadaria amarela, onde várias pessoas subiam junto delas. Enquanto subiam, aproveitava para contar um pouco mais da cidade para sua amiga.
  — Esse lugar é completamente cultural. Tem arte por todo o lugar. — apontou para as paredes pintadas, ainda que de forma minimalista.
  — Eu cheguei a ler sobre isso uma vez. Dá para ter qualquer tipo de apresentação aqui, não é? Música clássica, jazz…
  — Pop, rock, o que o pessoal quiser! Quando eu digo que é realmente incrível, eu falo sério, . Temos que vir aqui quando tiver algum show. — bateu palminhas animadas e a olhou sorridente, sendo contagiada por sua euforia.
  Quando chegaram ao terraço, a garota podia jurar que seu queixo cairia a qualquer instante. A cidade estava inteiramente iluminada e, não tão longe das duas, estava ele. Brilhante e colorido.
  O London Eye.
   ao menos percebeu na movimentação que ali continha e não se deu conta quando parou, a observando. Pôde sentir seus olhos marejarem, em um misto de emoção e alívio. Ela mal conseguia acreditar que havia conseguido. Que realmente estava ali.
  — Se você chorar, eu vou chorar. Sou super emotiva, não faz isso comigo! — comentou, colocando uma das mãos no peito. riu fraco com a reação da menina e balançou a cabeça, limpando o canto de seus olhos.
  — É só que… Parece mentira que estou aqui, sabe? Que consegui realizar um sonho de verdade.
  — Você está aqui, . Olhe em volta. — olhou para o lado, para as pessoas, o lugar. fez o mesmo. — Isso é mais do que real. — afirmou, ficando a seu lado. Minimamente entrelaçou seu braço ao dela, pronta para continuar. — Vamos comer?
  — Por favor!
  E assim caminharam, ainda conversando, entre as pessoas, até acharem alguma mesa vaga para se sentaram. O que não demorou muito. O fluxo no lugar até que era mais rápido do que havia pensado.
  Quando chegaram ao restaurante, resolveram se sentar ao ar livre, perto da sacada de vidro que dava visão para o restante de Londres.
  Fizeram seus pedidos e voltaram a conversar animadamente.
  Enquanto as duas bebiam, sem muita pressa em sair dali, aproveitava para tirar algumas fotos, não só da vista como de si mesma e da amiga. fazia algumas poses em que ela pedia e as duas riam ao final de cada resultado.
  Quem quer que visse uma cena daquelas, diria que as duas eram amigas de épocas.
  Naquele pequeno momento de silêncio, no tempo em que as duas mexiam em suas redes sociais, sentiu o celular vibrar em uma notificação.
  Ao abrir o aplicativo de mensagens, sorriu ao perceber quem era.

SMS
Ou você está cansada de todo o roteiro londrino ou ainda está o aproveitando.
Espero que tenha gostado ;)

SMS
Digamos que os dois.
Estou cansada, mas inteiramente feliz.
Obrigada,

  — Já arrumou um namoradinho e não me falou nada?!
   disse, a pegando de surpresa e deu um pulinho na cadeira, desligando o display com rapidez. Ouviu a risada da amiga e ela abanou as mãos, dando a entender que não era para ligar para aquilo.
  — Não é um namoradinho. Foi alguém que me ajudou, assim como você. — apontou para que sorriu. — É só um conhecido, nada demais.
  Ela aproximou o corpo um pouco mais da mesa.
  — Ele é gatinho?
  —
  — Tudo bem, tudo bem! Mas, fico feliz que tenha conhecido mais alguém por aqui. — juntou as mãos, dizendo verdadeiramente. — É muito bom fazer novas amizades.
  — Tem sido muito complicado, para ser sincera. Isso de conhecer novas pessoas, de conseguir me abrir. Pra você foi assim também? Quando veio pra cá pela primeira vez.
   parou para pensar alguns instantes e respirou fundo. Analisou o questionamento da amiga e pressionou os lábios.
  — Para começar, é totalmente compreensível que você tenha dificuldade com isso, . Depois de tudo o que você passou desde que chegou, acreditar em alguém de verdade parece estar muito além. E eu até entendo se você não tiver essa confiança comigo. — iniciou, cruzando as mãos acima da mesa. permaneceu a ouvindo, mas por um momento se sentiu mal ao escutar dizer aquilo. Não queria ter passado a impressão de que não confiava nela. — Acho que até sei o que está passando na sua cabeça agora e está tudo bem. Juro. Não vejo nenhum problema com isso. Só é complicado mesmo. Quando eu cheguei aqui sozinha, igual a você, achei que não iria conseguir. Quase voltei para casa.
  — E sua família? Como foi para eles? — perguntou, um pouco mais aliviada.
  Ela sorriu de canto, olhando para logo depois.
  — Eu perdi meus pais quando pequena. Cresci com minha avó, mas não temos tanto contato como antes. Depois que eu vim para Londres, as coisas se dispersaram um pouco. Ela me ajuda sempre que pode e sou muito grata por isso. — disse com sinceridade. podia notar que os olhos da menina começavam a marejar. — E seus pais? Tenho certeza que devem ser o seu maior incentivo.
  — Na verdade, somos só eu, minha mãe e minha irmã. E elas são mesmo meu maior incentivo. Confesso que se não fosse pelas duas, não estaria aqui.
  — Isso é lindo de se ouvir, . — inclinou a cabeça, observando a amiga. Olhou rapidamente para o garçom que se aproximou com seus pedidos e agradeceu. — Você sente falta de casa?
  — O tempo todo. — respondeu com nostalgia. — Sinto falta de Ann Arbor. Do cheirinho de tempero do restaurante da minha mãe. Da música alta da minha irmã. Sinto falta de muita coisa.
  — Eu te entendo. Também sinto falta de onde eu morava.
  — Você não pensa em voltar? — indagou. bebeu um pouco mais da cerveja que havia pedido e pensou.
  — Não me vejo em outro lugar. Minha vida agora é aqui.
  — Gosta tanto de Londres assim?
   riu fraco. Ela deu de ombros.
  — Home is where the heart is…
  Deu uma piscadinha, rindo junto da outra. Continuaram a conversar coisas triviais de sua vida e daquela forma acabavam se conhecendo um pouco mais. descobriu que havia feito fotografia, mas que não havia conseguido crescer na carreira em sua cidade, então resolveu por juntar o sonho de conhecer Londres como tanto queria e tentar algo novo. Já entendeu o porquê havia escolhido tentar a vida em outro lugar e que não havia tido oportunidade de ingressar em uma faculdade ainda.
  Cada uma tinha suas questões pessoais, mas que, conhecendo uma à outra, acabavam vendo um lado diferente da vida.
  — Mas eu tenho certeza que você vai conseguir algo logo. Inclusive, sabe a lanchonete que nos conhecemos? Eu não trabalho só lá. Faço alguns bicos por aí, com buffet, em shows, coisas desse tipo. — colocou uma batata frita na boca e deu de ombros. Um sorriso mínimo cresceu em seus lábios. — Posso te indicar quando tiver qualquer evento e podemos até trabalhar juntas.
  — Mesmo?!
   perguntou, animada.
  — Claro que sim. Iria ser divertido. — riu, imaginando como seria caótico as duas trabalhando juntas. — Mas olha, voltando ao assunto sério e nostálgico, posso te contar uma coisa? Mesmo depois de tudo, das noites aborrecidas, a saudade apertando o peito e aprendendo a lidar com tudo sozinha, encontrei alguma forma de me sentir agradecida por tudo isso. Aprendi a lidar com a vontade de desistir de tudo. E acho que você vai conseguir também.
   suspirou, encostando seu corpo na cadeira enquanto observava sorrir abertamente para ela, de um jeito acolhedor. Pensou em como a vida conseguia ser injusta com muitas pessoas e voltou a se lembrar de tudo o que havia passado até estar ali, bem e confortável agora.
  Depois do que havia lhe dito, se deu conta de que aprenderia uma lição e tanto com ela.
  Em pouco tempo, as duas já andavam longe do restaurante. Ainda de braços dados, conversavam um pouco mais tranquilas sobre os planos futuros.
  E a única coisa que se passava pela mente de era de como se sentia agradecida por todas as coisas boas que havia lhe acontecido até agora.

✈️🎡

  Do outro lado do rio Tâmisa, as risadas ecoavam alto pelo Radio Rooftop.
  A comemoração deixava claro em como o grupo de amigos estavam felizes pelo que acontecia. Não era surpresa, para nenhum deles, o motivo da celebração já que sabiam que uma hora ou outra aquilo aconteceria.
   observava o casal. James sorria de forma genuína enquanto tinha seus olhos focados em Kirstie, sua agora então noiva e amiga de . Ela mostrava o anel solitário com uma felicidade imensa para os demais que ali estavam.
  Aquilo o fez sorrir. Sabia que a felicidade de seus amigos era um de seus maiores objetivos. Observar que cada um conseguia alcançar seu sucesso, independente da forma, era suficiente para que ele se sentisse incrivelmente bem.
  Mas algo dentro de si o incomodava e não sabia explicar o porquê.
  Talvez fosse a rotina corrida com a gravação do álbum de sua banda, mas não queria que a justificativa fosse exatamente essa. Talvez fosse a saudade de casa ou as noites sozinho em seu apartamento.
  Não sabia dizer. Todas elas pareciam tristes demais.
  Resolveu beber um pouco mais. Talvez o álcool lhe desse alguma resposta surpreendente.
  Riu com seus pensamentos. Como poderia pensar em algo como aquilo?
  Assim que esvaziou a taça que continha o champagne, a depositou na mesa de vidro e se levantou, pronto para aproveitar junto de seus amigos.
  — Eu achei que você não sairia dali tão cedo. — ouviu dizer, um pouco mais alegre. olhou para o copo nas mãos do rapaz e franziu o cenho.
  — E eu achei que você não se embriagaria hoje.
  — Você está mesmo falando de mim, mate? — rebateu. Os dois riram em seguida. — Vamos lá. O que tanto te atormenta?
  — O que te faz pensar isso?
   o encarou, respirando fundo.
   não precisou dizer muito. Deu de ombros e desviou seu olhar para os amigos que se divertiam ao redor.
  — Quer que eu seja sincero? — perguntou, retórico. não precisou respondeu. — Em todas as vezes que você pensou demais, escreveu uma música. Quando não era uma composição, algo te afligia e você ficava inerte em sua própria bolha. E, ? Acabamos de lançar um álbum.
  — Isso não faz sentido.
  Rolou os olhos e bebeu um pouco mais.
  — Claro que faz. Você só não quer concordar.
  O amigo deu uma piscadela. sentiu o coração bater um pouco mais rápido com aquela indagação. Sabia que haviam coisas lhe tirando a paz, mas não fazia ideia de que estava tão transparente daquele jeito.
  Quando pensou em responder Evans, Kirstie se aproximou com um sorriso engrandecido nos lábios. Ela estava radiante naquela noite.
  — O que vocês dois estão fofocando?
  — nã—
  — Sobre o álbum novo. — o cortou, olhando de lado. O amigo pareceu ter captado e segurou uma risadinha. — Conversando sobre algumas faixas e sendo gratos pelo sucesso. O de sempre.
  Ela riu, assentindo e sem pensar muito de acomodou no meio dos dois amigos.
   a olhou e sorriu, tentando acompanhar sua animação.
  — Evans, você se importa se eu bater um papo com meu amigo?
  — Ele é todo seu! — respondeu, levantando as mãos. Bebeu um pouco da cerveja e se aproximou de Kirstie, sussurrando. — Boa sorte.
  A amiga deu um tapa de leve em seu braço e observou se afastar, se misturando com James, Connor e o restante que ali estava.
  Respirou fundo e olhou para o lado. parecia perdido em seus próprios pensamentos ao ter os braços apoiados à sacada e os olhos na cidade iluminada.
  Ela o cutucou.
  — Você quer conversar?
  Ele balançou a cabeça, ainda quieto. Parecia tentar formular alguma frase em mente para começar. Kirstie era sua amiga. Sabia que podia se abrir com ela.
  — Às vezes sinto que estou parado no mesmo lugar. Não sei se isso tem a menor coerência, mas tenho a impressão de que deveria estar sendo mais. Fazendo mais. Você consegue entender?
  Deixou os olhos caírem sobre ela, como se necessitasse de uma resposta. Kirstie o encarou por mais tempo que deveria e pressionou os lábios.
  — Acho que isso não tem a ver com estar sendo ou fazendo mais, . Seu olhar me diz outra coisa. Algo que você não quer aceitar. — mencionou, um pouco mais baixo. Ele engoliu em seco. — Talvez você já saiba o que é. Ou talvez ainda não. Você quer minha honestidade?
  — Por favor. — murmurou.
  — Você deveria estar feliz. O que quer que isso signifique. Você tem tudo. Acabou de lançar um álbum com seus melhores amigos. É reconhecido pelo mundo inteiro e a banda alcança um sucesso grandioso. Sua família te apoia, você tem tudo o que precisa a seu favor. — soltou, sorrindo ao final. — Mas algo parece diferente em você, . E dessa vez eu não sei dizer o que é.
   olhou para baixo, pressionando um sorriso cansado que surgia ao ouvir o que a amiga havia lhe dito.
  — Eu também não sei dizer o que é, Kirstie. — desencostou da mureta, respirando fundo. Deu uma última golada na bebida e balançou a cabeça. — Mas eu preciso descobrir.
  Ela continuou o olhando e assentiu. Sabia certamente que tinha suas questões e quando colocava algo em mente, fazia de tudo para que pudesse solucioná-las.
  Se aproximou do mesmo, o abraçando levemente e os dois suspiraram. Ao se afastar, sorriu, colocando uma das mãos no rosto do amigo.
  — Você vai conseguir. Eu acredito.
  Ele sorriu como ela.
  — Obrigado por isso. Você é a melhor. — disse, verdadeiramente agradecido. Olhou para o lado e observou James se aproximar, junto dos amigos. — Por isso você e James combinam tanto.
  — Ah, nem adianta dizer isso. Sou mais compreensiva que ele.
  — Você tem um ponto.
  Respondeu. Ainda em meio a comemoração, se deixou levar pela animação dos amigos, bebendo um pouco mais e tirando algumas fotos não só com eles, mas com o restante dos convidados que ali estavam. Naquele momento, decidiu por não deixar que suas indagações o afetassem.
  Naquela noite, seria alguém normal, feliz pelo crescimento da banda e ainda mais pelo seu sucesso que havia alcançado.

✈️🎡

  Elas continuavam a rir.
   conseguia ser extremamente divertida e fazia com que esquecesse de boa parte de seus problemas. Desde que haviam saído de Waterloo, o caminho de volta para casa parecia mais divertido que o normal. Decidiram por não pegar qualquer transporte, já que tinham saído mais cedo do que o planejado e com isso, poderiam visitar, mesmo que andando, alguns bairros de Londres até chegar à casa.
  Já haviam passado por Westminster, Victoria e Belgravia, deixando registrado através de fotos e vídeos algumas partes daquela noite. E foi na avenida indo para Chelsea que resolveram andar sem qualquer pressa, observando e conversando vez ou outra.
   tinha seus olhos focados nas lojas comerciais, na iluminação e no movimento de cada uma. As pessoas caminhavam despretensiosas, assim como elas. parecia mais interessada em relatar tudo que haviam feito em seus stories enquanto a outra só conseguia admirar ainda mais a beleza daquela cidade.
  Ao lado esquerdo, ela podia vislumbrar os restaurantes não tão cheios pelo horário, luminosos pelas lâmpadas amareladas. Um pouco mais à frente, havia uma pequena praça ao lado direito, seguida por mais lojas na mesma direção.
  Era uma avenida linda, não podia negar.
  Ao dobrarem a esquina, pela Cranley Gardens, suspirou.
  — Essas casas são lindas, não é?
  — Se são lindas? Parece cenário de filme. — deixou uma risada fraca escapar. concordou. — Quem precisa tirar algumas fotos agora sou eu.
  Aquilo fez a amiga rir. Gostava da curiosidade de e de como ela parecia querer gravar, não só com o celular, mas com a mente, cada pequeno lugar daquele lugar. Observou a mesma apontar a câmera para vários pontos específicos, tentando capturar o que pudesse.
   olhou ao redor, antes de voltar a ficar do lado de .
  — Aqui até que é bem movimentado. — observou vários veículos passando por elas enquanto o semáforo mudava de cor. — Costuma ser sempre assim?
  — Essa é uma das principais de Chelsea. Tem bastante comércio nessa direção também. 
   apontou para um pouco mais à frente, onde havia um mini mercado, farmácia, hotéis, e afins. Havia bastante gente naquela região.
  Caminharam um pouco mais, onde a rua se alargava. pôde perceber que o trânsito havia se intensificado, talvez até pelo horário. Pensou que por ser quase fim de semana, muitas pessoas tinham costume de sair para aproveitar um pouco.
  Observou pegar o celular e olhar as horas no display aceso. Fez uma careta parecendo se lembrar de algo.
  — O que foi?
  — Esqueci de comprar algo. Preciso ir à farmácia. — disse, procurando alguma coisa em sua bolsa. — Eu vou rapidinho, é logo ali na outra esquina. Você espera aqui? Vamos ter que pegar esse caminho mesmo.
  — Claro. Vai lá.
   a observou atravessar a avenida e abraçou o próprio corpo, voltando a sentir o frio de antes. Notou que algumas pessoas passavam ao seu lado, agitadas, rindo alto, sem qualquer outra preocupação. Diferente dos carros e ônibus que passavam por ali mais rápido.
  Ela respirou fundo. Sentiu o ar gélido adentrar suas narinas e a sensação de paz tomou conta de si.
  Se deu conta de que Londres e Ann Arbor conseguiam ser incrivelmente diferentes até naquilo e mesmo que sentisse paz em estar ali, agora sem qualquer preocupação, ainda sentia o receio de estar sozinha.
  Foi aí que se deu conta.
  Quando pegou o celular em seu bolso e verificou à hora, notou que estava demorando. Não sabia o que ela precisava, mas não imaginou que pudesse demorar daquele jeito.
  Começou a sentir o coração palpitar. Naquele instante, tudo parecia estranho ao seu redor. Os veículos, a rua, as poucas pessoas que passavam ali. Naquele segundo, o medo começou a falar mais alto, dando lugar aos pensamentos pavorosos voltando à sua mente.
  Ela sentiu a garganta arder. Queria procurar , mas não queria parecer tão apavorada em fazer aquilo.
  Pensou mais uma vez. A verdade era que ela ao menos sabia o que fazer.
  Fechou os olhos brevemente. não podia ficar ali.
  Sem pensar em qualquer outra coisa que lhe fizesse ficar ali por mais tempo, a garota resolveu atravessar a avenida. Não se deu conta quando não olhou o sinal, muito menos a movimentação de carros que passava e virava à próxima esquina. Ela ao menos conseguia pensar direito.
  Foi só quando ela quase alcançou a calçada do outro lado sem ver qualquer outra coisa à sua frente que ouviu a buzina alta junto dos faróis reluzentes em sua direção. Aquilo a fez voltar à sua realidade, se dando conta do que acontecia.
  Com o susto do barulho junto da freada do carro, se atrapalhou ao tentar se equilibrar e caiu de leve para o lado, apoiando uma das mãos ao chão.
  Seu coração estava disparado.
   não conseguiu focar sua atenção em muita coisa. Ao menos percebeu quando a porta do carro bateu e alguém vinha ajudá-la rapidamente.
  — Eu sinto muito, não foi minha intenção. — começou a dizer. engoliu em seco e ergueu o olhar. 
  Observou o rapaz. Ele não lhe era estranho. Notou o olhar de preocupação sobre ela, os cabelos castanhos não tão alinhados cobrindo parte de sua testa. Seu nariz arredondado e os lábios um pouco mais finos.
  Ele não lhe era mesmo estranho.
   pigarreou, desviando seu olhar do dele.
  — A culpa foi minha. Eu que atravessei sem olhar. Me desculpa.
  — Você está bem? — ele a analisava por completo enquanto tentava se levantar. O rapaz a segurava pelo braço com certa delicadeza. — Quer que eu te leve ao médico?
  — Estou sim. De verdade. Não precisa se preocupar.
  — Tudo bem, você—
  ?!
  A voz de soou mais alto que o normal. Quando viu a amiga ao chão, levantando aos poucos, quase se desesperou. O carro parado, ainda que ligado, já deixava evidente o que havia acontecido.
  — Desculpe. Eu tenho que ir. Espero que fique bem, mesmo.
  Ele olhou para uma última vez, com aqueles olhos castanhos brilhantes. Algo em seu olhar dava a entender que ele queria lhe dizer mais alguma coisa. E realmente queria descobrir de onde o conhecia.
  Não levou segundos para que ele entrasse no carro, antes de se aproximar e se distanciasse aos poucos.
   ainda estava perdida no que havia acabado de acontecer.
   se aproximou, a ajudando a se erguer, mesmo um pouco atrapalhada com as sacolas nos braços.
  — Meu Deus, ! O que aconteceu? Você está bem? Mesmo? — soltou em disparada, fazendo com que a amiga a encarasse.
   sorriu minimamente com sua preocupação.
  — Calma, não foi nada demais. Fui atravessar a avenida e não vi o carro se aproximando.
  — Ai, esses motoristas irresponsáveis! Que cara maluco! — resmungou, se irritando com o acontecido. — É melhor você ir para longe mesmo antes que eu ligue para a polícia, seu sem noção! — gritou para a direção em que o carro havia ido. levou uma das mãos à boca, achando graça de sua reação. — Sua sorte é que não cheguei a tempo para te dar uns tapas!
   respirou fundo, ajeitando sua roupa e as sacolas que segurava devidamente. Quando olhou para , as duas desataram a rir com o acontecido.
  Balançaram a cabeça, não acreditando e, sem ao menos notarem, entrelaçaram seus braços, prontas para ir para casa de uma vez.

✈️🎡

  Pouco tempo depois, já em Fulham, adentrou seu apartamento, sendo recebido por Jesse com toda a animação que ela podia ter. Mesmo um pouco senil, ela tinha uma energia indescritível.
  Mas aquilo não havia sido suficiente para que ele acalmasse seu coração. Sua cabeça parecia explodir e suas mãos suavam como em toda vez que o rapaz ficava nervoso. E não era para menos.
  Ele caminhou em direção ao sofá, deixando o corpo desabar ali e levou suas mãos de encontro ao rosto, o afagando.
  Como é que ele havia deixado aquilo acontecer?
  Podia sentir o pouco do álcool que tinha bebido transpirando por seus poros e o sentimento de culpa e arrependimento tomando conta de si aos poucos. Ele podia ter sido mais cauteloso. Podia ter esperado um pouco mais para ir embora ou até mesmo aceitado a carona de . Ou de Connor.
  Encarou o teto da sala. Será que ela havia o reconhecido? Será que sabia quem ele era?
  O quão aquilo poderia lhe dar algum problema?
  Se lembrou do semblante da garota que o observava. Ela parecia querer decifrá-lo ou dava a entender que estava tentando reconhecê-lo. Ela o observava tão atentamente que , por um momento, quase esqueceu que poderia estar correndo risco em ser reconhecido.
  Aquele olhar parecia querer dizer algo.
  Resolveu não pensar muito para pegar seu celular. E antes do terceiro toque, a voz de , mais alterada que o normal, o recepcionou.
   fechou os olhos com força antes de responder.
  — Você não sabe o que eu fiz.

06. hope you don't take too long

  — Você o que?!
  Aquela era a voz de inundando parte do apartamento de .
   franziu o cenho, ainda com os braços cruzados firmemente, encarando o amigo.
  Depois de ter contado todo o acontecimento mais cedo, o fato de ter literalmente atropelado alguém que mal conhecia em um recinto aberto, rodeado de pessoas que provavelmente o reconheceram, não imaginava que logo surtaria daquela maneira.
  — Acho que era para eu estar surtando assim. Não você.
  — Esse não é o foco, . Você tem ideia de como isso pode te acarretar algum problema?
   respirou fundo.
  Ele fazia, até demais.
  Continuou observando Evans andar de um lado para o outro, como se aquele fato estivesse consumindo boa parte de seus neurônios. No fundo, compreendia a reação de seu amigo. Aquilo era motivo suficiente para todos, não só ele, levarem uma bronca daquelas de seu manager, Joe O'Neill e, pior do que aquilo, sabia que podia ser notícia em boa parte das manchetes da cidade.
  — Ela te reconheceu? O que foi exatamente que aconteceu? Você acha que ela pode sair falando por aí que foi atropelada pelo vocalista do ?
   respirou fundo e fechou os olhos. Não acreditava que estava surtando justo naquela hora.
  — Para ser sincero, eu acho que estamos procurando problemas onde não tem, cara. — disse, dando de ombros. Mesmo que estivesse nervoso e preocupado com o que havia acontecido, não queria deixar que aquilo tomasse parte de seus pensamentos. — Acho que não foi nada demais. Ela ao menos deve nos conhecer. Se soubesse quem sou, teria dito alguma coisa.
  — Ou fingiu que não te conhecia para distorcer toda a história depois!
  . Qual é, mate? — deixou uma risadinha escapar, desacreditado. — Vamos só… Pensar um pouco positivo. Pode ser?
  — Se é assim… Olha só, você não pode simplesmente me ligar daquele jeito e me dar um susto como se tivesse, sei lá, perdido um dedo. — soltou, exasperado ao se aproximar do amigo. rolou os olhos e ergueu o corpo.
  — Quer um pouco de água, Evans? Acho que você precisa.
  Depois de todo aquele assunto, sabia que qualquer resquício de álcool em seu corpo havia evaporado, ao contrário de que parecia estar sendo movido por ele.
  — Água? Eu preciso é de uma cerveja!

   fechou os olhos mais uma vez, deixando o fone intra auricular passear entre seus dedos. Não conseguia tirar a cena da cabeça, apesar de terem se passado semanas do acontecimento e nada ter surgido.
  E agradecia por aquilo, afinal, sua teoria estava mais do que certa. Ela ao menos sabia de sua existência como alguém famoso.
  Mas algo no fundo o incomodava. E não era sobre ter quase cometido um acidente ou sobre quase ser descoberto. Nem mesmo eram sobre suas preocupações quanto a banda naquele momento.
  Os olhos da garota não saíam de sua mente. Os castanhos curiosos e brilhantes que pareciam ter resplandecido um pouco mais quando o olhou. não sabia colocar com todas as palavras o motivo de sua curiosidade quanto a isso, mas um olhar como aquele, certamente não seria fácil de ser esquecido.
  Assim como os traços de seu rosto. A ponta do nariz arrebitada e os lábios um pouco mais avermelhados pela adrenalina que, muito provável, percorria o corpo da garota a qual ele ajudava a se levantar.
  Se sentiu tolo por se pegar pensando em algo como aquilo. Por que alguém, tão comum e usual, havia tirado toda sua atenção como estava acontecendo?

  — A culpa foi minha. Eu que atravessei sem olhar. Me desculpa.
  — Você está bem? — ele a analisava por completo enquanto tentava se levantar. O rapaz a segurava pelo braço com certa delicadeza. — Quer que eu te leve ao médico?
  — Estou sim. De verdade. Não precisa se preocupar.
  — Tudo bem, você—
   ao menos pôde continuar a seguir sua linha de raciocínio. O toque morno de seus dedos no braço da garota fez com que uma leve eletricidade percorresse parte de seu corpo e aquilo fez seu coração acelerar.
  Desorientar. Descompassar. Perder inteiramente o ritmo.
  E não havia ninguém melhor que ele para entender sobre aquilo.

  — Certo. Não podemos demorar aqui. Vocês ainda tem uma sessão de fotos na parte da tarde.
  A voz de O’Neill despertou a ponto do mesmo piscar algumas vezes para voltar à sua realidade. Ele assentiu e deixou o corpo um pouco mais ereto, o alongando para se levantar por completo.
  — Você está com uma cara péssima, . — Connor se aproximou, bagunçando seus cabelos. — Assim vai espantar todos os nossos fãs se te verem desse jeito.
  — Vou ignorar seu comentário por enquanto.
  — Deixem ele. não teve uma noite muito boa. Não é mesmo?
  Ergueu o olhar podendo avistar com um sorrisinho confiante no canto dos lábios. Não pensou duas vezes em dar o dedo médio, se levantando por completo antes de soltar qualquer xingamento para ele e, enquanto isso, risadas ecoaram por ali.
  — Ninguém teve uma noite muito boa já que a bebida se tornou nitidamente mais presente entre vocês. — James se aproximou do trio, deixando os braços descansarem no ombro de que estava mais perto. — Agora, espero que lembrem que temos o último ensaio do casamento ainda essa semana. Kirstie não me deixa esquecer.
  — Nós temos mesmo que participar?
  Connor perguntou com a voz arrastada em puro sofrimento. não pôde deixar de rir.
  — Óbvio. Ou você pode se considerar desconvidado.
  — Você é um idiota. — murmurou, rolando os olhos e não evitou em distribuir alguns tapas no amigo. — Mas tudo bem, já que você implorou para que eu fosse o padrinho.
  — E lá vamos nós…
   havia se desconectado por alguns instantes. Ele era o que mais gostava de tirar sarro com os amigos e aquilo só deixava tudo ainda mais divertido, mas foi impossível que em específico não notasse seu entretenimento no celular em mãos.
  Raramente via Evans tão concentrado em uma conversa, já que seus dedos deslizavam rapidamente para todos os cantos do teclado e aquilo acendeu uma faísca de atenção no rapaz, não se intimidando em se aproximar do amigo para tentar ver o que era.
  — Em que mundo você está? — alfinetou. ergueu o olhar, um tanto perdido. Mais que o normal.
  — O que? Ah… Não é nada não. Só trocando uma ideia com alguns amigos. — deu de ombros e desligou o display do aparelho, o colocando no bolso. — E você é fofoqueiro, hein?
  — Claro que não.

✈️🎡

  Naquele começo de tarde, as ruas de Westminster pareciam mais agitadas do que costumava se lembrar nas últimas semanas que esteve no local. Sentia uma mistura de ansiedade e frio na barriga pelo que estava fazendo no instante em que andava apressada pelas lojas conhecidas nas calçadas daquele bairro.
  Havia saído da casa que tinha começado a compartilhar com com a missão de entregar a maior quantidade de currículos que conseguisse para se estabelecer na cidade que, há semanas atrás, a deixara perdida e desesperada.
  Seu coração descompassava só de lembrar das emoções que sentiu no lugar desde que tinha descido do aeroporto Heathrow. Cada passo que dava pelas ruas londrinas, agora um pouco mais familiares, a fazia se lembrar com nitidez dos dias difíceis e complicados que havia tido ali, se sentindo tão perdida e angustiada.
  Sua mente brilhava a lembrança de quando achou que seu sonho havia ido por água abaixo. De quando pensou que tudo estava arruinado e que teria que voltar para casa, decepcionada por ter algo planejado há tanto tempo não dando certo como havia imaginado. Se lembrava de como era estar sozinha, sem um lugar para ficar, sem dinheiro e, o mais doloroso, sem perspectivas de conseguir alcançar seu tão sonhado objetivo da forma que queria.
   já estava entregando currículos há um bom tempo. Mesmo agora, enquanto caminhava com mais determinação, cada resposta negativa ou olhar indiferente dos gerentes e responsáveis de loja parecia ecoar com o peso da rejeição sobre ela.
  Não queria desanimar, longe disso. Mas, não conseguia parar de pensar se havia algum problema consigo ou se não era boa o suficiente para conseguir algo.
  Os pensamentos sombrios começavam a incomodar.
  No entanto, apesar de tudo o que se passava em sua mente, também tinha um resquício de esperança no fundo do coração. Mesmo com todas as dificuldades e complicações, havia conhecido por acaso do destino, uma amiga que estava se tornando seu porto seguro, e como, lentamente, também estava conseguindo superar tudo o que havia lhe feito mal. , com seu espírito encorajador e feliz, o sorriso acolhedor, havia se tornado a amiga que nunca soube que estava esperando. Compartilhavam histórias similares, sonhos parecidos e estavam criando um laço inexplicável.
  As duas estavam mais próximas do que nunca.
   só conseguia agradecer por ter alguém como ela em sua vida.
  E mesmo com tudo aquilo, dentro de si, a garota tinha expectativa de crescer em Londres. De conseguir se estabilizar e ter uma vida tranquila ali.
  Respirou fundo e se permitiu sorrir um pouco.
  Parte de sua tarefa estava cumprida; estava quase acabando com os papéis que havia impresso. Com isso, aproveitou para descansar um pouco ao adentrar o St. James Park e, ainda desfrutando a fresca daquele dia, se sentou em um dos bancos próximos rodeados pelas árvores não tão esverdeadas pelo outono que já se fazia presente.
  Quando fez menção de pegar o celular, o sentiu vibrar suavemente em seu bolso da calça jeans. O pegou, observando uma nova notificação de uma pessoa que estava fazendo parte de seus dias, assim como .
  Mesmo que apenas por mensagem.

SMS
Ei,
Como vão as entregas?📄😜

   quis rir com a mensagem do rapaz.
  Na noite anterior havia comentado que faria o possível para entregar o máximo de currículos que conseguisse e ele, assim como , a encorajou animadamente.
  Se sentia feliz por ter pessoas como os dois a seu lado, a apoiando de todas as formas.
  Deixou a bolsa no banco e ajeitou o corpo, de forma confortável, para começar a respondê-lo.

SMS
Não achei que fosse ser tãaao cansativo hahah
Mas estou otimista, espero conseguir algo em breve!
Pelo menos não fui expulsa de lugar nenhum! 😂

SMS
HAHAHAH
É isso aí! Certeza que vai conseguir algo fácil
Enquanto isso, aproveite para conhecer um pouco mais da cidade londrina!

SMS
Eu ia comentar isso agora hahah
A medida que conheço os lugares, parece que só vai aparecendo muito mais
Confesso que estou animada 🙌🏻

SMS
Londres tem esse efeito sob as pessoas mesmo, é incrível
Fora isso, tudo bem por aí? Quais seus planos para o próximo fds?
Devo estar na cidade e seria bem legal se nos encontrássemos de novo! 🙃
Vou ter um evento, mas depois dele, estou livre!!!

   sentiu o coração desorientado por alguns segundos com o convite repentino de . Não que achasse aquilo estranho, já que o rapaz quase sempre estava ocupado e nenhum dos dois havia tocado no assunto de se encontrarem novamente depois do dia no parque com a tão espoleta Jesse.
  Os dois pareciam confortáveis do jeito que estavam, trocando apenas mensagens, fotos e risadas por coisas bobas e ingênuas.
  Em algumas dessas vezes em que estava conseguindo ajudar na lanchonete, a amiga já havia perguntado várias vezes o motivo de não ter foto no aplicativo e de sempre estar tendo que fazer algo que demorasse horas e horas.
  Mas sabia que ela queria mesmo era saber o quão bonito ele era pelas informações que havia passado.
  Riu fraco. Com isso, se animou por vê-lo outra vez. E tentaria garantir que o conhecesse também.

SMS
Seria incrível, , mas vou precisar trabalhar nesse próximo fds 😞
Consegui um trabalho temporário com e vou ajudar ela, preciso! hahah
Mas podemos marcar para a próxima, que tal?

  A conversa dos dois continuou de forma descontraída, com mais risadas, emojis e um pouco mais de pequenos detalhes de suas vidas. Se animaram com a proposta de um encontro próximo e por sentir que se aproximavam cada vez mais, a cada dia que passavam conversando.
  Resolveu por terminar de distribuir o restante dos currículos que haviam sobrado e se preparou para levantar de onde estava sentada, ainda sentindo o sol quentinho lhe aquecer a pele.
  Aquele era um dos momentos em que se sentia sortuda e agradecida por estar conseguindo suas coisas, mesmo que minimamente, em Londres.
  Quando começou a caminhar em direção à saída do parque, sentiu o celular vibrar outra vez e o pegou, observando o nome de piscar no display em ligação.
  Sorriu, a atendendo.
  — Oi, !
  — ! Onde está agora? Daqui há… — fez uma pausa. — Menos de duas horas termino meu expediente. Pensei da gente se encontrar e fazer alguma coisa.
  — Perfeito! É até coincidência, não estou muito longe do seu trabalho. Vim distribuir alguns currículos no centro desde manhã. — sorriu para si mesma, ainda caminhando. — Quer que eu te encontre onde?
  — Pode ser perto do Madame Tussauds? Quem sabe a gente não vai até lá! Você vai adorar, !
   sentiu o peito tamborilar ao se lembrar do museu e de como seria interessante visitá-lo. Já havia escutado bastante sobre ele e de como abrigava as figuras mais famosas em cera.
  — Imagino que sim! Combinado então, , logo encontro você.
  A amiga do outro lado da linha demonstrou sua empolgação, o que fez rir antes de desligar o aparelho.
  — Te vejo em breve!

✈️🎡

  Já era possível escutar o início da noite londrina quando as duas amigas passaram pela Regent St. em direção ao Hyde Park segurando sacolas pesadas de um mercado que adentraram no caminho.
  Haviam se animado e a primeira coisa que passou pela cabeça de , e ela achou que seria uma ótima ideia para passarem a noite, era fazer um piquenique naquele parque. Compraram pão, queijo e um suco geladinho que, de acordo com as mesmas, tinham certeza que substituiriam um vinho.
  Pelo menos naquele momento.
  Entre conversas e risadas animadas, mesmo que o tempo estivesse um pouco frio e as duas apertassem seus corpos procurando ficarem quentinhas, se sentiam animadas por compartilhar tantas coisas novas juntas. Por conhecerem mais um pouco uma da outra e verem o quão parecidas eram.
  Caminharam um pouco mais e mesmo não sendo tão perto de onde estavam, rapidamente já se aproximavam das árvores altas e dos arbustos que rodeavam todo o parque pela conversa solta que estavam tendo.
  Mal havia percebido o tempo passar.
  As duas logos estavam na calçada e em poucos minutos, dentro do local.
   queria soltar gritinhos animados pela paisagem que avistava. Faltava pouco para as estrelas brilharem no céu e o clima ameno, mesmo frio, lhe aconchegava. Notou também que algumas pessoas passavam por ali caminhando, despreocupadas, outras permaneciam sentadas nos bancos espalhados e até mesmo no extenso gramado.
  Achou incrível.
  — Vamos andar um pouco mais. Tem um lugar maravilhoso no centro do parque para sentarmos. — disse, apontando para frente.
  Em poucos minutos as duas já estavam andando pelo gramado e se sentando de qualquer jeito, ouvindo as conversas e animação ao redor. colocou as sacolas entre as duas e deixou um sorriso transparecer.
  Várias pessoas faziam o mesmo que elas e um pouco mais à frente havia um lago, onde visitantes alimentavam os pássaros que estavam por ali.
  — Esse lugar é impressionante. Não imaginava que era tão bonito e calmo.
  — As fotos não se comparam ao ver pessoalmente. — riu. — Eu sempre falo para as pessoas. Estar aqui é muito mais emocionante. Você consegue sentir a paz, não é?
   assentiu, respirando fundo como se aquilo fosse limpar seus pulmões de alguma forma. Quase não conseguia acreditar que, há semanas atrás, estava cogitando a ideia de voltar para Ann Arbor onde sua família se encontrava. Que estava prestes a desistir de seu sonho depois de tanto tempo o planejando.
  Não conseguia acreditar que, naquele momento, estava sentada em um parque, rindo e conversando sobre coisas tão triviais que a fariam esquecer os momentos catastróficos que vivenciou, junto de alguém que começou a ser significativamente especial em sua vida.
  Não conseguia demonstrar, nem mesmo explicar, o quão grata se sentia por tudo.
   cortou um pedaço do queijo e, jogando um direto na boca, ofereceu o outro para a amiga que logo o pegou.
  O céu já estampava algumas estrelas.
  — Olha! — apontou para o lado oposto. franziu o cenho, tentando entender o que a amiga queria e quando virou o rosto, sentiu o coração descompassar. — Não parece que estamos em um conto de fadas de tão bonito que é?
  Já havia anoitecido e o azul escuro pintava todo o céu. As luzes amareladas da cidade agora, já estavam acesas e, o que deixavam o Hyde Park ainda mais especial, como havia dito, eram as demais luzes acesas e espalhadas pelo enorme jardim.
  A garota tinha um misto de sentimentos dentro do peito que ao menos sabia explicar.
  — Uau, isso é… Uau!
   colocou uma das mãos no rosto, sem acreditar no que via.
   riu mais uma vez, inclinando a cabeça.
  — Sabia que ia gostar. É um dos meus lugares preferidos aqui. — assentiu.
  — Ainda não tenho o meu, mas acho que tenho tempo para isso, não é? — comentou, fazendo graça. Cortou um pedacinho do pão e o saboreou. — Nossa, isso é delicioso. Acho que eu precisava mesmo disso.
  Suspirou. a olhou.
  — Fico feliz que você tenha gostado, . E falando disso, como você tem se sentido ultimamente? Desde, bom… Você sabe.
   pensou por um momento. Não conseguia dizer que havia se recuperado totalmente de tudo o que havia passado, mas estava muito melhor do que sua primeira semana na cidade. Ela ainda ansiava por conquistar tudo o que sempre quis ali.
  Como em seus planos.
  — Não é como se eu estivesse cem por cento com tudo. Ainda é muito novo e surreal. Depois no que passei naquela semana ainda penso e tenho medo de voltar à estaca zero, do jeito que me encontrava. — engoliu em seco, desviando o olhar. Não queria se demonstrar tão fraca, mais uma vez, em frente à . — Só, são pensamentos que não desaparecem tão facilmente assim.
  A amiga pressionou os lábios, assentindo.
  — Imagino como deve ter sido. As coisas nunca são fáceis, — cortou mais um pedaço do queijo e, segundos depois, ofereceu. — Mas você não está mais sozinha nisso. Agora tem uma amiga e espero que você ainda queira a amizade dessa louquinha aqui — apontou para si mesma, arrancando uma risada da outra. — Por um bom tempo.
  — Pode ter certeza que sim! — afirmou, derramando um pouco do suco no copo plástico que haviam conseguido. Segurou com as duas mãos e ergueu o olhar para a amiga. — Sabe, , em um momento achei que tudo estava perdido. A viagem, o sonho de conhecer a cidade e crescer aqui. Achei mesmo que teria que desistir de tudo. — pressionou os lábios. — Naquele dia que te encontrei, eu ia mesmo desistir de tudo, mas… Que bom que você apareceu naquela hora. Foi um alívio e tanto.
   deixou um largo sorriso aparecer, fazendo um biquinho logo depois.
  Sabia como os dias de haviam sido difíceis e se emocionava só de pensar em como conseguiu ajudar a amiga.
  — Que bom que pude te ajudar quando mais precisou. Só não me faz chorar, !
  Disse, fazendo graça.
   olhou para , deixando um sorriso de canto aparecer.
  — Mas, preciso dizer que pude perceber que você não é uma grande amiga, .
  — O que? — a outra perguntou, sem entender.
  — Você é um anjo!
   levou a mão no coração, rindo junto de . Por um momento achou que havia feito algo que a amiga tivesse aquela impressão, mas depois de sua resposta só pôde ter certeza que tinha a pessoa certa a seu lado.
  — Não me mata de susto, mulher. — fechou os olhos brevemente, ainda rindo. Balançou a cabeça e antes de continuar a desfrutar dos alimentos que tinham, a olhou. — , quero que saiba que você pode contar comigo a qualquer momento. Você não está sozinha nessa jornada, saiba disso. E, por mais que você ache que fui eu que te salvei, quem me salvou foi você. Com sua amizade.
   já podia sentir seus olhos marejados pelo sentimento que transbordava seu peito. Em nenhum momento achou que encontraria uma amizade tão especial como a de .
  — Isso significa muito, de verdade. Não sei como te agradecer.
   balançou as mãos no ar.
  — Que tal se fofocarmos um pouco? — fez uma careta. deixou o corpo um pouco mais confortável antes de continuar. — Você deixou alguém para trás?
  — Minha mãe e minha irmã. Não tinha muitos amigos na cidade.
  — Mesmo? Nenhum namoradinho?
  — Lá vem você de novo… — comentou, arrancando mais risadas da amiga que jogou uma migalhinha de pão nela. — Não, nenhum namoradinho. Acho que eu estava mais interessada em viajar pelo mundo. Londres estava no topo da lista!
  — Então nós precisamos visitar mais alguns pubs por aqui! — exclamou, animada.
   fez uma careta.
  Não era como se ela estivesse precisando de alguém no momento.
  — Nunca liguei muito para esse tipo de coisa. Sempre preferi esperar pela pessoa certa, sabe? Por mais clichê que isso possa parecer. — sorriu, um pouco sem jeito. — Mesmo que ela demore a chegar. Prefiro que não seja qualquer pessoa.
  — Que romântica! Acho isso uma graça. — esticou a mão, apertando a bochecha da amiga. se encolheu, rindo.
  — Você não vê dessa forma?
  — Acho que sou um espírito livre — abriu os braços. Foi impossível que não risse. sorriu mais uma vez. — Não consigo me ver presa em um relacionamento assim, sem contar que tenho muito o que vivenciar ainda. A começar por conhecer mais alguns gatinhos londrinos!
  — É claro que sim, não é, ? — perguntou, retórica. A amiga assentiu.
  Beliscaram um pouco mais do pão e do queijo antes de continuarem a conversar.
  As duas pareciam se conhecer a anos pela proximidade que estavam tendo.
  — Ah! Esqueci de te falar — respondeu, com a boca um pouco cheia. — Consegui algo para você. Na próxima semana vai ter um evento e estamos precisando de ajuda. Não é algo muito luxuoso, o trabalho é em uma festa e—
  — Eu aceito! — a cortou, sem ao menos ouvir o restante da proposta.
   arregalou os olhos. — Qualquer que seja a oferta, eu aceito!
   sorriu com a animação da amiga.
  — E você vai ter dançar para os convidados!
  — O que?! gritou, tampando sua boca no instante seguinte. Foi motivo suficiente para que ficasse sem fôlego de tanto rir.
  — Estou brincando, bobinha. Vai nos ajudar com o buffet, preparando alguns pratos, os servindo… Essas coisas.
   respirou aliviada, sorrindo outra vez. Queria abraçar várias vezes.
  — Não sei nem como te agradecer, outra vez! — esticou os braços, puxando a amiga para perto. — Obrigada pela oportunidade. Não vou decepcionar!
  — Já disse que não precisa agradecer! Quer mais um pouco de suco?
  Por mais que naquele horário já estivesse consideravelmente frio, as duas não se importaram em continuar ali um pouco mais, jogando conversa fora. Parecia ser um dos poucos momentos em que nenhuma preocupação rondava a cabeça de e fazia com que não se lembrasse do emprego e demais responsabilidades que tinha.
  Então, em meio a risadas agitadas e assuntos sobre suas vidas, e recolheram suas coisas, prontas para voltar para casa, ainda seguindo pelo iluminado caminho até o final do Hyde Park.

✈️🎡

  Aquela noite parecia diferente.
  O luar envolvia o apartamento de em uma penumbra suave, destacando apenas a lâmpada amarelada que dava destaque ao restante do cômodo onde o rapaz se encontrava.
   se encontrava sozinho, imerso no próprio silêncio, nos pensamentos acelerados e no som ocasional do arranjo que tentava criar através dos instrumentos espalhados pela sala. Seu apartamento era considerado um santuário para o rapaz, principalmente quando se tratava de música, contendo todos os instrumentos que julgava ser necessário para que compusesse algo novo.
  Havia um violão, a guitarra elétrica Fender Telecaster Bigsby que ele tanto gostava e até mesmo usava em seus shows, além de algumas partituras bagunçadas formando quase que um tapete de tão espalhadas e amassadas que estavam pelo chão.
   estava sentado na poltrona acolchoada, com os dedos ágeis percorrendo as teclas do piano a sua frente e fazia de tudo para dar vida a melodia que pairava no fundo de sua mente.
  Estar sozinho, apenas ele, mesmo que acompanhado de Jesse, era um dos momentos que lhe trazia boa parte da inspiração e o fazia pensar também em como sua vida estava percorrendo.
  Se lembrou que aquela era a primeira vez que se encontrava ocupado, aproveitando boa parte do dia, pensando em trechos e estrofes de uma nova música. Ele vivia para aquilo, era sua vida e não tinha como querer outra, mas algo parecia diferente do que o normal.
   sentia o coração acelerado. Sentia os dedos nervosos, como se algo lhe deixasse impaciente; o que, afinal, não costumava lhe acontecer.
   sempre foi o tipo de pessoa que deixava a serenidade tomar conta de si.
  Respirou fundo. Com isso, tentaria outra vez. E mais uma.
  Como estava levando aquele dia inteiro em seu apartamento.
  Enquanto posicionava seus dedos novamente nas teclas, ainda que lutando com suas emoções e tentando transformá-las em composições para o novo álbum, deixou que os olhos caíssem em Jesse, sua labradora.
  A mesma estava deitada de lado, com o focinho em sua direção, como se perguntasse quando é que o rapaz acabaria com aquilo de uma vez.
  Ergueu a cabeça com o olhar curioso. sorriu.
  Sentiu seu coração aquecer com a presença e ingenuidade de sua melhor amiga.
  Sabia bem o que ela queria. Desde a parte da manhã deveria tê-la levado para caminhar, mas achou arriscado demais ser reconhecido.
  Então, resolveu focar em seus afazeres e só ao olhar para o relógio, notou que já estava tarde. A noite caía profundamente.
  Suspirou e levantou, esticando as pernas.
  Jesse rapidamente pulou no rapaz.
  — Vem, garota. — acariciou o topo da cabeça dela ao ouvir um latido. — Sei que queria ir pela manhã, mas não podemos arriscar. Você entende, não é?
  Perguntou, como se ela de fato fosse lhe responder.
  Riu consigo mesmo.
  Se agasalhou rapidamente. Não estava com frio, mas não sabia o que esperar ao sair do apartamento. Colocou o gorro na cabeça com rapidez, ajeitando os cabelos sem muita calma e jogou o cachecol ao redor do pescoço, para que pudesse com ele, esconder seu rosto quando precisasse.
  Queria fazer o possível para evitar ser reconhecido. O que quase aconteceu há semanas atrás.
  — Hora de nos aquecermos, Jesse.
  Desceram o único lance de escadas e ao abrir a porta, sentiu o vento gelado lhe abraçar e aquilo quase o fez desistir de ir. Por , daria meia volta e voltaria para suas composições.
  Mas Jesse precisava de sua caminhada diária e ele faria aquilo por ela.
  Não pensou duas vezes até ir em direção à seu carro e colocar sua amiga para dentro.
  Sua próxima parada seria o Hyde Park.
  E não demorou muito para que chegassem ao local.
  Notou que a noite estava tranquila e quieta, assim como a quantidade de pessoas que permaneciam no lugar e as luzes amareladas do parque lhe confortava à medida que ia adentrando o mesmo.
  O lago estava calmo, refletindo o céu estrelado e as árvores ao redor só o fazia ter certeza de como gostava daquele lugar. amava a cidade e sempre que voltava, parecia a primeira vez que a conhecia.
  O músico caminhou pelo parque com Jesse a seu lado na guia.
  Sentiu o peito apertar por um instante enquanto sua mente vagava para longe. Se recordou do início da carreira, dos altos e baixos que enfrentou para chegar até onde estava. Se lembrou dos primeiros aplausos, das primeiras críticas.
  De todos os momentos que se sentiu no topo do mundo inteiro.
  Mas ali, sozinho, mergulhado na noite, todos esses momentos pareciam distantes demais.
  Não tinha como negar que toda a fama e reconhecimento eram inegavelmente gratificantes. Com eles, havia conseguido conquistar muitas coisas além de seu maior sonho; fazer música e mostrar ao mundo todo.
  Mas era solitário demais. Muitas vezes, não era o cantor famoso, vocalista do .
  Era só , uma pessoa qualquer, com sonhos como qualquer outra. Se sentia perdido, sozinho e com medo.
  Parecia difícil demais para explicar.
  Olhou para Jesse outra vez, acariciando seu focinho.
  Também se sentia agradecido. Havia acabado de lançar um álbum, sua carreira estava no auge. O que mais queria era que aquilo fosse tudo.
  Queria mesmo que fosse tudo.
   ainda sentia que algo a mais lhe esperava.
  Sentiu o vento passar entre eles outra vez e respirou fundo.
  O que poderia fazer, afinal? Iria esperar para o que quer que estivesse à lhe encontrar.
  Com isso, expulsando qualquer pensamento desagradável e lúgubre, esticou os braços e as pernas, iniciando uma pequena corrida por ali.
  Jesse o acompanhava, mais animada que o normal.
  Por mais que não quisesse pensar em qualquer outra coisa e desejasse que sua mente simplesmente acalmasse, algo lhe deixou curioso. Mais do que já havia estado.
  Se lembrou da garota que quase havia atropelado. Se lembrou mais uma vez.
  A memória dela o intrigava. E intrigava ainda mais por persistir em ficar em sua mente.
   estava acostumado ao reconhecimento, pelo menos em Londres. Qualquer lugar que ele parasse ou passasse, era motivo de fãs agitados e solicitações de autógrafos a todo momento.
  Será que ela realmente não o conhecia? Não que aquilo fosse tão importante. Mas, se preocupou ao pensar na possibilidade de espalharem algo sobre o acontecido.
  Os olhos castanhos cravados no seu, desatentos à sua identidade, o deixou mais pensativo que o normal.
  Mesmo nos poucos segundos que esteve com ela, sentiu algo que não costumava sentir com qualquer outra pessoa. Por mais clichê que possa parecer, os olhos da garota pareciam serenos demais comparados a mente conturbada e pesada do rapaz.
  Como se lhe transmitisse algo novo.
  Por um momento, quase a invejou. Quase a invejou por ser alguém tão comum, simples e aparentemente em paz. Sem a fama, os flashes e a agitação de uma vida em estrelato.
   tomou fôlego, respirando fundo. Se sentia ignorante por pensar daquele jeito.
  Com mais calma, deixou que Jesse fosse um pouco mais na frente. não parecia mais focado em seus pensamentos como antes e agora a única coisa que lhe captava a atenção era a forma com que sua melhor amiga brincava despreocupada com as folhas secas espalhadas no chão.
  O vento parecia mais frio, mas sentia uma sensação de paz indescritível.
  Não demorou muito para que permanecessem no parque.
  Os dois caminhavam sem pressa até uma das saídas no lugar, seguindo pelo caminho iluminado onde algumas pessoas também caminhavam. A lua continuava a iluminar a passagem, criando sombras misteriosas nas árvores e nas estátuas que adornavam o parque por inteiro.
  À medida que andavam, sentiu algo diferente.
  Algo o fez parar por um momento e olhar ao redor.
  Aquela sensação de familiaridade, de estar próximo a algo que era seu lhe tomou conta, mas não sabia dizer ao certo o porquê de tal sentimento.
  Seu coração descompassou, lhe fazendo sentir um certo frio na barriga.
  O tipo de emoção similar ao que sentia ao subir nos palcos para fazer o que amava.
  E a sensação parecia ficar mais forte a cada momento.
  O que não sabia era que também sentia o mesmo.
  A garota também olhou ao redor procurando por algo. Ou alguém.
  Mas havia pessoas suficientes para que ela não encontrasse nada específico.
  Respirou fundo. Não deveria ser nada.
   continuou andando, com a mesma sensação tinindo dentro de si.
  Não notaram quando passaram um pelo outro, sem ao menos perceber suas presenças. No entanto, a emoção parecia mais forte do que inicialmente.
  Inexplicável demais. Surreal demais.
  Exatamente como se algo voltasse para eles.
  O coração de apertou e o rapaz se virou, olhando também para as pessoas que ali passeavam.
  Não havia nada, nem ninguém.
  Antes de virar para frente, olhou mais uma vez, mas já estava distante o suficiente para que pudesse reconhecer alguém ali.
  E na medida que se afastavam, a sensação de perda lhes atingia em cheio. Como se algo tivesse acabado de escapar por seus dedos.
   piscou intrigado, suspirando.
  — Vamos, Jesse. Vamos para casa.

✈️🎡

  O cansaço era evidente em e . Quando chegaram ao minúsculo e confortável apartamento, a primeira coisa que ousaram fazer foi deixar que os corpos caíssem ao sofá.
  Mesmo com os pés um pouco doloridos por terem andado do centro de Londres até Shepherd Bush, tinha um misto de felicidade e alívio dentro do peito.
  A brisa suave que adentrava pela fresta da janela da sala criava um clima aconchegante para as duas.
  Enquanto seguia em direção ao banheiro, agora com a toalha de banho nos ombros e ainda conversando sobre coisas triviais, decidiu retirar seus sapatos e separar uma roupa para que pudesse dormir confortável.
  Se acomodou em um canto do sofá, deixando escapar um suspiro aliviado. Não conseguia omitir o fato de que estava muito mais tranquila do que antes e passar uma noite agradável com lhe mostrando mais uma parte da cidade só a deixou ainda mais serena.
  Em paz.
  Ela precisava daquilo para acalmar seu coração e colocar seus pensamentos em ordem, o que só deixava lugar para apenas uma coisa; a saudade que vinha sentido de sua família.
  Foi impossível não sentir a nostalgia abraçar seu coração. Doía o suficiente estar longe de sua mãe e irmã, ainda mais sabendo que as duas não faziam ideia do que havia passado até estar ali, sentada em um lugar confortável e segura.
  Não queria preocupá-las.
  Mas, ainda sim, precisava contar sobre como seus dias estavam sendo na cidade. Precisava dizer que tudo estava bem — e continuaria, assim ela esperava.
  Decidida a aliviar o que sentia, pegou o celular e prontamente clicou no ícone para começar a vídeo chamada.
  Não demorou muito para que logo a outra câmera surgisse e um sorriso enorme brotou nos lábios de .
  Sua mãe parecia cansada, mas feliz de ver a filha. Madison não havia aparecido.
  — Mãe! — respondeu, acenando pela tela.
  Sua mãe fez o mesmo.
  — Oi, querida! Como você está? Como estão as coisas por aí?
  — Estou bem e vocês? Passei a tarde procurando algum emprego por aqui. Não tem sido muito fácil. — desabafou. sentia seu coração tamborilar ao se lembrar dos currículos entregues. Realmente não estava sendo fácil. — Mas tenho conhecido bastante Londres e é incrível, mãe… Vocês iam adorar.
  — É mesmo? Imagino que sim, logo você encontrará algo, minha filha. É boa em muitas coisas! — Lenna sorriu minimamente, incentivando . — Você tem precisado de algo? Pode me dizer, farei o possível para te ajudar.
   sabia que sim. Sabia muito bem que sua mãe moveria montanhas para poder ajudar a filha a conquistar o sonho que tinha, mas também sabia da dificuldade que passavam em casa, que o restaurante que tinham não lucrava como antes e que não poderia se dar ao luxo de exigir algo como aquilo.
  Com isso, a garota balançou a cabeça, negando.
  — Não, mãe. Não se preocupe com isso.
  Decidiu logo mudar de assunto, perguntando de sua irmã. Descobriu que Madison agora fazia aulas de violão em um estúdio no bairro em que moravam, mas que andava tendo dificuldade com o instrumento.
  Entre outras coisas que estava adorando saber.
  Sentia tanta falta de casa. De sua família, do aconchego que as duas lhe traziam.
  Quase limpou uma lágrima teimosa no canto dos olhos.
  — Sinto falta de vocês. O tempo todo.
  — Nós também sentimos, minha querida. É difícil estar longe de casa. — do outro lado, sua mãe parecia conter a saudade como fazia. — Mas, não esqueça que esse é o seu maior sonho. Você sempre desejou estar aí e tenho orgulho disso. Nós sempre estaremos aqui para te apoiar.
  — Eu sei, mãe. Obrigada por me lembrar disso.
  — Agora, fale mais sobre como tem sido a vida em Londres!
   continuaria a dizer, não fosse por saindo do banheiro com os cabelos úmidos, os secando com a toalha.
  Sorriu ao olhar para e notar que ela falava com alguém no telefone.
  — Na verdade, queria aproveitar e te apresentar alguém que conheci aqui e tem me ajudado muito! , vem cá! — ajeitou o corpo no sofá e chamou , que se aproximou animada como . — Mãe, essa é a , minha mais nova amiga. , essa é minha mãe.
   aproximou o rosto do celular e acenou repetidamente, arrancando risadas de e Lenna.
  — Oi, mãe da ! É um prazer te conhecer! — disse, fazendo graça.
  — O prazer é meu, . Fico feliz que minha filha tenha encontrado alguém para ficar a seu lado. — Lenna, do outro lado, sentiu uma pontada de alívio ao saber que a filha não estava sozinha em uma cidade tão distante e grande como Londres. Se sentiu feliz e orgulhosa ao ver a satisfação no rosto de . — O que vocês têm feito por aí?
  — A é minha guia turística particular, mãe. — apontou para a amiga, que fez pose.
  Riram um pouco mais, engatando em mais uma conversa entusiasmada enquanto Lenna contava algumas coisas sobre e fazia com que gargalhasse com os fatos, fazendo assim com que se conhecessem ainda mais.
  Sem que ao menos percebesse, as emoções conflituosas e tristonhas de iam embora de pouco a pouco dando lugar a felicidade de se encontrar em um lugar novo, cheio de expectativas.
  E aquilo só a fez agradecer um pouquinho mais.

✈️🎡

  O silêncio inundava o quarto de .
  Havia uma penumbra suave, sendo acompanhada pela luz da lua que adentrava as janelas, pintando parte do colhão do rapaz.
   tinha o corpo meio sentado, meio deitado, um tanto desconfortável, mas aquilo não o incomodava. Sua mente estava a mil.
  Frases e versos chicoteavam sua cabeça. Pensamentos inquietos e profundos que ele ao menos conseguia decifrar naquele instante.
  Deixou os olhos pousados em Jesse por poucos segundos, notando que ela já adormecia em um sono profundo, roncando baixinho e aquilo quase fez com que quisesse dormir como ela.
  Por algum tempo, em paz.
  Mas a única coisa que conseguia fazer era anotações para uma provável futura composição. Continha seu caderno, o que sempre o acompanhava quando queria compor algo e um lápis gasto dançando pelos dedos.
  Havia começado algo, mas não sabia como terminar.
  Sua mente estava longe, ainda que agitada. Os olhos agora focados nas estrelas acima de Fulham, espalhadas por todo o céu através de suas janelas brancas.
  Inspirou fundo, tentando reorganizar suas reflexões e consciência.
  Todos os pensamentos rodopiavam sua mente, o fazendo escrevê-los com fluidez.
   não pôde deixar de soltar uma risadinha com ele mesmo. Sentia seu coração aquecer, algo que há um tempo não costumava sentir e não sabia dizer exatamente o motivo de isso estar acontecendo.
  Só era bom, lhe trazia certa serenidade e inspiração.
  Se lembrou vagamente do que sentiu no Hyde Park. Do misto de sentimentos que lhe apossou extraordinariamente. O sentimento nostálgico, pertencente.
  Como poderia sentir algo do tipo se ao menos compreendia do que se tratava? Como poderia sentir a vontade de encontrar algo que não fazia ideia do que era?
  Continuou a escrever. Sua mente lhe dando frases e mais frases que não imaginava estar dentro de seu coração.
  No fundo, sabia que alguma coisa estava diferente.
  Parou por um instante e encarou o pedaço de papel em suas mãos.
  Uma risadinha fraca voltou a surgir, não acreditando em suas próprias palavras.
  E seu coração parecia estar sendo aquecido, como nunca, sem ele ao menos perceber.

So wherever you are,
hope you don't take too long,
i need a little love in my life…

Continua...



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