Before Christmas

Escrito por Duda Wimmer | Revisado por Mariana

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27 de Dezembro de 2000

  - Feliz Natal. – Ele sussurrou próximo ao meu ouvido, senti até minhas pontas duplas se arrepiarem com seu hálito quente batendo em minha nuca.
  - Feliz Natal. – Me afastei dele para olhá-lo melhor, sorri e senti uma vontade enorme de beijá-lo ali mesmo. Me contive e fui me despedir dos outros componentes do presépio.
  - Foi bom te conhecer, . – Ele me abraçou mais uma vez e deixou um beijo no canto de minha boca, antes de pegar a alça de sua mala e embarcar.
  Não sabia ao certo como eu me sentia. Eram três caras, praticamente desconhecidos, que já me davam falta. O pior era saber que eu provavelmente nunca mais os veria.

> 24 de Dezembro 2000 <

  Eu poderia jurar de pé junto que o Natal do ano passado fora o pior que eu já vivera se o deste ano não estivesse acontecendo.
  Meus pais não conseguiam conviver em um mesmo recinto sem trocar ofensas e começar uma briga, meus avós estavam mais pra lá do que pra cá – entendam da forma que quiserem -, meus primos não paravam de berrar – o que estressava todo o resto da família -, e vindo desse estresse, eu havia acabado de ter uma briga com minha tia, uma briga feia. Sem contar que meu irmão havia se trancado no nosso quarto desde cedo e não me deixava entrar por nada.
  Com a cabeça fervendo e com vontade de fazer alguém engolir a neve alemã até congelar o rim, saí de casa para respirar o ar puro e muito frio. Rumei para uma padaria perto de casa e, ao chegar à porta, me deparei com uma plaquinha avisando que eles estavam fechados por causa do Natal. Sem muitas escolhas – voltar para casa com certeza não era uma -, andei até um pequeno parque bairrista que tinha ali. Passei o olho pelo presépio que estava enfeitando a praça e andei até um banco enferrujado. Sentei-me lentamente, com medo de ele não aguentar meu peso, mas por sorte aguentou.
  Fiquei brincando com a fumaça que saía da minha boca até ouvir algumas vozes no parque. Bati o pé, sentindo o estresse voltar com tudo. Quem em santa consciência vem a um parque em plena véspera de Natal? Eu só queria um pouco de paz. Era difícil atender a esse meu pedido? Olhei em volta procurando de onde vinham as vozes, mas não encontrei nada além do parque vazio com os brinquedos e presépio. Levantei uma sobrancelha por costume e me virei pra frente. Eu definitivamente estava pirando de vez. As vozes continuaram e eu olhei em volta rapidamente para garantir que eu não estivesse louca, mas não tinha nada de vivo ali além de mim, nem um mosquito. Apoiei minha mão na minha cabeça e fiquei me questionando se isso era resultado de uma família problemática. Sim, era. A voz na minha cabeça estava distante, mas eu jurei ter escutado um palavrão no meio.
  Levantei-me um pouco atordoada e assim que eu o fiz, me assustei com Maria se mexendo. Sim, literalmente se mexendo. Seus braços se moviam e sua boca também. Meu Deus, eu estava ficando retardada. Comecei a dar passos curtos até o presépio, e ao me aproximar um pouco mais, vi que a vaca também estava se mexendo e falando.
  - Dude, eu juro que vou fazer o John pagar caro, muito caro por isso. – Maria disse mexendo os braços bruscamente.
  - Cara, relaxa, daqui a pouco acaba, agradeça pelo parque estar vaz... – a vaca ia falando, porém me viu aproximar. – Merda. – ela falou por fim, Maria o olhou confusa, ou confuso? Não estava certa ainda.
  - Ah, que cu. – Uma terceira voz surgiu e eu procurei por ela. Foi quando vi que dentro da cesta, onde o menino Jesus deveria estar, tinha um garoto de olhos castanhos e cabelo loiro meio acastanhado dentro. Ele olhava pra mim e depois olhou para Maria, que também me observava.
  - Hm, então... Um pouco constrangedor. – Maria começou falando e sua voz grossa masculina me fez ter certeza que, definitivamente, era um homem. Eles se entreolharam e eu ainda estava um pouco surpresa com aquilo para falar alguma coisa.
  - Então, por onde começar, né? Não achamos que fosse realmente ter alguém aqui. – a vaca riu e eu saí do meu choque.
  - Podem começar me explicando por que vocês estão em um presépio. – refiz meu ato de levantar a sobrancelha e cruzei meus braços.
  - Essa é a parte engraçada. – a vaca tossiu como se preparasse a garganta e colocou a mão no queixo. Ela parou pra pensar por alguns segundos e continuou: - Sabe quando você se acha os donos da verdade e resolve apostar com seus amigos? Então, não faça isso. – ele disse fazendo graça e tirou uma risada minha.
  - Recado anotado. Muito obrigada. – descruzei os braços e adentrei o presépio e estendi minha mão para a vaca. – Sou . Espero que não tenham te tirado dinheiro dessa aposta.
  - Sou , e não, não tiraram, ao menos. – assenti sorrindo. – Esses são e . – ele apontou para o garoto Maria para e para o da cesta respectivamente. Acenei para ambos e eles se entreolharam ainda constrangidos.
  - O que você está fazendo aqui em uma tarde de véspera de Natal? – o menino da cesta, , indagou enquanto se levantava. Cruzei meus braços novamente em um sinal defensivo.
  - O que vocês três estão fazendo fingindo ser um presépio na véspera de Natal? – rebati e ele levantou os braços.
  - Touché. – tirou o vestidinho que estava por cima das suas roupas normais e os meninos repetiram o ato. – Partiu tomar um café ou um McFlurry de After Eight* no Mcdonalds para dividirmos nossas desgraças Natalinas? – dei de ombros não ligando muito.
  - Se estiver aberto e tiver aquecedor dentro, pra mim está mais que ótimo. – Talvez eles fossem sequestradores, estupradores, psicopatas ou coisa do gênero. Mas eu ao menos ganharia sorvete com menta antes de morrer e, convenhamos, ainda era melhor do que voltar pra casa.

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  Graças a algum tipo de macumba das pseudo-estátuas do presépio que tinham nome, sobrenome e andavam, demos a sorte do Mcdonalds estar aberto e quase vazio. Fizemos nossos pedidos e esperamos um pouco.
  - Você vai comer batata frita e sorvete? – fez uma careta e fingiu ânsia de vômito. – Que coisa nojenta para uma menina. – rolei meus olhos, já acostumada com esse tipo de reação.
  - Você é fresco. Você não sabe como é bom ter doce e salgado juntos, não existe coisa melhor. – Sorri já sentindo meu estomago dar algumas voltas por lembrar.
  - E você é estranha. – assenti concordando com ele e ele riu. – Gostamos de pessoas estranhas. – Soltei uma risada e rolei os olhos.
  - Espero que não pretendam sequestrar ou matar uma pessoa que gostam no final desse lanche. – quando soltei isso, eles se olharam e começaram a gargalhar, a risada dos três misturadas eram como música para qualquer ouvido.
  Assim que nossos pedidos chegaram, seguimos para qualquer mesa vaga que tinha ali e foi então que uma conversa tímida começou, estávamos acostumando-nos com a cara um do outro, porém quando eles pegaram o fio da meada, viraram três matracas. Eles conversaram sobre a banda que eles estavam querendo montar nos EUA – cidade natal deles -, falaram da faculdade de música que eles queriam passar. Falaram da família, dos romances e das furadas. Não que tenha sido nada muito detalhado, não tínhamos todo o tempo do mundo. Mas depois de quase uma hora – e a bandeja já vazia -, eu já me sentia muito mais confortável na presença deles. O trio de homens na minha frente aparentava pessoas boas.
  E eu sabia que não seria dessa vez que eu seria sequestrada, morta ou estuprada.
  Trocamos números de celular, é claro, eles me adicionaram no whatsapp, me pediram para mandar meu facebook e twitter para eles depois. Meu celular vibrou dentro da bolsa sinalizando uma mensagem, e assim que a palavra ‘mãe’ piscou na tela, bufei. Ela me mandava ir para casa imediatamente, eu já estava há muito tempo fora sem dar nenhuma satisfação e isso era irresponsabilidade, falta de consideração... Blá, blá, blá.
  - Vou nessa, meninos. – Me despedi de cada um com um beijinho na bochecha e me afastei. – Foi um prazer, quem sabe a gente marca alguma coisa depois?
  - Claro! Vamos ficar aqui até dia vinte e sete, até lá a gente combina alguma coisa. – sorriu torto pra mim, me deu um olhar que eu consegui reconhecer dos olhares que às vezes eu recebia dos garotos da minha faculdade. O olhar interessado.
  E bom... pela primeira vez na minha vida, alguma coisa que surgiu do “depois marcamos alguma coisa” realmente deu em algo. Eu jurava que não seria possível alguém falar essa frase e realmente combinar alguma coisa, mas o mini presépio de Natal me surpreendeu novamente. E bom, marcaram de ir ao Burger King dia vinte e seis para variar um pouco. Claro.

> Hoje em dia <

  Hoje em dia eu olho para trás e percebo como foi interessante o modo que aquela amizade surgiu. Eu, uma alemã no meio de tantas outras, resolvo passear em um parque qualquer para esfriar a cabeça e acabo por encontrar três garotos que se fingiam de presépio por causa de uma aposta.
  No segundo passeio que eu tive com eles, foi a minha vez de falar as coisas sobre a minha vida, e eu realmente falei tudo, eu me senti tão à vontade com eles ali, me olhando realmente interessados em tudo que eu falava. Quando anoiteceu, já eram mais que nove horas da noite, e eu sentia que os conhecia mais do que conhecia pessoas que eu costumava conviver diariamente.
  E infelizmente acabou. Dia vinte e sete chegou e eles voltaram para a casa deles nos Estados Unidos, mantemos contato inicialmente por twitter e facebook, mas eles realmente conseguiram realizar os sonhos da banda, da faculdade e acabamos perdendo o contato com o tempo. Mas eu nunca seria capaz de esquecer os três curtos dias que eu passei com eles. E nunca seria capaz de esquecer o clima que rolou entre e eu no aeroporto.
  Então digo duas coisas para os meus filhos todo Natal - quando eu tento dar sempre paz para eles, completamente diferente do que eu tinha nos Natais quando eu era jovem -, tudo acontece por um motivo. Um único motivo. Eu precisava de alguma coisa para me animar e me fazer bem naquela época, eu precisava de amigos para contar minhas coisas e tirar um fardo que poderia se atolar nas minhas costas, e eles apareceram. Uma Maria, uma vaca e o bebê que representava Jesus. Um presépio fez meu Natal ser melhor, me animou e me fez me sentir parte de algo.
  E hoje eu olho para trás e percebo que talvez ser sequestrada por aqueles três estranhos não teria sido uma má ideia.

*. After Eight é um chocolate de menta muito conhecido fora do Brasil. E sim, existe um McFlurry (Se não existir, briguem com a Natashia)

FIM



Comentários da autora


  Nota da Autora: Jingle Bells, jingle Bells! Ok, vamos lá: Não me perguntem de onde surgiu essa ideia maluca de presépio, eu não lembro! HAHA Estou participando do especial do ATF, não só porque o tema é Natal (e eu adoro escrever sobre ele), mas porque a Natashia é uma fofa e que virou uma boa amiga no facebook, e também porque eu já queria enviar alguma coisa no meu nome pro ATF há muito tempo, juntando o bom ao agradável, está aí minha participação do especial. Participação fraquinha, né, mas o que conta é a intenção. Eu acho que é só isso. Até a próxima, marujos! – Duda Wimmer.