Beauty and The Beast

Escrito por Nathália Tafner | Revisado por Pepper

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Parte do Projeto Songfics - 8ª Temporada // Música: Imagine Dragons - Demons

  Há duas coisas inquestionáveis: A morte e o amor. Contudo, pensar nisso como uma forma de distração não me era veramente agradável. Já fazia quatro anos desde que meu pai havia falecido, e até hoje a dor em meu peito e tão imensurável quanto o infinito lá fora. Mas o fato é que, por mais que você tente se acostumar com a morte, ela sempre irá te assombrar. E hoje em especial, me sinto mais assombrada do que antes. Talvez porque hoje se completa quatro anos desde a morte do meu pai, talvez porque eu tenha ido deitar as 03:00 da manhã no dia anterior, pois não conseguia pregar os olhos e dormir devido à lembrança impertinente de tudo aquilo. Mas por alguma razão, me sentia estranhamente esperançosa. Eu caminhava em passos lentos pelas ruas de Orléans, eram 07:00 da manhã e eu podia ver as luzes das casas sendo acesas e a movimentação começando. Um café quente e croissants por favor, pedia um homem de terno de giz em uma lanchonete da esquina da rua. Acenei para o garçom, Gérard era seu nome. Gérard é um velho amigo da minha família há anos. E embora seja bastante carismático, não era alguém que eu fazia questão de ser amiga. Gérard era egocêntrico, ambicioso e egoísta. Havia algo nele que me fazia arrepiar, mas não no sentido bom. Terminei meu percurso até a Biblioteca D’Orléans e passei pela porta fazendo o sino pregado na porta tocar. Valéry estava parada atrás da mesa de madeira com um globo terrestre gigantesco ao seu lado e um sorriso simpático no rosto.
  - Bom dia, . – Ela disse assim que me viu. - Sei que é um dia difícil para você, então estive pensando será que...
  - É – eu concordei antes que ela terminasse a frase, sabia que ela iria querer me dar um dia de folga, mas eu não queria aquilo. Trabalhar era a única maneira que eu tinha de me distrair da dor. - Algum trabalho para mim hoje? – Perguntei e ela levantou uma das sombracelhas como se desaprovasse o fato de eu estar fugindo do assunto.
  - Hm, tem uma papelada aqui, arquivos sobre um castelo isolada na floresta. Preciso que você ache a mansão e escreva um relatório sobre ela. – Ela disse me entregando uma pilha de papel e uma caneta.
  - O conselho sabe disso? – Perguntei.
  - Estas são ordens do conselho, Srta. .
  - Desculpe – eu disse umedecendo meus lábios por causa do nervosismo. – Como vou achar a mansão?
  - Há uma torre caída perto do rio. Atrás da floresta, há um campo verde gigantesco, você verá pinheiros, enormes ondas de montanhas, e uma estrada de terra branca que cortara a montanha até depois de uma casa medieval. O castelo fica no alto da colina, e gigantesco , não tem como não ver. – Ela disse séria enquanto caminhava pelas estantes de livros empoeirados e os organiza em ordem alfabética.
  - Senhora, não quero parecer impertinente, mas esse não é o trabalho do Museu de Orléans? – Perguntei desgostosa com a ideia de ir sozinha até uma mansão abandonada.
  - Uma boa observação, Srt., no entanto o Museu de Orléans já está cuidado do caso do Castelo de Puivert, você conhece a lenda da Dama Branca, não conhece?
  - Ah que uma princesa que morava no castelo morreu na enchente mas seu espírito vagueia ao redor do castelo em vestida de branco para evitar que os caminhantes sejam vítimas do perigo? – Perguntei, eu conhecia muito bem aquela lenda, e por mais que não houvesse fatos que comprovassem, eu sempre achei que a lenda tinha algo haver com a história da Bela e a Fera. Minha história preferida por sinal. Valéry assentiu confirmando.
  - Que ótimo saber que seu conhecimento cultural sobre nosso país é amplo, Srt. . Agora vamos, preciso desse relatório até o fim do dia. – Ela disse em um tom sarcástico como se julgasse meu conhecimento algo desprezível. Concordei e me virei saindo da biblioteca e seguindo meu caminho até o castelo. Algum tempo depois eu estava na estrada branca que Valéry havia falado. Avistei o lago escondido por pinheiros e logo adiante o castelo no alto da colina. Isso era o que eu amava na França, por mais que o tempo passasse e a tecnologia avançasse, os tempos medievais sempre permaneciam. Passei pelo lago e subi a montanha, os pássaros voavam cortando o céu azul, e o vento soprava docemente por entre as árvores. Havia flores das mais variadas cores e espécies espalhadas pelo chão, colorindo-o e formando um tapete florido. Quando cheguei ao topo, perdi o ar. O castelo era maravilhoso, de uma estrutura medieval maravilhosa e sofisticada. Não era nada tão sofisticado quando o Castelo de Chambord, mas ainda assim conseguia ser deslumbrante. Empurrei a porta de madeira e ela abriu fazendo um barulho de madeira gasta. Então entrei e não conseguia acreditar no que eu via. O castelo estava impecável, não havia nenhuma macha de poeira, nenhum sinal de que estava velho. Absolutamente nada. Pelo contrário, os lustres de cristais cintilavam, havia uma toalha vermelha cobrindo uma mesa em um cômodo que me pareceu ser a sala.
  - Bonito, não e? – Uma voz disse atrás de mim me fazendo gritar. Me virei para trás ofegante e com as mãos no peito. Dois olhos azuis me encaravam em uma expressão divertida. Seu rosto estava coberto por uma máscara de baile, e ele usava uma capa azul escura que cobria seu corpo.
  - Quem é você? – Perguntei assim que me recuperei do susto e ele riu.
  - . – Ele respondeu pegando minha mão e a beijando como um cavalheiro.
  - Me pergunto o que um inglês faz na França. – Eu disse mesmo sabendo que aquilo poderia soar grosseiro. Mas ele apenas abriu um sorriso como se achasse graça disso.
  - Você é muito curiosa para alguém tão nova, senhorita. Mas não vejo porque não lhe responder isso. Mas antes, que tal um bom café e alguns biscoitos? Tenho certeza que a senhorita irá se sentir bem mais confortável em uma poltrona macia em frente à lareira. – Ele disse e eu concordei, eu precisava mesmo de me sentar em algum lugar e beber algo quente. A frieza dentro de mim se alastrava cada vez mais e eu precisava de algo quente para sumir com aquilo. Meus demônios, os demônios que sempre busquei esconder. Mas certas coisas são tão inevitáveis que ainda me pergunto porque insisto em esconder isso. Ele me guiou até a sala e me acomodou em uma poltrona vermelha em frente à lareira. Me sentei ali e esperei até que ele finalmente voltou. Ele havia retirado o capuz da cabeça, e senti uma vontade repentina de passar a mão por entre seu cabelo preto. Mas então voltei a olhar para o fogo acesso na lareira, tentando me libertar de tais pensamentos.
  - Então – eu disse levando a xícara de café até a boca. – Qual a história? – ele gargalhou e se sentou em uma poltrona em frente a mim.
  - Me desculpe pela demora senhorita... – ele fez uma pausa quando se lembrou que não sabia meu nome.
  - – eu disse – .
  - Isso, Srta. – ele continuou - bom, eu nasci na Inglaterra em Helston, meus pais, Charlotte Williams e Harry Dominic eram pessoas ricas e afortunadas. Mas desde o meu nascimento quando descobriram que o filho havia nascido com uma deformação no rosto, me mandaram para cá e aqui vivo desde então. – Ele respondeu, e então eu compreendi o por quê do uso da máscara.
  - É por isso que você usa essa máscara? – Perguntei antes de me dar conta das palavras e ele arregalou os olhos como se estivesse surpreso.
  - Observadora. – Ele disse com um sorriso e senti meu rosto ficar quente.
  - Senhor...
  - Me chame de . – ele pediu e eu assenti continuando.
  - Certo, . Será que hm... eu poderia... Você sabe. – pedi meio sem jeito.
  - Ver meu rosto? – ele soltou uma gargalhada como se eu tivesse acabado de dizer algo patético. – Não acho que você vai gostar do que vai ver.
  - Por favor. – Eu insisti.
  - Isso não vai acontecer mademoiselle. – Ele disse sério. Naquele resto de tarde, me contou a história do palácio, e fiquei impressionada ao descobrir que os pais dele é que haviam mandado construir aquele castelo enorme, tudo isso só para manter o filho escondido da sociedade. Me senti um pouco mal por isso, e me lembrei de quando meu pai dizia “Nunca trate ninguém com frieza, minha querida. Ninguém sabe o que se passa pelo coração das pessoas, a aparência é apenas uma capa” me senti triste ao me lembrar do meu pai, e mais triste ainda por . Mas eu não diria nada. Assim que escureceu voltei para a Biblioteca D’Orléans com cinco folhas recheadas de dados e informações sobre o castelo. Valéry parecia empolgada, ela me enchia de perguntas e dizia o quão feliz estava por ter uma garota tão boa trabalhando com ela. Como se eu não soubesse que ela me odiava e que aquilo era puro interesse. Mais tarde quando meu turno terminou, voltei para a casa pensando em tudo aquilo. Não consegui dormir o resto da noite, e acordei mais tarde do que planejava no dia seguinte. Valéry havia me dado uma folga, então nem me preocupei em avisar. Então por impulso, peguei um cachecol e um bloco de notas e sai andando pelas ruas de Orléans. Caminhei pelas ruas iluminadas, passando por uma ponte em baixo de castanheiras, e só então me dei conta de algo: Eu estava caminhando até o castelo de . Respirei fundo e parei de andar observando a floresta a minha frente. E então depois de muito tempo andando, eu cheguei até o castelo. Fiquei ali parada, olhando para a porta, como se quisesse abri-la com a força do pensamento. Até que ela rangeu e abriu sozinha. Uau, isso sim foi estranho. Entrei no castelo, provavelmente havia me visto e aberto a porta através de alguma alavanca secreta. Caminhei até a sala, onde estávamos ontem, e não me surpreendi ao ver ele sentado em frente a lareira.
  - Boa tarde. – ele disse sem tirar os olhos da lareira. Vestia uma calça preta e a mesma capa do dia anterior. A máscara ainda estava em seu rosto.
  - Eu vim... hãn... – eu comecei a dizer, e então parei. A verdade era que nem eu mesma sabia o que estava fazendo ali. Apenas tinha ido.
  - Não precisa se explicar, Srta. . – Ele disse parecendo tranquilo. Ficamos ali conversando pelo resto da tarde, os dias que se seguiram foram tomados pela rotina de trabalhar na biblioteca e passar no castelo depois do fim do expediente. Acabei descobrindo que ele já foi chamado de fera pelos aldeões de uma cidade vizinha, o que me fez lembrar do conto da Bela e a Fera. era gentil comigo, sua companhia me fazia bem e ele sempre me fazia rir. E não demorou muito até que eu me apaixonasse por ele. E mesmo sem nunca ter visto seu rosto, eu sabia que o amaria independente de como ele fosse. É uma pena que não achasse isso também. Eu sempre pedia para ver seu rosto, mas a resposta era sempre a mesma, até que cansei de insistir e parei de pedir. Um ano já havia se passado desde que eu e nos conhecemos. Eu acordei de manhã, no dia que completava cinco anos desde a morte do meu pai. Também a mesma data de quando conheci . Não vou dizer que não sinto mais a falta do meu pai, porque seria mentira. Mas naquela manhã eu estava radiante e feliz. Feliz porque veria em breve. Me arrumei e liguei para Valéry dizendo que teria que me atrasar e então segui meu caminho até o castelo outra vez.
  - ? – gritei depois de entrar no castelo, a sala estava vazia, e a casa estava silenciosa. Havia algo de diferente ali, algo que me fez arrepiar. O mesmo sentimento que eu sentia sempre que eu via Gerárd. E por um momento cogitei a ideia dele estar ali. Gerárd havia descoberto sobre a minha relação com , e desde então vem me irritando dizendo que uma moça como eu não deveria se relacionar com animais. Ele tentou me beijar a força uma vez quando eu vinha para o castelo, mas estava passando pela estrada na hora e o impediu. Caminhei para dentro do castelo, passando por entre os corredores de paredes de pedra, e subi a escada de estrutura medieval até o andar de cima do castelo. Em todo esse tempo em que vi aqui ver , eu nunca havia ido no andar de cima, e talvez por essa razão eu estava tão ansiosa e preocupada. Quando alcancei o topo da escada, saí por ali me deparando com uma biblioteca gigantesca no cômodo principal. Enormes pilhas de livros e papéis jogados ao chão, uma escrivaninha de madeira vermelha com uma máquina de escrever por cima. O ar cheirava a livros e a coisas antigas, e havia um leve aroma do frescor da manhã invadindo o cômodo, juto ao calor da aurora. Contudo, um leve arrepio me percorreu assim que virei à porta entrando em outro corredor, me deparando com um corpo jogado ao chão.
  - ! – eu gritei assim que me dei conta, contudo ele não respondeu. Eu estava desesperada. Corri até ele e me ajoelhei ao seu lado com as mãos em seu peito. Havia uma faca suja de sangue jogada no chão ao seu lado, e uma pequena parte do seu peito estava cortada, fazendo a camisa branca ficar manchada por seu sangue. Sua respiração estava densa, e eu a sentia bater em meu rosto como se mesmo desacordado, ele suplicasse por ajuda. E embora ele estivesse ali jogado ao chão com a camisa repleta de sangue, me senti aliviada ao ver que ele ainda estava vivo. Fiquei ali parada por alguns instantes, até decidir o que realmente fazer. Eu amava , amava-o de todas as maneiras possíveis e contundentes, e mesmo sem que ele soubesse, perde-lo seria o maior de meus pesadelos. havia surgido para mim como uma esperança repentina em meio a todo o caos que eu estava passando. Eu não suportaria vê-lo sendo tirado de mim da mesma forma que entrou em minha vida: Rapidamente e de repente. Quando me dei por conta, lágrimas escorriam por meu rosto e por um instante um lampejo de passou por mim, e um pensamento egoísta se resplandeceu em minha mente: Eu poderia ver o rosto de agora, eu poderia descobrir o que estava escondido ali, descobrir o que ele tanto temia em me mostrar. Então tirei a máscara de seu rosto.
  E ele era lindo.
  Seus olhos azuis eram a única coisa que os outros diriam ser bonito ali. Mas para mim, para mim tudo nele era maravilhoso. Desde a boca torcida para o lado, ou até os dentes cerrados e pontiagudos. Tudo nele era extraordinário. Minhas mãos percorreram seu rosto, fazendo uma curva torta entre o nariz e a boca. Acariciando como se aquilo fosse o mais importante. E tive de me segurar para não ficar ali ao seu lado, para sempre. Embora isso seja exatamente o que eu queira. Então me levantei e Deus sabe se lá de onde tirei tanta força para erguê-lo do chão e o carregar até a fronteira do castelo. Nunca gostei de hospitais na verdade, sempre tentei correr ao máximo deles, aquele lugar extremamente branco me causava náuseas, me deixava sufocada. Mas nesse dia, não pensei duas vezes antes de vir até aqui. precisava de mim, e eu.... Eu precisava dele. O médico havia costurado sua barriga, no lugar onde estava o corte, e eu estava sentada na poltrona acinzentada ao seu lado desde então. Duas horas haviam se passado desde então, e continuava desacordado. Me levantei da cadeira e caminhei até seu lado na cama. Então parei ali o observando e entrelacei nossas mãos. E subitamente, como se eu tivesse perdido toda a sanidade que ainda me restava, me debrucei contra ele, e antes que eu me deparasse no que estava fazendo, eu o beijei. Tudo bem, me chama de louca, aproveitadora, egoísta, ou o que quer que seja. Mas se surpreenda ao saber que se não fosse por essa loucura, talvez o que aconteceu em seguida nunca houvesse acontecido: abriu os olhos. E, como em um conto de fadas, a diferença toda era que dessa vez, a princesa era que tinha acordado o príncipe. Ele demorou algum tempo para perceber o que acontecia, mas assim que compreendeu tudo, seus olhos se acalmaram em uma expressão relaxada e eu senti seus braços me envolverem apertando minha cintura, como se não quisesse nunca mais me deixar partir. E parei o beijo entre as risadas quando o monitor cardíaco começou a apitar desesperadamente. pareceu constrangido no começo, mas logo em seguida nos dois estávamos rindo de tudo aquilo. Agora eu me sentia feliz. Feliz por poder ter visto seu rosto, feliz pelo beijo, feliz por estar ali, e mais feliz ainda porque agora ele sabia que eu o amava. E eu sabia que era recíproco.
  E naquele dia eu aprendi, que amar é ver além das aparências, é enxergar a pessoa através da embalagem, sentir sua alma se juntar a dela, como em um quebra cabeça que finalmente encontra a ultima peça. E que por mais intenso que sejam os nossos demônios interiores, por mais forte que seja a nossa dor, sempre haverá algo para cura-lá em algum lugar. E por mais que eu saiba que a vida não é como nos contos de fada, eu gostava de pensar que nos éramos a nova versão da Bela e a Fera. Dessa vez, mais moderna.



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