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#002 Temporada

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Amy Winehouse




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Luisa Silva | Revisada por Lyra M.

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Capítulo Único

  — Vamos, Sarah! — Exclamou mais uma vez o Sr. Foster.
  — Estou indo! — Sarah disse terminando de colocar suas coisas na bolsa e descendo as escadas da enorme casa.
  — Mais rápido ou vamos perder o voo, querida! — Disse o senhor já com as malas nas mãos, pronto para sair o mais rápido possível.
  Sarah nunca entendera como poderiam perder o voo se o avião era deles, mas também nunca perguntara a ninguém. A menina chegou ao térreo e foi o mais rápido que conseguiu com aqueles saltos até a porta, onde seu pai e seu noivo, , já a estavam esperando.
  — Vamos? — perguntou e abriu a porta para os outros dois passarem, logo saindo também e entrando no carro, que já os esperava.
  — Para o hangar, Jarvis, rápido. — Disse o Sr. Foster para o motorista.
  — Vamos recapitular a agenda. — Sarah disse. — Chegando a Valland, vamos deixar as malas no hotel e ir para a reunião com os vendedores, que vão acertar os últimos detalhes da venda do terreno com a gente. Depois disso vamos até a... — A garota continuou a listagem até o fim da viagem de duas semanas que os três estavam fazendo.
  — Você será a Presidente perfeita, Sarah. — Sr. Foster disse quando ela terminou de falar. — E você, , será o melhor Vice que a minha filha poderia ter escolhido.
  — Obrigado, Sr. Foster. — disse um pouco envergonhado e abaixou a cabeça.
  — Quantas vezes eu já te disse para me chamar de Robert? Você vai casar com a minha filha, a época das formalidades já passou!
  — Desculpe, Sr... Robert. — O garoto disse e finalmente olhou para cima novamente, mas vendo o sorriso do futuro sogro, sorriu também.

***

   não conseguia mais controlar as lágrimas que desciam pelo seu rosto. Estava sentada na cadeira ao lado da cama do pai, em um quarto no Hospital de Valland, enquanto o homem mais importante da sua vida dizia suas últimas palavras.
  — Eu tive uma boa vida, . — O senhor disse e fez uma breve pausa para recuperar o fôlego. — Espero que você aproveite a sua vida tanto quanto eu aproveitei a minha.
  Enquanto o pai respirava pesadamente mais uma vez, apenas segurava a sua mão e chorava descontroladamente.
  — Se divirta, faça tudo o que quiser, contanto que não prejudique outras pessoas. — A cada palavra, a voz do homem ficava mais fraca, mas ele ainda não tinha terminado de se despedir de sua filha. — Não perca a oportunidade de ter um filho, . Você foi a melhor coisa que tive na vida. Eu te amo, mas agora tenho que ir. Adeus, coração.
  — Vou sentir a sua falta, papai. — Ela conseguiu dizer entre soluços.
  Logo os aparelhos começaram a apitar, e uma grande equipe de enfermeiros entrou no quarto e a tirou de perto do corpo. não tentou lutar; estava praticamente inconsciente, não absorvia o que estava acontecendo ao seu redor, estava apenas tentando entender que seu pai não estava mais ali.

***

  — Quando voltarmos para casa, eu vou ligar para a Jem e nós vamos começar os preparativos para o grande dia! — Sarah disse empolgadamente, e riu ao lado dela.
  Estavam no avião particular da família de Sarah já havia algumas horas, faltava pouco para chegarem a Valland. O Sr. Foster estava descansando em uma das cabines, então o casal tinha uma relativa privacidade. A TV estava ligada em algum programa de confeitaria que Sarah gostava, em que um dos pedidos era um bolo de casamento com detalhes infinitos, o que trouxe o assunto à tona.
  — Ansiosa, hein? — Ele perguntou ainda rindo um pouco.
  — Não, que isso. É só o meu casamento, não é como se eu sonhasse com esse dia desde os nove anos de idade nem nada. — Ela respondeu ironicamente, e a puxou para perto e a deu um beijo leve.
  — Eu também quero que chegue logo. Mal posso esperar para ver você usando nada por baixo do vestido de noiva... – Ele disse abaixando o tom de voz e sem se afastar do rosto de Sarah, que logo ficou completamente vermelho.
  — Meu pai está bem ali, acho melhor você parar com essa voz e esses olhares e... — A menina foi interrompida por mais um beijo, dessa vez um pouco menos leve.
  — Okay, chega, não podemos fazer isso agora! — Sarah disse e voltou a encostar-se à poltrona, tentando prestar atenção no programa novamente.
   já tinha desistido de acompanhar todos aqueles confeiteiros, então se contentou em fitar sua maravilhosa noiva. Havia a pedido oficialmente em casamento fazia apenas dois meses, mas o evento já estava programado desde que os dois completaram cinco anos de idade. Sendo parte de uma pequena sociedade poderosa, em assuntos de capital, a família de Sarah e a de já tinham uma amizade de décadas, e planejavam se unir assim que possível, então quando as duas crianças nasceram, tudo já tinha sido arranjado. Os dois foram feitos um para o outro, e estavam juntos desde a maternidade; a paixão que cresceu entre eles foi apenas uma consequência da convivência. amava Sarah desde que se entendia por gente, e o sentimento era recíproco, então não havia porque estragar os planos de suas famílias.

***

  O padre estava, provavelmente, fazendo um maravilhoso discurso sobre a vida de , que apesar de ter sido sofrida, tinha valido a pena, pois o homem foi um excelente pai e um ótimo trabalhador. não ouviu nada disso. Não conseguia se concentrar nas palavras do padre nem em nada, só encarava o caixão fechado, tentando entender que o seu pai estava lá dentro, e não em casa, esperando-a para o jantar com alguma história maluca sobre o trabalho na fábrica. Antes que percebesse, alguém disse que ela devia jogar o primeiro punhado de terra, visto que o caixão já tinha descido.
  — Adeus, papai. — Ela sussurrou antes de abrir a mão.
  As pessoas logo começaram a ir embora, e achou que devia fazer o mesmo. Seus planos eram ir para casa, tirar aquele vestido preto e chorar até dormir novamente, mas seus pés fizeram o caminho para o bar quase que automaticamente. Andou com a cabeça baixa até parar sobre uma luz neon vermelha já muito conhecida, olhou para a porta para se certificar que o lugar já estava aberto e entrou.
  Não havia muitas pessoas no bar, pois ainda era muito cedo, o sol não tinha nem se posto completamente ainda. passou pela porta, foi direto ao balcão e esperou que Leo, o dono do lugar, a notasse e viesse até ela.
  — , eu sinto muito. — O homem disse e pegou uma das mãos de em sinal de apoio.
  — Eu também sinto. — Ela respondeu quietamente e abaixou os olhos.
  Logo uma dose de uísque apareceu na sua frente, o que fez uma sombra de sorriso passar pelo rosto da menina. Leo era uma boa pessoa, já nos seus 40 anos, era dono do bar fazia 20 anos, e contratava para cantar todas as noites de quarta a domingo, desde que o pai da garota a apresentou a ele. Eram bons amigos, Leo e , mas Leo preferia se enterrar no trabalho a ir a um funeral, e foi exatamente o que ele fez.

***

   acabara de deixar Sarah de volta na empresa depois de passar parte da tarde com ela no hotel. Sem nada para fazer, resolveu andar por Valland, conhecer a pequena cidade. Eventualmente o rapaz virou uma esquina, e seu olhar foi atraído imediatamente por um letreiro neon vermelho que dizia apenas “Leo’s”. Chegou mais perto, mas ainda assim não conseguiu identificar o que exatamente era o lugar, então resolveu entrar.
  Olhou em volta e percebeu que estava em um bar estranhamente aconchegante, porém praticamente vazio, o sol tendo acabado de se pôr. Havia apenas um pequeno grupo de amigos bebendo em uma mesa e uma moça toda de preto sentada no balcão. A moça parecia extremamente abalada com alguma coisa, e o atendente do bar parecia afetado pela tristeza também, o que chamou a atenção de . Ele não podia evitar, era curioso.
  — Uma cerveja, por favor. — O rapaz pediu ao se sentar ao lado da moça de preto.
  Ela não levantou a cabeça por nenhum instante, só continuou encarando seu copo de uísque quase vazio. começou a pensar em seu pai novamente, não conseguia evitar. Logo lágrimas voltaram a descer pelo seu rosto.
  — Você está bem? — perguntou quando notou que a moça ao seu lado estava chorando.
  Não respondeu, e apenas fez um sinal para Leo, que colocou mais uma dose de uísque no copo.
  — Moça? — O rapaz perguntou novamente.
   pediu mais uma dose e engoliu tudo de uma vez, esperando que, se ignorasse o rapaz por tempo suficiente, ele fosse embora.
  — Você não devia estar bebendo tanto tão cedo. — tentou puxar conversa mais uma vez. Não sabia o porquê, mas queria muito conversar com aquela menina.
  — E você não devia ficar se metendo onde não é chamado. — respondeu alto, fazendo Leo olhar para ela em desaprovação e o rapaz arregalar os olhos. A menina respirou fundo, passou uma mão pelos cabelos e olhou para o lado. — Desculpa. Não estou em um dia muito bom.
  — Está tudo bem. — O rapaz disse e estendeu uma mão para cumprimentar a menina. – Me chamo .
   se segurou para não soltar um “Que bom para você. Pena que eu não te perguntei nada,” bem rude e apertou a mão de .
  — .
  Um momento de silêncio constrangedor depois, pediu mais uma dose de bebida, e tomou um gole da sua cerveja, pensando em como continuar aquela conversa.
  — Então, . O que te traz a esse bar quase secreto às seis da tarde e a faz beber mais de três doses de uísque em menos de dez minutos? — perguntou sem perceber o erro que estava cometendo.
   pensou por alguns momentos se deveria responder a verdade e deixar o garoto extremamente desconfortável ou jogar o resto da sua bebida na cabeça dele e ir embora. Resolveu mudar de assunto.
  — Você não é daqui, é?
  — Não, eu moro na capital, estou viajando a trabalho. Como sabe? — Ele perguntou.
  — É uma cidade pequena, . Muitas pessoas conhecem esse bar. Já esteve envolvido em muitas notícias no jornal local, né Leo? — falou olhando na direção do homem atrás do balcão, a voz arrastada em sinal de que toda aquela bebida estava fazendo efeito.
  — É sim. Aquele buraco ali... — Leo apontou para um pequeno furo na parede — Resultado de uma aposta. O cara que apostou no time perdedor tentou atirar no outro para não ter que pagar. Ninguém morreu, mas eu e o pai dela aí tivemos que levar o cara para o hospital e depois dar depoimento para a polícia. tinha doze anos quando isso aconteceu, já faz um tempo, mas eu nunca consertei a parede.
  O homem parou de falar e ele e a menina ficaram em silêncio, sendo tomados por inúmeras memórias com . Logo um outro cliente chamou Leo, o que fez os dois acordarem de seus devaneios. bebeu mais um pouco com , conversando sobre amenidades em um diálogo bêbado sem muita importância. Algumas doses depois, disse que precisava ir para casa.
  — Precisa de ajuda? Você bebeu bastante. — perguntou.
  — Não, tudo bem... — A menina disse, mas quando tentou levantar, não conseguiu se equilibrar e sentou novamente, fechando os olhos para tentar parar a tontura.
  — Vamos, eu te levo em casa. — O rapaz disse, pagou a cerveja que havia tomado e ajudou a levantar novamente. Colocou um braço dela por cima de seus ombros e segurou em sua cintura para ter certeza de que ela não cairia e os dois saíram do bar.
  Lá fora havia uma leve brisa, que refrescava divinamente os dois depois de algumas horas naquele bar fechado. ia apontando o caminho de casa conforme caminhavam, e fora isso, nenhum dos dois falava muito. Havia muitas coisas sobre que a menina queria perguntar, mas estava bêbada e cansada demais para conversar.
  Após uma curta caminhada, e chegaram à porta do pequeno apartamento da garota. Passou um tempo considerável até achar a sua chave e conseguir destrancar a porta, mas eventualmente conseguiu.
  — Foi uma ótima noite. — disse enquanto o encarava já de dentro do apartamento, prestes a fechar a porta.
  — Foi melhor do que o esperado. — Ela disse simplesmente.
  Os dois se encararam por mais alguns segundos encantadores, se perguntando se devia dizer mais alguma coisa e se perguntando quando ele iria embora para poder fechar a porta logo. De repente, começou a tatear os bolsos a procura de um papel e uma caneta.
  — Esse é o meu número, tá? Pode me ligar se precisar de alguma coisa. — Ele disse quando terminou de anotar em um papel. Sabia que provavelmente não ligaria, mas não custava nada tentar. — Prazem em te conhecer, .
  — Uhum. — Ela murmurou, pegou o papel e fechou a porta com força.
   colocou o papel em cima de uma mesinha de canto, foi direto para o seu quarto e tirou o vestido preto. Só depois de tomar banho é que teve a brilhante ideia de olhar para o relógio, que marcava oito e meia da noite. Ainda era cedo para dormir, e também não estava com cabeça para fazer mais nada, então pegou uma das garrafas de vinho meio vazias que estavam na geladeira e voltou a beber. Andou pelo pequeno apartamento procurando algo para fazer, até que um álbum de fotos na estante da sala chamou a sua atenção. Era de uma das suas festas de aniversário quando era criança, quando tanto a mãe quanto o pai estavam vivos e felizes. A menina foi para o seu quarto, sentou na cama com a cabeça encostada na parede e começou a folhear o álbum, enquanto tomava goles de vinho. Voltou a chorar, pela enésima vez naquele dia, até que caiu no sono, abraçada a fotos e lembranças.
  Acordou no dia seguinte com a luz do sol batendo em seu rosto e uma dor de cabeça terrível, como era de se esperar. Não se lembrava de quase nada que acontecera na noite passada, só que depois do funeral havia ido até o bar e conhecera um homem, mas depois era tudo um borrão. Olhou ao redor quando seus olhos finalmente se acostumaram com a claridade, e viu que a garrafa de vinho agora vazia estava aos pés da cama, junto com o álbum que pegara na noite passada. Novamente a tristeza a invadiu, mas ela conseguiu não chorar.
  Levantou da cama e caminhou lentamente até a cozinha, mas parou ao lado da mesinha da sala quando um papel chamou a sua atenção. Havia um número de telefone e estava assinado com “”, então concluiu que era do rapaz que conhecera na noite passada. Não sabia se deveria ligar para ele, não sabia nem que horas eram, e se ligasse diria o quê? Resolveu deixar para responder aquelas perguntas depois que tomasse uma grande xícara de café e algum remédio para dor de cabeça.

***

   terminava de se aprontar para começar o dia quando seu telefone tocou. Ele e Sarah tinham que estar em uma reunião com os vendedores dos equipamentos para a nova fábrica de alimentícios Foster em uma hora, mas a menina ainda estava tomando banho no banheiro do hotel.
  O rapaz pegou o aparelho que ainda tocava e viu que era um número desconhecido. Atendeu mesmo assim.
  — Alô, aí é o ? — Uma voz levemente familiar perguntou.
  — É sim, quem fala?
  — Aqui é , do bar ontem à noite.
   congelou. Não sabia o que estava fazendo quando deu seu número para uma garota bonita bêbada na noite passada, mas com certeza não esperava que ela ligasse na manhã seguinte. Sua noiva estava a literalmente metros de distância, e ele estava falando com outra mulher pela qual, tinha que admitir, sentia certa atração. Não sabia o que fazer.
  — Alô? — perguntou do outro lado da linha.
  — Hm... Oi, . — Ele falou mais baixo.
  — Tudo bem? Você estava ocupado? — A menina perguntou apreensiva.
  — Não, tudo ótimo! — Mentiu. — E você?
  — Minha cabeça está doendo bastante e eu não me lembro de muita coisa sobre a noite passada, mas vou sobreviver. — Ela respondeu e os dois riram levemente.
  Alguns segundos de silêncio depois, voltou a falar:
  — Olha, eu não sei exatamente porque você me deu o seu número, e também não sei porque eu liguei, acho melhor eu ir...
  — Espera! – Ele exclamou e se arrependeu imediatamente, pois Sarah escolheu aquela hora para desligar o chuveiro. — Você... quer sair de novo?
  Porra , o que você pensa que tá fazendo?!, ele pensou.
  — Claro! — A menina respondeu, talvez rápido demais.
  — Ok, me encontre naquele parque em perto do bar que estávamos ontem. Umas três da tarde está bom para você? — Ele perguntou tentando falar o mais baixo possível.
  — Tá ótimo! Te vejo mais tarde, então.
  — Certo, agora tenho que ir, tchau. — Ele disse e desligou rapidamente quando escutou Sarah terminando de se vestir e abrindo a porta do banheiro.
  A menina loira saiu do banheiro e sentou ao lado de na cama, antes dando um leve beijo em sua boca.
  — Já sabe a sua agenda de hoje, querido? — Sarah perguntou enquanto colocava o salto que usaria aquele dia.
  — Reunião com o pessoal dos equipamentos, depois com o pessoal da construtora de novo, almoço com seu pai e o pessoal da mão de obra. Aí você volta ao trabalho enquanto eu vou fazer vários nadas pela cidade de novo. – Ele listou com um tom um pouco entediado, omitindo a parte que se encontraria com outra mulher.
  — Desculpa por não poder passar mais tempo com você, meu amor. Assim que voltarmos para casa, eu prometo te compensar por tudo isso. — Ela disse sensualmente e beijou o seu noivo novamente.
   não respondeu nada, e simplesmente a beijou de volta.

***

   chegou ao parque 10 minutos mais cedo do que o combinado. Não sabia por que estava tão ansiosa para encontrar novamente, mas estava. Algo sobre ele a ter ajudado até em casa no estado em que ela estava na noite anterior fazia sentir que devia algo a , o mínimo que podia fazer era se encontrar com ele e agradecer.
   chegou no horário marcado, e os dois sentaram-se em um dos banquinhos do lugar.
  — Olha, , eu queria te agradecer por ter me levado em casa ontem. Não sei o que teria acontecido se você não tivesse me ajudado. — começou a conversa.
  — Não foi nada. Você é muito bonita para ficar andando por aí sozinha e bêbada. — Ele disse e a menina corou e sorriu.
   sentiu seu coração palpitar mais rápido quando percebeu que tinha feito sorrir. A menina passou a mão pelos seus cabelos negros e tentou mudar de assunto.
  — Então, o que você realmente está fazendo aqui em Valland?
  O rapaz não havia previsto essa pergunta, por mais simples que ela fosse. Se respondesse a verdade, de que estava ajudando a sua noiva com a empresa da família dela, com certeza nunca mais olharia na cara dele. Mas também nunca foi muito bom em mentir, então fez o melhor que conseguiu para distorcer a verdade.
  — Como eu disse ontem, estou viajando a trabalho. A empresa da minha família está abrindo uma nova fábrica aqui, e eu vim para supervisionar a administração.
   o encarou por algum tempo, seus lindos olhos castanhos não se desviando dos azuis de . A moça parecia sentir que havia algo que ele não estava contando, e fez o seu melhor para continuar com o rosto neutro e não ser pego na mentira.
  — Sua família tem uma empresa? Você deve ser ricaço. — Ela exclamou e foi a vez de de ficar envergonhado.
  — Acho que se pode colocar assim. — Mentiu novamente. Ele só seria “ricaço” quando se casasse com Sarah e entrasse oficialmente na família Foster, que era realmente dona da empresa.
  — Quanto tempo você vai ficar? — Ela perguntou e seu coração acelerou. Estava com um pouco de medo da resposta, pois apesar de mal conhecer , ela não queria que ele fosse embora.
  — Não tenho certeza. — Resolveu mentir novamente. Em menos de duas semanas ele voltaria para casa e começaria os preparativos para se casar com Sarah. Não, não podia pensar na noiva agora, a culpa o esmagaria.
  Os dois ficaram calados por um tempo, estava imerso em seus pensamentos, assim como . A moça não conseguia para de pensar em seu pai, por mais que tentasse. também costumava viajar sem saber quando voltaria, mas certamente não era a negócios. Ele, Leo e alguns outros amigos viajavam em época de caça e voltavam com carne suficiente para alimentar suas famílias por um ano, mas a maior parte era vendida para custear todas as bebidas que eles levavam para os bosques.
  — ? Tudo bem? — perguntou alguns minutos depois, quando percebeu que a morena havia ficado triste de repente.
  — Ah, claro. É só que... meu pai também viajava bastante. — Ela disse voltando sua atenção para o rapaz bonito à sua frente.
  — E onde ele está agora? — Ele perguntou, mas no fundo já sabia a resposta.
  — A sete palmos do chão. — A menina disse casualmente.
  A tensão que ficou no ar era palpável. estava ligando os pontos em sua mente, quase podia ouvir o cérebro dele trabalhando.
  — Eu sinto muito. — Ele disse.
  — Tudo bem. — Ela deu de ombros. Era mais fácil fingir que estava tudo bem do que lidar com os sentimentos.
  — Você gosta de sorvete de quê? — perguntou subitamente quando viu uma pequena sorveteria do outro lado da rua.
  — O quê? — ficou confusa com a mudança repentina de assunto, mas agradeceu mentalmente por ela.
  — Vamos tomar sorvete! — Ele disse e pegou a mão da menina por impulso, mas não soltou.
   ria enquanto a puxava até a sorveteria, fazia os pedidos e pagava tudo, mesmo com os seus protestos. Tomaram os sorvetes e conversaram por mais algum tempo, até que a menina decidiu que voltaria para casa. se ofereceu para levá-la novamente, sob o argumento de que ela podia se perder. “O turista aqui é você, querido!”, ela dissera, mas aceitara mesmo assim.
  — Foi muito bom tomar sorvete com você, . — disse quando chegaram à porta do apartamento.
  — Foi sim. — Ela respondeu e se aproximou do rapaz, que não perdeu tempo em chegar mais perto também.
  Em questão de segundos estava apoiada na porta, a boca de colada na sua, as mãos de ambos passeando pelos corpos sem nenhuma censura. O beijo foi quebrado apenas para a menina conseguir destrancar a porta, os dois entrando no apartamento em seguida, para continuar o que começaram.

***

  Já era noite quando recebeu uma mensagem de Sarah perguntando onde ele estava. Suspirou alto depois que leu o que estava no celular, sem saber o que fazer. Olhou para , dormindo na cama ao seu lado, completamente nua, coberta apenas com o lençol, e suspirou novamente. Sentia-se mal, muito mal, por estar traindo Sarah, que era o amor de sua vida, mas algo sobre o atraía e ele não conseguia resistir. Um senso de aventura estava atrelado à menina morena, e se havia alguma coisa que faltava na vida de , era aventura. era o mistério, a imprevisibilidade, enquanto Sarah era a estabilidade e a certeza de que tudo daria certo.
  Seus pensamentos voltaram à realidade quando Sarah enviou a pergunta novamente. respondeu que estava andando pela cidade e perdeu a noção do tempo, mas que já estava voltando para o hotel. Antes de sair do apartamento, deixou um recado para que lesse quando acordasse e deu um beijo em sua testa.
  Mal tinha aberto a porta do quarto do hotel quando foi surpreendido por um forte abraço de sua noiva. Ver Sarah tão feliz não ajudou em nada o sentimento de estar fazendo algo errado ir embora, mas tentou disfarçar o melhor que pode.
  — Senti saudades. — Sarah disse ainda com os braços ao redor do pescoço de .
  — Eu também. — Mentiu novamente. Havia tentado afastar Sarah de seus pensamentos o máximo que conseguiu naquela tarde.
  A loira puxou o rosto do rapaz para perto do seu e o beijou apaixonadamente, mas logo notou que ele não correspondia.
  —Tá tudo bem? — Ela perguntou.
  — Hm, claro... eu só estou um pouco cansado e com fome... — Ele respondeu e ela finalmente o soltou.
  — Você quer sair para comer, ou pedimos serviço de quarto? — Ela perguntou.
  Sarah sempre tentou agradar a todos e ser uma boa pessoa, esses eram os principais motivos pelos quais se apaixonou por ela. O rapaz sempre pensou que a menina era boa demais para ele, o que se provou verdade, visto o que estava fazendo com ela. Mas não podia pensar nisso agora, quando ela estava bem na sua frente. era um fã de ignorar o problema até que ele eventualmente fosse embora, e foi o que fez.
  Decidiram por comer no quarto e assistir Discovery H&H até pegarem no sono.

***

   acordou com o celular tocando, pouco tempo depois de ter ido embora.
  — Alô? — Ela atendeu ainda com voz de sono, esquecendo-se de olhar se era um número conhecido.
  — ? Sou eu, Nora. — Uma voz feminina disse.
  — Ah, oi.
  Nora era uma das bartenders que trabalhava para Leo e era uma das amigas do pai de . A menina se lembrava de tê-la visto no funeral, mas apenas vagamente. Verdade seja dita, não se lembrava de quase nada sobre aquele dia.
  — , eu sinto muito pelo seu pai. Ele era um bom homem. — Nora disse e toda a tristeza que havia conseguido deixar de lado por algumas horas voltou.
  — Era, sim. — Ela disse simplesmente.
  — Bom, dito isso, tenho uma proposta para te fazer. — Nora disse depois de alguns momentos de silêncio.
  — Diga.
  — O que você acha de fazer uma apresentação no bar amanhã à noite? Eu, o Leo e alguns dos outros estávamos planejando uma pequena homenagem para , e pensamos que você poderia vir e cantar algumas das músicas favoritas dele. Eu sei que é um pouco em cima da hora, mas o que acha?
  — Seria ótimo. — topou depois de pensar um pouco.
  Terminaram de acertar os detalhes e se despediram. Depois de finalizar a ligação, esquentou um pouco de macarrão que estava na geladeira foi comer no sofá, procurando algo para ver na Netflix. Escolheu um dos clichês de Nicholas Sparks que costumava assistir quando era mais nova e adormeceu ali mesmo, pensando em como sentia falta da sua adolescência.

  — Esse aqui é um clássico. — disse enquanto colocava mais um CD para tocar no rádio da sala.
   estava sentada no chão junto com o pai, escutando atentamente tudo o que ele dizia e prestando atenção nas músicas que ele escolhia para tocar. Logo a voz de uma mulher começou a sair do pequeno aparelho, e a garotinha fechou os olhos para “sentir a música”, como o seu pai sempre dizia. A música não era em nenhuma língua que conhecia, mas ainda assim a sua mensagem era transmitida. Falava sobre um amor impossível, e toda a tristeza que vinha com ele.
  Foi nesse momento que decidiu que queria ser cantora profissional, queria provocar nas pessoas o que aquela música provocava nela; sentimentos profundos que ela, com apenas dez anos, não podia descrever.
  — Está gostando? –— perguntou alguns minutos depois. apenas concordou com a cabeça e continuou com os olhos fechados.
  Ao final da música, a menininha abriu os olhos e olhou para o seu pai, que sorria esperando a reação dela. sorriu de volta, e isso foi tudo o que precisou para saber que a menina tinha bom gosto. O mais velho abraçou o mais apertado que conseguiu, e ela aproveitou cada instante.

  — Pai... — acordou chorando na manhã seguinte.
  Passou alguns momentos ainda deitada, tentando fazer as lágrimas pararem de descer por seu rosto. Ao finalmente conseguir, levantou-se do sofá e começou o seu dia. Depois de escovar os dentes e tomar café, recebeu uma mensagem de em seu telefone, perguntando se podiam se encontrar novamente. Na mesma hora, praticamente todos os pensamentos sobre o seu pai foram expulsos da sua mente, sendo concentrados em outra pessoa. sabia que estava usando para superar o seu luto, mas ela não se importava; estava funcionando, afinal. Respondeu ao rapaz dizendo que adoraria se encontrar com ele novamente, ele disse para se encontrarem no mesmo local e horário do dia anterior, ela aceitou e eles se despediram.

***

  Ao final da tarde, estava feliz, assim como . Ambos estavam deitados na cama da menina, conversando preguiçosamente e aproveitando a companhia um do outro, quando falou:
  — Então... Eu vou cantar no bar do Leo hoje à noite. Você quer ir? — Ela perguntou, brincando com os dedos do rapaz.
   hesitou por alguns instantes. Ele sabia que não poderia ir, por mais que quisesse ouvir cantar, mas também não queria dizer não para a menina. Optou por, mais uma vez, omitir a verdade.
  — Eu não posso. Vou jantar com pessoas importantes hoje. — “Que são a minha noiva e meu futuro sogro”, continuou mentalmente.
  — Ah... — disse quietamente, olhou para o relógio na parede e começou a se levantar.
  — Aonde você vai? — Ele perguntou enquanto assistia a menina sair do quarto em direção ao banheiro.
  — Tenho que começar a me arrumar para sair. Você pode me acompanhar no banho, se quiser. — Ela disse sugestivamente, a voz sendo abafada pela distância.
  O rapaz não perdeu tempo em segui-la.

***

   cantou a última música para a homenagem do pai sem tentar mais controlar as lágrimas, mas ainda assim sua voz foi perfeita, se fosse para acreditar nas palavras de Leo. O “evento” acabou em um clima claramente triste, como era de se esperar, mas também esperançoso, com o pensamento de que estava feliz onde quer que estivesse. desceu do palco ao som de aplausos e sentou-se no balcão do bar. Não precisou de nenhuma palavra para uma dose de uísque aparecer na sua frente, mas ela não sorriu. A falta que seu pai fazia inundava sua mente, ela sabia que não tinha como escapar das memórias, mas isso não a impediria de tentar beber até conseguir. Leo acabou tendo que carregar uma praticamente inconsciente de volta para o seu apartamento.

***

  — Te vejo mais tarde? — Sarah perguntou antes de passar pelas portas de vidro do grande prédio empresarial.
  — Claro. — respondeu.
  A loira se inclinou para um beijo rápido, que o noivo correspondeu com um pouco de hesitação. Ela estranhou, mas não disse nada. Havia percebido que seu noivo estava agindo um pouco estranho ultimamente, mas concluiu que era apenas o estresse atingindo-o.
  Durante o dia, Sarah não conseguiu parar de pensar em seu casamento. Devaneou sobre o vestido, as decorações, as músicas, mas principalmente sobre . Ela sempre fora apaixonada por ele, casar com ele seria a realização de todos os contos de fadas que já havia escutado ou lido. O rapaz não era perfeito, claro, mas Sarah tinha certeza de que ele a amava, e isso era o suficiente.

***

  — , preciso de contar uma coisa. — disse em um dos encontros.
  Os dias haviam passado como balas, e no dia seguinte o rapaz voltaria para casa com sua noiva. Ele ainda não havia contado a verdade para , pois sabia que assim que contasse, ela se afastaria e nunca mais olharia em seu rosto. No momento em que aquelas palavras saíram de sua boca, a garota parou de tomar seu sorvete e voltou toda a sua atenção para ele. Estavam na mesma sorveteria de duas semanas atrás, na mesma mesa que haviam sentado e na mesma posição. De alguma forma, isso tornou a situação ainda mais difícil para .
  — Eu vou embora amanhã. — Ele disse e o pequeno sorriso de desapareceu. — Mas não era só isso que eu tinha que te falar. — Continuou e a menina arqueou as sobrancelhas sarcasticamente. suspirou pesadamente, mas não podia parar agora. — Eu menti para você.
  E então a verdade foi revelada. contou que não estava em Valland por causa de sua empresa, mas sim pela de sua noiva, e que casaria com ela em no máximo alguns meses. A inexpressividade de foi a pior parte de tudo. A menina não expressou nenhuma emoção, apenas o encarou firmemente durante todas as explicações e desculpas que o rapaz pôde dar.
  — , eu... essas semanas foram umas das melhores da minha vida, mas eu preciso voltar para a realidade. — Ele disse e tentou alcançar a mão de por cima da mesa, mas ela se afastou. — Eu entendo se você nunca me perdoar, mas, por favor, diga alguma coisa.
  — Por favor, vá embora. — Ela replicou e desviou o olhar. Não queria que visse que estava chorando.
  — Eu sinto muito. — Ele disse e se levantou para ir embora. Inclinou-se para um último beijo, mas desviou o rosto.
  — Adeus, . — Ela disse ainda sem olhar para ele.
  Ouviu o suspiro triste do garoto e viu quando ele foi embora, mas não disse mais nada.

***

  No dia seguinte, acordou tão triste que quase não conseguiu sair da cama. Não havia nenhuma mensagem de em seu telefone, e seu pai não estava lá para consolá-la, como sempre fazia quando a menina tinha seu coração partido por alguém. Não sabia o que faria naquele dia, não tinha motivos para sair da cama. Passou a manhã inteira deitada, praticamente imóvel, pensando em tudo e em nada ao mesmo tempo, e só levantou quando seu estômago começou a doer de fome.
  Depois de almoçar e tomar banho, colocou novamente o seu vestido preto e foi ao lugar em que o seu pai estava enterrado. Era a segunda vez na vida que ela ia ao cemitério da cidade, mas a primeira que realmente prestava atenção a onde estava. O lugar era bonito e ensolarado, cheio de árvores e flores coloridas, que pareciam não se importar com a tristeza das pessoas ao redor. A menina andou pelo lugar até encontrar o que estava procurando, então sentou-se ao lado da lápide de seu pai. Ficou lá por algum tempo, apenas sentindo toda a tristeza que pairava sobre ela no momento.
   olhou para cima quando viu uma sombra passar por cima de onde estava, e a sua melancolia aumentou ainda mais. Não havia como ter certeza de que era o avião de passando, mas ela podia sentir. Sem pensar muito, acenou um triste “tchau” para os céus, sabendo que ele certamente não a veria, mas mesmo assim tendo esperanças. O avião saiu de sua visão e foi como se ela estivesse de luto novamente, sentindo uma última lágrima ser derramada por tudo o que perdera.

You go back to her
And I go back to black.

FIM

  Nota: Hello Hello! Queria agradecer a quem enviou essa essa música maravilhosa e a todo mundo que leu o meu oneshotzinho, obrigada!
  Você está de férias e não tem nada para fazer? Gosta de seriados com gente linda e crimes não resolvidos? Vá assisitr   Eyewitness!
  Okay, parei, muito obrigada, bye bye!