A Última Primeira Vez de Becky Bloom
Escrito por Ana Paula | Revisado por Isadora
Becky Bloom é o tipo de garota que você pode chamar, no mínimo, de maravilhosa. Mas era encrenca. Nunca aconselharia ninguém a se envolver com Becky Bloom. Era uma “desconhecida” há 10 anos. Saiu de casa aos 16 anos, assim que conseguiu uma emancipação dos pais, e desde então não havia mais visto a família ou qualquer amigo. Cultivava uma única amizade: uma tartaruga, chamada Skrable, que levava pra onde quer que fosse.
Becky gostava de viajar, sua vida era na estrada. Não passava mais de 6 meses em um lugar só, portanto, por mais nova que fosse, conhecia sim o mundo todo, não como uma turista, mas como uma moradora. Atualmente se encontrava na bela e quente Califórnia. Los Angeles. Próxima a praia. Venice Beach. E como costume, a mudança drástica de visual veio com a mudança de moradia. Os cabelos agora eram longos e negros. Enrolados somente nas pontas, com uma franja comprida que caía às vezes em seus olhos. Olhos esses que eram negros. Negros como a noite, talvez até mais negros que ela. Duas pedras preciosas e brilhantes. Belos diamantes negros. Não mudava a cor dos olhos. Mudava as roupas, o cabelo, o estilo, mas nunca usava lentes. Tinha aqueles mesmo olhos pretos desde o momento que nasceu.
Becky Bloom era um tipo diferente de garota. Virgem? Nem em sonhos. Mas gostava de dizer que era. Não era daquelas de dormir com um homem por noite, mas nunca dormia com o mesmo cara duas vezes. Ia para baladas e pubs para se divertir, dançar, beber, mas sempre ia para casa acompanhada. Nunca sua casa, é claro. Não podia ser chamada de vadia, talvez fosse mais experiente que qualquer uma que um dia você possa conhecer. Mas não ia para as tais festas toda noite, no máximo uma vez por semana.
Aquele lance de dizer que era virgem, permita-me explicar; ela já não era virgem há bons 10 anos, mas sempre que um cara ficava interessado por ela, coisa que acontecia com frequência, ela dizia que era. O homem sempre se sentia honrado de tirar a virgindade da garota, era mais carinhoso ou mais selvagem, cada um tinha seu jeito de reagir, mas sempre era melhor. E na maioria das vezes o cara estava bêbado demais para perceber que ela havia mentido. Sempre era assim, o homem acabava se sentindo no poder, e se uma “primeira vez” não fosse boa, a próxima sempre poderia ser.
Becky se olhava no espelho mais uma vez, passando as mãos por cima do vestido preto que usava naquela noite. Ela iria para um pub qualquer do qual tinha ouvido falar mais cedo numa loja de instrumentos, onde uma banda nova tocaria. Ela gostava de ir a shows de bandas novas, quando ainda eram pouco conhecidas. Ela havia ido a um show do McFly antes da banda fazer sucesso, anos antes, em Londres, mas depois que a carreira dos caras decolou, ela nunca mais se interessou pelas músicas. Tinha resolvido por fim que iria ao tal pub ver essa nova banda, talvez fossem bons. Usava um habitual vestido preto, todos seus vestidos tinham cores escuras, e a maioria era do mesmo modelo. Tomara que caia, grudado no corpo e ressaltando as curvas já muito bem definidas de mulher que Becky exibia. O salto alto azul escolhido para essa noite a deixava numa altura mais razoável, já que a mesma se considerava baixa nos seus 1,63 de altura. A gargantilha de prata com um B pendia em seu pescoço. E por fim uma pulseira de prata, que trazia consigo há 10 anos.
Tinha somente 4 coisas que Becky Bloom não mudava nela mesma quando mudava de cidade: os olhos; sempre sendo os mesmos diamantes negros. O nome; não era porque ela queria ser uma “estranha” que ela gostaria de perder sua identidade. A pulseira de prata; lembrança de um passado distante e daquele a quem jurou amor. A atitude; sempre feroz, livre.
Enquanto Becky acabava de se arrumar no quarto da pousada onde estava hospedada dessa vez, nesse mesmo lugar, algumas portas para o lado, estava Johnny Guitar.
Johnny Guitar era o típico musico. Pé na estrada desde sempre, com uma banda que aparentemente estava dando certo dessa vez. O baixo que carregava já estava velho e logo precisaria ser trocado. O nome incomum veio da tal música do Pearl Jam, banda cujos pais idolatravam; a ponto de nomear o filho por causa de uma das musicas.
Talvez era exatamente esse nome que incentivou o garoto a seguir o mundo musical. Havia passado por bandas diferentes desde que saiu de casa, aos 18 anos, e finalmente uma parecia estar funcionando. Ainda sem nome e com poucas músicas originais, mas onde quer que tocassem atraiam a atenção. Johnny não era conhecido por Johnny, e sim por Snow; apelido dado pelos companheiros de banda pela pele e cabelos claros de Johnny. Apelido que só não combinava com os olhos. Olhos negros, mais negros que a noite. Olhos onde poderíamos nos perder.
Johnny Guitar se preparava para o pequeno show que faria hoje, num pub bastante movimentado de Venice Beach. Se olhou no espelho uma última vez, checando se estava arrumado demais. Estava bem. A calça jeans preta meio caída que deixava a mostra um pequeno pedaço de sua Calvin Klein vermelha. A camiseta preta com a letra de “Hotel California” escrita nas costas. O tênis preto da Nike. O escapulário que carregava sempre consigo no pescoço, já fazia 10 anos. Os cabelos loiros bagunçados, afinal, ele não se importava muito com os cabelos. Passou um pouco mais de James Dean, seu perfume preferido, e colocou duas palhetas no bolso. A verde que sempre costumava usar, e uma azul, caso perdesse a outra. Pegou o baixo e a mochila onde levava qualquer coisa que precisava e saiu do quarto, trancando a porta atrás de si.
Se encontrou com os outros 3 companheiros de banda na frente da pousada onde todos se hospedavam. Cumprimentou a todos com batidas nas costas e palavras baixas, e deu um beijo na bochecha de Ashley, namorada do baterista, se virando logo em seguida e seguindo para a van parada na porta. Os outros o seguiram, e em menos de 5 minutos estavam na entrada dos fundos do pub descarregando os instrumentos e afins.
Becky Bloom se permitiu enrolar um pouco penteando os longos cabelos negros que agora usava antes de sair de seu quarto. A tinta preta começava a descolorir, e já podiam-se perceber resquícios da cor natural, castanho claro, aparecendo nas raízes. Mas nada alarmante. Pegou a bolsa preta que usaria novamente naquela noite e depositou ali seu celular, documentos e uma quantidade misera de dinheiro. Nunca gastava muito em suas saídas. Sempre conseguia entrar nos lugares de graça e arranjava alguém para pagar suas bebidas. Ou flertava com o barman e ele a oferecia as bebidas “por conta da casa”, isso claro até a ver com algum outro cara qualquer e se tocar de que havia sido usado.
Becky saiu do quarto e trancou a porta atrás de si, depositando a chave na bolsa com seus outros pertences. O pub em que iria essa noite já era familiar para ela. Em pouco mais de 2 meses de moradia na ensolarada Califórnia já havia visitado o lugar pelo menos uma meia dúzia de vezes, mas claro, com um tempo razoável entre uma visita e outra, não queria ser reconhecida ou procurada por ninguém ali, afinal. Foi a pé até o lugar, pelo calçadão de Venice, e chegou em menos de 10 minutos. Uma fila de pessoas começava a se formar na porta, e o som alto da banda já ecoava lá dentro. Chegou perto do segurança do local que simplesmente abriu espaço para ela passar. Ela conhecia como as coisas funcionavam, se estivesse gostosa o suficiente, entrava sem pagar e sem esperar na fila. E bom, ela sempre estava gostosa.
Adentrou o lugar como sempre. Passos largos e cheios de atitude, logo atraindo olhares para cima de si. Foi até o bar e pediu uma daquelas batidas de nomes longos e sexys. Deu uma piscada para o barman, que já era capaz de reconhecer a garota e só a entregou a tal bebida, sem nenhuma troca de palavras. A menina o entregou a bolsa para que ele a depositasse atrás do bar. Ela sempre fazia isso, nunca havia tido problemas. Segurou a batida e foi para mais perto do palco, onde a banda apresentava alguns covers. Nesse momentos tocava “I Don’t Want To Grow Up” dos Ramones. A música era uma velha conhecida da garota, e ela cantou junto com o resto da plateia acompanhando os músicos. Eram 4, no total. Um baterista, de cabelos ruivos e cumpridos, bastante musculoso, com a boca grossa e muito atraente. Dois guitarristas; um com os cabelos pretos e enrolados, já levemente molhados devido ao suor e olhos claros, também muito atraentes; e o outro com o cabelo na cor de um loiro artificial, pele bronzeada de sol e sardas nas bochechas, igualmente atraente. E por ultimo o baixista; com a pele mais branca que já havia visto, os cabelos loiros muito claros e os olhos negros. Seu baixo se destacava em meio aos instrumentos ali, pois tinha uma cor azul muito chamativa. Sua roupa esbanjava atitude e seus olhares acabaram se encontrando uma ou duas vezes durante o show. Becky sorriu com isso, e já deixou bem claro na sua mente: ela queria aquele baixista.
Ao fim do pequeno show um DJ assumiu o controle das luzes e do som e finalmente a noite começou a ficar boa. Já passava das duas da manhã, ela tinha certeza, e sabia também que não voltaria para a pousada antes do sol aparecer. O DJ começou a tocar muitas músicas remixadas, e Becky Bloom logo estava no meio da pista, mexendo o corpo em sintonia com as músicas. O som alto, as luzes piscando e o efeito da bebida a deixavam em um estado meio anestesiado, sem controle pelas ações e pensamentos, só respondia à música. Dançava sem se importar com quem estava em volta e se estava ou não sendo observada. Nunca se importava com isso.
Ao longe Johnny observava a pista de dança sentado numa mesa próxima ao bar com dois companheiros de banda e a namorada de um deles. Jason, o baterista, engolia a namorada na frente dos outros dois caras sem se importar a mínima. Sam, o guitarrista e vocalista principal, com seus cabelos loiros artificiais, se preocupava demais com sua cerveja para se dar conta do que acontecia a sua volta. O cara já havia dispensado pelo menos 4 mulheres que se aproximaram dele, às vezes era bom curtir um fim de relacionamento ao lado de sua bebida. Alex, o outro guitarrista, já se agarrava aos cantos com a terceira ou quarta menina naquela noite. Johnny observava a pista de dança, procurando por algo que ainda não sabia o que era. Mas ao vê-la, reconheceu-a de imediato. Haviam trocado olhares algumas vezes durante o show, e ele teve aquela sensação incomoda de que já a conhecia. Mas foi só a vendo dançar ali no meio de estranhos que teve certeza. Se levantou e se embrenhou no meio da multidão que dançava, determinado a descobrir se era realmente ela.
Ela dançava sem prestar atenção no que acontecia a sua volta, quando sentiu um par mãos sendo firmemente pressionadas em sua cintura. Continuou dançando fingindo não ter percebido o toque. Era sempre assim, uma espécie de jogo. Se o cara continuasse ali, quem sabe ele valeria a pena? Mas não naquela noite, naquela noite ela estava decidida a ter aquele baixista para si. As mãos a pressionaram com mais força, e ela virou a cabeça devagar para tentar ver quem era o tal dono daquela forte pegada. O perfume forte a ludibriou por alguns segundos. James Dean, com certeza. Virou-se de frente para o desconhecido, sentindo-se agora levemente atraída por ele. E tamanha foi a surpresa ao se deparar justamente de frente com quem queria. Ele sorriu para ela que retribuiu o sorriso cúmplice. Virou-se novamente de costas para o rapaz e continuou dançando. Seus corpos se juntavam mais a cada segundo, e logo espaço algum estava presente entre os dois.
- Quer beber algo? – ele finalmente perguntou, quando a música que tocava cessou e outra começou logo em seguida.
- Claro. – ela respondeu simples e se dirigiram ao fundo do lugar, onde o bar ficara posicionado. Pediram duas cervejas e se sentaram numa mesa alta próxima a pista de dança.
- Qual seu nome? – ele tomou a frente mais uma vez, puxando assunto.
- Becky Bloom, mas me chamam de Bloom. – ela respondeu sorrindo e milhares de pensamentos invadiram a cabeça do garoto.
Becky Bloom, Becky Bloom, Becky Bloom. Memórias de um passado que ele sempre tentou abandonar, em vão.
- Qual seu nome? – o menino finalmente tomou coragem e foi falar com a garota, cercada de estranhos, que dançava animadamente.
- Becky Bloom, mas meus amigos me chamam de Bloom, isso é, se eu tivesse amigos. – ela respondeu e sorriu abatida – E você, como se chama? – perguntou curiosa e com os olhos negros brilhando.
- Johnny Guitar. Me chame de Jon... – o garoto disse enfiando as mãos no bolso da calça meio caída que trajava.
Ficaram conversando por horas. Tinham apenas 16 anos. O garoto completaria 17 em algumas semanas. Era uma festa de fim de férias, dada pelo pessoal da escola de Becky todos os anos, e Johnny foi convidado por conhecer muita gente dali. Beberam pela primeira vez, primeiras experiências, primeira dormida fora de casa, primeira noite com um estranho, primeira ressaca. Foi uma noite de primeiras vezes, para ambos. No fim da noite, não se sabe bem como, acabaram dividindo uma cama. Perderam a virgindade juntos. Johnny realmente gostou da garota, e queria manter contato, mas de manhã, ao acordar, ela já havia desaparecido. Surpresa maior teve quando, três dias depois, a viu passar pelos portões da escola. Estudariam juntos. Quando ele foi falar com ela, em algum momento ao trocarem de salas, ele, que esperava ser ignorado, se surpreendeu ao perceber a menina de ótimo humor e falando normalmente com ele. Em poucas semanas, dois estranhos se tornaram dois apaixonados. Uma noite de primeiras experiências se tornou o começo de muitas que seguiram. Por quase três meses foi assim. Ele falou que a amava, ela retribuiu. Noites e noites passadas juntos. Momentos para uma vida toda passados em três meses. E tudo foi apagado, tudo não parecia significar nada, quando Becky Bloom, sem explicação alguma, sumiu de sua vida do mesmo jeito que apareceu, de repente. O bilhete deixado pela menina aos pais era claro “Não me esperem, eu não vou voltar.” E o bilhete que ele encontrou na manhã de segunda no armário da escola, era igualmente esclarecedor “Eu juro que te amei, de todo coração, e prometo amar somente a você. Me desculpe, mas eu não voltarei”. Naquele dia, Johnny chorou, e a ferida aberta em seu peito por Becky Bloom nunca foi fechada. Foi no máximo escondida por muitas mulheres estranhas, muita bebida, muitas festas. Mas Johnny nunca mais amou ninguém como amou Becky Bloom.”
- E você, como se chama? – ela perguntou sorrindo para o rapaz, e o despertando de suas tristes lembranças. A história se repetia, 10 anos mais tarde.
- Snow, meus amigos me chamam de Snow. – ele respondeu, dando ao invés do nome, o apelido que seus amigos usavam com ele. Se fosse para ser reconhecido, que fosse ela quem descobrisse quem ele realmente era.
Passaram um tempo conversando, mas não trocavam muitas informações. Ele escondia coisas, pois não queria ser reconhecido. Ela escondia coisas, pois não queria que a achassem depois. Voltaram para a pista de dança umas horas depois, quando a maioria das pessoas ali já estava num estado realmente alterado. Dançaram novamente com os corpos colados um no outro, num jogo de sedução onde ninguém sairia perdendo. Por fim, a garota se rendeu aos encantos do rapaz que já, há alguns minutos, beijava seu pescoço. Virou-se de frente para ele e aproximou seus rostos. Mesmo com o salto, teve de ficar na ponta dos pés. Olhou fundo nos olhos dele. Duas poças negras, onde se ela não tomasse cuidado, poderia se afogar. Aqueles olhos trouxeram a lembrança de outro par de olhos negros que ela um dia mergulhou. Ela não se afogou completamente, mas uma parte essencial dela ficou naquelas lagoas negras. Seu coração. E então se renderam ambos ao desejo e colaram seus lábios num beijo cheio de luxuria. Ele se surpreendeu ao perceber que os beijos da garota continuavam do mesmo jeito. Ele gostava de dizer que todas as garotas pareciam ter um beijo com gosto de morango com leite condensado. Doce, bom, mas enjoativos. Os beijos dela não, esses tinham gosto de morangos com champagne. Doces, ludibriantes, viciantes. As mãos dele que se encontravam na cintura dela desceram até o começo da bunda da mulher, e os braços dela subiram devagar enquanto suas mãos estudavam toda a extensão das costas dele até chegarem a nuca, onde repousaram, puxando de leve os cabelos ali. Finalizaram o beijo, ambos a contragosto, quando o ar faltou nos pulmões e só beijos não eram mais o suficiente.
- Quer sair daqui? – ele sussurrou no ouvido dela, fazendo com que todos os pelos de seu corpo se arrepiassem como há anos não se arrepiavam. Um aceno de cabeça dela foi o suficiente. Foram juntos até o bar para ela pegar sua bolsa que estava lá guardada e saíram do pub logo em seguida. Johnny Guitar não devia satisfações de onde iria para a banda, mas ao encontrar com Alex na saída, o amigo ao ver Johnny acompanhado o dirigiu um olhar malicioso e sorriram cúmplices um para o outro. Algumas meninas estudavam Becky Bloom de cima a baixo enquanto saíam do estabelecimento, achando que ela não era boa o suficiente para o homem que a acompanhava, e Becky adorava aquela situação.
Iriam a pé até o lugar onde Johnny estava, e mal sabia Becky que estavam hospedados no mesmo local. Caminhavam lado a lado pelo calçadão de Venice, sentindo a brisa gelada que o mar fazia pela madrugada. Então ele fez algo que muito surpreendeu Becky: ele segurou sua mão. Apesar da surpresa, Becky permitiu tal contato. Não era algo a que estava acostumada, afinal, mas não era uma situação de totalidade negativa. Continuaram essa caminhada silenciosa, perdidos nos próprios pensamentos, até Johnny Guitar parar de frente a pousada. Ela o olhou confusa.
- O que estamos fazendo aqui?
- É onde estou hospedado – ele explicou calmo, abrindo a porta em seguida para que ela passasse. Tamanho cavalheirismo era totalmente incomum para ela, que ainda pensava se aquilo era bom ou ruim.
- É que eu também estou hospedada aqui. – ela comentou e ele arregalou de leve os olhos.
- Sério? Eu com certeza já teria reparado em você... – ele parecia confuso. Ele reconheceria Becky Bloom em qualquer lugar, não importa o quanto ela teimasse em mudar, tinha algo nela único e imutável.
- Deve ser porque eu saio muito cedo, trabalho numa loja de instrumentos e só volto quando está anoitecendo. – ela explicou, falando mais do que já tinha falado para qualquer um. Por que contou aquilo para ele? Era totalmente desnecessário! E se ele a procurasse depois? Mas por algum motivo, deu um voto de confiança no homem e sorriu. Ele retribuiu o sorriso e a guiou até seu quarto, que para surpresa de Becky era apenas 3 portas distantes do seu.
Abriu a porta para permitir que Becky entrasse, entrou e em seguida trancou a porta. Puxou Becky para perto de si e a garota, não esperando tal movimento, prendeu o ar.
- Er... antes de qualquer coisa, acho que deveria falar... Eu sou virgem. – Becky falou a mesma frase decorada de sempre, a mesma mentira, e fingiu estar envergonhada. Ele a encarou confuso.
- Virgem? – não era normal que eles questionassem aquele tipo de coisa, a maioria falava coisas ‘calmantes’, mas nunca a questionavam.
- Hm... é. – ela murmurou, e Johnny, apesar de saber muito bem da verdade, entrou no jogo dela. Ainda a segurando pela cintura, a prensou contra a parede e iniciou um beijo de puro desejo. Os lábios frios de Becky contra os lábios quentes de Johnny. As respirações se conflitavam e o clima começava a ficar quente demais para a quantidade de peças de roupa que usavam. Os beijos se intensificavam e Johnny desceu uma das mãos, antes na cintura de Becky, até a coxa da garota. Ela por sua vez puxou os cabelos dele, aprovando a mudança das mãos. Tirou suas mãos de trás da nuca do homem e as desceu, estudando cuidadosamente o peito e a barriga dele, até chegarem na barra da camiseta, que começou a ser levemente puxada para cima. Se separaram do beijo para que ele retirasse finalmente aquela incomoda peça. Ela pode ver algumas tatuagens nele. Um dado que tomava grande parte do peito direito se destacava. Ele então voltou a beijá-la com mais necessidade ainda, e posicionou ambas as mãos sobre a bunda da moça.
Começou a descer seus beijos pelo pescoço dela, que bagunçava os cabelos dele e por vezes mordiscava o lóbulo de sua orelha. As mãos de Johnny foram logo parar na barra do vestido da mulher, também o levantando devagar. Ela percebeu suas intenções e o empurrou pelo peito, de modo que agora ela era quem o prensava sobre a parede. Ela gostava de ter o controle da situação. Começou a beijar o pescoço do homem dessa vez, enquanto ele, com muito cuidado, descia o zíper do vestido preto de Becky. O vestido escorregou pelo corpo da garota e caiu ao chão, revelando a lingerie também preta que ela usava. Ele puxou as pernas de Becky para cima, fazendo com que essas se entrelaçassem em sua cintura. Segurou firme sua bunda e a guiou até sua cama, a deitando lá. Beijou-a novamente nos lábios, sentindo aquele sabor de morango com champange que só ela tinha. Desceu novamente os beijos até o pescoço, ombros e finalmente seios de Becky, onde ficou por um tempo maior. O fecho de seu sutiã ficava na parte da frente, de modo que ele conseguiu desabotoar a peça com facilidade. Depois de um tempo beijando os seios da moça, desceu até a barriga dela, e pode senti-la se arrepiar com seu toque. Ele já ia chegando na borda da calcinha dela quando ela, fazendo o papel de virgem, o chamou baixo “Snow...” ele levantou seu olhar, e ela sustentou. Puxou de leve os cabelos dele e ele voltou para mais perto do rosto dela, para que se beijassem mais e mais uma vez. Ela começou a tirar, com uma habilidade impecável, o cinto do homem, que logo percebeu as intenções dela e facilitou a situação, retirando de uma vez a calça e ficando somente com sua Calvin Klein vermelha. Becky aprovou a cor das roupas de baixo do homem, e sorriu involuntariamente para ele, afinal, achava sexy quando o homem usava esse tipo de boxer colorida. Ele então, que se encontrava por cima da mulher, foi de repente para de baixo do corpo dela, que começou também a beijar e depositar leves chupões no corpo e peito de Johnny.
Por que ele a deixava tão excitada? Realmente se sentia uma virgem perto do homem, que despertava estranhos calafrios nela. Becky continuou naquele jogo de sedução, e pode ver o homem ficar realmente excitado conforme ela beijava seu peito. Se livraram ambos das últimas peças de roupa, que já eram de extrema inutilidade e uniram, finalmente, seus corpos em um só. Os movimentos lentos e sincronizados foram, com o tempo, aumentando de intensidade conforme a temperatura entre eles aumentava. Há anos ela não se sentia daquele jeito. Se sentia completa, com aquele homem, que trazia uma estranha sensação a ela, ela se sentia inteira. Depois de dez anos, era Becky Bloom novamente, era a pequena Bloom que fugiu de casa aos 16 anos. Os movimentos ficaram mais intensos e desesperados, e Becky começou a sentir as pontas dos dedos formigarem, e aquela famosa sensação de borboletas na barriga, indicando que logo ela chegaria ao seu clímax. Olhou fundo nos olhos do homem que tinha abaixo de seu corpo, e a imensidão de dois pares de olhos negros se chocou, enquanto calafrios percorreram o corpo de ambos e chegaram juntos ao seu ápice. Ela caiu, exausta ao lado dele, ainda tentando entender porque aquele homem a despertava tais sensações. Virou-se na cama, e Johnny, num movimento automático, a abraçou, e ficaram ali, deitados de conchinha. Ele puxou a coberta da cama sobre eles, enquanto ambos pensavam no que aquilo significava. Para ele, era encontrar, depois de anos, dez anos, a dona daquele escapulário que ele sempre usou. Era reencontrar a mulher a quem sempre amou, mesmo depois de ter sido abandonado, mesmo depois de ter sido ferido, era até mais doloroso para ele admitir que, no fim, ele sempre a amou. Para ela era ter medo. Ter medo de se apaixonar. Porque nunca sentira aquilo com nenhum homem, tinha que significar algo! Pensando mais a fundo no assunto, lembrou-se de um garoto que uma vez, dez anos antes, a fizera sentir de certo modo daquele jeito: completa. Mas não poderia ser. Johnny Guitar? Depois de todos esses anos? Era impossível.
O homem se entregou a exaustão, mas antes de fechar os olhos e entregar sua mente ao mundo dos sonhos, teve o movimento arriscado de beijar o espaço entre o pescoço e o ombro de Becky, e dormiu com aquela sensação gostosa de sua menina se arrepiando. E o melhor de tudo aquilo? Nos seus braços. Ela estava novamente em seus braços. Ela se espantou com tal movimento, mas foi esse exato movimento que a deu certeza de quem ele era.
- Becky, você me ama? – John pergunto, numa tarde qualquer, enquanto estavam sentados em baixo de uma árvore, numa praça bastante movimentada no centro da cidade.
- Claro que amo Johnny! – ela respondeu, se desvinculando dos braços do menino que estavam pousados sobre seus ombros e o encarando, para que ele tivesse certeza que ela falava a verdade.
- Então prova! – ele desafiou-a. Becky estranhou tamanha mudança, e se sentiu acuada. Mas mesmo assim, tirou do pescoço o escapulário que sempre usava e passou pela cabeça do garoto, o beijando em cheio nos lábios ao fazer tal movimento.
- Não posso te dar nada, Johnny Guitar, mas se eu pudesse te daria o mundo. Não posso te dar nada que não seja meu amor, e não posso provar nada desse amor que não sejam beijos e esse escapulário. Fica com esse escapulário se realmente me ama como eu te amo, e nunca, por favor, nunca o perca. – ela disse, deixando de lado seu jeito moleca e permitindo que as palavras bonitas ludibriassem o garoto. Ele, encantado com tais gestos e palavras, removeu do pulso uma pulseira de prata que usava e a entregou.
- Então, usa minha pulseira, Bloom, e prova também que seu amor por mim é eterno. – ele disse para menina.
- Você sabe melhor do que ninguém que eu não acredito na eternidade, John... – ela se defendeu. Não podia se prender de tal modo a um menino, sendo que já tinha em mente a ideia de sair de casa, sair para nunca mais voltar. Johnny era para ser um cara, um primeiro namorado meigo de quem ela se lembraria com carinho em suas viagens, mas ela nunca imaginou que além de namorado, ele se tornaria primeira paixão. Não podia se prender a mais nada naquela cidade. Mas todas as noites que ela passara com Johnny que o provaram ser um amante incrível, todas as tardes compartilhando sonhos e brincadeiras, todas as palavras aleatórias trocadas na escola, todas as ligações para dizer boa noite, tudo não podia ser esquecido como ela queria, então, surpreendendo até a si mesma, prendeu a pulseira no próprio pulso e sorriu para ele – Mas prometo usar essa pulseira enquanto te amar. – ela completou, e ele sorriu satisfeito.
Se abraçaram e ele a beijou onde só ele beijava, o espaço entre o pescoço e o ombro, em baixo daquela árvore qualquer, num começo de noite, aquele beijo singelo pôs fim aos planos de ambos para o futuro. Naquela mesma noite, Becky embarcou em um avião e fugiu para seu primeiro destino, Londres. No avião, Becky chorava, olhando a pulseira que prometeu a si mesma que nunca, nunca, tiraria. E ela não quebrava promessas.”
Becky Bloom se lembrou de tal momento e se virou devagar, para não acordar Johnny que já adormecera e o encarou. Como não havia percebido antes? A mesma pele branca, os mesmo cabelos loiros, e principalmente, os mesmos olhos negros. Aquela pequena cicatriz perto do queixo, os traços fortes, tudo ainda estava ali. Como ela pode ter sido tão cega? Desceu os olhos em direção ao pescoço do homem. O escapulário. Ele ainda usava, do mesmo jeito que ela ainda usava sua pulseira. Será que ele se lembrava dela? Becky não aguentaria mais muito tempo acordada. Tinha que se levantar, tinha que trocar de roupa, tinha que partir, tinha que partir antes que ele despertasse, tinha que sair logo dali, sem ser percebida e sem deixar pistas, mas por que não conseguia? Ela tinha que sumir, como sempre, mas ao invés disso, fechou os olhos e se aconchegou mais nos braços fortes de Johnny. Fechou os olhos e adormeceu.
Johnny despertou com raios fracos de sol escapando pelas laterais da cortina de náilon barata de seu quarto. Se surpreendeu ao perceber, ainda abraçada a si, Becky Bloom dormindo encantadoramente. Nunca havia acordado junto dela, ela sempre desaparecia antes do amanhecer, mesmo quando namoravam, e despertar ao seu lado, para ele, era a sensação mais maravilhosa que ele um dia poderia imaginar. Ficou a observando por um tempo. Percebeu que a tinta começava a sair de seus cabelos agora e revelava a cor natural, os cabelos castanhos claros, quase loiros, que ela usava na época do colégio. Percebeu a boca grossa de Becky, perfeitamente desenhada, os longos cílios que circulavam seus olhos, que agora estavam cerrados. Mas ele se lembrava daqueles olhos negros. Ele com certeza se lembrava. Foram aqueles mesmos olhos que o proporcionaram sonhos e pesadelos ao longo dos últimos 10 anos, por mais que ele não quisesse admitir aquilo. Becky se movimentou de leve, e ele até prendeu a respiração para não acordar a mulher, mas mesmo assim ela abriu seus brilhantes olhos pretos e o encarou longamente. Ele sustentou o olhar, ignorando o frio que repentinamente percorreu todo seu corpo. Ela já não o olhava mais como Becky Bloom, a garota do pub, ela o olhava como Bloom, seu amor. Ela bocejou brevemente e ele achou tal movimento adorável, e levou a mão direita até a boca. Ele então pode ver, claramente, que ela ainda usava sua pulseira, e ele bem se lembrava “Mas prometo usar essa pulseira enquanto te amar.” Ela ainda o amava então? Era isso? Será que depois de todos esses anos separados eles foram novamente colocados no caminho um do outro, para quem sabe dessa vez, ficarem juntos para sempre?
Johnny levou uma mão até o rosto da menina, que agora voltara a o encarar e fez um carinho leve em sua bochecha com o dedão, antes de beijá-la carinhosamente. Ela retribuiu o beijo, fazendo questão de prestar atenção em cada movimento do homem, que tanto sentira saudade, só percebendo isso agora, é claro. Se separaram pouco tempo depois.
- Oi, Becky Bloom. – Johnny finalmente se pronunciou, com a voz ainda rouca de quem acabara de acordar.
- Oi, Johnny Guitar. – Becky respondeu, e sorriu em seguida, com um estranho orgulho de pronunciar o nome do homem depois de tanto tempo.
- É bom acordar do seu lado... – ele comentou inocentemente e a garota, como uma menina que acabara realmente de perder a virgindade, corou.
- É estranho, eu nunca acordei acompanhada. – ela disse um pouco envergonhada, repentinamente, de como poderia estar sua aparência.
- Você está linda. – John disse, como se lesse seus pensamentos. Sempre foi assim, ele sempre pareceu conhecer melhor a garota do que ela mesma. Ficaram em silêncio por alguns instantes, medindo as próximas palavras que diriam.
- Johnny... Você me perdoa? – ela perguntou, mais arrependida do que algum dia esteve em sua vida. Becky não costumava se arrepender, e na verdade, não se arrependia de ter deixado o garoto, não. Se eles tivessem continuados juntos ela nunca teria tantas experiências incríveis como as que teve, nunca conheceria o mundo. Mas ela se arrependia de tê-lo amado, e pior, tê-lo feito se apaixonar por ela, uma vez que sabia que partiria logo.
- Eu não tenho porque te perdoar, Bloom, eu te amo. – ele disse simples, e fez o coração da menina disparar. Ele não sabia se havia feito o certo ao dizer, tão cedo, tais palavras, mas também não voltaria atrás. Nunca teve tanta certeza de algo naquela vida quanto teve daquele ato, dessas três pequenas palavras, de importância tremenda, pronunciadas para a primeira e única, Becky Bloom. Ela prendeu a respiração por míseros segundos e, após balancear rapidamente tudo que sentia pelo homem, levou o pulso até onde ambos poderiam ver.
- Eu sempre te amei, Jon. – e com isso, trocaram mais um beijo, mais cheio de significados do que qualquer um que tenham trocado.
Becky se levantou da cama e passou a procurar suas roupas pelo chão, as vestindo a medida que achava. Johnny fazia o mesmo.
- Te encontro em 20 minutos? – ele perguntou, receoso da resposta.
- Claro, vou só trocar de roupa, volto daqui a pouco. – Becky respondeu sincera e sorriu. Abriu a porta do quarto e sem fazer barulho algum, entrou no seu próprio quarto. Tomou uma ducha rápida, e enfiou uma roupa qualquer. Se lembrou de olhar no relógio. 6:02 da manhã. O sol ainda não havia aparecido, e um frio leve a arrepiava. Pôs uma calça de moletom roxa escura e uma blusa regata branca, fez um coque rápido no cabelo, e calçou um chinelo. Parou um pouco para refletir sobre a última noite antes de sair de novo para o quarto de Jon. Aquela noite havia sim sido perfeita. A perfeita primeira vez. A perfeita última primeira vez. Ela não diria mais que era virgem, não tendo passado a noite duas vezes com o mesmo homem, não tendo perdido a virgindade duas vezes com o mesmo homem. Nada poderia ser mais confuso e mais perfeito que aquilo, mas para ela, fazia total sentido.
Pegou somente as chaves do quarto e voltou ao quarto de Jon, que estava sentado na cama, olhando algo em seu celular. Ele olhava uma foto, uma das poucas que tinha com Becky, e que sem nem saber porque, ainda insistia em carregar consigo. Bom, agora sabia o porquê, mas isso não vem ao caso. Ele se levantou e saíram juntos da hospedaria, com as mãos entrelaçadas, atravessaram o calçadão de Venice até chegarem a praia. Passaram pelas quadras de vôlei, e podiam ver ao longe surfistas já se arriscando nas ondas da manhã. O sol nascia ao longe proporcionando um efeito incrível na paisagem do lugar. A areia gelada brilhava aos primeiros raios de sol e o mar ganhava uma coloração única e convidativa. Se sentaram na areia, se deliciando com a brisa gelada que vinha da água. Johnny passou um braço pelos ombros de Becky e essa se aconchegou nele. Ficaram em silêncio por alguns instantes.
- Becky? – ele a chamou, e ela o encarou.
- Hm?
- Promete que dessa vez não vai embora? – ele perguntou, e suas palavras traziam uma mágoa antiga que fez o coração de Becky se apertar.
- Mas John, eu não posso ficar em um lugar só, eu gosto de viajar... – ela respondeu, porque por mais que amasse o garoto, sua vida eram as viagens.
- Mas eu to com a banda agora, você vai viajar com a gente, nós vamos conhecer o mundo todo, só que dessa vez do jeito certo: juntos. – ele falou, quase numa súplica, e Becky achou a ideia totalmente válida e atraente, sem contar que poderia fazer tudo que amava, ao lado do homem que amava.
- Mas Johnny, você não tem medo? De eu mentir, de eu fugir? – ela questionou.
- Eu confio em você, Bloom. Por favor, fica comigo dessa vez, promete ficar pra sempre comigo. – ele a surpreendeu, e surpreendeu também a si mesmo, percebendo que as mágoas do passado não importavam, desde que ele a tivesse para si, agora para sempre.
- Eu prometo Johnny Guitar, prometo ficar pra sempre com você. – Becky também o surpreendeu e se beijaram lentamente, ao mesmo tempo que o sol acabava de aparecer por completo no horizonte.
Becky prometeu não somente a Johnny Guitar que não partiria, prometeu também a ela mesma. E bom, Becky Bloom não quebrava promessas.