Atlas

Escrito por Carmen Tadeo | Revisado por Luba

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Prólogo


  Em alguma casa de classe alta em Beverly Hills.
  As luzes brilhando nos candelabros caros grudados nos tetos em cada cômodo da casa eram a melhor parte da noite. Elas e o champanhe caro – e delicioso – que ficava em minha taça por menos de dois minutos cada vez que chegava outra bandeja. Claro que quando ninguém me irritava ou puxava algum assunto tedioso sobre minha família conseguia durar mais minutos.
  Era apenas um jantar beneficente entre pessoas “importantes” de Los Angeles e como meu pai era um dos religiosos mais respeitados do ramo e contribuía com quase tudo na sociedade, sempre aparecíamos nesses jantares. Por mais tediosos que fossem.
  Virei-me e fui atrás de um espelho – que por incrível que pareça haviam muitos nessa casa, que me indicava que ou a pessoa era muito egocêntrica, ou os espelhos deixavam a casa mais estilosa - para verificar a minha situação. Estava tudo bem até então, a maquiagem com os olhos cheios de glitter ainda estava no lugar, a boca com um leve batom rosa quase igual a minha cor natural estava também no lugar.
  Já meu vestido era um desastre. Por mais bem feito que fosse, era longo e sem decote algum, já que meu pai morreria se a sua filha saísse mostrando o que Deus lhe deu – e muito. A única vantagem era que mostrava minhas costas, mas para meu pai nenhum homem se interessaria pelas minhas costas.
  Dei mais uma checada no espelho, penteando meus fios loiros soltos com os dedos, percebendo a pontinha do meu nariz um pouco mais avermelhada. Encarei a minha taça. Aquilo não era tão forte para me deixar bêbada tão fácil assim. Dei os ombros, ignorando e voltei a andar pelo salão.
  Peguei mais uma taça quando o garçom passou com a bandeja e tomei o primeiro gole, agradecendo o Santo Álcool. Para meu pai, usar decote estava fora de cogitação, mas beber antes dos vinte e um anos era normal. E quem seria eu para julgar?
  Avistei meu pai conversando com um grupo de amigos, mas também com os filhos desses amigos, senti o que aquilo significava e então bebi mais um gole, me preparando para a batalha.
  A verdade era que ele tentava me casar com um dos filhos dos amigos dele desde que eu tinha dez anos de idade. Linhagem de sucesso, já ouviram falar? Se eu casar com um homem importante e influente, terei um legado para passar e então a família Hudson continuará mais poderosa ainda.
  Agora, se eu casar com um homem que amo e não for metade do que meu pai quer, a linhagem de sucesso será corrompida e a família Hudson vai morrer no esquecimento. Agora reflitam, o que era mais importante pra ele?
  Enfiei-me na roda dos amigos e a maioria dos filhos desses amigos eram jovens, bonitos, bem vestidos, com classe e completamente charmosos. Alguns até sensuais demais que com certeza eu ficaria. O sonho de qualquer garota que nem eu – a não ser as que adoram se envolver com os problemáticos. Um deles em especial não tirava os olhos de mim. Ele tinha cabelos pretos em um bem feito topete, olhos castanhos vívidos que não tirava de mim. A boca colada no copo de alguma bebida que tomava. Deu um sorriso de canto para mim e eu apenas retribuí disfarçadamente, enquanto bebericava meu champanhe.
  - Essa é minha filha, Hudson. – Meu pai me apresentou para todos no círculo.
  Os senhores e os rapazes me cumprimentaram com apertos de mão. Até mesmo o mais gato deles, que não tirava os olhos de mim. Juro que quando nossas mãos se tocaram eu pude sentir uma energia surreal.
  Ok, se fosse para casar com um deles, com esse rosto, valeria toda a infelicidade.
  - Essa é a ingrata? – Um dos amigos riu e o bando de homens desocupados o acompanharam. Inclusive meu próprio pai.
  Arqueei minhas sobrancelhas e o encarei.
  - É assim que o senhor anda me apresentando pelos cantos, papai? – Sorri falsamente e ele engoliu seco.
  - Bom, você não me deu escolhas, querida. – Retribuiu o sorriso e eu quase taquei minha taça em sua cara. – Quer dizer, você está renegando toda a educação e amor a Deus fazendo uma faculdade para desacreditar mais ainda, – disse forte, como se estivesse completamente indignado com esse fato. – Você está perdida minha filha. – Rolei os olhos.
  O problema do meu pai era seu fanatismo religioso. Não era a crença, porque cresci nesse mundo e nem por isso sou tão cabeça fechada quanto ele. Seu jeito um pouco extremista, levemente machista – que sumia quando minha mãe o colocava em seu devido lugar – e até mesmo intolerante, era apenas a má formação que tinha. Sua cabeça era fechada desde sempre e não abriria tão cedo.
  Os seus parceiros mal entendiam o que estava acontecendo e o silêncio constrangedor dominou. Ninguém tinha nenhuma merda para dizer? Estranho. Nenhuma piada idiota e machista? Acho que os ricos de hoje em dia estão perdendo o jeito…
  - Pai, supera. É só uma faculdade.
  - Não, não é. É muito mais que... – Interrompi.
  - Tá bom pai. Vou ir com a mamãe. – Tomei o resto do meu champanhe, deixando a taça em sua mão e saí andando, deixando ele seus pensamentos antiquados para trás.
  Andei pelo salão, sentindo os olhares quentes do moreno em minhas costas. Talvez fosse melhor assim só ter essa parte descoberta, o deixaria realmente com vontade de mais. Papai não havia se enganado escolhendo meu look.
  Pena que foi minha mãe quem o escolheu.
  Falando nela, ela e mais algumas amigas estavam juntas em uma mesa do lado de fora, conversando com pessoas importantes e influências do mundo da moda. Junto com elas, estava uma mãe de um amigo em comum, . Estranhei sua falta. Fui até minha mãe, surpreendendo-a com um beijo na bochecha e ouvir sua gargalhada, já valeu a pena sair de perto de meu pai.
  - Minha filhinha. – Puxou uma cadeira para que eu sentasse ao seu lado e assim fiz, me sentando. – Pessoal, essa é minha filha e , você já conhece o pessoal.
  Sorri, cumprimentando todas. Ela me apresentou para uns donos e donas de lojas importantes pela cidade que não prestei atenção no nome, porque só me focava no olhar do moreno no outro lado da sala.
  Encarei o pai de , levemente curiosa para saber do meu amigo que provavelmente seria um ótimo escape para mim daqui.
  - Senhor Greene. O não veio?
  Ele balançou a cabeça em negação, e vi que a sua companheira apertou seu braço levemente.
  - Ficou com os amigos, acho. Não sei o que ele foi fazer, só não achou muito “a praia” dele isso daqui. – Deu os ombros. – Quem sou eu para forçá-lo?
  Encarei minha mãe um pouco perplexa e levemente irritada, já que tive que passar horas ouvindo o sermão de “ir nesses lugares faz bem, seu amigo estará lá e você não ficará sozinha, agora se arrume”. A mulher apenas deu os ombros, sem resposta.
  Tirei meu celular da bolsinha que estava em meu ombro e procurei um número específico. Pessoas teriam que me ouvir.
  : Onde você tá? Muito obrigada pela força, você me paga. Beijos.
  : Mandar beijos no final da frase não vai te fazer mais ameaçadora, pequena. Segue em frente.
  : Você me deixou sozinha aqui, que amigão.
  : Desculpa se eu não tenho um pai extremista maluco que me levaria pelos cabelos.
  : Sabe da ? Viu ela?
  : É... Não.

  Rolei os olhos. Esses dois…
  : Isso não vai ficar assim, me aguarde.
  : HAHAHA Pode vir.

  Bloqueei o celular e o guardei.
  Levantei da mesa, me despedindo das mulheres e voltei a dar mais algumas voltas pelo salão. Conforme entrei novamente na maior sala, me perdi pelos candelabros e voltei para o espelho, verificado se ainda estava tudo no lugar. E estava mesmo.
  - Com licença? – O garçom me chamou. Virei para ele, arqueando a minha sobrancelha.
  - Sim?
  - Um cavalheiro me mandou lhe entregar isso... – Deu então em minha mão um copo de alguma bebida diferente e um papelzinho. A bebida reconheci, sendo a mesma que o moreno maravilhoso estava bebendo. E o papelzinho, esperei para ler.
  - Muito obrigada. – Sorri para o rapaz que saiu.
  Bebi a bebida em um primeiro gole e a sentir queimar minha garganta, me fazendo tossir. Mas ninguém notou. A bebida era com certeza mais forte que meu champanhe e muito melhor também, muito mais gostosa e que provavelmente me deixaria muito mais bêbada.
  Ele era dos bons…
  Continuei bebericando o líquido até que terminasse, então abri o bilhetinho em minha mão. Sorri com a letra não tão perfeita, mas o aroma masculino e delicioso que o papel tinha.

“Me encontre naquele lugar... Você sabe onde. Estarei te esperando.
Nicolas”.
  Sorri da forma mais maliciosa possível, dobrando o papelzinho e guardando-o em minha bolsa. Tomei o último gole da bebida e a deixei em uma das mesinhas que estavam espalhadas pelo salão.
  Subi as escadas disfarçadamente para o nosso lugar de encontro. Que eu sabia muito bem onde era: a suíte principal.
  Quando você é rico e faz uma festa dessas, as pessoas nunca chegam perto das suítes principais por respeito e porque jamais a deixariam entrar. Era o lugar que mais dava sopa durante recepções assim.
  E eu sabia muito bem, já que várias vezes eu e – minha melhor amiga – nos escondíamos nesse banheiro para beber loucamente e trazer alguns rapazes para aproveitar. Afinal, rapazes ricos beijam muito bem.
  E a pegada de um milhão de dólares…
  Abri a porta do quarto, fechando-a atrás de mim. A decoração chique em tons pastéis e dourados era simples para quem ganhava mais de cinco zeros todo mês. Fui então até a portinha fechada da suíte, dando uma leve batidinha.
  Ao ouvir o “pode entrar”, naquela voz grossa e sensual que conseguiu mexer comigo de formas impressionantes, a abri.
  O moreno estava escorado no balcão da pia, sem terno e com a gravata um pouco afrouxada, alguns botões abertos e um sorriso completamente malicioso nos lábios. E os cabelos... aqueles malditos cabelos negros permaneciam intactos. E eu os bagunçaria.
  Em um simples e rápido movimento, eu já estava em seu colo e depois sentada no balcão com ele em minhas pernas. Seus lábios devorando os meus no maior desejo, suas mãos passeando pela lateral de meu corpo, enquanto minhas mãos puxavam seu cabelo.
  - Você é muito gostosa, – murmurou, com seus lábios grudados nos meus. Afrouxou de vez sua gravata, tirando-a. Foi desabotoando a sua camisa social, até que a abriu por inteiro. Babei naquele corpo.
  Peitoral liso e bem definido, algumas gomas de seu quase tanquinho estavam exibidos para mim. Seus braços grandes e fortes agora nus, ao redor de meu corpo e se pressionando contra mim. Era puro calor, era puro desejo.
  E óbvio que jamais chegaríamos aos finalmentes.
  Enquanto beijava meu pescoço e murmurava algo baixo, enquanto eu arranhava seus braços fortes, pude sentir algo mais “animadinho” em seu corpo. Animadinho demais pro meu gosto.
  Eu precisaria de uma distração para sair desse banheiro antes que passássemos do limite e eu começasse a faculdade de uma forma totalmente diferente.
  Então fui salva pelo gongo. Literalmente.
  A música que tocou em meu celular assustou nós dois, fazendo com que Nicolas se afastasse confuso, procurando o que chamava a nossa atenção.
  Tirei o mesmo de minha bolsa e ao ler o nome de na tela, sabia que o moreno delicioso teria que ficar para depois.
  : Cadê você? Vem pra cá.
  SOS FEMININO. SOS FE-MI-NI-NO.
  Ah e o Wallace tá aqui.
  : Eu estava ficando com um cara muito gostoso, mas se for tão urgente assim…
  : Não é tanto assim... aproveita o boy, amiga.
  : NÃO. Tô indo, me espera aí.
  : Não precisa amiga...
  : Já tô chegando.

  Guardei o meu celular, agora só precisava arrumar uma desculpa convincente para me livrar do moreno.
  - Poxa, sabe o que é? Minha melhor amiga me mandou uma mensagem e deu uma merda, nossa outra amiga teve crise de diabetes e tá quase morrendo, ela me mandou ir pra anotar as últimas palavras pra moribunda... – Dei os ombros. O cara não pegou, não de início, mas acabou caindo.
  Homens…
  - Tudo bem, então. Poxa. É uma a pena.
  Dei pulinhos mentalmente.
  - Sim, uma pena. Me liga qualquer coisa, beijos! – Saí da suíte o mais rápido possível, mas parei na porta ao ouvi-lo me chamar.
  - Não tenho seu número!
  Merda.
  Virei para ele com um sorrisinho qualquer e voltei, tirando da minha bolsa meu batom. Peguei em seu braço e escrevi meu número delicadamente em sua pele, para que não esquecesse.
  - Me liga. – Pisquei, dando um selinho breve em seus lábios e saindo do banheiro. Deixando um moreno delicioso na vontade de mim.
  Desci as escadas com rapidez, digitando para uma outra certa pessoa que seria minha carona e meu salva-vidas.
  : Eu tô saindo da casa agora, vem me buscar. Vou te passar o endereço.
  : Agora não dá, tô com uma garota. Foi mal.
  Mentira dele.
  Rolei os olhos.
  : Manda ela ir pra casa e vem me buscar. Tô te esperando.
  : Tá bom... Mas você me deve uma.
  : Te pagarei devidamente quando vir me buscar, beijos.
  Corri até a mesa de meus pais, que estavam sentados conversando sobre algo nem um pouco interessante. Claro que havia me checado antes de descer para ter certeza e que não havia me bagunçado toda, consegui arrumar o máximo que pude e de qualquer forma, ninguém se importou com meu estado.
  - Pai, mãe, eu preciso sair. – Os avisei. Meu pai me encarou nem um pouco convencido.
  - O que vai fazer na rua essa hora, garota?
  - Ué, não é óbvio? – Eles negaram com a cabeça. – Eu vou à Igreja, orar. – Sorri mostrando todos meus dentes.
  E é assim que eu faço as coisas.

***

  Vila Lorenzo
  Continuei tomando o champanhe direto da garrafa e parecia ser a coisa mais deliciosa que eu já coloquei na boca. Levemente amargo, suave e extremamente gelado, uma delícia. Eu só bebia em situações importantes, como o meu aniversário, aniversário de algum amigo, datas comemorativas, aniversário do gato da minha amiga, dia do macarrão e comemorações em geral. E naquele champanhe eu percebi o tanto de tempo que eu não colocava uma gota de álcool na língua pela falta de folga que todo o ano de 2017 me proporcionou.
  Finalmente minha cabeça estava livre, sem trabalhos, sem pratos pra lavar no restaurante dos meus pais, sem velhos bêbados para atender, seja para entregar comida no David’s ou as moças de nariz em pé na loja de roupas que me prendia do meio do dia até tarde da noite.
  E essas comemorações... Sempre fui uma garota muito festeira, meus ex-namorados costumavam dizer que eu tinha um carregador natural de bateria pra esse tipo de coisa, pois costumava dançar a noite inteira, e agora, tudo se intensificava porque não era uma diversão comum, era a passagem do ano novo!
  Minha vila sempre foi um local aconchegante que adolescentes passavam na frente pra tirar fotos hipster na parede carmesim e colocavam em seus Instagram. Mas agora estava completamente maravilhosa com a quantidade de luzes e bandeirinhas picotadas que decoravam todo o ambiente, a lua parecia fazer parte da nossa vila, combinando seu encantamento com milhares de estrelas no céu que estavam ansiosas para a queima de fogos assim como eu.
  Ok, geralmente eu não era uma pessoa muito animada, mas eu gostava muito de beber champanhe e poder dançar loucamente ao redor da minha família. E dos vizinhos. Por mais chatos que eles fossem.
  Desci da cadeira em que estava rebolando com uma das minhas priminhas e corri para a mesa no meio do pátio. Tinham apenas alguns petiscos e a comida principal viria somente meia noite e um, em ponto. Era tudo muito, muito simples, mas era feito com amor.
  Avistei com meu primo Wallace e dei um tchauzinho em sua direção. Ele era apenas mais uma prova que mesmo você sendo um filhinho de papai com cinco dígitos na sua conta sem precisar trabalhar, você ainda preferia passar seu ano novo em meio as pessoas reais dentro de uma vila mexicana no canto de L.A.
  Não, eu não estava sendo preconceituosa com gente rica, até porque sonho ser um deles logo, seja casando com um velho rico ou jogando na mega sena, entretanto eu tinha esse negócio dentro de mim que às vezes se torna difícil formar algumas palavras sem soarem grosseiras demais. Mas eu estava trabalhando nisso, juro.
  Caminhei até o muro branco de pedras me sentando em cima dele comendo um pãozinho na chapa e avistei um rebuliço de crianças em um dos cantos, era difícil perceber com a quantidade de gente no “evento”, mas lá estava meu irmão David. A peste que deu origem ao nome do restaurante e vinha infernizando minha vida desde o seu nascimento. Que fazia dez ou onze anos.
  Ele estava vestido de Homem-Aranha sem a máscara, batendo loucamente com o seu bastão contra uma piñata colorida, ele tinha essa cara de cachorro louco e eu ficava cada dia mais chocada com o tanto de ódio que seu coração guardava para o mundo.
  Esquisito.
  - O bicho já está morto, capivara, – gritei para ele, fazendo seus amigos rirem.
  Ele cerrou seus olhos para mim.
  - Não te perguntei nada, despeitada.
  Abri a boca, ofendida. Ele sabia muito bem o que despeitada significava, uma pessoa sem escrúpulos ou algo assim, mas eu também sabia muito bem que ele estava direcionando esse bullying diretamente para minha falta de peitos.
  Aproximei-me dele e enfiei meu pão na sua goela abaixo para que ele aprendesse a calar a boca.
  - Cariño, não chame seu irmão de capivara, – minha mãe disse carregando uma cesta com mais pães. Retirou o pão da boca dele e colocou com os outros, sim, ela ia reaproveitar aquilo.
  - E você David, deveria ter alguns hobbies para acalmar essa sua raiva. – Meu pai chegou balançando seus quadris cheios de pneuzinhos com a música.
  - É verdade, a tia da vizinha da minha irmã disse que há várias coisas que podem te ajudar a extravasar seu ódio, – minha mãe comentou para o meu irmão, que parecia querer dormir. A tia da vizinha da irmã dela não era... sua mãe?
  - Como maconha, por exemplo, talvez esteja na hora de você experimentar, – meu pai disse, tapado.
  Minha mãe bateu nele com uma baguete e reviramos os olhos juntas.
  Meu pai era um cara maravilhoso sim, ótimo pai, e também uma pessoa complicada. Às vezes ele não tinha noção do que saía da sua boca ou apenas tinha preguiça de pensar antes de falar.
  O Senhor Sanchez estava usando uma camiseta verde menta com os sapatos da mesma cor. Tudo ficava muito belo em um senhor de cinquenta anos com cabelos pretos e um bigode dos anos 60. Sem ironia. Haha. No dia do feriado de São Patrício ele usou roupas brancas, se é que me entendem.
  Os deixei para trás no que seria uma discussão interminável e fui atrás da minha abuelita.
  Dona Maria Consuelo Sanchez-Vega era bisavó do meu pai, tinha cem ou cento e dois anos, ninguém tinha certeza. Passava o dia todo na frente da nossa casa em uma cadeira de rodas e às vezes se mantinha completamente consciente e lúcida do que estava acontecendo ao seu redor, e nas outras vezes ela simplesmente... dormia. Dormia o dia todo.
  David era o encarregado de trazer todas as suas refeições e Wallace, meu primo da mesma idade que eu e meu amigão, era o encarregado de fazer ela falar pra caramba, era como o psicólogo dela.
  Mas minha abuelita tinha esse problema... Todos acreditavam que aos poucos ela estava se esquecendo das pessoas. Toda vez que meu irmão caçula trazia um prato pra ela, ela o chamava de algum nome diferente, como Miguel ou capivara, deixando ele furioso e eu rindo de sua cara, é claro.
  Todavia parecia que era da nossa família ter esse gene levemente ruim, sangue azul, já que ela já tinha me contado quando eu era pequena que inventou toda essa parada de esquecimento quando descobriu que tinha que pagar as faturas de cartão de crédito, assim as contas iam pra cada um de seus filhos se virarem. Como meu pai era o seu bisneto favorito e lhe dava café, almoço e jantar, ele estava livre.
  Essa palhaçada durava até os cem ou cento e dois anos porque segundo a mesma, se fazia de esquecida pra não ter que aturar gente insuportável. Quando eu era criança eu achava aquilo fascinante e esperava poder fazer o mesmo, mas não deu certo e eu teria que aguentar a humanidade por mais um tempo. Não dava pra perguntar onde eu estava ou qual era o meu nome toda vez que meu pai me mandava lavar a louça.
  Observei a velhinha sorrir para os mocinhos que jogavam bola na vila e passar uma boa olhada pelo corpo de . Ele estava rodeado de garotas, a maioria eram minhas primas em algum grau que eu não tinha tempo para decorar e o tratavam como o rei americano de olhinhos azuis toda vez que ele aparecia aqui.
   e eu éramos amigos há muito tempo, mas ele era mesmo melhor amigo do meu primo, e toda vez que a situação estava ruim com o seu pai ele preferia passar a temporada conosco. Eu não tinha opinião sobre isso, até gostava da sua companhia, mas Wallace achava tudo muito lindo, tudo muito cheiroso no convidar, até o seu amigo boa pinta chegar e tirar o resto da atenção que ele não tinha das garotas e trazer pra cima dele. E apenas sorria galanteador, flertando com todas, afinal ele tinha essa reputação a zelar.
  Se eu era conhecida como a vadia, ele era conhecido como o galinha.
  Minha abuelita piscou na direção do loiro e ele sorriu sem dentes pra ela, levemente vermelho.
  - , você já está namorando outra vez? – ela me perguntou com sua voz grossa.
  Sorri para a cena de Wallace emburrado por não estar ganhando atenção. Ele deveria estar xingando todas as garotas mentalmente, até porque ele era um desses caras que achava que todas elas deviam algo pra ele só porque ele estava fazendo o mínimo em ser educado com elas.
  - Não. – Dei de ombros. Meu último namorado, um motoqueiro chamado Miguel, tinha sido esquecido no segundo ano do colegial. Assim como o time de vôlei.
  Ela bufou.
  - Pare de estudar e volte a namorar. Deus não te deu esse corpinho pra ser usado à toa.
  Não é porque não estou namorando que não estou me divertindo com esse corpinho que Deus me deu, abuelita.
  - Os que eu queria de verdade estão tudo velho, moram em Hollywood ou são casados. Prefiro o fundo do poço a ter que ficar com um dos garotos da minha antiga escola outra vez, o que provavelmente serão os mesmos que estarão na faculdade, abuela.
  - Ora, niña, eu estou sentindo cheiro de carne nova nessa vila e hummmm... é delicioso. – Ela fechou os olhos apontando com o nariz e olhei naquela mesma direção. ? – Te pago 10 dólares se você chamar aquele rapaz para sair.
  Debochei.
  - Aquilo não é um rapaz, aquilo é o , ele é meu amigo, – falei pegando um refrigerante que uma das minhas primas ofereceu em uma bandeja.
  Eu nunca tinha ao menos imaginado algum dia ter algo com ele. Ele era gostoso pra caralho? Com certeza. Mas não era o meu tipo. Não tinha mais que trinta anos ou ficha na polícia. Ele parecia ter uma vida correta demais, bonzinho demais, um cara de vinte e três anos comum que papa todas as garotinhas que dessem o mínimo de bola pra ele.
  E para o momento checar prós e contras de , eu colocaria em número 1 da lista a sua forma de vestir. Sempre com jeans que apertavam a sua coxa e bunda da maneira correta e camisetas cheirosas de marca, crédito para o carregamento de roupas das lojas do seu pai. Ele era o playboy og.
  - Seus pais eram amigos até que sua mãe chegou grávida na minha casa. – Eu ri. – Aquilo é um branquelo que tá com muita saúde, isso sim, e você precisa desencalhar.
  - Ok, primeiro temos que parar de se referir a ele como um objeto de prazer, mesmo que no fim ele seja isso mesmo. – Rimos cuspindo o veneno e balancei a cabeça. Eu tinha que me controlar. – E segundo, abuela, qual parte do prefiro morrer encalhada a dar trela pra qualquer um a senhora não compreendeu? Quer que eu repita dessa vez mais alto?
  Comecei a falar de uma forma que parecia baleiês e ela levantou o dedo do meio para mim. Velhinhas são tão carinhosas.
  Ela suspirou.
  - Ora, vamos, niña, desde que você começou a estudar pra ganhar essa bolsa esqueceu do que é viver de verdade e... – Coloquei as mãos na cabeça olhando para o céu pra não ter que ouvir aquele discurso outra vez. O primeiro fora com os meus amigos.
  - Abuela – eu ri –, tenta outro cara.
  - Você acha que ele é muita areia pro seu caminhãozinho, é? – provocou.
  Ah, até parece, Dona Consuelo.
  - Ninguém – empinei meu nariz – ninguém é muita areia pro meu caminhão, meu caminhão grande. Eu aguento muita areia, ok? – ok eu soei muito infantil, e ela estava rindo de mim, e quem ligava. Eu não. – Mas eu acho que ele tem um crush na ou algo assim. E se fosse pra ter acontecido já tinha faz tempo.
  Levou um tempo para ela aprender no passado que crush não era crochê e superamos isso. Ela então bufou, voltando com os olhos de predadora para a multidão.
  - Tudo bem, e que tal aquele garoto? – Apontou inocentemente e revirei os olhos para ver o coitado. Era Wallace. Cuspi meu refrigerante.
  - Vovó, ele é meu primo! – gritei indignada e ela deu de ombros.
  Chegava uma idade no ser humano que ele estava simplesmente nem aí.

***

  A meia noite chegou, os abraços em todos os meus parentes pareciam intermináveis, a bateria de fogos sambava no céu com as cores deslumbrantes e quase derramei uma lágrima por estar viva mais um ano com a minha família ao meu lado, todos com saúde. Esse era um daqueles momentos que eu preferia me trancar no quarto do que demonstrar um coração mole por baixo de tanta casca dura. Wallace costumava me chamar de marshmallow.
  O último foguete foi engraçado, somente som, a explosão sem cores.
  - Está vindo a prestação, – comentei com minha mãe e ela riu.
  - Droga de Walmart. – Meu pai chutou a bateria de fogos achando que já tinha acabado e instantaneamente aquilo explodiu perto dele. Levamos um susto e corremos para socorrê-lo.
  Ao final, ele estava bem. Tipo, explodiu há pelo menos dez metros de distância. E meu pai teria outra história de ano novo que contaria para o resto da vida como “a noite em que ele quase morreu”. Ps. Por chutar uma bateria de fogos que explodiu a dez metros de distância. Essa parte eu contaria.

***

  - Eu não consegui dar um beijo na meia noite, – reclamou colocando mais uma garrafa no saco de lixo preto.
  A festa chegou ao fim e apenas alguns de nós continuamos lá para limpar toda a bagunça. E eu estava de pernas cruzadas no paralelepípedo vendo os homens limparem enquanto eu tomava meu champanhe deliciosamente gelado em uma taça de... plástico rosa.
  Wallace gargalhou do outro lado da vila enquanto varria o chão.
  - O que aconteceu com suas tietes? – perguntei sentindo o vento quente da noite passear pela minha perna desnuda.
  - O seu querido primo me prendeu no guarda roupa da casa dele quando o relógio deu meia noite. Elas acharam que eu tinha saído com outra garota e bom... você sabe o resto.
  Ah qual é, eu sabia que minha família era ruim, mas isso era caso grave.
  - Wallace – gritei pra ele –, você é retardado ou só finge?
  - Ei isso é uma mentira, você escorregou e a porta emperrou. – Tentou se defender apontando a vassoura pra mim.
  - Escorreguei com seu pé me chutando pra dentro e emperrou com a chave que você girou na fechadura, – exclamou sarcasticamente.
  - Será que as duas mocinhas podem calar a boca que eu estou tentando dormir? – minha abuelita gritou do nada e me assustei junto com os garotos.
  - Desculpe, Dona Consuelo, – eles disseram em um uníssono e o pescoço dela caiu em um sono profundo outra vez.
  - Isso é um completo desastre, – ele continuou a gemer. – Só não te bato porque sou contra a violência, Wallace.
  Ou porque ele certamente apanharia, até mesmo de Wallace. Aquele corpo sarado não vinha de treinar boxe, com toda certeza.
  - Por que isso é tão importante, ? – Quis saber.
  Ele deu de ombros e respondeu, amigável.
  - Eu sou um cara supersticioso . Começar o ano beijando dá sorte todo o resto dele. Eu não fiz isso ano passado e bem, foi uma verdadeira droga. – Nem me fale.
  Coloquei o meu champanhe de lado prestando atenção nele. era mais alto que eu, tinha o cabelo cor de areia e olhos azuis piscina. O cara era gato demais e sempre que saíamos os seis, nosso grupo todo junto, ele chamava a atenção não somente pela aparência, que ajudava é claro, mas pela presença que ele tinha.
  Era um dos pouquíssimos e raríssimos caras que não insistiam em te levar pra cama só porque você virou amiga dele, te tratava como uma princesa só por ser sua amiga e era desse jeito educado com todo mundo. Minha própria mãe ficava toda dengosa quando falava com . Se todo esse sermão dele tinha uma finalidade e fosse o que eu estivesse pensando, eu com certeza poderia ajudá-lo com isso.
  Amigo é pra essas coisas.
  - AH, CLARO, – meu primo gritou passando pano na mesa de madeira. Era uma verdadeira dona de casa. – Tadinho do filhinho de papai que tem várias ninfetinhas correndo atrás dele da faculdade até a padaria.
  Revirei os olhos.
  - Wallace, cala a boca. – Ele rosnou pra mim e foi pra dentro de sua casa outra vez, provavelmente trazer um polidor porque aquele cara tinha tanta mania de limpeza quanto o seu amiguinho playboy.
  Amiguinho esse que me virei para sua direção, trazendo a minha melhor cara de sedutora. Minha abuela estaria orgulhosa.
  - Talvez eu possa ajudar a resolver o seu problema, cariño. – Sorri predadora indo em sua direção e ele deu alguns passos para trás.
  - ... – ele alertou sorrindo abertamente. – Não faça nada que não consiga lidar depois.
  - Eu posso lidar com tudo que você me oferecer, – sussurrei quando estávamos já próximos e ele engoliu seco. Isso era comum. Era engraçado flertar com . Mesmo ele sendo um nerd só em segredo, o que teve mais namoradas e o mais festeiro do nosso grupo, ele ainda conseguia ficar tímido com qualquer sugestão minha, e todas elas eram apenas brincadeiras inocentes da minha parte. Eu devia ter puxado isso da Dona Consuelo, que flertava aos quatro cantos sem vergonha alguma.
  - Se você estava reclamando tanto assim só porque queria um beijo meu, ... Era só pedir. – Apoiei-me com um braço esticado na parede da minha casa, estávamos no meio de um espaço livre entre onde eu morava e o lar do vizinho.
  Ele parecia estar criando coragem mentalmente e passou o olhar pelo meu corpo, como eu costumava a fazer com o seu quando ele não estava olhando. Eu quase ri porque todo seu drama era realmente para eu lhe dar um simples beijo.
  - Podemos tentar, não é? Afinal, não seria a primeira vez... – comentou e fiquei curiosa.
  - Não seria? – Levantei a sobrancelha.
  - Bom... Não. Fomos o primeiro beijo um do outro, não se lembra? – Coçou a nuca e senti uma pequena dor em seus olhos. Ai, droga.
  - Você não foi o meu primeiro beijo, eu acho que... – Tentei me lembrar.
  - Você disse que nunca tinha beijado um garoto antes e – opa.
  - Espera aí, você tá falando daquele dia em que caímos na garrafa – dei um passo em sua direção -, com sete minutos no céu – senti sua respiração perto de mim e coloquei minhas mãos em seus ombros, ele imediatamente segurou minha cintura. – Fomos os dois para o armário, ficou bem quente lá dentro, a gente estava nervoso e... – Estávamos tão próximos que eu sentia seu nariz no meu. – E então você me deu um selinho por meio segundo e ficou com medo que eu estivesse grávida?
  Gargalhei e ele revirou os olhos.
  - Perdão se garotos de doze anos não tinham muita experiência nesse ramo na minha época. – Dramatizou. E por um segundo ele me colocou contra a parede e sua mão estava ao lado do meu rosto.
  - Eu disse que nunca tinha beijado um garoto antes, – Sorri de leve. Ele ficou surpreso.
  - Então seu primeiro beijo foi com…
  - A ? Sim. Dois anos antes.
  - Uau. – Ele sorriu e eu acompanhei seu sorriso balançando a cabeça. Meninos…
  - ? – Ele tinha desistido ou…
  - Eu prometo que beijo muito melhor agora. – Fez carinho na minha bochecha com a ponta do nariz gelado e eu senti algo estranho.
  - Teve anos de prática, né? – Fui sugestiva.
  Ele sorriu de lado dando de ombros, sem timidez dessa vez, apenas, encantador... Sua beleza de uma forma simples que parecia ser assim, desse jeito, que ele conquistava todas as outras garotas.
  - Ok, – falei meio esganiçada.
  - Ok, – ele imitou meu tom.
  - Não vai ser estranho. – No momento em que me liguei daquilo, passei a falar sobre aquilo. – Somos amigos.
  Por favor, efeito do champanhe, não vá embora, eu preciso de você.
  - É claro, isso é só uma ajudinha de uma amiga que quer que o seu amigo tenha um ano maravilhoso.
  - Exato. – Olhei para os seus lábios e lambi os meus. Sua visão imediatamente foi para minha boca e coloquei minha mão em sua cintura, o puxando para mais perto de mim.
  - Exato. – fechou os olhos e acabou com a distância entre nós.
  No início foi lento, foi gostoso. Sua mão foi parar na minha nuca e parecia que ele era velho amigo do meu longo cabelo, ele massageava toda aquela área enquanto sua boca trabalhava na minha como um profissional.
  Meu coração disparou e abri os olhos por um segundo percebendo o que estava acontecendo ali. Meu Deus. Ele gemeu no beijo quando posicionamos nossas línguas ao mesmo tempo e elas dançaram, travaram uma batalha ou o caralho a quatro que diziam hoje em dia. Mas que foi bom, foi. Foi delicioso.
  Eu poderia entender toda a droga da superstição de ter um ano maravilhoso agora. Assim, com aquela mão grande e masculina passeando pela minha perna até puxar minha coxa para cima, onde ele fez leves movimentos para frente.
  Arranhei seu pescoço de leve e ele trouxe o beijo para baixo, me fazendo arfar em busca de ar. Eu estava pegando fogo. voltou para o meu lábio e mordeu com leveza, mas puxou com força.
  - Gostinho de cidra, – ele murmurou.
  - Champanhe. – Sorri o corrigindo.
  Meu estômago se contraiu quando senti que meu peito e o seu abdômen estavam quase em uma junção. E eu queria mais, eu queria tirar sua camisa, arranhar os músculos das suas costas, lamber a covinha do seu rosto do lado direito e lhe perguntar as preces porque diabos a gente nunca tinha tentado nada disso antes.
  E então a voz da capivara infernal nos interrompeu.
  - Eu disse, pai! Ela tá pendurada em pescoço de macho! – ele gargalhou como um diabinho e empurrei para longe, assustada.
  Arregalei os olhos percebendo que meu pai testemunhou o crime, e toda raiva que ele possuía dentro de si parecia ter se voltado para a veia na sua testa. Até o seu bigode estava tremendo.
  E meu primo também estava ali, completamente abismado.
  - Que merda é essa, ? Isso é praticamente incesto, que nojo.
  - Nunca assistiu Game of Thrones? – sorriu de lado sem muita força pra sustentar a piada porque estava com medo do que meu pai poderia fazer. Ele só não sabia que meu pai também tinha visto a série.
  - O que diabos você estava fazendo com o meu anjinho? – meu pai gritou.
  - Não, senhor, eu não estava fazendo nada que…
  - Eu vou te matar. – Ah, ele iria sim. Matar com a ponta molhada do pano de louça que ele tinha em mãos, pra completar o look do avental rosa.
   era ágil e tentava argumentar enquanto fazia uma dança entre tentar fugir do meu pai e do meu irmão, que estava se metendo no meio não sei porque.
  - Senhor Sanchez vamos ser racionais aqui e... – Se ele continuasse correndo pela vila mais um pouco meu pai já estaria cansado demais para alcançá-lo.
  - Acerta logo esse marmanjo, Sanchez, – uma vizinha gordinha gritou da janela do segundo andar.
  - Quer minha espingarda emprestada? – um velho careca berrou e eu tinha quase certeza que ele era um dos meus tios.
  - Acerte a jugular, – minha abuelita gritou da sua cadeira de rodas, levantando as mãos torcendo como em um torneio.
  A repreendi com um olhar feio. Não era essa a mulher que ia me pagar 10 dólares pra sair com o cara que pode ter a jugular acertada agora?
  - Vão dormir, não tem nada de interessante aqui, – gritei para os fofoqueiros de plantão que me lincharam.
  Meu pai sentou em uma cadeira com a respiração falhando e tomou a deixa para se aproximar.
  - Senhor Sanchez, eu sinto muito, não tenho nenhuma intenção maldosa com sua filha... Na verdade, ela que me agarrou. – Ele olhou inocentemente pra mim e piscou no final.
  - É o que, cabrón? – Cerrei meus olhos com raiva e corri atrás dele.
   gargalhou indo para a parte escura da vila, até que pulou o muro e fui obrigada a ir atrás.
  - Eu sinto muito, mas vou ter que te matar, – gritei quando estava no topo do muro.
  Ouvi um “não” vindo do meu pai, que estava morrendo na cadeira. Morrendo de cansaço. Agora ele era tão ameaçador quanto meu irmão batendo em um boneco de papel vestido de homem aranha.
  - Venha se tem coragem, chica! – gritou, abusando da sorte me chamando desse jeito.
  Senti o cheiro de água salgada no segundo em que coloquei meus pés no chão.
  Chão este que era feito de inúmeras pedras em um caminho liso até a areia da praia. A paisagem do mar que dava vista para a janela do meu quarto era apenas mais uma das inúmeras razões para eu amar esse lugar.
  Alcancei facilmente graças ao meu físico de ex-líder de torcida e ele me abraçou por trás. Gargalhamos enquanto eu me esperneava para me libertar e caímos contra a areia fofinha.
  Ele parou sua risada fazendo carinho no meu queixo e fiquei séria olhando para os seus olhos, completamente perdida naquela nova sensação que me dava medo.
   me beijou outra vez, um selinho molhado que intensifiquei porque eu queria mais. Eu iria pra sempre querer mais?
  Notei luzes novas vindo do céu estrelado e apontei para ele ver. Era o foguete, o que tinha soado somente a explosão. Mas agora ele subia, apenas as luzes vermelhas e prateadas tornando formas belíssimas, sem estourar.
  - Ele está vindo em prestações. – Ele sorriu enquanto eu sentia seus dedos fazendo um carinho gostoso no meu quadril. – E é assim que se inicia um ano novo digno, meu bem.
   voltou a me beijar e puxei ele para mais perto de mim. Até que senti minha bunda tremer.
  - Epa, pera aí. – Ele se afastou com cuidado e alcancei meu celular que parecia uma tábua de carne do bolso do meu short.
  19 mensagens de me ameaçando de morte ou “pior”, fim de amizade, por não ter lhe desejado feliz ano novo às 00:01.
  : Feliz ano novo, ratinha! Xx
  : Vai se foder você e seu apelido.
  Pra você também. <3
  : <3

  A respondi, e agora tudo que restava era desejar para que essa felicidade não estivesse sendo apenas momentânea. Que os jogos comecem, digo, 2018.

Capítulo 01


  O sol brilhava como nunca, era um daqueles dias que eram tão lindos, mas tão lindos que pareciam ter saído de um sonho. Ou de um filme Hollywoodiano. Só que dessa vez não era nada disso, era a realidade.
  Uma realidade ensolarada como sempre ficava em Los Angeles. O clima quente e gostoso era uma das melhores coisas dessa cidade. Ela não nos deixava desanimar de forma alguma.
  Quando vamos todos dormir, L.A. permanece acordada.
  - Conseguimos, cariño. – Minha melhor amiga me abraçou, encarando o campus cheio de possibilidades que nos esperavam. Sim, , conseguimos.
  Depois de quatro anos de esforço e todo aquele tédio que era o colegial, finalmente chegamos aonde queríamos.
  O ápice de liberdade que teríamos. Sem pais no nosso pé, a chance de conhecer pessoas tão iguais a nós e ao mesmo tempo tão diferentes. Na faculdade você podia ser o que quisesse, afinal, eram as milhões de experiências que nos esperavam que a tornava tão especial.
  Acima de tudo a liberdade... era muito saborosa.
  Estávamos, finalmente, na Faculdade Hearst, e de verdade, não havia nada que eu havia odiado no campus. O verde, as construções que por mais antigas que fossem, eram magnificas com suas influências gregas. Talvez fosse o sol de Los Angeles que deixasse tudo mais vivo.
  E sempre havia espalhados pelo campus um grupo de estudantes, ou hippies, ou garotas, ou garotos olhando as garotas, isso apenas deixava as coisas mais interessantes por aqui. E também havia o grupo de garotos olhando para mim e para latina ao meu lado. Óbvio que percebemos e resolvemos retribuir o charme. Levantei os meus óculos escuros apenas para dar uma piscadinha disfarçada para um deles.
  Para o que mais chamou minha atenção, claro.
  E era isso que me deixava mais animada com toda essa nova experiência, a diversidade em cada espaço. Não era que nem no colegial em que ou se era das cheerleaders ou dos jogadores, aqui você poderia ser da forma que quisesse e era incentivado a isso.
  - Para de piscar, ele tá olhando pra mim. – bufou. A morena também estava jogando charme para o grupo de garotos que não tirava os olhos de nós.
  - Cai fora, você nem gosta de garotos da nossa idade. – Rangi.
  - Nem você.
  Dei os ombros.
  - Mas para passar o tempo vale a pena…
  - Antes do jantar, vem os aperitivos, – completou e nos entreolhamos, dando uma risadinha e voltando a andar.
  Teríamos muito tempo para os garotos depois. Primeiro iríamos atrás de conhecer mais o campus.
  Fomos interrompidas pela buzina que nos fez pular de susto, logo ficamos surdas pelo som da música alta – que tenho certeza que era a música tema do The Breakfast Club. O carro acinzentado passou por nós e os três garotos gritaram chamando nossa atenção e assoviando.
  Dois deles saíram pela janela, um de cabelos pretos e camiseta cinza e um com um cabelo rastafári, esbanjando estilo. Eles saíram do carro meio que dançando e tocando uma bateria no ar e guitarra seguindo os acordes da música. Quando tentaram se aproximar, ambas respondemos mostrando nossos dedos.
  - Garotos... – respirou fundo.
  - Não crescem mesmo, né? – Dei os ombros.
  - Depois daremos um jeito neles. Agora vamos aproveitar! – Minha amiga agarrou meu braço, cruzando com o dela e saímos andando. – O que você quer ser esse ano? Hippie ou uma riquinha gostosa da irmandade mais popular?
  Tirei um tempo, como se estivesse pensando na resposta.
  - Hippie? Ew. – Fiz a voz mais autêntica e retirada de algum filme em que a garota era especial demais para se adequar aos padrões. – Que tal as diferentes, sozinhas, sonhadoras e tímidas demais que sempre acabam se apaixonando pelo cara errado? – Fiz bico e riu.
  - Não uso óculos e odeio coque frouxo. Quebra a ponta do cabelo. – Continuamos andando, mas parou do nada. – E eu adoro usar minissaia, então, não.
  - Gostosonas então?
   encarou meus seios por alguns segundos, como se analisasse esperando encontrar algo por trás do meu decote. Mas sua expressão acabou mudando para algo mais surpreso. Assustei-me.
  - Você botou silicone nas férias? – Encarou-me desconfiada.
  - Não. Você botou? – Negou com a cabeça.
  - É sério. – E em um movimento súbito, tocou meus seios com suas duas mãos em público. Tentei conter a risada, encarando as pessoas ao nosso redor esperando que nenhuma delas estivesse prestando atenção nessa cena.
  - , estamos em público. – Ri.
  - É sério, garota. Estão maiores. – Apalpava meus seios esperando a resposta fosse dada com teu tato. – O que aconteceu com seus seios no verão?
  Respirei fundo, derrotada.
  - Eu engordei uns quilos no verão.
  - Graças a Deus.
  Tirou as mãos dos meus seios e eu encarei meus gêmeos tristonha. Estava tão claro assim? Talvez fosse o decote.
  De todas coisas que podia ter pedido à Deus, receber meus gêmeos saudáveis e naturais havia sido a melhor e pior coisa na minha vida. Adorava quando as pessoas prestavam atenção aos meus exemplares de Lindsay Lohan, mas odiava quando só olhavam para eles.
  Eu era muito mais que seios maravilhosos, delicados e feitos à mão por Deus. Sério.
  - Então gostosonas da irmandade popular está fora de questão... – a morena continuou.
  - Podemos ser as bad girls.
   gargalhou.
  - Também conhecido como adolescente sem causa? E eu lá tenho cara que bate em pessoas e faz bullying grátis? – Parei de andar para encarar minha amiga, que se sentiu falsamente ofendida. – Eu não faço bullying grátis. – Rolou os olhos. – Eu só não tenho paciência com essa gente que decide pegar no meu pé todo o ano. – Deu os ombros.
  - Então não sei o que seremos esse ano.
  - Perguntaremos pra Brittany depois, então.
  - Se você quiser ser um unicórnio...
  - Desisto. Vamos ser nós mesmas. – A morena suspirou derrotada.
  - Isso é tão chato. – Bufei com ela e saímos dando mais uma volta pelo campus. A terceira no mesmo dia.
  Por incrível que pareça, era minha melhor amiga. Lance de BFF e tudo mais, sabe? Mesmo com nossas realidades totalmente diferentes, ela de uma vila latina em Los Angeles, viciada em moda e com um temperamento completamente único, e eu, bom... Eu era uma princesinha, que vivia em um bairro de classe alta, com problemas de competitividade. Aquela que você pode contar pra fazer merdas, porque na manhã seguinte estará na Igreja fazendo a melhor pose de princesinha comportada. Talvez fosse mesmo o amor pela moda que fizera nós sermos tão próximas.
  Na verdade, havia mais coisas na nossa história.
  Viramos amigas aos cinco, nos conhecendo na Igreja que era basicamente do meu pai, já que ele não saía de lá e a maioria do nosso dinheiro ia mais para ela do que para nossa casa. Éramos ambas banguelas e crianças demais para nos importar com nossas classes sociais. Desde então crescemos juntas, mesmo nessa realidade totalmente diferente.
  Sempre considerei o Senhor Sanchez, pai de , como meu segundo pai. Secretamente, como meu único pai. Não por maldade, mas porque com ele as coisas eram tão mais simples, engraçadas e leves. E com meu pai era sempre... extremo. Desde criança considerei a família de minha amiga a minha família também. Cresci fingindo que minha mãe era irmã da mãe de , então éramos parentes em algum grau. O grau da imaginação, minha amiga dizia.
  E parti o coração de todos aos meus oito anos quando tiveram que me explicar que não éramos parentes e eu me negava acreditar. Cresci, “amadureci” e entendi que não era porque não éramos parente de sangue, que na verdade não éramos uma família.
  Família são laços. Sanguíneos ou não.
  No colegial, consegui convencer minha mãe a me colocarem no mesmo colégio que . Óbvio que os primeiros meses foram um inferno, já que eu sempre estudei em uma Escola Católica e não havia preparação nenhuma para o mundo real, mas com ao meu lado me defendendo – literalmente – e até entrando em brigas com qualquer um que encostasse o dedo em mim, tudo ficou mais fácil.
  Eu estava muito esperançosa pela liberdade, mesmo sabendo que não faria nenhum milagre em minha vida. Mas viver sozinha, longe dos meus pais, já seria um alívio para atingir os lentos passos de uma futura independência.
  Pelo menos não teria que cozinhar, o que era um ótimo início.
  E se cuidasse das roupas sujas me ajudaria muito também... A Brittany poderia cuidar de arrumar o dormitório, limpeza e tudo mais. E eu... descubro o que fazer depois.

***

  Depois de guardar nossas coisas em nosso dormitório, voltamos para dar mais uma volta pelo campus. Agora do lado de dentro dos prédios, já que passamos a maior parte da manhã andando pelo lado de fora conhecendo cada centímetro. Até tiramos fotos do lado de uma estátua no meio do pátio gigantesco e quase em cima dela, pena que um segurança apareceu fazendo com que a gente saísse correndo.
  O lado bom de ser novata é que as pessoas encarregadas de te dar um puxão de orelha ainda não sabiam o seu nome.
  Podíamos ouvir os caras falando felizes sobre os jogos anuais, sobre as competições de fraternidades e irmandades, as festas, as iniciações e tudo isso que marcava o início do ano letivo.
  Parei na frente de um quadro de matérias extracurriculares, li cada uma, já que algumas me interessavam. E tudo que envolvesse mais aprendizado e alguma chance de um trabalho era aceitável. Eu precisava me manter o máximo ocupada para evitar precisar dos meus pais para alguma coisa.
  Tirei meu celular do bolso da minha calça jeans e anotei alguns números, junto com algumas informações nele – porque estamos no século 21 – e o guardei. estava parada do meu lado mexendo em seu colar delicado e dourado. Ela usava um diferente por dia. Notei que ela me esperou, mas não anotou seu nome.
  - Matérias extracurriculares são boas pra nota, amiga, – avisei e a morena deu os ombros.
  - Hora extra no meu trabalho é bom pra minhas dívidas. Agora vamos achar os meninos. – Segurou minha mão e me puxou para fora.
  Saímos do prédio e passamos pelo pátio. Paramos quando o rapaz de skate passou por nós. Ele se virou e deu um sorrisinho para mim. Levantei a minha câmera e tirei uma foto daquele momento, o vendo dar meia-volta para onde estávamos.
  - Ele tá de skate agora? – me encarou confusa e eu dei os ombros.
  - Skate é o lance dele agora.
  - Achei que era surf.
  - Sim, nas férias só.
  - Seu namorado vai ficar bem tedioso depois dos trinta.
  Bati em seu braço sem força e me virei para ela, chocada com a forma que ela falou de .
  - Ele não é meu namorado. – Rolei os olhos e riu.
  - Avisa isso pra ele. – Deu a língua e eu dei o dedo.
   não era meu namorado, era meu melhor amigo. Óbvio que já namoramos no colegial, mas assim que as amizades se formam, né? Ele já tinha me superado depois que me chutou antes do meu aniversário. Eu acho.
  A questão era que eu não tinha mais nenhum sentimento por Graham e jamais teria novamente. Juro por De... Não, não juro por nada.
  - Ei meninas. – chegou com o skate em mãos e um sorriso. Eu apenas levantei a mão em um aceno, porque minha boca estava ocupada roendo minha unha de nervoso.
  O termo “pedaço de mal caminho” era muito apropriado para o rapaz, de verdade. Quando o conheci, ele mal tinha saído das fraldas. Quem diria que um garotinho remelento se transformaria no rapaz dos sonhos eróticos de várias garotas – e garotos.
  Principalmente todas tinham fetiche em um rapaz com um bom coração e boa aparência. Bad boys abusivos, insensíveis e instáveis aqui não.
   passou a mão pelos cabelos pretos, penteando-os para trás e seus olhos azulados como o céu de Los Angeles em um dia sem nuvens vidrados em mim. Respirei fundo, prestando atenção em seus músculos do braço se apertarem contra a camiseta cinza com alguma estampa de uma de suas bandas favorita.
  - , estávamos falando de você agora, acredita? – sorriu e o rapaz também. Puta merda.
  - Sério. Coisas boas, né?
  - Claro, cariño. Achamos que não o veríamos mais, né, ? – Cutucou-me e eu assenti.
  - Por que não? – Ele cerrou os olhos.
  - Porque você ia se mudar, lembra? – disse e ele assentiu, se recordando. – Você nunca explicou o porquê resolveu ficar aqui e vir para Hearst.
  - Gosto de Los Angeles. – Deu os ombros. – Adoro o calor e o que seriam de vocês sem mim? – Sorriu e gargalhou.
  - Vai nessa. – Ele riu junto e eu continuava roendo a minha unha. – Você viu o ? E Wallace? – perguntou sem rodeio e meu olhar se entreolhou com o de , tentamos esconder a risadinha com a pergunta de .
  - Acho que ele tá no apê.
  - Hum... – Tentou se fazer de desentendida, mas já havíamos captado tudo.
  - Garotas! – A voz de Wallace chamou nossa atenção, o rapaz se posicionou ao lado de .
  - Wallace! – deu um gritinho agudo e me assustei porque geralmente sua voz era calma e meio rouca. Ela abraçou o menino com força, enquanto ele resmungava pedindo para soltar. – Que foi? O embaracei? – Sorriu maldosamente com aquilo e ele rolou os olhos. Eles tinham aquela relação estranha de primos que são amigos de verdade, mas viviam se bicando. Principalmente quando a família deles estava presente.
  - Não vai me abraçar também, ? – perguntou como se estivesse impaciente, mas no fundo ele adorava quando eu e o bajulávamos.
  - Eu não. – Dei os ombros. – Você ainda tá me devendo trinta pilas.
  - Eu disse que vou pagar. – Rolou os olhos.
  - No segundo ano. – Cruzei os braços e nossos outros dois amigos riram.
  - A gente é tão primo. – suspirou.
  Quando fiz o tal gesto, os olhos dos dois rapazes – e o de – pararam em mim novamente, pela segunda vez no dia.
  - Puta merda. – Os dois rapazes disseram em uníssono e estranhei, tentando entender para onde encaravam. Óbvio. Meu busto. Bufei alto e descruzei os braços, mas tentando esconder o sorrisinho que apareceu ao notar como reagiam perto de bons seios.
  Ter seios fartos e essa reação de garotos era o carma que eu carregava desde meus quinze anos.
  Enquanto umas tinham pouco – isso mesmo, -, outras tinham muito.
  - Então . – Wallace se aproximou do outro. – Vamos fazer aquele lance lá? – O rapaz assentiu.
  - Que lance? – quis saber, porque havíamos ouvido de qualquer forma. Eles não eram tão discretos assim.
  - Nada... – tentou se esquivar da pergunta, ficando levemente corado.
  - Agora eu quero saber. – Sorri para o rapaz.
  E ele ficou rígido. Era assim que eu conseguia arrancar coisas dele desde o primeiro ano do colegial.
  - É... Bom... Vamos... Lá... Sabe? – Gaguejava, coçando a nuca e levemente agitado. Arqueei a sobrancelha, me divertindo com a cena.
  - Nós vamos ver as garotas da irmandade. Agora estão tomando sol, sabia? Aqui na Hearst as gatinhas adoram pegar um bom bronzeado. – Wallace disse de uma vez, sem vergonha alguma na cara, dando um enorme sorriso de orelha à orelha. E quase enfiou a cabeça dentro de um buraco no chão.
   levou a mão à boca, tentando conter a gargalhada que queria sair de sua boca ao ver a reação do moreno.
  - Sério? – Cruzei os braços, arqueando as sobrancelhas. não sabia onde enfiar a cara e a ficha de Wallace ainda não havia caído.
  - Fodeu. – disse baixo.
  Wallace então se tocou no que disse e o olhar dele se cruzou com o do moreno, os dois assentiram para algo que pensaram juntos e então saíram juntos na maior velocidade possível.
  Antes de ir, e mesmo sabendo que provavelmente eu seria capaz de esmurrar , ele se virou para mim, acenando em despedida e com um sorrisinho. E naquele momento toda a raiva passou.
  Fiz o sinal da cruz logo em seguida, para afastar todos os pensamentos indecentes que cercavam minha cabeça.
  - Por que vocês só não se pegam de uma vez? – falou arrastada como se fosse a resposta para todos os meus problemas. – Qual é a graça de ver ele que nem um bobo pra cima de você?
  - Dá certo na hora da conquista. – Dei os ombros.
  - A não ser que você já tenha dado uns amassos nele. – Abri a boca em choque e riu, sem entender. – O quê? Você pensou a mesma coisa.
  - Mas você disse!
  - Aproveita, a vida é curta menina, vai que vocês morrem amanhã!
  - Credo. – Repeti o sinal da cruz, afastando essa praga que me jogou. Não quero morrer sem antes de aproveitar mais um pouco com o jogador de hóquei mais lindo de todos.
  Minha relação com era diferente das demais que já tive com outros caras. Nos conhecemos na primeira série, na Escola Católica. Os pais de também eram religiosos, não tanto quanto os meus que faziam isso de uma forma muito mais extremista.
  As primeiras memórias que tenho com ele são dos intervalos entre as aulas, quando ele dividiu comigo seu sanduíche de pasta de amendoim e eu dividi meu muffin de chocolate favorito. Até as memórias do colegial onde eu, e Brittany éramos suas únicas companhias femininas, já que ele era tímido demais para se aproximar de outras garotas, mesmo sendo do time de futebol ou até do time de hóquei.
  E mesmo com várias garotinhas tentando levá-lo para o Baile de Formatura, querendo ser suas rainhas se ele fosse o rei. Mas toda vez que alguma se aproximava, ele gaguejava e no fim ficava sozinho.
  Enquanto namorávamos eu quis acreditar que ele era tímido apenas porque era secretamente apaixonado por mim e não queria se aproximar de mais nenhuma garota. Ainda penso isso, só não em voz alta.
  Depois de um tempo aprendi a gostar de várias coisas dele. Desde o seu gosto louco por HQs e heróis da Marvel – principalmente o Tony Stark. O seu tique nervoso que o fazia comer besteiras descontroladamente quando ficava nervoso, ansioso ou preocupado. Ele era especial.
  Tinha um coração gigante combinando com seus 1,90m de altura e porte atlético.
  Poderia ser qualquer um daqueles babacas que aproveitam o corpo ou as habilidades atléticas para pegar qualquer uma e depois nem ligar no dia seguinte. Principalmente a religiosa virgem.
   passou três anos tentando descobrir um defeito nele e mesmo com alguns, ela era a que mais apoiava o nosso namoro. Mesmo depois que terminamos. Se não fosse por ela, talvez as amizades teriam desmanchado.
  Ela era minha melhor amiga, Brittany era sua amiga antes de eu conhecê-la, ela sempre teve uma relação de irmãos com , Wallace é seu primo e é melhor amigo de Wallace, logo, nosso amigo também. Era como um efeito borboleta pra um laço forte que construímos por anos.
  Como já havia dito, eram laços assim que definiam a minha verdadeira família.
  Passamos para o lado da “feira” que acontecia nesse primeiro dia. Haviam várias barraquinhas espalhadas pelo campus, todas com um pouco de algo. Grupos, clubes, fraternidades e irmandades, era o melhor momento para se inscrever.
  Mas não era por isso que estávamos lá.
  Brittany estava atrás de uma barraquinha extremamente colorida, com vários desenhos de unicórnios e outras coisas fofas. A garota abriu um sorriso enorme ao nos ver e junto com ela havia uma outra garota com lindos cabelos ruivos, porém tímida demais com nossa presença.
  - Meninas! – Brittany deu um gritinho, dando pulinhos e sem sair de trás de sua barraquinha. – Não acredito que vieram.
  - Você chamou. – sorriu, abraçando-a mesmo com a barraca entre elas.
  - Uau, ! Onde comprou esse macacão? – Sorriu, elogiando a roupa da morena.
  Imitei o gesto, abraçando a loirinha também, que cheirava a marshmallow e giz de cera.
  A garota me encarou dos pés à cabeça, estranhando algo em mim... de novo não.
  - Nossa , seus peitos estão enormes!
  Rolei os olhos derrotada.
  Brittany era a mais diferente do grupo. Vivia em seu próprio mundo, numa realidade só dela. Mas era uma das pessoas mais doces e gentis de todas. Ela completava nosso time. Por isso éramos um tipo de Unholy Trinity. Só que preferíamos ser chamadas de Poison Ivies.
  - Meninas, essa é Abby! – Apresentou a ruiva. – Ela faz alguma faculdade que envolve números e ovelhas, eu acho. – Deu os ombros.
  - Olá. – A ruiva sorriu tímida e a cumprimentamos, apertando sua mão.
  - O que você disse que precisava de nós? Pelo telefone era algo completamente urgente.
  - Ah sim. Eu vim convidá-las para a Zeta Beta Iota! – Ela deu pulinhos animados, nos entregando um folhetinho e dois milk-shakes de arco-íris. A Zeta Beta Iota era a irmandade que Britt era presidente, mas não era tão famosa assim... – Sejam bem-vindas, estão aceitas!
   e eu nos entreolhamos, meio assustadas.
  - Britt... – tentei começar com calma, não queria magoar o coraçãozinho da loirinha. Era como quebrar o coração de uma criança, no final ficaríamos nos sentindo horríveis.
  - Não queremos fazer parte de nenhuma irmandade agora, amiga. – continuou. – Não precisamos disso. Não precisamos de mais amigos e muito menos queremos dividir uma casa com cem meninas e um banheiro. Não dá. – Rimos, achando até cômico Britt achar que iríamos aceitar.
  Os olhinhos de Brittany perderam o brilho, dando espaço para uma expressão tristonha que partiu meu coração. Respirei fundo, ouvindo a ruiva consolá-la dizendo “eu avisei”.
  - Nós vamos pensar! – disse no impulso, não suportando aquela cena tão melancólica. E os olhinhos da loirinha brilharam felizes.
  - Sério? – Deu gritinhos e pulinhos de alegria. Já me encarava com fogos nos olhos, mais tarde me xingaria de tudo quanto era nome, mas por um momento eu estava com a consciência leve.
  Tomei um gole do meu milk-shake – muito bom por sinal – sorrindo tranquila para aquilo. Não iríamos necessariamente entrar na irmandade de Britt, mas acertarmos em pensar que isso a deixaria feliz até que arrumássemos uma desculpa melhor para dizer não.
  Com o tempo ela esqueceria... ela sempre esquece.

***

  - Tá bom, mãe, vou me cuidar. – Respirei fundo, tentando acalmar minha mãe, que não aceitava seu filho longe dela. – Sim mãe, o Wallace tá comigo.
  - Fala aí, Sra. G! – gritou do outro lado do quarto.
  - Sim mãe, vou tomar conta dele sim. Não, não vou deixar que me levem para o mal caminho. E sim, eu a vi. – Sentei na minha cama. – Vou mandar um beijo pra ela sim.
  E passamos mais alguns minutos conversando e ela chorando, tentando me convencer a voltar para casa e esquecer de morar no campus. Mães...
  Ao desligar, me deitei em minha cama, relaxando pela primeira vez naquele dia. Era realmente muito cansativo ficar andando de um lado para o outro, ficar de olho em garotas – apenas por causa de Wallace – e depois ficar uma hora tentando acalmar a mãe.
  - Cara. – Wallace me chamou, tacando algo em mim e taquei de volta, me levantando.
  - O quê?
  - Diz a verdade, você largou a bolsa pra fora do país só pra ficar aqui e perto da , né? – Ignorei. – Fala sério, , qual é? Todo mundo sabe que você ainda tá caidinho pela loirinha.
  - Do que isso importa agora? Já tô aqui e vou permanecer. Se minha mãe surta comigo morando no campus, que fica há menos de uma hora de casa, imagina comigo em outro país?
  - Aham, é a mamãezinha o motivo... Aham. – Deu uma risada e taquei nele a bola de basquete jogada ao lado de minha cama. – Relaxa, cara. Apoio totalmente o casal, eu e a já estamos concorrendo para padrinhos dos primeiros filhos, ok? Se der pro ou pra Brittany, acabou a amizade.
  Gargalhei.
  - E você? Quando vai me dar sobrinhos? – debochei e Wallace respirou fundo.
  - Tô off pra relacionamentos, cara. Afinal, quem precisa de namorada quando se tem e como melhores amigas? – Verdade.
  Quer dizer…
  As duas e Brittany eram as melhores amigas que todo mundo queria ter. Sempre pra cima, animadas, até nos momentos mais doidos das três, valia a pena. Companheiras de verdade. Não precisamos de namoradas quando tínhamos elas e nas noites em que batesse a carência, faria questão de nos xingar em espanhol mandando pensar mais com a cabeça de cima do que com a de baixo.
  Tudo bem que ela falava isso porque ela não passava pelos mesmos perrengues que nós com o trabalho de ter um encontro para uma sexta à noite, mas a sua intenção era boa.
  De qualquer forma, ter ao lado era muito melhor que ter uma namorada. Porque bom... era a . E eu trocaria qualquer garota no mundo para ficar só com ela.
  As batidas na porta chamaram minha atenção e me levantei para ver quem era. O loiro sorriu abertamente e fizemos um toquinho com as mãos.
  O rapaz só botou a cabeça para dentro do quarto e viu se nós dois estávamos fazendo algo.
  - Graças a Deus não peguei vocês em um momento íntimo ou constrangedor, – suspirou levantando as mãos ao céu.
  - E quando foi que isso aconteceu? – me defendi. – Tirando aquela vez... – fraquejei.
  - O que você quer, assediador de primas? – Wallace reclamou se levantando. Eles não estavam brigados, mas ele traria o incidente do ano novo sempre que pudesse.
  - Era exatamente isso que eu tinha em mente – sorriu malandro. – Sua prima.
  Wallace cerrou os olhos.
  - Bora, elas estão esperando, – falou largado e foi embora.
  Logo nos aprontávamos para ir atrás delas e agora sim o dia começava de verdade.

***

  Os meninos estavam em uma das mesas ao ar livre e fomos até eles. Aproveitamos para conhecer mais alguns dos clubes e salas, até ganhamos pirulitos grátis de algum de um professor. E por mais fofo e gentil que o senhor fosse, eu não queria entrar no time de vôlei. Passo longe.
  Fomos até os meninos e eu me sentei ao lado de , que encarou curioso meu decote, mas como ele me via pelada desde que eu usava fraldas, pouco se importou. Entre os garotos ele era o mais... Maduro, eu poderia dizer, e também não ligava pros meus peitos porque já tinha visto demais na vida.
  E lá estava , que ficou “contente” em me ter perto dele. e Brittany se sentaram junto com Wallace.
  - Então, gostaram do campus, novatos? – perguntou tomando as rédeas. Ele era o mais velho de nós e já estava aqui fazia um tempinho. Estava no último ano para ser mais exata.
  Um dos únicos motivos que o atraiu para o nosso grupo havia sido porque a minha mãe e o pai dele tem negócios a ver com uma rede de lojas, isso nos tornou amigos e me fez introduzi-lo no grupo. E agora não sai mais.
  Era a maior bagunça de qualquer forma. estava no último ano, Wallace e Britt estavam no segundo ano e eu, e estávamos no primeiro ano. Mas todos ainda tínhamos a maturidade de adolescentes de 15 anos sim. Tirando talvez o casalzinho 20, quando ele não estava lutando contra o seu ciúme de uma menina que não era sua namorada, e nos seus momentos de brigas aleatórias.
  - Eu adorei. Principalmente algumas coisas por aí. – Meu olhar se cruzou com de e nós sorrimos juntas. Coisas de garotas permanecem entre garotas…
  - Que coisa? – perguntou curioso e levemente enciumado, porque já havia conseguido decifrar quando eu e falávamos de cara em algum tipo de Código Morse nosso. Ele apertou minha cintura com um pouco de pegada e eu me virei para ele, com um sorriso mais indecente nos lábios.
  - Te digo no particular depois, gatinho. – Pisquei e ele sorriu de canto.
  Mas não éramos um casal, tá? Éramos melhores amigos.
  - Eu não gostei da primeira vez que vi tudo isso. – Brittany falou emburrada.
  - Por que não, Britt?
  - Achei que teria rosa, mas só tem cores chatas. – Fez bico e assentimos seriamente como se fosse um problema real.
  Porque para ela era.
  - E as festas? – foi direito ao ponto.
  - Ah sim. – sorriu e tirou do bolso um folheto. – Hoje de noite tem as festas das fraternidades e irmandades. É um ótimo momento de entrar, conhecer as pessoas e ver se quer fazer parte de alguma delas. Mas tem um probleminha…
  - Sem bebidas? – Fiz bico.
  - Não. Isso nunca falta. – Riu. – É que entrar nas fraternidades mais “famosas” não é tão fácil. Eles ficam mais exigentes a cada ano, então não prometo que vocês vão conseguir chegar nelas.
  Abriu o folheto dando o nome de duas: Alpha Beta Gamma e Delta Lamba Phi.
  - As Alpha são as “princesinhas” do campus. Todas que estão nela tem alguma influência. Pais importantes, mães importantes, alguém importante na família. E não, nem todas são o estereótipo de garotas mimadas e frescas, muitas são gente boa e muito inteligentes. Mas algumas... bom, dessas vocês fiquem longe. – deu um tempo, respirando fundo depois de falar tudo de uma vez. – Principalmente você, . – Apontou para a morena que rolou os olhos. Por experiência própria, e garotas superficiais nunca se davam bem. O que era estranho porque na cabeça dessas meninas, era a superficial.
  Não tinha interesse nas princesinhas do campus. Queríamos a parte boa e não dor de cabeça. Já não basta ter que aturar durante todo o colegial as meninas com os egos maiores que seus cérebros. Na faculdade, o lance seria outro.
  - E os Lamba são os garotos. A maioria são os atletas, mas tem muitos caras bem inteligentes lá dentro.
  - O fato de que você tem que elogiar todos eles me dá sono – bocejou. Ele não se abalou piscando um olho pra ela.
  - Óbvio que os rapazes são muito mais exigentes que as garotas, então eles sim estão mais pertos dos estereótipos que elas. Por isso, não confiem muito. Fiquem longe de alguns. – Respirou fundo novamente. – Principalmente você, . – Apontou para mim e eu abri a boca chocada.
  - Eu? – Cruzei os braços.
  - Por favor, amiga. Não vamos entrar nessa, – disse impaciente. – Todos aqui sabemos que você é imã de caras babacas e com ego maiores que seus... você sabe. Sem ofensas , você é uma exceção.
  Rolei os olhos.
  - O que posso fazer? Sempre me interessei no vestiário masculino que no feminino. – Dei os ombros e senti ficar tenso atrás de mim.
  Ok, eu tive problema com alguns jogadores durante o colegial, mas que garota não teve? O problema era que não queria chegar nos finalmente com eles, então deixava-os agitados e fugia, causando muitas crises de fúria neles. Mas o problema não era meu se eles achavam que beijar significava transar.
  - E você não pode nos botar lá dentro? – tentou sugerir e ele balançou a cabeça.
  - Ainda não. Mas quem sabe até de noite consiga.
  - Essa noite eu vou pegar fogo, que se preparem as universitárias! – Wallace passou as mãos em seu rastafári, como se tentasse fazer um charme.
  - Wallace, a tia Rita já não mandou você voltar para o cabelo natural? Eu sou uma daquelas amigas que apoia totalmente cada decisão que meus amigos tomarem, mas neste caso eu estou com a sua mãe. Não é porque seu irmão ficou gostoso com o esse cabelo que você também iria ficar.
  - , foda-se você e seu curso de cabeleireiro.
  - Você não disse que estava off pra relacionamentos? – estranhou e o outro deu os ombros.
  - E daí? Isso não me impede de dar uns pegas nas universitárias, né? Aproveitarem um pouco dessa barra de chocolate aqui.
  Nós cinco encaramos Wallace com nossos maiores olhares de desaprovação depois da frase completamente inapropriada.
  - Quer dizer... Bom... – Gaguejou. – Se elas quiserem, claro. Só se elas quiserem.
  - Christian Grey teria inveja de você. – deu uns tapinhas em suas costas.
  Nós seis continuamos conversando sobre nossas vontades e coisas que queríamos aproveitar esse ano. Sempre fomos muito unidos durante todo o colegial e ainda seriamos conforme os anos passassem.
  Desde as broncas que dávamos em Wallace por sua cabeça um pouco errada, até para os momentos em que precisávamos acreditar em coisas que para nós não existiam para tentar entender Brittany.
  Quando precisávamos segurar para que ela não quebrasse a cara de alguma pessoa que mexesse com nós. Ou quando eu e íamos usando salto alto em um jogo de hóquei de porque não sabíamos que roupa se usava nessas ocasiões sem perder o estilo. Éramos muito nós e nenhum squad seria igual.
  - Que merda. – se queixou e nós o encaramos preocupados. – Galera, esquecemos das aulas. – Se levantou preocupado e acabamos o acompanhando. Todos menos . Esperamos ela fazer qualquer movimentação.
  - Tudo bem, já tô indo. – Rendeu se levantando.
  - Você vai levar os estudos a sério este ano, , ou eu vou te matar.
  Ameacei e estava sendo séria, já foi o bastante eu perdoá-la pelo seu sumiço e praticamente indiferença com nosso grupo maravilhoso no último ano do colegial.
  - Eu levo os estudos a sério desde que coloquei uma saia plissada, muito obrigada. Só tô tentando evitar pensar no descaso que vai ser esse ano.
  Ah minha amiga, sempre tão positiva. Ou realista, como ela preferia dizer.

***

  Era hora da nossa aula e eu estava um pouco nervosa com isso. Sempre odiei primeiros dias, demorava um pouco para me acostumar com as coisas novas.
  Nos sentamos uma do lado da outra, para que fosse mais fácil passar as colas – palavras da . E a primeira aula seria de História, o que para nós era algo que já sabíamos muito bem. Passamos anos estudando isso.
  Um homem na faixa dos trinta ou quarenta anos entrou na sala. Ele era normal, cabelos em um tom loiro escuro um pouco cacheados, alto e vestia uma camisa social, calça jeans escura e um sapato social.
  Escreveu seu nome no quadro “Mr. Johnson”, em uma letra não tão delicada, mas legível.
  O professor se virou para a sala, dando uma boa olhada para todos nós. Até que chegou em mim e sua olhada foi um pouco... demais. Percebi as encaradas e abaixei a cabeça, olhei para os lados, tentando desviar o olhar que estava me deixando desconfortável.
  Foram breves segundos, mas para mim foram algumas eternidades. E ninguém havia percebido, só , que o encarava com um pouco de desprezo pela atitude.
  Mas tê-la ao meu lado era mais seguro, porque me sentia protegida com minha melhor amiga graduada em barraco.
  Sua aula não havia sido tão complexa, ele estava mais explicando sobre o que nos ensinaria esse ano e como cada um desses temas se juntavam com o curso que cada um havia escolhido.
  Ele falava bem, explicava e era firme. Um professor jovem, até divertido. De vez em quando fazia alguma piadinha com um dos garotos da sala que o perguntava algo. Não era tão assustador assim.
  A não ser pela secada monstra que deu em mim.
  Mas como tudo que é ruim sempre pode piorar, durante a aula enquanto prestava atenção em algo que o professor explicava, meu celular tocou. A música Say A Little Pray tocou indicando que era minha mãe e eu gelei. O desliguei rapidamente, em pânico com a vergonha que aquilo me proporcionaria.
  Alguns dos alunos davam risadinhas e logo os fuzilou com o olhar.
  - Perderam algo aqui? – quis saber.
  Eles se calaram.
  - Senhorita... Hudson? – A demora que fez para dizer meu sobrenome me assustou, era como se fosse o colegial e eu estivesse me preparando para ficar o dia todo no castigo. – Acho que a senhorita não foi apresentada às regras sobre celular. Você fica depois da aula, teremos uma conversinha sobre isso. – A palavra “conversinha” havia despertado o pânico em mim. Era meu primeiro dia e eu já me fodi por causa da minha mãe.
  Já estava pensando em como voltar para casa derrotada e dizer que fui expulsa por culpa da Senhora Hudson. Provavelmente meu pai abriria um champanhe por causa disso e pagaria uma viagem para onde minha mãe quisesse ir de recompensa.
  E a aula passou correndo. Quando o sinal tocou indicando o final, todos os alunos se levantaram. Menos eu... E .
  Minha melhor amiga havia se negado a sair e me deixar sozinha com o professor, mas ele a expulsou da sala na maior cara de pau, dizendo que a conversa era comigo e não com ela, “então... cai fora”. Ok, ele não disse “cai fora”, mas soou como.
  E ela foi, me olhando a todo momento e dizendo que me esperava do lado de fora.
  Então ficamos e eu e o Mr. Johnson sozinhos.
  - Senhorita Hudson, pode ficar tranquila. Não irei puni-la pelo o que fez. Acredito que não foi de propósito.
  - Me desculpe mesmo, minha mãe me ligou e não teve como desligar... – tentei justificar, mas ele me cortou.
  - Tudo bem. Conheço seus pais, frequento a Igreja que vocês frequentam, por isso te reconheci logo que a vi. – Sorriu e eu cortei o contato visual. – Você é bem religiosa mesmo. – Senti seus dedos no crucifixo em meu pescoço, não quis acreditar que na verdade ele só queria tirar uma casquinha. Então soltou e eu dei um passo disfarçado para trás.
  Estranho…
  - Conhece meus pais? Nossa, que mundinho pequeno. – Cocei minha nuca, tentando aceitar logo minha punição e sair correndo dessa sala.
  - Fica tranquila. Só peço que diminua o volume da próxima vez ou apenas bote para vibrar, para não atrapalhar a minha aula e seus colegas. Sei que por ser filha de Hudson você seria... especial. Educada, inteligente, não tem porquê castigá-la por um errinho qualquer, né? – Riu e eu apenas assenti.
  - Aham…
  - Bom, espero te ver na próxima aula e sem interrupções, certo? – Riu novamente, tocando meu braço descoberto, apenas um leve toque, mas pude senti-lo querer ir mais fundo. Dei uma risadinha falsa. – Pode ir. – Sorriu novamente e eu assenti.
  - Vou ligar pra minha mãe antes que ela ache que fui possuída e nesse momento já estou vomitando verde e girando a cabeça. – Ele gargalhou da minha piada e eu segurei forte meu celular, saindo de lá o mais depressa possível.
  Óbvio que estava lá do outro lado da porta me encarando preocupada, checando para ver se havia algum ferimento ou trauma, mas eu estava bem.
  - Ele fez algo? – Neguei com a cabeça. – E aí?
  - Eu acho que ele tá apaixonado pelo meu pai.

***

  O dia estava acabando e com a noite se aproximando, logo teríamos que nos arrumar para as festas. Depois de um dia cansativo de aulas que nem todas fiquei perto de meus amigos, encontrei pelo pátio e corri para contar novidades.
  - Consegui um trabalho! – Dei pulinhos e minha amiga encarou desconfiada. – Um trabalho mesmo, na biblioteca, acredita?
  - Na verdade não. – Segurou-me, fazendo com que eu parasse de dar meus pulinhos de alegria. – Fala a verdade, o que tá acontecendo? Essa sua fixação por matérias extracurriculares, trabalhos... a ligação da sua mãe. Pode me contando tudo.
  Suspirei alto.
  - É que você sabe como os meus pais são... agora que eu vim para a faculdade, escolhi o curso que meu pai mais odeia no mundo e estou morando aqui, longe das asas e das regras dele, ele tá me punindo como pode. Está cortando todos meus cartões e mesadas, no máximo ele vai pagar a faculdade porque eu prometi continuar indo à Igreja. Então vou trabalhar pra diminuir os custos.
  - E sua mãe?
  - Ela tá me dando dinheiro escondido, claro! – gargalhou. – Você acha que ela ia me deixar passar aperto? Ela é mulher e sabe como eu aprecio o caro. Mas de qualquer forma, quero ser o mais independente possível do meu pai. Da minha mãe tá ok depender, ela não é tão surtada quanto ele.
  Minha amiga me abraçou, me apertando forte.
  - Que orgulho, minha garotinha tá virando uma mulher. Agora posso te extorquir e conseguir roupas de grife! – Me soltou. – Quanto será que seu pai pagaria por um resgate? – Me encarou dos pés à cabeça e eu dei o dedo como resposta.
  Eu amava meus pais, de verdade. Eram os melhores na maioria do tempo, mas meu pai não foi o Pai do Ano durante dezoito anos. Minha mãe sim, mesmo com toda a religião sempre tentou me deixar livre para fazer o que meu coraçãozinho adolescente quisesse, sempre me apoiando.
  Quando escolhi estudar Astronomia, conhecer o espaço e tudo nele, meu pai surtou. Achou que eu estava indo contra tudo que ele tentou me ensinar a vida toda, já minha mãe só me pediu para aprender mais sobre as estrelas e contar a ela, porque sabia que isso jamais mudaria algo em minha religião.
  Meu pai me criou para seguir seus passos. Minha mãe me criou para que eu fosse eu mesma.
  - Vamos nos arrumar para a festa? – perguntou e eu assenti. – Tá tudo liberado hoje? Estoque completo.
  - Vamos nos vestir para matar. Vamos mostrar para essa pequena universidade como é que se festeja. – Fizemos um high five e fomos.
  Com a minha mãe e ao meu lado, não havia pai nenhum para me botar pra baixo.

***

  A noite caía e o campus estava cheio de adolescentes bêbados espalhados pelas casas das fraternidades. Cada um com seus estilos diferentes, com seus grupos e era uma completa diversidade que cobria todo o campus.
   estava usando um cropped de crochê branco estilo ciganinha, mostrando a marquinha de biquíni do seu bronzeado que ela tinha tanto orgulho. Uma calça jeans justíssima azul escura de cintura média e um salto agulha branco. O pulso e pescoço sempre com algumas bijuterias delicadas e douradas para completar o look e o cabelo gigante, iluminado nas pontas encaracoladas, estava solto. Ela tinha um estilo meio vintage e tropical.
  Já eu usava um vestido cinza brilhante e saltos plataforma transparentes. Meus cabelos loiros estavam presos em um rabo de cavalo meio bagunçado com minha franja caindo sobre meu rosto. Usava glitter em meus olhos como sombra e minha boca estava delicada com meu batom rosa nude.
  Brittany usava um vestido com um unicórnio estampando, um all star branco de cano baixo e os cabelos trançados.
  Saímos a procura de bebida, mas na primeira casa que paramos – que era totalmente verde e bem hippie – não havia nada de álcool, mas ótimos docinhos de que nos entupimos.
  - Bem-vindas! – Uma das integrantes se apresentou. – Sou Sunshine, muito prazer. – Nós sorrimos.
  Eu, e Brittany nos entreolhamos, pensando na melhor forma de nos apresentar para quem não tinha álcool.
  - Rachel. – esticou a mão.
  - Monica. – Imitei.
  - Joey. – Brittany fez o mesmo, mas sua resposta fez com que virássemos para ela completamente boquiabertas. Ela realmente não entendia a brincadeira.
  Mas a anfitriã riu, gargalhou e quase caiu no chão. Talvez não tivesse bebida e sim outra coisa nos docinhos... Por isso jogamos todos fora antes que tivéssemos a mesma reação.
  - É engraçado porque... – tentava dizer, com suas gargalhadas a impedindo de terminar a frase. – A Rachel é a loira, a Monica a morena e o Joey é homem! – Gargalhou mais alto ainda e tentamos rir, mas era esquisito demais.
  Nós três nos entreolhamos novamente e saímos de fininho, antes que ela parasse de rir e tivesse mais alguma reação que não fosse tão engraçada assim.
  Passamos por algumas casas, dissemos alguns nomes falsos e não conseguimos uma gota de bebida. Só as casas mais famosas tinham passe livre para trazer bebida e para chegar lá teríamos que passar por muros e entrar de penetra. E não queria começar meu ano assim. E muito menos quebrar meu salto caríssimo.
  Se quiséssemos entrar era melhor esperar até a madrugada chegar, o que seria frustrante.
  - Não quero pular o muro. - Fiz bico.
  - Caguei. Vamos logo. – me puxou para frente e fui, porque estava com mais medo de cair nesses saltos do que pular um muro.
  Pra ela era comum, já que a garota era praticamente um molequinho quando era criança. Enquanto eu pintava minhas unhas, ela estava completamente suja e de boné jogando baseball com os garotos na rua da escola. Quando crescemos ela virou líder de torcida e hoje é obcecada pelos grandes nomes de estilistas.
  No caminho, passamos por uma casa toda escura e aparentemente vazia. Era a mais apagada e vazia de todas, aquilo me partiu o coração por um momento, mas provavelmente não havia ninguém nela. Nem mesmo alguém moraria aí. Brittany pareceu querer dizer algo sobre a casa, mas a ignoramos, mais focadas em ir atrás de bebidas.
  No muro, nós mesmas nos demos impulso para passar do outro lado. E tentei cair na forma menos penetra possível. E conseguimos. Estávamos no paraíso de bebidas e festas de verdade. Com música, pessoas se divertindo de verdade e o mais importante: álcool.
  Entramos na Alpha. Muitas estavam do lado de fora conversando e nenhuma barrou nossa entrada, o que foi bom. Aparentemente estávamos vestidas no padrão delas.
  Fomos direto para a mesa de bebidas, mas não tinha exatamente um bar, o que me frustrou de início. Só uma mesa com um ponche e ao tomá-lo, quase cuspi tudo pela quantidade de álcool que aquilo continha. Só um copo me deixaria bêbada por três dias.
  - Nossa, eles botaram gasolina nisso? – também reclamou.
  - Olá! – Uma das meninas se apresentou. Era ruiva, com cabelos perfeitamente penteados e um vestido que custava a minha mesada. – Sou Debbie. E vocês? – Deu a mão e apertamos.
  - Buffy. – Sorri.
  - Faith. – Acenou com a cara emburrada. Ela preferiria dizer Spike, eu sei.
  Esperamos o terceiro cumprimento, mas não veio. Então nós nos viramos e Brittany havia sumido. Era só o que me faltava.
  - Cadê a Brittany? – me perguntou mais nervosa comigo do que com a situação. Dei os ombros.
  - Como eu vou saber? Quem estava do lado dela era você!
  - Meu Deus do céu, perdemos a Brittany. – Levou as mãos à cabeça, respirando fundo.
  - Quem é Brittany? – A ruiva ainda estava lá vendo a cena e olhei minha amiga.
  - Você não a viu? Ela é loira, com tranças e um vestido de unicórnio.
  A garota negou.
  - Não, mas eu sei quem pode ter visto. – Apontou para uma outra delas, com cabelos castanhos presos em um coque alto. Agradecemos e corremos até ela.
  - Com licença. – a chamou.
  - Sim?
  - Você viu uma garota loira de tranças e com um vestido de unicórnio? – perguntei ignorando o desespero.
  Não podíamos perder Brittany. Da última vez a perdemos em um shopping e quase a achamos afogada na piscina de bolinhas da sessão infantil.
  - Vi sim! – O alívio nos percorreu. - Ela estava indo pra casa dos garotos. – Apontou. – Do outro lado da rua.
  - Muito obrigada, – agradecemos.
  Corremos, saindo da casa das meninas sem pouco nos importar em despedidas. Mas a casa dos garotos era muito mais difícil de se entrar como a das garotas. E isso era um pesadelo.
  - Nomes. – Um rapaz alto, forte e com uma cara não muito amigável perguntou, segurando uma prancheta.
  - Nossa amiga tá aí dentro, precisamos levá-la para o dormitório. – tentou alertá-lo. – Ela tem diabetes, se passar mal não teremos como socorrê-la.
  Latina mentirosa.
  - Nos deixe passar, por favorzinho. – Pedi tentando adoçá-lo. Ele me encarou – bem lá mesmo... -, deu um sorriso meio sujo e voltou pra prancheta.
  - Nomes.
  - Veronica. – começou…
  - Betty. - Terminei.
  O rapaz encarou a prancheta, lendo a folha toda e depois a outra, e a outra. E eu já estava ficando agitada com tudo aquilo. Precisava ir atrás de Brittany e aproveitar para encher a cara no paraíso das bebidas que seria a casa dos garotos. Como sempre.
  Mas ele nos encarou sério.
  - Não estão na lista, portanto...
   rolou os olhos.
  - Escuta aqui... – começou a ficar puta e toda vez que começava assim, seu sotaque latino se sobressaia e se segurava pra não soltar palavrões em espanhol. – Nossa amiga tá aí dentro e vai precisar de nós em breve, então por favor, se não for muito pra você, esqueça essa mierda de prancheta e nos deixe entrar. Ahora!
  Bateu os pés e o cara nem tremeu, permaneceu imóvel.
  - O que podemos fazer pra você nos deixar entrar? Fala logo. – perguntei impaciente e ele nos encarou, dos pés à cabeça. E seu sorriso sujo reapareceu, naquele momento sabia que viria merda e o mataria.
  - Vocês sabem... na faculdade as garotas vão mais a loucura. Me provem que vocês são loucas o bastante para entrarem aqui. – Permanecia com o sorriso sujo e a mão de socar da morena tremia. – Mostrem seus seios.
  - COMO É QUE É?
  - Tá bom... – Respirei fundo, descendo lentamente meu vestido. Mas me segurou antes.
  Ainda bem…
  - Quem você pensa que é? Meu Deus, você é nojento! Quer dizer, você poderia estar lá dentro na casa das meninas vendo as garotas tirando tudo na piscina, fazendo o que garotas sempre fazem sozinhas e você vai perder seu tempo vendo nossos peitinhos sem graça? – Rolou os olhos e o queixo do cara caiu.
  - Meu peitinho não é sem graça... – suspirei decepcionada e quase enfiou o cotovelo em minha barriga, mas desviei.
  - Tá zoando né? Elas não estão fazendo isso.
  - Tire a prova... – Sorri e ele tentou conter a “excitação”.
  - Fiquem aqui. – Ele saiu do posto, atravessando a rua para a casa das meninas. Foi o suficiente para corrermos para o lado de dentro da casa. E era realmente, de Paraíso se tornou o Inferno.
  A casa estava quente, cheia de gente bêbada fazendo merda. Várias mulheres seminuas e homens também. Pegação por todos os cantos e o cheiro de álcool e sexo preenchiam o local. Não acredito que Brittany havia se enfiado lá.
  Mas não me importava, íamos pegando os copos de bebida que víamos pela frente virando-os, apreciando o álcool e um pouco da festa. A Brittany poderia esperar um pouco.
  Não sei se era o ar ou a bebida, mas ignorei a nojeira que o lugar se encontrava e me meti entre os rapazes, pegando mais bebidas no bar e indo atrás da pista de dança, para dançar loucamente. Acabei perdendo no caminho, mas não me importava, porque a música com batida gostosa me fazia rebolar, jogando meus cabelos e passando a mão pelo meu próprio corpo. Sentia meu corpo quente e parecia estar bêbada, mas nem estava.
  - Oi gatinhas – um cara com o cabelo descolorido meio amarelo, estilo surfista, chegou nos cumprimentou e vi que já estava ao meu lado segurando copos para nós. – Meu nome é Dick, e o de vocês? Aposto que são tão lindos quanto os seus rostos. – Sorriu.
  - Quinn. – Dei a mão e ele a beijou, ew.
  - Santana. – Acenou com a cabeça, evitando o contato físico.
  - Qualquer coisa, só procurarem o Dick e eu as darei o melhor. Porque comigo só tem coisa boa. – Sorriu genuinamente, achando que isso faria acontecer algo em nossas calcinhas e foi embora.
   me encarou e entendi o que queria. Rolei os olhos, pegando o copinho na mão dela e virando todo em minha garganta, sentindo-a queimar e o álcool dar efeito.
  - Me deseje sorte. – Dei as costas.
  - Vai com tudo, tigresa.
  Fui meio cambaleante – pelo efeito rápido do álcool em meu organismo – até Dick, que estava escorado na parede e ao me ver, mandou embora todos que estavam por perto.
  - E aí, gatinha. No que posso ser útil? – Sorriu.
  - Quero tirar prova disso que você tem de melhor. – Retribui o sorriso e ele se surpreendeu. Aposto que não estava acostumado com garotas mais diretas como eu e .
  - Vem aqui então. – Segurou em minha mão e me levou até o cantinho mais afastado das pessoas. – Vou te mostrar os benefícios do Dick. – Sorriu e enfiou a boca na minha.
  Beijava sem jeito algum, me lambendo e mordendo meus lábios, quase machucando-os. Sua língua dentro de minha boca parecia que queria me furar, quase pude a sentir em minha garganta. Quase tossi com o gosto de gasolina que tinha sua boca.
  Suas mãos apertavam o meu corpo e era até incômodo a forma em que ele não tinha pegada alguma. Não estava sendo um beijo bom, eu estava traumatizada e até enojada. Talvez fosse o álcool.
  Ao sentir apertar minha bunda, o afastei bruscamente, atuando da melhor forma quase caindo no chão.
  - Nossa, essa bebida me pegou de jeito, hein. – fiz um tom bêbado e cambaleei para longe dele. – Você... é... quente... – disse pausadamente e ele sorriu, senti seu ego me empurrar para longe e saí o mais rápido possível dele.
  Voltei para minha amiga que me aguardava ansiosa, segurando mais copos. Ela me entregou um e eu o virei. Tudo que eu queria era ficar mais bêbada o possível para esquecer isso, de verdade.
  - Ele beija mal.
  - Não brinca, sério? – Assenti. Deu os ombros. – Vou ir lá provar. – Entregou-me os copos e saiu andando.
   seguiu o mesmo caminho que eu até Dick e ele a levou para o mesmo cantinho que me levou. Fez exatamente as mesmas coisas. Contei no relógio do meu pulso quanto tempo ela demoraria para se fingir muito bêbada e voltar.
  Eram 1h25m quando foi, 1h28m ela voltou com uma expressão frustrada e decepcionada, balançando a cabeça.
  - Pior. Beijo. De. Todos.
  - Eu disse.
  - Muito ruim.
  - Desperdício…
  - Vamos dançar. – me puxou para o monte de gente e eu fui junto, me metendo mais perto dos caras.
  A música tocava mais forte e nós duas nos divertíamos, dançando mais para nós mesmas do que para os rapazes que nos cercavam. Mesmo assim, aproveitávamos para provocá-los um pouco, porque as reações eram imperdíveis. Descíamos até o chão e voltávamos, rebolando nossas bundas como naqueles videoclipes.
  Rebolávamos do nosso jeito, ouvindo os caras assobiando atrás de nós e uns até tentando chegar mais perto, roçando seus corpos nos nossos e dançando, mesmo sem nossa permissão. Os ignoramos e voltamos a dançar para nós mesmas.
  Conforme as músicas acabavam, dançamos mais um pouco até cansarmos.
  - Vou procurar o meu primo, – disse ofegante, então me deu as costas e eu fiquei lá, sozinha perdida entre um monte de gente desconhecida e Dick, que não parava de me olhar. E esses caras ainda queriam tirar uma casquinha.
  Virei e saí andando pela casa, procurando algo para fazer. Fui então até o bar e agradeci ao ver um rosto conhecido.
  Era e ele estava lindo usando uma camiseta preta qualquer, a sua jaqueta de time e calça jeans qualquer. Era tão simples e eu queria bagunçá-lo todo. Muito…
  Espera, não.
  Melhores amigos, apenas isso, certo?
  - Com licença. – Tirei seu copo de sua mão e tomei um gole de sua bebida, ele nem se surpreendeu. Cuspi tudo no chão. – É água! – O encarei completamente decepcionada e ele gargalhou.
  - Não posso beber. Estou dirigindo. – Deu os ombros.
  Arqueei as sobrancelhas.
  Como é?
  - Você tá de skate. E mora no campus. – Cruzei os braços e ele deu os ombros novamente, pouco se importando.
  - Segurança em primeiro lugar.
  - Nossa, você é tão careta. – Rolei os olhos e me virei pro barman, pedindo qualquer coisa que tivesse álcool de verdade. Subi no banquinho, virando minha bunda para ele e pedi a bebida, sentia seus olhos em minha pele, mas pouco me importei.
  Voltei para a posição inicial.
  - E aí, como foi seu primeiro dia? – perguntou, mas as únicas coisas que em conseguia me focar naquele momento eram seus lindos olhos castanhos e na bebida deliciosa que haviam me feito.
  - Normal. Estudei como sempre, consegui um emprego, um professor mega esquisito está apaixonado pelo meu pai. Nada demais. – estranhou minha fala e eu dei os ombros, ignorando.
  - E fez amigos? – Gargalhei.
  - Por Deus, não.
  - Essa é minha garota. – Sorriu.
  - Viu Brittany? – mudei de assunto.
  - Ela tinha saído com o Wallace, acho. Foram ver garotas. – Durante esse tempo já estava bebendo outro drink muito bom. Estava com sede. – E , não estava com você?
  - Foi atrás do belo priminho dela, o que significa que foi atrás do tentar rever os assuntos pendentes do ano novo. Ou seja, Me abandonou. – Fiz bico e gargalhou.
  - Vai ter que ficar comigo então. – Sorriu de canto, tentando permanecer charmoso, mas sua timidez era adorável. Principalmente quando se tratava de mim. Éramos íntimos e mesmo assim ficava desse jeito.
- E tem coisa melhor? – Sorri. me abraçou de canto e pude sentir seu aroma, quase o beijei naquele momento. Íamos nos beijar, de verdade. Era o certo, já estava tudo planejado. Então fomos interrompidos.
  - Você! – O guarda que havia enganado mais cedo apareceu e eu me assustei, ele vinha em minha direção com raiva. – Vou te tirar daqui a força. – Antes que ele pudesse reagir, joguei meu drink todo em sua cara, molhando-o.
  - Te vejo mais tarde. – Dei um beijinho na bochecha de e saí correndo o mais rápido possível, atrás de , Brittany, Wallace, ou qualquer um que pudesse me proteger desse brutamontes.
  Óbvio que nem precisava correr, estava lá. E ele agiu por conta própria para me proteger.
  Queria ter ficado para protegê-lo também.

***

   saiu correndo como um jato, fugindo de um dos caras da fraternidade. Nem perguntei o que havia feito, mas coisa boa não era, já que o cara estava vermelho de raiva.
  Mas claro que não o deixaria alcançá-la.
  - Qual é, deixa ela em paz, – alertei, fazendo-o parar no meio do caminho.
  - Como é, novato? – Ele parecia furioso e eu estava pouco me fodendo pra ele.
  - Deixa. Ela. Em. Paz.
  - Vem fazer, seu merda. – Tentou me socar, mas desviei, retribuindo o soco que o acertou, então o próximo dele me acertou também. E começou…
  Fui para cima dele, socando-o e ele retribuía, tentando se defender e me atingir também. Logo um grupo de rapazes nos cercou, um monte gritava para briga e nenhum estava aqui para apartar.
  - Não acredito que você tá disposto a morrer por causa de uma vadiazinha daquelas. – Riu e eu o soquei.
  - E quem vai me matar? Você? – O imitei na risada e ele me socou.
  Foram socos em várias partes no corpo. Eu o socava e ele me socava. Quanto mais a briga intensificava, mais pessoas nos cercavam, até que resolveram apartar.
  Os caras do meu time me puxaram para trás e o dele fizeram o mesmo. Não foi uma briga e tanto, estávamos pouco machucados até. Porém havia sido o suficiente para dar o meu recado.
  - Relaxa, . Vamos embora, vamos. – Um dos caras me puxava e eu tentava me soltar.
  - Fica longe dela, ouviu? – Gritei para o outro que apenas retribuiu com o dedo. E eu me soltei, quase voando para cima dele de novo, mas me seguravam.
  - Que merda é essa? – chegou gritando, junto com .
  - É uma festa, burrinha, – Brittany disse aleatoriamente e a fuzilou com o olhar.
  - Esse merda estava atrás da . – Soltei-me e então precisou ser segurada.
  - Por que não enfrenta alguém do seu tamanho? – ela disse e teve que virar o pescoço pra cima pra conseguir ver o rosto dele. Ué. – Pensei que já tínhamos resolvido que você é um idiota lá fora.
  Em um momento ela começou a cutucar o peito dele com as mãos e já revirava os olhos, premeditando que teria que apartar aquilo. E então se meteu no meio.
  - Vincent, elas são legais, dá um tempo, – falou amigavelmente. E o cara parou para escutá-lo.
  - Elas estão aqui de penetra.
   sorriu e balançou a cabeça com pesar e deu uns tapinhas nas costas do grandão.
  - Vincent, 50% do pessoal dessa festa está aqui de penetra, inclusive eu. Um a mais não vai fazer diferença, tá vendo aquilo? – Apontou para um cara que estava no time de futebol. Acho que era o manda-chuva da fraternidade. Ele estava de cueca, dançando contra a estátua de um cachorro branco horrenda enquanto cantava Poker Face. – Aquele é o seu líder, se ele já estava assim e ainda é meia noite, eu acho que o lugar já está pronto pra ser liberado para os novatos, não é mesmo?
  Vincent encolheu os ombros e apontou um dedo na cara de .
  - Beleza, mas não quero cruzar espaço com essas duas essa noite, está bem?
  - Valeu amigo, – agradeceu e tudo estava bem de novo. Até que…
  - Beleza o caralho eu vou te comer na porrada se cruzar caminho comigo, cabrón.
   tinha me ensinado que, em algumas situações, cabrón poderia ser visto com um elogio. Aquela não parecia ser uma delas.
  - Se acalma mulher, – reclamou a puxando pelos braços pra longe de Vincent, que tentava se conter.
  - Eu acho melhor vocês irem embora. – Um dos caras da fraternidade alertou. – Peço desculpas pela atitude do meu amigo, mas vão embora, esfriar a cabeça. Do lado de fora vocês se matam depois.
  - Tudo bem. Essa festa tá morta de qualquer jeito! – disse em seu tom embriagado, tentando se passar como superior.
   rolou os olhos e saiu da casa junto com . Wallace e Brittany a seguiram.
  As pessoas olhavam, fofocavam, riam, outras aplaudiam e xingavam o que estava atrás de . Mais por ter apanhado do que pela atitude que teve em ir atrás da garota.
  O grupo todo foi embora e eu acabei ficando para trás, porque havia algo que havia me deixado na dúvida e não poderia ir embora sem descobrir:
  Onde estava a ?

***

  Estava sentada na escadaria de uma das casas, sem exatamente muito o que fazer. Fugi do cara que havia enganado e acabei ficando longe do grupo, não sabia ao certo onde estavam e o que aconteceu, mas uma coisa descobri: até que a casa das meninas era divertida. E o ponche de gasolina nem estava tão ruim assim para quem já havia bebido.
  Brincava com o copinho vermelho, bêbada demais e com medo para sair andando de volta para os dormitórios, com medo de um dos brutamontes me reconhecer e vir atrás de mim com um machado e tudo. Bem aqueles filmes de terror pesados.
  Percebi a sombra em minha frente e me assustei, já imaginando a pessoa errada, mas levantei a cabeça e vi . Isso me animou. Levantei em um pulo, abraçando-o, feliz por alguém do grupo ainda ter lembrado de mim.
  Mas era o álcool.
  Vi seu rosto com alguns machucados, uns cortes na boca e me desesperei. não era o tipo brigão, nunca havia o visto brigando por motivos bobos, mas um dos únicos motivos em que se metia em briga tinha nome e sobrenome: Hudson, isso mesmo, eu.
  Desde as primeiras séries, bem antes de namorarmos e ainda quando éramos crianças ingênuas ele se metia em brigas por minha causa, para me defender. Me defendia de quem me xingava, roubava meu lanchinho ou meu material. E quando fomos crescendo, os motivos continuavam os mesmos e as brigas mais intensas. Ele nem sempre perdia, mas também nem sempre ganhava. E ganhando ou perdendo, sempre tínhamos os machucados para cuidar.
  E depois vinha a culpa, a culpa de fazê-lo passar por essas coisas. Depois que terminamos achei que havia acabado, mas estava enganada…
  Um dia na faculdade e já havia o feito bater em alguém.
  - Tá tudo bem? – Toquei seus ferimentos e ele resmungou, mas ignorou, com um sorriso e as mãos acariciando minha cintura.
  - Vim te levar pro dormitório. Aceita uma carona? – Senti seu skate batendo em minha perna e hesitei, jamais andaria em um troço desses bêbada e de salto.
  Mas ele me encarava carinhosamente, sorrindo gentilmente e dei os ombros. Valia a pena tentar, né?
  Tirei meus saltos, segurando-os em minha mão. subiu em seu skate e eu fiquei atrás dele, segurando abraçando suas costas para evitar um acidente. E se eu caísse, ele amorteceria minha queda.
  Demos impulso juntos e saímos andando pelo campus em seu skate.
  Eram coisas simples assim que eu sentia falta de quando estávamos juntos e agradecia que permanecemos tendo depois que terminamos. sempre foi meu melhor amigo, bem antes de que percebesse que era completamente apaixonada por ele. E continuava sendo.
  Haviam coisas que nunca mudavam. E mesmo que tentasse esconder, os sentimentos falavam por si próprios.
  Talvez fosse o álcool sim, com certeza.
  Mas eu queria que esse passeio em seu skate jamais acabasse.

***

  Primeiro domingo e cumpri a minha promessa, fui à Igreja naquela manhã. Meu pai pareceu contente em me ver – mesmo fingindo que não – e minha mãe me deu um daqueles abraços que demoraram horas pra me soltar.
  E como tortura boa é aquela que levamos os amigos, fiz questão de trazer pro passeio. Tivemos que nos vestir muito mais recadas e com menos decotes que sempre, mas pelo menos fizemos o certo em vir. Mas o lacinho que usava em minha cabeça me deixava lindinha.
  - , não é aquele professor esquisito? – me mostrou o Mr. Johnson, que estava vindo até nós junto com meu pai. O homem saiu antes de chegar perto, mas sem antes dar uma boa secada em mim. Desviei o olhar rápido.
  - Pai, você é amigo do meu professor? – Estranho…
  - Sou sim. Mr. Johnson é um rapaz e tanto, um prodígio. Você tem sorte em tê-lo como seu professor. Se ele não fosse mais velho que você... – deu uma pausa. E durante essa pausa contei mentalmente quanto tempo demoraria para pegar um avião para o Japão ainda essa noite. – Adoraria tê-lo como meu genro.
  Engasguei com o ar.
  Isola, Senhor.
  Encarei a minha amiga que também se virou para mim, damos os ombros.
  Meu pai também estava apaixonado pelo Mr. Johnson... coitada da minha mãe.
  Meus pais estavam agora conversando com alguns rapazes que se voluntariavam para cuidar de casas, reconstruir e reformar. Tudo de graça. Para nós era algo meio estranho e completamente diferente do que estávamos acostumados, já que nenhuma de nós fazia isso da mesma forma ou com tanta vontade.
  - Por que eles fazem isso? – perguntou, se mostrando curiosa sobre o assunto. Minha mãe então sorriu.
  - Por fé. Às vezes as pessoas fazem coisas boas sem querer nada em troca só pela fé. Ajudar os que mais precisam faz bem para eles e para todos nós, querida.
  - Isso é... Uau. – Minha amiga parecia bastante interessada com aquilo. – Deve ser muito bom quando termina.
  - Maravilhoso. – Minha mãe tocou em seu ombro, sorrindo de orelha a orelha. A senhora se orgulhava disso, uma das coisas que ela mais tinha orgulho de fazer dentro da Igreja: ajudar os outros.
  Não importa se era rico, pobre, religioso ou não. Minha mãe se importava com todo mundo, era pureza demais. Uma bondade verdadeira. Ela era minha inspiração para ser alguém melhor.
  Para ela ninguém era melhor que ninguém... Já meu pai... Ele ia precisar aprender.

***

  Nunca fiquei tão entediado em um final de semana. Por isso jogava e pegava a bolinha quando descia. Indo e voltando na minha mão, bufei.
  Não tinha tido notícia de ninguém do grupo, provavelmente estavam aproveitando o dia, mas na verdade meu foco era apenas em uma pessoa. Só uma delas queria encontrar pra passar o dia junto.
  Minha cabeça não conseguia deixar de pensar na noite após a festa e como as coisas ficaram depois daquilo. Meus machucados já haviam sumido e ela havia feito questão de cuidar de mim todos os dias, me acompanhar pelo campus pra fazer questão que eu não sairia brigando com ninguém.
  Ela não sabia, mas esses gestos me faziam sentir muito por ela.
  - Filho? – Meu pai entrou no quarto, chamando a minha atenção. Larguei a bolinha e o encarei. – Tá tudo bem?
  - Pai... Como faço pra conquistar uma garota?
  Ele me encarou por alguns instantes. Se recordou que já havíamos tido essa conversa. Eu tinha dez anos e queria conquistar.... isso mesmo, a . Naquela época tudo que ela queria era brincar de boneca e ser a Sharpay Evans.
  O seu conselho foi simples: seja você mesmo e faça o que ela quiser. Então vi os três filmes do High School Musical com ela, todas as temporadas de Hannah Montana e quando cortou seu cabelo imitando a peruca da ídola, disse que estavam parecidas – e até estavam. Ela ficava linda usando roupinhas coloridas e cheias de glitter.
  Seu conselho deu tão certo que anos depois já podia chamá-la de minha namorada. Pena que, bom... estraguei tudo.
  - Quer dizer... como faço pra reconquistar uma garota depois que fodi tudo com ela? – reformulei a pergunta e então a expressão do meu velho se suavizou.
  - Olha o vocabulário. – Minha mãe adentrou no quarto, ficando ao lado de meu pai.
  Sempre quis saber como ficaram casados e felizes por tantos anos, sendo que ele era apenas um mecânico humilde e simples, e minha mãe era uma advogada ambiciosa com sonho de se tornar prefeita e, mais pra frente, presidente.
  - É só ser você mesmo, querido. – Minha mãe se sentou na minha cama, tentando me aconselhar da melhor forma.
  - Ah, e sempre é bom comprar chocolates e flores. – Meu pai completou. – E assumir que você estava errado e ela certa. Faça isso SEMPRE! Faça sempre o que ela quiser.
  - Isso mesmo.
  Ah sim, agora entendia o porquê os dois permaneceram casados por tanto tempo... talvez desse certo pra mim também.
  Meu celular vibrou, tocando a música tema de Sharpay – o toque especial de que havia botado em meu celular – e sorri para meus pais. Estava na hora de colocar o meu plano em prática.
  - Onde será que eu encontro uma floricultura aberta a essa hora?

Capítulo 02

Capítulo 2

  Continuei traçando algumas linhas na folha, tentando detalhar ainda mais minha caricatura do Senhor Hanks, que neste momento mantinha a mesma cara de tédio e olhos quase fechados enquanto nos ensinava algumas coisas sobre inclusão e como ela foi adotada através do tempo.
  Nem com memória fotográfica eu conseguiria entender o que ele falava com aquela língua preguiçosa arrastando na boca. E olha que eu mesma tinha um sotaque que as pessoas julgavam difícil entender em alguns momentos.
  Dick estava ao meu lado ainda acordado, o que era um milagre, e sussurrou “talento nato” observando meu desenho. Sussurrei de volta “eu sei”, dando um sorrisinho cínico. Desde que ficamos por um minuto naquela festa no início do ano ele vinha me enchendo o saco em todas as aulas. Em todas elas eu tentava dar alguma patada que mudasse seu comportamento e... nada. Ele era tão sem noção com as garotas quanto meu primo.
  - Então o senhor tem uma descrição mais clara sobre o que é e a importância da inclusão pra que eu possa anotar? – uma garota de óculos perguntou no fundo.
  Dick revirou os olhos ao meu lado.
  - É tudo o que ele explicou até agora burrinha.
  - Calado Dick, ela tá tentando saber se isso vai cair na prova, – murmurei enfadada.
  - Senhorita Vega o que eu disse sobre esses palavreados na minha sala?
  - Que eu não deveria nem abrir a boca na sua aula? – Levantei as sobrancelhas.
  - Exatamente, mas voltando…
  - Ah qual é, esse assunto é tão velho e batido quanto a discussão de brancos versus nativos na Ação de Graças, – um garoto reclamou atrás de mim.
  - Shh – a menina morena da primeira carteira falou, com um pequeno sorriso de deboche que se direcionava ao garoto, mas seus olhos caíam sobre mim. – Alguns podem se sentir ofendidos.
  E aquele ser insuportável se chamava Rachel. Rachel Olive.
  Como eu poderia começar a explicar Rachel Olive... Conhecem aquelas histórias sobre garotas malvadas, loiras, de nariz em pé que tinham tudo o que possuíam sem fazer esforço algum? Isso era tudo que Rachel julgava eu ser.
  Rachel aqui, era a menina virgem que acordava, ia até a cozinha comer uma maçã e vinha pra faculdade vestindo um moletom com o seu coque frouxo jurando ser a coitada mais inocente do mundo só porque não tinha uma bunda do meu tamanho e me pegou pra cristo achando que eu estava realmente interessada em ser a antagonista da sua história.
  E isso não era de hoje, a praga me atormentava desde o colegial. Quando no teste de líderes de torcida ela tinha feito algum tipo de aposta com as amigas e surgiu lá, com a cara de poucos amigos, não queria estar ali e aquilo me irritou. Se não era importante pra ela, era pra mim, e Rachel tinha essa mente programada pra criar estereótipos para qualquer tipo de menina que aparentavam ter um pouco mais de confiança que ela.
  Assim que ela começou a dançar – horrivelmente – e sua carranca virou um sorriso gigantesco, ela pensou que aquilo seria o seu momento de brilhar e eu como capitã a deixaria entrar em nosso time, o que não aconteceu. Somente uma risadinha, uma risadinha e “próximo”, foi o que eu disse. E então uma série de coincidências nos colocavam na mesma situação na escola em lados diferentes.
  Como quando eu comecei a namorar Miguel e em um passe de mágica descubri que ela tinha uma paixão forte por ele que guardava há anos, e parecia ser minha culpa que ela não tinha coragem de abrir a boca e formar cinco palavras pra falar com ele. Eu terminei com Miguel e eles ficaram juntos, e eu estava completamente nem aí…
Ok, chorei por uma semana, é claro, porque realmente gostava dele e da sua companhia, mas bola pra frente.
  E aí ela descobriu que era lésbica. Descobriu que era lésbica quando beijou minha melhor amiga Brittany, a menina mais caminhoneira que meu tio Juan.
  Foi só isso, Brit me falou sobre o beijo em um dos almoços, eu acabei comentando sobre isso pra , mas não foi por maldade, era só uma fofoquinha honesta. De alguma forma isso se espalhou por toda a escola e quem levou a culpa outra vez? Isso mesmo, a Vadia de Ares High.
  Até hoje duvidava com força que o que eu falei para tinha se espalhado por ali inicialmente, ainda mais por ela que só falava com nosso grupo e ninguém mais. Se ela contou pro , ele ia fazer o quê? Espalhar bilhetes por aí sobre algo que ninguém, ninguém, ligava? E sério que ninguém desconfiou que a louca da Brittany poderia ter contado pra todos que beijou Rachel? Qual é, ela contava pra todos de forma alfabética quais remédios a tartaruga do seu irmão tomava quando estava com indigestão.
  E aqui estava Rachel outra vez no meu caminho, já não era mais virgem graças a namorada de longa data e criou confiança o suficiente pra começar a rebater quando a discussão ficava quente de verdade. E como ela tinha esse ranço instalado sobre minha pessoa, achava que estava sendo legal ao querer bancar Cady Heron de vez em quando. E tudo que saía de sua boca apenas aparentava ser bastante infantil pra mim... Ela não tinha coisa melhor pra fazer não?
  - Si era un intento de adularme, vete a la mierda. - Sorri vendo sua cara de quem não entendeu um grão.
  - Senhorita Vega, o que eu disse sobre falar em sua língua materna na minha sala?
  - Que eu não deveria abrir a boca na sua aula. – Bufei amassando o papel na minha mesa. O Senhor Hanks não merecia aquela obra de arte. Eu o fiz mais magro e usando a coleção de verão da queridíssima senhora Beckham e acabo sofrendo toda essa perseguição.
  - Senhorita Olive, vire-se pra frente. Recapitulando, eu vou mandar para vocês um e-mail com um breve resumo apenas porque este é um tema mais complicado e sei que não é natural de qualquer matéria. Agora me digam, alguém tem noção de quando esse sistema foi implantado, visando um acolhimento análogo entre essas crianças? – Dick levantou a mão. – Sim, Dick.
  - Mil novecentos e dezenove? – chutou.
  - Não. Muito bem... Agora uma resposta de alguém que não é um completo retardado? – caminhou seu dedo para as pessoas e o tucano tóxico resolveu responder. Lê-se Rachel.
  - Senhor, eu preciso saber se na prova você vai precisar disso como uma reação positiva ou negativa?
  - Como assim?
  - Bom, há controvérsias, na minha opinião a inclusão atrapalha a sala de aula para algumas crianças.
  - A única coisa que atrapalha, isso em países de terceiro mundo, é a falta de infraestrutura, sua mula. – Alterei-me.
  Ela se virou pra mim um pouco nervosa, mas queria debater.
  - E nestes mesmos países eles deveriam usar a verba pra outra coisa, não é?
  - Você tá fora de si? Além de trazer mais empregos pra segundas professoras em sala de aula isso ajuda a criar caráter descente, coisa que faltou na sua educação.
  - Senhorita Vega o que eu falei sobre julgar o caráter dos outros na minha…
  - Ah qual é, essa jamanta quer dizer que tem controvérsias em inclusão e você vem brigar comigo?
  - Eu tenho um ponto, . Tem escolas especializadas que possuem uma estrutura correta para esses indivíduos e…
  - Cada caso tem seu caso, consequências e seu laudo. E se o laudo permite que a pessoa possa conviver com as outras eu não vejo como isso é ruim pra nossa sociedade ou pra uma escola.
  - É ruim se não tem verba e…
  - Ah va-te lamer el culo de Trump.
  - Senhorita Vega…
  - Que droga , não dá pra ter uma discussão pacífica com você, – Rachel reclamou.
  - Não consigo me conter com gente que se faz de sonsa. – Sorri fechando os olhos.
  - Sonsa é a senhora sua mãe. – Dessa vez me levantei e estava furiosa. Ela queria falar da mamãe?
  - Você lava essa sua boca com alvejante antes de ousar falar da Senhora Sanchez, sua branquela azeda.
  Ela arregalou os olhos e engoliu seco. Se levantou também e mesmo aparentando estar com medo, ela ia revidar. Seu novo projeto de vida era ter coragem, não era? Ou substituir o Inferno na Terra.
  - Garotas, é melhor se sentarem agora... – Senhor Hanks tentou fazer algo. Tentou.
  - Eu falo de quem eu quiser, e mais, talvez se ela tivesse te educado direito, você não agiria todos os dias como uma completa selva... – Ela parou de falar no momento em que avancei pra cima dela.
  Rachel era dessas cachorrinhas que latem, latem, mas quando você manda ver, ela sai correndo de medo. E dá esse gritinho agudo insuportável pedindo socorro para o professor Hanks.
  - ¿Cómo te atreves a hablarme de mi familia? – rugi pra cima dela.
  Pode me xingar o quanto quiser, pode me bater, paus e pedras não vão me quebrar e blá blá blá, eu sou uma estrangeira na terra deles, tive que lidar muito com isso e sei me proteger.
  Mas nunca, em hipótese alguma, nunquinha, abra a boca pra falar um pio contra as pessoas com quem me importo. Pense duas vezes antes de mexer com meus amigos ou minha família.
  A “briga” se estendeu por pouco tempo, a galera já estava toda animada, os garotos do time de futebol vieram pra cima de mim tentando me segurar e ao mesmo tempo tirando uma casquinha, o que me deixou irada. Dick ficou gritando sobre “briga de gatas” e Rachel já soluçava de chorar.
  Fraca.

***

  E aquele choro ridículo convenceu, dado a circunstância que somente eu estava na sala da orientadora. Minha bochecha queimava de vermelha, só por dentro, nunca deixaria transparecer a vergonha que eu tinha de me meter em briga nessa idade, na faculdade... Eu queria brigar comigo mesma pra parar de ser tão idiota por me deixar levar com qualquer provocação.
  Estava sentada com minha bolsa Vuitton e Alaia no colo, era uma imitação é claro, mas comprei com meu suado dinheiro e ficava maravilhosa, seja pra sair em alguma festa ou pra andar pela escola com a camurça em estampa de leopardo. Até mesmo a reitora Campbell já tinha passado por mim uma vez e encarou um pouco minha bolsa.
  Reitora esta que não estava presente no momento. Ela não tinha tempo pra lidar com situações tão inúteis quanto essa. E lá estava a Orientadora Diane. Eu a chamava de Didi depois de sermos praticamente amigas pelo tanto de vezes que em que eu apareci ali em menos de um ano. E ela fazia questão de eu ficar por mais tempo para eu meramente ficar experimentando seus chás. Eu suspeitava que Didi também usava minha presença pra não ter que ir tão cedo até a sala da reitora pegar mais papeis de matrículas e fraternidades para atualizar seja o que for que tivesse pra ser atualizado.
  - ... – Didi suspirou com decepção e meu coração partiu. Ela sempre foi muito gentil comigo e desde que comecei a trabalhar em um segundo emprego ela continuava a acreditar que eu daria conta de tudo. Mas era difícil.
  - Ela quem começou e... – Parei sabendo que soava idiotamente infantil outra vez. – Me desculpe.
  - , você era uma aluna exemplar no começo do ano, suas notas eram ótimas, você passou em primeiro lugar na nossa bolsa, mas desde que começou a faltar algumas aulas vem tudo decaindo. Eu estou guardando seu caso para a Professora Campbell avistar por último apenas pra te dar mais um tempo para se desenrolar, o que fica ainda mais difícil porque você falta aula demais e quando vem, acaba se metendo em briga.
  - Eu só não gosto de ver injustiça.
  - Aquilo era apenas um debate saudável, , você tem que aprender a controlar seus nervos. Talvez fosse melhor se você desistisse de um dos empregos, não é benéfico pra uma garota de dezoito anos…
  - Não Didi, você sabe que não dá... desde que minha família sofreu aquele arrombamento lá em casa ano passado tá sendo difícil ter uma renda extra. Nem pra caridade a gente tá conseguindo doar. Eu preciso do dinheiro pra pagar meus empréstimos estudantis e…
  - Tudo bem, eu entendo.
  Há algum tempo meu pai tinha se metido em um esquema de pirâmides que acabou falindo o nosso restaurante no centro e tivemos que recomeçar do zero, abrindo ele novamente, dessa vez no primeiro andar da nossa casa na vila.
Flashback on.
  Minha família toda estava dormindo, eram apenas duas da madrugada e meu pai chamou todos nós até a sala para ver algo surpreendente.
  - Olhem isso – ele tinha ao seu lado um cofre grande e preto. Ele abriu como em um show de mágica e não havia nada dentro.
  Cocei os olhos com sono.
  - O que é isso? – minha mãe bocejou.
  - Nossa família foi roubada, – ele disse misterioso, como se não fosse culpa dele.
  Passei o resto da noite tentando parar minha mãe, que estava querendo matá-lo com um pau de amassar macarrão.
Flashback off.

  Não gosto de flashbacks longos. A questão é que obviamente nossa família nunca teve um cofre e ele achou que aquilo poderia nos enganar, como se alguns ladrões tivessem entrado lá e... Enfim.
  - De qualquer forma eu estou apta a aceitar qualquer outro conselho. Não posso perder essa bolsa, Didi, você sabe o quanto é importante para os meus pais.
  Sim, meus pais, não pra mim, pelo menos não para o curso que deveria fazer para manter o orgulho deles sobre mim. E ela notou isso, ela já tinha percebido que eu me esforçava demais pra fazer algo que eu nem ao menos tinha prazer em fazer.
  - Seus pontos adicionais por participar do time de vôlei e das líderes de torcida acrescentavam muito no seu histórico, sabia? Pode tentar voltar para o time dessa vez no nosso colégio, temos um time de futebol que ganha quase tanto destaque quanto o hóquei. Você poderia tentar entrar em alguma irmandade também, mesmo na metade do ano algumas meninas estão tentando salvar suas casas pela baixa demanda. As mais famosas e com mais álcool sempre tem toda a atenção – bufou. – Fora isso, tente repor toda a matéria, está bem? Sua última prova – viu a tela de seu computador – teve uma nota boa, não ótima. E você tem uma memória boa. Apenas estude mais.
  Eu já estudava no meu horário de lanche, no balcão do restaurante, no banco do Uber – o trabalho pagava essa mordomia pra mim – e atrás da vitrine da loja de roupas quando meu patrão não estava vendo. Mas tudo bem, não há esforço o bastante para algo que precisamos alcançar sem outra opção.
  Uma irmandade poderia até ser uma opção, dessa forma eu iria morar a alguns passos do campus e ter aquela parada de trabalhos filantrópicos que me ajudavam no currículo e histórico estudantil. Sem falar que as garotas no fim do dia se uniam pra estudarem e blá, blá, blá.
  - Vou tentar, – falei me levantando. Quando cheguei na porta ouvi sua voz calma e compreensiva.
  - Eu sei que vai.
  Passei pelo corredor antigo e chique avistando Vicky, a secretária de cabelos cor de cereja e pele morena. Ela era um pouco avoada para o trabalho, mas era um doce. Tinha pelo menos vinte e cinco anos.
  - E aí , foi a Olive outra vez? – Sorriu arrumando sua mesa que chegava até a altura do meu peito.
  - Como sempre. Às vezes acho que aquela garota mantém uma paixão secreta por mim, porque não é possível... - me queixei.
  - Bom, poderia ser... – Ela deu uma piscadinha e eu ri lisonjeada. – A dona Diane me mandou um e-mail solicitando um tutor para você.
  - O quê? – fiquei chocada. – Eu não preciso de um tutor.
  Ela deu de ombros.
  - Acho que poderia te ajudar, sabe, se ele tiver o conteúdo que você não consegue pegar com suas faltas. E não faz bico, , qualquer outra instituição já teria chutado sua bunda, sorte sua que Didi puxa seu saco.
  - Sorte a minha – cerrei os olhos. – O que eu preciso fazer? – olhei para os seus papéis esperando que ela me desse algo.
  - Nada. Eu vou primeiro ver se nossa lista está liberada e encontro alguém que esteja disposto a te aconselhar ou ensinar, sei lá.
  - Preciso voltar aqui?
  - Eu reviso sua grade horária e te chamo se ele tiver medo de ir atrás de você. – Ela riu. Haha.
  - Isso é intriga da oposição, o pessoal dessa faculdade é louco.
  - O pessoal dessa faculdade foi para o colegial junto com você e já tem indícios da peste que você é, menina.
  - Meu pai me chama de anjinho, sabia? – Sorri inocente.
  - Seu pai é louco.
  Mostrei a língua pra ela, indo embora.
  - Até mais, .
  - Até mais, Vicky.

***

  - E então fui parar na mesa da orientadora, que quase me deu chibatadas ordenando que eu entrasse em uma casa de irmandade para que melhorasse meu GPA. – Suspirei falsamente para Brittany. Estávamos as duas no horário do almoço, o resto do pessoal estava só Deus sabe onde e eu estava tentando aos poucos amaciá-la para fazer o pedido final.
  - Eu nunca fui parar na orientação, como é lá?
  - Como a sala da sua casa, na verdade, tudo limpinho e tem bastante chá. – Dei de ombros.
  - Parece fantástico.
  - Não tem unicórnios lá Brit – sorri e isso apagou sua áurea, - mas... – Abri minha bolsa resgatando um papel onde eu tinha feito um desenho pra ela. – Eu trouxe isso pra você, que tal?
  - Meu Deus... – Ela respirou rapidamente com seus olhos contemplando cada centímetro do desenho. É isso, ela está no papo. E modéstia parte eu tinha dado o máximo de mim na cara daquele cavalo branco com chifre, até meus lápis coloridos eu usei, tudo na aula do professor tarado.
  Retirei o desenho de sua mão e ela fez bico.
  - Eu preciso de um favor antes.
  - Qualquer coisa.
  - Me aceita na sua irmandade? Por favor, por favor, por favor.
  Ela apertou os olhos e puxou o desenho da minha mão com força.
  - Eu não tinha convidado você e sua amiguinha peituda meses atrás?
  - Sim, mas…
  - E o que vocês fizeram mesmo?
  - A gente fez gestos que não deveríamos ter feito e…
  - Vocês riram! Na minha cara! “Não precisamos disso Brittany já temos amigos o suficiente”. – Imitou uma voz de bebê.
  - Brit – peguei seu rosto com as duas mãos e fiz ela olhar pra mim. – Por favor.
  Ela bufou.
  - Não use seu feitiço latino pra mim, mocinha. – Sorri abertamente, quase fofa e ela bateu com a testa na mesa. – Tanto faz, a gente tá precisando de pessoas mesmo.
  - Estão? – Sorri mais ainda.
  - Bem... sim. Eu estava até pensando em chamar você e outra vez. Nossa casa está quase sendo fechada pelo conselho já que…
  Levantei um dedo.
  - Não se preocupe, nós vamos dar um jeito em tudo.
  Eu pensei que seria fácil. Pensei.

***

  Tossi fortemente quando passei pela porta.
  - Me diz que esse é só o depósito…
  - É uma honra apresentar a sede da Zeta Beta Iota – Brittany sorriu como uma criança.
  Era uma boa casa, não dava pra negar. Infelizmente as portas estavam quebradas, o chão completamente manchado pela sujeira do tempo, o teto tinha muitas, muitas teias de aranha, o sofá parecia ter custado 50 centavos em um bazar velho e o resto dos móveis eram inexistentes.
  Não tinha tinta, não tinha estilo ou cor, não tinha vida e isso dificultava muito as garotas conseguirem a última integrante que precisávamos para convencer a reitora Campbell a não fechar completamente aquela casa. Sem falar que tinha uma falha no meu contrato: eu precisava estar envolvida em alguma organização da faculdade. Mas isso eu poderia deixar para depois.
  Uma menina estava sentada no sofá, lendo, tinha a pele muito pálida e olhos muito escuros, olhava para mim como se eu fosse um ET. A encarei por alguns segundos fingindo avançar nela. Ela se assustou e voltou a ler.
  - Essa é Morgana. – Ela não fez questão de voltar a olhar pra mim e observei outras garotas saindo de um quarto.
  - Ana – Brit apontou pra cada uma enquanto dizia seus nomes. Ana tinha cabelos ruivos e sardenta. – Sandra e Sabrina – as duas eram supreendentemente idênticas e usavam as mesmas roupas, tinham o mesmo cabelo Black Power e usavam os mesmos óculos. Uma sorriu pra mim, a outra se trancou no quarto.
  Meu coração doía pela falta de bom senso daquelas meninas na hora de se vestir.
  - Muito prazer. – A ruiva me direcionou a mão junto com Sandra ou Sabrina e cumprimentei as duas.
  - – mostrei meus dentes no meu melhor sorriso de vendedora da Marc Fontaine. Lugar que eu já deveria estar, agora atrasada, mas meu lindo chefe tinha que entender que eu tinha algumas prioridades e aquela loja era como cárcere privado.
  O cara me devia mais horas do que eu devia dinheiro.
  - Sandra, – a morena disse. Ok a Sandra era simpática e Sabrina era uma versão minha quando eu tinha 12 anos. Me trancava no quarto para não ter que receber visitas. – Minhas amigas me chamam de S... Se eu tivesse qualquer amiga. Mas agora eu tenho, vocês são minhas amigas né? – disse ansiosa.
  Levantei uma sobrancelha estranhando aquilo tudo e me virei para Brittany.
  - Você já conheceu a Abby, ela estava no stand comigo…
  - Diz que é pegadinha.
  - Como assim?
  - Brit, pelo amor de Meryl Streep, como é que vamos dar um jeito nisso tudo em uma semana? Primeiro precisamos achar uma última garota, depois dar um jeito nessas garotas, pra então tentar dar um jeito nessa casa pra ver se alguém gostaria de passar ao menos três metros perto daqui sem medo de ser um set de filme de terror.
  Perdi todo meu ar naquele desabafo.
  - Não é legal? Temos muito trabalho pra fazer. E agora minha melhor amiga está aqui comigo! – Brit deu alguns pulinhos de felicidade e suspirei derrotada. Onde eu tinha me metido, Senhor?
  - Ok – tentei organizar meus pensamentos e tive uma ideia. – Eu vou voltar, com a garota faltando, e vamos sentar com todas aqui ao mesmo tempo e vamos reviver esse negócio. Eu preciso do meu GPA alto até o fim desse semestre e eu vou fazer de tudo pra que isso aconteça, entendeu? – falei e soou como uma ameaça. Uma ameaça pra mim mesma?
  - Sim senhora, – elas disseram.
  - Eu vou trabalhar. Nos encontramos de noite…
  - Na casa dos garotos da Lambda! – ela gritou quando eu estava na porta.
  E ainda tinha encontro na casa dos garotos da Lamba. Por que eu insistia em sair de casa de salto alto? Porque ele tem o fundo vermelho, minha mente respondeu.

***

  Aquele tinha sido um dia muito cheio. Eu estava completamente exausto, mas assim que falei com Vicky na recepção uma parte de mim se reacendeu e meu humor se revigorou. Senti meu celular apitar no bolso.
   alterou o nome da conversa para “Acima de nós só Deus e os helicópteros da polícia.”
  : Você não deveria estar trabalhando?
  : Você não deveria estar orando?
  : Touché.
  Wallace: Galera, qual a resposta da questão 1 da prova de Sociologia?
  : Você não está fazendo essa prova tipo... agora?
  document.write(Kai): Tu desligarás o celular na sala de aula. Salmo 25.
  : Aqui não é Google.
  Wallace: Grossa.
  : Vaca :)
  Wallace: Ninguém sabe?
  : Qual a pergunta?
  Wallace: Então, meu chocolatinho branco, é a importância da abrangência de modo igual para educação para surdos no nosso estado.
  : Isso nem faz sentido.
  : Eu mencionei Daredevil.
  : Meu título foi “Ouvimos as coisas com o coração”.
  Brittany: 239jskas.
  : Muito bem Brittany.
  Brittany: Eu fiz uma relação entre o signo libra e a linguagem libras.
  : Errôooo.
  Wallace: Vou colocar que precisamos de mais legendas para surdos no cinema.
  : E o que isso tem a ver com educação?
  Wallace: Foda-se a educação.
  : A questão mais fácil era a última, sobre surdez.
  : E errei.
  Wallace: Como uma CDF que nem você erra uma pergunta dessas?
  : Tinha um gatinho na sala e... bem…
  : Eu estava ocupada pensando em garotos.
  : Alô .
  : Espero que o professor corrija uma bem lixo antes de ver a minha.
  : Pra amenizar.
  : A bem lixo vai ser a sua.
  : ò.ó
  : Como assim surdez termina com Z?

  Eu estava preparado para sair do meu carro e entrar na Marc Fontaine quando recebi uma mensagem dela, dessa vez no privado.
  : Eu ainda estou querendo fazer picadinho de você. Se tiver coragem de se redimir traga um café preto e forte.
  E eu como um verdadeiro trouxa, fui atrás desse café, refazendo todo meu caminho.
  Nosso Ano Novo tinha sido perfeito. Mesmo que no mesmo dia de manhã eu tivesse tido uma briga horrível com o meu pai, deu pra salvar o dia quando fui para a Vila Lorenzo. As pessoas lá eram normais, tinham garra e não ficavam se queixando por qualquer coisa, eu gostava de pessoas assim, diretas. E lá eles conseguiam fazer tudo isso e acharem tempo pra extravasar em uma festa incrível de fim de ano.
  Até agradeci Wallace mais tarde pela brincadeirinha idiota de me trancar no armário, afinal consegui ter uma desculpa estúpida que me rendeu um beijo incrível.
  Eu sei que era uma pessoa ocupada, eu era um dos únicos que a compreendia em nosso grupo quando ela faltava varias vezes dizendo que tinha outro compromisso e na verdade ia pra casa dormir porque estava cansada demais de ter que lidar com o mundo.
  Mas depois daquele beijo ela simplesmente me ignorou completamente. Fui tolo de achar que em um passe de mágica ela teria descoberto alguma coisa por mim que não iria embora tão cedo e poderíamos pelo menos tentar ter alguma coisa.
  Mas foi só uma ficada. Uma ficada. Senti o gosto de amargo na boca.
  E estava tudo bem, superei, e ela não iria sequer mencionar o que aconteceu aquela noite. Eu poderia lidar com aquilo. E aqui estava seu querido amigo lhe trazendo seu café da manhã preferido em uma sacola que definitivamente não era da Starbucks.
  Saí do carro pela segunda vez na frente da Marc Fontaine aquele dia e avistei a estrutura moderna. Quatro andares com tons de branco e madeira decorativa. O grande e orgulhoso nome estava no topo em um material prata e a quantidade enorme de vidros da vitrine lhe davam uma aparência mais ampla e limpa. Era a maior do comercio de Los Angeles e também a mais importante. Alguns famosos faziam compras aqui em busca de qualquer coisa que Marc Fontaine tenha desenhado.
  Meu pai, Stefano Greene, era seu sócio, o empresário de costas dura que batalhou para manter o nome dessa empresa se erguendo cada vez mais. Contratos ali e aqui com nomes famosos fizeram tudo render ainda na época em que meu bisavô liderava as coisas com vigor.
  E como o nepotismo reinava naquela empresa, o que o futuro me aguardava... Já dá pra ter uma noção. E eu não tinha uma resposta feliz perante a isso.
  Passei pela porta de vidro retirando meu wayfarer preto, o colocando na gola da minha camiseta e avistei a morena atrás do caixa. Já era tarde da noite e ela deveria estar terminando de fazer as contas, já que a clientela era baixa essa hora.
   estava deslumbrante. Trabalhar na alta sociedade coincidia que você precisava usar essas roupas de cetim dignas de primeira dama. E em essas roupas apenas a faziam parecer... Sensual. O salto alto com o macacão de seda preto que abraçava suas curvas latinas lhe deixava com aparência de mais velha, uma mulher completa e decidida, o que não estava muito longe do que realmente era.
  Ela estava arrumando as joias no balcão cristalizado quando percebeu minha presença. Na hora seu olhar calmo passou a ficar intenso.
  - É melhor você ter uma boa desculpa pra não ter aparecido no jantar ontem.
  Dei de ombros.
  - Você não estava lá – sorri galanteador e ela olhou pra mim entediada. Suspirei. – Problemas pra resolver. E você também não estava lá, então, não coloque toda a culpa em mim.
  Ela estava se referindo a noite da pizza na casa da Brittany, onde iríamos discutir sobre a festa surpresa para o aniversário de .
  - Eu não marquei presença – olhou para a minha mão. – O que você tem aí? Parece bem maior que um café.
  Sorri notando sua cara tentando disfarçar o interesse.
  - Eu não sei se você merece. – Fiz charme.
  - Eu estou trabalhando na loja do seu querido pai faz quatro horas, em pé, , nesse salto abençoado por Lindsay Lohan. Eu mereço. – Ela fez bico, revirei os olhos.
  - Donuts e café preto. A melhor mistura de doce e…
  - Doce e amargo que eu poderia encontrar. – Ela abriu um sorriso perfeito. – Obrigada, cariño.
  Era isso, eu era um completo babaca. Uma palavrinha e ela me deixava de joelhos. E nem tinha ideia disso. Era tão simples com qualquer outra garota, tão simples flertar, jogar seus joguinhos e deixar elas jogarem os seus, os toques eram contemplados, mas nada muito profundo. Simplesmente simples. Mas quando ela sorria, quando ela flertava, apenas de brincadeira, ou me tocava como minha amiga, eu já agia como um bobo.
  O champanhe tinha me ajudado muito no Ano Novo no aspecto da coragem.
  \lembro como se fosse ontem quando a conheci. e eu costumávamos ser vizinhos de rua e ela vinha com Brittany sempre brincar na minha casinha da árvore. Quando eu tinha nove anos trouxe essa nova amiga, fiquei com ciúmes no início porque ela parecia ser melhor que eu em tudo que eu amava, como jogar vídeo game e futebol. Ela era praticamente um menininho naquela época, um menininho que eu nunca entendi metade das palavras já que tudo saia muito espanhol.
  E ela odiava quando falávamos isso, porque dizia que era completamente normal uma garota gostar de futebol e esse tipo de coisa, naturalizado por garotos. Eu também achava isso, mas era uma forma que encontrávamos de irritá-la. Era bom demais irritar ela até ela começar a falar espanhol loucamente.
  Nunca fomos tão próximos, era uma amizade boa e verdadeira, que mantínhamos com todo nosso pessoal. Quando ela nos apresentou seu primo Wallace eu vi nele alguém que entendia minhas piadas como ela fazia, mas eu não ficava nervoso perto dele. Longe de mim ter qualquer coisa por aquele idiota…
  De qualquer forma, tudo piorou quando ela começou a frequentar nossa escola. Se eu tinha qualquer chance de tê-la como melhor amiga, elas foram arruinadas quando todos os seus gostos se voltaram para qualquer coisa artística. Desde criança ela desenhava muito bem, caricaturas realísticas que ela mesma achava idiotas, feitas apenas pra receber elogios, e também caricaturas engraçadas com traços divinos. Tudo então se voltou para a moda. Começou a desenhar roupas sem parar, enquanto se dava bem na aula de artes, na aula de pintura, na turma de vôlei, e capitã das lideres de torcida.
  Ela era a mais popular das garotas, os meus amigos que eram quatro anos mais velhos que ela, queriam sair com ela, namorá-la, a “latina gostosa do nono ano”. Aquilo só me deixava puto, porque ela era minha amiga primeiro. A conheci antes deles e de repente ela tinha a atenção de todos.
  A garota tinha um fogo natural que fazia as pessoas ou amá-la ou odiá-la. Não devo mentir que o maior ódio vinha da população feminina da escola, claramente inveja do que ela tinha, da confiança e da beleza delicada, o que não era bom. tinha esse jeito de criar amizade facilmente com os garotos, mas eu sabia que ela nunca, jamais, iria trocar a companhia de um garoto pelas mulheres da sua vida.
  Quando saí do colegial por ser quatro anos mais velho que nosso grupo, descobri que as coisas iam de mal a pior quando vinha contar que sua querida amiga dava mais atenção às piruetas e bebidas do que a ela. No final de tudo ela tentou se redimir, saiu desses times não por serem ruins para ela, mas porque ela estava se focando na parte de estudar para a bolsa na Hearst. E ela conseguiu. Primeiro lugar. E eu era o único que sabia.
  Hoje em dia mantinhamos nossa amizade apesar de tudo, apesar do beijo que só eu parecia lembrar, e tentava me esforçar para não deixar ela na mão quando precisava de alguma coisa.
  Não era uma friendzone porque eu já tinha aceitado o fato de que não olhava pra mim da forma que eu olhava pra ela, então em hipótese nenhuma consideraria ser um daqueles caras que fazem de tudo pela amiga esperando algo em troca.
  Eu tinha muitas amigas, na maioria das vezes preferia a companhia delas do que de um bando de brutamontes, e fazia de tudo para não deixar elas na mão, Brit e faziam parte da minha infância e vida tanto quanto , mas era a morena que tinha se envolvido comigo romanticamente e eu levaria um tempo pra tentar apagar aquele sentimento. De qualquer forma não iria destruir o nosso laço por isso. Ela não tinha culpa de não sentir.
  - Adivinhe só? – falei animado cruzando os braços no balcão.
  - Seu pai vai casar outra vez? – disse somente interessada no seu doce e café e fiquei chocado.
  - Sim, mas não era sobre isso que eu ia falar.
  - Vai? Uau, meu gerente tá realmente um pé no saco essa semana. E sempre que seu pai arranja outra esposa ele meio que... fica um pouco mais devagar pra aceitar sugestões dos subordinados. Ou ao menos responder seus e-mails com precisão.
  - Ele nem responde o filho dele com precisão – debochei da desgraça e ela olhou pra mim com compaixão. Não, eu não queria aquilo dela. – Enfim, não vamos entrar aí. Eu falei com Vicky esta manhã e ela disse que Miura Sanchez-Vega está precisando de um tutor.
  Ela arregalou os olhos lambendo o dedo que tinha cobertura de donut. Eu queria ser o seu dedo.
  - A forma que você falou meu nome certinho foi a coisa mais fofa do mundo, mas... Não vai rolar.
  - O quê? – franzi a testa. – Por quê?
  - Eu não vou conseguir tempo pra isso, . Tenho o turno no restaurante e aqui. Meu terceiro turno é dormir.
  - Ah qual é... Isso era antes de você descobrir que eu seria o seu tutor.
  - Desde quando você é tutor? – perguntou colocando um donut perto de mim para que eu pegasse um pedaço.
  Mordi seu dedo de leve junto com boa parte da cobertura e ela fez careta pra mim. Dei de ombros, mastigando.
  - Desde que virei o primeiro da turma.
  - E isso foi...?
  - No primeiro ano.
  Ela revirou os olhos.
  - Gente inteligente cansa minha beleza.
  - – eu ri. –, vamos lá, você não é uma aluna difícil, é decidida e seria muito mais simples que os nerds espinhentos com quem preciso trabalhar. E seria uma ótima visão pra eu começar o dia – olhei para o seu corpo descaradamente, em brincadeira, e ela mostrou o dedo do meio. Ai. - Eu estou te fazendo um favor aqui, ok? Você que tem que me implorar por isso.
  - Mas como vamos encontrar o horário certo?
  - Eu vou dar um jeito, eu posso sempre vir aqui quando eu estiver livre ou vou para o restaurante dos seus pais, você sabe disso.
  - Mas…
  - Mas nada, qualquer palavra depois do “mas” não conta. Eu posso até mesmo pegar a matéria com o pra te ajudar a repor os dias em que você faz serão.
  Ela suspirou, olhou pra baixo levemente envergonhada e senti meu coração tremer.
  - Eu não mereço você.
  - Não, não merece. – Dei de ombros. – Só que não posso evitar ser perfeito, meu bem. Mas ei, é pra isso que servem os amigos, não é?
  - Tão modesto…
  Ela riu e subiu o balcão de vidro uma perna de cada vez, antes de me dar um abraço apertado. Gargalhei quando ela quase caiu para o outro lado. E devolvi seu abraço lhe dando equilíbrio. Logo ela estava em pânico.
  - Me tire daqui, meu Deus, se meu chefe vê isso ele me mata. Vou acabar quebrando o vidro com minha gordice.
  Puxei ela pela cintura colocando no chão a minha frente.
  - Só sua bunda é gorda, e eu não tenho problema com isso. – Sorri galanteador e ela ficou vermelha de novo.
  - Cállate, moleque! – Riu dando um tapa em meu braço e levantei as mãos em rendição.
   - Vai de noite na Lambda? – perguntei quando ela terminou de fechar seu caixa. Fiquei o resto da noite ali, conversamos sobre os estudos, tudo e nada. A conversa fluía entre nós.
  - Você não vai? A nossa reunião da “Operação aniversário da ratinha” vai ser lá. Graças a você não ter aparecido ontem, é claro.
  - Eu não sabia disso, ninguém me avisou, mas eu vou. Quer uma carona? – Ela nunca nega uma carona.
  - Posso dirigir? – Eu faço favores e ela só me dá condições.
  - Claro. E outra vez, você também não foi na reunião de ontem, meu bem, não coloque a culpa em mim.
  - Tanto faz.

***

  - É SIMPLESMENTE A SOLUÇÃO PARA TODOS OS NOSSOS PROBLEMAS, – gritei eufórica quando encontrei Brit molhando seus pés na piscina da casa da Lambda, a fraternidade dos garotos.
  Era uma sexta à noite, alguns estavam bebendo lá dentro e não havia som, apenas algumas visitas e os meninos estavam jogando basquete no quintal da frente. Eu estava acompanhando tudo e todo corpo sarado sem blusa quando uma garota passou me entregando o folder que eu agora balançava na cara de Brit.
  - Todos? Tipo, finalmente a fome no mundo vai acabar e vampiros vão existir de verdade? – perguntou encantada.
  - Quase tão bom quanto isso – meu antigo crush no Edward de Crepúsculo não ignorou suas palavras. – Mas podemos ter uma chance de não fecharem a Zeta!
  - Oba – bateu palmas. – O que é isso?
  Entreguei o papel em suas mãos. Os joguinhos anuais da Hearst.
  - Oba, – ela disse depois de ler o papel e perguntou outra vez. – O que é isso?
  - Joguinhos anuais da Hearst, rúbia. Essa é nossa passagem pra popularizar a Zeta, colocar essas garotas no mapa. É um evento que sempre traz muita, tipo muita galera, muitos torcedores em uma sessão de joguinhos atléticos e uma prova final. Não só isso como recebemos uma verba da escola pra utilizarmos com a casa, se vencermos é claro.
  - Isso é genial. – Ela sorriu e fiquei orgulhosa por ter pensado naquilo.
  - O que minhas gatinhas estão aprontando? – chegou com Wallace e cansados atrás dele. Todos estavam suados e sem camiseta, usando apenas tênis esportivo e short que ia até o joelho.
  Brit tampou os olhos imediatamente.
  - Vocês estão pelados, que isso, – reclamou.
  - Fica quieta, – sussurrei só pra ela ouvir e eles riram colocando a camiseta. Que droga.
   estava usando uma regata da Hurley lisa e preta, deixando seus bíceps mais visíveis. O cabelo estava um pouco suado e suas bochechas levemente rosadas do basquete que eles estavam jogando no meio da rua com os caras. Eu poderia só ficar ali... olhando. O que só aumentaria o seu ego, então evitei olhar pra qualquer região com músculos em seu corpo.
  - Temos que organizar as coisas pra festa da , – comentou bebendo uma garrafa de água e se sentou ao lado de Brit.
  - Eu tenho uma ideia – falou direto da espreguiçadeira. – Que tal uma festa temática?
  Brittany estava pronta para falar animada e levantei um dedo pra ela.
  - Sem unicórnios. Louca. – Ela se emburrou e me perdoou um segundo depois.
  - Eu estava pensando em algo mais... Eu não sei, é uma daquelas meninas que escuta música indie e usa coroa de flores, não é? Poderíamos tentar uma festa em uma floresta.
  - O que é música indie? – questionou.
  - Música indiana, – Brit respondeu como a senhora da verdade e eu ri de leve.
  - Ah tá. – Ele assentiu.
  - Boa ideia, cabrón, – Meu primo falou pra antes de se jogar na piscina e nos molhar.
  - Muito obrigada, Wallace, era disso que eu precisava. – Sorri pra ele. É claro que ele tinha que fazer o som da trilha sonora de tubarão e... me puxar pra piscina junto com ele.
  Emergi da água tirando meu cabelo da cara.
  - Se meu celular estivesse no bolso eu ligava pro meu tio já encomendar o seu caixão. – Joguei água nele antes de começar a tirar minha calça jeans. Ele podia mostrar seu peito pra todo mundo sem julgamentos, então eu poderia ficar de lingerie. Era nova e bonita.
  - Que dia é o aniversário dela? – Brit perguntou.
  - Sete, – respondi.
  - Então vamos fazer a festa no dia seis.
  - Por...? – quis saber.
  - Tem que ser surpresa, – Brit disse com obviedade.
  - Mas qual vai ser o conceito? – virou para .
  - Elfos lutando no espaço sideral com coroas de flores que soltam brilho e vodca cada vez que falam a palavra foder. – Ele tinha descrito o sonho mais sujo de .
  - Não entendi – Wallace franziu o cenho.
  - O conceito é não entender. Acabei de entender isso, – assegurei.
  Continuei nadando naquela piscina deliciosa que a fraternidade deles tinha e depois de um tempo os outros dois garotos entraram nela, puxando Brittany a força. Minutos boiando ali e ela chamou minha atenção.
  - ... Por que você brigou outra vez com a Rach? – Sua voz estava chateada e fiquei de pé na piscina, colocando meus cotovelos na borda olhando pra ela sem saber direito o que dizer.
  - Se meteu em briga de novo, ? – falou um pouco triste.
  - Ah, para – pedi um pouco emotiva – odeio quando vocês fazem essas caras de decepção pra mim. Vai , me defende, você vive brigando por aí.
  - Eu sempre tenho boas razões. – Encolheu os ombros.
  - Firmeza irmão, vou lembrar disso – cerrei os olhos. – Foi só uma briga boba no meio da aula, desacordo de opiniões, aí ela xingou minha família e…
  - Uh... – chupou o ar. – A garota é corajosa.
  - A piranha queria é confete – deixei escapar demais e Brit olhou brava pra mim. – Perdão.
  - Eu estou do seu lado, priminha – Wallace nadou até mim colocando seu braço em meu ombro. – Me lembro muito bem do meu tio Sanchez dizendo que se nós apanhássemos na rua, íamos pra casa só pra apanhar de novo. O negócio é que precisamos revidar. Argh.
  Sua última palavra veio com uma exposição de músculos, eu acho que ele estava forçando, mas não apareceu nada de qualquer forma.
  - , promete pra mim que vai parar com essa baboseira, por favor, – ela implorou com seus olhinhos inocentes e eu não tinha como lutar contra isso.
  - Tudo bem... – ela sorriu. – Se ela parar – murmurei baixo e ela escutou.
  - É sério! – gritou.
  - Ah, que saco, Brit, tanta gente nesse mundo e você namorando justamente aquela... tucana.
  - A gente não escolhe quem ama... – sorriu vermelha.
  - Claro que escolhe – cortei seu clima. – Meu primo tá solteiro, pega ele.
  - Opa... – disse sedutor vindo na direção dela.
  - Não!
  - Ah... – voltou de fininho. – Tem o também, sabe.
  O garoto levantou uma sobrancelha, sorrindo achando graça daquilo tudo. E eu fiquei dura.
  - Não, o não. – Cortei séria. Percebi que estava olhando demais pra ele quando ao mesmo tempo os quatro viraram pra mim. Encontre uma saída, rápido. – Ele tem um relacionamento com Jesus, e Jesus Cristo somente.
   e Wallace fizeram essa cara de “você não me engana”, rindo longamente com cara de malicia.
  - Calem a boca, – disse levemente constrangida e subi a escada da piscina, querendo ir embora antes que meu rosto ficasse vermelho na frente deles.
  - gargalhou saindo da piscina. – Pera aí.
  Corri para o armário ao lado da casa para pegar uma toalha e fiquei me secando até sentir uma presença atrás de mim. Ele pegou minha toalha e começou a secar minhas costas, como uma leve massagem, tentei reprimir qualquer reação.
   se aproximou do meu ouvido e sussurrou me provocando.
  - Tem ciúmes de mim, meu bem?
  - O quê? – O que era pra soar firme e forte saiu esganiçado. Ele riu me virando rápido pra frente dele e secou meu rosto, minha bochecha e meu pescoço. Eu mal conseguia olhar pra ele. Por que ele tinha que ser tão lindo? – Nunca.
  Tentei manter minha cara fechada. Mordi meu lábio e desviei meu rosto, meio que sorrindo. Ele suspirou baixo e me deu um leve beijo na testa, que me arrepiou por dentro.
  - Sabe que não precisa ter, – falou antes de me dar um abraço gentil. Eu o apertei com meus braços mais em baixo, minha testa em seu peitoral nu.
  Se ele tivesse uma namorada, iria ser difícil, porque depois daquele maldito beijo eu não conseguia não ter pensamentos impróprios com ele toda noite. Mas ele não tendo uma namorada... Era apenas pior, porque doía o quanto eu não conseguia segurar meus sentimentos ao lado dele sem poder fazer algo.
  E eu precisava me manter focada. Nos meus estudos, no meu trabalho e agora na minha fraternidade.
  Soquei de leve seu tanquinho mordendo minha boca outra vez e ele olhou pra ela com um fio de esperança que precisei cortar no mesmo segundo.
  - É, mas eu não tenho. – Mostrei a língua.
  Ele nem se abalou. Droga. Apenas sorriu de lado mostrando sua covinha única, sabendo que eu estava mentindo, ou ele agia assim somente porque era confiante demais. E isso também era ruim pra mim. Todos os caras com que eu fiquei eram mais velhos que ele, e nem tentava a metade pra fazer eu sentir o que sentia com eles. Agia como um homem com a idade de um garoto.
  O problema é que se ele podia ser assim, tão apaixonante... Eu sei que poderia ser pior. E estes nossos pequenos joguinhos não iriam acabar tão rápido.
  Saí em busca das minhas roupas e o resto do pessoal saiu da piscina. Wallace vivia na casa da fraternidade por já estar no segundo ano e como era novato ainda estava no campus.
  - Preciso de uma carona, – o moreno falou pra .
  - Eu também, – Brit repetiu.
  - Eu dirijo. – Sorri pegando a chave de seu bolso ouvindo alguns protestos.
  Segunda era dia de inscrição e... Arranjar nossa última garota Zeta. E eu tinha certeza de quem seria.

Capítulo 03


  - Surpresa! – tirou as mãos de meus olhos, me mostrando a surpresa que tanto havia esperado. Então eu gritei, não de alegria, mas de medo.
  Eu estava na casa das Zeta – mas lê-se set de filme de terror – e me arrependi amargamente de ter aceito a ideia de minha amiga de virarmos garotas da casa. Jamais me arrependi de algo tanto na vida.
  - BEM-VINDA A ZETA, ! – Brittany gritou dando pulinhos desesperados, como se fosse uma festa surpresa pra mim. Mas. Não. Era.
  - Estão zoando né? – Olhei para à procura de alguma pegadinha, alguma risadinha e o tão esperado “é mentira, sua tonta” que ela diria. Ajeitei meus cabelos esperando Ashton Kutcher saindo de algum lugar e estarmos em alguma pegadinha da MTV. Mas não veio e se não veio era por quê…
  Meu pesadelo só estava começando.
  - Morgana. – Apontou para a mais pálida. – Ana. – Para a ruiva sardenta. – Sandra e Sabrina. – E para as garotas gêmeas de Black Power. Respirei fundo, era muita informação.
  Minha respiração estava descontrolada. Era muita gente morta e sem vida nessa casa, jamais havia pisado em um lugar tão baixo astral assim.
  - Eu vou ter um ADP! – Sentia meu coração palpitando, a falta de ar me atingindo e minhas pernas fraquejando. me ajudou a sentar no sofá que parecia que ia se abrir com meu peso. Uma das meninas me deu um saco de papel e eu respirei nele, tentando me controlar. – Eu vou enfartar. Vou morrer.
  - Que morrer o que. – A latina rolou os olhos. – Se você morrer, vamos ficar com uma garota a menos, então para de drama.
  Levantei o dedo em resposta.
  - Pra isso você tá bem, né?
  - Estou traumatizada! – respondi arrastada.
  - Caguei, é só uma casa. Pra quem frequentava o vestiário masculino…
  Abri a boca em total choque.
  - EU JAMAIS FREQUENTEI O VESTIÁRIO MASCULINO! – arqueou a sobrancelha. – Só uma vez. E você estava junto!
  Mentira, foram muitas vezes…
  - Sem provas, sem credibilidade.
  Rolei os olhos.
  - Elas fazem isso sempre? – Ouvi uma das meninas falarem baixinho apenas para Brittany, porém como a casa era tão vazia, ecoava qualquer coisa.
   e eu nos viramos para a garota, que levantou os braços dando um passo para trás.
  - Foi mal.
  - Então... você vai entrar, ? – Foi a vez de Brittany tentar me convencer, apelando para o meu coração mole quando se tratava dela. Porque era sempre a loirinha que me fazia me sentir em uma realidade completamente diferente quando eu estava na merda.
  Não conseguia me sentir bem quando a decepcionava. E o que seria aguentar uma casa caindo aos pedaços e meninas completamente apagadas? Isso com o tempo se resolve, certo?
  - Tudo bem. – Respirei fundo, derrotada.
  Brittany e deram pulinhos alegres, me abraçando da forma mais fofa possível e amassando minha roupa. As empurrei, me levantando em seguida. Não estava no humor para abraços. Palhaçada.... Só elas para me meterem nessas roubadas.
  - Ótimo! – A loirinha continuou com seus pulinhos. – Agora estamos oficialmente funcionando! Agora posso transformá-las em unicórnios e depois ser presidente de Las Vegas! – Os olhinhos da garota brilhavam, imaginando o nosso futuro. Só não sabia como explicar isso pra ela…
  Todas as meninas da Zeta estavam contentes por essa notícia, não a de Brittany se candidatar para presidente de Vegas, mas sim a de finalmente a casa poder funcionar. E por um momento, senti um certo sentimento por isso.
  Essas meninas não eram gente ruim, de forma alguma, eram apenas meninas excluídas, “esquisitas” demais para as demais. Até as pessoas que se consideram “diferentes” para os padrões, excluem as “esquisitas”. Gostam de culpar apenas as populares, mas todos nós temos dentro de nós o bichinho da intolerância.
  E se eu pudesse, tiraria elas dessa bolha. As mostraria que poderiam andar no campus e ser consideradas “normais”, porque já eram. Só não tinham o mesmo gosto que nós mesmas.
  Não deixaria. Dependendo de mim, as Zetas seriam respeitadas pelo o que eram, nem que eu fizesse todos as engolirem. E quando me comprometo em algo, não termino até que seja trabalho feito.
  E trabalho bem-sucedido.
  Há vantagens em ser uma competidora compulsiva.

***

  A madrugada caía e estávamos nos preparando para dormir. Ainda não estava acostumada em dormir em um quarto com um buraco na porta, mas isso era o de menos. Era um sacrifício bom.
  - Você acha que isso vai dar certo? – perguntou , enquanto penteava seus longos cabelos castanhos ainda molhados. Ela dizia que se tentasse penteá-los quando secos, virava uma vassoura.
  - Não. – Dei os ombros. – Mas não custa nada tentar, certo?
  - Elas vão entrar na linha, nem que seja na marra.
  - Conto com isso.
  Nos preparamos para deitar, então algumas batidinhas na porta e viramos para a entrada. Brittany usava uma fantasia de Supergirl com um chifre de unicórnio colorido. Ela nos encarava sorridente.
  - Já é Halloween? – debochou e a garota nem entendeu.
  - Poderiam vir para o porão comigo, por favor?
  - Para quê? – desconfiei.
  - É segredo. – Nos puxou pelas mãos. – Venham logo para a iniciação de vocês, vamos. Vão adorar o segredo.
  Eu e a morena nos entreolhamos, dando os ombros. Essa era a Brittany, senhoras e senhores.
  Fomos até o porão, que estava escuro e empoeirado. Tossi, quase engolindo a quantidade considerável de poeira que saía. As outras meninas estavam enfileiradas e nós ficamos no meio, agachadas.
  Não estávamos com medo, já que se tratava de Brittany, de qualquer forma a nossa iniciação seria a coisa mais Brittany possível. Então estávamos tranquilas.
  - A iniciação de vocês vai ser simples: vou dar cinco perguntas, se vocês acertarem as cinco vocês serão Irmãs Zeta. Se errarem…
  - Se erramos o que acontece? – Encarei a loirinha um pouco assustada.
  - Entram do mesmo jeito. – Deu os ombros.
  - Mas que mer…
  - Shhhh. – Calei .
  - Primeira pergunta: em que ano foi lançado o primeiro álbum de Britney Spears?
  Nós duas rolamos os olhos.
  - 1999.
  - Segunda pergunta: Qual é o nome do meio de Britney Spears?
  - Ela tem nome do meio? – falou baixinho.
  - Jean.
  - Terceira pergunta: Qual é o primeiro single do álbum In The Zone?
  - Me Against The Music.
  - Quarta pergunta: Quais são as datas dos aniversários dos dois filhos de Britney?
  Puta que pariu…
  - Tá zoando, né? – rolou os olhos.
  - Respondam! – deu um gritinho nada assustador.
  - O Sean em... – pensei. – 14 de Setembro de 2005? E o outro…
  - O Jayden... 12 de Setembro de 2006. – me completou.
  - Como você sabia disso? – sussurrei, confusa esperando que Brittany não ouvisse.
  - Tô com o Google aberto no celular. – Sussurrou de volta, mais cautelosa ainda.
  - Graças a Deus.
  - Última pergunta: Por que Kevin Federline é um lixo de ser humano?
  - Porque ele magoou a Britney, claro, – respondemos juntas e Brittany pulou de alegria, ligando o som atrás dela e botando, isso mesmo, Britney para tocar.
  A única razão de sabermos tanto da Miss American Dream – não apenas por amarmos ela, pelo menos eu – era porque Brittany era a fã número 1 da estrela, vivia falando dela. A loirinha não entendia de muuuuuitas coisas, mas de Britney Spears ela era nota A+.
  - Pronto? Podemos dormir? – reclamou . Percebi o cansaço de minha amiga e Brittany também, então assentiu, abraçando nós duas com força.
  - Até amanhã, Irmãs Zeta! – Deu dois beijinhos em nossas bochechas e fomos para o quarto.
  Talvez de alguma forma não fosse tão ruim assim entrar em uma irmandade tão diferente... talvez com o tempo possamos fazê-las se sentirem em família e nós também.
  Sabíamos que entrar na casa delas no meio do ano seria uma coisa completamente absurda, assustadora até. Nós estávamos invadindo seu espaço, suas amizades e seus círculos. Mas para salvar essa casa, elas precisariam confiar em nós e nós nelas.
  Faríamos isso valer a pena, afinal, eu e ? Nós éramos fodas para caralho.

***
  A noite não havia sido tão ruim, minhas costas não estavam doendo tanto e tudo parecia bom até demais. Eu estava me sentindo a própria Cher Horowitz de 2018, poderosa e tudo mais.
  - Orgulhosa. – me elogiou, enquanto se arrumava para sair também. – Nem parece que tem que se vestir que nem uma puritana brega quando tá com seu pai.
  Dei a língua.
  Usava uma saia plissada xadrez vermelha com preto, um cropped preto de malha felpuda e uma bota de cano alto da mesma cor.
  Enquanto minha amiga se maquiava, eu arrumava minha bolsa para sairmos. Percebi meu celular vibrar em minha cama, indicando uma mensagem. Estranhei, já havia conversado com os meninos sobre nos encontrar na hora do almoço.
  Abri a mensagem.
Número Desconhecido: Ei, Senhorita Hudson. Espero que a senhorita esteja tendo uma recuperação boa, mal posso esperar para que volte às minhas aulas. Sentindo sua falta. Melhoras. Sr. Johnson :)
  Virei-me para , um pouco preocupada.   - , você passou meu número para o professor Johnson? – Ela se virou para mim desconfiada, sem nem entender o sentido disso.
  - Cariño, eu mal vou para a aula dele e quando vou, ele mal fala comigo. Como eu passaria seu número para ele? – Deu uma risada, sem entender a gravidade que isso havia tomado.
  - Ele acabou de me mandar uma mensagem... – A entreguei meu celular e ela leu, tendo a mesma reação que eu há segundos atrás. – Como isso é possível?
  - Nenhum do grupo passou seu número pra ele?
  - Por que passariam? , e Wallace mal conhecem o cara. Brittany estudou com ele, porém ela mal sabe o número dela de cabeça.
  - ... esse cara é maluco.
  - É por isso que eu tô doente há dois meses. – Dei os ombros e riu, entendendo e compartilhando do meu pesar.
  Havia quase dois meses que mal pisava nas aulas do Sr. Johnson por simplesmente pouca vontade. Não que ele fosse um professor ruim, já que era considerado pelos alunos o MELHOR professor da Hearst, mas para mim... bom.
  Não aguentava ele me secando, tentando me fazer ficar mais depois do fim da aula para “conversinhas sobre suas notas”, sendo que minhas notas eram boas o suficiente para ele ignorar minha existência. Até as notas de que ficaram uma merda ele pouco se importou, era comigo o negócio.
  Aos poucos ele havia se tornado um pouco... inconveniente e invasivo. Jamais havia me mandado uma mensagem desse tipo, mas até no Instagram já havia o encontrado.
  Eu achava normal, não tinha problema nenhum com professores modernos que usam redes sociais para se aproximar dos alunos. Mas realmente, um professor que posta fotos sem camisa e também versículos da Bíblia ou quotes históricos e fazia questão de curtir todas minhas fotos e comentar com o emoji de olhinhos apaixonados era bizarro.
  E meu pai não dava folga. Ficava falando do homem TODA VEZ que saíamos juntos. Era “Sr. Johnson aquilo... Sr. Johnson sei lá o que mais”. “Como o Sr. Johnson era um homem íntegro e honesto, bom demais e com certeza seria um ótimo genro. Muito melhor que o palerma que você namorou”. Isso mesmo, ele falava bem assim de .
  Meu pai havia problemas de percepção. Mas não me importava, jamais daria qualquer trela para um professor. Não era essa trama que me interessava quando assistia Pretty Little Liars.
  Sacaram a referência? Boa noite pessoal.
  O campus estava vazio, só com um grupo de estudantes espalhados, mas não tanta gente. Era até melhor assim, porque a maioria dos grupos, – principalmente de homens – presentes não parava de dar espiadas em minhas pernas e de minha amiga latina.
  E tínhamos três amigos ciumentos que só de pensar alguém nos cobiçando... era bom segurar o , porque se não alguém ficaria com um olho roxo.
  E não seria ele.
  - Senhoritas. – sorriu, vindo até nós. – Não tá faltando uma de vocês? – Apontou para mim e depois para , então apontou para o nada que ficava sem Brittany.
  - Ela tinha alguns problemas da irmandade para resolver.
  - Então vamos? Tô com fome. – Wallace choramingou.
  - Você tá sempre com fome, gordo. – O garoto rolou os olhos com a resposta da latina e se defendeu.
  - Não sou gordo, tenho ossos largos.
  - Vamos, porque eu também tô com fome. – deu as mãos para mim e eu a segurei. Ele pegou minha bolsa também, em um ato de cavalheirismo, mas também porque estava tentando compensar.
  - Não adianta, . Se você não pagar o que deve não vou amolecer. – Mesmo de mãos dadas, me posicionei rígida.
  - Perdeu no pôquer de novo, irmão? – debochou. – Quanto dessa vez?
  - Cinquentinha. – riu do fracasso de .
  - E uma Louis Vuitton. – Fiz bico e gargalhou, beijando minha bochecha e dando uma leve mordidinha na minha mandíbula em forma de carícia. E arrepiou... embaixo.
  Eu tinha problema com apostas, porque eu sempre ganhava e as pessoas sempre me davam calote, então eu virava uma fera esfomeada por meus dólares que faziam falta.
  Evitei qualquer tipo de contato visual. estava usando um dos seus bonés de time virado para trás e seus cabelos negros bagunçados. Nem com toda terapia possível eu seria capaz de resistir a isso.
  - Vocês e esses seus vícios por homens... – Wallace reclamou. – É Luís Vintão, é Christiano Sei Lá, Prata, Versado, Fenda e por aí vai.... – Ouvia o coração de quebrar a cada nome errado que o rapaz dizia. – Meu vício é outro... É Cindy, é Emily, Carol, Louise, Kristen e por aí vai.... – Deu uma gargalhada e todos paramos.
  - O que disse? – Virei para ele e então a ficha caiu. Ele olhou para os lados, tentando arrumar uma fuga, mas já estava cercado.
  - Falei merda? – Assentimos. – Foi mal. Mal Wallace, mal garoto! – Se repreendeu.
  - Assim fica melhor. – agradeceu e voltamos a andar.
  - Quais são suas primeiras aulas? – nos perguntou.
  - Hist... – Eu e dissemos juntas, mas nos encaramos. Não diríamos aos caras sobre o jeito esquisito do professor, mas se pudéssemos evitar pisar na aula dele... faríamos.
  - Então , que tal darmos uma volta? – Sorri mais falsamente possível. – Você pode aproveitar e pagar o que me deve. Por favorzinho. – Selei nossos lábios, como força de convencimento.
  O moreno gargalhou, apertando carinhosamente a minha cintura. Cede, por favor, por favor, por favor…
  - Tá bem. Mas tenho que voltar antes do treino, ok? – Assenti, dando pulinhos de alegria.
  Minha relação com havia melhorado muito desde que nós resolvemos. Éramos melhores amigos? Éramos. Podíamos dar uns beijinhos de vez em quando? Podíamos.
  Um dia depois dele socar um jogador apenas para me defender, ele veio com flores e bombons, disse que estava errado e eu sempre certa. Óbvio que eu sabia que era algum conselho de seu pai. Uma vez sua mãe havia me ligado dizendo para pegar leve com , porque ele só falava de High School Musical e sonhava com Hannah Montana.
  Tudo para me conquistar…
  E quando ele começou a repetir tudo isso agora, percebi que talvez, mesmo com ele tendo vacilado feio comigo, o passado deveria permanecer no passado. Óbvio que não havíamos voltado e muito menos estávamos perto disso. Estávamos nos resolvendo aos poucos…
   havia conseguido convencer a levá-la para fora do campus, apenas para faltarmos à aula. Sabíamos que era errado, principalmente na condição em que ela se encontrava precisando de notas, mas era pior ainda ter que aguentar aquele professor…
  Em alguns riscos, valem a pena as consequências.
  E no fim, ambas sairíamos com novas Louis Vuitton.

***

  Já estava no campus de novo, à tarde e com uma bolsa novinha. Não havia sido fácil convencer a pagar a aposta. Principalmente quando se gasta praticamente toda a mesada no processo. Mas cobrei os cinquentinha no preço da bolsa. Eu sei, quase uma Madre Teresa.
  Estava na biblioteca, trabalhando, fazendo dever de casa e ao mesmo tempo – por incrível que pareça – assistindo a última temporada de Game Of Thrones, já que Wallace como o ótimo amigo que era havia assistido à temporada toda sozinho sem me esperar. E para piorar, todas as manhãs me mandava um pequeno spoiler. Era quase uma tortura.
  Não era difícil fazer tudo ao mesmo tempo. No intervalo de algum episódio, eu dava uma verificada no dever e quando algum aluno aparecia – o que era frequente -, pausava a série e o atendia. Tinha o dia todo e mais cinco episódios para terminar.
  Mas tive que pausar, porque uma latina e um playboy estavam parados no meu balcão, me encarando suspeitosamente. Aparentemente a garota com fones de ouvidos, lápis na boca e cabelos loiros delicadamente jogados para o lado era o que viam quando chegavam.
  Por isso a biblioteca estava cheia!
  - Puta que pariu. – disse alto.
  - Shhh. – Dei bronca.
  - Isso aqui tá cheio! – disse baixo, mas se forçou para expressar sua surpresa. – Eu tô aqui há quatro anos e nunca vi isso aqui tão cheio…
  - Cheio de jogadores de futebol e rapazes. – A morena completou.
  - Nem percebi. – E realmente não havia. Meu foco estava mais no dever e na série do que nos rapazes que enchiam as mesas da biblioteca.
  - Bibliotecária sexy é uma das fantasias eróticas mais frequentes nos caras, sabia? – O loiro disse com sabedoria e sorri, aproveitando o momento para dar uma alfinetadinha no casalzinho que não se assume.
  - E , o que prefere? Bibliotecária sexy, balconista sexy ou vendedora sexy? – Sorri, vendo seu olhar se perder e me fuzilando com o olhar. Levei a mão à boca, para não gargalhar alto. – Disse tudo, amigão.
  Eu estava trabalhando na biblioteca desde o meu segundo dia e de forma impressionante, todos os dias enchia de gente. No começo eu achei que era alguma coisa a ver com os estudos, porque pessoas estudam na universidade. Evitei inflar meu ego acreditando que era por minha causa que isso enchia.
  Mas quem eu estava enganando?
  A maioria nem se importava com os estudos.
  - Podemos tratar do que viemos tratar, por favor? – a morena perguntou impaciente, de bracinhos cruzados e tudo mais.
  - O que vieram tratar?
  - As meninas da Zeta, claro!
  - E precisava trazer o junto?
  - A sombra sempre vem. – Rimos juntas.
  - Ei! – O garoto levantou as mãos e eu levei meu indicador à minha boca, gesticulando silêncio.
  - Sem ofensas. – Dei os ombros.
  - Enfim. – se sentou no banquinho na frente do balcão. – Nós precisamos ter uma ideia boa para ajudar as meninas, certo? Temos os joguinhos anuais, então a melhor opção é inscrevê-las. Vamos fazer isso mais tarde, vai comigo? – Assenti.
  - Tá, mas ainda precisamos arrumar uma forma de ajeitar a casa. Ninguém vai levar elas a sério dessa forma.
  - Só se ganharmos.
  - E como ganharíamos assim? Elas mal abrem a boca.
  - A Brittany pode tentar algo, certo? – se intrometeu.
  - Esperamos, né. Mas o problema é que para ela estava tudo certo, agora que temos meninas suficientes para que a casa não seja fechada, pra ela tá tudo ótimo – explicou.
  - Pra ela é tudo simples. – Dei os ombros. – Uma lata de tinta colorida e pronto, tudo concluído. Mas precisamos reconstruir a casa, tem muita coisa quebrada. E móveis, reforma e tudo mais que precisamos custa muito, muito dinheiro.
  - Eu posso ajudar... – começou.
  - Não! – se prontificou a retirar a ideia da cabeça dele. – Nem o dinheiro do pai da aceitamos, quem dirá o seu? – Rolou os olhos. – Precisamos nos juntar e conseguir fazer as coisas juntas, sem dinheiro de familiares ou amigos. Por isso os jogos são bons.
  - Eles dão uma boa verba pra casa, né? – Assentimos.
  - E como faremos isso então? Como ganharemos? – Respirei fundo.
  - Não sei, mas para dar ganhar, faço pacto até com o Diabo…
  Então eu tive uma ideia.

***

  Não era o suor, o cansaço, as dores na perna e nos músculos depois de um treino puxado, já havia acostumado com isso. Havia um motivo maior para me fazer comer duas barrinhas de chocolate de uma vez e sentir meu estômago roncar, implorar para uma pizza grande e gordurosa.
  Markus Harrison era o motivo.
  Um babaca que tinha um rei na barriga, se sentia uma estrela prodígio do hóquei, o melhor do time e todas essas merdas que ele tentava nos fazer engolir. E de fato, ele era. Era medíocre, invejoso, fraco e nem um pouco focado. Se importava mais em fazer graça para o público do que fazer pontos para o time.
  Mas era óbvio que o treinador não pensava dessa forma. Não sei o que mudou, não sei quanto o fez mudar, mas de certa forma, havia sido mais do que eu poderia contribuir. E quem sairia perdendo? Isso mesmo.
  Era isso que me deixava nervoso e muito ansioso. Me ralar, me doar e me matar para que o time vença, tenha um bom progresso e sempre avance mais, mas não era o bastante. Não quando nem mesmo o treinador contava com isso.
  E então o homem entrou, segurando a sua prancheta e apito. Todo o time ainda estava reunido na arquibancada, esperando seu discurso para finalmente irmos para o vestiário. E a demora me torturava.
  - Bom, devo dizer que vocês me impressionam. De formas boas e de formas ruins. – Começou. – Não esqueçam que aqui dentro, cada um de vocês tem uma responsabilidade, uma responsabilidade que deve ser levada a sério dentro e fora do gelo. Desde de passar o disco até fazer o ponto, ou defender, impedindo que o outro time faça o ponto. E qual é a responsabilidade do capitão? – Puta que pariu, agora fodeu. – A do capitão é liderar o grupo, é ensinar e inspirá-los, não os deixar desanimar e muito menos se frustrar. Às vezes nos frustramos com algumas coisas e nos decepcionamos. E eu estou realmente, profundamente decepcionado com você, Graham. – Rolei os olhos mentalmente. – Você quebrou a confiança desse time e infelizmente, não dá para ser capitão assim. Não espero que entenda, espero que respeite e obedeça apenas. – E assim decretou o que havia enrolando há semanas para fazer. – Harrison, não me decepcione. Estamos contando com você. – Apontou para o babaca, que comemorou. – Acabamos por aqui. Podem ir.
  Ele saiu, dando as costas para todos nós. Jogou a bomba e vazou, como se não fosse nada. Como se ele não tivesse jogado todo o time na merda por causa de uma derrota.
  A. Porra. De. UMA. Derrota.
  Desde que o ano começou, desde que eu assumi a liderança do time, jamais havíamos perdido. Só uma vez, apenas uma vez. Quase um ano de vitórias e eu falhei uma vez e me fodi.
  Eu sei que, para uns, uma derrota era o bastante, mas não para o treinador. Ele me conhecia, confiava em mim e me respeitava. Até que um passarinho foi contar para ele sobre minha briga nos Lambda, que por algum milagre não havia nem ouvido durante meses.
  E esse passarinho era o mesmo que se vangloriava sobre o novo título. Além de babaca insuportável, agora era o capitão babaca insuportável.
  Parabéns Markus, o titio tá orgulhoso de você, mané.
Levantei e meus companheiros se levantaram comigo, um pouco preocupados com a minha reação sobre isso. Apenas me virei para o ruivo, que comemorava com seus companheiros – que por alguma semelhança ou coincidência vivem no banco de reservas.
  - Tô pouco me fodendo pra você, Markus. – Sorri. – E por favor, foda com o time logo. Quero recuperar meu título antes do fim do ano.
  Fui direto para o vestiário, ouvindo-o protestar atrás de mim. Na realidade, eu só ouvia vários mimimi vindo da boca dele. Havia conseguido criar um tipo de tolerância à sua babaquice.
  Depois de uma boa chuveirada fria para refrescar a cabeça, estava no vestiário me vestindo, tentando pensar em coisas boas e manter a paz mental, enquanto ouvia o insuportável ainda enchendo o saco. Não havia folga.
  Mas o som mudou, para alguns gemidos, gritos surpresos e assobios. De início não entendi, então depois suspeitei que fosse alguma namorada de algum jogador que veio fazer uma visita. E era quase isso.
  Só que muito, muito, muito pior. Pra mim, claro.
   apareceu, com os olhos tampados com a mão, muito ofegante e perdida no vestiário. Os olhos dos rapazes corriam pelo corpo da garota e eu queria socar um a um. Corri até ela, segurando-a e tentando tampá-la.
  Ela não estava aqui para se mostrar. Se estivesse, não estaria tampando os olhos. Para , não tem graça nada que ela não possa ver a reação dos outros. Assim que seu ego funciona.
  - , o que você tá fazendo aqui?
  - Eu... Ui, tá quente aqui né. – Se abanou com a outra mão, respirando fundo. – Então, eu preciso falar contigo.
  Ri.
  - Não era mais fácil mandar uma mensagem, amor?
  Não dava para ver, mas tinha certeza que ela rolou os olhos com minha resposta.
  - Achei que pessoalmente seria mais dramático. – Sorriu. – Então, será que podemos?
  A levei até à sala do treinador, que estava destrancada e por sorte, vazia. Ao fechar a porta atrás de mim, destampou os olhos a primeira coisa que foi ver foi meu peitoral nu, pela falta de camisa.
  Suas bochechas ficaram levemente coradas, mas tinha um sorrisinho malicioso nos lábios e mordiscava a unha, tentando esconder o sorrisinho.
  Sorri de volta e me vesti, colocando a camiseta azul escuro, ouvindo-a protestar e fazer bico.
  - Então, o que quer conversar, amor?
  Adorava chamá-la de amor. Por quê? Porque ela odiava. Se sentia muito em um clichê romântico dos anos 90. Ou um livro brega de romance classe C. Do que a chamaria? De ratinha como ? E nem sei de onde ela tirou isso. Amor era o melhor que um cara bruto, rude, bad boy e insensível como eu poderia chegar.
  Afinal, ela era a única garota no mundo que havia derretido esse meu coração em gelo puro. Oh,
  Mentira.
  Eu era um bobão, não servia nem para bad boy de filme merda. Talvez só pelo meu excesso de raiva... e isso a também tinha e nem por isso faríamos um par romântico. Segue o baile.
  - Eu preciso de sua ajuda. – Abriu um sorrisão. Ah se ela soubesse que não precisava de metade disso…
  - Pode falar.
  - Então, eu e entramos na irmandade da Brit, mas é basicamente uma coisa bem... apagada. Precisamos de ajuda pra trazê-la aos holofotes e conseguir ganhar os jogos anuais. E, bom, você é o capitão do time, pode usar sua influência e esse seu charme pra fazer as pessoas colocarem a Zeta nas festas e eventos sociais da Hearst. E caso digam não, você pode bater neles até dizerem sim. – Sorriu novamente, então depois deu uma risadinha adorável. – Mentira, não faça isso. A parte de ameaça vamos deixar com a .
  - Eu jamais diria não a você, loirinha. Ajudo sim, claro. – Sorri, indo para mais perto dela para que eu pudesse tocá-la e tê-la pertinho de mim, coladinha em mim.
  - Bom... você já disse uma vez. Lembra? No baile?
  Rolei os olhos.
  - Qual é. Você queria me fazer usar uma gravata roxa florescente horrível.
  Ela arqueou as sobrancelhas, me empurrando para trás. E lá vem…
  - Licença, foi mal aí. Mas essa gravata horrível combinava com meu vestido, que era a coisa mais linda de todas.
  - Nisso eu concordo, ele moldava seu corpo e te deixava muito gos... – Mal percebia meu sorriso malicioso nos lábios ao imaginar como ela ficava naquele vestido e o que fizemos depois em meu carro. Mas parei de imaginar, quando ela socou meu braço com força. – Ai, porra!
  - Vai ajudar mesmo então? Posso ir? – Ficou impaciente. E adorável, eu sei.
  - Vou ajudar. Infelizmente não sou mais o capitão do time... – Sua expressão mudou para algo mais triste, ela sabia como eu amava esse posto. – Sim, foi o Markus. Mas tudo bem, logo eu retomo meu posto.
  - Você quer que eu bata nele? – disse, na voz mais sensível e adorável de todas, com um biquinho lindo que eu queria encher de beijos. E o fiz, selei nossos lábios rapidamente, acariciando suas bochechas.
  - Você anda agressiva demais, amor. O que tá acontecendo? – Sorri de canto.
  - O Wallace... Sabe, de todas as pessoas que eu confiava, como ele pôde me apunhalar de tal forma? – Suspirou tristonha.
  - Ele te deu um spoiler de GOT? – Segurei o riso.
  - Não, de Stranger Things! – choramingou e eu a abracei, consolando-a.
  Confesso que eu também assisti Stranger Things sem ela. E como punição, ela me deixou uma semana de molho, mal falava comigo. Mas toda noite me mandava fotos perigosas demais e que levariam seu pai para um hospital caso visse. E poderiam me levar para um hospital também, se ficasse só nas fotos.
  Por isso agora seguimos o esquema que criou:
   nos obriga a ver tal série, então vemos todos juntos. Se algum de nós assiste tudo sem o outro, lê-se Wallace, podemos aguentar reclamando até que ela termine a série, para que possa esfregar na cara do furão, lê-se novamente Wallace, que desviou dos spoilers.
  Era muito meiga.
  Ficamos juntos mais um pouquinho e eu sabia que havia algo que ela estava me escondendo, mas para não a sufocar, não perguntaria. Havia coisas que era melhor eu não saber…
  - Prometo fazer tudo ao meu alcance para ajudar as Zeta, conta comigo. – Sorri.
  - Muito obrigada, meu capitão. – Retribuiu o sorriso, dando um beijo na minha bochecha como despedida. Foi até a porta, se virou para mim e deu uma piscadinha. Tirou de sabe-se lá onde seus óculos escuros e os colocou. Então saiu desfilando para sua plateia.
  Ouvi o escândalo dos caras e fui atrás, antes que alguém tentasse arrancar pedaço da minha garota.
  Ela havia ido embora na velocidade da luz e os caras me encaravam, dando risadinhas e eu os ignorei.
  - Tirem os olhos, bando de abutres.
  Markus podia até ter arrancado o título das minhas mãos, mas havia algo que ele e nem ninguém jamais me tiraria.
  Para ela, eu ainda o seu capitão.
  E isso pra mim era o bastante.

***

  Finalmente havíamos nos candidatado para os jogos anuais. A visibilidade seria um ótimo prêmio caso ganhássemos e de bônus ainda teríamos o dinheiro para conseguir reconstruir toda a casa. Essa era uma das coisas que nos davam força para conseguirmos passar por isso.
  Mas também era muito triste. Quando nos inscrevemos, a garota – da Alpha – que nos atendeu, mal sabia quem era Zeta Beta Iota, era quase como se elas não existissem. E isso partiu meu coração, já que não havia credibilidade nenhuma nesse nome. Será que não tinha nenhum legado? Será que não tinha nada para nos orgulharmos?
  - Nós vamos vencer essa coisa, . Pode acreditar, – disse firme. Ela era a mais convicta que passaríamos por isso, porque ela precisava disso. Ela precisava das Zeta tanto quanto elas precisavam de nós.
  - Agora é oficial. Zeta Beta Iota é uma casa e vai concorrer. Isso ninguém tira da gente, amiga. – Sorri. Não me sentia vitoriosa ainda e muito menos confiante, mas era uma luta que passaríamos juntas.
  Enquanto estávamos passando pelos corredores do prédio, a Orientadora Diane parou em nossa frente. Respirei fundo, já pensando no que fez e como teria que defendê-la na frente de todos.
  Mas estava enganada.
  - , poderia falar com você em minha sala, por favor? – Estranhei, mas assenti.
  Pedi para que fosse direto para a casa ou fosse fazer o que tivesse que fazer, porque realmente não sabia quanto tempo demoraríamos nessa conversa.
  Nunca havia sido chamada pela Orientadora, a não ser que fosse para falar de ou me parabenizar por algo que fiz. Mas não dessa forma. Ela parecia preocupada.
  Entrei em sua sala, me sentando na cadeira à frente da sua mesa. Ela se sentou na de trás de sua mesa e sorriu para mim.
  - Precisamos falar algo sério,
  Desesperei-me.
  - O que aconteceu? É algo com as minhas notas? Eu fiz algo errado?
  Mas a mulher tentou me acalmar.
  - Fica tranquila, suas notas estão impecáveis, por sinal. O professor do curso de fotografia só te elogia e sua colaboração com a biblioteca é admirável. Nunca vi tantos alunos que fugiam indo todos os dias até a biblioteca. – Corei, me orgulhava em saber que todos frequentavam a biblioteca e muito mais o porquê disso. Só que ouvir da boca de outros, principalmente de alguém respeitável como Diane, me deixava tímida.
  - O que aconteceu então? Pode falar, por favor. – Já havia ficado preocupada. Se não eram minhas notas, era algo pior. E se fosse algo pior? E se fosse minha visitinha no vestiário masculino?
  Não posso ser expulsa. Eu sou um prodígio.
  - , há uma confusão muito suspeita em uma de suas matérias... – Ih, lá vem. – Você não anda frequentando regularmente as aulas de História do Sr. Johnson, mas mesmo assim, suas notas estão na média. O que anda acontecendo? Ele veio se queixar que você mal frequenta a aula dele, aparece nas avaliações e depois some de novo.
  - Ele disse? – Engoli seco.
  Eu sabia que cedo ou tarde isso cairia em meu colo, mas não sabia como reagir a isso. Como contar para alguém o que esse professor anda fazendo?
  - Aconteceu algo? O Sr. Johnson fez algo?
  Sim.
  - Não.
  Mas ela não acreditou.
  - Repito a pergunta: Você tem certeza absoluta de que Sr. Johnson não fez nada para te acuar? Se fez, pode falar.
  Fez. Além de me mandar mensagens esquisitas mesmo sem que eu tenha passado meu número para ele.
  - Tenho. Ele não fez nada.
  Covarde.
  - Bom, tudo bem então. – Levantei, pronta para ir embora. – , espera um pouco. – Parei na porta.
  - O quê?
  - Saiba que se quiser me contar algo, a qualquer hora, minha porta estará aberta para você, ok? Sempre. Estarei aqui para te ouvir.
  - Tá. – Então saí.
  Não sei porque me calei. Por mais que me assustasse um pouco as atitudes que ele tinha, eu não levava à sério. Ele era um professor de renome, uma carreira toda e ele não jogaria fora. Para mim, ele era apenas um patético homem de meia idade interessado por uma novinha que jamais terá. Apenas isso.
  E ele jamais faria algo contra mim, não porque fosse alguém bom, mas porque ele sabe que caso se meta comigo, estará se botando em um enorme perigo. Jamais deixaria isso barato.
  As fotos? Apago. As mensagens? Ignoro. Mas se encostar um dedo em mim, eu destruo esse homem.

***

  Era o primeiro jantar de todas nós na Zeta. Havíamos pedido comida chinesa, pizza e tudo que cada uma gostava.
  Estávamos reunidas em nosso sofá velho, com uma mesinha de centro feita de caixas e comendo em pratos plásticos com talheres de plástico também. Éramos orgulhosas demais para aceitar ajuda financeira de nossos pais? Sim. Nada que fosse dado de esmola seria bem utilizado. Queríamos ajudas sinceras e não porque imploramos por isso.
  - Um brinde a nós! – propus e nós brindamos com nossos refrigerantes.
  - Eu quero brindar ao nosso futuro! – começou. – Porque agora, estamos realmente começando. Os jogos estão aí e nós iremos conseguir, mesmo que tenhamos que nos sufocar e fazer de tudo, nós faremos! Não vamos desistir e muito menos deixar o que falam de nós ou como nos veem atrapalhar isso, ok? Mais do nunca, estaremos unidas e nos ajudaremos.
  - Isso mesmo – continuei. – Juntas nós vamos dar vida pra essa casa, vamos calar a boca de todos que acham que podem ignorar nosso nome e não respeitam a história da Zeta.
  - Que história? – Morgana criticou, rolando os olhos. – Somos um bando de excluídas, desajustadas e bagunçadas. Realmente, vamos ganhar sim, o título de Retardadas da Hearst. – Gargalhou falsamente, despejando todo seu veneno e descrença.
  A fuzilei com o olhar.
  - São atitudes que nem a sua que enfraquecem, querida. – Sorri falsamente. – Se você não acredita em nós mesmas, então quem acreditará? Se você quer uma história, vá pesquisar, a biblioteca tá aberta pra isso. E se não tivermos uma história, faremos uma, juntas e não com essa palhaçada de desacreditar.
  - Você acabou de entrar, não sabe de nada. – Bufou.
  - Chica... – se controlou.
  - E? Eu entrei agora. Entenda, eu não perco meu tempo com perdedoras. E se estou aqui, é porque vocês são vencedoras. Aceita ou cai fora.
  Sei que poderia estar falando um monte de baboseira, mas meu sangue competitivo não aceitava isso. Eu daria tudo que pudesse para vencermos esses jogos e não aceito segundo lugar, quero ganhar. Quero o primeiro. Quero dar isso a elas.
  Mas isso jamais dará certo se as garotas seguirem a linha de pensamento de Morgana, de que perdedoras morrem perdedoras. Não é bem assim. Perdedores se tornam vencedores e vencedores se tornam perdedores, conforme o jogo vira e as regras mudam. Para permanecer no topo, se deve lutar por isso e não abrir mão porque já não está lá.
  Podia até não entender de muitas coisas, mas uma eu entendia muito bem: nada era fácil. Nem para quem já tinha tudo fácil. Porque cedo ou tarde a vida cobra e se tem que lutar com as próprias mãos.
  E eu já escolhi com quem lutar. As Zeta não seriam humilhadas. E se forem, serão exaltadas no final.
  Depois do jantar, eu e fomos para nosso quarto. E eu estava um pouco agitada demais, comendo tudo de uma vez os bombons de chocolate com recheio de marshmallow que havia me comprado mais cedo.
  Adorava os mimos que me dava.
  Mas algo me afligia, estava me deixando elétrica. E não, não era sobre meu probleminha com o Sr. Johnson, era algo diferente. Algo que eu jamais havia tido contato antes. Pelo menos não em 3D.
  Respirei fundo, tentando me conter.
  - Nossa, cariño, tá bem? Acho que anda pegando as manias do teu namorado. – A morena gargalhou e rolei os olhos como resposta.
  - Amiga... eu... Nem sei como dizer isso.
  - Nossa, . O que foi? – se sentou em minha cama, agora realmente preocupada. Segurou minha mão e me encarou, bem profundamente em meus olhos. – Me conta, você pode me contar tudo.
  - , eu... – respirei fundo. – Nossa, não sei... Eu vi... – Fechei os olhos, contei até dez me controlando e então me firmei. – Eu que acho vi um... Deus... Eu acho que vi um pênis.
  E minha amiga deu os ombros, compreendendo minha dor.
  - Tá.

Capítulo 04


  - Sejam todos bem-vindos a quadragésima edição dos Jogos Anuais da Hearst! – Uma explosão de gritos e euforia foi a resposta para o treinador do time de futebol.
  Parece que nós estávamos um pouco atrasadas quando entramos no campo. Eu sabia que esses jogos eram famosos, mas não tinha ideia de que ia ter tanta gente torcendo. Olhei para a cara das garotas atrás de mim e elas estavam com os olhos assustados pro público.
  Entramos pela abertura que geralmente os jogadores entravam, as arquibancadas estavam completamente cheias de pessoas de todas as idades, era como o dia da família na escola no Ensino Médio, mas com alguns adolescentes bêbados e irados fazendo gestos ridículos com uma pintura na barriga saliente com as iniciais H.E.A.R.S.T. Fiquei petrificada quando encontrei alguns caras com essa descrição perfeita no primeiro andar da escadaria e a letra S era o meu pai.
  - Ei anjinho! – ele gritou em minha direção e coloquei a mão no rosto fingindo que não estava o vendo. Meu Deus. Só consegui me lembrar das inúmeras vezes em que ele se meteu em briga com outros pais nos jogos de baseball do meu irmão. Se ele continuasse bebendo com aqueles caras vivendo seu sonho americano de entrar em uma fraternidade, eu continuaria bem.
  Notei a Reitora Campbell com alguns professores reconhecíveis e outros não, em uma bancada com uma faixa escrito “juízes” na frente. A Dona Didi estava lá, em um já esperado terninho rosa, sorrindo para o seu marido que apresentava o torneio. A Reitora estava séria, como sempre. Única expressão que já a vi fazendo na vida foi quando viu minha bolsa de camurça, e quando percebeu que era falsa voltou a cara de morta.
  Eu não a conhecia muito bem, mas sabia que ela era muito nova e muito bonita também pra ficar sempre daquele jeito... Meio que, um zumbi.
  O treinador Spencer voltou a falar. Diferente da professora ele estava bem animado. Tinha uma alma jovem assim como Didi.
  - Agora vamos conhecer os competidores desse ano, – falou no microfone gerando todo o rebuliço outra vez. Apontou para um time com casacos vermelho e amarelo. – Theta Delta Xi!
  A maioria dos rapazes gritaram. Eles tinham uma boa torcida. Sua equipe era formada por seis caras que cheiravam a creme de whey e um magricelo que parecia estar com vergonha, sorrindo para todo mundo.
  - Kappa Kappa Mu! – falou o outro nome apontando para o time de garotas ao nosso lado e todas pareciam ter a mesma cara. Meninas morenas usando moletom e legging com cara de sonsas. Ah, Rachel estava lá. E tinha um pombo na mesa da senhora Campbell. Também tinham torcida. Na verdade, era uma torcida muito forte.
  - Psi Omega Kappa! – Muitos gritos. Todos nerds vestidos de azul fazendo pose de malhação.
  - Beta Eta Theta! - Todos brancos que achavam que eram negros, tipo a cantora Halsey. Torcida dividida.
  - Sigma Phi Sigma! – Tudo poc. Torcida gigante.
  - E finalmente, – ele apontou para a nossa direção e me preparei para o holofote, as meninas sorriram de leve, estava pronta para dar autógrafos. Era nossa hora. – As meninas da Zeta Beta Iota!
  Esperamos nossa torcida gigantesca e começou a fazer um tchauzinho de miss até que eu percebi o fracasso e coloquei sua mão para baixo.
  Cri. Cri. Cri.
  Nada.
  Minto. Meu pai gritou por nós.
  - É isso aí meu anjinho! Desce e arrasa!
  Virei de costas da platéia morrendo de vergonha e falei para :
  - Ele é seu pai agora, pode levar.
  Ela riu. Riu porque realmente achava que ele era um cara engraçado. Meu Deus.
  Lidamos com tamanha discrepância entre torcida e falta de popularidade como adultas e tentei ignorar Brittany fazendo Sandra parar de chorar.
  A atenção se voltou outra vez para o treinador Spencer.
  - Vamos para nossa primeira prova: Escalpe. – Um uivo longo saiu da boca do povo que assistia. – Escalpo é como os índios norte-americanos chamavam o couro cabeludo arrancado ainda com os cabelos, arrancar o escalpo foi um costume inserido na cultura americana pelos mexicanos bandoleiros…
  Ah, legal a aula da história sobre meus antepassados, treinador Spencer. Bom timing.
  Eu só queria vencer aquela droga logo ganhar a grana e dar o fora dali. Não necessariamente nessa ordem, ia levar um tempo pra que acontecesse. tinha a mesma cara que eu, a cara de “vamos fazer essa merda e ir pra casa que tô com série atrasada pra atualizar”.
  Todos os times ficaram em um canto do campo revestido de grama sintética e ganhamos camisetas de cores primárias diferentes. A nossa era verde, remetia a Poison Ivies. Cor da Sonserina. Legal. Sempre tive um tombo pelo Malfoy. Não me pergunte se era o pai ou o filho.
  Pelo o que entendi era um anagrama simples, nós éramos cavaleiros em batalhas, cada um de nós tinha um escalpe, que na verdade era um lenço, preso sem amarrar no passador de nossas calças, aquele lugar onde vai o cinto, ou preso entre o cós. Assim que a sirene soasse correríamos como um bando de babuínos bobocas balbuciando em bando no meio do campo, tentando arrancar o lenço da bunda do outro. A equipe que tivesse os sete lenços primeiro teria que correr até o sino na frente da bancada dos juízes e tocá-lo.
  Havia um quadro de madeira grande para escrita de giz com os nomes das casas participantes e elas iriam ficar colocadas na numeração conforme o time que venceria por primeiro.
  - ... – Sandra me chamou puxando minha camisa e olhei para sua cara de quem queria vomitar. – Será que vamos conseguir?
  - Não, não, não, Sandra, nem pense em pensar em desistir agora. Se dependerem de mim ganhamos no primeiro minuto da partida pelo meu tempo de treinamento em correr atrás de sapatos em liquidação.
  - Não deve ser muito difícil – Brit tentou amenizar.
  - Você já participou de uma liquidação no meio de Los Angeles com aquele bando de noivas e mulheres de políticos com cartão platina pra gastar à vontade? É muito difícil – bufei.
  - Não era isso que eu... – voltou a falar e a cortei.
  - Garotas vamos lá, ninguém vai morder vocês, é só correr e pegar a porcaria do lenço.
  - Isso, peguem a maior quantidade que conseguirem. Quem alcançar sete escalpes primeiro, toca o sino, – liderou.
  - Na verdade... – Ana ia falar e a silenciamos para poder ouvir o treinador.
  - Conhecem as regras, sem golpes ou pancadas. A equipe que não cumprir isso vai ser imediatamente desclassificada, temos muitos olhos observando seus movimentos hoje. O objetivo é as fraternidades e irmandades conseguirem sete escalpes. Assim que o último sino tocar, faremos as contagens, cada lenço tem uma identificação, a equipe que ficar em último estará fora. – Em um segundo ele ficou em silêncio. – QUE COMECEM OS JOGOS DE 2018!
  A galera foi a loucura, era um evento formado pelos alunos que tomou proporções gigantes. O som de um rock pesado começou a tocar usando o som da escola que normalmente era usado para as líderes de torcida no meio tempo e a sirene soou nos dando liberdade para se movimentar.
  Ia ser moleza.
  Eu tinha anos de treinamento de vôlei e muita flexibilidade no corpo, conseguiria driblar todo aquele pessoal sem que ninguém visse quem os pegou. já tinha abandonado a personalidade do médico e virou o monstro, ela estava feroz, corria como uma gazela louca tentando roubar o lenço de todo o pessoal e acabou deixando alguns caras sem camiseta.
  Sandra tinha se escondido atrás de um cara grandão e sua irmã estava gritando com ela.
  - Pegue os lenços, cacete!
  Uma armada de caras surgiu na frente de Ana e ela respirou fundo, pegando pressão e coragem.
  - Pelo meu sofá novo! – ela gritou correndo na direção deles e os garotos fizeram uma carranca dando alguns passos para o lado. Ela passou reto.
  Brit não corria, ela pulava. E no processo de tentar pegar alguns lenços arrancou a calça de algumas pessoas. Nosso grupo tinha algum problema com roupas.
  Abby estava atrás dela copiando todos os seus movimentos.
  A desgraçada da Morgana nem fazia esforço, quando berrei para que ela se mexesse ela tentou correr, dando dois passos antes de cair com a cara no chão.
  Era um desastre.
  O jogo se prolongou. O pessoal não parava de gritar e torcer, chamando nossa atenção e nos distraindo um pouco. Notei uma diferença drástica para as outras equipes quando um dos caras chamou o amigo para me contornar.
  A Kappa Kappa Mu, do tucano tóxico, foi o primeiro grupo a tocar o sino. E então a Theta Delta Xi.
  Tínhamos que mudar de estratégia logo.
  Peguei pelo pescoço vendo a cara de diaba e disse rápido algumas palavras, ela acenou e voltou a correr.
  Já sentia meu pulmão doer e esqueci que minha vida de atleta tinha vindo antes de me tornar uma completa sedentária que só comia e estudava. Meu trabalho era ficar em pé.
  A loirinha se aproximou do cara que eu tinha lhe falado e deu um sorrisinho sapeca fingindo que tinha pegado seu lenço. Ele ficou procurando como um trouxa e antes de se tocar que ela não tinha pegado, eu peguei.
  Demos um high five procurando outro alvo.
  Os nerds da Psi Omega Kappa tocaram o sino. Eu estava cada vez mais nervosa ou com raiva, meu coração não se decidia, ou eu só teria um ataque cardíaco mesmo. Tá feliz pelo DNA ruim, pai?
  A Sigma Phi Sigma foram os penúltimos e estávamos apenas nós e o fandom da Halsey no campo. Os garotos tinham cara de quem fumava uma Maria Júlia o dia todo, mas quando colocaram os pés no gramado foram possuídos pelo espírito de Usain Bolt.
  Tentei conter a vergonha alheia com os seus dreads que vinham até o chão e camisetas da mesma marca que Kanye West usava.
  Ficamos correndo loucamente pelo campo como patetas por pelo menos trinta minutos e o pessoal da arquibancada não calava a boca por um segundo. Ou eles estavam muito bêbados ou realmente se importavam com nossas fraternidades e irmandades buscando uma melhor infraestrutura e um lar melhor.
  Puff. Claro que estavam bêbados.
  E então do nada, DO NADA, um dos caras do time dele tocou o sino.
  Fique completamente perdida porque eu tinha três lenços em mão, tinha mais três e continuava com o seu original. Quem contou aquela merda? Brittany?
  Assim que o último sino foi tocado a torcida foi a loucura mais uma vez, as líderes apareceram dançando e sorrindo, e meu sangue borbulhava.
  Então era isso? Tínhamos uma luz no meio do túnel, estávamos no início daquele corredor escuro, e Deus achava engraçado brincar com isso, tirando o osso da nossa boca depois que já tínhamos provado dele.
  - Vamos verificar todos os lenços agora, mas pessoal, saibam que todos venceram apenas por participar. – Ele sorriu no início e no fim olhou para nós com pesar.
  Eu não queria pena, eu queria arrancar o pescoço de alguém.
  Lá estava o nosso nome fora do quadro de classificações.
  - Qual é, ruivinha, sabíamos que isso ia acontecer, esse grupo é uma vergonha. – Ouvi um cara falar para Abby ao meu lado, eu estava nem aí se eles se conheciam. Que merda ele achava que estava falando sobre a minha Zeta?
  Ignorei tendo seu famoso ADP precisando ser amparada pela equipe de médicos de emergência e Sandra chorando.
  - Vergonha é andar na rua com essa sua cara feia. – Virei pra ele e Brittany já estava no nosso meio. Seus amigos bombados também apareceram.
  - Ninguém te chamou na conversa.
  - Não peço pra ser convidada em uma discussão. Quando eu falo você só fecha a matraca e escuta.
  Ele parecia estar chocado que eu ia mesmo comprar uma briga com ele. Sim, eu ia mesmo comprar uma briga com ele.
  - Garota, fica quieta…
  E formou-se o rebuliço. As meninas nos rodearam, acordou rapidamente dos braços do paramédico pra causar intriga do meu lado e os juízes já estavam percebendo e querendo chamar nossa atenção.
  - Você acha que tá onde? No jardim de infância pra apontar pro coleguinha e rir quando ele não consegue algo?
  - E você acha que somos todos selvagens igual você, ? – disse a última palavra com asco.
  - Uh, ele sabe meu nome, que medinho. – Revirei os olhos.
  - Não atravesse meu caminho, sua vadiazinha, alguns de nós nos importamos em estar aqui de verdade.
  - Em primeiro lugar: e eu com isso, meu filho? Em segundo: do que você me chamou? – Eu sorri desacreditada.
  - Vadiazinha. Além de vadia é surda?
  Alguns uivos me atiçaram na raiva e parti pra cima dele tentando fincar minha unha na sua cara feia, mas algum merdinha estava me segurando por trás.
  - Eu vou te matar seu lixo…
  Ele era tipo, muito, muito irado. Queria vir pra frente, mas sabia que não podia ou o pessoal da diretoria não somente expulsava ele como ia direto pra cadeia. Eu não estava nem aí. A partir do momento que ele me chamou de vadia quando a coisa mais baixa que fiz foi chamá-lo de feio, sabia que não era boa pessoa.
  - Eu tô me segurando pra não te agredir, cacete – berrei tentando me soltar dos braços. Eu estava cansada, acabada, xoxa, com sede, sono e raiva.
  - Na verdade estão te segurando, miga. – apontou.
  - Sorte ajuda quem não atrapalha. – Cerrei os olhos pra ela.
  - Gente – a voz no microfone falou e ignoramos. – Pessoal? – Ele continuou e quase consegui arranhar o rosto dele com minha unha de quarenta dólares. – ME ESCUTEM PORRA!
  Paramos imediatamente com medo daquela voz grossa no microfone berrando com um megafone. No microfone.
  - Obrigado pela atenção. – Se recompôs. – Seguinte, houve uma falha nos resultados, eles foram alterados, aparentemente um competidor da fraternidade Beta Eta Theta ouviu sobre a competição de hoje por terceiros e conseguiu comprar um lenço com antecipação. O mesmo estava sem marca d’água então o seu grupo é, por decisão dos jurados, banido definitivamente desta competição. Parabéns garotas da Zeta, vocês estão de volta ao jogo!
  A sensação que tomou conta de mim quase me fez lacrimejar de tanta felicidade. A gente estava de volta ao jogo!!! Cacete!!!
  Eu e as meninas nos abraçamos pulando juntas e comemorando com vigor nossa vitória. Nada mais importava.
  Mas os meninos da Beta Eta Theta não aceitaram muito bem, tiraram a camiseta, rugiram para a Reitora e Dona Didi estava assustada.
  - Vocês nos odeiam porque somos negros!
  Só que... eles eram brancos. Bem brancos. Com dreads.
  E o treinador Spencer que era de fato, negro, não gostou nada daquele comentário. Pudemos ouvir o sussurro com o microfone longe da boca para um cara grandão atrás de si “tire esses branquelos da minha frente”, e o cara foi atrás deles. O treinador Spencer voltou a sorrir e acenar do palco. Tudo numa boa.
  Percebi que o cara que estava me segurando pra apartar a briga e roçando em mim como um doente mentecapto era o professor que vinha tarando por algum tempo. Senti um gosto ruim na garganta e tentei ignorar aquilo, abraçando a felicidade por estar de volta na competição.
  Obrigada, Deus, a brincadeirinha foi sem graça, aquela de tirar o osso da boca, mas valeu a pena.
  A galera da arquibancada desceu as escadas, a maioria, e estavam levantando os amigos vencedores da primeira etapa dos jogos. Eu estava sorrindo um pouco eufórica quando vi que tinha apenas um cara nas escadarias sendo carregado por um policial.
  Meu pai.
  Completamente bêbado, a tintura na sua cara já estava saindo e ele estava sem camisa agora, deixando aparecer o seu peito cabeludo que dava inveja a um lobisomem. Ele tentava resistir a prisão.
  - Isso aqui não é a América? Pensei que estávamos em um país livre, – falava embolado e birrento. Ele me avistou e sorriu abertamente. – Ei anjinho, bom jogo, bela tacada. – Tampei meu rosto com as mãos.
  Meu Deus.

***

  : Vamos nos encontrar no meu apartamento depois da primeira fase nos joguinhos certo? Sinto muito não poder ir :/
  : Blz.
  : Você vem?
  : Ss.
  : Me responde direito.
  : Tá.
  : Se eu ainda não tiver chegado ou não ouvir a campainha, pode pegar a chave debaixo do tapete na porta. Tenho um colega de quarto, ele é idiota, mas inofensivo.
  : Ok, ?
  : Ss.
  : Odeio você.

  Toquei a campainha dez vezes em menos de um segundo recebendo um loiro de cara amassada mostrando algumas tatuagens belíssimas no seu corpo belíssimo.
  - Uau. Eu voltei no tempo? – Não falei nada e entrei largando minhas coisas no chão do seu apartamento. – Claro, pode entrar.
  Ele estava se referindo a minha roupa do jogo dessa tarde de sábado. Eu estava usando uma camiseta qualquer com aquele treco verde por cima que tem abertura dos lados para os braços que todas as escolas têm. Um short que parecia de jogador de futebol e uma chuteira. Sim, uma chuteira.
  Meu cabelo estava da metade para cima amarrado no alto e sentia minhas bochechas ainda avermelhadas. Essa era a minha cara na infância toda. Mas eu tinha certeza que meu cabelo não era assim tão brilhante. E minhas sobrancelhas eram quase fechadas.
  - Acredita que depois do jogo a Dona Didi me chamou no canto pra conversar? Ela falou que o negócio da escalpe comprada não foi a única penalidade. Aparentemente nosso time tinha se saído uma verdadeira em dar um exemplo de irmandade, já que e eu jogamos praticamente juntas quando na verdade era pra nos ajudarmos para que cada uma das sete participantes pegasse um lenço. Ou seja, se aqueles garotos não tivessem sido pegos com uma penalidade maior que a nossa, estaríamos fora.
  - Escalpe? – perguntou tentando compreender qualquer coisa que eu tinha dito.
  - Ah , que se foda, não vou explicar. Não é importante. O que importa é que vencemos a primeira etapa. – Levantei minha mão com um punho em sinal de vitória.
  - Eu disse que vocês venceriam, – falou abrindo a porta da geladeira.
  - Não, você falou que estava tudo bem se a gente perdesse. – Tirei aquela camiseta verde colocando dentro da minha mochila, no canto, e recebi no ar uma garrafinha de água.
  Ele encolheu os olhos.
  - Wallace e não paravam de puxar o saco de vocês. Tive que ser um pouco mais realista. Mas agora vocês precisam aprender a jogar melhor juntas como uma irmandade, é isso?
  - Sim – suspirei. – Vai ser difícil conhecer cinco garotas e tomar confiança por elas até a segunda etapa.
  - Pra mim parece ser bem interessante. Me convide quando decidirem fazer uma festa de pijama. – Sorriu malicioso. Haha. - Quando é a segunda etapa?
  - Em uma semana, acho. Não tenho certeza. O prêmio do ano passado foi o mesmo? – perguntei sabendo que ele tinha acompanhado alguns dos jogos.
  - Sim. É parte do dinheiro que alguns alunos conseguem fazendo aquela feira que todos os pais presenciam. A diferença é que essa feira tem mais dedo da escola no meio.
  Assenti. Os joguinhos eram ótimos pra dar visibilidade para fraternidades e irmandades, então fazia sentido ter sido criada pelos próprios alunos.
  - Briguei com um cara no final, – comentei olhando pra baixo. Ele nem se surpreendia mais.
  - Será que você não consegue sossegar o rabo de vez em quando, menina? – brigou meio que brincando. Cruzou os braços na minha frente no balcão e alternei conversando e tomando minha água. – Teve alguma razão importante?
  - Sempre tem uma razão importante. Ele chamou a gente de alguma coisa que não me lembro agora, quando todo o público achou que a gente tinha perdido. Aí você sabe, eu não podia ficar quieta.
  - Você sabe o quê? Seu problema é que você é muito fofa quando fica brava, aí ninguém consegue te colocar no seu lugar ou mandar você calar a boca.
  - Que nada. Sou assustadora.
  Todo mundo me mandava calar a boca. Eu só não calava.
  Hashtag não me Kahlo.
  Ele bufou.
  - Tá bom, um metro e sessenta. A única vez que lembro de você ter apanhado em uma briga que foi além do bate-boca foi no sétimo ano…
  Travei minha mandíbula pensando na cadela defumada.
  -... Leila Mara, – falamos uníssono. Ele terminando sua frase e eu com raiva de não ter terminado de dar uns tapas naquela cara.
  - Eu te falo que sempre tem uma, todo ano tem alguém ou um cara insuportável que fica pegando no meu pé até acertamos as contas antes de pegar as notas.
  - Você sabe o que eu penso disso…
  - Ah claro que o amiguinho do tucano esclerosado ia defender.– Revirei os olhos. Ele riu. – Você vai ver, , quando eu ficar rica e famosa Rachel vai ser minha faxineira.
  - Por que não Leila?
  - Vai ser minha pedicure.
  - Você pensa antes de falar?
  - O que é isso?
  - Um negócio que pessoas que tem vergonha na cara fazem. Devia tentar. - Mostrei a língua. – Se bem que não diz na lata e ele tem esse probleminha de raiva tanto quanto você.
  Dessa vez eu ri.
  - O não briga, ele paga mico.
  - Como assim? – riu entrando no quarto trazendo alguns livros e etc.
  - Ah, qual é, as brigas dele são sempre pela e eles nem estão juntos.
  - Ele está tentando defender a amiga, oras. – Sua voz voltou pra sala.
  - Olha pra mim sem piscar e diz que só a vê como uma amiga. – Ele ficou olhando pra mim por algum tempo e nada saiu. - Exatamente.
  - Ele só não encontrou uma maneira ainda de falar que quer voltar com ela, , deixa o menino.
  - É só ir lá e dizer, caramba.
  - Tem muitas controvérsias.
  - Como o quê, por exemplo? – Quis saber, me sentando no sofá.
  - A mais importante de todas, e se ela não estiver interessada? - olhei óbvia pra ele. – É sério, mesmo que ela às vezes demonstre que goste dele, não é uma carta assinada pelo presidente confirmando que ela gosta só pra dar confiança pra ele se declarar.
  - Mas se ele nunca tentar como é que ela vai saber?
  - Ela poderia demonstrar mais. é um cara tímido, teria que não somente lidar que nunca vai ter ela como namorada como ia arruinar completamente a amizade deles.
  - Iria arruinar só se eles quisessem, dá pra passar uma borracha se a amizade vale tanto a pena assim.
  - Por isso é melhor ele nem falar nada e esperar que, sei lá, o destino faça alguma coisa, – falou ignorando meu último comentário.
  - Esperar que um milagre caia do céu? – Aquilo era ridículo.
  - Ou que ela faça alguma coisa. Só porque ele é o cara ele não precisa tomar iniciativa, se ela falasse qualquer coisa que o desse esperança, ele se sentiria confiante o bastante pra dizer alguma coisa pra ela, enquanto isso, a companhia já vale a pena. E as vezes nem é o bastante…
  - Ah, qual é, , estamos falando da mesma pessoa? – gargalhei. – Mais óbvia que a ?
  - Por que você tem que ser tão complicada? Tenta ver os demais pontos de vista, , nem todo mundo é abençoado com a confiança que você tem.
  - Você que tá levando a sério a discussão. Só me dá nos nervos que ele não faz alguma coisa quando claramente largou até um curso mega importante pra ficar com ela.
  - Você é muito fofoqueira – balançou a cabeça. –, ele largou? – perguntou interessado.
  - Bebê, você é minha amiga de fofoca, nem vem.
  E era verdade, sempre que eu estava com minhas amigas ou minha família do lado feminino, rendia alguma conversa legal e interessante. Sempre que eu estava com algum menino, a conversa guiava para o lado negro da força e falávamos da vida de todo mundo.
  Meu pai era o pior com certeza. Todo dia suas conversas começavam com um “Querida, você sabia que...”
Flashback on
  O Senhor Sanchez estava fritando frangos na cozinha do restaurante quando apareci para lhe entregar outro pedido.
  - Querida, você sabia que o filho da Marinete, nossa cliente de quarta-feira, foi pego usando drogas na esquina de um motel?
  Olhei chocada.
  - Ele é segurança de um hotel. E era maconha pai. Ele tem receita... pra dor... porque tem câncer.
  Ele bufou.
  - Inventam cada desculpa hoje em dia.
Flashback off
document.write(Alex) apareceu no início do ano lá na minha vila querendo um conselho que prestasse. Já que você diria algo como “Carreira primeiro, que se foda o resto” e Wallace diria “Peitos primeiro, que se foda o resto”.
  Ele pareceu indignado.
  - Eu nunca diria isso... Eu celebro o amor e as coisas lindas que ele traz e…
  - Eu disse pra ele ir porque poderia ser uma oportunidade única na vida.
  - ... porra. Alguém que concorda comigo! – Eu sorri e demos um high five.
  Olhei pra tudo aquilo espalhado no seu tapete branco felpudo e suspirei vendo minhas roupas. Eu estava tão cansada. Mas ok, estude... foi o que Didi disse.
  - Posso tomar um banho primeiro? Preciso acordar e ficar mais animada.
  - Claro, meu bem. Não tenho mais nada pra fazer nesse sábado à noite então... E não é sarcasmo. Eu ia passar a madrugada em claro terminando alguns projetos – ele riu da própria desgraça. – Vou fazer alguma coisa pra você comer. Tem toalha na bancada. O banheiro é na primeira porta do mini corredor à esquerda.
  Agradeci e peguei minha mochila andando pelo seu apartamento. Eu tinha uma paixão forte por toda aquela decoração branca com janelas gigantes que faziam entrar um sol danado por ser no topo do prédio. era tão simples como pessoa que me fazia esquecer que tinha nascido em um berço de ouro.
  Eu sei que parecia que eu já tinha estado ali muitas vezes, mas não. Eu era apenas acomodada. E fiquei um pouco retraída procurando as coisas de primeira mão, mas achei as toalhas e sua banheira de porcelana maravilhosa. Pensei nas vezes que eu poderia vir ali, encher de produtos caros para ficar completamente cheia de espuma e beber champanhe enquanto eu ouvia Prince só pra fingir que eu meu nome não estava sujo até por dever dinheiro por comprar calcinha.
  O apartamento era todo organizado, o que era bem estranho pra ser um de rapaz solteiro, mesmo contratando alguém que limpasse o lugar. Mas tinha mania de limpeza com tudo ao seu redor, o que apenas fazia sentido. Era difícil ver ele vestindo alguma camiseta ou calça que não estivesse passada diretamente da lavanderia mais cara do bairro.
  Olhei-me no espelho e estava um bagaço.
  Era engraçado que, pra muita gente, já no colegial eu era um puta clichê de garota com o nariz em pé, que roubava o namorado de todo mundo, confiante demais que provavelmente já tinha feito alguma cirurgia pra consertar algum defeito do rosto.
  Mas era só eu... Se Deus quis que eu fosse a protagonista de tudo que me dispusesse a fazer, problema Dele.
  Eu era comum. Olhos castanhos, pele morena, o corpo levemente atlético, minha bunda era legal, não vou mencionar meus peitos porque eles não existem... E eu gostava de mim. Tinha minhas inseguranças como qualquer outra garota, mas eu decidia as deixar de lado porque de outra forma elas só tomariam meu tempo sendo que não precisavam ser as protagonistas da minha vida.
  Um tempo atrás eu tive um papo cabeça com minha avó, despejei várias coisas sobre como todos me incomodavam por eu ter cabelo curto, me vestir como um garotinho e viver na rua jogando futebol.
  Ela me disse que aquilo só era um problema pra mim porque eu ainda não tinha conta pra pagar. Era meio verdade.
   De qualquer forma, eu só vivi minha vida sem me importar com que os outros diziam, menos os meus pais, é claro, eu cortava uma mão por eles e qualquer opinião deles importava pra mim, já que os admirava imensamente. Eles só queriam ver minha felicidade.
  Então vivi, joguei futebol, brinquei na lama, troquei tudo pelo computador e amizades virtuais, troquei tudo por um celular, troquei tudo por meus amigos e virei uma garota feminina demais que mandava as tias se foderem quando assumiam que minhas mudanças tinham algo a ver com algum menino. Aquilo só tinha algo a ver comigo mesma, eu não era a porra de uma boneca, sou um ser humano com uma língua afiada que passa por momentos e mais momentos e não ligava a mínima para o que os outros pensavam. Eu poderia ser emo, geek, nerd ou puta. Todas essas versões de mim eram importantes pra minha história por formar que pessoa eu era hoje e poderia ser amanhã.
  Isso era o tanto que uma pessoa conseguia pensar no meio de um banho. Um banho maravilhoso dentro de um chuveiro (eu não poderia gastar tanto tempo com a banheira) com um jato maravilhoso.
  Encontrei a toalha dentro do armário e me enrolei. Abri seu armário pra dar uma fuçada e me diverti com aquilo. Passei um desodorante sem cheiro pra não ficar com aquele perfume de , que mesmo que amasse nele, era muito forte pra mim. Gostava de algo mais cítrico.
  Enchi minha mão com o creme que tinha ali para pentear e banhei meus cabelos naquele hidratante de gente rica. Minhas mechas chegavam até minha cintura e mesmo querendo raspar pelo saco que era cuidar daquilo, nem e nem minha mãe deixavam. O que restava era cuidar e prender sempre que podia. Da última vez que tentei cortar, a cabeleireira conseguiu me convencer a apenas fazer um banho de sol nele. Valeu a pena porque eu estava mais gata.
  Decidi sair do banheiro e um jato de vapor veio para a casa quando abri a porta. Ainda estava de toalha e teria que pedir uma roupa pra ele. Fiz cara de diaba só em imaginar se teria alguma reação pela minha quase nudez.
  No que achei que iria surpreender, acabei levando um susto. Gritei para a cabeça amarela que estava deitada no sofá, tentando me cobrir melhor.
  - Dick? – berrei exasperada quando ele se virou para mim. – O que você tá fazendo aqui?
  - Santana! – ele gritou feliz da vida e veio em minha direção. Corri para trás do balcão onde estava em frente ao fogão fazendo alguma coisa com um cheiro delicioso.
  - Meu nome não é Santana, cacete. – Ele me chamava disso desde o dia em que ficamos na festa de uma fraternidade qualquer no início do ano. Meu Deus como eu me arrependia daquele dia. – O que diabos você tá fazendo aqui?
   ainda estava sem camisa, usando um avental preto com o típico “Beije o Cozinheiro!”. E ele estava de boas.
  - , este é Dick e Dick, esta é – fez as apresentações tampando a comida e se virando pra nós. –, mas acho que vocês já se conhecem? – apertou os olhos para nós em dúvida.
  - Tenho algumas aulas com ele, mas isso não vem ao caso, – falei rapidamente. – O que ele faz aqui?
  - Ele é meu colega de quarto. – Encolheu os ombros.
  - Por que você tem um colega de quarto?
  - Porque ele também é meu amigo e precisava de um... quarto.
  - Por que você é amigo dele?
  - Ok... pra essa pergunta eu não tenho uma resposta tão boa.
  Dick tentava acompanhar a conversa, mas só perdeu seu olhar pelo meu corpo e me escondi atrás de .
  - Tira ele daqui, – gemi em sofrimento.
  - – ele riu. – Ele mora aqui, não posso simplesmente tirá-lo. Mas ele já estava de saída, Dick sabe que temos que estudar, certo?
  - Você é muito má comigo, Santana. – Ele suspirou longamente e fiquei furiosa. Eu era má? Ele tentou pegar na minha perseguida naquela porcaria de festa. – Só por isso eu vou ficar.
  - O quê?
  - Dick…
  - Eu vou. Quem sabe você não me conhece melhor e assim podemos repetir o beijo daquele dia, hein? – sorriu pra mim, sujo. – Já posso preparar umas bebidas.
  Eu poderia sair dali e tacar minha mão na cara dele, mas ainda estava de toalha. E ele era tarado. Não, obrigada.
  - Dick – suspirou não saindo da minha frente. Eu estava o abraçando por trás vendo o cara na sua frente com meu corpo escondido e cheirava de leve o seu perfume, mas só de leve, não podia ficar grogue no momento. – O que aconteceu com o código de ir embora quando um dos dois tem visita?
  - Santana nem é visita, é da família…
  - Eu nem falo com você na sala, te orienta, garoto.
  - Ok, então, tem uma moeda? – falou e Dick suspirou alto, pegando uma moeda no bolso colocando em seguida no balcão. – Cara eu ganho, coroa você perde.
   disse e jogou a moeda para o alto. Ele obviamente ganhou.
  - Você sempre ganha nessa droga, – o descolorante barato reclamou e pegou o seu casaco. – Eu volto hoje ainda hein, vai amaciando ela pra mim.
  Filho da puta.
  - Eu odeio homens, – falei emburrada quando ele bateu a porta.
  - Eu também, se eu fosse um... – ele parou pra pensar um pouco. – Eu acabei de dizer isso?
  Acenei.
  - Tá tudo bem, você é muito legal pra ser um homem, – falei compreensiva.
  - Não... Merda, porra, amo peitos, posso morrer na guerra... Sei trocar várias lâmpadas e abrir potes, sabia? – Sorri revirando os olhos.
  - Não podemos mais ser amigos.
  - Bom, , isso é ótimo, já não ia me responsabilizar pelos meus atos com você se esfregando atrás de mim desse jeito. – Curvou o lábio sensualmente e bati em seu braço.
  - Preciso de roupas. Agora.
  - Tão puritana... tsc tsc. – Apontou o dedo para onde deveria ser o seu quarto. – Meu guarda roupa. Faça a festa.
  Levou quarenta e cinco minutos para eu encontrar algo que ficasse legal em mim. Trinta minutos foi apenas eu vendo a marca daquelas blusas e os diferentes modelos que ele tinha.
  Voltei para a cozinha pronta para comer, meu estômago estava dizendo que me odiava por tanta fome e agora eu usava uma das camisas dele do Power Rangers e uma boxer preta. Tentei colocar várias calças, ficavam boas, até mesmo na bunda, já que as calças de garotos são bem largas nessa região, mas a maldita cintura me fez desistir de todas. Deus me livre de uma calça cintura baixa. Minha bunda ficava pra fora.
   estava arrumando o balcão para nós comermos quando me viu e analisou todo meu corpo sorrindo pra si mesmo. Mas não falou nada.
  - , – suspirei.
  - Sim?
  - Sabia que seu closet é do tamanho do meu quarto? – suspirei de novo com a inveja branca. – Quando a gente casar ele vai poder ser meu, já pensou nisso?
  - Esqueceu de avisar o noivo, – ele falou sorrindo arqueando uma sobrancelha. – Vamos casar?
  Bufei brincando.
  - É claro que vamos, isso já está implícito, sabe? e , eu e você, Wallace e o cachorro dele Astolfo. Brit e um unicórnio. Se bem que aquele nariz da Rachel já parece com um chi... – ele me cortou.
  - ! – Uma palavra alta pra eu parar de cuspir veneno.
  - Enfim... Só tô dizendo. Quando isso acontecer, vou querer um closet tão grande quanto o seu de presente de casamento. Você é o cara mais estiloso que conheço, . E vindo de mim, isso é um puta elogio.
  - Eu sou o mais gostoso que você conhece. – Colocou comida nos nossos pratos. E sim, era verdade.
  - A vida era mais fácil quando você era virgem e não vivia de palavras com conotação sexual, sabia? – Colocamos a comida na boca.
  Um segundo.
  Dois.
  Três.
  Cuspimos no prato.
  - Meu bem, o que é isso? – perguntei tomando água.
  - Era pra ser frango, – disse levemente preocupado.
  - Tem certeza? Estava morto quando você fritou? A carne não estava verde?
  Ele pegou nossos pratos jogando tudo no lixo e suspirou olhando para o além. Acho que ele tentava refletir sobre o total desastre que foi aquilo.
  - Vamos pedir uma pizza! – ele falou do nada e gargalhei batendo palmas.
  Assim que desligou o telefone se jogou no sofá. Tanto trabalho para absolutamente nada. Deitei nas costas dele e senti sua pele contra o meu peito subindo e descendo devagar.
  - Eu juro que foi na melhor das intenções, eu não estava tentando te matar.
  - Claro que não, – ri.
  - Mas ei, ser bom na cama ou na cozinha, só dá pra escolher um. – Sorriu malandro e saí de cima dele bufando. Apaga o fogo desse menino, Jesus.

***

  Já passava da meia noite e ela tinha mandado uma mensagem para os pais dizendo que estaria logo em casa. O estudo não foi tão puxado porque ela tinha uma boa memória, só precisava se concentrar e estava tudo bem. O mais chato foi fazer anotações que acabei fazendo também pra tudo ir mais rápido.
  Descobri que suas faltas vinham devido ao gerente da Marc Fontaine pedir para que ela fizesse hora extra mais vezes e não tinha como ela negar ou estaria na rua. Era uma loja bem procurada e ela só tinha conseguido com que vissem seu extenso currículo porque eu mandei diretamente para o meu pai.
  Estávamos jogando vídeo game sentados no tapete da sala e meu corpo automaticamente tentava a tocar a todo momento. Seja quando eu pegava uma pizza que estava na caixa ao seu lado ou simplesmente porque... não conseguia me controlar.
  - Duvido. – Ela gargalhou. Sorri de volta colocando um pedaço de pizza na boca.
  - É sério. Depois Brit saiu por aí espalhando que foi expulsa da autoescola antes de poder fazer o exame psicodélico.
  - Isso é tão Brittany. Eu amo aquela garota. – Respirou longamente se deitando no tapete. – E eu disse que você era minha amiga de fofoca, .
  Fui promovido de amigo à amiga. Que bom. Pelo menos ela beijava as amigas dela.
  - Ora, ora o que temos aqui... – Ela estava olhando em direção a estante brilhante que tinha algumas elevações mais baixas. Em cima de uma encontrou uma foto de baile de formatura. O Homecoming da turma dela.
  - Eu amava esse vestido. – Fez cara de choro.
  - O que aconteceu com ele?
  - Meu pai roubou para fins artísticos. Não pergunte.
  - Não vou.
  Vi a foto e ri dos nossos penteados. Era dois mil e... quinze? Não fazia muito tempo, estávamos o nosso grupo de seis na foto, todos os garotos tinham o mesmo penteado com as laterais raspadas no zero e a parte de cima com um topete gigante. Lembrei-me da trabalheira que dava pra fazer aquele treco e me perguntei porque ninguém disse que fazia a gente parecer o pássaro louco daquele episódio do Pica-Pau.
  As meninas estavam lindas e cada uma tinha um vestido florido diferente.
  - Essas tiaras são um terror para a moda. – Observei que as três usavam iguais e era de plástico, numa cor lisa com um laço.
   e ainda namoravam nessa época e foram juntos. Eu acabei convidando . Ambos estávamos solteiros e ela ficou se achando para as outras meninas porque tinha levado alguém mais velho para o baile. Nunca tinha rido tanto em uma noite. As meninas ficaram bêbadas pra valer pela primeira vez na vida delas e não tínhamos hora pra voltar, fomos diretos pra praia atrás da vila de . Eu amava aquele lugar.
  - Esse dia foi épico, – falei me espreguiçando.
  - Foi mesmo. – Sorriu tão puramente que me contive pra não fazer nada idiota. – Tá vendo isso aqui?
  Apontou para a foto e vi. Em seu pulso. O corsage. Virei meu olhar para baixo e ela guardou a foto.
  - Sempre achei incrível você ter me dado algo dela pra usar naquela noite, sabia? – Ficou em seus joelhos olhando ternamente para mim.
  Dei de ombros.
  - Ela era incrível mesmo.
  Minha mãe. Câncer. Eu tinha doze anos. Época difícil.
  - Eu sei o quanto você odeia entrar nesse assunto e sinto muito fazer essa pergunta, mas... E o seu pai?
  Eu tinha falado pra ela que eles iam se casar quando levei café da manhã há algumas semanas em seu trabalho. O que ela não sabia é que a Reitora Campbell era sua noiva. Era seu quarto casamento desde que minha mãe se foi e desde o primeiro eu não lidava bem com aquilo.
  Quando iniciei na faculdade pra fazer Engenharia da Computação, nossa comunicação foi totalmente para o brejo e minha única razão de voltar para aquela casa, às vezes, era pra saber como minha irmã pequena estava.
   ainda estava esperando uma resposta.
  - Ele tá bem, eu acho.
  - E a esposa dele? Já conheceu ou falou com ela, tipo, de verdade? – Ela sabia que eu preferia evitar essas coisas, esperando que acabasse logo. Era uma esperança ridícula e infantil que eu tentava evitar, por isso nem os visitava mais.
  - Já conheci, mas não conversei de verdade desde que marcaram casamento. – Era verdade, conheci quando ela me enchia o saco na sua sala na faculdade.
  - Faz quanto tempo que você não vai visitá-lo?
  - Sinceramente? A última vez que fui lá, foi para entregar seu currículo.
  - ! – ela gritou. Eu gostava disso. Eu gostava quando ela se preocupava comigo.
  - ! – a imitei. - Ele parou de se preocupar com meus estudos entre outras coisas quando viu que eu estava bem o suficiente sozinho no primeiro ano. E tá tudo bem, sério, eu sei que sua família zela por estar sempre unida e tal, e eu amo isso, mas na minha não dá.
  Ela olhou pra mim com aquele olhar de “eu não vou esquecer esse assunto tão cedo, mas vou te deixar passar agora só porque você me ajudou a noite toda e comprou pizza pra mim”.
  - Tá. E esse negócio de tutor hein? Como conseguiu isso? Quanto eu tenho que te pagar depois de sair daqui?
  Meu humor mudou para melhor, e fui direto para o túnel do tempo.
  - No primeiro ano eu estava um caco nas matérias, primeiro ano morando sozinho... Descobri as festas das fraternidades e toda aquela bebida sem ter medo do meu pai me dar um peteleco e um sermão no dia seguinte.
  - Pera aí, não acredito que você já fez parte um dia daquela tabela do clichê sendo não somente um cara rico, mas também um bad boy? – disse provocativa.
  - Não me orgulho disso, – estava sendo sincero. Mesmo que ela parecesse gostar daqui. - Um dia tivemos prova, eu acabei respondendo questões depois que o sinal já tinha batido e quis entregar a folha mesmo assim. O professor não queria deixar e perguntei se ele tinha alguma ideia de qual era o meu nome e de quem eu era... De uma forma bem egocêntrica.
  - E o que ele disse?
  - Que não me conhecia e que meu status ou grana não fazia qualquer diferença para ele.
  - E? – ansiosa.
  - E eu disse graças a Deus, e misturei as provas em sua carteira. Se ele não sabia quem eu era não poderia descontar meu ponto, né?
  Ela gargalhou.
  - Por um momento pensei mesmo que você teria um momento babaca na vida.
  - Isso durou até a próxima aula. Ele ainda lembrava o meu rosto e me mandou direto para a Reitora Campbell – senti o amargo na garganta. – Ela achava que eu não tinha mais jeito e me levou para a Didi, dizem que ela é mais casca dura que a Professora.
  - O quê? Eu nunca nem passei pela senhora Campbell, fui direto para a Didi.
  - Vou fingir surpresa se isso te deixar melhor. – Ela mostrou a língua pra mim e eu queria chupá-la. Sempre assim. – Enfim, você sabe como é Didi, pode ser durona no início, mas depois fizemos uma espécie estranha de amizade onde eu só a admirava e ela acreditou em mim... Fazia questão de sempre mostrar minhas aquisições pra que eu tivesse força de conquistar mais delas. Ela que me ajudou a falar com o meu pai sobre seguir meu curso e abandonar de vez qualquer ligação com a Marc Fontaine.
  - Eu queria ter coragem de dizer para os meus pais que medicina não é minha praia... – perdeu seu entusiasmo.
  - Medicina? Sério? Você? – Alterei-me. - Quando você quebrou a perna naquela pirâmide das líderes de torcida mal teve coragem de entrar no hospital pra não ter que ver as fotos explícitas dentro de um consultório.
  - Eu sei, mas eles mencionaram tanto sobre isso ao decorrer da minha vida que, sei lá, só achei que era certo. Mama knows best, não é? – sorriu amarelo.
  - Não , você sabe o melhor para sua vida. E você é perfeita pra área de artes, seus desenhos são incríveis, principalmente os voltados para moda. Eu já vi suas criações e as roupas que você faz depois. Marc Fontaine estaria com inveja.
  - Obrigada, – disse sincera, envergonhada. – Mas você sabe como são os pais…
  - Seus pais entenderiam. Você só está deixando o espírito de Madre Tereza aparecer pra não precisar falar com eles, e uma vez na vida deixar eles decepcionados de verdade, mas isso faz parte. Não existe filho perfeito. E eles sabem disso. Na verdade, acho que é isso que fazem os filhos perfeitos.
  Aquilo era um assunto muito delicado pra ela, então ela fez questão de mudar totalmente o rumo dele, voltando um pouco.
  - E no fim Didi fez você virar um tutor quando descobriu que você era bom demais pra estar na turma só pra ser um CDF?
  Segui sua rota.
  - Basicamente isso. Desde então marco aulas com alunos juniores pra ajudar no que posso. Tenho uma conta no site dos professores que me dá acesso a coisas que você nem teria ideia... – Balancei a cabeça como se tivesse a resposta para tudo. Eu tinha. Era 42.
  - O quê? – perguntou animada.
  - Desculpe. Restrito demais. Exige muita confiança.
  - Eu sou muito confiante. – Emburrou.
  - Pra mim sim. Para o sistema, não.
  Ela se levantou dizendo que iria buscar alguma coisa pra beber e deitei minhas costas tensas no sofá macio.
  - Eu tô tão cansado com os negócios do meu trabalho ultimamente que tô vivendo sedento pelo feriado de sexta-feira.
  - Ah meu bem, nem me fale. – Ela voltou com duas garrafas e me deu uma, voltando para o chão. Eu gostava do quanto ela se sentia bem dentro da minha casa, era seu primeiro dia ali e já estava à vontade. Tomou um banho que me daria boas memórias dela de toalha e pegava qualquer coisa em qualquer lugar quando queria.
  Já estávamos ali a muito tempo e nossos assuntos iam e voltavam, sobre sua família, minha família, nosso passado na escola, memórias que nunca voltariam, gargalhávamos a noite toda e evitávamos chegar no meio de qualquer lembrança muito escura.
   - Eu queria demais ir nesse festival, mas você sabe, gente pobre coloca música pra ouvir no chuveiro, canta fazendo o xampu de microfone e diz que tá no palco! – Ela riu.
  Eu estava sentado no tapete agora e ela deitada, seu pé nas minhas mãos enquanto eu fazia uma massagem. Nesse momento eu já estava começando a sentir algo lá embaixo, e tentava me conter. O que era difícil com cada gemido que ela dava quando eu encostava um nervo sensível. E eu não conseguia parar de tocar nesses lugares só pra ter sua reação gostosa.
  - Que horas são? – perguntei e ela checou em seu celular.
  - Meu Deus, uma da manhã, minha mãe me mata – suspirou. – Mas isso aqui está tão bom.
  Eu ri.
  - É só dizer pra ela que você tá aqui comigo que ela te perdoa.
  - Eu riria se não fosse verdade. As mulheres da minha família tem um fraco por você, – comentou descontraída.
  - As? – Levantei uma sobrancelha. Esperança?
  - Sim. Minha avó – claro que não. – Ela ia me pagar 10 dólares no ano novo se eu chamasse você pra sair.
  - Você claramente não ganhou esses dez dólares. Uma pena, eu seria um bom investimento, – suspirei dramático e apertei seu pé recebendo um gemido longo em troca. Eu ri pra disfarçar minha excitação.
  - Claro que você seria, meu bem, eu é que não seria um bom investimento pra você, – riu pra si mesma.
  - O quê? – sorri, achando o comentário esquisito.
  - Essa conversa é meio estranha. – Sentou um pouco desconfortável. Seus olhos não estavam mais sorrindo. - Mas qual é , sua última ex-namorada era modelo de biquíni.
  - E? – Esperei uma boa resposta.
  - E nada…
  Larguei o seu pé e ela se sentou ereta. Agora eu queria falar sério.
  - O que te faz pensar que de alguma forma eu acharia que minha ex-namorada, modelo de biquíni, seria melhor que você?
  - Primeiro que você a amava romanticamente, – debochou um pouco, como se fosse óbvio. – Claro que esse não é ponto…
  - , qual é, você acha mesmo que eu não me interessaria por uma garota como você? – Ela estava tão errada.
  - Eu não sei, – ficou sem palavras. – isso não é sério, só uma aposta boba da minha avó.
  - , se você sentisse algo por mim, me diria, não é?
  Ela ficou muda. E eu senti minha respiração parar até que ela voltou a falar.
  - , não é isso, eu só…
  - Eu só tô tentando fazer você entender que, eu te digo diariamente que você é um porre, você é chata e não tem ligação da boca com o cérebro porque fala o que vem à cabeça. E tudo isso faz você uma pessoa única e diferente. Nunca deixe alguém te dizer que é melhor que você, porque não é, .
  - Eu não acho que eu seja pior que todos , só estávamos fazendo uma comparação com sua ex, e qual é, eu mal tenho peito – ela riu e era verdadeiro, balancei a cabeça pra sua palhaçada. – Só acho que em um padrão Greene, eu não estou na lista.
  - Ah, você acha?
  - Eu tenho certeza – ela riu. - , eu não sou seu tipo.
  Gargalhei. Meu coração estava acelerado por estarmos tão próximos e eu não sabia se estava rindo da desgraça da situação ou porque ela não fazia ideia do que estava falando.
  - Eu acho que você é o tipo de todo mundo. Sério. Olha pra mim. – Coloquei suas pernas em cima das minhas e puxei ela pra perto. Segurei seu rosto e olhei para os seus olhos. Estávamos sérios. Seus olhos estavam brilhando. Suas mãos estavam em seu colo. – Você é mais do que sua aparência. Não me entenda mal, seu cabelo vive cheiroso, sua pele vive macia, seus traços são delicados e pra mim você é tipo, exemplo da perfeição... – ela riu levemente e olhou pra baixo, mordendo os lábios. Eu estava agindo como um bobo apaixonado e acho que depois daquela noite, estávamos fodidos pra sempre. Minhas duas mãos estavam prestando atenção nela. Eu fazia carinho na sua nuca e em seu cabelo, a cada palavra eu encontrava alguma parte de sua pele para tocar. A mandíbula, o pescoço, a nuca, os lábios... – e o seu corpo? ... – suspirei olhando para baixo. Por um momento desci minha mão, seu olhar me seguiu, apenas com o polegar, fiz uma linha, do meio do queixo, aterrissando por cada centímetro dela, chegando ao seu decote – é lindo. – eu olhei pra ela. Olhei para os seios. Eu sabia que tinha desejo em meu olhar e queria que ela soubesse disso. Que eu a desejava. Mais que uma amiga. Minha mão desceu para sua barriga e ela contraiu, olhando para mim com receio, mas querendo mais. Minha mão esquerda continuava em seu queixo, fazendo carinho, fazendo com que ela olhasse para onde eu quisesse que ela olhasse. E então alcancei suas pernas. Lisas, bronzeadas, deliciosas. Meus dedos passaram pelo lado de dentro da sua coxa e meu toque era mais leve que uma pena. Por um segundo pensei que iria enlouquecer, naquele segundo em que ela fechou os olhos, que ela sentiu o mesmo que eu. Travamos o olhar e a puxei para cima de mim. Ela coçou suas unhas contra a parte de trás da minha cabeça com os olhos ainda meio fechados, sentindo meu toque. Ela agora estava no meu colo. Seu ponto mais sensível e desejado por mim, estava contra o meu mais duro, que mais ansiava por ela. Senti ela suspirar contra os meus lábios e apertei a carne da sua bunda, ela fez um movimento, um rebolado, que me fez engolir seco e desejar que ela estivesse rebolando por completo em cima de mim. Sem roupas. Nossa boca estava tão próxima. Tão próxima. – E sabe o que é o melhor, meu bem? Tudo por fora de você é incrível, todos param pra te ver quando você entra em algum lugar, com seu estilo tropical irradiando beleza. Toda mulher. Mas é melhor estar com você. Estar ao redor de você. Conviver contigo faz o meu dia mais feliz. Quem vê você brigando por aí ou somente briga com você, não tem ideia do quanto sua personalidade é incrível, o quanto seu jeito me encanta. Eles se culpariam todos os dias se soubessem o que estão perdendo.
  Era isso. Tão perto. Seus olhos estavam... cheios de sentimento. Eu conseguia ouvir seu coração batendo, no mesmo ritmo que o meu. Poderia saltar do peito e eu não me importaria. Não me importaria porque ela estava ali, no meu colo, me abraçando, olhando para a minha boca com paixão. Paixão. Finalmente.
  Aquele beijo que eu almejava e sentia tanta saudade... raiva por ela ter me privado da sua boca. Aquele beijo que nunca veio.

Hey Fonsi
Qué pasa Demi?
  O que diabos?
  Ela deu um riso estranho e saiu do meu colo. Tremendo.
  Não, não e não, volta, eu quero te beijar, eu quero aquele calor de novo, que droga.
Tengo en esta historia algo que confesar
Ya entendí muy bien qué fue lo que pasó
  No momento em que fui brigar com ela pra voltar a prestar atenção em mim, alguém começou a bater na porta enlouquecidamente. Bufei abaixando a camisa caminhando furiosamente até lá. Que droga.
  Quando abri a porta vi o panaca do Dick, completamente bêbado com alguns pintos desenhados na cara com caneta. Nem era pinto o genital, mas sim o animal.
  - Oi bonitão! – Ele sorriu me abraçando e o empurrei até o sofá capengando. – Oi bonitão! – falou pra que estava falando no telefone. Ela levantou o dedo do meio e foi para a cozinha.
  - Nada pai, só uma ratazana morrendo. – Ouvi sua voz diminuir.
  - Pardi a chaver – falou antes de dormir. Perdeu a chave?
  Fui rápido para a cozinha e vi que ela já tinha pegado suas coisas e estava amarrando o tênis apressada.
  - Não quer que eu te leve? – tentei amenizar. Interromperam nosso beijo, mas ela não ia ignorar aquilo, né?
  - Não precisa, meu pai está vindo me pegar. – Ah não. Ela nunca negava uma carona.
  - Quer que eu vá com você até lá embaixo? – diga que sim. Você não gosta de homens, , principalmente no meio da rua de madrugada, e algum pode aparecer, eu posso te acompanhar.
  - Tô bem, obrigada. Até mais. – Ela não somente negou meu convite como pensou se me daria um abraço ou não. Ela ficou vermelha. Ela estava com vergonha. Ela foi embora.
  Que merda eu tinha feito?
  Estávamos muito fodidos. Bufei mexendo no cabelo pensando no que poderia fazer para contornar toda aquela situação. A merda é que eu nunca poderia pensar com a cabeça de cima quando ela tinha acordado a de baixo e ficado linda pra caralho toda vermelhinha.
  Mas nós nunca tínhamos nos despedido sem ela xingar ou me abraçar ou me dar um tapa. Eu tinha quebrado ? Que tipo de era aquela?
  Meu Deus.

***

  - Ei despeitada. Papai tá chamando para o café.
  Já era a manhã de domingo e eu tinha ficado a noite inteira acordada pensando no que porra aconteceu naquela madrugada.
  Eu não amava meu melhor amigo. Eu não tinha sentimentos fortes pelo meu melhor amigo. Ele só tinha sido fofo e a mini não estava acordada pegando fogo porque roçou nele aquela noite. Aquilo tudo era imaginação da minha cabeça. Eu não o amava. Nem perto. Eu não repensei em tudo que ele já fez por mim na madrugada, eu nunca faria aquilo só pra aumentar a minha paranoia. Não.
  Meu celular apitou pela milésima vez aquela manhã e decidi ler.
  : GENTEEEEEEEEEEEEE.
  Wallace: Parabéns meninas pela vitória!!!!!! Insira aqui mais exclamação!!!
  : Aeeeeeee. Gatinhas campeãs!
  Brittany: Parabéns! Felicidades e muitos anos de vida!
  Brittany: Ah. Desculpa eu não li direito. Parabéns meninas. Pra nós meninas!
  : Não fizeram mais do que a obrigação.
  : Ninguém perguntou , ninguém liga, morre.
  : Obrigada anjos, amo vocês!
  : OK.
  : GENTE ME ESCUTA ATENÇÃO.
  : morreu?
  : Ela estava com o ontem à noite.
  Wallace: O QUE VOCÊ FEZ COM MINHA PRIMA SEU LANNISTER NOJENTO?
  : Meu bebê tá morto…
  Brittany: Por que ? Por quê? Signos propensos a serem assassinos são Peixes. Eu esperava isso de , mas de você??? Libriano? NÃOOOOO.
  : ò.ó
  : O que eu fiz foi comprar seis ingressos pro festival de música no feriado…
  : eu te amo tanto.
  : Não acredito que inventou a amizade.
  Wallace: Dá pra enterrar o corpo. Tá tudo bem. Te perdoamos. Você não é Lannister. É Targaryen.
  Filhos da puta... Me trocaram por alguns ingressos.
  : Filhos da puta…
  : Bom dia amore, deleta o histórico, nada acontece.
  Brittany: Feijoada.
  : Ei meu bem, seu desejo é uma ordem! Só espero que quando formos, não sejamos interrompidos... (:
  A, B, L, W: HMMMMMMMMMMMMMMMMMMMM.
  : Morram. Deletem meu número. Tô menstruada. Amo vocês. Só um pouco. Que se foda.
  : Adeus. Kkkkkkkkkkkkkkkk.
   saiu do grupo.

  Comprar ingresso um dia depois que a gente pede ingresso não é sinal de amor. Isso é gente rica querendo comprar gente pobre.
  Eu tô completamente nem aí para S. Greene e suas roupas estilosas, seu cheiro maravilhoso, seu vício em tecnologia, em filmes antigos, aquele corpo sarado, tão inteligente... E quando ele sorri…
  Saí da cama rapidamente ficando um pouco tonta em seguida e abri todas as minhas gavetas. Finalmente encontrei uma vela e acendi na frente da imagem da Santa.
  Uma foto de Demi Lovato. Ela tinha me ajudado ontem à noite e iria me ajudar agora.
  Então meus pensamentos se tornaram um mantra.
  Eu não estava apaixonada pelo meu melhor amigo.
  Não estava.
  Nem um pouco.
  Nem pelo seu cabelo bagunçado e loiro maravilhoso e a forma como se comportava como se não ligasse para as coisas e…
  Me ajuda Demi.

Capítulo 05


7h00am

  Finalmente um refresco! Depois de todo o estudo, a tentativa de arrumar as Zeta e ainda focar nas nossas vidas pessoais, havia chegado o momento que nós – principalmente e eu – aguardamos: o festival.
  Esperamos que nem duas doidas o dia para que finalmente pudéssemos nos divertir sem hora para voltar. Seriam mais de vinte e quatro horas em um deserto de Los Angeles, ouvindo as melhores músicas eletrônicas e dançando até o sol se pôr.
  Um dia sem precisar pensar nas meninas da Zeta, sem professores tarados e sem notas. Sem pais extremistas ou bobos demais, sem se importar com mais nada. Só nós seis.
  Quer dizer, sete. Quase isso.
  Corríamos pela estação de metrô que nos levaria até o festival. Poderíamos ir de carro, mas a possibilidade de sofrermos um acidente já que éramos irresponsáveis demais para dirigir de noite de um lugar deserto até onde morávamos... Preferimos ir de metrô.
  Nós, eu, , Brittany, Wallace, , e... isso mesmo, Dick.
  Não o convidamos, ele apenas se meteu no grupo e se achou importante demais para entrar. E como éramos educadas, resolvemos deixá-lo vir conosco, mas claro que não o aguentaríamos lá.
  Além do mais, ele nem havia comprado o ingresso, tentaria extorquir para entrar. Então a nossa latina favorita teve uma ideia que seria muito mais eficaz.
  Quando o rapaz tentou entrar no metrô, o barrou. Empurrando para a pista novamente. “Sem dinheiro, sem festival” ela disse, impedindo que ele entrasse. Então a porta fechou com só seis de nós dentro. Um segundo antes de a porta fechar e ele estava do lado de fora. E um Dick nos ofendendo de tudo quanto era nome batendo na janela.
  Óbvio que cedo ou tarde precisaríamos dele para algo, mas até agora não nos arrependemos. Era só um festival, teria muitos outros para ele ir – se pagasse, claro.
  - Tudo bem mãe, vai ficar tudo bem. É só uma noite, – conversava com minha mãe, arrumando uma justificativa qualquer para que meu pai não suspeitasse para onde eu estava indo. – Voltarei do Acampamento com mais fé ainda, quem sabe mude de curso também.
  Ouvi meu pai celebrar do outro lado da linha e depois sair. Minha mãe desligou o viva voz e deu uma risadinha do outro lado.
  - Se você encontrar algum famoso, pega um autógrafo para mim, ok? Principalmente aquele DJ Eluk. Adoro ele. – Sim senhoras e senhores, minha mãe amava música eletrônica. Ela adorava festejar, mesmo que meu pai odiasse tudo isso.
  Ela desligou e eu guardei meu celular, me arrumando no metrô, que não estava cheio. Por sorte. Mas haviam muitos grupinhos também que o pegaram para ir até o festival, então de qualquer forma, todos iríamos ao mesmo lugar.
  Brittany, como a florzinha que era, estava andando pelos bancos conversando com desconhecidos e tentando saber seus signos, lendo seus mapas mentalmente, já que ela sabia muito disso. Eu mesma ficava chocada quando ela lia o meu.
   simpatizava com todos os capricornianos.
   e Wallace estavam de boa, o moreno dando uma olhada para as outras garotas no metrô, e o olhar do loiro perdido em seu celular. Ele parecia sério e sedutor assim, como se estivesse fazendo algo importante, mas eu apostaria 10 dólares que estava apenas jogando Candy Crush.
   estava preocupado e demonstrava isso coçando sua nuca ou olhando para os lados um pouco apreensivo. A forma que roía as unhas ou comia alguma barrinha de cereal que trouxe no bolso já entregavam que ele ainda não estava tão confortável.
  Ele havia mentido para os pais – algo que NUNCA fazia – para sairmos juntos hoje. Sua desculpa foi uma meia verdade, para os pais ele estava na casa de Wallace estudando, já que suas notas deram uma despencada desde que começou a tentar desbancar o babaca do time e recuperar seu posto de capitão.
  De certa forma era para os dois estarem estudando, mas Wallace achou que seria melhor festejar um dia todo. “Quem precisa estudar? São contatos que nos levam pra frente” foi sua justificava, se não me engano.
  Já eu não conseguia conter minha animação. Nunca havia ido à um festival antes, seria algo totalmente diferente e, mais do que todos, eu queria que fosse memorável. Uma daquelas memórias que só esses meus cinco amigos conseguem me proporcionar. Dessa vez não seria diferente.
  Ajeitei meu slip dress rosa bebê, tentando manter meus gêmeos bem-comportados dentro dele. Era um vestido curto e usava com uma jaqueta jeans amarrada em minha cintura. Usava um tênis da Converse graciosamente retirados da coleção da minha diva Miley Cyrus. O rosinha brilhante, com uma plataforma e que provavelmente foderia meus pés, mas com estilo. Alguns acessórios – pulseiras e anéis – dourados completavam o look. Meus cabelos loiros estavam soltos e naturais. Minha maquiagem era só glitter com algumas estrelinhas ao redor dos meus olhos.
   trajava outra das suas blusas crochês, rosa pastel, com os ombros a mostra e babados na altura do decote. Um short extremamente curto e florido com alguns toques do mesmo rosa. O cabelo quase até a bunda naturalmente ondulado, brinco de pérola que usava sempre e maquiagem simples, delineador de gatinho com glitter forte na região do iluminador e clavícula, dando um estilo animado para o festival.
  Brittany era de longe a mais animada com o traje colorido e várias mechas coloridas que conseguiu fazer com algum tipo de papel que derretia na água quente... Criativa.
  Os meninos... bom, os meninos estavam bem... normais. usava apenas uma camiseta lisa branca, uma bermuda jeans que chegava aos seus joelhos e um tênis normal com umas meias coloridinhas, muito a cara dele. Também usava um boné com a aba virada para trás, com uns fios rebeldes saindo pela abertura.
   era um playboy estiloso, calça jeans e blusa de manga curta pretas, simples, mas eu tinha certeza que aquela simplicidade custou mais que um salário mínimo. Principalmente o seu tênis impecavelmente branco. O cabelo meio bagunçado para cima que apenas parecia que ele acordou desse jeito e veio. Chamava a atenção de algumas meninas novas no metrô, ele era um pouco menor que , mas meu irmãozinho era um cara grande, então era natural. Sem falar do seu olhar de "foda-se" pra tudo e ao mesmo tempo educado. Meninas tendiam a gostar desse tipo de cara confiante demais.
  Já Wallace... bom... Ele usava uma regata de time de basquete, shorts jeans e tênis, correntes de ouro – mas lê-se nem a pau – e outros acessórios que seguiam esse estilo. Uns óculos escuros enormes e seus cabelos graças a Deus não estavam mais com o penteado rastafári horrível que não combinava com ele, mas sim seus normais e simples cabelos afro.
  Quase um rapper.
  E ele realmente se sentia o Kanye West.
  O objetivo do dia era simples, apenas nos divertir o máximo que poderíamos e não cansar. Quem sabe tietar alguns dos DJs famosos e conseguir um contatinho para sermos convidadas para festas de gente importante. Claro que esse objetivo era apenas meu e de , mas enquanto o resto do grupo só pensava em se divertir, estávamos garantindo nossos futuros.
  Eu estava encostada em uma das barras de ferro do vagão, me sentia entediada e sabia que até o deserto demoraria um pouco para chegarmos. Me girei na barra, tentando perder o tédio e se juntou a mim quando a chamei.
  - Vamos nos aquecer, – brinquei.
  Brittany se aproximou e enquanto segurávamos na barra de ferro, fingíamos que aquilo era um pole, de um pole dance improvisado. Cantarolávamos baixinho a letra de Gimme More da Miss American Dream, enquanto girávamos pela barra, fazendo nossas melhores caras de strippers.
   andou alguns passos até o fundo do metrô e se sentou pela vergonha alheia. Fingindo que não nos conhecia, tsc tsc.
  Continuei repetindo alguns movimentos e logo nós duas estávamos performando Gimme More naquela barra. Os meninos – não só os nossos amigos – tinham os olhos em nós, observando nossa falta de vergonha ao fazer aquilo em um metrô.
  Ignorávamos, já que provavelmente faríamos pior no festival. O que era dar uma dançadinha em um metrô? Puff.
  Batíamos os cabelos, girando pela barra e cantarolando a letra que sabíamos de cor, imaginando a música no fundo das nossas mentes, junto com as luzes piscando, uma boate incrível, uma plateia animada e um pole de verdade.
  Gargalhávamos enquanto isso, sentindo a tensão se esvair de nós, ficando espaço apenas para a diversão que nós duas nos proporcionávamos juntas.
  E com o tempo, paramos de dançar, recebendo uns aplausos tímidos de algumas pessoas que assistiram nossa performance, outras preferiram ignorar o que viram. Tipo o pessoal que estava pronto para ir trabalhar e olhando irritados pras loucas do metrô. Essas pessoas estão na minha lista.
  E na de Brittany, principalmente quando ela virar presidente de Vegas.
  Voltamos para os rapazes, que estavam sentados e conversando algo sobre heróis de HQs. Segundo eles, se Thor, Hulk, Capitão América e Iron Man lutarem um contra o outro, qual deles sairia vivo? Bom, não o Capitão América, começaremos por ele.
  Em uma escala de Capitão América à 100, quem era o mais forte?
  Brincadeirinha.
  - Viúva Negra, claro. – se intrometeu, se sentando ao lado dos meninos. Eu me sentei ao lado de , mantendo um pouquinho de distância. Senti um de seus braços passar por de trás de mim e sua mão pousar em um de meus ombros. Virei para ele e o mesmo respondeu com um sorrisinho, voltando sua atenção para a conversa.
  - Ela nem foi convidada... – Wallace rolou os olhos.
  - E? Ela entra e mete o pau, então vai embora e pronto. Ou pode pegar o mjölnir porque, ao contrário de vocês, ela é digna. – deu os ombros, firmemente defendendo sua heroína favorita.
  Mas o primo não aceitou muito bem a resposta.
  - Qual é. Ela nem tem um filme solo. – Cruzou os braços com um sorrisinho vitorioso. – Nessa luta só entra os com filme solo, ok?
  - As histórias dela nas HQs são mais interessantes que qualquer outro herói. Principalmente as cenas de interrogatório – sorriu se alargando no banco.
  - Ela carrega os Avirgens nas costas, – disse brincalhão, dando uma piscadela para . Nesse assunto eles eram bffs.
  - E na verdade... já estão desenvolvendo o filme dela. – Dei os ombros e a expressão do rapaz mudou.
  - Sério?
  - Uhum.
  - Nossa, vai ser irado! – Então teve outra reação completamente contraditória com a primeira que teve. Mas por ser o Wallace, perdoávamos. Ele só tinha dez anos.
  - Agora vai ser irado, né? – A morena ainda fuzilava o primo com os olhos, pronta para atacá-lo a qualquer momento.
  Brittany voltou a ler a mão de estranhos, os meninos – e – agora debatiam profundamente sobre alguma coisa envolvendo séries ou filmes, ou HQs ou Marvel, porque era só isso que sabiam fazer. E me dar spoilers, isso eles sabiam fazer muito bem.
  Fiquei eufórica no momento em que a voz surgiu dos autofalantes informando a próxima parada. Nós seis uivamos animados com expectativa lá no céu.
  - Valeu Jarvis, – disse feliz pra voz da tecnologia inimaginável Intel.
  Eu estava ansiosa, porque mesmo acostumada com festas, nunca tinha ido longe demais de casa. Principalmente para um festival que envolveria muito mais coisas do que apenas uma festinha de adolescentes. E isso para mim era muito novo.
  Surpreendia-me como o mundo era grande e divertido quando meu pai não tentava me trancar dentro de uma caixinha segura. Tinham muitas coisas para eu descobrir, conhecer e experimentar. E não pararia, não agora.
  Entediada, me divertia bagunçando os cabelos de . Brincando com os fios espetados para cima, na tentativa de um topete relapso, sem muito esforço de deixar penteado. Ele ria baixo, ainda tocando delicadamente meu ombro enquanto permanecia focado na conversa.
  - Acho que tá na hora de cortar o cabelo, – alertei, enquanto permanecia brincando com os cabelos de .
  - Nah. Vou deixar crescer.
  - Você me odeia tanto assim?
  Gargalhou.
  Ele pegou o boné que havia deixado ao seu lado e colocou na cabeça, cobrindo os cabelos escuros. Deu dois tapinhas leves em meu ombro e tirou o braço de trás de mim, se ajeitando no assento.
  Aproveitei o momento para alfinetá-lo um pouco.
  - E aí, mais tranquilo agora? Mentir pros pais... isso nunca é fácil – debochei. – Começamos assim, mentindo para os pais para ir em festivais e quando nos damos conta... já estamos em uma gangue.
  E riu.
  - Você acha que eu ficaria bem em uma gangue? – Assenti.
  - Com a sua altura você pode até conseguir um apelido. Tipo... O Arranha-Céu, A Girafa Sombria.
  - E as tatuagens... não esqueça das tatuagens.
  - As correntes de ouro e os dentes também. Muito couro e você vai precisar raspar os cabelos, – completei.
  - Eu já tenho o gene. Posso conseguir uma grana batendo em pessoas pra defender a honra da minha gangue.
  Dessa vez eu ri.
  - Ok The Rock, vamos com calma.
  Rimos juntos e voltou sua atenção para , que agora queria argumentar sobre um videogame.
  Essa era a vantagem de ter como melhor amigo, havia uma vibe inexplicável que nos permitia falar besteiras sem sentido e nem menos nos importarmos com isso. Eram coisas idiotas que só nós entendíamos, nossas próprias piadas internas. Por isso que com ele nunca faltava assunto ou boas gargalhadas.
  E eu gostava disso.
  Mexi no meu celular, lendo as minhas mensagens e respondendo os pendentes, só para ter certeza que as meninas da Zeta estavam vivas sem mim e . Então meu celular vibrou com uma nova.
  Tio Sanchez: BOM DIA SOBRINHA, TENHA UM ÓTIMO DIA (:
  : Bom dia, tio <3
  Tio Sanchez: VC VIU A MINHA FILHA?? Ñ A VEJO DESDE... ONTEM À NOITE... ESTOU MUITO PREOCUPADO!!!
  Sim, parecia estranho uma pessoa apenas digitar em CapsLock, mas tio Sanchez respondia essa dúvida apenas com “não estou gritando, eu sou míope”, mas não era.
  : Sim tio, ela tá comigo.
  Tio Sanchez: NO ACAMPAMENTO???
  : Não, no festival.
  Tio Sanchez: QUE FESTIVAL?!?!?!?!

  - , porque seu pai acha que você tá no Acampamento comigo? – Cerrei os olhos.
  - Porque eu disse que estaria.
  - E por que você disse isso?
  - Porque ele iria querer vir junto. – Suspirou alto. – É um festival, tem tudo que ele mais ama: música eletrônica, bebidas e gente doida fazendo doidice. E a Lorde, ele ama a Lorde.
  - De jeito nenhum que o Senhor Sanchez iria querer vir junto. – gargalhou. Ele não estava muito acostumado com as peripécias do mais velho.
  - Demi Lovato, Future Now Tour, 2016... – relembrei.
  - Era pro nos levar, mas ele tinha prova e não deu. Meu pai foi conosco, não quis voltar, ficou no show. Não sabia música nenhuma, mas chorou em Skyscraper…
  - E depois do show tentou de tudo para conseguir um autógrafo da Demi. Ele foi levado sem camisa por policiais.
  - Mas ele conseguiu. Demi Lovato autografou seu peitoral.
  O queixo de estava caído e de quebra o de também, pouca gente sabia dessa história. Por mais adorável que o tio Sanchez fosse, ele realmente nos deixava em situações embaraçosas.
  - Conta mais, – pediu.
  - Lady Gaga, The Born This Way Ball, 2012. – Comecei. – Além de precisar levar a arrastada, o Sr. Sanchez foi junto conosco.
  - Meu pai se pintou TODO para o show. – Rolou os olhos com a recordação. – Ele era mais Little Monster que a própria .
  - Ele conseguiu subir no palco pra cantar com a Gaga.
  - Foi horrível.
  - Assustador.
  - Traumatizante.
  Agora sim entendi o porquê na verdade estava no Acampamento comigo e jamais iria nesse Festival. Seria embaraçoso demais ver o mais velho no palco cantando com algum DJ. Principalmente se fosse a música que ele fez especialmente para o Obama…
  : Ela tá no Acampamento comigo sim, tio. É o festival do Acampamento, onde cantamos muito e oramos também.
  Tio Sanchez: ATÁ!!! AMÉM ENTÃO SOBRINHA!!!! XAU BJS SE CUIDA

  Passamos o resto do caminho relembrando as humilhações que o pai de já nos fez passar, porque além de humilhantes, eram realmente muito engraçadas.
  Talvez fosse legal se ele estivesse conosco.
  Ou melhor não.
  Porque ele realmente ama a Lorde... ama até demais. Talvez ele fosse a Lorde.
  Mas essa é uma teoria pra outro dia.

***
08h15am

  Finalmente estávamos no deserto. Estava mais calor do que esperávamos, com o sol mais brilhante no céu. E por mais vazio que parecia, após os portões do festival havia uma cidade inteira. Milhares de pessoas espalhadas, várias barracas em pontos estratégicos. E mais para frente, um palco enorme com uma plateia já se amontoando.
  Agora só precisávamos passar pelos portões.
  E nem foi tão difícil assim.
  Entregamos nossos ingressos e identidades, claro que falsas. Menos a de , já que ele era o único com mais de vinte e um no círculo.
  Não era uma coisa fenomenal, mas tinha sim algum sentido para a minha ID falsa ter o nome de Lindsay, a de como Paris e a de Brittany como Britney, era algo que não precisava ser explicado.
  E adivinhem o nome falso de Wallace. Isso mesmo, Kanye. Já usou um nome qualquer, como Logan ou algo do tipo. Ele era careta e sem graça, mas tinha um bom coração e era gato, então estava perdoado.
  Passamos pelos portões e lá estávamos. Por mais cedo que fosse, já haviam bastantes pessoas circulando pelo festival, até algumas pessoas “importantes” e outras realmente importantes.
  - Vamos ser groupies agora ou mais tarde? – perguntou e eu dei os ombros.
  - Mais tarde. Agora vamos enganar uns paparazzis. – Dei uma risadinha e nós seis colocamos óculos escuros, tentando nos misturar no espaço e tentar ser confundidos com famosos. Quem sabe até conseguíssemos uma foto ou duas.
  Já havia algumas músicas tocando pelas enormes caixas de som, mas nenhum show importante ainda. Nos separamos pelo festival e eu fui direto para a área de alimentação. Era cedo e meu estômago roncava.
  - Quer algo? – A atendente sorriu.
  - Um cachorro-quente, por favor. Bem completo. Pode exagerar.
  Um rapaz se juntou a mim. Na faixa dos vinte e poucos anos, alto e com cabelos compridos. Ele me olhava de canto, com um sorrisinho. O ignorei, já que não havia ido para o festival para esses fins, a não ser que fosse com algum DJ realmente importante.
  - Aposto que pediu uma saladinha, né? – tentou puxar papo, mas foi ignorado com sucesso. – Claro né, se não for uma saladinha, como vai manter esse corpinho... uau.
  Olhei para ele, com franzindo as minhas sobrancelhas e um pouco confusa com isso. Olhei para os lados, tentando entender se ele falava comigo ou com algum ser presente naquele local.
  - Tá falando comigo?
  - E quem mais séria, gatinha?
  Dei os ombros.
  - Não sei. Com alguém que tivesse pedido sua opinião, por exemplo.
  Ele fez um barulho de tiro, apontando para sua própria cabeça e sussurrando um “Headshot” e rindo, rindo como se alguma coisa daquilo fosse engraçada.
  Tá bem…
  - Aqui. – A atendente me chamou a atenção, entregando meu cachorro-quente que parecia ser um café da manhã e almoço, tudo de uma vez.
  - Obrigada. – Dei as notas pagando pelo lanche e dei a primeira mordida, me lambuzando inteira e sentindo meu estômago agradecer pela existência de tamanha preciosidade culinária.
  - Nossa... – Ele ainda estava aqui? Mereço. – Não acredito que vai comer... isso…
  - Por que não? – Franzi as sobrancelhas.
  - Porque você é tão... uau. E comendo um troço desses... Nem cabe, gata, nem cabe.
  Oi?
  - É você quem tá pagando?
  - Não…
  - Então não enche o saco. Eu hein.
  Ele fechou a cara, um pouco mais atingido dessa vez. Não que me importasse em alguma coisa isso.
  - , esse babaca tá te incomodando? – Ouvi a voz de , mais grave e sua postura mais rígida, pronto para o ataque. Mas seus olhos estavam entre o cara e meu cachorro-quente.
  A postura do gentil jovem que falava mais do que era perguntado mudou rapidamente. Ele já sabia que em uma briga não conseguiria vencer o . Nem toda bomba e batata doce, horas na academia e fotos no Instagram o ajudariam nessa.
  - Está sim, mas como eu quero aproveitar esse festival até o fim, vamos sair daqui. – Sorri para o rapaz. – E ainda te dou um pedaço do meu cachorro-quente, que tal?
  Deu os ombros, mas ainda se manteve em alerta, tentando intimidar o que já estava quase se mijando.
  - Claro, amor. Vamos. – E então saímos de perto do maluco que fala sozinho sobre o que os outros devem comer. Eu hein.
  Era cada doido…
  Voltamos para o grupo e já estava dançando junto com Brittany, mesmo sem ter nada além de uma musiquinha qualquer tocando. Wallace estava paquerando algumas garotas e se concentrava na sua cerveja enquanto às vezes jogava uns olhares na morena dançando animadamente. Ele tentava disfarçar, já que tinha esse negócio de "não dou moral pra ninguém" – palavras dele mesmo -, e era um dos poucos caras que realmente evitava olhar pras garotas dançando ou algo assim. E olha que a desgraçada tinha um rebolado tipo Rihanna.
  Ao me ver, a latina rolou os olhos.
  - Já tá comendo, ? – Balançou a cabeça em reprovação. – Opa, é cachorro-quente? – Sorriu e veio até mim roubar um pedaço.
  - Como se come um cachorro-quente? – Brittany pareceu extremamente ofendida. – Vocês são esse tipo de monstro?
  - Não, Brit. Não é um cachorro-quente, é só o nome. – tentou explicar. – É só pão, linguiça e um monte de condimentos. Nada de cachorro.
  - Nada de cachorro? – perguntou um pouco surpresa e assentimos. – Então quero um pedaço.
  E veio roubar.
  - Você não é vegana? – estragou.
  - E pão é carne? – Rolou os olhos.
  Depois de devidamente alimentadas, ainda na espera de algum DJ útil para nos fazer dançar descontroladamente, as caixas de som começaram a tocar uma versão remixada de Pump Up The Jam. Empurrei para longe e me juntei à minhas amigas.
  Essa eu dançaria.
  E no mesmo minuto que a batida tocava, eu e minhas amigas dançávamos descontroladamente como fazíamos sempre, sem qualquer ritmo ou coreografia. Batíamos nossas cinturas uma na da outra, enquanto balançávamos nossas cabeças de um lado para o outro.
  Wallace também dançava, era o único de nós com algum compasso e também o único que arriscava passos de dança para agradar as meninas.
  Gritávamos para ele, incentivado a ir mais ainda. E ele rodopiava, fazia passos completamente rápidos, com seus pés indo e voltando, se cruzando e continuando sem nem ao menos perder o ritmo.
  Só de o ver girando de tal forma, meu estômago quase trouxe de volta o cachorro-quente que comi.
  A cada música nova que tocava, dançávamos juntas, conhecendo mais músicas que nunca havíamos ouvido falar. Mas queríamos mais, queríamos os DJs e muito mais.
  Mas era o bastante até então.
  - Com licença. – Um homem com uma câmera se intrometeu.
  - Sim?
  - Posso tirar uma foto de vocês? – nos empurrou, tomando a atenção só para ela. A empurrei e fiquei na frente. Brittany ficou entre nós duas antes que acabássemos nos matando para ver quem ficava com o foco principal.
  Os meninos se posicionaram atrás de nós, mas de uma forma nos segurávamos para que nem eu ou saíssemos no tapa para a foto.
  O que já havia acontecido outras vezes…
  - Sorriam. – Sorrimos e então o homem tirou a foto, depois mais uma e mais uma. Conforme trocava para a próxima foto, fazíamos poses diferentes e ele fotografava.
  Ele deu uma olhada em sua câmera para ver o resultado e sorriu contente para nós.
  - Ficou ótimo. Obrigado. – Despediu-se, deixando nós para trás e a esperança de aparecer em algum lugar muito importante e relevante.
  - Será que vamos aparecer na Vogue? – sonhei. – “As mais bem vestidas de Los Angeles”. Imagina? – Dei pulinhos.
  - Se eu aparecer na Vogue, eu largo a faculdade, – disse firme. – Fodam-se os estudos, vou desfilar em Paris!
  - E eu viro a presidente de Las Vegas! – Os olhinhos de Brit ainda brilhavam com esse sonho distante.
  - Ok, primeiro vamos esperar as fotos saírem, que tal? – Wallace jogou um balde de água fria em nós. Então nós três nos viramos para os garotos.
  - Vamos deixá-los sozinhos? – propus.
  - Vamos. – concordou e nós três demos as mãos, saindo de perto dos garotos, que argumentavam e vinham atrás de nós.
  Saímos correndo pelo espaço tentando evitá-los. Bem infantilmente, mas gastou nosso tempo e um pouco de energia até que algo acontecesse.
  Agora era o fim do anonimato... Nós três seríamos famosas.
  Faculdade, vá se foder.
  Mentira, por favor, não.

***
12h45pm

  Já era tarde e havia começado alguns shows. Não o que queríamos ver, mas era o bastante até então.
  Estávamos mais perto do palco, ouvindo e cantando algumas músicas remixadas que amávamos. Enquanto isso, dançávamos e aproveitávamos os efeitos que cada DJ tinha de especial para seus shows. A batida tremia o chão e nossa pele estava em uma vibe completamente diferente e fora da terra.
  Nós estávamos nos ombros dos garotos. Eu no de , no de e sim, Brittany no de Wallace, por incrível que pareça.
  Nós gritávamos para cada DJ que entrava, dançando em cima dos garotos e tentando não derrubar as bebidas que arrumávamos. Não estávamos bêbadas, estava cedo para isso ainda. Mas estava gostoso.
  Batíamos cabelo, gritando mais alto a letra das músicas que tocavam.
  Descemos dos ombros dos caras para dançar no chão. E por incrível que pareça, os três rapazes estavam se divertindo.
   já estava suado de tanto dançar as suas músicas favoritas no ritmo eletrônico e me girar pelos cantos. também, por mais que fosse o mais playboy de nós, arriscava uns passos que consistia em um copo de cerveja na mão, a outra mão para o alto e balançava a cintura muito sexualmente. Palavras de : "Detesto homem que rebola, mas com esse aí gasto uns três dias direto". E Wallace... todos já sabem onde estava.
  Havia algo suspeito acontecendo, e por mais que ficassem juntos, ou com ela montada em cima dele, não havia os vistos conversando profundamente. Eles trocavam algumas palavras, mas não era mais aquele grude que eles sempre pareciam estar.
  Óbvio que ela já havia me contado o que aconteceu, porque éramos melhores amigas. Não me deu detalhes, porque ela achava muito gostoso e ele era um irmão pra mim, então não precisava o imaginar dessa forma. Mas que rolou um clima, rolou, e ela acabou fugindo.
  Eu estava nessa também. Eu e éramos melhores amigos e só isso, mesmo que rolasse um clima de vez em quando, éramos só amigos.
  Ficava ofendida quando alguém sugeria algo diferente disso.
  Nós duas aproveitamos um tempo para tomar um ar, já que estava enchendo de pessoas e ambas odiávamos pessoas esbarrando em nós. Era muito... argh.
  Sentamos na grama, aproveitando um pouquinho do sol do meio-dia, e aproveitamos para repassar os protetores solares e bronzeadores.
  - Tá tudo bem, né? – perguntei para a morena, enquanto passava em suas costas.
  - Tudo ótimo, cariño. Tô me divertindo horrores, nunca esperei que fosse uma vibe tão boa.
  - Não é? – Animei. – Tirando o chato da saladinha mais cedo, tá tudo muito bom. Não quero ir embora.
  Deitei na grama e minha amiga me acompanhou. Ficamos encarando o sol atrás das lentes de nossos óculos. Até que então uma sombra nos atrapalhou.
  - Quem é o filho de uma pu... – A morena quase terminou, mas quando vimos os dois rapazes usando roupas caras e que cheiravam a riquezas, poupou as palavras.
  - Quem são vocês? – perguntei desconfiava.
  - Josh e Ian. – Um com cabelos platinados sorriu. – E vocês, quem são?
  - Lindsay, – respondi.
  - Paris. – respondeu sem muita força de vontade.
  - Lindos nomes, – o outro de cabelos pretos disse, sorrindo para nós com muita força.
  - O que querem? – a latina se expressou com mais força.
  O platinado sorriu.
  - Bem... nós as vimos sozinhas aqui e pensamos se vocês querem ir para a área VIP conosco, sabe... podemos nos conhecer melhor e... – O interrompi.
  - Passo.
  - Como? – O moreno se chocou.
  - Não ouviu não? – ralhou. – Ela disse “passo”.
  - Mas por quê? Nós podemos nos divertir tanto lá... – O platinado deu uma risadinha e nós duas rolamos os olhos.
  Era cada coisa que éramos obrigadas a passar…
  - Então... – A morena tentou relembrar o nome do platinado.
  - Josh.
  - Então Josh, nós já estamos nos divertindo aqui. Não percebeu? Não queremos ir para sua área VIP se aqui em baixo podemos nos divertir muito mais e ainda curtir o ótimo show. – se levantou e me puxou para cima. – E além do mais, não queremos os conhecer melhor.
  O queixo dos dois caíram, muito sem reação e levemente putos com nossas respostas.
  Talvez tivéssemos sido muito duras com eles? Talvez. Só talvez. Mas depois de uma certa idade parece que sentíamos cheiro de problema quando ele se aproximava, e era tão difícil assim perceber que duas garotas não estão afim de te dar atenção quando estão deitadas tomando sol curtindo a vibe? E com certeza não levantaríamos dali pra trocar bebida grátis por alguns beijos duvidosos.

***
23h50pm

  Finalmente, após de horas esperando, anunciaram o show do DJ Eluk. E a alegria era contagiante. Porque ele era muito mais gostoso quanto ficava há alguns metros de nós. Um pedação de mal caminho.
  E havia sido uma tortura aguentar um dia todo por esse show, de verdade. Foi preciso muito café, lanches gordurosos, força de vontade e muito, mas muito, muito álcool mesmo. Nem sabia qual era mais o meu nome.
  Mas o de Eluk com todas as letras.
  Quando subiu no palco, nós três estávamos nos ombros dos rapazes, berrando para o homem desesperadamente. Óbvio que muitas outras nos imitavam, gritando até mais alto que nós, mas éramos as mais bonitas. Até apareceríamos na Vogue.
  - Gostoso! – berrei.
  - Me engravida! – me acompanhou.
  - Fofinho! – Brittany disse fora de contexto e nós duas nos viramos para ela, que deu os ombros. – Me pega que nem uma vadia, seu gostoso da porra! – berrou, indo mais longe ainda.
  - Relaxa, loirinha. Relaxa. – A morena a acalmou.
  Claro que ele pouco se fodeu para nós, afinal, éramos só mais umas num mar de garotas – e garotos – desesperadas para ter um pedacinho do DJ. Mas nenhuma delas eram tão inteligentes e nem haviam bolado um plano infalível como nós três.
  A música tocava forte e os efeitos especiais que ele usava ficavam óbvios com a noite, iluminando todo o festival. Fumaças e um show de luzes impressionantes.
  Eu berrava com toda força, batendo os cabelos em cima dos ombros de que curtia do lado de baixo. Batia palmas e cantarolava desesperada a letra das músicas que ele tocava. As suas e as remixadas.
  E depois de um tempo, desci dos ombros cansados do meu amigo e fiquei no chão, dançando com ele. Nós dançávamos da forma mais idiota possível e engraçada também, se muito se importar com os outros nos cercando.
  - Minha vez! – Brit gritou, colocando seu chifre de unicórnio que soltava luzes coloridas no escuro. Nós seis formamos uma roda ao redor dela, então a loirinha começou a arrasar na pista.
  Literalmente.
  Sua coreografia começou com uma expressão corporal, como se fosse uma bailarina e expressasse sua arte com o corpo. Dançando classicamente, até que a batida aumentou e ela surtou. Dançava desajeitadamente, batendo os braços e as pernas, balançando a cabeça e fazendo caretas dignas de um videoclipe da Sia.
  - É isso aí garota! – incentivei. – Mostra como se faz!
  - Vai Brittany, vai Brittany. Manda ver. Desce Brittany, vai Brittany. – cantarolava no melhor bebedês.
  A loirinha descia até o chão e subia, desengonçada demais e de forma cômica. Mas ela não dançava para seduzir, dançava para expressar seus sentimentos conforme sua arte corporal.
  Era sempre o que ela dizia quando dançava.
  - Minha vez agora. – Wallace tirou Brittany do meio, assumindo seu lugar.
  O rapaz dançava da melhor forma possível, era o único com essa habilidade entre nós. Dançava como mais cedo, girando e dando algumas piruetas, arrastando os pés e cruzando-os, dando giros que me deixavam tonta só de ver.
  Até arriscou um moonwalk imitando Michael Jackson enquanto a música não tinha nada a ver com esse seu ritmo.
  - Vai Michael, – debochou e o rapaz nem ligou, descendo e subindo, rodopiando os pés pelo círculo.
  - Cai fora. – o expulsou. Junto com , os dois se posicionaram no meio e dançaram da forma mais... robótica possível.
  Nem era engraçado e muito menos impressionante, mas não os julgávamos. Nem todos nasceram com o dom da dança como o resto de nós quatro.
  - Ai chega, isso tá horrível. – expulsou os dois, que saíram reclamando. Ela me puxou até o centro e com a música sendo gritada pelos autofalantes, o DJ gritava e mandava mais energia.
  Arriscamos alguns passos enquanto a música ainda estava mais lenta, nos preparando. Então a música foi aumentando e aumentando, a batida foi se intensificando até que o DJ deu um grito.
  Nós duas começamos a rebolar, dando um daqueles twerk que Miley Cyrus não fazia mais. Mas nós que tínhamos bunda – ou quase isso – fazíamos por ela.
  Rebolávamos nossos quadris, dançando juntas e a cada vez que a música se intensificava, mais rebolávamos e batíamos cabelo. Já sentindo o cansaço me atingir, mas os gritinhos de incentivo vindo os outros quatro me animavam.
  Nós seis nos juntamos, continuando dançando todos juntos da forma que cada um sabia. E a cada vez que se aproximava de , ela não conseguia se conter senão flertar com ele até perceber que estava indo longe demais e corria para o outro lado, covarde pra caramba, deixando ele com cara de tonto.
  Ela foi até Wallace dançar com ele e o loiro saiu emburrado, indo atrás de algo para beber.
  Eu fiquei com e nós dançávamos juntinhos, perto até demais. Não que isso me incomodasse.
  - Eu nem disse o quanto você tá linda hoje, sabia?
  Sorri.
  - Ótimo, continue assim.
   estava hilário ainda usando seus óculos escuros, mesmo tendo anoitecido. Mal se importava com isso, ele se sentia na moda.
  Nós dançávamos de frente para o outro de nossa forma mais idiota possível. Imitando robôs ou qualquer passo fora do compasso que tentávamos fazer. Até passos mais sensuais tentávamos, mas no fim terminávamos em risadas.
  Então a batida da música foi mudando para algo mais... lento, só que sem deixar as batidas eletrônicas sumirem.
   deu a mão para mim, para que pudéssemos dançar juntos. Hesitei de início, mas uma dança não mataria ninguém, certo?
  Suas mãos tocaram minha cintura com delicadeza, mas sem força. Eu sabia que ele não queria me prender, ele estava indo devagar comigo, se mantendo cauteloso. As minhas mãos foram ao redor de seu pescoço, também sem ficarmos muitos grudados.
  Dançávamos sem qualquer tipo de contato visual profundo, mas estávamos lá. Eu com medo de pensar e ele com medo de fazer algo que pudesse me assustar e cortar aquele momento.
  A real é que eu nem sabia o que eu estava fazendo.
  Estava há um ano desde que terminamos dizendo todos os dias que éramos melhores amigos e apenas isso. Eu queria ser mais e ele também, só que algo em mim ainda não estava pronto para isso. E eu ouvia esse algo, porque sabia que estava certo.
  Errei muito, cedi bastante e várias vezes pequei, ficando com ele e fazendo mais do que eu devia. No fim, eu me sentia culpada por dar esperanças que ainda não estava pronta para dar.
  Tudo que eu precisava era de tempo. Tempo para poder ver como via antes de terminarmos. Tempo para acreditar que dessa vez não terminaria desolada como da última vez. E pelo lado bom, ele respeitava esse meu tempo, mesmo não conseguindo ficar longe.
  E eu não conseguia evitar certas carícias ou demonstrações que tínhamos, era impossível não estar perto dele, não tocar ele ou fazer qualquer carinho bobo que eu gostava de fazer. Só não ia mais longe, tentava manter minha cabeça no controle pra não acabar magoando ele. Com calma tudo se resolveria, certo?
   continuaria sendo meu melhor amigo, eu continuaria amando ele e ele me amando. Nada mudaria. Eu só precisava evitar deixar que meus impulsos falassem mais alto e eu acabasse me entregando para ele sem ter certeza que seria certo dar mais uma chance para nós.
  Era muito complicado de entender, de explicar e até de viver isso. Me deixava exausta ter que ser tão cautelosa, já que eu sou tão coração que se eu pudesse já teria esquecido tudo de ruim que passamos. Só que eu não podia fazer isso e nem devia.
  Só seria capaz de ficar com ele de verdade no momento que eu superasse tudo de ruim que passamos e pudesse confiar nele de novo.
  Por um momento, nossos olhares se encontraram enquanto dançávamos juntos. Um daqueles silenciosos e desconfortáveis momentos, em que ninguém fala nada e só ficam se encarando, mas dizemos tudo com o olhar.
   deu um sorrisinho meio triste e essa foi minha deixa. Estava passando dos limites.
  O soltei e me afastei, precisava de ar. Minha cabeça já doía e meu peito também.
  A pior parte de tudo isso, era que nem eu mesma sabia ao certo como isso acabaria.
  Procurei por uma de minhas amigas por perto, com a música tocando forte e minha cabeça já doendo, um pouco tonta. Precisava de ar, mas nenhuma delas estava a minha disposição.
  Brittany estava ocupada rebolando dura imitando os caras enquanto Wallace imitava nós dançando twerk, só que dessa vez rebolando sua bunda contra Brittany.
  Já estava perdida entre as pessoas, cantarolando e dançando Can’t Touch This alheia de tudo que estava acontecendo. Ela estava muito louca.
   Não a culpava.
  A música que o DJ Eluk tocava começou a diminuir e sua voz saía com mais clareza pelo seu microfone.
  - Muito obrigado por essa noite maravilhosa e por esse show incrível! – Despediu-se do público e nós já sabíamos o que aquilo indicava. correu até mim, com um sorrisinho nos lábios.
  - Vamos?
  - Só se for agora!
  Ela agarrou meu braço e nós nos seguramos firme, passando por todos os grupos de pessoas desesperados demais.
  Era hora de botar nosso plano em prática.
  Passamos por todo o festival, mais precisamente para trás do palco. Lá havia uma portinha que indicava os bastidores. E era exatamente lá que precisávamos entrar.
  Nós duas nos arrumamos antes, ajeitando nossos cabelos bagunçados e nossas roupas amassadas. Conferimos para ter certeza se nós duas estávamos realmente maravilhosas demais para continuar.
  E estávamos.
  Fomos até o segurança, tentando parecer menos bêbadas possível. Óbvio que ele não engoliu facilmente, mas tínhamos um sorrisinho nos lábios prontinhas para enganá-lo.
  Ele nos encarou, dos pés à cabeça.
  - Nomes?
  - Não estamos na lista... – tentei amenizar o fato mais importante. – Mas poderemos estar. – Dei uma risadinha.
  - Por favor, caiam fora.
  - Mas nós precisamos muito entrar…
  - E por quê?
  Nós duas nos entreolhamos. Não achamos que chegaríamos tão longe.
  Mayday. Mayday.
  - Ele esqueceu o... fone dele. – deu a primeira desculpa que se passou pela sua cabeça e eu precisei prender a risada.
  - E cadê o fone? – O segurança cruzou os braços.
  Fodeu.
  - Que fones? – perguntou confusa.
  - Meu Deus, nós estamos tãaaao bêbadas. – Cambaleei, tentando convencê-lo com a nossa atuação. Mas o homem de pedra nem se movia. – Nos desculpe. – Sorri, puxando para longe dele antes que fossemos presas.
  - Nós precisamos entrar nessa sala, de qualquer forma! – Bateu os pés.
  - E nós vamos.
  - Como?
  Sorri.
  Corremos novamente até os meninos e eu fui até , com um sorrisinho na boca. Ao me ver, ele deu um passo para trás.
  - Nem fodendo.
  - Por favor, arruma uma briga para nós entrarmos nos bastidores. – Fiz bico e seu queixo caiu.
  - Quê? Mas nem fodendo. Não vou arrumar briga nenhuma.
  - Por favorzinho... – Continuei fazendo bico e ele negou.
  - Vai sim. O te ajuda. – empurrou o loiro para o amigo, que não gostou nada disso.
  - Eu? Como assim? De jeito nenhum.
  - Se a situação fosse inversa eu entraria em uma briga pra vocês! – argumentou.
  - Isso por que você arranja briga sem alguém precisar pedir – riu provocando.
  - Larguem de ser chatos, é a nossa chance de conseguir conhecer um DJ famoso. – cruzou os braços. – A culpa é sua, , se você tivesse comprado os ingressos com direito aos bastidores, não estaríamos passando por isso.
  O loiro rolou os olhos.
  - E comprar os ingressos já não foi o bastante?
  - NÃO! – Nós duas gritamos juntas e os dois rapazes bufaram.
  - Esperaremos vocês no carro. Se vocês não chegarem logo, vamos deixá-las sozinhas aqui. - mantinha a cara fechada, mas sabíamos que eles nos ajudariam.
  Agradecemos da maneira mais dócil possível e saímos correndo, não sem antes vê-lo puxando briga com algum cara aleatório.
  Corremos de volta para o segurança que permanecia com a cara fechada.
  - O quê? – nem esboçou uma reação.
  - UMA BRIGA! – escandalizou. – Tá tendo uma briga, meu Deus, muito sangue e violência.
  - Onde?
  - Na pista.
  Rolou os olhos.
  - Esses adolescentes... – e saiu do posto, ordenando que outro segurança aparecesse e ficasse em seu lugar.
  Fomos rápidas o bastante para passarmos pela portinha que nos levaria até os bastidores. E entramos.
  Era a uma estrutura simples nem um pouco luxuosa. Havia algumas portas indicando os camarins. E nós fomos correndo até uma: a do DJ Eluk.
  E no mesmo tempo que chegamos em sua porta, ela se abriu e ele saiu. Vestindo a mesma roupa do show, só com uma toalha branca em seus ombros e um pouco suado.
  Ele se assustou ao ver nós duas, mas logo deu um sorrisinho às duas jovens belas que sorriam sedutoramente para ele.
  - Estavam me esperando? – fez piada e nós rimos, sem ter a menor graça.
  - A vida toda... – Meus olhos brilharam e cotovelou minha barriga.
  E ele riu.
  - Em que posso ajudá-las? Querem uma foto? Autógrafo? Posso saber o nome de vocês?
  Muitas perguntas.
  - Sou . – A morena se apresentou pela primeira vez com seu nome verdadeiro.
  - E eu . – A imitei, usando meu nome verdadeiro. – E sim, nós quere... – fui interrompida.
  - Ei, vocês duas! Penetras! – O segurança corria até nós e quase saímos correndo desesperadas para longe dali, se Eluk não tivesse se posto em nossa frente.
  Nosso herói…
  - Ei, deixem elas. São só fãs, não estão fazendo mal algum.
  O segurança rolou os olhos e deu os ombros.
  - Que se foda então.
  E saiu, deixando nós duas a sós com o homem maravilhoso, grande, musculoso e sorridente, que havia nos defendido. Estava apaixonada já.
  - Então, e , é um prazer conhecê-las. – Ele abraçou a morena como cumprimento e a mesma se derreteu em seus braços. E chegou minha vez, eu grudei no cara e não queria soltar, apenas soltei por educação, mas só depois de tirar uma casquinha.
  - Você é muito mais gostoso pessoalmente, – disse sem pensar.
  - ! – A morena me encarou chocada.
  - Quê? Você pensou a mesma coisa. – Rolei os olhos.
  - Mas você disse! Na frente do gostoso, digo, do cara.
  O homem gargalhava em nossa frente e nem estávamos fazendo de propósito, era apenas uma coisa que sempre fazíamos. Pelo menos ele havia gostado.
  - Gostei de vocês. As duas estão sozinhas aqui? Querem ficar mais um pouco?
  - Mas com certeza! – Demos pulinhos e entramos em seu camarim junto com ele.
  Óbvio que não fizemos nada demais, até porque ele não parecia ser esse tipo de cara. O que era um pouco triste. Apenas ficamos conversando e aproveitando um pouco dos luxos de conhecer gente famosa. E conhecemos mais ele, que além de muito gostoso, era muito inteligente.
  Enquanto estávamos sentadas no sofá do camarim de Eluk e ele contava histórias de sua carreira, principalmente de fãs até mais malucas que nós, meu celular e de vibrou.
  : Onde vocês estão? Estamos no carro esperando.
  : Cadê vocês, porra? Venham logo.
  Wallace: Não digam que foram presas…
  Brittany: Eu estou com saudades :(
  : Apareçam logo ou iremos embora sem vocês.
  : Tchau. Boa viagem para vocês.
  : Nos vemos em Hearst, beijossss.
  : Paz, porra.

  - Então, querem fazer alguma coisa? Querem dar uma volta? – Eluk sorriu e nós duas nos derretemos.
  A noite seria longa e com esse homem…
  Melhor noite de todas.

***
01h00am

  Sim, fomos arrastadas para fora do festival. E não estávamos felizes por isso.
  Quando nós duas e Eluk estávamos finalmente saindo para fazer algo a três, e apareceram como dois doidos e nos puxaram para fora, sem nem ao menos conseguir nos despedir apropriadamente do DJ.
  Felizmente conseguimos algumas selfies e um número pessoal.
  Estávamos no carro que havia alugado para ficarmos enquanto estivéssemos na área e ele era o que conduzia, afinal, era o único que não estava passado de bêbado.
  A rádio tocava a playlist de Britney Spears que eles botaram na tentativa de nos desemburrar. Mas seria um processo lento que precisaria mais que a Princesa do Pop.
  Quando a playlist chegou em From the Bottom of My Broken Heart, nós três fizemos um coro. Estávamos muito abaladas com o fim da nossa noite.
  - Qual é, era só um DJ. Larguem de ser dramáticas, – reclamou.
  - Cállate! berrou e ficou melancólica outra vez, cantando. – Mamãe estou apaixonada por um DJ, mamãe por favor não chore ele não usa pen drive…
  Então nós seis começamos a discutir sobre a atitude dos rapazes de ter nos arrancado dos braços do Eluk sem ao menos olharmos para trás... foi muito triste.
  Esperava que ele não estivesse magoado com nós duas.
  A gritaria começou, alguns xingamentos – principalmente em espanhol – foram ditos e enquanto Brittany cantava com toda a forma as músicas da diva para esquecer a briga, por um minuto nos distraímos e um barulho nos assustou.
  - Atropelamos algo?
  - Puta que pariu.
   freou rápido e nós seis saímos do carro em desespero, para ter certeza que não havíamos matado ninguém.
  Mas era pior que isso.
  O gatinho estava deitado no chão, completamente sem reação e eu entrei em pânico. Jamais havia presenciado isso. Éramos assassinos!
  - O que vamos fazer? Nós matamos esse gato? – Chorei e me estapeou.
  - Não matamos ninguém, fica calma. Só levarmos ele para o veterinário 24hrs aqui perto. Ele vai ficar vivo.
  Então o gato latiu.
  - Mas que porra é essa?
  - É um gato mutante! – Brittany berrou, saindo correndo de perto do animalzinho.
  - E o que seria um gato mutante? – arqueou as sobrancelhas curioso.
  - Uma gata fêmea que se apaixonou por um cachorro, mas o amor deles era impossível demais para ser aceito aos olhos de outros animais. Então ela foi embora, grávida de seus filhotes. E quando os seus filhotes nasceram, eles foram chamados de mutantes pelos colegas animais, porque latiam como cachorro, só que tinham a aparência de um gato. – Uma lágrima escorreu dos olhos de Brittany ao contar a história.
  - Uau.
  - Eu tô emocionada de verdade. – Respirei fundo, afetada pela história.
  - Continuando…
  - O que faremos com ele?
  - Não podemos sujar o carro com sangue, – reclamou.
  - Larga de ser... você. – rolou os olhos. – Vamos, eu sei o caminho.
  Os meninos pegaram o animal e levaram até o carro. Voltamos correndo para nossos assentos e deu partida, dirigindo até o veterinário enquanto o guiava.
  Enquanto isso o bichinho agonizava de dor nos braços de .
   dirigia na maior velocidade que podia, mesmo assim respeitando os limites e as regras no volante. rolava os olhos a cada vez que ele era totalmente certinho, mesmo em uma situação dessa.
  Ao chegarmos na clínica veterinária que tinha as luzes acesas, estacionou e nós seis saímos no desespero, enquanto o cachorro ainda gemia baixo nos braços do rapaz.
  - SOCORRO! AJUDA, AJUDA! – berrei, entrando na clínica e as recepcionistas me encararam preocupadas. Atrás de mim entrou com o cachorro nos braços e então elas chamaram um veterinário.
  - O que houve? – Um homem na faixa dos cinquenta anos saiu de uma das portas, usando um jaleco muito branco e uma expressão preocupada.
  - Nós atropelamos o gato mutante, – Brittany disse aleatoriamente e o homem assentiu. Enfermeiras o tiraram dos braços de e foram todos até a sala para examiná-lo.
  - Fiquem aqui, ok? – assentimos e ele entrou em uma das salas onde levaram o cachorro.
  Sentei em uma das cadeiras na recepção, esperando por novidades. Minhas pernas doíam e tudo que eu queria era ir dormir.
   se sentou ao meu lado e eu deitei minha cabeça em seu ombro, tentando relaxar um pouco. Havíamos feito tantas coisas em um dia só e nem estávamos acostumadas com essas correrias.
  Depois de uns minutos esperando por alguma notícia, o doutor saiu de sua sala e nos levantamos desesperadas, indo até ele.
  - Então, o cachorrinho vai ficar bem?
  - Bem... não é nada tão grave. Mas ele vai ter que passar por uma cirurgia e…
  Nem dei tempo.
  - Nããooooooo! – Joguei-me no chão em pratos, fazendo a melhor cena de drama da noite. Tendo até o veterinário me amparando.
  - Deixa ela doutor, ela é dramática e louca. Nem dá bola, – explicou.
  - Vai ficar tudo bem. Já pedimos pra ligar para os donos dele e logo eles chegam. A cirurgia não é muito complicada, fiquem tranquilas.
  - Graças a Deus. – Aliviei-me.
  Voltamos para os bancos e fiquei mais relaxada agora que sabia que o bichinho estava bem e tinha donos, sem culpa.
  - Meninas! – Brit apareceu dando pulinhos. – Nós somos famosas!
  - Como? – Os olhos de brilharam.
  A loirinha nos entregou o seu celular e nossa foto tirada mais cedo estava aparecendo em uma matéria especial da Billboard sobre o festival. Nosso queixo caiu, mesmo sendo apenas três anônimas, nossa foto estava em um site famoso.
  - Eu vou muito largar a faculdade depois disso. – A morena comemorou.
  - Isso ficou muito bom! – comemorei.
  Por pouco tempo.
  Meu celular começou a vibrar e o tirei o meu bolso. Encarei a tela e o nome do meu pai no visor.
  - Alô? – atendi.
  - QUE PALHAÇADA É ESSA ANN HUDSON? – ele estava bem puto. – ACAMPAMENTO COISA NENHUMA, NÉ? QUEM A SENHORITA PENSA QUE É PRA ENGANAR SEU PAI? VOLTA PRA CASA AGORA, OU EU VOU TE BUSCAR A FORÇA.
  - Pai…
  - ONDE JÁ SE VIU? MINHA FILHA POSANDO POR AÍ EM FESTIVAL DO DEMÔNIO. ISSO É CULPA DESSES SEUS AMIGOS NÉ? APOSTO QUE FOI AQUELA ENDEMONIADA DA QUE…
  Desliguei na cara dele.
  - Seu pai surtou? – segurava a risada e eu assenti, gargalhando em seguida.
  Já estava acostumada com os surtos do meu velho, mais um não faria mal algum. O bom era que dessa vez nem ele iria matar minha vibe.
  Pai: QUEM VOCÊ PENSA QUE É PRA DESLIGAR NA MINHA CARA, ANN HUDSON? VOCÊ ME PAGA! ESPERA SÓ QUANDO VOCÊ VOLTAR. ESPERA SÓ!
  : Número errado. Tente de novo mais tarde.

  - Bom, agora eu sou sem-teto. – Dei os ombros. Porque não era uma realidade distante. Da forma que meu pai reagia à essas coisas, capaz sim de me expulsar de casa apenas por ter usado um vestido decotado e comparecido à um festival.
  - Relaxa, se for expulsa eu te ofereço teto. – Brit sorriu. – A não ser que você queira ficar com a ... eu até prefiro.
  Rolei os olhos.
  - Sou tão ruim assim?
  - Claro que não. – As duas me abraçaram, mas as empurrei.
  - Saiam, falsas. – Dei a língua.
  Só tinha algo em minha cabeça que eu não conseguia entender…
  Como meu pai sabia o que era Billboard?

***
03h00am

  Passamos a madrugada esperando notícias do cachorro e até que seu dono aparecesse. Óbvio que apareceu e era um homem lindo, com sorte, ele ficou tão agradecido e comovido comigo que me passou seu número.
  Dia de sorte.
  Depois daquilo, sugeriu para que terminássemos a noite em um bar que um estilista famoso de nome difícil havia entrado e disse que tinha os melhores drinks. Mas acho que ele havia errado o endereço.
  Não era um bar chique, muito menos de classe como todos os que pessoas famosas vão. Era um bar simples, rústico e cheio de homens enormes. Porém muito simpáticos.
  Usamos as nossas identidades falsas para conseguir bebidas – menos – e de fato, as bebidas eram muito boas. Um pouco mais fortes do que esperávamos, mas muito boas. Valia até a pena vir aqui mais vezes.
  Enquanto eu enchia a cara com algum drink que tinha uma boa quantidade de álcool, conheci Robbie, um motoqueiro com uma tatuagem enorme de uma cobra que se enrolava em todo seu braço.
  Ele me contou um pouco sobre sua vida. Sobre ser divorciado, não ter filhos e muito menos querer crianças. Não agora. Ele ainda se sentia jovem demais para isso. Contou que tinha descendência italiana e que sabia cozinhar massas como ninguém.
  Óbvio que a cada cinco minutos na conversa ele tentava jogar um flerte para mim, mas eu apenas respondia com “uhum, vamos marcar”. E iríamos? Jamais.
  Olhava para os lados, procurando pelos meus amigos e até então nenhum deles fazia nada. Apenas sentada no colo de um motoqueiro e conversando mais “intimamente” com ele. não tirava os olhos dela, mal esperava para a hora que o loiro iria arrumar briga com o motoqueiro.
  Espera, não. Era o . Sem brigas. Talvez ele pague ao motoqueiro para deixar em paz. Ele explodia com ciúme, mas não dava o braço a torcer expondo qualquer reação.
  Mas sim estava a ponto a esganar o tatuado perto de mim, que não tirava os olhos de minhas pernas. A sorte dos dois – e azar do tatuado – era que eu estava tão exausta, bêbada e esgotada, que nem estava pensando nele nesses fins.
  Queria outra coisa agora.
  Mais um drink.
  Levantei e deixei o tatuado falando sozinho, voltei para os meus amigos e me sentei ao lado de , pedindo mais uma bebida para mim.
  Brit e Wallace debatiam sobre algo que eu estava com preguiça demais para ouvir, mas parecia muito interessante, já que a loirinha estava revoltada – algo que jamais acontecia.
  - Cansou do motoqueiro, é? – puxou papo, já debochando de mim.
  - Não enche.
  - Te encher é o que sei fazer melhor, amor. – Sorriu para mim e eu continuei de cara fechada, só esperando pela minha bebida.
  Tomei um gole da minha bebida e depois mais um, depois mais um e mais um.
  Até que a terminei.
   apareceu, descabelada e com uma expressão cansada e frustrada.
  - Vamos embora? Isso aqui tá um porre.
  - Agora você quer ir embora, né? – riu, mas a garota apenas respondeu com o dedo do meio.
   mal conseguia ficar em pé e quando pisei no chão, percebi que também mal conseguia. Havíamos bebido demais para um dia só e provavelmente demais para uma semana.
  Nós duas nos seguramos, uma dando apoio para a outra. Com medo de cair e quebrar um dente ou pagar um mico maior.
  Os garotos pagaram pelas bebidas e nós saímos do bar, sentindo os olhos dos motoqueiros em nós.
  Do lado de fora, um desejo para se realizar.
  Uma fileira cheia de motos, completamente bem estacionadas e organizadas. Era uma das poucas vezes que vi isso e queria registrar esse momento. Estava tão arrumadinho, valeria uma foto.
  - Vamos tirar uma foto com as motos! – sugeri e foi a primeira a topar. Depois Brit e Wallace. se encarregou de tirar as fotos e veio atrás, ficando junto conosco.
  Posamos. As meninas na frente e fazendo as poses mais femme fatale possível. Os meninos atrás, fazendo suas poses de machões.
  - Digam X. – Sorriu e tirou a foto.
  Mudamos de pose e ele tirou mais uma. E depois mais uma.
  - Tá ótimo. Agora vamos, – pediu.
  - Nah. – negou. – Vamos tirar uma em cima da moto.
  - Oba! – Brit comemorou. – Sempre quis subir em uma dessas desde que eu tinha 3 anos e me chamava Elliot.
  Nós três subimos em uma moto para fazer graça e os meninos cautelosos demais, se posicionaram longe de nós.
  - Desçam daí, vai dar merda isso. – Wallace alertou, mas ignoramos.
  - Tira logo essa merda, – mandei e posicionou a câmera.
  Tirou a foto.
  E quando descemos da moto, escorreguei e as duas cederam ao chão comigo. Mas não foi só isso, as motos também cederam e foram caindo. Uma por uma, como um dominó.
  O som que alertou que as motos haviam caído acabou chamando a atenção dos motoqueiros, que saíram do bar completamente furiosos.
  Enquanto os meninos saíram correndo com medo de morrer, eu e gargalhávamos sem parar, até que nossas barrigas doessem. Choramos de tanto rir daquela cena. E vendo que poderíamos ser as primeiras vítimas, e nos pegaram e saíram correndo conosco em seus ombros.
  Correram até o carro e nos jogaram lá dentro, dando partida da forma mais rápida possível enquanto os motoqueiros vinham atrás de nós, com suas motos rápidas.
  - NÓS VAMOS MORRER, PUTA QUE PARIU. – Wallace se desesperou.
  - NÓS NÃO VAMOS MORRER, WALLACE, CALA A PORRA DA BOCA. – E também.
  Eu e continuávamos gargalhando, para nós aquilo era tão engraçado que não conseguíamos parar de rir.
  - DO QUE VOCÊS ESTÃO RINDO, PORRA?
  - Caiu…
  - Que nem dominó. – deu um gritinho, rindo mais alto ainda.
  - Puff, caiu tudo. – Gargalhei.
  - Vocês são loucas. – rolou os olhos.
  - VAMOS PRA CASA POR FAVOR, EU QUERO A MINHA MÃE. – Wallace chorava e mudou o caminho.
  Estacionou na garagem da estação e saiu do carro em um pulo. Correndo para o lado de dentro enquanto ouvíamos os motores das motos mais perto de nós.
  - Corre, caralho. – Os garotos puxaram nossos braços, para que fossemos mais rápido ainda.
  - Pra cá, – Wallace sussurrou, nos empurrando para dentro do banheiro masculino.
  Ele trancou a porta e nos escondemos cada um em cada cabine. E sim, era um pesadelo.
  O fedor, sujeira e toda podridão que havia naquele banheiro masculino. Depois que chegasse em casa – ou na casa de Brit – tomaria uns trinta banhos, só para tirar toda essa inhaca.
  Esperamos alguns minutos, contando no relógio para ver se eles nos deixariam em paz. E deixaram.
  Os meninos saíram primeiro, tendo certeza que a barra estava limpa para nós. Então em seguida nós saímos, olhando toda a estação vazia.
   nos liderou até a pista para ter certeza se poderíamos pegar um metrô para irmos para casa.
  - Então, senhor... O metrô já saiu faz tempo. – A mulher deu os ombros. – Agora só amanhã cedo, a partir das sete da manhã. – Sorriu.
   chutou a parede e gemeu de dor. Eu e voltamos a gargalhar após de tudo isso que passamos em menos de uma hora.
  - Melhor. Rave. Ever, – nós dissemos juntas, gargalhando alto.
  E então Brittany vomitou nos sapatos de um estranho.

***
04h00am

  Finalmente havíamos chegado no hotel que havia conseguido a hospedagem, mas de fato, era a melhor coisa da noite. O hotel era um palácio belo para os meus olhos cansados e bêbados.
  Todo em tons esverdeados e dourado, com pitadas de branco e preto, tinha muitas coisas que lembravam construções mais antigas, coisas mais clássicas, porém com alguns toques modernos que deixava o lugar mais especial.
  Nós seis nos escoramos no balcão de mármore escuro, enquanto a recepcionista nos encarava sem muita reação. Alguém não havia tido um bom dia, com certeza. Não como o nosso.
  Estávamos um caco. Bêbados demais, cansados, com nossas pernas doendo e ainda um pouco traumatizados pelo incidente do cachorro e do bar de mais cedo. Porém tudo que queríamos era uma cama para deitarmos e descansarmos em paz. Era só isso que precisávamos depois de um dia como esse.
  - Reserva? – A mulher disse sem ânimo.
  - Greene.
  - Três suítes de casal... – mas foi interrompida.
  - Não, não, não. Pera aí. – protestou instantaneamente sóbria. – Como assim três quartos? Nada disso. Duas suítes de casal já estão ótimas. Cancela a terceira, agora! – Bateu os pés cansados.
  - Como assim? Como vamos nos dividir em apenas dois quartos? – Wallace rolou os olhos.
  - Sim. – E o acompanhou. – Muito melhor separar os casais e…
  - Nem pensar! – berrei. – Que merda é essa? De forma alguma nós vamos dormir com vocês, estão pensando o quê? Ou são duas suítes, ou vamos dormir em outro lugar.
  - E como vamos dividir isso, hein, gênias? – Wallace cruzou os braços e nós demos os ombros.
  - As meninas dormem em um quarto e os meninos em outro, oras.
  - Nem a pau... – reclamou e nem o deixou terminar.
  - Ou é assim, ou gastou dinheiro à toa. Não vamos dormir com vocês.
   coçou as têmporas, um pouco irritado.
  - Tudo bem. Duas suítes. – Pediu para a recepcionista.
  - Quartos ao lado, senhor?
  - Tanto faz.
  Não entendia onde, como e por que eles imaginaram que dividiríamos os quartos por casais. Era apenas uma tentativa escrota e falha de tentar ficar sozinhos conosco? Porque foi horrível.
  Fomos direto para os quartos. Éramos vizinhos, os dos meninos era o 67C e o nosso 69B.
  Destrancamos a porta usando o cartão que recebemos, a única coisa que queríamos era entrar logo nele.
  - Então, qualquer coi... – foi calado, com a porta se fechando em sua frente antes que falasse algo. Não queríamos saber deles, queríamos aproveitar a noite de luxo pelo menos uma vez antes de voltar para a realidade.
  E foi muito bom.
  O quarto era lindíssimo. A cor bege misturada com o dourado e os detalhes dos móveis em tons pastéis. A televisão enorme na parede e a cama maravilhosamente grande e macia. Eu já estava acostumada com essas coisas, mas já as outras duas…
  Vi se emocionar com tamanho luxo. E a única coisa que Brittany fez foi tirar os sapatos e começar a pular na cama, óbvio que eu e a acompanhamos. Pulamos juntas naquele colchão macio e delicioso, dando gritinhos de alegria enquanto isso.
  - Caralho, tem um minibar aqui. – desceu da cama, correndo para a pequena geladeira e abrindo-a, vasculhando e tirando as bebidas que haviam dentro.
  - Isso é caro pra caralho, melhor nem chegarmos perto. – Tentei alertá-la, mas deu os ombros.
  - Quem é que tá pagando mesmo?
  - O .
  - Então não só podemos, como devemos aproveitar cada pedacinho desse lugar. – Sorriu maldosa, enquanto saboreava os chocolatinhos e bebidas caras.
  Brittany berrou do banheiro e corremos até lá. O belo espaço branco e dourado, completamente limpo e organizado não havia nada de errado. Então percebemos o que a loirinha viu e começamos a gritar junto.
  Uma banheira enorme.
  - Vamos? – Brit sugeriu, com os olhinhos brilhando.
  - Mas é claro! – gritamos em uníssono e demos pulinhos.
  - Vou preparar o banho! – a loirinha se prontificou.
  - Enquanto ela prepara o banho, , pede serviço de quarto. Vocês estão com fome? Porque eu tô.
  Assenti, indo até o telefone e ligando para o número do serviço de quarto. Abri o cardápio e vi cada opção, mas todas tinham zeros demais para pagar depois. Respirei fundo.
  - Isso aqui é muito caro, será que podemos fazer isso? – Senti um pesar em fazer arcar com todos nossos gastos, mas me encarava com reprovação.
  - Repito: quem é que tá pagando?
  - .
  - Então devemos fazer isso. Ele jamais iria aceitar que suas melhores amigas passem fome, certo? – Sorriu.
  Dei os ombros.
  - Então, queremos... Umas três pizzas e... muitos sundaes. – Salivei só de imaginar a quantidade de gordura e açúcar que saborearíamos em apenas uma refeição. – Isso... 69B. Obrigada.
  Desliguei o telefone.
  Brittany voltou para nós, apenas de lingerie e com um sorriso animado no rosto.
  - O banho tá pronto, vamos? – Deu pulinhos e nós acompanhamos. Tiramos sapatos e roupas, ficando apenas de lingerie.
  A campainha tocou e estranhamos, já que não fazia nem dois minutos que eu havia pedido o serviço de quarto, mas como gente rica é sempre prestativa, não me surpreenderia já terem feito nosso pedido.
  Corri animada para abrir a porta e a abri toda de uma vez, ignorando se algum funcionário nos visse apenas de lingerie. Mas não era nenhum funcionário, era pior.
  Em minha frente tinha um , um e um Wallace boquiabertos, com visão privilegiada de nós duas – eu e – seminuas, em um quarto, sozinhas. E como a cabeça de homem sempre é pervertida…
  - É... Então... É... – engasgava, completamente ofegante.
  - Vocês vão vir para a banheira ou não? – Brittany berrou, indo até e a loirinha estava completamente molhada e cheia de espuma. – A água tá uma delícia!
  E essa frase saiu obscena demais na cabeça desses três marmanjos que não paravam de babar em nossos corpos.
  - Puta que pariu, eu tô no paraíso. – Wallace sussurrou, mas eu consegui ouvir.
  - Deus me perdoa por tais pensamentos... – E orou baixinho.
  - Então... Pelo amor... – fechou os olhos.
  - O que vocês querem? – perguntei impaciente.
  - Nós... trocar... de quarto... urgentemente... – gaguejava, implorando por algo que nenhum deles teria, principalmente agora depois dessa cena patética.
  - Não. Boa noite. – Sorri e fechei a porta em suas caras, enquanto argumentavam e choramingavam.
  Nós três nos entreolhamos e gargalhamos, bêbadas demais para nos importar se aquilo era errado demais.
  - Então meninas, – disse alto, para que eles ouvissem atrás da porta. – Vamos para a banheira ou não?
  E eles gemeram do outro lado.
  - Nossa, tô sedenta pra ensaboar sua bunda, . – Brinquei.
  E eles gemeram.
  - Posso usar seus seios como travesseiro, ? – pediu Brit.
  E eles gemeram mais um pouco.
  - Vamos, a água tá uma delícia e a noite é uma criança. – continuou. – Já pedimos o fondue e os morangos.
  Gemeram mais ainda.
  - Vamos dar um jeito neles? – sussurrei e as duas assentiram.
  Abri a porta novamente e os três estavam agachados no chão, ouvindo tudinho que dizíamos. Eles se levantaram em um pulo ao me ver na porta.
  - Então, nós resolvemos reconsiderar.
  - Sério? – se animou um pouco demais.
  - Claro! – veio por trás de mim. – Nós não podemos deixá-los dormir assim, precisamos refrescar um pouco a cabeça de vocês.
  - Oh, por favor. – sorriu contente.
  Então a morena tirou de suas costas o balde de gelo que estava no minibar, tacando a água gelada nos três patetas em nossa frente. Eles berraram, agora refrescados demais e prontos para dormir.
  - Boa noite, pervertidos. – E fechei a porta novamente.
  Demos mais uma daquelas gargalhadas e agora tínhamos mais uma história inacreditável para contar. Mais uma noite memorável que só nós tínhamos.
  Fomos à um festival, arrumamos briga, nos apaixonamos pelo DJ, partimos o coração do DJ, passamos a madrugada em um veterinário, depois quase morremos na mão de motoqueiros enfurecidos e terminamos mostrando para os rapazes como nós mulheres respondendo à meninos.
  Muitas histórias para contar... E só foi a primeira noite de muitas que ainda virão.
  - Agora... será que podemos ir para a banheira ou não?
  E eles gemeram pela última vez.

Capítulo 06 - Parte 1


  : Está me ignorando?
  : Nunca (:
  Ele me enviou uma foto. Um print screen da tela, ele conversando com a minha agora ex melhor amiga.
  : está me ignorando?
  : Sim.

  Apertei os olhos pra toda aquela traição e mandei uma mensagem para a ratinha.
  : , vai se foder (:
  : <3

  Voltei para a outra conversa.
  : (:
  : Não posso responder agora. Muito ocupada. Entrando em um túnel... Shhhhhuuaaaa barulhos de chiado.
  : Eu acho que isso não funciona com mensagens.

  - Senhorita Vega, celulares desligados em momento de explicação.
  O professor careca disse bravo e guardei antes de dar uma piscadela em sua direção. Ele engoliu seco e tossiu um pouco antes de voltamos a segui-lo, atravessando a rua, toda a turma, diretamente para um apartamento perto do campus que aparentemente serviria para o experimento da sua aula.
  Já falei que Hearst é uma faculdade de muito prestígio em Los Angeles? Pois é. Se não fosse, pessoas como Greene e Hudson não estudariam aqui e eu não teria me matado de estudar por um ano para conseguir uma bolsa estudantil. Meu primo tinha uma ajuda pelo time de hóquei.
  Uma das peculiaridades eram algumas aulas que os professores faziam, diferentes, tentando mostrar que na prática aprendemos com mais facilidade que na teoria. E enquanto a Reitora e a faculdade tivessem verba (ironia) para os professores aproveitarem, eles nos fariam ter que aguentar adolescentes babões por horas e nos forçar a virar amigos não somente dentro, mas fora da sala, enquanto aprendíamos sobre índios e George Washington.
  Era um estudo inteligente. Tínhamos duas escolhas, estar aqui e encenar ou entregar um projeto de trinta folhas com todas as regras possíveis de formatação que eu não tinha saco ou tempo para reproduzir.
  Tudo vinha da aula da história da socialização e como nosso comportamento bruto tinha vindo bem antes da luta da ação de graças. Nas situações mais baixas demonstrávamos o nosso pior ou o melhor e ele tomaria nota disso de uma forma pessoal, estudando nossas atitudes em uma realidade alternativa.
  Um bom exemplo disso era como Rick era um santo do pau oco na primeira temporada de The Walking Dead e acabou virando tudo que julgava Shane ser na mesma temporada. O problema era que a mentalidade de Shane estava presa na sétima temporada enquanto o resto do pessoal estava preso nos anos iniciais. O que não justificava Shane ser o babaca que tentou estuprar a Lori, mas vocês entenderam.
  Eu tentei apresentar esse exemplo para o professor e ele nem ligou. Os alunos teriam entendido de primeira, isso eu tinha certeza. Ou melhor, poderíamos apenas assistir o Senhor das Moscas e fazer um debate, poderia ser até o livro, eu aguentava, mas não... Fazer alunos passarem fome por um dia é a melhor decisão do careca.
  De qualquer forma aqueles pontos extras salvariam minha pele e fechariam definitivamente minha entrada para a Zeta. Eu já tinha falado com meus pais sobre não poder ir para o restaurante fazer meu turno, já tinha levado um esporro do meu chefe na Marc Fontaine, e agora estava preparada pra aguentar uma prova de resistência dentro de um apartamento coberto por plásticos e câmeras, até que alguém do meu time resolvesse ser inteligente o suficiente pra descobrir como sair dali.
  Eu iria deitar em uma das camas, descansar de todo o quase coma alcoólico que me enfiei no fim de semana e esperar que o mundo girasse ao meu redor.
  O local que entramos estava completamente vazio, mas tinham muitos, muitos plásticos, guardando alguma pintura nova.
  - O estabelecimento está passando por uma reforma e foi um belo gesto meu amigo emprestar para que pudéssemos fazer nossa pesquisa social, – o professor disse andando rapidamente entre os corredores sem cor e tínhamos que correr atrás dele. – Essas câmeras? Vão notar que terão muitas delas em todos os cômodos, vocês serão monitorados a todo instante.
  - Monitorados por quem? – Dick perguntou. Ah, sim, ele também estava ali.
  - Alunos seniores.
  - E por que não professores? – quis saber.
  - Temos mais o que fazer. – Curto e grosso. Como se eu também não tivesse... – Um aluno da turma informatizada da faculdade foi quem instalou essas câmeras e mais deles estão a caminho para fazer parte do estudo.
  Ficamos no meio de uma sala esperando os seniores até que uma garota apareceu com uma sacola gigante. Abriu e distribuiu pijamas para nós.
  - Que isso? Um campo de concentração? – alguém perguntou.
  - Vistam, – o professor falou ríspido e tratei de colocar logo aquilo. Obviamente eu consegui administrar aquela roupa de modo que eu não parecesse tão... presidiária. Era um conjunto de malha simples e listrado, branco e preto. E eu não conseguia ver uma manga em uma blusa que já queria dobrar.
  Mais alguns rapazes e garotas mais velhos, os seniores, entraram e a menina das roupas entregou outro conjunto para eles. Eles continuaram com a própria calça jeans escura que usavam e colocaram uma blusa de malha simples como nós, porém a deles tinha a famosa estampa camuflada de exército.
  Não sei se estava gostando da rota que aquilo estava tomando.
  Fiquei parada em um canto escuro com dor de cabeça e braços cruzados. Meu fim de semana tinha sido épico, mas ainda tinha resquícios da minha desilusão com Eluk e veias pulsando na minha mente para dar e vender.
  - Seniores serão os guardas, juniores os prisioneiros, – o careca falou o que todos já esperavam. – Vamos às regras. Terá um tempo exato para o sono. Qualquer forma de abuso físico não será permitida. Prisioneiros poderão ingerir somente um certo número de calorias por dia.
  Suspirei alto antes de soltar um comentário inocente.
  - O que é isso? Algum tipo de novo reality show da MTV que vai estrear? Não lembro de ter me inscrito. Só uma vez, mas era em De Férias Com O Ex.
  Algumas meninas riram do meu lado e ele já estava carrancudo.
  - O que eu disse sobre abrir a boca na minha aula, Vega?
  - Não abrir? – perguntei. Ele acenou. E nem era o professor Hanks.
  Outra movimentação pela porta da frente e fiquei levemente nervosa, tentando me esconder atrás das meninas.
  - Tudo certo com a conexão, professor, – falou educadamente com o careca assim que entrou. Revirei os olhos. Tão puxa saco. E é claro que o destino o colocaria ali. Gostoso pra cacete em uma blusa igual camuflada verde escura.
  - Certo, – o careca disse. Nem parecia que queria me bater segundos atrás. – Todos já ouviram as regras. Mais uma coisa – ele pegou uma caixa de papelão que estava jogada por ali e entregou na mão do loiro –, nada de celulares, tablets, fones de ouvido, rádios de pilha, mp3, mp20 ou qualquer merda que vocês jovens usem hoje em dia. Ouviu isso, senhorita Vega?
  Bufei quando o olhar dos dois vieram pra cima de mim e deu uma risadinha irônica ao me notar ali. Ele passou por todos os alunos, recebendo seus objetos eletrônicos até que parou na minha frente.
  - Um túnel, é? – Queria uma explicação? Aqui não.
  - Sim, direto para o Inferno.
  Ele suspirou fechado um pouco os olhos. Dramático.
  - Adoro começar o dia sabendo que vou passar várias horas preso com uma latina gostosa.
  - Também adoro. – Sorri.
  - Não sou latino. – Estranhou.
  - Nem gostoso.
  O careca prestou atenção na gente, estávamos conversando baixo e ele chegou dando alguns tapinhas nas costas do prodígio.
  - Se certifique de que ela não tem nada escondido, está bem, Greene?
  - Sim senhor, – se prontificou e me emburrei. Ele não ia passar a mão no meu corpinho.
  - Sabia, senhor professor – eu não me lembrava do nome dele –, que quem estava me mandando mensagens àquela hora era seu menino de ouro aqui? – Sorri esperta e ele bufou.
  - não se mete com as meninas juniores. Muito menos meninas como você, . – Olhei chocada pro fodido velho. E o fodido novo riu. Alguém chamou a atenção do careca e ele olhou para lá, enquanto eu me livrava de mais algumas coisas que tinha no meu corpo, direto para caixa. Como fone de ouvido e carregador. Eles tinham avisado antes que não poderíamos usar eletrônicos, então me preparei…
  - Já vamos começar, – o professor falou ainda agarrado no .
  - Vai mesmo, velho nojento dos infernos... – murmurei.
  - O que disse, ? – Olhou atento para mim.
  - Que não vejo a hora de começar. – Sorri animadamente e corri para trás das garotas. Protegida.
  Agora o careca estava no meio, nossos aparelhos com os seniores do outro lado. Ele levantou uma placa para que somente nós, os prisioneiros, lêssemos.
  - Essa é a informação que os guardas querem de vocês. – Li rapidamente tudo e meu cérebro já estava encucado. Era um endereço aleatório. – Se não aguentarem e quiserem que todo experimento acabe imediatamente, apenas revelem para os guardas. Assim poderão ir pra casa.
  - Ou eu posso bater meus sapatinhos de rubi três vezes, – comentei e fui ignorada. Palhaça da turma em ascensão, prazer.
  O professor se virou para o nosso adversário.
  - Guardas, uma bomba vai explodir em 24 horas. Descubram o endereço até este exato horário. Se não conseguirem, prisioneiros vencem. Do contrário e eles conseguirem manter o endereço até amanhã, às 9 horas em ponto – se virou para nós. –, a vitória é de vocês.
  Ok. Compreensível. Ele se virou para sair tão rápido quanto entrou e deixou a última regra no ar.
  - Qualquer alarme falso será desconsiderado pelo time que me chamou e automaticamente o lado adversário será o vencedor.
  - Tchau, querido. – Mandei um aceno que ele fez questão outra vez de ignorar.
  Um garoto se aproximou de nós e já não gostei, tinha cara de babaca.
  - Quero todos os prisioneiros dentro de suas celas, agora! – falou autoritário e me segurei pra não mandar ir se foder naquele momento. Tinha que guardar voz para as próximas vinte e quatro horas.

9h00am

  Quando entramos na suposta cela não tinha nada de especial ou novo que já não tínhamos visto. Na verdade, não tinha nada. Um quarto com duas beliches e uma janela com grade.
  - Eu vou ficar aqui enquanto os outros distribuem os horários certos, – uma menina/guarda falou se sentando em um banco dentro da nossa cela, estávamos em pouca quantidade então acho que um dava pro gasto apenas um cuidando de nós enquanto outras cinco cabeças de vento tentavam pensar.
  - Sinta-se em casa. – Sorri e ela riu. Joguei minha mochila em qualquer lugar e subi para o segundo andar do beliche me espreguiçando antes de relaxar. Notei uma sensação de estar sendo observada e abri os olhos.
  - Não vai nos ajudar a ter uma ideia? – Enzo perguntou indignado.
  - Na verdade ela não precisa ajudar em algo... É só a gente manter a boca fechada e não contar o endereço, oras, – uma menina falou, seu nome era Valentina.
  Quem eu estava querendo enganar? Eu mal comparecia naquela aula, não sabia o nome do professor e muito menos dos alunos, que também estavam capengando na nota. Só decidi que a partir daquele momento chamaria todos eles de Enzos e Valentinas.

10h15am

  Outro guarda entrou. Fingiu que era o poderoso chefão e fez uma sessão de perguntas para Valentina 2. Quando ele achou que estava pegando pesado, mas mais parecia uma borboleta delicada, ela acabou gritando fingida e ele ficou com medo de ter machucado ela, ou seus sentimentos, porque afinal nem tinha encostado na menina.
  Ele saiu com medo indo atrás de outro guarda. Rimos muito. Ficamos sem jantar.

15h00pm

  Um fodido que se achava o rei do mundo entrou e confiscou nossos colchões. Armei um barraco fenomenal e acredito que até consegui inventar alguns palavrões novos para o dicionário espanhol. Fiquei orgulhosa de mim mesma.
  Os guardas ficaram putos, o pessoal do meu time disse que não tinham nada a ver com minha loucura e somente eu fiquei sem jantar. Tramei minha vingança por algum tempo. Não funcionou. Fiquei com preguiça.

19h00pm

  - Como é triste o meu viver – cantei melancolicamente – graaaaaande é a minha mágoa…
   entrou naquele humor largado e confiante e se sentou no banquinho dos guardas. Algumas meninas se sentaram eretas colocando o peito pra cima e minha cabeça, que estava na bunda de uma Valentina que servia como travesseiro, foi parar no chão. Palhaçada.
  - Ai, – gemi massageando o local do meu futuro galo e choraminguei mais alto. - Eu quero fazer xixi.
  - Pode ir – Valentina disse –, mas isso consiste em ter que dar o endereço e eu teria que te matar.
  Bufei.
  - Vaca sem coração. – Suspirei e notei que estava sendo o burro do Shrek na viagem até tão, tão distante. Qualquer pessoa ali a qualquer segundo poderia me dar um tiro e eu não ficaria surpresa.
  - Ei brô – Dick acordou de seu sono sentado e fez um toque com . –, preparado para a derrota?
  A cara de foi no chão e gargalhei. Ele olhou feio pra mim.
  - Não é a primeira vez que estamos em um processo acadêmico desses, Dick – sorriu de lado. – Certamente não vai ser a primeira que você irá vencer.
  - Já ganhei aquele do cemitério, – se defendeu.
  - Isso porque eu estava do seu lado do time. – Ergueu a sobrancelha.
  - Sei não... - Dick começou. – Aprendemos muitas lições quando somos derrotados.
  - Então você deve ser um gênio, – o cortou.
  - Essa doeu em mim – ri, pegando uma caneta marcando em minha pele uma sessão de números. – 1, Dick 0.
  - Uma caneta? – Olhou interessado. – Nenhum guarda viu que você estava com um objeto não listado?
  Bufei para o loiro.
  - Nenhum guarda viu que você blá blá blá, – fiz voz manhosa. - Claro que não. Eu deveria ter mantido meu celular, esses guardas são muito fracos pra revistar de verdade. Enzo 5 quase chorou quando passou a mão perto da minha bunda e eu disse que poderia denunciá-lo para o professor.
  - Isso é muito, muito malvado, mesmo pra você. E quem é Enzo 5?
  - Ah, sei lá , não tenho todas as respostas do mundo. – O pessoal acompanhava nossa conversa interessado. Já que não tinha televisão. – E olha só o que eu fiz, – falei sorrindo e levantei a manga da minha blusa. – Isso aí, ninguém pode mexer comigo agora.
  Eu era uma artista nata, todos sabiam disso, mas agora eu tinha certeza que poderia seguir carreira como tatuadora.
  O desenho com a caneta nos músculos enormes do meu braço esquerdo mostrava os traços belíssimos de uma âncora embaixo de um unicórnio usando uma faixa de miss com a palavra mãe. Eu era oficialmente uma prisioneira. Uma perigosa.
  - Meu Deus – olhou pra minha obra de arte sem saber o que dizer e adotou uma feição tristonha. –, você está bem ? Há quanto tempo não deixam você comer alguma coisa?
  Apertei meus olhos para o engraçadinho.
  - Há muito tempo – Valentina reclamou –, pelo menos a comida calaria a boca dela.
  Belisquei seu braço e ela me deu um tapinha. Já éramos melhores amigas, assim. Um dia eu descobriria o nome real dela. Enquanto isso a bunda dela era boa para travesseiro.
  - Eu não sei, , eu estou sofrendo, saudade de casa, nem avisei minha avó, ninguém poderá pagar minha fiança, – fiz meu teatro no melhor sotaque country que existia em mim. – Você poderia trazer um baralho de cartas e alguns cigarros de palha pra mim, amigão?
  Ele continuou olhando pros meus olhos com aquela cara de “o que eu vou fazer com essa menina, meu pai do céu”.
  - Sim eu posso te arranjar qualquer coisa... – sorri esperançosa - ... Se me contar o endereço.
  Coloquei minha cara no chão. Literalmente. Espertinho.
  - Você sabe o que, meu bem... – Levantei e sentei ao lado de Dick, colocando um braço ao redor do seu amigo. Isso , olhe feio, sinta ciúmes. Tô nem aí. – Nós vamos vencer. Ninguém aqui vai abrir a boca pra qualquer coisa. Vocês são frouxos demais pra conseguirem algo com nosso time.
  - Será? – seguiu meu tom. – Se eu estivesse no seu time, começaria a me preocupar com você, já está fraca demais e poderia desistir e entregar todos jogando no ralo as horas que passaram aqui.
  - Eu nunca deduraria meu povo. – Estufei o peito.
  - Não diria isso de uma forma tão confiante. Você é muito emotiva, acertando no ponto e no momento certo, você acabaria cedendo, apenas porque está com raiva demais ou de saco cheio de estar aqui. Aos poucos pode arranjar inimizades aqui dentro e vai querer se vingar de alguma forma e... – Se arrumou na sua cadeira parando de me encarar, eu olhava brava pra ele. –, e sabemos o final da história.
  Fiquei quieta. Iria falar o quê? Que era mentira? Que eu não ficava com raiva fácil e poderia colocar tudo a perder? Por isso eu fui direto pro colchão dormir, de boca fechada eu seria melhor do que tentando desvendar o caso.
   - Olha, ela ficou quieta, – um Enzo disse feliz.
  - Calado. – Não veio de mim, veio de , bravo. Sorri para Enzo mostrando a língua e quando me virei para a cara séria de , desviei o olhar. Gente sem senso de humor…
  Depois de um tempo ele se levantou para sair, acabou seu turno.

21h00pm

  Dividiram as pessoas do nosso quarto com mais algum plano mirabolante dos guardas. E estava aqui de novo enchendo o saco.
  Estávamos jogando xadrez, Dick tentava entender metade do jogo e o resto do pessoal dormia em somente uma cama que foi liberada. Um colchão. Tortura.
  - Quem ganhar, ganha o quê? – o oxigenado perguntou.
  - Fora a boa nota? – falei movimentando uma peça.
  - Sim. Poderíamos ganhar algo mais divertido. Nem sei por que está aqui.
  - Porque eu estou testando novas fiações e instalações pra aula de engenharia elétrica e isso ajuda um pouco…
  Ele ia continuar com um sermão do seu lado nerd florescendo e bocejei alto. olhou feio pra mim.
  - Não, por favor, continue.
  - Não quero incomodá-la. – Arqueou a sobrancelha sedutoramente e moveu outra peça. Percebi que não importava quanto tempo passássemos juntos agora, se não estivéssemos a sós ele não tocaria no assunto... Assunto nós.
  Encolhi os ombros.
  - Só tô cansada. E Dick está certo, sabe? Além das notas, a gente deveria fazer esse jogo ficar mais apimentado.
  - É disso que estou falando. – Dick levantou as mãos. – Vamos fazer uma aposta. e eu contra .
  - Eu não quero uma parceria com você. – Franzi o cenho.
  - Ah, menina, vamos lá, estamos no mesmo time de prisioneiros.
  - Tá com medo ? – sorriu. – Xeque.
  Eu ri.
  - Eu não tenho medo, não sei o que é isso. – Movimentei uma peça tirando o seu xeque. Sai pra lá.
  Dick sorriu.
  - Agora sim ganhou meu respeito.
  - E o que eu faço com isso? Enfio no…
  - Então o que vai ser? – me cortou. Ele não gostava quando eu falava palavrões. Gente com etiqueta cansava minha beleza.
  - O que você quer, meu bom homem? – Dick lhe deu a primeira palavra.
  - Se eu ganhar... – pensou por um tempo e olhou pra mim malicioso. – Eu quero ver sua tatuagem.
  Gargalhei. Frouxo. Em um segundo levantei minha blusa e lá estava, logo abaixo do meu mamilo esquerdo. Um arco íris em cima de uma frase delicada que eu mesma tinha escrito para o tatuador. “How deep is your love”.
  Os dois engoliram seco e abaixei sem me abalar. Na verdade, eles estavam abalados.
  - Você pode fazer melhor, – debochei e ele não levou na maldade. Afinal, ele tinha acabado de ver meu peito. Tinha outras coisas pra se preocupar.
  - Eu também quero ver sua tatuagem, – Dick disse devagar como se não tivesse acabado de ver. Lerdo. Dei um tapa na cabeça dele e ele riu infantil. – Aquilo era um piercing?
  - Sim. – Encolhi os ombros.
  - Ok... – suspirou e quando voltou a falar sua voz estava mais rouca. – Um book fotográfico, seu, de nudes, – declarou, e mais soava como uma pergunta.
  - Não – eu ri.
  - Valeu a pena tentar... Eu não consigo pensar em nada bom agora.
  - Eu sim. – Sorri marota. – Se eu ganhar, vocês dois terão que fazer uma passagem nua no meio de uma das festas da Zeta.
  - O QUÊ?! – gritaram inconformados. Notaram o barulho que fizeram e abaixaram o tom. – Por que isso?
  - Precisamos de visibilidade. Não estou interessada nos corpitchos de vocês, juro. Mas isso daria muito o que falar, não é? Dick, você já está acostumado a levar patada da vida que nem eu, se for pra sala da Dona Didi vai superar, e você , puff, nem vai sofrer penitência.
   respirou fundo, pensando naquilo.
  - Ok, – concordaram e apertei a mãos dos dois com força. Dick se tocou de uma coisa.
  - Não estávamos no mesmo time?
  - Se eu ganhar, vocês vão pagar o pato, – falei óbvia.
  - Mas se você ganhar, significa que Dick também ganha. – olhou confuso.
  - Não, meu bem... Vocês vão saber quando eu ganhar.
  Outro guarda entrou anunciando que era seu horário. Minha barriga estava roncando alto e bufei.
  - Volto outra hora, – falou baixo e já estava no seu modo melhor amigo preocupado. Ele podia até tentar, mas se alguns guardas soubessem que ele já tinha até me dado algumas barrinhas de cereais escondido, ele estaria fora. Eu queria ganhar aquilo justamente.
  - Traz uma gaita, – berrei acordando o pessoal da cela. Recebi algumas vaias e palavrões.
  Eu só estava tentando ser uma prisioneira fodona, poxa.

23h00pm

  Enzo 3 acabou de ser jogado de volta para a cela e estava com a cabeça molhada. De suor. Os guardas ainda não estavam tentando afogar a gente pra pegar uma resposta. Ainda.
  - Esse foi o pior, com certeza, aquele cara... Michael? É um babaca. Acha mesmo que tem qualquer liderança sobre nós e mesmo que não tenha abuso físico, estão fazendo um jogo psicológico. Eu estava quase fazendo xixi nas calças e ele não me deixou usar o banheiro. Tive que mijar na frente dos guardas dentro de um balde. Mas não abri a boca.
  Os guardas estavam agindo como babacas e não era novidade.
  - Isso é ridículo, vamos falar logo esse endereço e recuperar nota com outras chances, – Valentina 2 exclamou.
  Franzi o cenho. Qual é, só mais uma madrugada e ganhamos. De qualquer forma Valentina 2 tinha um pouco de razão. Estávamos em equipe e se alguém não estivesse aguentando e quisesse falar, não deveria ser linchado pelos demais, afinal, eu esperava não ser linchada se isso acabasse escapando sem eu querer. E da minha boca.
  Enzo 3 suspirou e se sentou no colchão que liberaram pra ele.
  - Eu já estou bem. Não vamos acabar com tudo agora, falta pouco. E além do mais, eu nem me lembro da porcaria do endereço. – Riu.
  - Dois, – Dick disse.
  E uma sequência de pessoas se puseram a falar que também não se lembravam.
  - Número 58 da West Boulevard, Vanice, – murmurei sem muita importância.
  - Não... – Valentina franziu o cenho. – Número 48 da West Vanice, em Boulevard.
  - Você quer discutir comigo? Sério? – Arqueei uma sobrancelha.
  - Não, mas... Eu me lembro – tentou pensar e suspirou. –, acho.
  - Olha, eu sei que não sou a melhor da turma, mas tenho uma memória boa, ok? Atingi a pontuação máxima no teste de lógica e confie em mim, é a 58 da West Boulevard de Vanice. - Todos suspiraram sem vida e fiquei insegura de ter liberado o endereço. – Qual é, gente, como o Enzo 3 aqui disse, falta pouco, não desistam agora.
  Alguns acenaram, alguns assentiram, alguns se viraram para dormir e o menino que havia acabado de chegar ficou duvidoso.
  - Quem é Enzo 3?

3h00am

  - Acorda, – uma voz doce sussurrou pra mim e senti um carinho de leve no meu braço. Eu estava agora de volta no beliche do segundo andar, cortesia do meu loirinho preferido que tinha conseguido lutar pelos meus direitos de dormir melhor. Quando abri os olhos, vi aquele olhar me cobrir.
  Bocejei e ele sorriu de leve esperando que eu me levantasse.
  - Que foi? – sussurrei pra não acordar o pessoal.
  - Os guardas estão dormindo. Vem, vamos dar uma volta.
  - Vai infringir as leis? Você é capaz disso? - Abri a boca em um “o” chocado.
  - Vem logo – revirou os olhos e soltei um gritinho leve quando ele me pegou pelo quadril de cima da cama.

***

  - Não estava com fome? – perguntou quando chegamos em uma lanchonete barata. Só gente pobre e feia frequentava o lugar. Então, me senti em casa.
  Passamos por todos os guardas dormindo, era o turno de então tínhamos algum tempo pra voltar. E ele me trouxe aqui, jurando pagar tudo que eu quisesse comer.
   era simplesmente um anjo na vida de todos os seus amigos, ele não somente bancava a gente com tudo como fazia de tudo pra não deixar quem ele se importava na mão. Ele merecia algo por isso. Principalmente depois do choque que levou com a conta do hotel que ficamos após o show.
  - Eu vou querer seis hambúrgueres, um duplo e um sem carne, três porções enormes de batata frita pra levar e um refrigerante de três litros, – falei angelicalmente para a moça no balcão e notei me olhando assustado.
  - Se estava com tanta fome assim, por que não disse antes?
  - Não é pra mim. Eu vou alimentar meu povo, – disse decidida, como Scarlet O’hara faria.
  - Ok... – Ele pagou e fomos pra mesa esperar o lanche.
  - Eu pensei que fosse morrer de desidratação, – falei chupando o canudinho do meu milk-shake. Os hambúrgueres e batatas e refrigerantes já tinham sido devorados, obrigada.
  - Talvez com um ataque cardíaco... – Levantou um ombro.
  - Nem vem com discurso vegano pra cima de mim.
  - Nunca. – Rendeu-se.
  Em um tempo ficamos ali, o restaurante estava levemente cheio, alguns adolescentes e casais da nossa idade ou mais velhos aproveitavam a madrugada.
  - E então? – disse sério. Não... eu não quero essa conversa. Não agora.
  - Então o quê? – perguntei inocente.
  - Então que mal nos vemos desde a noite em meu apartamento, você tem me evitado, eu tenho que mandar suas coisas dos seus estudos por e-mail, você não me atende e quando saímos para um festival você fica bêbada a ponto de sentar no colo de um estranho só pra não precisar estar lúcida ao meu redor.
  Sério que ele ainda lembrava do motoqueiro? Até mesmo eu já tinha esquecido sobre isso.
  - Hm... – analisei. - E então o quê? – ele bufou e bateu de leve na mesa.
  - ... não se faça de sonsa porque você não é. - Gemi frustrada.
  - , o que você quer que eu diga? – Eu realmente não sabia.
  - Ah, não sei... talvez ser verdadeira consigo mesma uma vez na vida e falar que sente algo por mim? – Ele estava bravo. Muito bravo. Era bem sexy na verdade.
  - Quem disse que eu... – Ele apertou a mandíbula e me fuzilou com o olhar. Me calei. Ele segurou minha mão e tive que largar meu milk-shake. Infelizmente. Ou não. Não sei. Santa Demi me ajude.
  - Não fala isso, ... – sua voz estava mole. - Eu mostrei pra você, não mostrei? Que de todas as garotas, em qualquer lugar, modelos de biquíni ou não, você seria a minha escolha. Porque você me faz sentir aquilo. Você me fez falar um monte de baboseira romântica que de alguma forma fez sentido porque você era a inspiração.
  Ah menino…
  - Não, , isso aí é tudo da sua cabeça, são hormônios e... – Ele me interrompeu. De novo. Que faça sempre porque não sabia direito o que falar.
  - Não são hormônios. – Ele riu de leve. É, acho que não tinha como. Talvez se fossem os meus. – E não me trate como um garoto, , eu sei bem o que quero, só falta você se decidir.
  - Decidir o que exatamente? Que eu me lembre, éramos melhores amigos. Você disse que ia ser meu melhor amigo, combinamos indiretamente que íamos ser melhores amigos e não aquele tipo de homem e mulher que não conseguem ficar no mesmo quarto sem deixar que qualquer atração atrapalhasse.
  - Eu não estava no meio dessa decisão, – falou incrédulo. – Você é muito covarde…
  - O quê? – cuspi.
  - Sim. Droga. Me faz gostar de você e depois não tá nem aí pra isso. A gente tem um momento bacana uma vez e você já decide pular do barco.
  - Troca o disco, – bufei.
  - Francamente, minha querida... – bufou. - Você sabe o resto.
  - Eu só quero meu amigo de volta. – Fiz bico. E me lembrei de toda nossa conversa em seu apartamento. O porquê amigos não se declaravam para seus amigos. Era complicado.
  - Esse é o problema, já entramos em uma linha que não tem volta. Não dá pra sair com você por aí, vendo você ficar com outras pessoas, eu não iria aguentar, e também não iria aguentar que fiquemos separados, sem a amizade de sempre. Ainda mais sabendo que sentimos algo um pelo outro que pode ser incrível se for explorado, mas talvez nunca aconteça porque você tem medo de tentar. , eu quero que você entenda que eu nunca, jamais, estaria te cobrando algo como se só porque eu fosse seu amigo e fiz algo por você estaria esperando algum envolvimento. Mas no momento que você olhou pra mim aquela noite, eu sabia... – Ele tentava não aumentar a voz. Tentava se controlar. Seu olhar estava virado para a mesa e depois me fitou. Eu entendia o que ele quis dizer. – Eu sabia que você sentia o mesmo que eu. E agora que tenho certeza, eu não vou você deixar você em paz, garota.
  Por que aquela ameaça soou tão boa?
  Sorri balançando minha cabeça. Ele sorriu de volta, de lado, uma covinha.
  Peguei meu milk-shake e pensei. Pensei no quê?
  - Só me dê um tempo, por favor, – pedi sincera.
  - Tempo pra quê? – Revirou os olhos.
  - Pra eu poder pensar…
  - Pensar no quê?
  - Pensar no que eu deveria pensar.
  Ele acenou, não entendendo, mas entendendo. Eu também achava que não entendia, mas entendi.
  - Sabe, a gente devia só transar e pronto. Tiraria muitas questões do caminho, como meus hormônios, por exemplo.
  Gargalhei e notei ele sorrindo com a minha reação.
  - Quieto.
  Levantei pegando a centena de hambúrgueres da mesa – que ele pagou – e guardei na bolsa, preparada para alimentar meu batalhão. Ainda tinha que ganhar aquela droga. Ouvi ele murmurar antes de sairmos.
  - E é por isso que não fala nada pra . Se ela já é complicada, imagine você.

***
5h00am

  De volta a base, dei os hambúrgueres para meus amigos mantendo a identidade de em segredo para que não acabassem o entregando e acabando com o jogo. De 5 em 5 minutos os guardas tocavam “See You Again” pra que ninguém acabasse dormindo. O pessoal já estava bem puto. Eu estava bem. Só bem. Dormi o dia todo e depois comi a madrugada toda.
  Valentina estava bem irritada. Bem irritada. Não estava acostumada a dormir diretamente em estrados. Ah, status, eles tiraram os colchões outra vez.

6h00am

  Michael foi novamente um babaca. Enzo 3 não quis lhe dar respostas e ele prendeu o garoto em um quartinho escuro. Valentina brigou com ele e ficaram os dois lá presos.
  - Levem algumas camisinhas. – Dick riu safado e dei um tapa em seu braço.
  - Qual é o seu problema? – perguntei e ele deu de ombros.
  - Ninguém sabe quanto tempo eles ficarão lá. Vai que sei lá, precisem repopular o mundo.
  - Com camisinhas? – disse sarcástico.

7h00am

  Tínhamos apenas duas horas para conseguir a porcaria do endereço e parece que não importava o quê, eles não nos diriam. Na noite passada Mike quase conseguiu arrancar a resposta de um garoto, mas como foi de uma maneira bem idiota, fui forçado a fazê-lo parar. Pelo bem dos direitos humanos.
  Eu não poderia perder essa. Não depois de ter pensado em um pagamento perfeito para minha aposta. me agradeceria depois.
  Depois de ter me recuperado do suposto toco que levei na madrugada, coloquei a mente para funcionar. Vários métodos, várias perguntas, e a maioria deles era um poço sem fundo. Sem credibilidade.
  - E se a gente comesse frangos da KFC na frente deles? Qual é, aquele povo tá morrendo de fome, oferecemos um pedaço em troca do endereço, – Pamela, da minha turma, falou e franzi o cenho. Poderia dar certo se eu não tivesse alimentado os prisioneiros indiretamente aquela noite.
  - Robin preferiu mijar no balde na nossa frente do que nos falar. Comida não vai ser um problema pra eles superarem, – Mike falou.
  Suspiramos. Pense, pense, pense.
  O que Oprah faria?

8h45am

  O sono de Valentina parecia estar muito bom. Não tinha nada de interessante ali então fiquei olhando o pessoal dormir. Tudo silencioso. Tudo quieto. Maravilhoso. Estávamos quase lá. Até que um som de piano soou.

It's been a long day without you, my friend
And I'll tell you all about it when I see you again
We've come a long way from where we began
Oh, I'll tell you all about it when I see you again
  Eu ia matar quem escreveu aquela música. Eu ressuscitaria Paul Walker com minhas próprias mãos pra não ter que ouvir aquela merda outra vez.
  - CHEGA, – Valentina gritou. Jogando minha cabeça no chão outra vez retirando sua bunda-travesseiro de baixo de mim.
  - Meu Deus, Valentina, fica calma, estamos quase ganhando... – falei calmamente, jogada no chão como uma cabra.
  - Você – apontou pra mim com ódio –, para de dormir em cima de mim. Minha bunda tá ficando quadrada. E meu nome não é Valentina, cacete! E você – apontou para o guarda que estava com mais sono que nós. –, eu não aguento mais. Eu quero mijar, eu quero dormir em uma superfície macia, eu quero paz.
  - Ela só quer paazzz, – cantei baixinho. Ela ouviu. Ops.
  - Cala a boca, , pelo amor de Deus, eu vou pedir transferência pra não ter que ouvir sua voz outra vez. – Fiz bico. Magoou mamãe.
  - As pessoas tendem a amar minha voz, querida, eu sou cantora. – Mostrei a língua. Cara, ela estava tão puta, e era engraçado.
  Agora entendia porque meus amigos amavam me irritar. A diferença é que se eles não calavam a boca em um minuto, eu fazia eles calarem na marra.
  - Uh, meninas... – o guarda gordinho, o mais amigável deles, começou a falar. – Falta só quinze minutos, calma.
  Ele disse isso porque claramente Valentina estava irritada e louca pra contar o endereço. Vaca.
  - É Valentina... – falei sorrindo como um anjo. - calma.
  - Meu nome não é Valentina. – Ela veio pra cima de mim. Pensei que nossa amizade seria duradoura. Que pena.

8h55am

  O relógio estava na parede entre nossos dois times. Cinco minutos. Cinco minutos para derrota. Nenhum deles abrigou a boca. Silêncio. Paz. Logo acabaria e eu poderia ir pra casa tomar um banho quente.
  Acho que era isso que estava pensando, porque eu não estava pronto para perder.
  No momento em que deu 9 horas, meu time fez a pose, decepção, tristeza, prontos para a derrota. Só que não.
  As pessoas que se conheciam e estavam em times separados se abraçaram, fazia uma dancinha da vitória adorável e fiquei triste por ter que tirar aquilo da sua cara. Robin levantava as mãos para o céu e a garota que parecia ser amiga de estava com cara de alívio, mas receio, como se tivesse acabado de apanhar.
  - É isso, logo o professor vai estar aqui... – comecei.
  - Qual era a porcaria do endereço? – Mike disse com raiva e um pouco sem graça. Sem graça pela quantidade de merda que fez na noite por um simples endereço, talvez?
  Robin, que estava abraçando a amiga, foi o primeiro a se posicionar. Isso, querido, faça isso.
  - Não... – percebeu. E tentou impedir.
  - Número 48 da West Vanice, em Boulevard, – ele falou sorridente. Achando que tinha vencido. Pobre rapaz.
  Então o professor chegou, procurando sobre o veredito final. Repeti o endereço que Robin havia dito e o mais velho apertou minha mão sorrindo.
  - O que tá acontecendo? – Robin quis saber.
  - Eles trocaram o horário de noite, tá na cara. – Um deles suspirou alto.
  Isso aí querida, tanta produção para absolutamente nada. Vencemos.
  O professor sorriu por um tempo e deu uns tapas nas minhas costas em orgulho, até que finalmente falou.
  - Parabéns pela informação errada.
  Fechei a cara.
  - Como assim?
  Ele se virou para os presidiários e disse com convicção.
  - Parabéns, detentos, a vitória é de vocês.
  É o quê?
  A diaba já estava sorrindo vitoriosa, o sorriso de que sabia exatamente o que estava acontecendo e eu ainda estava perdido.
  - Todos aqui esqueceram a merda do endereço, cara, – Dick falou.
  - Sim, mas... – a amiga da começou. – Eu lembrava dele, gente. Eu tinha certeza que não era esse endereço que Robin falou.
  - Até que fez a gente acreditar que era a 58 da West Boulevard – Robin falou sorrindo. – Será que ela errou o endereço?
  - não iria esquecer o endereço, – bufei. – Ela tem memória fotográfica.
  - Tenho? – ela falou depois de um tempo vendo toda a discussão. E sorriu de forma diabólica. – Acho que esqueci.
  Ah, não…
  - Espera um pouco, – ela falou alto pra todos ouvirem, o professor sorria um pouco orgulhoso pra ela. – Isso quer dizer que eles não sabem o endereço de verdade e foram enganados por um truque simples que é falar o endereço errado? – zombou. – E o professor está aqui – apontou pra ele. O time dela estava sorrindo e quase comemorando. Os tapados éramos nós dessa vez. Éramos nós desde o início. – Minha memória é muito boa sim, mas acho que todos nós lembramos da última regra, não é pessoal?
  E então todos eles recitaram, era bonito de se ver, se eu estivesse naquele lado.
  “Qualquer alarme falso será desconsiderado pelo time que chamar o professor até aqui para verificar e automaticamente o lado adversário será o vencedor.”
  O professor olhou em seu relógio.
  - 9 horas e os guardas não souberam o endereço. Uma bomba explodiu, mas vocês ganharam.
  Ela ganhou. Ela disse que saberíamos quando ela ganhasse.
  Dick e eu nos olhamos. Estávamos fodidos.

***

  : Se eu não estivesse me sentindo um completo perdedor agora até que estaria orgulhoso de você.
  : Você já está orgulhoso de mim. Me diga. Eu sou muito inteligente. Eu sou esbelta. Eu sou um gênio. Eu sou Neil deGrasse Tyson da nossa geração.
  : O orgulho evaporou. Narcisista.
  : Tá.
  : Tenho um acordo para lhe propor.
  : Você vai aparecer na festa da Zeta, , não tem outra saída. Mas, quero ouvir o que você iria pedir em troca na nossa aposta.
  : Eu vou aparecer. Não tenho nada pra sentir vergonha, meu bem.
  : Modesto.
  : Já está quente aí? Me diz o que você está vestindo…
  : Não. Diz.
  : Estou usando uma boxer branca, posso mandar foto se quiser. De qualquer forma o que eu queria dizer era outra coisa. Meu pai vai dar um tipo de festa preciso ir pra pelo menos fingir que ele ainda tem contato com o filho e preciso de uma força extra. Todo mundo vai. Mas você sabe que é vital que você vá.
  : Tudo bem. E você sabe mesmo como cortar um clima leve.
  : Isso porque você não precisa conviver com você.
  : O que ia pedir na aposta?
  : Um desejo muito antigo, meu e de .
  : O quê? O.o
  : Que você e reencenassem seu primeiro beijo.
   Greene bloqueado.

***

  Já era tarde da noite quando cheguei na Zeta e encontrei uma loira peituda da irmandade tomando sorvete (um pote gigantesco) e assistindo alguma série de comédia. As luzes do quarto e cozinha estavam acesas mais no fundo e notei que provavelmente todas estavam ali.
  - Que tá acontecendo aqui? – perguntei me referindo ao seu estado de calamidade. Eu tinha passado vinte e quatro horas na prisão e ela que estava desgastada.
  - Ah, então quer dizer que a madame tá viva, – reclamou.
  - Eu estava na cadeia. Te mandei mensagem avisando.
  - Não recebi nada...
  - Por acaso lembrou de carregar o celular?
  - Também não…
  Rolei os olhos.
  - Que clima jururu é esse, mulher? Tá querendo combinar com a decoração da casa?
  - Desilusão amorosa.
  - ? – perguntei não entendendo.
  - E lá eu tenho cara de sofrer por marmanjo de faculdade? – brigou. Até que voltou pra voz chorosa e gemeu triste. – Eu quero o Eluk.
  Suspirei entendendo sua dor e me sentei ao seu lado. Nos aconchegamos no sofá e roubei seu sorvete.
  - Eu te entendo mais que qualquer um. O problema é que... foi só uma noite, . Nós vamos conseguir superar. Eu prometo.
  - Mas e se ele... se esquecer da gente? E se ele se casar e tiver filhos e nossos sonhos forem criados e despedaçados no mesmo dia em que saímos na capa da Billboard?
  - No meio da revista. Online.
  - Que seja. – Rolou os olhos.
  - A gente vai conseguir sobreviver. Somos fortes. Ele nem é tão bom DJ assim…
  - É – encolheu os ombros. – E tem uma voz meio infantil, né?
  - Sim... parece que está saindo da puberdade.
  De repente uma propaganda surgiu no meio da série, falando sobre a sequência de festivais na nossa área e a passagem de Eluk por LA. Ganimos alto, desoladas.
  - Mas é tão gostoso... – suspiramos triste.
  - Que tá havendo aqui? – Brit surgiu.
  - Desilusão amorosa, – repeti com o sorvete só pra mim e encarando a TV sem ânimo, como minha amiga.
  - Ok…
  A loira então gritou para que todas se unissem na sala. Era hora de bater um papo. Reclamamos quando ela fez questão de desligar a televisão quando meu ex Eluk apareceu em outro comercial. Triste…
  - Gente eu acho que tá na hora de fazermos algo pra mudar tudo isso, – Ana começou.
  - Já falamos sobre isso, não é a ajuda das patricinhas de Beverly Hills que vai fazer a gente conseguir manter nossa casa por mais um ano, – a vadia, ops, Morgana falou.
  - Eu estou apta pra aceitar ajudar, não nego, mas o que elas têm que pode ser útil pra nós? – Sabrina perguntou e pensei. Ana ia responder aquela e eu também queria saber o que tinha em nós que era útil pra elas.
  - Bom... são duas ex líderes de torcida, elas têm alguns amigos dentro das casas mais populares da Hearst e uma delas namora o filho do Marc Fontaine. – Ergui a sobrancelha.
  Aquela era eu? E na verdade, era neto do fundador da Marc Fontaine. Marc Fontaine era um tipo de pseudônimo do estilista que começou tudo. O avô do . Sim o avô do era gay. Não querendo assumir que todos os estilistas masculinos se interessavam pelos da mesma espécie, mas era real e revelado. E era legal saber que ele teve um filho com uma mulher sendo que ele preferia pintos. Na verdade, não é tão legal assim…
  Percebi que todas as meninas olhavam pra mim com expectativa e me perdi.
  - No que estava pensando? – disse Sandra sorrindo.
  - Nada importante. Perguntaram algo?
  - Vamos deixar nossa irmandade nas mãos dessas cabeças de vento? – Morgana gemeu.
  - Cabeça de vento é você que tenta combinar listra com xadrez. – deu a língua. Isso mesmo, muito ofensivo.
  - Eu só... Pensei que pra conquistar o cativo de outras pessoas deveríamos ser... nós mesmas, – Sandra disse baixo e apreensiva.
  - Não tem nada de errado em serem vocês mesmas – balancei a cabeça. –, mas se querem atenção de garotos e garotas, novos membros e aparições nos trabalhos filantrópicos, vocês precisam ser tudo, menos vocês mesmas.
  Eu não tinha certeza se aquilo soou bom ou ruim pela cara apreensiva delas.
  - Falando em trabalho filantrópico – Ana se animou – tenho algumas ideias.
  Todas elas fumegaram revirando os olhos. Ok…
  - Eu fiz uma lista. – Abriu a bolsa com dez mil chaveirinhos e e eu nos encaramos assustadas. Retirou um papel lá de dentro e entregou nas nossas mãos.
- Dia de competição de Magic;
- Traga sua tartaruga;
- Fazendo bolo de frutas com os amigos/vendendo bolo de frutas;
- Traga seus ossos! Vamos fazer uma escavação pela floresta de Hearst.

  - Tem alguma coisa errada com essa lista. – apontou.
  - Tem alguma coisa que não tá errada com essa lista? – Ergui uma sobrancelha.
  A única coisa que eu sei que agradaria três garotos, seria o evento com baralho Magic, mas não havia como , e Wallace pagarem pra entrar em um troço desses.
  - Eu nem sei como ganharíamos dinheiro com a escavação... – Sabrina deu sua opinião.
  - Ah, meninas – Ana sorriu animada –, venderíamos os ossos que encontrarmos…
  - Os ossos? Jura? No meio de uma floresta em Los Angeles? – Ri.
  - Daríamos sorte se encontrássemos algum osso que um cachorro enterrou, – grunhiu.
  - Vocês têm uma ideia melhor? – a bruxa da sala perguntou.
   amassou a lista e jogou na cabeça de Morgana. Olhamos uma pra outra maliciosas e eu sabia que pensávamos na mesma coisa.
  - Corrida de peixes! – Brit gritou.
  Suspiramos alto, bati a mão na testa e balançou a cabeça.
  - Não Brit... Não…

Capítulo 6 - Parte 2


  Era uma manhã de sábado. Dia do tal evento de gente rica e beneficente daquela família louca de e eu estava me preparando psicologicamente pra ir. Na verdade, eu adorava essas festas, era uma maneira que eu tinha pra fingir que era da alta socialite e normalmente estava lá pra tornar a noite mais divertida.
  Mas hoje eu não era uma convidada de . Eu era uma convidada de . Ele estava confiando em mim para ser uma boa amiga no ato de ter que fazer ele engolir todo aquele pessoal com um sorriso no rosto e pelo menos fingir pra mídia que tinha um bom relacionamento com o filho do fundador da Marc Fontaine. Se ele queria, eu iria.
  Estávamos passando por um período estranho na nossa relação, mas eu não iria deixá-lo na mão. Até por ser um assunto tão delicado na vida dele. Aos poucos eu comentava que mesmo ele sendo seu pai, e agora não estavam tão próximos, eu sabia e me lembrava que quando sua mãe estava viva ele e o pai eram melhores amigos.
  Depois que ela faleceu e seu pai começou a passar de casamento em casamento, eles se distanciaram. nunca me falou, mas eu conseguia ver no seu rosto que o problema era ele pensar que seu pai estava apenas substituindo sua mãe. Com algumas talvez pudesse ser, só que ele nunca iria encontrar a felicidade e perdoar seu pai se visse suas novas esposas apenas como inimigas.
  Ele já aceitava que a mãe não iria voltar, afinal fazia muito tempo, apenas não compreendia como deixar o rancor de lado e entender que seu pai também aceitou e decidiu seguir em frente.
  Lustrei mais uma mesa e voltei para a caixa registradora finalmente. A fada madrinha da Cinderela ainda não tinha vindo me visitar e eu estava vestida como empregada. Empregada chique.
  Minto, apenas jeans boyfriend e camiseta de crochê alaranjada. Que eu mesma fiz, com muito orgulho.
  - No que está pensando? – perguntei para minha abuela na sua cadeira perto da porta do restaurante David’s. O próprio David estava em uma das mesas fazendo sua tarefa de casa para que depois eu o levasse até a escola. Meus pais saíram pra pegar mais mercadoria com o fornecedor deles e me deixaram no comando.
  - Não te interessa, – cuspiu.
  - Grossa – bufei.
  - Estou com crises de raiva, , a sua prima Marbella me recomendou alguns jogos de tiro para eu comprar e jogar no Xbox do seu irmão. Ela disse que acalma os nervos. Mas ele não me comprou jogos de tiro. Eu quero meus jogos de tiro.
  Eu ia responder, até que um homem apareceu na porta do restaurante. Era cedo demais e dois dos nossos empregados/primos estavam fazendo a comida ainda para o pico do almoço. Mas não estava aberto.
  Fui até a porta de vidro avisar isso pra ele. Ele era um cara grande, tipo grande pra caramba, careca, negro e muito forte. Encolhi-me um pouco pela sua presença. Dava medo.
  - Abrimos as onze, – falei estranhando sua cara muito séria.
  - Não estou aqui para almoçar. A senhora Guadalupe Sanchez mora neste estabelecimento?
  - Sim – franzi o cenho. –, é minha mãe. Posso saber do que se trata?
  - Ela está? – perguntou sem delongas.
  - Não. Eu estou responsável pelo local, nem ela e nem meu pai estão aqui, posso saber do que se trata?
  Retirou seus óculos escuros e colocou na gola de sua camiseta social.
  - Meu nome é Everest Day e sou o diretor do colégio do que devo presumir ser o seu irmão, o senhor David Sanchez-Vega. – Assim que essas palavras saíram de sua boca meu sangue esquentou. Eu tinha feito muita merda no colegial, mas não a ponto de trazer o diretor para a minha casa, porra David.
  - O que ele fez dessa vez? – perguntei impaciente. Antes de ele responder, dei uma leve olhada para trás. Ele estava se escondendo atrás da cadeira de rodas da minha abuela. Eu ia matar aquele menino.
  - Aqui – ele me entregou alguns envelopes em branco. – Descobrimos que seu irmão vem falsificando a assinatura de seus pais nas notas pra não perceberem que na realidade, seu irmão vem cabulando aula há algum tempo. Faria mais sentido se ele sumisse nas primeiras ou últimas aulas, mas de alguma forma ele sempre está bem o bastante para sumir e retornar algum tempo depois para as aulas de futebol.
  Respirei profundamente.
  - Eu sinto muito por isso Senhor Day e prometo que ele vai se comportar daqui pra frente.
  - Espero que fale para os seus pais sobre isso senhorita... – falei meu nome. – . Uma correção familiar não é o suficiente, e se eles estão ausentes na vida do menino, eu preciso tomar providências o mais rápido possível, – disse duramente. A sua voz era tão grossa que eu sentia o chão tremer. Ok, não literalmente. De qualquer forma, acabei ficando mal. Meus pais eram ótimos pais e não mereciam ser julgados por culpa do meu irmão retardado.
  - Amanhã eles estarão cedo na sua porta, com o David junto.
  - Assim espero. – Acenou com a cabeça e partiu.
  Contei até dez antes de me virar. Meu irmão gritou como uma garotinha.
  - Eu vou te matar. – Saí correndo atrás dele e ele bagunçava as cadeiras para que eu me embasbacasse no trajeto.
  - Eu não sei do que ele estava falando... – Era cômico ver ele com medo.
  - Você é um mentirosinho da peste, sua capivara maluca. – Pulei diretamente em cima de uma mesa e consegui pegar antes que ele fizesse uma nova curva. Joguei ele contra o chão e rolamos um pouco pela madeira. O segurei com força para que não escapasse e ele rosnava em meus braços.
  - Sai de cima de mim sua gorda, você vai me matar. – Socava o chão loucamente e lambeu meu braço.
  - Que nojo, você pode ser contagioso. – Fiz cara de desgosto e peguei aquele esqueleto com cabelo sem deixar escapar e o prendi em uma das cadeiras de bebê que o restaurante tinha. Sim, aquele tampinha cabia em uma deles.
  - Me deixa em paz. – Tentava lutar.
  - Fica quieto, pelo amor de Deus, não posso te matar aqui, temos testemunhas.
  - Se você me matar eu conto pros meus pais. – Mostrou a língua.
  - Se você contar eu mostro suas notas – ele ficou com medo. – Ah, quem estou enganando, vou mostrar de qualquer forma.
  Sorri cínica e ele voltou a agir como uma vaca louca.
  Então eu gritei. Gritei, gritei e gritei. Como uma maluca. Histérica. Todos os meus primos estavam olhando através da porta do restaurante (não todos, mas uma porcentagem), meus primos da cozinha viam o barraco através da janelinha e minha abuela continuava com sua cara de tédio.
  E David parou. Olhou para mim como se eu fosse um et e finalmente o cabrón estava mais relaxado.
  - Deu de crise? – perguntei e ele bufou, exatamente como eu fazia e virou a cara. – Agora me diz, por que está matando aula?
  - Porque eu não gosto daquele lugar.
  - Como assim? – Ele tentava manter a calma. Melhor. Ou eu voltaria a gritar até ele se tocar de que eu sempre venceria.
  - Ah , por que você quer saber? Você nem pode brigar comigo porque faz a mesma coisa.
  Eu estava furiosa com aquela acusação, mas tinha um pouco de razão afinal. Se a irmã mais velha fazia, por que ele não poderia, né?
  - David, você sabe que eu trabalho em dois lugares pra ajudar nossa família caramba, estamos nos reerguendo ainda do furo que aconteceu no ano passado.
  Ele franziu o cenho e ainda não olhava pra mim, estava mais calmo e sentimental.
  - David... – comecei. –, fala pra mim o que aconteceu.
  - Nada – suspirou –, eu só não gosto daquele lugar.
  - Isso não faz sentido, você sempre curtiu ir pra escola, você é um ótimo aluno e tem energia pra gastar em todas as aulas. Sem falar que estava há alguns minutos fazendo tarefa. Eu mesma adorava aquela escola, minha vida foi inteira lá. – Ele continuou quieto. Suspirei perdendo a paciência. – David... Papai disse que quem mente fica estéril.
  - Não, não fica. Papai é louco. – Fez careta.
  - Quem liga? Nós também somos. – Peguei seu queixo pequeno e o virei pra mim. – Fala. Prometo que não vou ficar brava com você.
  - Eu arrumei briga com um garoto. – Credo, era como uma versão minha masculina e mais nova. Não tão nova.
  - Posso saber por quê?
  - Ela disse uma coisa, – murmurou.
  - Ela? – Arqueei a sobrancelha.
  - A irmã dele – suspirou. – Ela disse que estudava com você e você era uma vadia, aí ela contou pra ele e ele espalhou pra escola toda que você era uma vadia e eles ficavam zombando de mim e acabei batendo nele.
  ...
  - Eu estou muito feliz que você tenha contado isso pra mim, David. É muito bom dizer a verdade e agora você não vai ficar estéril.
  - Tá. – Revirou os olhos. Levantou os braços da cadeirinha de bebê e perguntou: - Posso ir agora?
  - Claro. Outra coisa, você sabe o nome da irmã dele?
  - Não tenho certeza – encolheu os ombros, já no chão. – Algo como... Leila Mara.
  Leila Mara.

***

  - Mejor aun, cierra la boca! – falei antes de puxar aquele cabelo horrível.
  Ela empurrou minhas costas contra o muro amarelo da escola e arfei rapidamente, antes de empurrá-la para o chão.
  - Fala minha língua, sua desgraçada! – Leila Mara disse antes de tentar me arranhar. Eu me defendi. Eu estava mais forte, Leila Mara. Dessa vez eu tenho minha revanche.
  - Nhoc, nhoc, nhoc! – gritei.
  - O quê? – Tive um segundo pra ver sua expressão incompreendida.
  - Tô falando sua língua de porca!
  Vários uivos foram soltos ao nosso redor. Vários. E sabem de quem vinham? De todas as crianças de 7 a 14 anos que frequentavam aquela escola. Foi minha primeira escola. Onde eu conheci aquela ruivinha nojenta e tinha apanhado de leve na frente dos meus amigos. E cá estava eu, cinco anos depois, tendo minha revanche. Finalmente!
  Leila Mara foi a mesma garota que mencionou no apartamento, a única que tinha conseguido me dar um bom trato e isso me revigorou para aquele embate.
  Trocamos tapas e chutes, foi um barraco gigantesco até pararmos as duas na sala da direção. Onde as duas levamos mais tapas, socos e chutes, só que dessa vez de Everest, e foram todos com palavras. Sobre o quanto éramos irresponsáveis e blá, blá, blá. Pelo menos agora ele sabia o pivô de todas as faltas de meu irmão e iria reconsiderar que o problema da criação de David não eram meus pais, e sim eu.
  No momento em que voltei para o restaurante, totalmente quebrada, meus pais arfaram com medo.
  - O que aconteceu, meu anjinho? – Meu pai chegou perto de mim com rapidez trazendo gelo. Na verdade, era carne congelada, mas enfim…
  Suspirei longa e profundamente.
  - Precisamos comprar jogos de tiro.

***

  Depois do mico que passei (e pequena vitória na vida) levando meu irmão para a escola, comecei a pensar no que vestiria. Minha abuela e minha mãe estavam no quarto, tentando me ajudar com a decisão que nunca chegava.
  - Esse? – Mostrei para elas. Era roxo. Eu odiava vestidos de cor roxa.
  - Lindo. – Minha mãe sorriu.
  - Parece seu olho agora, – abuela zombou. Nada que dois quilos de reboco na cara não resolvessem.
  - Que tal esse? – Branco. Branco era lindo. Combinava com meu bronzeado.
  - Lindo, – mamãe repetiu. Como das outras trinta e sete vezes. Dessa vez já cansada. Coitada.
  - Parece o pus que saiu da espinha da sua prima Hilda essa semana.
  Ah, qual é. Que nojo.
  - Abuela, sai daqui, – falei.
  - Quem você acha que é pra me mandar fazer alguma coisa? – gritou comigo. E continuou gritando e gritando. Tudo em espanhol. Fiquei com cara de tédio, minha mãe estava quase dormindo em pé até que meu pai apareceu em uma cueca horrível de unicórnio que tinha ganhado de Brit quando ela participou de um amigo oculto na minha família e retirou minha abuela do meu quarto com seus sinais de protestos. Em um segundo o som parou. E voltou. Dessa vez pela janela. Ele a tinha trancado do lado de fora.
  - Hoje em dia vocês fedelhos já nascem olhando pra trás querendo saber de onde veio, na minha época isso não existia e... – Fechei a janela.
  - Uau. – Minha mãe respirou fundo.
  - Sim, – eu ri.
  - E então? Será que é um encontro? – perguntou ansiosa.
  - Lamento informar. – Encolhi os ombros.
  - Tudo bem... – sorriu. – De qualquer forma, é bom ver você se divertindo de vez em quando…
  A última vez que tinha saído pra valer foi pelo menos há um mês, no festival. Eu tinha que sair pelo menos uma vez por mês pra durar. Eram 15 o número de dias que minha mãe não me perguntava porque eu não saia mais.
  - Eu ainda saio, mãe. – Mostrei a língua. Estava de toalha me maquiando na frente da minha penteadeira. Meu quarto era simples, alguns achavam que tinham cores exageradas. Minha parede era carmim, com algumas samambaias espalhadas pelo teto e decorações diversas com móveis vintage e branco. – Hoje vamos pra um tipo de baile beneficente que o pai de vai conceber.
  - Gente chique então?
  - Gente chique então.
  Ela estava deitada na minha cama olhando para o teto com estrelinhas que brilhavam no escuro.
  - Que tal... Algo fatal? – Sorriu arteira e eu ri levantando uma sobrancelha. Queria saber sua opinião, qualquer uma era bem-vinda, principalmente daquela deusa em forma de gente. Eu? Puxa saco da mamãe? Nunca.
  - Conte-me suas ideias, mujer.
  - Bom... Você sabe que esse povo vai sempre chique nesses lugares, certo? Vestidos longos, todas simples, sem uma cor que dê destaque pra valer, a maioria sem um bronzeado maravilhoso que você tem.
  - Acho que sim... – Franzi o cenho.
  - Vá com algo que mostre seu corpo, que mostre seu lindo rosto. Este aqui. – Levantou e me mostrou o vestido, era simples, levemente elegante. Se mamãe falou, tá falado.
  Ficamos mais um tempo ali nos aprontando. Eu tinha alguns cursos estéticos na manga como cabelo e maquiagem que ajudavam demais na nossa transformação. Depois que fiquei pronta passei a trabalhar em mamãe. Ela era minha cara, ou eu era a cara dela, porém tinha os olhos verdes e o cabelo era vermelho vinho de tinta.
  Nessa noite em especial ela ia sair com as amigas pra se divertir e meu pai tinha prometido ficar a madrugada jogando com meu irmão jogos de tiro. E com minha avó. Então logo ela já estaria dentro de casa, sem preocupações.
  Após ficarmos prontas acabei tendo que fazer um book de fotos dela em todos os lugares do meu quarto e nos olhamos no espelho por um momento. Ela usava um vestido verde da cor de seus olhos e meu salto agulha branco. Uma rainha mesmo.
  E eu estava... simplesmente gostosa. Mas com cara de rica. Não rica, rica, mas rica em um nível advogada fodona que fazia os homens comerem na palma da mão dela, e cá entre nós, isso era meio verdade.
  A parte mais sensual da minha roupa sem dúvidas era a meia calça preta de fio 20, que deixava minhas pernas surreais. Um salto preto de agulha dourada meia pata. Vestido tomara que caia com decote coração profundo, não tão acentuado, mas mostrava o ponto exato de curvas. Alisei o cabelo e amarrei com bastante volume quase no topo da cabeça. Maquiagem leve, brincos brilhantes e batom vermelho forte para destacar.
   - É isso. – Fizemos caretas pro espelho, como “nada mal”. E demos um high five.
  Antes que eu mandasse uma mensagem para vir me buscar minha mãe chamou minha atenção.
  - , não se meta em brigas, mande mensagens avisando se sair de lá e de onde vai estar, não saia de perto de e dos pais dela, se sair, não saia de perto de ou do seu primo. Eu confio em você, você sabe disso, mas não faça burradas, – avisou. Meu pai não era ruim, minha mãe era. Eu puxei isso dela.
  - E acima de tudo, não engravidar – terminei por ela – já sei mãe... Tenho 19, sabia?
  - É querida, mas criança que faz criança…
  - Não é mais criança. Ainda bem que não fiz nenhuma. Eu nunca nem fiquei bêbada em uma saidinha mãe, puff – revirei os olhos – eu que cuido daquele pessoal louco.
  - Sei…
  - Beleza, não engravidar e não bater. Só vou ficar drogada e bêbada. – Ela sorriu suspirando.
  - Isso pode. Muito bem.

***

  - FREEEEEEEEEDOMMMMMMMMMM, FREEDOMMMMM, YOU’VE GOTTA GIVE FOR WHAT YOU TAKE, – cantei alegremente com meus cabelos ao vento na abertura da limusine de . Sim, a maldita tinha até isso. Senti um tapa na bunda e voltei para o assento ao seu lado.
  - Estamos chegando, desnorteada.
  - Deixa eu fingir que sou rica, cacete. Pra você já não tem mais graça.
   estava usando um elegante vestido longo justo – que delineava suas curvas -, de cor nude puxado para o rosa, com um decote profundo que marcava os seus famigerados "gêmeos" – que poderia causar um ataque cardíaco de seu pai, se fosse essa a intenção – e alças finas. Só esse vestido custava tudo que eu juntar um ano todo. A loira tinha seus cabelos soltos, caindo sob seu busto com um penteado ondulado. Mal usava maquiagem, só com os cílios bem chamativos e os lábios em um tom rosado.
  Soube que seus pais já estariam nos esperando lá dentro. Ou apenas a esperando já que eles levemente me odiavam. De qualquer forma ela estava, como o esperado, gostosa, com o peitão quase dando oi para o mundo.
  Sabe aquele leve nervosismo na barriga que você sente antes de ir pra um local infestado de gente que você não conhece?
  Eu não tinha isso.
  Eu estava animada, pronta pra ver todo aquele povo, pronta pra beber, me apresentar, ver cara nova e desarmar meu modo vadia pra ser educada com todos e ter uma noite maravilhosa. Sim, eu era grossa, mas também já me chamaram de carismática e cativante.
  - Acabaram de me mandar uma mensagem dizendo que já estão lá dentro, nos esperando na porta, – comentou e concordei.
  - Onde que estamos indo mesmo?
  - O evento vai ser na casa principal do aqui em Los Angeles. Gente falsa com roupa bonita – encolheu os ombros. – Estamos em casa, amiga.
  Sorri pra ela, maliciosa.
  Ok. Poderia lidar facilmente. Até que saí do carro, o sol estava começando a se pôr, e quando vi aquela casa fiquei chocada.
  Lembra daquele frio no estômago?
  Ainda não estava lá, eu queria era experimentar a vida de rica por um dia. Puxei minha amiga pela mão e rapidamente subimos as escadas procurando pelos meninos. Seria uma noite e tanto.

***

  Eu estava usando um navy suit sem gravata com um converse branco, bem legal. Emprestei um Armani para Wallace. E usava um no mesmo modelo.
  Estávamos os três no meu apartamento esperando uma mensagem das garotas, que estavam indo para a House Fontaine conosco. Juntar a galera foi a melhor ideia que eu tive pra conseguir passar por aquilo. E finalmente a morena já não estava me ignorando, era um sinal de que agora era tudo ou nada.
  O som eletrônico surgiu da televisão, bem alto. Minha cara estava séria, assim como de nossos amigos. Aquela situação era delicada e precisávamos prestar atenção pra quebrar o recorde no Guitar Hero.
  Eu estava na guitarra, na bateria e Wallace, como sempre, no vocal. Ele dava o máximo de si.
  Era agora.

Ma ma ma ma
  Wallace começou acertando as notas mais profundas. Sem um pingo de afinação.
Ma ma ma ma
  Concentrei-me nos botões. Era nossa hora de brilhar.
I wanna hold 'em like they do in Texas plays
Fold 'em, let 'em, hit me, raise it baby stay with me (I love it)
Love Game intuition play the cards with spades to start
And after he's been hooked I'll play the one that's on his heart
   tinha a face descontraída, ambos clicávamos e batíamos na tecla no momento correto. Era como nosso sonho destruído de banda de escola finalmente dando certo.
  Wallace fechava os olhos, cantava com emoção todas as notas, fazia movimentos extras com as mãos e tirava do peito a diva pop que existia dentro de si.
  E então... O refrão.
  Ele gritou.
  Como uma gazela flamejante.
Can't read my
Can't read my
No he can't read my poker face
(She's got me like nobody)
Can't read my
Can't read my
No he can't read my poker face
(She is gonna let nobody)
  O celular de começou a tocar no meio e bufamos, tendo que pausar o jogo. Era uma perda mesmo…
  Em alguns segundos desligou.
  - As meninas já estão indo, vamos? – perguntou se levantando.
  - Bora.
  Wallace sofreu um pouco ao se despedir do microfone. Mas ele poderia voltar quando quisesse. Aquele ali era seu lugar…

***

  Já estávamos na casa do meu pai e fiquei repensando por alguns instantes se aquilo valeria pena. Pra não mentir, só resolvi pensar em dar uma chance para voltar a falar com ele por causa de . Não somente porque ela insistia sempre nisso, mas toda vez que eu via a relação que ela tinha com sua família eu tinha essa pontada no peito esperando que tivesse o mesmo.
  Eu queria alguém do meu lado, alguém que se importasse comigo. Mesmo sendo solitário agora, sempre fui um cara extremamente familiar, adorava churrascos de domingo e ter pessoas com quem beber e conversar. E meu sonho era simples, me formar, ficar com alguém, e me aventurar. Com alguém específico. E a história ficava cada vez mais complicada e melodramática quando eu a via outra e outra vez sabendo que ainda não era nossa chance. Ainda não era nossa vez.
  Travei a mandíbula quando a vi. Uma cena cliché pra caramba. Eu estava no topo da escada da House Fontaine, era ridículo não? Uma casa com um nome. E estava lá, sorridente, animada, pronta pra qualquer embate na sua frente.
  Quando ela olhou pra mim foi o ápice da perdição. Eu estava tão fodido, tão fodido com meus sentimentos por ela. Eu só queria acabar com toda essa palhaçada, beijá-la sem parar por horas, ouvir sua voz rouca gemer meu nome a noite toda só pra acordar com seus olhos castanhos ao meu lado e poder chamá-la de minha.
  Maldita latina. Eu me sentia o Frollo cantando com os demônios sobre um feitiço que a cigana colocou nele e no final era só uma ereção.
  E enquanto todos os meus desejos com ela não se realizavam, eu só reprimia. Voltando para minha casca de quem não se importava.
  Não era apenas eu que estava babando por aqui, pois tinha seu queixo caído pela visão de usando o tal vestido que ela chamava de “melhor investimento em meses”. Já eu não havia gostado tanto assim, não gostava da minha irmãzinha mostrando pele demais atraindo olhares de uns velhos ricos a procura de carne fresca.
  - Olha só as minhas princesas... – Wallace foi o primeiro a falar quando elas chegaram até nós. Por um segundo pensei que falhei com todas as lições de cavalheirismo que consegui com minha mãe quando não as ajudei a subir todos os degraus de salto. Bom…
  As duas rodopiaram na mão de Wallace querendo ver todo o corpo.
  - Estrela de cinema na premiere do seu filme e... – falou para e se virou para - ...Empresária sexy!
  Elas sorriram.
  - CHEGUEI! – Era Brittany.
   rodopiou ela para ver suas roupas e tirou uma rápida conclusão.
  - Abajur de glitter. – Ela sorriu e concordou. Sabem aquele filme velho “Um Natal Brilhante”? Brit poderia ser protagonista daquele filme com este vestido, afinal, era tanto brilho que poderia ser avistada no espaço.
  Acenamos para os pais dela, uma senhora extremamente carinhosa e um senhor que estava sempre usando chapéu, e ela se voltou para nós.
  - Chamei Rachel, ela não quis vir... – Deu um sorriso de lado, meio triste. Eu nunca iria entender a relação delas. Eu era amigo de Rachel e ela era uma pessoa meio... comum demais pra conseguir balancear as coisas.
  - Que pena – mostrou seu bico sexy, bem falsa –, quem vai limpar o chão do evento agora?
  - Eu faço questão de ser sua companhia essa noite, meu ouro branco. – Wallace sorriu galanteador.
  - E eu te projeto dele, – garanti. Ela riu.
  - Tá tudo bem. Ouvi dizer que tem uma cama elástica aqui hoje, é verdade? – eu concordei, era para as crianças, e seu olhar brilhou. – Eu vou até lá, alguém quer ir também?
   e Wallace deram um grito animado querendo ir. fuzilou o moreno com o olhar e ele voltou sem pestanejar.
  - Tá tudo muito bom, muito bem, mas tô preparada pra pegar algumas bebidas – se prontificou. - Alguém me acompanha?
  Dessa vez e eu demos um grito animado. A última vez que eu tinha bebido minimamente tinha sido no festival de música eletrônica e aquele tinha sido um dos dias mais... impactantes da minha vida.
   e imediatamente se grudaram e fui o primeiro a chegar no bar, pedindo o favorito de cada um. Eu era um amigo prestativo.
  Fiquei em pé com sentada em um banco de madeira a minha frente e senti ela ficar acomodada em meu peito com suas costas, tocando levemente sua mão na minha. Sorri para o gesto, aos poucos tudo estava voltando ao normal.
  - Brit ficou realmente triste por Rachel não ter vindo – fez uma cara triste. – Odeio quando aquela coisa fica triste. Não é justo, sabe? Pessoas boas demais não deveriam sofrer.
  Encolhi os ombros.
  - Os pais dela não estão tão bravos com ela quanto no início do namoro. Talvez tenha sido por outro motivo... – opinei.
  - Ouvi dizer que ela estava com catapora, – comentou.
  - E só por isso não veio? – franziu o cenho. – Qual a diferença? A cara dela já é toda fodida, ninguém ia perceber.
  Contive meu riso prestando atenção no salão.
  - , você tem noção que cada vez que você faz uma piada que por consequência acabo rindo, é mais dez Ave Marias na minha receita com o pastor mais tarde? – a fulminou com o olhar. tinha um olhar psicopata que às vezes dava medo.
  - Você tem noção que Deus colocou todos esses defeitos nessas pessoas, e as colocou no meu caminho justamente pra eu poder comentar? – Deu uma piscadela para a amiga e recebemos nossos drinks.
  A noite poderia ser por si só insuportável, mas com aquelas companhias seria no mínimo, interessante.

***

  - Você sabia que eu nunca tinha te visto dançar assim antes? – comentei.
  - Isso porque não sei dançar, – disse sorrindo.
  Foi modesto, já que arriscava uns passos de cada vez naquela música elegante com instrumentos ao vivo. Ele estava com a mão na minha cintura, e ela não se movia, nem pra cima nem pra baixo, eu deixaria ir mais pra baixo se não estivéssemos no meio de uma sala cheia de gente importante dançando jazz ao vivo, com o seu pai em algum canto do local.
  - Já encontrou sua irmãzinha? – perguntei. Fazia muito tempo que eu não a via, Kylie tinha apenas cinco anos e veio do primeiro casamento do Sr. Greene. Primeiro, depois da mãe de .
  - Ela foi a razão principal pra eu vir aqui, mas descobri que ela está passando um tempo com a mãe, que foi viajar pra outra cidade. Minha próxima aposta seria Ação de Graças... – queixou-se um pouco triste.
  - E quando vai ser o casamento?
  - Em dezembro. – Franzi o cenho.
  - Isso tá muito perto. – Ele assentiu. – Você vai, certo?
  - Acreditaria se eu dissesse que não estou com vontade? – sorriu sarcástico. Rolei os olhos.
  - Comida e bebida grátis, isso já um motivo pra aparecer. Vocês ricos tornam as coisas tão complicadas. – Suspirei. Ele riu.
  - Eu sou complicado? – Levantou as sobrancelhas e sorri de leve quando ele aumentou a pressão do seu aperto na minha cintura. – Tenho uma pergunta pra você
  - Manda bala.
  - Já pensou? – Ele mantinha o rosto calmo, todavia queria uma resposta boa.
  - Pensei no quê? – Fingi e ele já ia ter um ataque, até que ri. – Só tô brincando.
  - E então? – perguntou com expectativa.
  - E então que tenho dezenas de projetos pra terminar, centenas de provas para estudar, estou devendo horas para o meu chefe que é meu pai, não tenho uma noite boa faz dois meses, minha abuela está me ignorando porque me meti em briga que não devia e minha irmandade não para de se matar quando não estamos olhando, é como lidar com crianças.
  Ele assentiu, suspirando e compreendendo. Eu não tinha tempo pra pensar.
  - E você está aqui de qualquer forma, porque eu pedi. – Beijou minha testa. Por enquanto, ele não insistiria.
  Encolhi os ombros sorrindo de leve e deitei minha cabeça em seu peito ouvindo seu coração calmo.
  Apesar de tudo, meio que estávamos juntos, não romanticamente, porém tínhamos um ao outro. E a companhia dele ficava no meio de qualquer decisão que eu tomasse, já que de alguma forma eu não o perderia assim.
  Eu poderia dizer sim, vamos ficar juntos, vamos arriscar e no meio do caminho dar tudo errado e perder meu amigo, ou eu poderia ficar assim, numa boa, dançando e curtindo a amizade, em um limbo de resposta tendo certeza que não o perderia. Infelizmente, lhe traria esperanças de algo que talvez eu nunca tivesse coragem pra admitir.
  Seu dedo acariciou minhas costas nuas, com um toque de malícia nele e sorri tentando desvendar o que ele estava tentando fazer.
  - Você tem noção do quanto tá gostosa nessa roupa? – sussurrou no meu ouvido e apertei meu olhar em sua direção. Eu não era uma garota baixinha, e no salto tínhamos quase a mesma altura.
  - Sim, – falei honesta.
  - É claro que sabe – riu baixo. Senti sua respiração batendo contra meu rosto. Estávamos bem próximos. Colados. - Os caras estão babando em cima de você e as esposas olhando feio em sua direção…
  - Não posso evitar. – Suspirei dramaticamente e ele ficou mais sério, me puxando e diminuindo os passos de dança. Ele beijou minha bochecha, foi leve. E então meu pescoço. Depositou uma mordida suave ali. Sempre à espreita se tinha alguém de olho na gente. Mordi o lábio contendo reações diversas e ergui uma sobrancelha em sua visão. – O que você acha que tá fazendo?
  - Persuadindo você – seu semblante estava divertido e sedutor. - Achou que eu ia desistir assim tão fácil? – riu cafajeste. – Eu disse que não ia te deixar em paz até você ceder, .
  O negócio ficava sério quando ele me chamava pelo meu nome e não apelido. Soltei o ar lento pela boca, moldando minha vista para atrás de seu ombro. Aquele terno o deixava com uma aparência mais madura, masculino, e desde que o vi na entrada daquela porta sabia que seria uma noite interessante por ter que lidar com essa nova fase da nossa amizade.
  Ele não estava fazendo nada de mais. Sério. Somente dançava comigo, devagar, moldando nossos corpos, tocando cada centímetro da minha pele nua, mas só a pele que era consideravelmente própria para hora e local, fazendo com que minha mente me traísse e chorasse querendo que ele procurasse por mais. Chegasse em locais mais perigosos.
  O problema é que aquele era o . Eu era trouxa por aquele cara desde, sei lá, sempre. Então o nada de mais que ele fazia contra o meu corpo se tornava uma explosão de sensações só porque ele era o meu melhor amigo e eu sentia uma atração inimaginável pelo garoto. Tudo piorava porque ele sentia o mesmo, ou pior, e estava deixando tudo muito explícito no meu ouvido.
  Mais alguns beijos perdidos e ele parou. Quando fui perguntar o motivo, ele pegou minha mão e me puxou entre a multidão. Paramos em um local mais escuro, em um corredor de piso extremamente brilhante e branco, com algumas fotos gigantes moldadas na parede.
  - Eu não faria isso se eu fosse você, – falei sorrindo quando percebi que ele só estava tentando ter um momento a sós comigo pra me provocar ainda mais.
  - Ainda bem que não sou você, então. – Olhou-me intensamente e deslizou um toque de suas mãos ásperas pela minha clavícula.
  - Isso vai acabar de um jeito péssimo, porque eu vou conseguir me controlar, já você... – Fiz cara de óbvia.
  - Será mesmo que consegue? Eu já sei que você gosta de mim. Me acha atraente e deve sonhar comigo de noite, entrando no seu quarto e fazendo você sentir coisas inexplicáveis... – ri um pouco. Afetada. Ele falava baixo para somente eu escutar, uma mão estava na parede atrás de mim e a outra trazia meu quadril para perto do seu. – Quanto será você aguentaria? Até pedir por favor. Por favor para que eu destrua suas inibições e satisfaça seus desejos.
  Wow. Ok. Palavras com tanta sagacidade me faziam criar um fascínio para poder jogar tudo pra cima e descobrir tudo de bom que ele poderia me oferecer.
  E em alguma parte, ele estava certo. Eu já pensei sobre isso. Como seria dormir com ele. Transar com . Uma parte da minha imaginação dizia que seria uma passagem sem volta para o deslumbramento e outra parte me fazia perder total raciocínio e ir pra cima dele como uma maluca com tesão.
  Sorri maldosa e puxei ele pra mais perto. Eu não era uma pessoa acanhada, nunca fui. E se ele achava que poderia me deixar no alto de um encantamento pela minha atração por ele, ele estava certo. Mas dois poderiam jogar esse jogo.
  - Quando eu penso sobre isso, você é quem pede desesperadamente por mais – seu olhar ficou escuro. – E talvez você tenha razão, sabe, sobre aquela teoria anterior. Se fossemos logo pra cama todo o tesão sairia do meio do caminho pra qualquer decisão pertinente. - Ele bufou e riu um pouco.
  - E tirar a graça da diversão? , é dessa forma que eu mantenho você pensando em mim. Você pode tentar me esquecer, mas não pode. Porque eu vou sempre estar lá, nos seus pensamentos mais sórdidos. Não sou mais o amigo que você quer brincar. Sou o amigo que você quer foder.
  - Droga... – disse baixinho e ele sorriu quando perdi a concentração por um instante. O que restava de mim queria saber apenas de seus lábios. E ele pensava no mesmo. Só que, como no início, ele ainda tinha controle de tudo. – Que isso, ? Nossas preliminares?
  - Ah, meu bem, você não vai precisar perguntar quando chegarmos lá. Isso aqui é apenas um aperitivo.
  Então ele lambeu meu lábio inferior, vagarosamente, e quase enlouqueci pelo gosto da sua boca na minha. Fiquei frustrada quando ele simplesmente não me beijou.
  Quando tentei avançar, ele segurou meu rabo de cavalo para trás com força e voltou para beijos longos, com a língua, diretamente para o meu pescoço sensível agora exposto. Provavelmente ficaria uma marca ali. E ele parecia estar mais exasperado que eu. Queria, mas não iria, apenas pra me deixar na vontade em um jogo sujo me fazendo pedir por mais, ou por qualquer migalha que ele me desse. Por um momento sorri um pouco atônita por aquela versão de que eu nunca tinha conhecido, mas que estava prestes a se tornar a minha favorita.
  - Você adora ficar assim comigo, não é? – Acariciava completamente meu corpo e senti que poderia entrar em combustão a qualquer segundo. – Eu sou o melhor amigo – disse com aversão – que deixa você assim, excitada, pronta pra qualquer coisa que eu possa te dar.
  Eu só queria beijá-lo. E ele não me deixava sequer chegar perto. Não sabia se ficava com raiva ou desejo.
  – O pior é pensar que isso é tudo culpa sua... – riu sem vontade – se não fosse por você, aproveitaríamos cada momento que estamos com nossos amigos pra fugir e se perder. Um no corpo do outro.
  - Podemos fazer isso agora – quase sorri tentando retirar algum resquício de pena da sua pele pra me jogar em uma cama logo e me tirar daquela tortura deliciosa. Ele sorriu de lado, um sorriso pequeno, olhou pra minha boca e pensei que era agora. Era a hora. se aproximou, sua testa encostou na minha, meus olhos fecharam e respirei longamente, me preparando para o beijo que nunca veio.
  - Eu sinto tanta falta da sua boca. – Olhou para os meus lábios com desejo. – Do seu beijo. – Desenhou meu contorno com os dedos e me perdi outra vez no seu toque. Lambi devagar o local onde ele estava adorando com os olhos e percebi que doía nele tentar se controlar para aquilo.
  - Minha boca é linda? Deveria sentir o gosto dela então, é ainda melhor. – Sorri fraquinho. Vamos . Vamos.
  - Eu me lembro. – Chupou um pouco o lábio inferior e ansiei por mais. – Maldito ano novo. Pensei que um beijo faria tudo melhor, e no fim apenas me destruiu, me fazendo lembrar daquela droga pelo resto dos meus dias. Me mantém são nas noites solitárias. - Sorriu safado. Fechou os olhos com prazer e fez um carinho do seu nariz na minha bochecha. Só me beija. Pelo amor de Deus. – Mas não vou beijar você.
  Droga.
  - Posso saber por quê? – Franzi o cenho quando ele ainda fez questão de se afastar um pouco.
  - Eu nem deveria estar encostando em você, . Eu tenho regras restritas sobre isso. Porém tinha que fazer você se lembrar.
  - Lembrar do quê?
  - Lembrar do que está perdendo e do que não pode ter por sua culpa. Talvez isso te ajude a arranjar um tempo para pensar. – Beijou inocentemente minha bochecha e saiu. Saiu. Simplesmente saiu me deixando com cara de tacho.
  Que filho da puta.
  Bufei indo direto para um banheiro conferir se ainda havia algum resto de dignidade na minha cara.

***

  - É diferente, , – falei enquanto reaplicávamos nossos batons no espelho do banheiro.
  - Diferente como? Me explica. – Tínhamos, por alguma maneira, chegado ao assunto e lhe poupei dos detalhes sórdidos do que tinha acontecido minutos antes.
  - Você e gostam um do outro e apenas não ficaram ainda juntos porque você quer sua liberdade e independência, tipo Holly Golightly. Pra mim... eu só não sei se consigo ficar com uma pessoa que é tão importante pra mim e arriscar perder tudo porque eu não tenho tempo de dar tudo de mim pra um relacionamento. Eu não posso entrar de cabeça nisso agora não porque não confio nele, mas porque não confio em mim mesma. E o pior de tudo é, se algo der errado de verdade, eu vou acabar perdendo ele.
  Ela assentiu compreendendo e tinha uma nova feição.
  - Acho que você está meio certa... e eu não ficamos porque quero ser livre. Você sabe como acabou da última vez e eu tenho medo de me magoar – encolheu os ombros sorrindo fraco por admitir aquilo em voz alta. – Eu gosto dele, muito até, mas aprendi a gostar mais de mim. – sorriu. – Pra me sentir segura o suficiente para ficar com ele ou qualquer outra pessoa, eu preciso me descobrir. E isso só vai acontecer quando eu me tornar independente. Agora só resta ele me apoiar ou me deixar.
  Aquilo me deu uma nova forma de pensar sobre o relacionamento deles. Era estranho que quando eu era apenas uma espectadora, tudo parecia mais simples, agora que convivia com algo parecido, se tornava complicado e entendi o quanto eu era ignorante sobre tudo.
  - O negócio comigo é: eu gosto dele – admiti -, eu gosto dele demais e se pudesse largar todas essas inseguranças ridículas eu apenas tentaria. – Ela bufou sem paciência.
  - E por que não tenta logo? Que se dane esse medo todo. Ainda está decidindo se vale a pena arriscar?
  - É complicado.
  - Bom, você não é obrigada a nada, pense o quanto quiser, – disse guardando a maquiagem em sua bolsa. Eu ri um pouco.
  - É o , . Ele não vai esperar por mim pra sempre pra eu decidir se vou tentar algo com ele ou não.
  - Não me leve a mal, ele é decidido, mas mesmo que ele pire e te dê algum tipo de ultimato, como pode acabar acontecendo, eu duvido de verdade que adiante de alguma coisa.
  - Como assim?
  - É que... Vocês foram amigos primeiro, descobriram todos os podres um do outro antes dessa atração surgir. Significa que mesmo com os defeitos, vocês gostam um do outro. E esse é o pior tipo de paixão. Aquela que simplesmente não vai embora, e quando nos recusamos a deixar ela florescer... ela dói. Nosso coração dói, ficamos carrancudos e cabeças duras. E vocês são teimosos, mas práticos. Então espero e aposto que no final... Tudo vai se resolver.

***

  Entrei na cozinha da House Fontaine um pouco perdido. tinha me ligado há um minuto dizendo que Brit endoidou e incorporou a entidade no meio da cama elástica.
  A loira estava sentada em cima de um balcão mais afastado dos cozinheiros, seus pais estavam lá, meu pai estava lá, e Wallace estavam lá, uma garotinha irritada estava lá, e Brit estava com cara de bêbada alheia suja de maquiagem e algodão doce.
  - Que diabos aconteceu aqui? – perguntei espantado.
  - Ei, cara – suspirou –, tivemos uma emergência aqui.
  Notei que a mãe de Brit, uma senhora de pelo menos sessenta anos, estava colocando um curativo de adesivo colorido no joelho da filha.
  - Eu sinto muito, Greene, – o pai dela disse para o meu pai, que encarava tudo um pouco acuado e sério – minha filha tem dificuldade de socialização com crianças. – Olhou para a filha abraçando um unicórnio de pelúcia com uma cara muito brava. – Ela tem dificuldades. No geral.
  - Ok... – É pai. Só sorria e acene.
  - O que tá acontecendo aqui? – entrou de mãos dadas com e arregalaram os olhos pra nós.
  - Oi meninas, – os pais de Brit as cumprimentaram e meu pai fez o mesmo.
  - EU QUERO MEU URSINHO! – a menininha que estava entre nós que eu não fazia ideia de quem era gritou pra Brit. A loira apertou mais o unicórnio em seus braços e quando a pequena foi avançar, Wallace a segurou para trás. Foi uma sessão interminável de gritos e pernas para o ar tentando se livrar dele.
  - Alguém pelo amor de Deus pode pelo menos tentar me fazer entender o que aconteceu? – pediu massageando a têmpora.
  - Sim... – meu pai começou, a voz grossa se tornando alta. Ele era um ótimo profissional na empresa, todavia em um meio social, ele não tinha muito jeito. Principalmente falando com adolescentes. – A Senhorita Smith fez parte de algumas desavenças no nosso meio de lazer o que acabou projetando algumas formas de cólera para com a nossa convidada, a Senhorita Lily. – Apontou para a criança.
   e tentavam desvendar o que meu pai tinha dito e rolei os olhos.
  - Brit estava pulando na cama elástica e muito que provavelmente roubou o ursinho da menina e não quer mais devolver. – Houve um uníssono de compreensão.
  - EU VOU CONTAR PRA MINHA MÃE – Lily gritou.
  - Calma mocinha, – Wallace tentou. Não adiantou. Sem jeito com crianças.
  - Britt, devolve o ursinho pra ela... – pediu.
  - Não é um urso! – articulou – é um unicórnio!
  - Poderia ser um porco que a gente não iria ligar menos, – disse de sua forma doce. – Devolve o bicho da garota e vamos embora.
  - Vocês não estão compreendendo! – quase chorou. – Esse unicórnio... tá vendo aqui o olho dele? Tá vendo esse brilho? Se chama tristeza. Se chama desespero. Lembranças de uma memória de guerra. Somente eu posso compreender sua angústia, pentear seus cabelos de poliéster roxo e lhe dar dicas de como superar, viver em uma sociedade sem normas e leis para aqueles da sua espécie. Ele é forçado a viver com esta menina, que acha que pode comprá-lo e jogá-lo dentro de uma piscina de bolinhas sem consideração pelo seu coração colorido e cheio de amor. Ela escolheu ele, ele não a escolheu. Chamá-lo de urso é apenas o início para uma vida cheia de palavras não proferidas e desconsolo doméstico. Chamá-lo de unicórnio lhe dá chances, lhe dá uma escolha. Isso não é um urso. Isso é um unicórnio. Unicórnio é resistência.
  Todos olhávamos para ela de uma forma que... eu nem sabia como explicar. Aquela era Brittany.
  - Brit – comecei vendo que todos estavam estáticos, até Lily –, saímos agora pra comprar outro pra você se você devolver pra Lily o unicórnio dela.
  Instantaneamente toda sua feição triste se tornou um sorriso gigantesco e ela jogou a pelúcia em qualquer lugar. ajuntou e aproximou da menina, que ainda olhava estática para Brit. Ela apenas levantou a mão em recuso.
  - Pode ficar, nem quero mais. – Empinou o nariz, arrumou seu vestido rosa claro e saiu, como uma dama.
   voltou para a loira e tentou entregar o urso que também foi recusado.
  - Me prometeram um urso novo eu quero um urso novo!!!
  - Jesus... – meu pai falou desconexo.
  - Bom, então vamos lá – Wallace puxou a loira da bancada e empurrou os cinco para a porta de saída. Alguém também não estava mais aguentando aquela festa que mais parecia um funeral. – Até mais Senhor e Senhora Smith.
  E gargalhou da própria piada. A piada que fazia há mais de dez anos.
  - Tchau tio, tia. – acenou. Brit nem ligou pro que tinha atrás dela.
  - Tchau pra vocês, tchau sogrinho. – piscou para o meu pai. Ergui uma sobrancelha pra ela, e ela sumiu da minha vista. Nada contra chamando meu pai de sogro, muito pelo contrário, só queria receber um memorando antes. Mas obviamente ela só estava zoando com a minha cara.
  Então estávamos os dois ali, os pais de Brit sumiram atrás de vinho.
  - Está se relacionando com a Senhorita Vega? – perguntou tentando esconder o interesse. Encolhi os ombros. Era estranho, fazia tempo que não tínhamos uma conversa sobre minha vida.
  - Sinceramente? Nem eu sei. – Ele sorriu um pouco.
  - Ela é uma boa garota – assenti. Ele a conhecia desde criança e provavelmente já esperava isso. Um silêncio pesado surgiu e apontei para a porta. Tinha que ir.
  - Tenho que comprar um urso agora... – me movi no mesmo lugar.
  - Tudo bem... – Assentiu. Se aproximou aos poucos e acho que o aconteceu a seguir foi uma tentativa de abraço. – Até mais, filho.
  Olhei pra ele um pouco perdido e movi a cabeça pra cima e pra baixo. Logo estava no quintal de casa encontrando meus amigos que me esperavam.
  - Vem logo, jaboti, – gritou e me desvencilhei de qualquer pensamento.

***

  Hollywood Park era simplesmente o melhor lugar de toda LA. E fazia tanto tempo que não vínhamos aqui em grupo, então foi impossível não entrar quando chegamos perto.
  Estávamos andando a algum tempo pelas ruas sem destino, sempre alguém olhava pra gente com estranheza pelas roupas de gala não combinando com o ambiente. já tinha largado seus saltos faz tempo e andava com o tênis de enquanto ele levava o seu sapato em mãos. Wallace foi o primeiro a reclamar de cansaço, como sempre, e Brit estava feliz da vida com seus novos ursinhos. Dois unicórnios gigantes que ela mal conseguia carregar.
  Sair da loja de brinquedos com ela é que foi a tarefa difícil.
10 minutos antes.
  - Eu não quero sair pelo amor de Deus eu quero viver aqui pra sempre me deixem em paz, – chorou se agarrando no pivô da porta da loja. Alguns seguranças já estavam ao nosso redor tentando acalmar o problema.
  - Que mico – riu. E saiu. – Tchau.
  - Brittany Smith, eu vou jogar um tamanco nessa sua cara pela vergonha que tá me fazendo passar, – brigou.
  - Vem – colocou segurou a loira e a colocou contra o seu ombro. Wallace e eu tentamos fazer com que ela não pulasse dali. As mães da loja tampavam os olhos dos filhos pra nem pensarem em refazer toda aquela cena. Um segurança já estava chamando reforços. Pica-Pau chamava Tio Sam.
Agora.   Passamos pela porta com sininho e larguei em um dos bancos da sorveteria. Eu estava a levando faz algum tempo no meu cangote, afinal se recusava a tirar o salto e também ficar sem o mesmo e com o sapato e com dor. Deu pra entender?
  Sentamos no banco de plástico vermelho, o local parecia ter saído de um filme dos anos 80 e era exatamente o mesmo que eu lembrava de quando vinha aqui com eles quando ainda éramos crianças.
  I Want To Break Free começou a tocar vindo do decote de e ela bufou antes de atender o celular. A garçonete chegou, era uma mulher de pelo menos cinquenta anos, cabelo preto desbotado e pele enrugada.
  - Vão pedir agora? – falou entediada.
  - Sim... Janet – li o nome bordado no seu uniforme. - Seis milk-shakes – decidi. - Morango - pra mim – chocolate - pra – menta com chocolate - pra - creme - pra Wallace – confetes - pra Brit, - e flocos. - Pra .
  Ela anotou tudo e sumiu. Era uma noite agradável, um pouco quente, e tinha muitos grupos de amigos por ali e um casal de velhinhos atrás da gente. A senhora parecia estar procurando o que comer por horas.
  - Eu falei pra você que não ia hoje. – se explicava ao telefone. - Você estava me devendo horas e eu disse que ia pegar o sábado livre. – Rolou os olhos. - Ah, deixei uma carta na sua mesa... Problema não é meu se você nunca vê a mesa. Sim... Zoey disse que não pode ir amanhã por que o carro dela quebrou... Por que não vai de ônibus? Ela não tem um. – Riu da piada horrível. - Ok, perdão.
  Suspirei alto pegando o telefone de sua mão. É sério que ele ligava em um sábado de noite pra encher a cabeça dela com nada? Se eu conhecesse bem o Sr. Brown, ele estava somente solitário e procurando alguém pra incomodar.
  - Tá tudo bem, eu resolvo isso. – Levantei os dedos pra que ela não se preocupasse. Aproximei o aparelho do ouvido e suspirei pensando no que falar. Apenas chiei como ela tinha feito comigo, só que por mensagem, e desliguei. Viu? Tudo resolvido. Bem rápido.
  - Você tá doido? – perguntou boquiaberta.
  - Depois converso com ele, – disse com desinteresse.
  Eu odiava bancar o Draco Malfoy e dizer que meu pai tinha contatos, mas o Sr. Brown era um empregado dele, então…
  Alguns minutos depois e Janet apareceu com nossos pedidos. Brittany estava no meio de uma história longa que ela não parava de rir no meio fazendo com que eu tivesse me perdido já na primeira frase. A velhinha atrás da gente ainda não tinha escolhido seu pedido.
  - Então ele virou pra mim e falou... e daí? E eu falei é óbvio que estou certa afinal golfinhos são apenas tubarões gays. – Assentimos estáticos. Até que Brit riu e rimos também. Se essa era a reação esperada... Ela parou. Respirou. E pensou. – Tem uma boa chance de isso ter sido um sonho.
  - Eu tive um sonho essa noite, – comentou rindo, prestando atenção no seu milk-shake.
  Todos ficamos com expectativa de uma nova história que nunca veio.
  - Conta logo, – Wallace pediu.
  - Não posso, – falou como se fosse óbvio e rolamos os olhos.
  - Jura? “Eu tive um sonho... que não posso contar” imagina se Martin Luther King tivesse dito isso? – reclamei.
  - É meio indecente. – Riu baixinho, com suas bochechas corando. Brincava com o canudo só para não nos encarar.
  - Vai logo, ratinha. Não temos a noite toda. – deu bronca.
  Ela respirou fundo tomando coragem.
  - Foi um sonho sexual…
  - Agora tá ficando interessante – tirou a palavra de todas as nossas bocas. Principalmente de . – Conta, ratinha…
   levantou o rosto e sua expressão mudou de tímida para uma mais diabólica e maliciosa.
  - Eu sonhei que perdi a virgindade... – levantou as sobrancelhas com expectativa - ...com Wallace.
  - O quê?! – gritou e acabei gargalhando.
  Como se o ego de Wallace já não estivesse inflado, ela resolveu continuar a falar.
  - Essa não foi a melhor ou pior parte, sei lá, é que eu cheguei lá, tipo, cinco vezes. – Riu extasiada e balancei a cabeça.
   emburrou completamente e Wallace tinha acabado de ver um passarinho verde. Era isso.
  - Cinco vezes na mesma noite com o mesmo cara na virgindade? Agora isso é um sonho, – comentou observando o nada.
  - E se eu dissesse que já fiz isso acontecer? – Wallace se defendeu e todos rimos. Todos. A velhinha atrás de nós deu uma pequena risada fina.
  Aham, Wallace. Aham.
  - É sério, – aborreceu. - Eu sempre deixo minhas garotas muito, muito felizes.
  - Que garotas? Mão esquerda e direita? – sorriu o provocando.
  - Ei... – se contraiu. – Você que não para de pensar em mim. Até sonhou comigo essa noite, oras.
  - Você acredita mesmo nisso, Wallace? – olhou com pena.
  - É claro. – Encolheu os ombros.
  - Pensa bem... você também acreditava que ia ficar menstruado na adolescência, – a prima aconselhou recebendo uma bolinha de guardanapo na cara, que conseguiu alcançar no ar, ainda rindo dele.
  - É praticamente impossível chegar em um orgasmo interno na virgindade – a morena explicou - principalmente se a gente tá perdendo ela com um adolescente.
  - Você chegou? – perguntou pra amiga. Tentando, apenas tentando não soar tão interessada.
  - Claro. – Deu de ombros, chupando o canudo. – Perdi minha virgindade com Miguel.
  As três suspiraram apaixonadamente e , Wallace e eu bufamos fechando a cara. Qualquer pensamento sexual que eu tive com chupando aquele canudinho foi evaporado quando ela mencionou o ex.
  Miguel... Miguel que não se falava de uma forma inglesa demais, se falava em um sotaque espanhol, igual o do próprio cara, que era uma versão maldita do Zorro só que da Califórnia, mais velho que nós e pilotava uma moto gigante. O sonho delas…
  Maldito Miguel. Miguel o perfeitinho... Miguel o merdinha.
  Então Brit resolveu nos dar sua opinião de sexóloga da ocasião.
  - Ela tá certa, Wall – sua voz estava firme e suave como em uma propaganda de camisinhas. - Acho que todas as mulheres já fingiram um orgasmo, é por isso que tenho mais consistência namorando uma garota.
  - Não sei se estou mais assustado por saber que você transa, por estar falando de sexo com dois unicórnios gigantes do seu lado ou por ter chamado Wallace de Wall, – comentou estranhando, mas sério. Ela encolheu os ombros.
  - Unicórnios também copulam. E eu sou um bi-córnio.
  Wallace riu debochado.
  - Mulheres não tem espadas de aço, meu anjo, elas não sabem o que fazem. – Sorriu como um garanhão e olhamos pra ele. Só olhamos, o julgando mentalmente por aquela frase. Demorou um tempo para ele se tocar do quanto foi babaca.
  - Foi ruim né? Desculpa. Eu vou parar de falar.
   tentou amenizar sua dor.
  - Ah, Wall, não precisa ficar tão sentido assim, é normal mulheres não gozarem todas as vezes e principalmente na virgindade…
  - Felizmente todas as minhas parceiras saíram satisfeitas. – Sorri como um perfeito cafajeste.
  Elas olharam pra mim com desdém.
  - E como você sabe disso? – quis saber.
  - Eu apenas sei, – respondi simples.
  - Porque elas... – Brit gesticulou.
  - Sim, porque elas – gesticulei da sua forma engraçada. – Se contorcem, fazem aquela voz... Aquele gemido... Não tinham como fingir comigo. – bufou e não entendi. – O que foi?
  - Toda mulher fingiu um orgasmo pelo menos uma vez na vida e você diz que nunca fingiram com você... é só fazer as contas.
  Todas as meninas concordaram com ela. Até . A virgem .
  - Vocês estão insinuando que... – não precisei completar.
  - Óbvio – disse Brit.
  Dei uma risada gostosa ocupando mais espaço do banco, me sentando pra trás. A velhinha riu de novo. Ainda sem pedidos.
  - Nunca. – Sorri confiante. Elas queriam me matar. Eu estava nem aí. Aquilo não era um caso de egoísmo, era real. – Eu sei diferenciar. Tenho experiência, sabia? Além do mais, não é assim tão fácil…
  Falei sem muita precedência e voltei a prestar atenção no meu milk-shake que já estava acabando. Com certeza pediria mais um. Nossa mesa estava silenciosa. emburrado com o sonho da sua querida , Wallace com olhar de memórias de guerra como o urso/unicórnio de Lily e as meninas... uma delas. A morena. Olhava pra mim. Com uma cara impagável. A cara de “desafio aceito”.
  Então ela fechou os olhos. Começou a respirar profundamente, devagar, e mais rápido, alto, soltando e puxando o ar com força, dava pra ouvir. A respiração se tornou um resquício de voz. Sua boca abriu e se movimentava aos poucos, mostrando às vezes seu sorriso perfeito enquanto arfava com gosto.
  Eu já estava paralisado. Seus gestos começaram a chamar a atenção de alguns marmanjos e eu tentava fuzila-los com o olhar para que tomassem nota de que não tinha nada interessante ali. Mas quem eu estava tentando enganar? Tinha um teatro perfeito de um orgasmo ali na minha frente e eu queria enfiar minha cara debaixo de um chuveiro bem gelado pra aprender a ficar de boca fechada mais vezes.
  Tentei tomar consciência do seu olhar para que ela parasse e soubesse que já tinha vencido e ela nem dava bola. Apenas continuou.
   tampou o rosto com as mãos olhando para a paisagem da rua através da janela. Wallace encarava a prima espavorido e com nojo. Brit tinha esse olhar malicioso sobre a latina e estava completamente vermelha com os olhos mais abertos que já vi na vida. Se ela já estava puta pelo mico que pagou na loja de brinquedos, depois daqui a amizade delas estava arruinada.
  As mãos de começaram a trabalhar em si mesma, isso soou muito errado, mas foram diretamente para o seu cabelo, seu rosto, o pescoço, acariciava os pontos altos dela e o pior aconteceu. Eu sabia que íamos chegar ali. Ela gemeu. Gemeu alto. Em uma sequência repetida de altos e baixos, respirava rápido e forte, a boca abriu e fingiu que queria apertar os lábios carnudos apenas para se controlar. E depois de algum tempo ela parou. Como se tivesse finalmente alcançado o ápice.
  Minha mandíbula estava cerrada e eu estava carrancudo olhando pra ela duro. Nos dois sentidos. Ela sorriu inocentemente pra mim e voltou a chupar seu canudo.
  A lanchonete toda olhava extasiado para nós. levantou uma sobrancelha pra eles e eles voltaram a comer e conversar sobre qualquer coisa pra apagar ou relembrar para sempre daquela cena.
  Janet, que estava atrás da gente, na mesa da senhora idosa de cabelos brancos, com os olhos arregalados, voltou a prestar a atenção na cliente, que finalmente fez o seu pedido.
  - O que a senhora vai querer?
  - O mesmo que ela, – referiu-se a .
  Como eu tinha previsto, a noite poderia até ser insuportável, mas com aquelas pessoas... seria interessante.

Capítulo 07 - Parte 1

Come on girls
Do you believe in love?
Cause I got something to say about it
And it goes something like this

  Oito horas da manhã e meu despertador gritou a primeira música de minha vasta playlist da Madonna. Mas não foi o bastante…
  Oito e dez... Mais cinco minutos fará mal?
  Oito e quinze... Só mais um pouquinho…
  Continuei abraçada carinhosamente em minha almofada peludinha, enquanto sonhava com carneirinhos ou unicórnios.
  Oito e vinte. Peguei meu celular sem muita pressa apenas para ver a hora. Dei um grito e caí da cama, enquanto a próxima música da playlist começava.

Some boys kiss me, some boys hug me
I think they're okay
If they don't give me proper credit, I just walk away
They can beg and they can plead
But they can't see the light, that's right
'Cause the boy with the cold hard cash is always Mister Right

  Levantei desesperada, compreendendo que já estava atrasada. Corri pelo meu quarto e então algo veio em minha cabeça: eu estava na universidade. Não estava mais no colegial para me preocupar com atrasos.
  Eu podia matar a primeira aula e justificar como “problemas na minha irmandade”.
  - Caralho , você é burra – me repreendi.
  Sentei em minha cama, me esparramando por ela em seguida, dando uma bela olhada pelo meu quarto antes de ter que enfrentar o inferno sujo, mofado, empoeirado, maltratado e todos os sinônimos e palavras possíveis para aquela casa.
  Amava meu quarto, era basicamente a única parte da Mansão dos Hudson que eu não trocaria por algo que eu realmente me importasse.
  Era o único lugar que realmente me definia. O único lugar que meu pai não colocou o dedo dele e suas crenças dentro. Por isso era tão apegada a ele.
  As paredes eram em rosa com detalhes em branco. Nas paredes havia quadros e pôsteres bastante coloridos, para dar um maior contraste.
  Os móveis ficavam bem espalhados pelo quarto, como a penteadeira posicionada na parede ao fundo do meu quarto, de frente para a minha cama. Na mesma parede havia uma entrada que levava para o meu closet, barra, suíte – que meu pai projetou apenas para “facilitar minha vida”, como se eu não conseguisse usar um outro banheiro como uma pessoa normal – e eu usava como porta uma cortina de miçangas não inflamáveis e umas luzes. Quem passasse por essa cortina teria um deslumbre em meu closet e suíte.
  Era o lugar favorito de em minha casa, obviamente.
  Minha cama ficava no outro extremo do quarto. A cama Box king Size, cheia de bichos de pelúcia que carreguei desde minha infância.
  Ao lado de minha cama havia uma janela grande e um sofá moldado junto à mesma. Cheio de almofadas. Era geralmente o lugar que eu ficava sentada refletindo sobre as coisas quando precisava de um tempo.
  Meu quarto era tão a minha cara, que sabia que os anos poderiam passar o quanto fosse, mas só aquele cômodo conseguiria captar totalmente quem eu era.
  Ah, e tinha mais uma coisa.
  Minha gatinha, Marie, ronronava, subindo em minha cama e vindo para meu colo a procura de um pouco de carinho. Era a coisa mais linda, peludinha e branquinha como neve. Com um laço na coleira cor-de-rosa em seu pescoço. Basicamente igual à do desenho.
  Se minha mãe não a amasse tanto, eu a sequestraria e levaria para as Zetas.
  Óbvio que provavelmente tomariam ela de mim, já que não permitem animais nas instalações da universidade, mas não custava sonhar, certo? Afinal, Rachel perambulava pelo campus e nem por isso o IBAMA foi chamado.
  Levantei sem muito ânimo e voltei a caminhar pelo meu quarto, me sentando de frente a minha penteadeira. O móvel de madeira clara com delicados detalhes em cor-de-rosa e o enorme espelho em círculo. Minha penteadeira vivia bagunçada com minhas maquiagens e cremes, já que Hudson adorava bagunçar, mas tinha preguiça de limpar.
  Levei um susto ao ver meu reflexo. Meu rosto tinha uma coloração suspeita graças a máscara que acabei usando para dormir. dizia que isso fazia bem para pele, então eu deveria acreditar.
  Lavei meu rosto e tirei um tempo fitando meu próprio reflexo. Não estava em meus melhores dias, mas nada que uma boa maquiagem e um penteado cuidasse disso para mim. Nada melhor que maquiar os problemas e escovar as inseguranças.
  E depois de me maquiar e arrumar meu cabelo, tirei um instante para observar meu reflexo, me admirando. Me sentia linda.
  Com meus brilhantes olhos castanhos chamativos graças ao rímel que usava. Meus lábios carnudos e rosados naturalmente, mas ainda mais com o batom que usava. Minha pele bronzeada – graças ao sol da Califórnia. Meu cabelo caindo sob meu busto em algumas ondas, principalmente nas pontas e com seu tom loiro dourado, com a raiz em meu tom mais natural, cor de mel. Combinava com meu bronzeado.
  E com a admiração, veio uma reflexão:
  Ser “bonita” não mudava muito se sua vida continua regrada e controlada diariamente. Beleza não é mágica ou algo do tipo.
  Mas minha confiança era muito mágica.
  Levantei e saí rodopiando pelo quarto, cantarolando as músicas que tocavam. Passei pela cortina e fui direto ao meu closet, tirei algumas peças, procurando algo bom para usar. Jogava-as no pequeno divã que ficava no meio do closet. Me dirigi ao grande espelho, para dar uma boa checada em mim e escolher o look do dia.
  Me sentia muito gata em meu pijaminha de seda azul bebê. Meu corpo estava em sua melhor forma desde que eu parei de me “importar” com ele. Havia adquirido uns quilinhos a mais nas férias, o que foi muito bom.
  Meus gêmeos não eram mais desproporcionais ao meu corpo e tinha curvas que adorava. Meu corpo estava bem moldado e eu me sentia um mulherão, mesmo só com 1,63cm de altura.
  Não tinha a bunda de , mas a que tinha dava para o gasto, principalmente quando usava jeans justas.
  E quando usava meu uniforme de líder de torcida... Mamma mia.
  Voltei a prestar atenção em minhas roupas e tentei escolher qual combinava mais com a de hoje.
  A “olá, babem em mim e se torturem por não poderem ter” ou a “mais um dia normal, com o Senhor ao meu lado nada me faltará”?
  Dúvida mortal.
  Então optei por escolher qualquer peça de roupa que me deixasse gostosa e combinasse com o scarpin salto agulha com amarração preto que havia reservado para hoje.
  E então finalmente estava pronta.
  Não havia demorado tanto, eu que enrolava pra fazer qualquer coisa mesmo.
  Peguei minha bolsa Versace e saí do meu quarto, já sentindo a falta que me faria não ter ele por uma semana toda.
  Desci as escadas com a minha gatinha no colo, procurando algum sinal de vida em minha casa. Procurei o motorista, mas o carro não estava. Rolei os olhos.
  Eu pago uma fortuna e não consigo ter meu próprio motorista pra me levar.
  Quer dizer, meu pai que paga. Mas ele nem usa.
  Procurei pela minha mãe, e também não havia sinal dela. Achei apenas um recadinho que ela deixou na geladeira. Pelo menos isso.
Levei o motorista comigo para fazer compras pra casa, peça carona para o seu pai. Boa semana filha, qualquer coisa me liga. Te amo.
Xo, mamãe.

  Rolei os olhos de novo.
  Nem fodendo eu pediria carona pro meu pai. Não aguentaria passar o caminho todo ouvindo um sermão sobre minha roupa ou sobre minhas companhias, ou sobre como o meu professor é um anjo na Terra. Nem. Fodendo.
  Eu iria dirigindo.
  Mas então lembrei que não tinha carteira. Maldito teste de direção.
  Eu juro por Deus que eu não vi a velhinha. E eu nem cheguei a atropelá-la, só suas frutas que saíram amassadas... Foi totalmente acidental.
  A culpa foi do meu instrutor que ficava gritando no meu ouvido e me botando pressão. Eu não funciono bem assim. Óbvio que eu acabaria batendo o carro ou coisa do tipo. A sorte dele foi que eu não o joguei do carro.
  Não havia outra opção, eu pagaria um Uber para me levar pra universidade. Porque como eu disse, nem fodendo eu iria com meu pai.
  - Ann? – Falando do Santo Imaculado…
  - Papai. – Sorri. Ele veio em minha direção para me cumprimentar. Ele estava sorridente, até me deu um beijo na testa. E quando viu os meus trajes, nem teve um ataque cardíaco. Ele apenas pegou Marie delicadamente de meus braços e a botou no chão.
  - Eu te levo para a universidade. Vamos. – Permaneceu sorridente e pegou suas chaves, indo em minha frente.
  Olhei para os lados esperando que alguém houvesse presenciado isso. Mas só estava eu parada naquela cozinha.
  Deus, o que o Senhor fez com meu pai?
  Eu não acredito que meu pai morreu e foi substituído.

***
  - Se comporte, ok? – Meu pai me abraçou fortemente. – E tenha uma ótima semana, princesa. – Me soltando em seguida.
  Eu não poderia negar que meu pai era carinhoso – quando queria -, só que havia algo nele que impedia de ser o Pai do Ano todos os dias. Talvez fosse a criação do vovô ou só seu jeito mais recluso de ser, mas no fim do dia, ele ainda era meu pai e eu o amava.
  E eu era sua princesinha, mesmo com os conflitos. Então acreditava quando ele demonstrava o seu afeto por mim com carinhos e palavras doces.
  As coisas entre nós haviam melhorado durante os meses, já que continuava indo à Igreja todos os domingos. Mostrei para ele que minha decisão de curso não mudaria nada em relação à minha religião. Depois de meses ele entendeu.
  Mas cá entre nós, eu estava sentindo falta de ser mimada pelo meu pai de qualquer forma, então disse tudo que ele queria ouvir apenas para devolver minha mesada.
  Queria ser independente? Sim. Negaria dinheiro do meu velho? Jamais.
  O meu trabalho na biblioteca estava me ajudando com pontos e o que rendia financeiramente me ajudava a pagar os custos na universidade. Já a mesada dos meus pais me ajudava a comprar coisinhas que não vivo sem e de quebra comprar umas coisas para as Zeta.
  E por incrível que pareça, eu senti falta das meninas durante o final de semana que passamos separadas. De certa forma, mesmo com todas nossas desavenças, diferenças e conflitos, já estava acostumava a conviver com elas e quebrar cabeça tentando ajudá-las.
  A expressão de meu pai mudou rapidamente ao encarar o moreno passando com seu skate perto de nós. O mesmo, ao notar meu pai, saiu do skate um pouco apressado.
  - Ei senhor Hudson. – A postura de estava rígida, com o skate em mãos e tentando agir o mais sério possível.
  Rolei os olhos.
  - Senhor Graham. Bom dia.
  - Ei . – Acenei para o rapaz, que sorriu, e meu pai me fuzilou com seu olhar. Rolei os olhos de novo.
  Meu pai odiava desde... bom... sempre.
  Nunca houve um motivo sério para isso, porque até antes de namorarmos meu pai preferia me trancar dentro de casa para não me deixar sair com . As coisas foram piorando quando entramos na adolescência e eu o queria como namorado. Isso para o mais velho foi um ultraje.
  Literalmente, meu pai fingiu o melhor ataque cardíaco para me deixar tão preocupada ao ponto de largar o meu até então namorado, para dar atenção ao meu velho doente.
  Mas depois que viu que seu “ataque” não me causou nada e a conta do hospital estava passando dos zeros que o pão duro que meu pai era conseguia pagar, ficou curado milagrosamente.
  Eu não entendia a implicância dele com , mas para falar a verdade meu pai odiava todos meus amigos. Literalmente todos.
  Quer dizer, não.
  Menos o .
  N I N G U É M odiava o . Até meu pai, que odiava todos os seres que se aproximavam de mim, adorava o playboy. Ele me daria de bandeja para se isso significasse que casaríamos e teríamos lindos filhos loiros e abençoados com nossas genéticas – e fortunas.
  Toda vez que me visitava e meu pai estava em casa, os olhinhos cansados do meu velho brilhavam e meu amigo tinha um tratamento de rei. De todos, ele era o único que meu pai até daria a chave do meu quarto se ele pedisse.
  Completamente bizarro.
  Óbvio que nós dois já havíamos aproveitado esse amor incondicional pelo meu amigo para tirar com a cara do meu velho anos atrás.
  Quando eu fiquei mal em matemática no segundo ano, pedi ajuda de para me ensinar o que ele sabia bem. Até um convite para dormir em nossa casa ele recebeu. E aproveitou.
  Durante a noite, enquanto meu pai estava enfiado em seu escritório, saiu dos quartos de hóspedes e foi para o meu para que botássemos o plano em ação.
  Então fizemos o maior escândalo e barulhos sexuais a noite toda, para dar a impressão ao meu pai que estávamos realmente indo bem fundo aquela noite. Quando na verdade estávamos assistindo The Lion King.
  Na manhã seguinte, prontos para sermos decapitados e provavelmente torturado até a morte por ter “tirado” a virgindade da princesinha do Sr. Hudson, tivemos na verdade o contrário disso. Meu pai antes de sair para trabalhar deixou um café da manhã reforçado para nós, já que na cabeça dele havíamos gastado muita energia naquilo…
  Dias depois os dois se reencontraram e meu pai deu um abraço no meu amigo, como se ele tivesse ganhado uma corrida e no fim o maior prêmio de todos.
  Sim, senhoras e senhores, eu fui um troféu.
  Até hoje ele acredita que tirou minha virgindade, mesmo sabendo que não. Coitado... ele ainda espera que a união entre Greene e Hudson venha a partir de nós.
  Mas quem sabe minha mãe canse do meu pai e case com o pai de .
  Minha mãe ainda continua sendo a mais sensata. Ela amava todos meus amigos e também, até porque todas mulheres o amavam. Mas ela também amava e nem surtou quando namoramos anos atrás.
  Felizmente ela nunca se importou com as coisas idiotas que meu velho se importava. Ela já havia se conformado que não colocaria um anel de diamante em meu dedo, mas provavelmente pagaria um para o meu futuro marido – inexistente – colocar no lugar.
  Por isso que mães são superiores…
  Mas falando no Diabo…
   apareceu loirissimo como um raio de sol em uma manhã nublada, fazendo com que os olhos cansados do meu velho brilhassem como as pedras preciosas que eu usava em meus brincos.
  - ! – Acenei para meu amigo que veio até nós, em nossa pequena cena desconfortável.
  - Senhor Hudson – cumprimentou meu pai quebrando o clima chato. – Pessoal – e nos cumprimentou.
  - Senhor Greene! – Meu pai deu um aperto de mão forte como cumprimento em meu amigo, que retribuiu. Meu velho brilhava, ignorando completamente a existência de .
  Por pouco tempo, pois meu pai adorava alfinetar.
  - Como anda a sua mãe, senhor Graham? – A voz grossa do meu pai fez engolir seco.
  - Tá bem... O senhor sabe né, advogando como sempre... – O rapaz abriu um sorriso e meu pai continuou sério.
  Lembrei.
  Lembrei o motivo para meu pai odiar tanto : a mãe dele.
  A Senhora Graham era basicamente tudo que meu pai desprezava completamente: advogada – quando não trabalhava para ele – e política – quando não era o que ele votava.
  Mas na verdade tinha sim um motivo mais profundo para isso.
  Meu pai, como todo extremista, às vezes conseguia ser mais duro que uma porta e completamente ignorante, muitas vezes até intolerante.
  E a mãe de , como uma boa pessoa, de cabeça aberta e justa, uma vez entrou em uma briga com meu pai sobre as merdas que ele dizia na Igreja e justificava como “apenas minha fé” ou “apenas minha opinião”. Ela o processou e ganhou, desde então ele a despreza com todas suas forças.
  Até eu torci para que a Sra. Graham ganhasse e quando ganhou, invés de ficar em casa ouvindo meu pai reclamar, fui comemorar com eles.
  Era difícil viver em um lugar com um homem com uma cabeça com a dele, por isso ele vivia sozinho ou rodeado de gente que pensava igual a ele.
  Mas era o meu pai e eu o amava, porque acima de tudo ele me amava e, mesmo com as falhas frequentes, se eu precisasse dele, ele viria dos quintos para me acudir.
  Não era a culpa de sua religião, era culpa de seu extremismo. Ele não sabia diferenciar as coisas e não sabia quando parar. Mas eu ainda tinha esperanças que sua cabeça mudasse um pouco, afinal, quando todos os seus bens materiais acabarem, só irá sobrar a mim e minha mãe.
  E ele nem era louco de nos perder.
  O clima estava desconfortável com coçando sua nuca; tentando ignorar tudo aquilo; meu pai de braços cruzados, de cara fechada e eu, impaciente demais com aquela cena.
  - Até domingo, pai. – Beijei sua bochecha em despedida. – Cuida bem da mamãe, tá?
  Ele sorriu.
  - Ela que cuida de mim, você sabe. – Sorri para meu velho, abraçando-o e saindo em seguida.
  Puxei e para dentro do campus, porque pior que deixá-los perto do meu pai e na minha presença, era deixá-los sozinhos com meu pai.
  Dentro do campus, ao notar que meu pai já havia ido embora, arrumei o decote da minha blusa, que já era decotada o suficiente e graças a Deus meu pai não me obrigou vestir outra coisa. Tipo uma burca.
  Nós caminhamos juntos pelo campus e tudo estava calmo, era mais uma segunda-feira em que as pessoas estavam de ressaca demais para se preocuparem com outras coisas.
   e conversavam sobre algo idiota demais e que eu pouco me importava.
  Até que um rapaz de longe acenou para . O que não era algo surpreende, já ele praticamente conhecia toda Hearst e todos o adoravam. era como um imã de pessoas, talvez fosse seu charme irresistível. Claro.
  Mas o rapaz que o cumprimentou não era uma pessoa que eu botaria na lista de amigos e muito menos pessoas que eu iria querer por perto.
  Ethan Mason.
  - Ethan Mason? O que ele faz aqui? Achei que tinha sido deportado – disse para , sem muita animação em meu tom. Queria soar indiferente, mas era impossível em sua abominável presença.
  - É. Ele entrou esse ano aqui na Hearst, junto com vocês. Me surpreende não terem o visto antes. O encontrei em umas das festas do campus. Ele é legal. – Já o tom de era animado, afinal, ele adorava todo mundo.
  - Graças a Deus nunca ter trombado com ele por aqui. – Bufei. – Eu o odeio, de verdade. Me dá arrepios só de lembrar. – E me tremi, levantando meu braço e mostrando para meus arrepios. O loiro só riu.
  Ethan Mason era pra mim no colegial o que a Rachel – ou Leila Mara – é para até hoje.
  Nunca existiu um motivo para ele implicar comigo com tanta força desde o colegial. Era basicamente todos os dias, em qualquer aula, em qualquer lugar. Lá estava Ethan me infernizando, caçoando de mim e tentando me tirar do sério.
  Ele era o típico bad boy problemático e insuportável. Rebelde sem causa, mas que fingia ter uma boa o suficiente para justificar suas atitudes babacas e ignorantes.
  Foram quatro anos com ele me enchendo o saco e irritando todos ao meu redor, até que finalmente me formei e agradeci por nunca mais vê-lo. Mas é, parece que a sorte não estava ao meu lado.
  - Não gosto dele também. – deu os ombros.
   também não gostava dele. Talvez porque o cara me provocava e tendia a me defender sempre, como um amável cavalheiro.
  Ou talvez porque dois problemáticos não se dão bem.
  Mas nunca houve nenhum tipo de confronto físico entre eles, só verbal. Então cada um seguia seu caminho e esbravejava o quanto o odiava e queria quebrar sua cara, mesmo nunca o fazendo. Nunca entendi.
  Mas parando para pensar, dentro de mim, pouco me importava se Ethan Mason estava por perto ou não. Não era como se ele fosse minha criptonita ou meu arqui-inimigo. O que aconteceu tinha que ser deixado no colegial e eu acreditava no fundo do meu coração que Ethan tivesse amadurecido. Esperava.
  Milagres acontecem, certo?
  - Vejo vocês mais tarde – se despediu, enquanto se dirigia até um dos prédios e ficamos então só eu e a sós.
  Estava na hora de tirar Ethan da cabeça e focar no cara mais importante para mim.
  Tirei da minha bolsa meu espelhinho e meu batom cor de boca, dando uma retocada.
  - Então... – dizia, focada em minha maquiagem. – Como foi seu final de semana?
  - É... Foi... Bom... – murmurou algo baixo e o encarei pelo canto de meus olhos, notando então sua falta de atenção. Rolei os olhos.
  - Meus olhos então aqui em cima, . – Fechei a cara e ele corou.
  - Foi mal.
  - Então?
  - Eu não fiz nada de mais. Só saí com uma garota das Alpha Beta Gamma – dizia sorridente. Então eu tirei minha arma da bolsa e dei três tiros nele. Saí correndo antes que a polícia me encontrasse, já que eu era muito bonita para ser presa.
  Brincadeirinha…
  - Desde quando você sai com garotas? – Cerrei os olhos para ele, mas ao mesmo tempo tentei soar o máximo foda-se possível para aquilo.
  - Não foi exatamente um enc – o interrompi.
  - Não ligo. – Dei os ombros.
  Paramos na frente da sala para minha primeira aula.
  - Até mais.
  Entrei na sala, dando as costas para ele.
  - Sem beijinho de tchau? – Seu tom era sarcástico. Eu já estava sentada e pouco me fodendo para ele.
  Quer beijinho? Pede pra outra, porra.
  E não, eu não era o tipo ciumenta.

***

  Joguei a caixa em cima da mesa de centro da nossa casa. As meninas a encararam confusas. Então tiraram de lá as roupas que eu trouxe.
  - O que é isso? – Ana perguntou enquanto examinava o que trouxe.
  - É o nosso projetinho para arrecadar dinheiro para a nossa casa, oras.
  - Vamos fazer uma coreografia também e dançar todas a nova da Britney? – Morgana rolou os olhos e eu respirei fundo, contando até dez.
  - A Britney não lançou nenhuma música nova, burrinha – Brittany disse aleatoriamente, balançando a cabeça em reprovação.
  - Nós vamos lavar carros. – se levantou, vindo até mim. – Pelo o que eu vi, nenhuma outra casa vai fazer isso. É a nossa melhor opção para atrair atenção e mostrar que somos maravilhosas.
  - Eu não sei se quero fazer isso... – Sandra se acuou.
  - As outras casas nunca fizeram isso... – a sua gêmea se pronunciou também.
  - Ok, vamos ver. – Apontei para Abby, que sabia basicamente de tudo que acontecia nas outras casas. – O que as Alpha vão fazer? E o que as Kappa vão fazer?
  Essas duas casas eram as nossas maiores “concorrentes”, apesar de que as Alpha eram tão superiores que não havia uma competição.
  - Bom... as Alpha geralmente fazem docinhos caseiros e vendem para o campus. Os bolinhos são um sucesso e os cookies... uma delícia. – Salivei só de imaginar a quantidade de doces. Depois daríamos uma passadinha lá. Então Abby continuou. – Já as Kappa vão fazer uma feira de livros. Vão vender livros para o campus. E por incrível que pareça, muita gente compra.
  A partir disso, nós já tínhamos mais uma noção do que cada casa representava no campus e qual era seus papéis.
  As Alpha eram as “princesinhas” do campus, certo? Eram cheias de classe, organização, bondade, educação e cores pastéis. As mais riquinhas, mas nem um pouco arrogantes e maldosas. Eram doces e respeitosas. Todas queriam fazer parte das Alpha por se sentirem acolhidas no paraíso de cores pastéis e gente fofa.
  Já as Kappa eram... normais. Aquele grupo que não era nem bom e nem mau, era o meio termo. Eram as simples garotas de coque frouxo, viciadas em livros e em Starbucks, que às vezes eram um tanto... intolerantes. A figura de mulheres altas, magras, gostosas, loiras e afins era o que mais desprezavam e não queriam ser.
  Então nós seríamos o oposto das duas coisas.
   era basicamente o que todas as Kappa desprezavam. A mulher confiante, forte, determinada, porém que sabia que era gostosa e desejada. Se mostrava sim para todos que queriam ver. Usava pouca roupa, viciada em moda, sempre bem arrumada, se tivesse festa ela estava lá e se tivesse bebida nem pensava duas vezes. Não tinha medo de mostrar sua sensualidade, de sua força e nem de ficar com rapazes. Não tinha medo de sexo. Era confiante e seu ego era sua melhor arma. Por isso nos olhos dos outros ela era a vadia.
  E eu, bom, eu era o meio termo entre a princesinha e a vadia. Mais conhecida como o lobo vestido na pele de cordeiro. Por trás das minhas roupas caras e comportadas – na maioria das vezes – existia o meu lado mais demoníaco possível. Aquela que tem veneno misturado no sangue e mesmo com toda a pose, era a definição de Trust No Bitch. E nada me acontecia, porque para todos eu era inofensiva. E no fim, depois que fizesse todas as merdas possíveis, ninguém jamais desconfiaria de mim.
  Então era isso que as Zeta seriam.
  Juntando a fama de vadia de com a minha de princesa e misturando com nossos lados mais demoníacos possíveis, transformaríamos a Zeta no que as Kappa odiariam e no que as Alpha adorariam ser amigas.
  E assim, salvaríamos a casa.
  Éramos a junção de cor e glitter, bebida e moda. Há coisa melhor?
  Só precisaríamos dar um jeito nas meninas primeiro. Principalmente na Morgana…
  - E as Zeta? Lavam carros. – Morgana rolou os olhos, bufando alto.
  - Não, bobinha. – Balancei a cabeça. – Corrigindo: as Zeta lavam carros usando pouca roupa, dur.
  - Não vou vestir isso – argumentou contra.
  - Problema seu. – deu os ombros. – Depois não reclama que a sua casa foi fechada.
  Morgana fechou a cara e saiu bufando para o quarto com o resto das meninas.
  Ia ser difícil…
  Depois de alguns minutos esperando-as se arrumarem e depois terem coragem de sair da casa usando o shortinho verde, a blusinha da mesma cor com o símbolo cor-de-rosa cheio de glitter da Zeta e all stars de cano baixo cor-de-rosa.
  - Não sei se vamos conseguir fazer isso... – Abby mordeu o lábio inferior, um pouco intimidada com os olhares que ainda nem chegaram.
  - É... Não temos esse treco natural de sensualidade que vocês possuem... Falta muita... coragem. Ou algo assim. – Sandra abaixou a cabeça triste e sua irmã imitou o gesto.
  Respirei fundo.
  - Meninas, vocês não precisam agir sensualmente. Só precisam ser vocês mesmas, tranquilamente e naturalmente, lavando os carros e se divertindo no processo. Isso que vai atrair atenção. E não um bando de esquisitas se esfregando nos carros.
   Brittany colocou a playlist de Divas Pop e as músicas começaram a tocar pelos alto falantes da casa para atrair atenção e nos divertir.
  Eu e fomos até a entrada da casa, levantando faixas escritas “Lava-Jato das Zeta” e tentando atrair clientes.
  - Venham lavar seus carros com as Zeta! – gritava, dando pulinhos e dançando conforme a música.
  - Prometemos deixar seus carros limpinhos! Porque nós cumprimos promessas. Quer dizer, quase todas... – Rolei os olhos.
  Agora não, garota.
  O carro acinzentado estacionou em frente da nossa casa e comemoramos nosso primeiro cliente. Isso até ele sair do carro.
  Fechamos a cara.
   estava sorridente e tirou seus óculos escuros. Tinha que ser a praga…
  - O que você tá fazendo aqui? – perguntou de seu jeito doce. Às vezes acho que ela nem reparava no seu tom de voz. A forma carismática e fofa dela apenas surgia quando queria vender bolsas no seu trabalho.
  - Ué, vocês não têm um lava-jato? Eu tenho um carro e dinheiro. Serei seu primeiro cliente. E sejamos sinceros, vocês não vão achar um melhor que eu.
  - Seu carro tá limpo. – Cruzei os braços.
  - Claro que tá, eu não sou porco. – Rolei os olhos com sua resposta.
  - Vamos limpar o que então, menino? – Quis saber.
  - Não precisam limpar. É só mostrar e fingir que estão fazendo isso, então vai chamar atenção dos outros e pronto. De nada.
  Mesmo não nos olhando diretamente – já que estava me evitando -, nós duas rolamos os olhos juntas e saímos. Pegando nossas esponjas e panos, jogando para o resto das meninas.
  - Vamos lá meninas, como ensaiamos.
  - Nós não ensaiamos... – Ana disse baixo.
  - Finge, caralho. - Sweet .
  Nos juntamos no carro, mas mal tinha graça limpá-lo, já que estava impecavelmente limpo. Mas na tentativa de limpar o que já estava limpo, as meninas acabaram de soltando mais enquanto brincavam com a espuma.
  Sandra toda vez que tentava subir em cima do carro – não sei o porquê – e toda vez que caia, nós gargalhávamos até nossas barrigas doerem.
  - , o que você tá fazendo? – perguntei, o encarando com o seu celular em mãos e um sorriso no rosto.
  - Eu tô gravando vocês, oras.
  - Por quê?
  - Vocês não querem clientes? Espera só quando verem esse vídeo…
  Dei os ombros, voltando a lavar o carro junto com as meninas.
  - Cuidado com a mangueira. – Ana gargalhava, fingindo ser um homem com a mangueira. Jogamos água pelo carro para tirar todo o resto de espuma que havíamos o enchido.
  Corri para dentro da casa para pegar os panos para secar e a cera para lustrar o carro. Ao voltar, meu queixo caiu ao ver a fila de carros que estava na entrada da nossa casa, só esperando para serem lavados.
  - Puta que pariu.
  - Vamos ficar ricas! – Brittany deu pulinhos alegres, enquanto ia falar com cada um dos donos sobre os preços.
  Era impressionante ver que apenas um vídeo de oito garotas espalhafatosas, usando pouca roupa e lavando um carro chamaria tanta atenção assim para nós. Na verdade, com essa descrição não ficava tão impressionante assim.
  Mas bom, quem se importa, né?
  O sol brilhava, as músicas tocavam e tínhamos carros para lavar até cansarmos. Era exatamente o que precisávamos para ajudar nossa casa, e agora estava acontecendo.
  Meu queixo caiu mais uma vez, ao ver rindo junto com e Wallace, completamente entretidos com a cena.
  - O que você tá fazendo aqui? – Cruzei os braços.
  - Eu trouxe meu carro. – Sorriu igual uma criança quando ganha um doce.
  - Pra isso você usa o carro, né? – Rolei os olhos. – Fiquem quietos aí, fazendo companhia para os outros caras que estão doidinhos para me ver... nos ver lavando seus carros. – Pisquei para e ele continuou sorrindo com um pouco de sarcasmo.
  - Essa é a minha garota, garantindo o seu suado dinheiro. – Dei as costas, voltando para as meninas.
  Eles já haviam terminado o carro de já estavam passando para o próximo da lista. Havia uma boa quantidade de carros, o que nos ajudaria a pagar alguns móveis novos quem sabe para a nossa casa.
  - Estão prontas, meninas? Vamos ter que nos dividir para dar conta dos carros. Mas vai dar tudo certo. Até o fim do dia todos estarão limpos e nós vamos ganhar um monte com isso!
  - Seja o que Deus quiser.
  - Vaaaaaaaaai Zetas! – Brittany deu um pulinho.

***

  O sol ainda brilhava e estava um pouco quente do lado de fora, mas graças a quantidade de água que usávamos para lavar os carros, ficávamos refrescadas.
  Eu e estávamos lavando o carro de um dos jogadores de futebol da universidade. Nós não estávamos conversando direito desde o final de semana, porque algo sério aconteceu…

Flashback on.
  Entrei no apartamento de , segurando umas sacolas e um sorriso revigorante nos lábios. Fazer compras sempre me deixava de bom humor.
  - Onde você estava? – estava de braços cruzados, me fuzilando. Por causa das minhas comprinhas, acabei demorando um pouco mais para chegar na nossa reuniãozinha.
  - Compras, dur. – Levantei as sacolas. Depois as joguei no sofá e me sentei ao lado de minha amiga.
  - E você estava sozinha?
  Engoli seco.
  - Estava... sim... Aham.
  - Não foi o que eu ouvi…
  Merda.
  - , não significou nada pra mim, ok? Foi só umas comprinhas... Eu fui fraca, mas, eu me arrependi.
  - Do que você tá falando, maluca?
  Bati a mão na minha própria testa. Burra, muito burra.
  - E aí, . Como foram as comprinhas com a Rachel? – Brittany saiu do banheiro, sorridente para mim.
  Fodeu.
  - Como é? – Os olhos de estavam arregalados e todos os meninos já se prontificaram a segurá-la.
  - ... Não é o que você tá pensando.
  A morena rolou os olhos.
  - Tá tudo de boa.
  Franzi as sobrancelhas.
  - Sério?
  - Sim. Tô de boa.
5 minutos depois…
  - COMO QUE EU PUDE CONFIAR EM VOCÊ? MEU DEUS, SUA TRAÍRA. DESGRAÇADA! EU NUNCA MAIS QUERO OLHAR PRA SUA CARA. VOCÊ TÁ MORTA PRA MIM, HUDSON. MORTA!
  - , nããããããããããããoooo! – me joguei no chão, chorando descontroladamente implorando o perdão de minha melhor amiga.
  - Relaxa . – a segurava e Wallace também. Enquanto tentava me consolar.
  A morena se soltou e veio pra cima de mim. Dei um berro assustado.
  - BASTA! – Brittany gritou. – Eu quero paz!
Flashback off.

Foi apenas um erro de um dia. Meu vício por sapatos falou mais alto que minha fidelidade por , eu sei. Mas quando Brittany me pediu carinhosamente com seus olhinhos brilhantes para sair com Rachel, eu tive que aceitar.
  Nunca se diz não para Brittany.
  - ... eu sinto muito.
  - Não fale comigo, traíra.
  - , você tem que entender. Não significou nada! – Bati o pé. – Foi só uma tarde juntas. Não foi nada demais!
  - Pra mim foi! – a morena falou mais alto. Engoli seco. – Você sabe o quanto a Rachel me inferniza desde... sempre! Ela tá sempre a postos para arrumar algum conflito comigo, começou a namorar com a Brittany só para me atingir, vive me provocando para que eu perca a cabeça e agora... – sua voz afinou. – agora ela tá... – engoliu o choro, mas seus olhos lacrimejavam. – Agora ela tá roubando você de miiiiiim. – Sua voz ficou mais fina, porque chorava e falava ao mesmo tempo.
  E eu fiquei emocionada demais.
  - O quê? Jamais! – Engoli o meu choro, sentindo minha voz afinar também. – Querida, ninguém jamais vai me roubar de você. Você é... – não consegui terminar. – você é minha melhor... – chorei junto. – eu te amo! – Caí aos prantos e ela também.
  - Eu também te amo! – E nos abraçamos.
  - Meninas? – Brittany se intrometeu, mas não nos soltamos. – Eu gosto de abraços e também amo vocês. – Chorou junto, entrando no abraço junto conosco.
  Nós três choramos juntas. Então nos soltamos.
  - Tchau. – Brit deu as costas, voltando a limpar o carro que estávamos.
  - , eu sei que você a odeia e eu entendo isso. Eu vou respeitar, porque eu... – voltei a afinar minha voz de novo. – eu faço... – inspirei e expirei, inspirei e expirei para segurar o choro. – eu faço qualquer coisa por você! – Chorei novamente.
  - Eu... – minha amiga me imitou. – Eu também faço qualquer coisa por você! – Chorou junto e nos abraçamos novamente, caindo em prantos.
  - ESPEREM! – Brittany berrou, se enfiando entre nós novamente em mais um abraço triplo.
  Nos soltamos novamente, secando nossos olhos e olhamos ao redor. Todos nos encaravam chocados, boquiabertos. Menos nossos três amigos que já estavam acostumados com isso.
  - O quê? – latiu e todos voltaram para seus postos.
  Voltamos a lavar os carros e passamos a tarde toda nisso. A cada carro que saía, outro entrava. Havíamos lavado uma ou duas dezenas de carros durante o dia, perdemos a conta depois do quinto, quando nossos braços começaram a doer.
  Terminamos o último carro e o deixamos impecável, principalmente por se tratar do carro do ser humano mais insuportável de Hearst – depois de Rachel, claro. Markus Harrison.
  Ele apareceu vestindo sua jaqueta do time de hóquei, se sentindo a própria estrela do campus e encarou bem o carro. Ele estava impecável – o carro, não o porco -, nós nos matamos para deixá-lo limpo.
  O ruivo deu um sorrisinho, mais na tentativa de tentar jogar um charme para mim e do que outra coisa.
  - Valeu. Até mais. – Abriu a porta de seu carro, mas o impediu de entrar.
  - Como assim? Não vai pagar? É caloteiro agora?
  - Não, não sou caloteiro. E nem vou pagar também.
  - Posso saber o porquê? – me intrometi.
  - Porque eu não quero. – Deu uma risada e eu segurei o pulso de para que ela não sujasse o carro que acabamos de limpar com o sangue dele.
  - Repete.
  - Garotas, vocês têm que entender uma simples coisa: quem são vocês aqui? Só estão conseguindo ser reconhecidas a partir de agora, vocês não querem perder tudo se metendo comigo, querem? Não esqueçam, eu sou o capitão do time e as pessoas praticamente me amam. Então... – Deu os ombros. – Até mais.
  Entrou no carro e saiu. Segurei para deixá-lo ir. De certa forma ele estava certo, ele tinha um nome e se nos metêssemos com ele, poderia ser o fim da nossa casa.
  A expressão de era de pura fúria, com algumas veias saltando e a ponto de explodir. Já eu mantive minhas sobrancelhas franzidas, olhando para os lados para ver se alguém havia presenciado tamanha ilusão.
  Ele, amado? Será que ele não ouve o que falam dele?
  Talvez devêssemos ensinar uma lição para ele…
  Mas amanhã, estávamos mortas e precisávamos descansar.

***

  Mais um dia e mais um passo para salvar as Zeta. E mais uma caixa que joguei em cima de nossa mesinha de centro.
  - Mais uma caixa? Uau. – Brittany estava impressionada. – O coelhinho das fadas está inspirado.
  Ninguém entendeu.
  - Dessa vez não tem nada com lavar carros e nem nada. Conseguimos uma boa quantia com os carros e vamos conseguir comprar algumas coisas para a casa. Agora vamos para a fase dois: vamos melhorar o estilo de vocês. Se vocês chamam o que vocês têm de estilo, né... sem ofensas. – começou.
  - Eu consegui com minha mãe algumas roupas da loja dela, tem muitas roupas e mais para vir, mas nessa caixa estão a base para vocês se inspirarem e se vestirem melhor – terminei.
  - Ah, pronto, então agora vocês querem nos fazer mudar nossos cabelos e colocar silicone para atrair caras.... – Morgana deu uma risada sarcástica e perdeu a paciência.
  - Não cariño. Nós vamos fazer vocês mudar seus cabelos e colocar silicone para atrair mais de trinta meninas para salvar a casa. – Sorriu para a garota que ficou boquiaberta. – Agora, se você quiser atrair os caras... isso é problema seu.
  Sandra tirou umas roupas da caixa e ficou confusa, encarando tantos tecidos diferentes e pensando nos estilos que poderiam montar com aquilo.
  - Meninas, eu agradeço a ideia... mas isso não combina conosco. Quer dizer, olha pra você. – Apontou para mim. – Você se veste como uma das Alpha, parece uma Barbie e peituda. Suas roupas custam mais que um carro! – Bufou baixo. Isso era mentira, minhas roupas não custavam tanto assim.... Talvez um carro popular. – E já você... – Apontou para . – Você se veste como uma modelo rica, sempre usando roupas que nós jamais usaríamos, mas sempre antenada na moda. E nós... nós somos assim.
  - Sandra, nós não queremos que vocês sejam iguais a nós – a latina começou…
  - Sim, até porque cada um tem seu estilo e forma de se vestir, agir e ser. Vocês não são bonecas para montarmos da forma que queremos e dizer “ou vocês são assim ou estão fora”. – E isso infelizmente acontecia, não na Zeta, mas já ouvi boatos que já aconteceu na Alpha e até na Kappa, dá pra acreditar?
  - Nós só queremos que vocês se vistam com um pouco mais de confiança, de cor, de moda e parem de se vestir como se vocês fossem invisíveis, porque vocês não são. Vocês são lindas e não precisam ter medo de ousar – tentei explicar melhor usando um exemplo que conhecia muito bem: - É como uma nova era de uma diva pop por exemplo, elas gostam de se reinventar do cabelo às roupas apenas pra demonstrar que estão seguindo e tentando um novo caminho. Não é mudança de comportamento ou personalidade, é apenas inovação de uma forma que faça você dar uma repaginada em si mesma. É uma motivação maior. – Militei. Um pouco.
  - Como aquelas transformações de peso ou algo assim... Aumenta a autoestima e te faz ver a vida de outro jeito, certo? - Ana ajudou.
  - E até você, Sabrina. Não precisa se vestir igual sua irmã toda vez. Vocês são gêmeas, mas não são as mesmas - aconselhei. - E principalmente você, Morgana, você pode não gostar de nós, mas não queremos fazer mal, só queremos salvar a casa. E você também. Então será que podemos ficar em paz?
  - Podemos fazer um acordo, é só experimentar... Se não curtirem, podem voltar com seus estilos antigos. Mas eu prometo que vai valer a pena! Vocês são lindas por si só, só estamos aqui pra incentivar a mostrarem a confiança que pode surgir com essa ajudinha extra.
  - Vamos lá, meninas! – Abby se levantou. – Vai ser divertido. E SS, vocês não disseram que acham as duas Beverly Princess lindas e adorariam as dicas delas? – As gêmeas coraram. E eu e nos entreolhamos, contendo a risada com o apelido mais idiota, mas fofo, nível filme de colegial que já recebemos. – Nós podemos fazer isso! Vai ser demais.
  - Então, por onde começamos? – Ana sorriu para nós. – Ah, e será que podemos fazer um flash mob também?
  Demos os ombros.
  Nos sentamos no sofá e as meninas correram para o quarto – até Morgana – levando as caixas. Peguei minha câmera e pegou sua prancheta para anotar, Brit botou a música e nós preparamos.
  De início, elas não sabiam muito bem como se vestir e acabavam misturando várias cores, parecendo um arco-íris ambulante. Brit adorava, mas nós não.
  Abby decidiu optar por vestidos mais longos, mas com decotes que deixavam seu busto mais exposto e vestidos que delineavam as suas curvas. Os vestidos eram sempre coloridos, bem boho chic.
  Ana permanecia na mesma base, mas optando por vestidos mais curtos ou shorts jeans. Evitando usar saltos – já que a mesma dizia ser um desastre neles. Mas também optou por um estilo mais fofo.
  Sandra foi o orgulho de , puxando mais para o seu estilo. Levemente tropical e chique. Sua gêmea seguiu o estilo, mas pela primeira vez usando roupas diferentes da irmã e abrindo mão do mesmo cabelo Black Power para um todo trançado.
  Já Morgana, mesmo demorado tanto para dar o braço a torcer, escolheu roupas mais pretas, porém que moldavam seu corpo e a deixavam uma gótica gostosa.
  Tirei muitas fotos no processo, admirada com a evolução das meninas. Já também estava muito emocionada com esse processo. Orgulhosa das meninas e que finalmente teríamos como mostrar que éramos muito mais do que eles estavam imaginando.
  - Então, agora tá na hora de arrasar…
  E saímos pelo campus mostrando nossos estilos novos, não para atrair olhares dos caras, mas sim das mulheres. Queríamos mostrar que a Zeta era o lugar onde todas tinham um estilo, todas eram uma e todas eram gostosas pra caralho.
  Óbvio que cagaram real para nós.
   bufou, mas já tinha sido vencida pela situação.
  - A vida é um Black Mirror. Vou baixar algum aplicativo de filtros e arrumar as fotos que tiramos. Um feed bonito atrai olhares, infelizmente. Ou felizmente, sei lá.

***

  - e Hannah estão se beijando embaixo de uma árvore – Wallace cantarolou, gargalhando.
  - Cala a boca – rangi.
  - Deixa só a ouvir isso. – o acompanhou na gargalhada e eu rolei os olhos.
   Não havia nada para esconder dela, mas os dois faziam um dramalhão e uma cena desnecessária para qualquer coisa que ouviam.
  Muito fofoqueiros.
  Hannah e eu havíamos saído apenas uma vez, não havia sido exatamente um encontro – mesmo que só tenhamos ido nós dois. Foi apenas um jantar, dois amigos, muitas risadas e uma noite incrível.
  Sim, era bom sair com alguém que não fosse a , já que eu estava acostumado a só sair com ela desde... sempre. Às vezes era bom sair com outra garota. Não seria o amor da minha vida ou coisa do tipo, era só... sair.
  E Hannah era incrível, atraente, inteligente e uma ótima pessoa para conversar, ouvir e ter um momento muito bom junto. Óbvio que sairíamos juntos novamente, mas não queria que fizessem uma situação maior do que era. Éramos apenas amigos. É.
  O único problema era sim o ciúme de , mesmo que não estivéssemos mais juntos, ela não gostava de me ver com outra pessoa, como eu não gostava de vê-la com outro. Mas diferente de mim, ela fazia mesmo assim. Então por que eu não podia sair com uma amiga?
  Me entupia com hambúrguer e batata-frita, porque eram as poucas coisas boas que vendiam na lanchonete do campus.
  - Fica relaxado, . Quem sabe a reage bem. Acredito que no final você não vai quebrar nenhum osso. – Wallace permanecia debochando e rindo, mas eu os ignorei.
  E logo eles pararam também, porque elas chegaram.
  Sempre que as três apareciam uma coisa mudava, o clima ficava mais leve. Talvez por estarmos tão acostumados com elas e suas presenças, era como se nós fossemos novamente os três rejeitados e as três Rainhas do Baile.
  A minha favorita estava deslumbrante até mesmo de onde eu a via. Parecia brilhar em seu vestido branco que moldava seu corpo e o decote que mesmo de longe era impossível não notar. Seus cabelos estavam presos, mas algumas mechas caíam sob seus ombros. Era a mais linda de toda a Hearst, sem dúvidas.
  E que Hannah não me pegue falando isso.
   ria de algo que Brit fazia e segurava as duas amigas, mantendo a pose e rindo conforme a piada ficava mais forte. Mas então as expressões das três mudaram quando o Sr. Johnson passou perto delas.
  Ele deu uma puta secada em , uma que até eu nas mesas mais afastadas pude perceber. Claramente ela ficou desconfortável e se agarrou mais forte na amiga, que a apertou junto, se escondendo – mais precisamente, seu busto.
  Eu não sabia ao certo qual era o lance do professor com ela, até porque ela ainda não havia me contado, mas não era da mesma forma como ela fazia. Não era um dos flertes aleatórios que ela jogava por algum cara qualquer, dessa vez ela se sentia realmente desconfortável, realmente constrangida e ameaçada quando ele a olhava.
  E nunca havia a visto de tal forma, com tanta aversão por alguém que a admirava.
  Isso fez meu sangue subir, e quando meu sangue subia... não queria imaginar o que se passava na cabeça do professor, porque se eu soubesse não sairia bem para nenhum de nós dois.
  Nesse momento, tudo que eu queria era proteger desse homem, cuidar dela e mostrar que ela não precisava ter nenhuma preocupação, porque jamais o deixaria chegar perto dela.
  Fechei meu punho quando o olhar do homem fitou o corpo de por trás, dando um sorriso malicioso.
  Isso não ficaria assim. Ele ia se foder na minha mão se a olhasse assim mais uma vez.

***

  Até agora a casa não parecia mais tão horrenda.
  Depois da aula, conseguiu um tempo para organizar as coisas comigo. Compramos alguns objetos de decoração para casa, para tentar colocar mais cor e chamar atenção.
  Nossa playlist tocava e enquanto dávamos uma limpada em tudo.
  - Tá tudo bem? – me perguntou, se sentando no sofá e eu me joguei junto, descansando minhas pernas.
  - Tá tudo sim, por quê?
  - Não parece. Parece que está escondendo algo, diz aí.
  - Você sabia que o saiu com uma garota das Alpha? – bufei. – Ele diz que não é um encontro, mas acha que me engana.
  - E se for? Qual é o problema? Vocês estão terminados, lembra?
  - E daí? Isso dá permissão para sair com outras? – Rolei os olhos e me encarou com o melhor olhar de “sério amiga?”
  - Com quantos caras você saiu desde que vocês terminaram?
  Tirei um tempo para contar.
  - Nenhum.
  - Tá, vou reformular: com quantos caras você ficou aleatoriamente desde que vocês terminaram.
  Respirei fundo.
  - Pergunta difícil…
   riu.
  - E com quantas ele saiu ou ficou?
  - Não sei.
  - Então, qual é o real problema em que ele saia com outra? Tem que ser sincera.
  - Eu não sei... Eu acho que só tô com um ciúme idiota. – bufei. – Eu não me importo em ver com outras garotas, eu lido bem com isso, porque no fim ele nem fica com elas. Mas dessa vez... ele tá realmente saindo com outra e a chance de que ele a ache mais interessante e fique com ela de vez. Me dá uma pontada no peito. Não gosto disso.
  - Então acho que falta maturidade de ambas as partes. Não adianta você ou ele ficarem de encontros por aí iludindo pessoas se no fim o que sentem um pelo outro é mais forte. Deveriam tentar algo logo ou se afastarem de uma vez. Esse meio termo não vai levar a nada. – Minha amiga tocou meu ombro. – O gosta de você e isso é uma coisa que está clara para nós. Você não é obrigada a voltar com ele só porque ele tá saindo com outra. Mas também não pode monopolizar ele, como se você fosse a única garota que ele pode chegar perto. Cedo ou tarde vocês vão se entender, e se for mesmo pra ser, nenhuma outra garota ficará no caminho.
  Não me sentia mal por sentir ciúmes de , me sentia mal por estar indecisa em ficar com ele ou deixá-lo livre.
  Depois do festival, quando eu tive que encarar meus sentimentos quando estava perto dele, consegui entender que o título de ex-namorado não adiantava muito com ele, porque ele não era nada de ex em minha vida. Então as coisas dentro de mim começaram a ficar mais claras e que talvez devesse engolir esse meu orgulho e me entregar de vez, porque era o e não havia nada de ruim nele.
  Mas ainda assim, eu tinha um gosto amargo em minha boca toda vez que eu relembrava do nosso término. Foi traumático demais para mim, me deixou com muitas dúvidas e incertezas sobre nós. Nunca soube porque ele terminou comigo dias antes do meu aniversário, não soube o que ele fez no verão daquele mesmo ano e como voltou tão... diferente. E muito mais, não sei porque ele preferiu ficar aqui do que estudar fora. Era o sonho dele e mesmo assim ele desistiu tudo. Por quê?
  Eram essas pequenas incertezas que não me deixavam tomar coragem e voltar definitivamente com . E tudo que eu queria era que ele respondesse essas perguntas, mas ele foge disso como o diabo foge da cruz. Ele finge que eu não sei e isso é o que me deixa mais confusa e irritada sobre o que pode estar acontecendo.
  Já fui magoada uma vez, Deus me livre passar por isso de novo.
  Minha amiga notou meu silêncio e tomou minha mão delicadamente, me trazendo à realidade.
  - Ei, ratinha, lembra o que você me disse no banheiro da festa do ? – Neguei com a cabeça. – Que você gosta do , mas que você gosta mais de você. Não esqueça disso. Vocês podem se amar e tudo mais, mas no momento que isso começar a ser prejudicial à sua saúde mental, eu vou ser a primeira a te fazer se afastar.
  Sorri. Era bom saber que a estava comigo e não importava o que acontecesse, isso me dava uma segurança e era o que eu me segurava quando me sentia bagunçada em meus pensamentos indecisos.
  Mudei de assunto.
  - Você sabe quem eu vi hoje pelo campus? – A latina negou com a cabeça. – Ethan Mason, lembra dele?
  Minha amiga tirou uns minutos para pensar então abriu a boca, como se estivesse surpresa.
  - O que ele faz aqui? Achei que ele tinha sido deportado.
  Me exaltei, dando um pulinho.
  - Eu disse exatamente disso!
  - Deportado tipo, pro Inferno. Detesto aquele garoto... – E continuou doce.
  Acalmei-me.
  - Acho que eu deveria conversar com ele, sabe, pelos velhos tempos. – Dei os ombros.
  - Eu achei que vocês se odiassem – disse inocentemente, mas então em seguida sua expressão mudou para algo mais sério e eu fiquei confusa. – Não... Nem fodendo. , fique longe do Ethan!
  - Por que, doida?
  - Porque você só vai atrás dele quando quer fazer ciúmes ao , porque você sabe que eles se odeiam.
  Rolei os olhos.
  - Eu não faço isso…
  - , você é tão óbvia! Você ficou com ele no baile de formatura só porque você e o haviam terminado. O te odiou por isso e foi basicamente o motivo para acharmos que não o veríamos mais.
   estava me dando uma bronca. Por isso não devia ter trazido esse assunto para a nossa roda.
  - Ok, eu fui imatura e lembro muito bem disso. Eu me arrependi bastante de ter feito isso. – nem um pouco. – Mas não quero usar ele e nem nada, eu só quero conversar com ele…
  - Você não percebe, né? – veio pra mais perto. - Você tá com ciúmes do e quer dar o troco, indo atrás do cara que ele mais detesta no mundo. Pra quê? Pra que ele fique com ciúmes e esqueça da outra, então foque a sua atenção completamente para você. , isso é muito errado e você só vai acabar se machucando e machucando outras pessoas.
  - Eu não vou fazer isso. Que merda! – Bati o pé. – Ninguém consegue perceber que eu amadureci e não quero fazer mal a ninguém? – Sentei no sofá cruzando meus braços. Eu estava emburrada.
  - , eu não posso te dizer o que fazer, mas você não vai ter meu apoio nisso. Você sabe que é errado, mas se quiser fazer... é a sua consciência. Você só tem que parar de ser tão... teimosa.
  Meu celular tocou mais uma vez e eu rolei os olhos ao ler o visor. Era a quinta vez desde o final de semana que Sr. Johnson me ligava. Desde que conseguiu meu número, começou uma obsessão insuportável por mim.
  - Não quero atender.
  - Eu atendo. – sorriu e ela pegou o telefone da minha mão, atendendo e colocando-o no viva-voz.
  - Senhorita Hudson?
  - Ela não pode atender essa ligação. – Forçou um sotaque diferente para ele não a reconhecer. Levei minha mão à boca, para me calar.
  - Por quê?
  - Porque ela está morta.
  Ela falou aquilo com tanta calma que até eu acreditei…
  Não consegui segurar minha gargalhada, sentindo minha barriga doer profundamente. Limpei as lágrimas que escorriam.
  Sr. Johnson ficou quieto por um tempo e depois de ouvir um pouco das risadas no fundo, sua voz saiu fria:
  - Bom, então avise para a falecida senhorita Hudson que se ela não me encontrar em minha sala ainda hoje eu a reprovarei. Tenha um bom dia, senhorita Vega. – E desligou na cara de , deixado nós duas de queixo caído e com expressões incrédulas.
  - Ele pode fazer isso? Me reprovar só porque eu estou o evitando? – Encarei minha amiga com preocupação. Mesmo com toda sua perseguição, ele nunca havia sido tão frio e me deixado com tanto medo.
  - Você não voltou para as aulas dele, acho que ele pode sim.
  Respirei fundo imaginando o que teria que aguentar.
  Trabalhei muito para evitar ir em suas aulas, mas manter minhas notas boas. E talvez fosse mais fácil abrir logo a boca e contar como eu me sentia em relação a ele, mas infelizmente seria só a minha palavra contra a dele.
  Meu pai podia ser rico, mas nesse caso nem o dinheiro dele me salvaria caso Mr. Johnson tentasse revidar.
  O silêncio permaneceu por um tempo, até que Ana entrou na casa, passou correndo para o segundo andar e então ouvimos a porta bater. Nos entreolhamos e decidimos subir.
   deu duas batidinhas na porta, mas ao não obter resposta, entrou primeiro e eu a acompanhei.
  Ana estava deitada na cama, com o rosto afogado no travesseiro. Dava pra ouvi-la chorar baixo junto com uns soluços. Meu coração pesou, pesou demais. Sentei ao seu lado e toquei seu ombro delicadamente.
  - Ana, o que houve?
  Ela se virou para nós, com o rosto vermelho de tanto chorar e com as lágrimas escorrendo ainda.
  - Eu... Eu odeio as pessoas dessa merda! – despejou, voltando a soluçar.
  - O que fizeram com você? – A voz de ficou mais firme. Eu sentia que ela explodiria e mataria a pessoa assim que ouvisse o nome.
  - Markus, aquele babaca... Ele me humilhou no refeitório. – continuava soluçando e eu abracei de lado, deitando sua cabeça em meu ombro. – Eu não fiz nada pra ele, eu juro…
  - O que ele fez?
  - Uma piadinha machista idiota, então eu disse pra ele crescer... E... – voltou a soluçar. Então respirou fundo. – Então ele jogou minha bandeja no chão, rindo. Me mandou limpar ou comer no chão mesmo, porque eu era uma porca. – Ela tentou se conter, mas eu sentia seu coraçãozinho doendo mesmo só de falar. – Ele e os amigos dele ficaram fazendo sons de porcos enquanto eu ia embora. Eu me senti um lixo, meninas. – Então ela desabou novamente em meu ombro e eu acariciei seus cabelos levemente.
  - Cariño... – segurou o rosto da menina delicadamente, mas eu notei a irritação em seu corpo pela forma que ela mordeu o próprio lábio. – Eu te prometo que isso não vai ficar assim, ok? Fica tranquila, pode chorar à vontade. Mas eu te juro, ninguém nunca mais vai te humilhar.
  Ana sorriu tristonha e se deitou na cama, respirando fundo e fechando os olhos. Saímos do quarto para deixá-la descansar. Respirei fundo, encarando minha amiga sem saber exatamente como conter a minha raiva.
  - Podemos dar uma lição no Markus? – Sorri maligna para minha amiga, que assentiu.
  - Tudo no seu devido tempo, cariño.

***

  Eu estava tão distraído que não percebi e muito menos o senti vir. O primeiro murro que me deu.
  E depois mais um e depois mais um. Na frente de todos, ela não teve vergonha de sair me batendo.
  - O que foi? O que eu fiz, porra? Para – pedi, enquanto tentava me proteger e desviar de suas mãos e tapas.
  - Se você magoar minha melhor amiga você tá fodido, cabrón. – Me bateu de novo e eu tentei me desviar.
  - Do que você tá falando, mulher?
  - Desse teu lance com essa tal de Hannah. me contou tudo. – Rolei os olhos. Fofoqueiro…
  - NÃO. TEM. LANCE. NENHUM! OK?
  E me bateu.
  - Não grita comigo, viadinho, tá pensando que é quem?
  Me bateu mais uma vez e mais uma.
  - Para, pelo amor de Deus – choraminguei e ela parou. – Não tem nada acontecendo, juro.
  - Acho bom mesmo, porque se você a magoar eu vou arrancar seus sacos e dar para os cachorros da minha vila comer, porque eles adoram salsicha branca. – Me deu mais um tapa e saiu andando.
  Tremi só de pensar nisso.
  Isola.
  Tentei ignorar a cena toda e alguns olhares acompanhados de risadinhas. Saí andando pelo campus, para meu próximo compromisso, mas fui parado pela morena sorridente.
  Merda.
  - Ei Hannah. – Sorri meio intimidado
  - Ei . Eu estava te procurando.
  - E por quê?
  - O Halloween está chegando... Você gosta do Halloween, certo?
  Dei uma risada. Quem não gostava?
  - Claro! Já tirei o pó da minha fantasia de Drácula, ou algum super-herói. Ainda não decidi – brinquei. A morena deu uma adorável gargalhada.
  - Bom, então eu fiz o certo em vir te entregar isso. – Deu em minha mão o folheto de uma tal festa de Halloween que os meninos da Lambda dariam na noite de Halloween. – Espero que você vá. – Piscou para mim. – Te vejo por aí. – E saiu.
  Sorri.
  Olhei para os lados para garantir que nenhum dos meus cinco amigos estivesse de olho em mim.
  Não queria morrer.

***

  Estava indo contra uma vez, mas eu estava tentando provar algo mais para mim do que para ela. Eu havia amadurecido e esperava que Ethan também.
  Não queria passar os meus anos da faculdade tendo guerrinhas estúpidas como Rachel e . Queria acabar com uma idiotice do colegial de uma vez.
  Aproximei-me do rapaz que estava debaixo do capô levantada de seu carro, um Shelby Mustang 1968. Eu mal sabia sobre carros e tudo que sabia era graças e seu pai mecânico. E ambos falavam sobre carros antigos e suas preciosidades.
  Fui chegando mais perto, sem saber ao certo como me apresentar para ele, já que estava tão ocupado mexendo nas peças do carro para prestar atenção em mim.
  - Ei, virgem. – Seu tom tinha uma animação que fazia sobressair seu sotaque inglês, mesmo sem me ver e isso me assustou. Então ele se virou para mim, com um sorrisinho sarcástico no rosto. – Eu senti o adocicado perfume de virgem e já sabia que era você. As coisas não mudaram mesmo. Estou orgulhoso por ter permanecido virgem na universidade, as garotas daqui são uma loucura. – Ele mantinha seu sorriso sarcástico no rosto enquanto fazia suas coisas com o carro.
  - E aí, estrangeiro. Não devia estar na sua terrinha? Seja lá onde ela fique – ataquei na mesma moeda, mas ele ignorou.
  Como assim ignorou?
  - É. Não mais. – Deu os ombros, enquanto continuava mexendo nas peças do carro e ignorando a minha existência. – O que você quer comigo, afinal?
  Saiu novamente, agora se virando para mim com uma expressão mais séria.
  - me contou que você estava por aqui e eu achei que seria legal te cumprimentar, já que faz tempo que não nos vemos. – Ousei trajar meu sorriso mais simpático possível. Eu só usava para pessoas que realmente importavam, principalmente gente com dinheiro o suficiente para me dar uma carreira. – Podemos sair, ir à um bar, clube stripper, beber uma cerveja ou qualquer coisa que seu tipo goste.
  Ethan deveria se sentir lisonjeado.
  - É, da última vez que nos vimos você estava agarrada no meu pescoço. Eu lembro bem. – Seu tom era provocativo e isso me fazia amaldiçoar o sotaque dele, que fazia isso tudo mais malicioso. Deu um sorriso malicioso e eu fechei minha cara, cruzando meus braços e repetindo mantras na minha cabeça pra não matá-lo. Ethan me examinou dos pés à cabeça e sorriu novamente maliciosamente, então desviou o olhar para seu carro. – O que você quer realmente comigo?
  - É, percebi que a maturidade ainda é o que te falta. Não se pode ter tudo, não é mesmo?
  Então sua cara fechou e eu achei que venci. Eu poderia saborear a vitória, pena que ele foi mais rápido que eu.
  - Entendi, entendi porque você está aqui. – Abriu um sorriso falso. – Você está aqui pra me usar para fazer ciúmes ao ! Cara, eu deveria ter sido mais rápido nessa.
  - O quê? – Fingi um choque que nunca existiu. – Eu jamais faria isso.
  Ethan riu.
  - - Odiei a forma que disse meu nome, era como se tivesse aversão a mim. –, as pessoas não vêm a mim para aulas de inglês, pode ter certeza disso. – Sua expressão ficou mais séria. – E o que eu tenho a oferecer não é o que você quer, então, só sobrou uma opção que cabe em que você está acostumada a fazer. – Sorriu sem um pingo de verdade. – Usar as pessoas para atingir o . Principalmente com toda a Hearst comentando que seu namoradinho transou com a garota da Alpha.
  Travei a mandíbula, respirando com um pouco de força e sentindo meu sangue quente correndo pelas minhas veias.
  Ele tinha um sorriso vitorioso nos lábios por ter conseguido me calar e me deixar com a cara no chão. Maldito, ele me conhecia bem.
  Mas eu não o daria esse gostinho.
  - Rumores. É o que você faz bem né? – Me aproximei dele, tentando passar um instinto ameaçador. E quando percebi, já estava perto demais... mas isso não me deteve.
  - Não é o que eu faço de melhor. – Seu sorriso de canto arrepiou meus fios da nuca e mais uma vez seu sotaque mexeu de uma forma que não deveria. Não poderia entregar o jogo agora.
  - Com certeza espalhar rumores por aí é o que faz de melhor. Como quando espalhou que nós transamos depois do baile, o que nós dois sabemos que é mentira.
  Ethan deu os ombros e fechou o capô do carro, me assustei e me afastei, ele deu a volta para ir até sua porta.
  - Não fui eu que espalhou esse. Foi a Rachel. – Então deu uma piscadinha pra mim.
  - Aquela pequena e nariguda vadia – rangi.
  Ethan riu de novo e se escorou em sua porta.
  - Bom, adorável reencontro. Não devemos fazer isso novamente. – e sorriu. – Você não vai me usar para fazer ciúmes em seu namoradinho, Hudson. Não de novo. – ele balançou a cabeça em desaprovação. – Cara, e eu realmente acreditei que a universidade havia te amadurecido... É, me enganei. Uma vez vadia manipuladora e sem coração, sempre uma vadia manipuladora e sem coração.
  Então entrou em seu carro e buzinou para que eu saísse da frente. E foi embora, me deixando para trás, completamente sem palavras.
  Era assim que ele me via? Uma vadia sem coração e manipuladora?
  Bem, ele estava errado. Eu não era a vilã aqui. Nunca usei ele e jamais usei ninguém para fazer mal ao . Todos os caras que eu fiquei quiseram estar comigo por vontade própria, nunca magoei ninguém. Quem sempre terminava magoada era eu.
  Devia ter escutado e ficado longe de Ethan. Ele era problemático demais para mim. Jamais daria para ter uma amizade com um troglodita.
  Pelo menos fiz minha parte e minha consciência estava tranquila.
  Agora eu tinha coisas mais importantes para fazer…

***

  Respirei fundo, fazendo o sinal da cruz antes de entrar na sala do Mr. Johnson, conferindo se meu spray de pimenta e meu apito estavam bem guardados em minha bolsa.
  O homem estava sentado em sua mesa, com a sua atenção completamente focada em seus papéis. Mas ao notar minha presença, seus olhos foram diretamente para mim.
  Mas não exatamente em mim. Seus olhos estavam perdidos em minhas pernas nuas pelo vestido que usava e foi lentamente subindo, ficando uns segundos parados em meus seios e subiu, até meu rosto. Foi então quando sorriu simpaticamente, mas sua máscara de porco combinava mais.
  - Senhorita Hudson, achei que não nos veríamos mais – disse, se levantando e vindo em minha direção. Ele passou por mim e fechou sua porta.
  Senti um frio em minha barriga e fechei os olhos por um momento, tentando controlar a vontade de sair correndo e os calafrios. Ficar sozinha com Mr. Johnson me aterrorizava mais do que assumia.
  - Então, o que o senhor quer conversar? Eu preciso fazer uma coisa e... – tentei ir ao mais rápido ao X da questão, para ir embora de uma vez.
  Mas pela expressão do professor, sabia que ele me alugaria até que estivesse satisfeito de mim.
  - Bom, temos que discutir sua situação. – Seu tom era calmo e paciente, ele tinha total noção do que fazia e isso era o mais nojento. – Você tem notas excelentes, mas nunca frequenta minhas aulas e eu posso te reprovar por isso. E você não quer isso, certo?
  Neguei com a cabeça.
  E ele sorriu novamente.
  - Acho que podemos chegar em um tipo de... acordo... Que tal? – O homem se aproximava de mim aos poucos, até ficar em minha frente. Para enxergar seu rosto eu teria que levantar minha cabeça, mas não queria. Meus olhos estavam presos em meus pés e lá ficariam.
  - Que tipo de acordo? – Ouvi minha voz falhar. Ela estava trêmula e eu cada vez mais aterrorizada.
  - Você pode ser minha ajudante, que tal? – Levantei a cabeça, estranhando o pedido. Já esperava algo mais bárbaro.... – Eu preciso de uma ajudinha de vez em quando e como você é tão... prestativa na biblioteca, adoraria tê-la para mim.
  Era impossível não notar o quão sujas algumas palavras saiam de sua boca, principalmente quando sugeriam algo a mais. E ele sabia que eu entendia. E isso o deixava mais confiante ainda para continuar.
  Eu não tinha opção. Precisava passar de ano e para isso teria que fazer um pacto com o próprio Diabo.
  - Tudo bem. Eu aceito. – Respirei fundo, aliviada por estarmos finalmente no fim disso e para que eu pudesse ir embora.
  Mas não seria tão fácil.
  - Ótimo! – Sorriu. – Começaremos o mais breve possível. – sua mão tocou meu ombro nu e ele acariciou minha pele como se eu tivesse o convidado, mas não fiz. – Faremos uma ótima dupla juntos, eu acredito nisso.
  Tremi, só querendo fugir dali o mais rápido possível.
  - P-posso ir agora? – Minha voz ainda estava falha e então sua mão saiu de mim e o homem caminhou para sua mesa.
  - Pode ir sim. – Sentou. – Só mantenha seu celular ligado, te avisarei quando precisarei dos seus serviços. – Meu estômago se embrulhou com a forma suja que disse e corri para a porta, tremendo e tentando abri-la rapidamente. – Ah, e ? – Virei-me para ele. – Experimente usar mais vestidos assim... eu gosto. Combina com você.
  A última coisa que vi foi o sorriso perverso do meu professor enquanto eu fugia de sua sala o mais rapidamente.
  No corredor os olhos se voltaram para mim e eu me senti suja. Suja não, me senti imunda, emporcalhada, nojenta. E os olhares das pessoas me faziam me sentir completamente imoral demais para estar lá. Abracei meu corpo e saí correndo, passando pelos olhares de reprovação.
  No meio de tantos olhares de reprovação, havia um único olhar reconfortante quando passei por ele, mas não tive tempo para ficar. Precisava me limpar.
  E com a raiva que sentia brotar como uma flor de chamas dentro de mim, minha cabeça se iluminou.
  Precisava extravasar e já sabia como.

***

  Eu sabia que deveria esperar por para então dar o troco em Markus, mas algo em mim queria fazê-lo pagar pelo o que fez para Ana. Algo em mim queimava por dentro, me deixando com uma fúria que nunca senti antes. Só de imaginar a situação que ele a fez passar... Isso me deixava revoltada. E eu não achava que sabia como eu me sentia.
  Quer dizer, até sabia, mas não entendia na mesma forma que eu.
  Não havia conseguido me acalmar depois do que aconteceu com o Mr. Johnson, eu apenas estoquei o nojo dentro de mim para servir de combustível para o que eu queria fazer. A hora dele iria chegar, mas primeiramente eu iria vingar Ana.
  Estava no Uber esperando que me levasse para meu destino, eu só precisava garantir que meu parceiro de crime estivesse onde deveria estar.
  Liguei para o número, mas ninguém atendeu. Mais uma vez apenas na caixa eletrônica.
  - Oi, aqui é o . Não posso atender agora, mas deixo aqui o pensamento do dia: A verdadeira função do homem é viver, não existir. Jack London.
  Rolei os olhos.
  : Alguém viu o ?
  Brittany: Eu o vi sim e você também, hoje cedo. Não lembra?
  : Alguém que não seja a Brittany.
  Wallace: Não sei nada do traíra um e do traíra dois.
  : O que aconteceu, meu bombom?
  : Eles dois estão jogando sem o Wallace KKKKK Na casa do .
  : Obrigada diamante dos meus brincos.
  : O que você quer com o ?
  : Sexo.
  Brittany: O não é gay?
  Wallace: KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK
  : Correção: não estamos jogando. Estamos fodendo gostoso.
  : Crendiospai…
  : Putz.
  : Eu odeio muito vocês.

  Bati na porta e esperei ser atendida. Não demorou para um bagunçado e SÓ de samba-canção me atendesse todo sorridente.
  Ele parou um pouco para me olhar. Eu usava um suéter cropped rosa bebê de malha felpuda, uma saia tubinho denim cintura alta. E eu usava – surpreendentemente – um All Star branco cano baixo.
   deu um sorrisinho, um daqueles elogios sem palavras. Principalmente ele por ter acompanho muito da minha... evolução. Esse sorrisinho era melhor que sua cara emburrada quando me vestia tão sensual quanto a . Era um tipo de proteção de irmão mais velho que obviamente eu tirava sarro.
  - Não acredito, você veio me visitar! – Me abraçou forte, me tirando do chão e depois me girando dentro de sua casa, como uma criancinha. Como eu disse, ele me tratava como uma irmãzinha.
  - Bom... – Segurei nele para voltar para o chão sem levar um tombo, já que eu estava sem salto e ele era um gigante. – Mais ou menos isso. – Dei os ombros e ele rolou os olhos.
  Fui para sua sala, onde estava deitado no tapete jogando videogame completamente focado na televisão e no jogo. Igual uma criança entretida. E também seminu.
  Parei em sua frente, impedindo sua visão.
  - Vai se foder seu... – Parou, ao levantar a cabeça e me ver, então sorriu maroto. – E aí, meu amor. – Se agachou e me puxou para baixo.
  - Vai me trair na minha frente, ? – debochou. – Quando eu contar para o seu pai e desmanchar o casamento, qual será seu castigo?
  Ri.
  - Capaz dele ir atrás de você e te pagar pra casar comigo, só pro não ter chance.
  - E eu tenho chance então? – arqueou as sobrancelhas, dando um sorrisinho.
  - Querem privacidade? – sorriu maroto.
  - Claro. Podemos usar seu quarto, irmão? – O moreno sorriu e deu o dedo.
  - Eu só tenho uma dúvida…
  - Qual?
  - Por que vocês estão seminus? – Cerrei os olhos, desconfiada do que esses dois faziam.
  - Estamos jogando videogame, oras.
  - Pelados?
  - Stripgame. Quem perde tira.
  Respirei fundo. Amém.
  - Ah sim, eu jogo Strip Poker com a de vez em quando também. – Sorri aliviada e os dois me encararam com aquela cara de que eu havia falado demais e mexido com a imaginação deles.
  - Sobre o quarto... então, vamos? – sorriu malicioso.
  - Não vim aqui para isso. – Rolei os olhos.
  - Veio por que, amor?
  - O quanto você quer ferrar o Markus Harrison? – Sorri para o moreno e ele retribuiu.
  - Muito.
  - Então você tem que me levar para assistir o seu treino e depois para um jantar, que tal?

***

  Assisti o treino todo e não havia nada muito interessante, mas toda a testosterona que o jogo tinha era muito impressionante e levemente excitante.
  Esperei acabar e esperei tomar banho, então se arrumar para que pudéssemos sair. E o lugar especial que ele me levou foi, isso mesmo, para a lanchonete do campus.
  Mas porque eu pedi.
  Eu faria com que Markus aprendesse a não mexer mais com as Zeta e o faria deixar de ser tão arrogante assim, não era porque era o capitão do time que era melhor que qualquer um.
   me encarava confuso enquanto eu comia calmamente minha batata frita e bebia meu milk-shake.
  - Você não vai me contar mesmo o que tá planejando, né?
  - Ainda não.
  Continuei comendo minha batata delicadamente.
  - , sobre a Hannah... – Não queria tocar nesse assunto.
  - Não vamos conversar disso agora, tá?
  - Mas…
  - Relaxa.
  Estava tudo planejado. Depois de hoje eu mataria dois coelhos com uma cajadada só. Hannah deixaria de ser um empecilho para minha relação com e de quebra ainda daria um fim no ego insuportável de Markus.
  Mas tudo em seu devido tempo.
  , por mais que tenha seus problemas com raiva, era realmente e completamente bonzinho e não fazia coisas que considerava errado. A não ser que ele entrasse no máximo de raiva e perdesse a cabeça.
  Não queria que ele sujasse as mãos. O payback era meu.
  : Ele tá aqui.
  Vamos enrolar um pouco, faça tudo rápido e faça direito. Não quero que isso volte para mim, ok? Boa sorte.

  Sorri para .
  - Tá na hora. Vamos nessa.

***

  Com a ajudinha das Alpha, deixaríamos Markus ocupado por algum tempinho. E seria o suficiente para que ele abaixasse a guarda e fosse o suficiente para que ele recebesse tudo que plantou.
  Ana e não eram os primeiros que Markus havia ferrado. Ele havia mexido com muita gente e até gente importante do campus. Ele era basicamente odiado por todas as pessoas, só os professores gostavam dele e nós sabíamos o porquê.
  Quando você tem alguém importante pagando seu salário, você engole até o mais filho da puta.
  Parei na frente do carro vermelho de Markus com um sorriso e me encarou, um pouco confuso e quando se tocou, negou com a cabeça.
  - Não vou fazer isso.
  - Não pedi para você fazer. Quem fará tudo sou eu. Relaxa.
  - ... Isso não é uma boa ideia. Ele vai surtar.
  Dei os ombros.
  Estávamos em uma área livre de câmeras e, com a ajuda das Alpha, ninguém saberia que estivemos aqui. E todos os sons seriam abafados pelo barulho normal do campus, que mesmo em um dia de semana normal estava sempre movimentado.
  Tirei de dentro da bolsa que pedi para trazer um taco de hóquei antigo, mas que seria bom o suficiente para que eu fizesse o que queria. Mas , que me olhava com reprovação, estava se afastando.
  - , para. – Segurou meus ombros. – Isso não é certo, se nos pegarem podemos ser expulsos e até presos!
  Rolei os olhos.
  - Mas quem tá com o taco na mão sou eu, ou seja, você tá limpo. Eu só preciso que você fique de guarda pra mim. Qual é. – Encarei fundo os olhos de . – Você me disse que queria foder com o Markus, essa é a nossa oportunidade!
  - Não assim, cara. Não quero ser tão ruim quanto ele é. – Coçou as têmporas. – Eu não vou fazer isso, . E nem você. – subiu em seu skate. – Vamos embora. Agora. – Estendeu a mão para mim, mas eu não a alcancei de propósito.
  - Eu preciso fazer isso, .
  - Tudo bem então. Sinto muito, mas eu não vou fazer parte disso. – Ele foi se afastando aos poucos e senti meus olhos marejarem, mas a raiva dentro de mim foi mais forte.
  - Você vai me abandonar? – Firmei a voz, engolindo o choro.
   nunca virou as costas para mim, não dessa forma. E isso doeu, bem no fundo de mim. Porque eu jamais viraria as costas para ele.
  - Foi mal, . – foi embora, me deixando para trás com um taco na mão e um buraco dentro de mim.
  Já havia me metido em muitas merdas para defender o e ele se meteu em muitas merdas por mim também. Era assim que éramos. Mas vê-lo dando as costas para mim me alertou que talvez não era mais assim que as coisas aconteceriam.
  E isso me deu só mais gás para destruir Markus e extravasar a raiva que eu estava de todos os seres humanos de sexo masculino.
  - É agora.
  Segurei com firmeza o taco. Dei uma batida quebrando os faróis. Esperei que o alarme disparasse, mas não ouve som nenhum. Sorri sombria. Isso era diversão.
  Depois de quebrar todos os faróis, passei para os retrovisores, batendo neles até que quebrassem de vez. Depois passei para os vidros, batendo neles desesperadamente, trincando uns e quebrando outros. Despejei toda a minha raiva dele, do professor e de tudo naquele carro.
  Estava cansada desses homens sempre se achando acima de tudo, acima de qualquer forma de respeito. Depois dando risadinhas e se fingindo de bonzinhos.
  E a sensação de ver dando as costas para mim fazia meu sangue subir, me fazendo bater com mais força na lataria do carro de Markus, despejando tudo dentro de mim.
  Podia estar sendo errada, até mesmo uma criminosa por fazer isso, mas não me importava. Às vezes era bom fazer coisas erradas. Eu não queria nada, eu só queria extravasar minha raiva e fazer com que ele pagasse.
  Subi em cima do capô, batendo nele e no vidro com o taco, pulando nele e chutando, descontando toda a minha raiva. Até que tudo estivesse quebrado e ferrado, ainda não era o bastante, mas valeu a pena.
  - Isso é pela Ana, seu filho da puta! – urrei, enquanto batia naquele carro com todas as minhas forças.
  Senti uma pontada em meu peito lembrando de Ana chorando por causa dele. Os soluços, os olhinhos magoados e então vi tudo vermelho. Esqueci a razão e voltei a bater violentamente com o taco no carro.
  Ninguém magoaria uma irmã minha e sairia impune.
  De repente a sensação de ter sido tratada de forma tão nojenta por Mr. Johnson mais cedo e depois ter sido abandonada por eram coisas de menos, o que me movia era Ana. Era defendê-la, protegê-la e fazer Markus pagar por cada lágrima que escorreu dos olhos dela.
  Foi aí que a senti como uma irmã. Como família.
  Desci do carro e tirei da minha bolsa uma tesoura afiada e passei pela tintura do carro, marcando-o todo. Não descansaria até ver aquele carro tão importante completamente destruído.
  Depois continuei minha fúria, descontando nos pneus. Furei cada um mais de uma vez, só para garantir que não desse pra sair daqui, mas não sabia se estava fazendo certo, só fiz.
  Voltei a bater no carro, chutar, rabiscar com a tesoura e eu tremia de raiva. Ofegante e com umas lágrimas de raiva escorrendo pelo meu rosto.
  Chorava de raiva e não sabia nem exatamente o porquê. Só haviam muitas emoções e muita raiva dentro de mim naquele momento. Mas sabia que o que mais doía em mim era a cena de Ana em minha cabeça.
  Eu odiava tanto o Markus naquele momento.
  E quando percebi, eu estava fora de área, chorando e ainda batendo no carro com o taco, sem parar. Sem me importar caso alguém me visse e eu fosse pega.
  - Hudson? – Ouvi o sotaque familiar atrás de mim, mas isso não me fez parar. Só conseguia ouvir os meus próprios gemidos de ódio, meus soluços e o som do taco batendo no metal. – ? – Ouvi mais uma vez, não respondi.
  Ele então me pegou pelos braços, me fazendo parar bruscamente meus movimentos e me virou de frente a ele. Minha visão estava embaçada pelas lágrimas, mas reconheci seus olhos azuis. Os mesmos que me trouxeram o conforto quando todos me olhavam como se eu fosse uma vadia que acabara que transar com o professor.
  - Ei – me chamou novamente, delicadamente, com preocupação em sua voz. Eu não respondia, só soluçava.
  - Ethan – apenas disse seu nome, entre os soluços e o abracei. O senti desconfortável com o gesto, mas naquele momento não me importei. Continuei agarrada nele, chorando em sua jaqueta.
  - O que você fez, ? – Senti suas mãos em minhas costas, mas logo ele me soltou, mais preocupado. – Precisamos cair fora daqui agora. – Segurou minha mão, mas eu estava congelada. – Vamos, Hudson! – disse com mais firmeza, me puxando.
  Ouvia meu celular tocar dentro da bolsa, a voz de Ethan me chamando e me mandando correr, junto com outras vozes que indicavam que estavam prestes a encontrar meu presentinho para Markus.
  E eu estava completamente perdida.

***

  Não sabia como havia parado no carro de Ethan, mas lá estava, recostada no banco de couro, respirando com mais tranquilidade e já sem as lágrimas desesperadoras escorrendo pelo meu rosto.
  Mas eu estava um bagaço.
  O rosto inchado e vermelho de tanto chorar, os olhos vermelhos e ainda marejados. Meus lábios estavam um pouco machucados com a força que eu os mordia, tentando ignorar o silêncio desconfortável dentro do carro.
  Ethan estava ao meu lado, com sua expressão de indiferença no rosto e um ar tranquilo, como se aquilo não tivesse sido nada.
  - Lá se foi a vadia manipuladora e sem coração – quebrei o silêncio fazendo uma piada sem graça, apenas relembrando do que ele me chamou mais cedo.
  Ethan apenas deu os ombros.
  - Acho que eu estava errado, afinal. – Virou para mim, com um sorriso sarcástico. – Talvez você seja só louca mesmo. – e riu. – Por favor não destrua meu carro.
  Soquei seu braço. E ele deu uma falsa reclamação de dor.
  Ficamos em silêncio por mais uns minutos e eu respirei fundo, levando os fios do meu cabelo bagunçado para trás da orelha, mantendo meu rosto limpo.
  - Por que você fez isso? – dessa vez Ethan quebrou o silêncio.
  Respirei fundo.
  - Markus magoou uma pessoa que eu me importo muito. Eu fiquei com tanta raiva dele que extravasei destruindo o que ele mais gosta. – Um resquício de um sorriso sombrio apareceu em meu lábio. Adoraria vê-lo sofrer pelo carro da mesma forma que Ana sofreu por sua humilhação.
  - Meio radical, não acha? – Dei os ombros. – Mas te entendo. Se machucassem alguém que eu me importo, haveria consequências também.
  Sorri para ele. Era bom ter alguém do meu lado que me entedia.
  - E o ? Ele não deveria estar com você? – Franziu a sobrancelha. – Não me diga que vocês já terminaram... – fez um bico falso. – Cara, essa foi rápida.
  Soquei seu braço novamente e ele riu.
  - não quis fazer parte disso. – Foquei meus olhos no horizonte. – Não posso o culpar. Seria egoísmo demais da minha parte botá-lo nisso, afinal, poderíamos ser expulsos ou presos por causa disso. Pelo menos assim eu pago o pato sozinha. – E então lembrei de algo e levei as mãos à cabeça. – Merda, preciso arrumar uma desculpa caso a reitora venha atrás de mim.
  Ethan estava sorridente e eu estranhei.
  - Eu vou ser seu álibi!
  - Como?
  - É! Se alguém perguntar o que aconteceu para mim ou para você, só dizermos que estávamos juntos a noite toda. – Seu sorriso desapareceu, mas sua expressão era relaxada. Como se não se importasse em ter que mentir ou fazer isso.
  - Por que está me ajudando? – Franzi as sobrancelhas.
  - Porque você eu fui muito babaca muitas vezes com você no colegial e não percebi o quanto você é foda, cara! – E ele sorriu novamente, como uma criança. – Você destruiu um carro sozinha! Um ato de vandalismo puro, cara! Agora você terá a minha proteção, te botarei debaixo de minhas asas.
  Sorri para aquilo. Era um ato anormal para Ethan, principalmente quando se tratava de mim. Jamais esperaria que ele me ajudasse e me protegesse.
  - Obrigada. – Sorri para ele e trocamos contato visual por alguns instantes, sorrindo um para o outro. Até que senti algo estranho dentro de mim, estando tão perto dele e o vendo de forma tão diferente do que havia visto. – Mas ainda te detesto – disse a primeira coisa que se passou pela minha cabeça e voltei para minha posição original.
  Ethan riu sarcástico e ligou o carro.
  - O sentimento é mútuo, princesa.
  Nunca havia me dado bem com Ethan durante todo o colegial, mas agora, pela primeira vez, eu o via como uma pessoa não tão detestável. E eu gostava disso, gostava do que isso poderia se transformar. Estávamos amadurecendo algo que até então era só infantil.
  Mas ainda não o suportava, seu jeito sarcástico e despreocupado. O olhar de indiferença, como se nada valesse a pena sua atenção, mas que mesmo assim – mesmo que jamais admitisse –, parou o que fazia para me ajudar.
  Talvez eu também precisasse abrir a minha cabeça.
  Assisti-lo dirigir concentrado no caminho para me deixar em segurança na Zeta era algo que eu jamais esperaria que ele fizesse. Estava acostumada com o pior dele e agora que me mostrava um lado melhor, conseguia ter uma desconfiança minha, mas ao mesmo tempo, um pingo de esperança.
  Talvez ambos amadurecemos e finalmente deixaríamos as diferenças de lado, virando amigos.
  - Para de me olhar assim, Hudson. – O observei rolar os olhos. – Sério, para. Você tá me assustando. – Ri de sua idiotice e deitei minha cabeça na janela ao meu lado.
  Para isso, ele primeiro deveria deixar de ser adoravelmente detestável

***

  Depois de Ethan me deixar na Zeta, acabei fugindo e deixando minha casa para trás por um instante. Sentia que tinha algo mais importante para fazer naquele momento.
  Um pedido de desculpas.
  Me sentia ansiosa demais por estar na porta de e ensaiava mentalmente o que diria para ele, andando de um lado para o outro e limpando minhas mãos em minha saia assim que elas suavam.
  Respirei fundo e dei duas batidinhas na porta, ficando em uma pose mais descontraída para quando abrisse a porta.
  E ele abriu.
  Um sorriso involuntário saiu dos meus lábios quando vi seu rosto. Os cabelos bagunçados e a roupa meio amassada. Sorri, imaginando que estava dormindo e eu o acordei. Acontecia sempre.
  - ? – Franziu as sobrancelhas, confuso com a minha presença.
  - Eu vim falar com você... Posso? – me convidei para entrar, mas antes mesmo dele abrir a porta, vi a silhueta da tal garota da Alpha que todos estavam comentando que ele estava ficando atrás dele. – Oh. – Dei passos para trás, me arrependendo amargamente de ter ido atrás dele.
   abriu a porta e saiu junto com Hannah. Os dois estavam com uma expressão culpada para mim e ajeitavam suas roupas, tentando parecer menos bagunçados o possível. Mordi meus lábios e fitei meus tênis, tentando evitar o desconforto.
  - Nós estamos indo ao cinema – Hannah disse, para quebrar o silêncio. Mas eu só queria que tudo ficasse quieto. – Sou Hannah, aliás. – Estendeu a mão e eu hesitei, mas então a cumprimentei. Não queria ser esse tipo de garota.
  - . – Sorri falsamente.
  - Tá tudo bem ? – veio até mim preocupado e eu assenti.
  - Vamos? – Hannah grudou no braço de e sorriu angelicalmente para ele, que engoliu seco.
  - Me espera no carro? Já te encontro – combinou com a morena, que sorriu para ele, dando um beijo em sua bochecha e se despedindo de mim. Ela foi saindo do prédio.
  - Uau – sussurrei mais para mim mesma que para qualquer outra coisa. Me sentia uma idiota por estar parada em sua porta enquanto ele se divertia e fazia planos com Hannah.
  E me odiava por me sentir culpada por ter passado a noite amigavelmente com Ethan imaginando o mal que isso causaria para .
  - ... – veio até mim, mas eu não queria ouvir desculpas ou “isso não é um encontro”. estava certa, eu não podia mais me meter nisso, tinha que deixá-lo fazer o que sentia ser certo.
  Tinha que ser madura.
  - Desculpa por ter envolvido naquele lance do Markus... – disse de uma vez, mudando o assunto para o que eu queria falar, assim não estragaria os planos do meu amigo. – Não tinha o direito de te colocar em risco daquela forma. Eu sinto muito, muito mesmo.
  - E mesmo assim você fez. – Seu olhar de desaprovação me machucou. – Você destruiu o carro do Markus.
  Dei os ombros e o encarei com frieza.
  - Eu disse que precisava disso.
   respirou fundo, indicando que estava cansado e já sabia que era uma luta perdida antes mesmo de começar. E isso me machucou mais um pouquinho.
  - Tudo bem... – Ele me abraçou por um instante e eu me apeguei naquele momento, porque sentia que seria o último. Então me soltou, dando um beijo em minha testa.
  - Boa noite para você. – Sorri. – Hannah é uma garota legal, se divirtam. – Afastei-me.
  - Obrigado. – Ele sorriu para mim, um sorriso genuíno e verdadeiro, porque ele não havia entendido que eu estava mentindo. Eu queria que ele tivesse a pior noite da vida dele e que Hannah fosse a pior garota que ele já havia conhecido.
  Mas eu só estava sendo mesquinha, mimada, egoísta e monopolizando ele. E eu queria ser madura, pela primeira vez.
  Respirei fundo quando vi que estava sozinha naquele dormitório e me segurei para não desabar. Era patético demais para mim. Eu sempre estive no controle em minha relação com e dessa vez me sentia tão... perdida.
  O som do meu celular tocando me tirou do pensamento, me fazendo sorrir ao ler o visor. Teria algo pelo menos que ocuparia minha mente no final das contas.
  Wallace: Tô indo pra biblioteca, cadê você?
  CADÊ VOCÊ PORRA? EU TÔ TE ESPERANDO.
  NÃO VAI VIR? ACABOU A AMIZADE.
  , MEU OURO BRANCO, CADÊ VOCÊ? :(
  TE ODEIO MUITO.

  Eu amava o Wallace. Ele jamais me abandonaria.
  : Me atrasei, sorry. Estou indo.
  Me espere todo lindo e cheiroso, ok meu bombom?
  Wallace: Diz que eu sou lindo.
  : É lindo.
  Wallace: Sou lindo.

***

  Passei o resto da minha noite organizando livros. Enquanto Wallace ficava com a parte física do trabalho, eu ficava com a parte digital. Apenas catalogava os livros e conferia se estavam nas estantes ou se haviam sido levados.
  Simples né?
  Havia sido difícil os primeiros dez minutos de trabalho sozinha com Wallace, já que tudo que ele falava tinha a ver com meus seios.
  Depois de uma bela bronca nele, ele parou.
  - Então, quem você acha que vai ficar com o trono em GOT? – perguntou aleatoriamente, enquanto organizada os livros.
  - Eu e entramos em um consenso de que Jon Snow tem que ficar com o trono, mas depois morrer, então a Daenerys fica no lugar dele.
  - É uma boa, vou adotar esse consenso também. Mas no fundo quero que Cersei fique com o trono.
  - Por quê? Achei que você odiava mulheres no poder. – Franzi as sobrancelhas e ele me encarou chocado.
  - Cersei é mulher? – Seu queixo caiu.
  Rolei os olhos.
  Meu celular apitou.
  : Alguém quer ver um vídeo viral?
  : Que vídeo viral?
  Brittany: O que é viral?
  Wallace: Acho que tem a ver com vírus…
  : Calem a boca e apreciem.
   enviou um vídeo.

  Meu queixo caiu quando cliquei no play. Eu mataria muito a .
  O “viral” era apenas um vídeo de uma Hudson no último final de semana, semi bêbada, de pijaminha sexy, rebolando Pony enquanto cantava no fundo junto com a música.
  Era uma das nossas festas do pijama que deveriam permanecer SECRETAS.
  : IF YOU'RE HORNY, LET'S DO IT
  Brittany: RIDE IT, MY PONY
  Wallace: MY SADDLE'S WAITIN'
  : COME AND JUMP ON IT
  : Eu odeio tanto você latina desgraçada.
  : Me chama de pônei, .
  Brittany: EU VOU SER O PÔNEI, SAI.
  : Relaxem gente, ela monta em todo mundo.
  Cavalga sem freios, amiga.
  Wallace: , tô aqui do seu lado. Não esquece.
  : Se isso sair daqui, eu mato vocês.
  , Wallace:
  : O QUE VOCÊS DOIS FIZERAM?
  PUTA QUE PARIU, . VOCÊ É UM VIRAL!!!!!!!!
   saiu do grupo.

  Minha reputação estava mortinha.
  Bati com a cabeça na mesa, choramingando a nuvem de desgraça que pairou sobre mim.
  Mas como tudo que é ruim pode piorar…
  Ethan: Espero que isso melhore seu humor, com certeza melhorou o meu.
  Você criou um viral, parabéns. Estou muito orgulho de você, Pequeno Gafanhoto.
  Ethan enviou um vídeo.

  Era o vídeo de Markus assim que viu o carro destruído e não pude deixar de gargalhar de suas reações.
  Primeiro ele deu um berro agudo e caiu do chão, desesperado. E quando os seguranças vieram, ele começou a dar gritinhos, batendo no peitoral do segurança e batendo os pés, como uma criança quando a mãe se nega a comprar seu doce favorito.
  Depois ele fingiu um desmaio e ninguém amparou. Ficou chorando e berrando, dizendo que estava passando mal e iria morrer se não chamassem ajuda.
  As expressões faciais dele davam ótimos memes e todos achando graça dele fazia ser melhor ainda.
  No fim do vídeo ele é arrastado para fora por enfermeiros e os seguranças, enquanto ele chora e grita por seu carro, como se fosse alguém vivo que estivesse morrido em sua frente. Nem parecia que amanhã já teria um carro novo esperando por ele.
  Penso que, se você tem dinheiro para subornar professores e treinadores, você tem que ter dinheiro para comprar outro quando depois de eu destruir seu antigo.
  A mensagem de Ethan havia me tirado uns sorrisos e havia ignorado o fato de minha reputação ter sido arruinada pelos meus próprios amigos.
  : Obrigada, Mestre.
  Ethan: Ah e eu vi seu vídeo dançando…
Me deixa ser seu pônei?
  : Vai se foder você também.
  Ethan: Dança assim pra mim... vaaaai.
  Ethan Mason bloqueado.

  Finalmente depois de quase uma noite toda – e o fim da minha reputação – havíamos terminado os livros, prontos para pegar as coisas e irmos embora.
  Sabrina passou pela porta, entrando na biblioteca toda sorridente. Usava um novo moletom da Zeta, verde com as letras em rosa com glitter, igual o nosso uniforme para a lavagem de carros.
  - Ei, Sab. O que você tá fazendo aqui?
  Wallace fitava a garota dos pés à cabeça, sorrindo de canto e ela o ignorava completamente.
  Ouch, bem no ego dele.
  - Eu vim te chamar para ir pra casa ver filme conosco. Nós vamos maratonar os clássicos da Disney e disse que você adora. Você pode trazer esse seu amigo se quiser... – Deu os ombros.
  - Não era mais fácil me mandar uma mensagem? – Arquei a sobrancelha.
  - Eu não tenho o seu número e você bloqueou a e a Brittany. – Sorriu tímida. – Ah, e a disse que se você não a desbloquear ela vai furar seus peitos.
  Rolei os olhos.
  - Então, vamos? – Wallace se intrometeu, dando uma risadinha e tentando conquistar a garota que não estava nem aí.
  - Vamos.
  Saí de trás do balcão e fui junto com Sabrina e Wallace, desligando as luzes da biblioteca e trancando-a ao sair.
  Voltamos para nossa casa e já estava completamente exausta. Haviam sido dois dias longos, com a lavagem de carros e a vingança contra Markus.
  Ao pisar na casa, fui recebida com um abraço caloroso de Ana. Ela me apertava com força e eu não pude fazer nada a não ser retribuí-lo.
  - Obrigada – sussurrou para mim e eu sabia do que ela estava falando, sabia bem.
  Nos soltamos e eu adentrei mais na casa, indo até o resto das meninas.
  - , vi seu vídeo. – Morgana tirou sarro. – Pra uma branquela você sabe rebolar. E virar viral. – riu e eu respondi com meu dedo do meio.
  A casa estava mais arrumadinha, com mais cor e um sofá novo mais confortável. E todas estavam sentadas na sala. Ana, Abby, Brit, Morgana, Sandra e . As acompanhamos, nos sentando perto.
  - , você me odeia? – Brit fez bico triste, ela havia levado a sério o meu surto de mais cedo.
  - Claro que não, Brit. – Sorri para a loirinha. – Eu odeio a , ela eu jamais perdoarei. – A morena socou meu braço e eu gemi de dor.
  - Elas não vão repetir o que fizeram na lavagem de carros, né? – Morgana perguntou preocupada, com medo de repetirmos nossa cena chorona de novo.
   a fuzilou com os olhos e a garota rolou os olhos.
  - Meninas, vamos fazer um jogo antes de começarmos?
  - Que jogo? – perguntei interessada.
  - Com quem foi seu primeiro beijo? – Ana perguntou travessa e todas coraram.
  - O meu foi com meu primo Richard. Eu tinha sete anos e ele cinco. – Brit sorria contente. – Eu terminei com ele uma semana depois, nunca daríamos certo... éramos de mundos diferentes.
  - E ele reagiu bem? – Wallace brincou.
  - Não. Ele me desenhou sem cabeça.
  - Ok... – Ana continuou. – E o seu, ? Aposto que foi com o . Vocês dois são tão lindos juntos... – As meninas suspiraram apaixonadas e eu ri baixo, coitadas…
  - Não, não foi com ele. – Ri.
  - Foi com quem então?
  - Vai, . Conta para todos presentes com quem foi seu primeiro beijo. – cutucou minha barriga, segurando a risada.
  Respirei fundo.
  - Foi com a .
  Todas deram gritinhos e risadas. Só o queixo de Wallace estava caído e nós sabíamos o porquê.
  Nojento

Capítulo 07 - Parte II


  Nicolas: Quando vamos nos encontrar de novo?

  Rolei os olhos, bloqueando o celular e afofando a almofada cheia de plumas que enfeitava o sofá.
  Nicolas: É sério. Estou com saudades. Vamos nos encontrar.
  Ignorei novamente, folheando o livro, tentando me focar na matéria. Infelizmente não tinha o dom de memória fotográfica que tinha. Então, infelizmente, teria que estudar para a prova de mais tarde.
  Nicolas: Ei. Me deixa te mostrar o que eu faço de melhor gatinha. Você não vai se arrepender.
  Bufei, me focando em não tacar o celular pela parede. Tentando digitar um “vai se foder”, mas com medo de borrar minhas unhas delicadamente brilhantes, uma gracinha. Adorava me mimar.
  - Olha só, parece que a ratinha voltou pra toca. – O sotaque veio atrás de mim. – Se eu não tivesse com o meu nome todo fodido, eu pagaria uma champanhe pra comemorar a volta dos mortos. – Sentou ao meu lado. – Não tá ocupada demais fazendo umas coisas de menina prodígio? – Rolei os olhos.
  O que se referia era sobre minha tentativa de me ocupar mais do que já estava ocupada. Durante o semestre resolvi fazer algumas matérias extracurriculares para melhorar minhas notas – já perfeitas – e ocupar meu tempo.
  Óbvio que convidei minha amiga para participar, mas ela riu e disse que quando ela criasse um clone seu, primeiro ela o mandaria trabalhar em seu lugar enquanto aproveitava na praia e aí, no décimo quinto clone – que estaria encarregado de brigar com pessoas por ela – procuraria as matérias extracurriculares.
  Uma pena.
  - Deixa de ser exagerada, garota – brinquei. – Como foi o passeio com a mãe da Brittany? Já atingiu o nirvana?
  Rimos.
  As duas saíram para fazer “comprinhas”, alguma coisa a ver com um banho de sal grosso ou ervas especiais que ajudariam sobreviver mais um semestre.
  - O que você tá fazendo, hein? – A morena tentou tirar o celular de minhas mãos. Dei um gritinho, com mais medo de borrar minhas unhas do que perder meu celular. – Calma aí, tigrete.
  - O carinha do Ano Novo não para de me ligar – suspirei e voltei a me concentrar no livro. – São ou mensagens desesperadas ou ligações que eu tenho que recusar.
  - Você vai acabar entrando em combustão se continuar estudando, fazendo as unhas e odiando a raça masculina ao mesmo tempo, ratinha. – sorriu debochada para mim, mas ignorei. Precisava manter minha cabeça ocupada.
  Era difícil ser eu, isso já estava comprovado desde o jardim de infância.
  Além de manter as matérias extracurriculares, estudar como uma condenada para as provas e trabalhos para entregar, eu ainda tinha que perder horas dos meus dias ajudando o professor Johnson.
  Óbvio que quanto mais ocupada eu estava, mais eu conseguia evitar sua presença e ele não podia me castigar, já que eu estava ocupada em assuntos estudantis.
   tentava me convencer todos os dias à levar tudo isso para Didi, mas eu não achava grande coisa. Qual é, não seria grande coisa se eu não me importasse. Né?
  Eu só estava me sobrecarregando de coisas, mas era bom para mim. E em compensação não perdia tempo com meus dramas pessoais e eu aprendia mais sobre responsabilidades.
  Era igualzinho no colegial. Eu era líder de vários clubes e consegui lutar para ser a presidente do Conselho Estudantil. Por isso eu sempre tive as melhores notas em todas as matérias comparadas aos meus amigos. E enquanto isso ainda conseguia ser líder de torcida com a .
  Eu me sentia bem quando estava sobrecarregada e no controle de várias coisas. Talvez eu fosse mesmo uma nerd com uma mania de controle muito grande – e perigosa -, mas o que eu poderia fazer? Tinha o sangue Hudson em minhas veias e os Hudson são vencedores.
  E em compensação, isso estava me evitando de surtar por causa dos últimos acontecimentos em minha dramática vida. E sejamos sinceras, quanto menos eu pensava sobre os últimos dias, menos confusa com tudo eu ficava.
  Para quem se interessasse, a “pegadinha” que fiz contra Markus foi a maior fofoca durante a semana no campus, óbvio que em menos de três dias ele já estava com um carro novo, porém todos ainda riam de sua cara pelo surto que teve quando encontrou seu carro em seu pior estado. Ele virou meme. Ótimos memes.
  E como prometido, a Reitora resolveu fazer uma “investigação” para descobrir quem vandalizou seu carro.
  Surpreendentemente, Ethan manteve sua promessa e foi meu álibi e eu o dele. Óbvio que isso causou um burburinho entre a administração da Hearst. No dia seguinte eu e Ethan ficamos na sala da reitora e ela nos fez repassar nossa história, com perguntas de praxe – como onde estavam; o que fizeram; por quanto tempo. E Ethan foi muito convincente.
  Claro que me fodi de verdade quando a bomba do meu “encontro” com Ethan estourou no colo dos meus amigos e as consequências foram nem um pouco agradáveis. Primeiro tive que aguentar a cara de reprovação de por dias, ainda mais por não ter sido a primeira a saber que passei a noite após meu ato de vandalismo sentada no carro de Ethan. Depois quando contei tudo que aconteceu, ela continuou me odiando, só que menos.
  Também tive que aguentar piadinhas bestas de Wallace e que – mesmo contra a vontade de – adoravam fazer as piadinhas com duplo sentido, sugerindo que eu e Ethan éramos mais que “parceiros do crime”. E em consequência de tudo isso tive que aceitar e aguentar em silêncio os encontros entre e Hannah dobrarem durante as semanas. Mal via o e quando o via, Hannah sempre era uma pauta interessante.
  Já Ethan, não digo que viramos melhores amigos graças a isso porque seria mentira. Nos víamos regularmente, trocávamos mensagens e era bom, mas evitávamos ficar muito juntos, afinal, não fomos amigos durante quatro anos e não estava no melhor momento pra começar. Ainda com o o odiando.
  A vantagem de tudo isso foi que durante a semana minha reputação só ficou manchada com meu infame vídeo, que nem fez muito o barulho que eu esperava. Só uns babacas do time de futebol ou da Lambda fazendo sons de pônei e sugerindo o que a letra da música pedia para mim. Mas passou e passei uma semana sem matar ninguém.
  Foi uma semana produtiva.
  Terminei de grifar as partes importantes da minha matéria – quase uma página completa – com minha marca-texto rosa, quase um convite para passar mais uma noite toda relendo matéria. Bufei só de imaginar. E joguei os livros em cima da mesinha de centro.
  Um deles caiu e pegou, dando uma lida apenas na capa e depois se virando para mim com suas sobrancelhas franzidas.
  - , você não tem Artes Cênicas de matéria. Acho que você não tem Arte alguma na sua grade. Por que tá lendo isso?
  Dei os ombros.
  - Você sabe que eu gosto disso, ué.
  Minha amiga deu um olhar complacente e botou o livro delicadamente na mesinha de centro.
  - Já pensou em mudar de curso, cariño? Com as suas notas você talvez consiga mudar sem precisar acabar mais um semestre. Você deveria tentar. – Sorriu. – Você daria uma ótima atriz, já tem o drama em suas veias. – tirou sarro e eu ri.
  - Amiga, se meu pai quase enfartou quando eu participei da peça do colégio fazendo a Mary Magdalene, imagina se eu realmente estudasse isso?
   deu os ombros.
  - Você tem que parar de pedir a aprovação do seu pai pra tudo, cariño. Vai por mim, os pais não sabem de nada. – Piscou.
  Era uma coisa para se pensar. Eu sempre me senti um peixinho fora d’água que não sabia ao certo o que queria fazer da vida, mas sempre senti que poderia ser uma artista, uma estrela de verdade. Eu amava todos os tipos de arte, principalmente a atuação, talvez fosse por isso que tinha essa satisfação indescritível quando eu era o centro das atenções. E minha maior inspiração era a Audrey Hepburn, não podia ser apenas uma coincidência.
  Quando escolhi meu curso, foi mais para provar para mim mesma – e para os outros – que eu poderia quebrar o padrão de “loira, rica e artista”, me sentia mais inteligente estudando Astronomia, por ser algo que eu entendesse, mas mesmo com minhas impecáveis notas, ainda não sentia que era o meu sonho.
  Eu queria mais.
  A porta se abriu e o resto das Zeta entraram, se espalhando pela nossa agora limpíssima sala de estar. Brittany se sentou ao meu lado, mas deitou a cabeça no colo de e eu senti um leve ciúme com as amiguinhas que não se desgrudavam.
  - E aí, tá tudo bem? – perguntei.
  - Ah, conseguimos conversar com a Reitora – Ana respondeu. – Pelo menos ela não quer fechar mais a nossa casa. O que é bom.
  A Reitora Campbell passou o último final de semana pensando em formas de manter a nossa casa, após as Kappa Kappa Mu reclamarem convictamente de que estávamos denegrindo a imagem impecável da universidade quando limpamos carros usando pouca roupa.
  Sabe de nada.
  Após Rachel argumentar fortemente e eu ser obrigada a segurar para não arrancar os cabelos da garota, a reitora decidiu dar um breve tempo para pensar na melhor forma de não fechar nossa casa, já que passamos no primeiro jogo e cumprimos os requisitos.
  Felizmente o veredito foi ao nosso favor. Mas agora estávamos atentas. Rachel não desistiria até desmanchar nossa casa.
  - Pronto, resolvi seu probleminha. – me devolveu o celular e sorria satisfeita de si mesma.
  Nicolas: Então, vamos nos encontrar?
  : Nem fodendo.

  E bloqueou o número do rapaz, para que ele jamais pudesse encher meu saco novamente. Eu devia ter feito isso antes. Por que não fiz?
  - É a hora! – Sandra apareceu berrando, se jogando no sofá e ligando a televisão em um desespero. Dei um berro, com medo de minhas unhas borrarem.
  - Hoje você tá que tá, . Toma seu remedinho, meu amor. – ria de minha cara e eu nem entendia a graça.
  - Pra que tanto desespero, criatura? – me acalmei.
  - A MTV vai passar um especial com uns videoclipes de boybands, aqueles vídeos antigos que eles gravavam. – Os olhos da garota brilhavam e nós não entendíamos tanto essa euforia.
  - E daí? – não estava animada.
  - E DAÍ? – a garota se exaltou. – Eu não vou nem dizer o que tá se passando pela minha cabeça.
  - Caguei.
  Estávamos todas sentadas no sofá, sem qualquer expectativa, porém já éramos velhas demais para passar vergonha por boybands que nem existiam mais.
  Então começou.
  *NSYNC na tela, com a música Pop e nós estávamos focadas na televisão, assistindo os homens dançando e prestando atenção na letra. Até mesmo .
  Tentávamos disfarçar, não entregar o jogo.
  Mas não dava para negar. Era magnético. Minha cabeça balançava e meus lábios se moviam junto com a letra. Essa eu conhecia bem.
  Saudades infância.
  - Eles dançam mesmo né... – disse sem muita empolgação.
  - Menina, você viu? Virilhas em chamas – Morgana respondeu do nada e nós rimos.
  - Meu Deus, Justin... – Sabrina choramingava.
  - Isso tá muito bom.
  E então o break começou. Muita testosterona, com homens que além que cantam, também dançam. Era o ponto fraco.
  - PUTA QUE PARIU, OLHA A COREOGRAFIA! – Anna gritou.
  - EU SEI! – Sandra concordou.
  - Gente, o que a gente tá fazendo? – ria com vergonha.
  - ELES. ESTÃO. SE. ESFREGANDO. NO. CHÃO! – Brittany gritou, até se sentando no sofá para ficar mais fácil de enxergar.
  Nos rendemos.
  Passamos o último refrão gritando a letra da música, balançando nossas cabeças de um lado para o outro, sem medo do torcicolo, nós éramos corajosas.
  O primeiro clipe acabou e nós ficamos nos encaramos, ainda um pouco chocadas com aquilo.
  - Nós gostávamos disso quando éramos crianças? – respirou fundo.
  - Pois é…
  Mais uns clipes passaram de outras bandas, umas até mais interessantes e outras um pouco menos. Mas os clipes berravam a breguice dos anos 2000 e as suas masculinidades tão exóticas.
  - Isso é muito brega. – escondia o rosto nas palmas de suas mãos, mas mantinha o olho focado na tela.
  - Então desliga a TV.
  - Não dá.
  - Por quê?
  - Tá muito bom.
  - Comercial! – Sandra berrou, enquanto os comerciais desinteressantes passavam.
  - E aí, como estamos até agora? – Abby perguntou.
  - De volta aos anos 90. – tirou sarro.
  - Imagina, o JT ou o JC cantando no seu ouvidinho sobre ser seu namorado, nossa, imagina. – Respirei fundo, me abanando falsamente para minha amiga. A latina só rolou os olhos.
  - , vai com calma, temos crianças no cômodo.
  - Ei! – Brittany fez bico.
  - Alguém quer pipoca? – Sandra ofereceu.
  - EU FAÇO! – berrou, se levantando em um pulo e foi saltitando até a cozinha, enquanto ficávamos esperando voltar dos comerciais.
  Depois de uns minutinhos, voltou com um pote de pipoca cheio e se sentou no sofá conosco.
  - Prontas para mais uma rodada?
  Assentimos.
  E os comerciais acabaram.
  Depois de umas boybands não tão interessantes e o pote de pipoca se esvaziando aos poucos, finalmente uma música que mexeu com nossos interiores.
  Backstreet Boys com All I Have To Give.
  Enchia minha boca de pipoca, conforme observava aqueles homens dançando com as camisas desabotoadas, mostrando o que Deus os deu.
  - Gente…
  - Shhhhhh. – Sabrina deu bronca.
  - ELES ABRIRAM AS CAMISAS, ELES ABRIRAM! – Abby gritou e nós confirmamos dando gritinhos e aplaudindo aquelas beldades.
  - Eles estão dançando com as camisas abertas e de chapéu, isso não faz sentido.
  - E deveria fazer?
  - Você prestou atenção na música? – me encarou.
  - Eu deveria? – Dei os ombros.
  E o clipe acabou com nossos aplausos.
  - Eu nem sei mais o que dizer. - Morgana tomou um gole do seu refrigerante, passando a latinha gelada por seu pescoço.
  - Era uma música romântica... – Anna e Abby concordaram. E eu dei os ombros.
  - Gente, eu só vi abdomens sarados e coreografias sensuais, nada mais.
  - SHHHHHH.– Sandra nos calou, ela estava eufórica.
  - Esse não, pelo amor de Deus. – tampou o rosto com a almofada.
  Quit Playing Games (With My Heart), um clássico.
  - Gente, eles estão sensualizando sem camisa na chuva? – Brittany parecia chocada.
  - Sim.
  - Um close só no tanquinho de um, dá vontade né? – tirei sarro.
  - E que tanquinho. Eu passaria minha língua por ele todo e... – Sabrina se calou quando observou nossos olhares chocados para ela.
  - Gente, eles vão pegar uma pneumonia... – Brittany balançava a cabeça em desaprovação e eu sentia o tom em sua preocupação.
  Nós viramos umas para as outras e imitamos os rapazes no clipe, jogando os cabelos e fazendo as caretas mais dramáticas/sensuais possíveis, enquanto dublávamos a música.
  No final estávamos todas gargalhando.
  E outro comercial…
  - Hora do banheiro! – gritamos juntas e todas nós nos dividimos pela casa.
  Aproveitamos para organizar a sala de estar, já que por algum motivo estávamos mais animadas que antes e entregues para aquele show de nostalgia que sentíamos vergonha.
  Voltamos para os nossos postos, esperando para a próxima boyband que iríamos performar.
  - Isso ficará só aqui né? – Morgana perguntou.
  - Larga de ser chata, estamos em família. – nos entregou controles/escovas/e qualquer objeto para simularmos microfones. – Do início, garotas.
  Demos gritinhos com a introdução de All Rise de Blue, subindo nos móveis, dançando da nossa forma, sem levar a sério.
  Dávamos gritinhos quando cada um dos garotos aparecia, como se fossemos as fãs mais loucas possíveis, mas mal lembrávamos de seus nomes.

One for the money and the free rides
It's two for the lies that you denied
All rise
All rise

  Imitávamos a coreografia que eles faziam na televisão, jogando nossos cabelos e gritando a letra que conhecíamos com força, sem parar.
  - Vai, porra. – Sandra se empolgou.

Three for the calls you've been making
It's four for the times you've been faking
All rise (I'm gonna tell it to your face)
All rise (I rest my case)

  Na parte do rap, nós não sabíamos como cantar, então ficamos balançando nossas mãos e cabeças, simulando como se soubéssemos o que estávamos fazendo, mandando aquele freestyle, mas parecíamos loucas com vontade de fazer xixi.
  - Mais uma vez! – Brittany gritou, indicando mais um refrão e nós repetíamos tudo que eles faziam.
  Terminamos a música posando da forma mais boyband máscula e sensual possível, depois nos encaramos e começamos a gargalhar das nossas piadas internas com tudo aquilo.
  Voltamos pro nossos postos, nos sentindo muito dramáticas quando Sorry Seems To Be The Hardest Word ainda na versão de Blue começou.
  Dávamos nossos gritinhos de fangirls toda vez que um dos rapazes apareciam.
  - Meu Deus, o Lee de cabelo curtinho – Sandra choramingou, contemplando a visão e eu a fuzilei.
  - Sai, ele é meu. – Empurrei ela.
  - Esse é meu. – Brittany mandou um beijo para a televisão quando o Elton John apareceu.
  Nós mantínhamos nossos braços para cima, balançando de um lado para o outro, cantarolando em coro, como se fosse um show e como se estivéssemos realmente emocionadas. Mas nem estávamos.
  - Eu quero um Lee pra mimmmm – choraminguei.
  Cantávamos juntas a letra, umas para as outras. Todas juntas na frente da televisão, como um bando de crianças assistindo seu programa favorito com medo de piscar e perder uma parte importante.
  - COMERCIAL! – Morgana gritou e nós corremos para mais. Nos preparando pra mais um show, porque o público estava sedento.
  Voltamos para a sala quando os comerciais acabaram, já dando início a introdução de uma música que muitas conhecíamos: I Want It That Way.
  - NÃO! – Dessa vez choramingamos em grupo e corremos para o sofá, nos jogando nele.
  Igual na infância.
  Eu, , Brittany ficamos em pé no sofá novo. Morgana e as gêmeas ficaram em pé em uma das poltronas e no chão. E a Anna e Abby na outra poltrona.
  Estávamos todas em postos, gritando a letra da música mais melancólica, que servia para nossos momentos de bad quando essa palavra nem tinha esse sentido.
  Gritávamos a letra, usando controles, escovas e qualquer coisa que tínhamos na casa como microfones, focadas na televisão e dando gritinhos, completamente sem noção alguma.

Tell me why
Ain't nothing but a heartache
Tell me why
Ain't nothing but a mistake
Tell me why
I never want to hear you say
I want it that way

  O refrão nos deixava descabeladas, enquanto dançávamos em cima dos móveis. Era como se todas nós fossemos crianças de novo que acabaram de voltar da aula.
  - NICK CARTER, GOSTOSO, REI, DONO DA MINHA – não consegui terminar.
   me puxou.
  - Não foi ele que bateu na Paris Hilton e estuprou umas garotas?
  - Sério?
  - Sim.
  - NICK CARTER, LIXO, FODIDO DE MERDA. – Dei o dedo para a televisão.
  No último refrão, descemos dos móveis e esperamos o momento certo, quando a música estava perto do fim, corremos para o sofá e nos jogamos nele, todas de uma vez só. E obviamente deu merda.
  O impacto fez o sofá cair para trás e todas nós junto, caindo todas em cima uma da outra.
  - Ai, porra.
  - Caralho, acho que quebrei minha bacia.
  - Ai meu quadril, esfarelou.
  - Meu rimmmm, meu rimmmm.
  - Putz, meu joelho, fodeu.
  E todas nós gargalhamos então, rindo daquela cena que se dissessem no começo do ano que estaríamos passando, eu e riríamos da cara da pessoa, porque jamais esperamos que ficaríamos unidas desse jeito.
  E no fim, tínhamos tanto em comum que era explicável, porque, mesmo com uns problemas, nos dávamos tão bem assim.
  Nos levantamos e arrumamos o sofá, nos sentamos no mesmo e tiramos um minuto para respirar, mas só um, porque logo começou a tocar Bye Bye Bye do nosso amado *NSYNC.
  Nos jogamos na frente da televisão, para poder assistir sem perder um minuto daquele videoclipe que enlouquece a todos e todas.
  - JC gostoso! – eu e Sandra gritamos juntas.
  - O cabelo do Justin. – Brittany gargalhou e acompanhou.
  - Que pecado.
  Prestávamos atenção em todos os movimentos, enquanto eu ficava de queixo caído com tudo aquilo.
  - A coreografia...
  - Olha esses homens…
  - Nossa , para de pensar nisso, por favor.
  - Shhhh.
  - Eu queria ter duas buc... – disse, a cada close que dava apenas do JT e do JC. – Deus me perdoe.
  - Tá perdoada. – riu.
  Então gritamos com todos nossos pulmões da hora, naquela hora em que eles pegam... lá... Até Brittany que ficou vermelha e se escondeu atrás de . Aplaudimos, porque aquilo merecia todas as palmas.
  No último refrão cantarolamos todas juntas, mas sem tirar os olhos da coreografia e dos caras e de tudo que acontecia no clipe. Até que então, a música acabou.
  - Acabou? Poxa – vaiamos juntas.
  Peguei meu celular para conferir o horário e até gargalhei.
  - Ficamos quase uma hora trancadas aqui dentro assistindo videoclipes antigos de boybands que nem sabemos mais se existem... Que auge. – Rimos todas juntas.
  Sentimos a falta de fazer alguma coisa e nós nos entreolhamos, tendo provavelmente a mesma ideia.
  Sabrina aumentou o volume da televisão quando Baby Got Back de Sir Mix A Lot começou a tocar.
  Subimos nos móveis e começamos a rebolar nossas bundas para o nada, cantando desajeitadamente, fazendo um rap digo de branquelas que não tem o ritmo nas veias.
  Rebolávamos nossa bunda para o ar, de uma forma forte que meu quadril até doía. Ele iria esfarelar.
  - Vai, mexe mesmo – Sabrina berrava, rebolando até o chão.
  Até mesmo Morgana, que jamais esperaríamos vê-la rebolando e batendo cabelo, cantando junto com o rapper.

My anaconda don't want none
Unless you've got buns, hun

  Demos nossos melhores twerks alá Nicki Minaj, quando a porta se abriu sem aviso e nós berramos, mas sem conseguir se mover com o choque de ver a Orientadora Diane parada na nossa porta, nos encarando um pouco chocada.
  - Estou atrapalhando? – Ela segurava o riso, enquanto nós tentávamos voltar para nossas posições e ignorar o mico enorme que passamos. – Relaxem meninas, eu também já fui jovem um dia…
  Nós descemos dos móveis e ela se sentou em uma das poltronas. Nós fomos para o sofá e nos ajeitamos, tentando parecer sérias o suficiente depois de sermos pegas de bunda para o ar, literalmente.
  - É muito bom ver que vocês estão se entrosando dessa forma, fico muito contente. Isso mostra que vocês têm um grande futuro pela frente juntas, isso eu posso crer. – Ela sorria genuinamente e isso me dava confiança. Se ela pelo menos acreditava em nós, era muito motivador.
  - Você veio falar sobre os jogos, Didi? – retribuiu um sorriso para a mulher e ela assentiu.
  - Bom, é exatamente sobre isso que vim falar! – seu tom era alegre, contagioso. – Os jogos serão mais tarde, no campo ao ar livre. Espero ver vocês lá. Já que agora a Reitora Campbell está de olho em todos seus passos para ver se vocês estão aptas a continuar abertas. Sorte de vocês que fui eu quem entrou sem bater, imagina se fosse ela... – a mulher gargalhou e nós acabamos acompanhando.
  Só de imaginar a cara de horror da reitora quando visse nossas bundas para o ar, rebolando com uma música desse calão depois que Rachel e suas coleguinhas foram falar que nós não éramos dignas o suficiente para permanecer na universidade, isso seria catastrófico.
  Uma parte era completamente reconfortante: saber que Diane se importava conosco e que a reitora finalmente notou nossa existência, mas ao mesmo tempo era assustador imaginar tanta pressão em cima de nós para saber se continuaríamos ou seríamos mandadas embora.
  - Nós iremos, Didi. E nós só sairemos vencedoras! – nos motivou e a mulher sorria. Ela via uma nova atitude em nós.
  Não eram só as roupas, mas algo estava diferente nessas meninas. Elas estavam confiando mais em si mesmas, acreditando que poderiam surpreender a todos mostrando que são mais do que eles pensam.
  E isso era o que queríamos ver nelas. Queríamos que elas confiassem em nós e confiassem em si mesmas, para nós conseguirmos nos erguer e vencer.
  Iríamos arrasar nesses jogos. Nem que eu tivesse que arranhar alguém.
  Mentira, jamais estragaria minhas unhas dessa forma.

***

  O pátio estava cheio, mas não era isso que atraía nossa atenção. Nem muito menos o titio Sanchez na arquibancada novamente. Era outra coisa.
  Era uma enorme piscina de bolinhas.
  - Meu Deus, voltamos para a quinta série? – Morgana cruzou os braços e, pela primeira vez, quis concordar com ela.
  - Sejam bem-vindos, a segunda parte dos Jogos Anuais da Hearst! – o treinador berrou e todo mundo comemorou, aplaudindo e gritando. Isso me deu um frio na barriga, porque da última vez perdemos. Nessa não podíamos cometer o mesmo erro.
  - Meninas, agora é tudo ou nada – disse, me agarrando nas garotas. Havíamos evoluído tanto desde o primeiro jogo, não queria acabar com tudo agora.
  - Vamos aos competidores dessa fase: - o treinador começou a anunciar as casas que ainda permaneciam jogando. - Kappa Kappa Mu! – e a torcida das meninas que ainda não pareciam contentes em estarem ali foi à loucura.
  Menos o tio Sanchez, ele permanecia berrando e vaiando contra.
  Elas permaneciam usando suas leggings e moletons, umas delas deram uma “checada” em nós, cheia de julgamentos. Franzi as sobrancelhas e dei a mesma checada em nós, não havia nada demais. Só usávamos shorts jeans e a camisetas cinzas de gola V e o símbolo da Zeta em rosa com glitter – igual o uniforme e o moletom.
  Didi sugeriu que usássemos roupas confortáveis e foi isso que fizemos, a culpa não era nossa que até sem tentar éramos estilosas, por favor.
  - Theta Delta Xi! – e a torcida novamente berrou para os caras que pareciam ter mais músculos do que cérebro. Eu não estou morta, tinha uns gatinhos nessa casa e eu adoraria conhecê-los melhor, depois de destruí-los.
  - Psi Omega Kappa! – os nerds berravam para seus líderes. Não me incomodava eles terem mais torcida que provavelmente nós, me incomodava eles tirando sarro de nós, fazendo poses sugestivas.
  - Sigma Phi Sigma! – A última casa entrou, entre os berros e as pessoas torcendo. Eles também aproveitaram para tirar sarro de nós. Principalmente um dos rapazes usando uma gravata borboleta colorida, debochando de nós como se fosse superior.
  - E finalmente, mas não menos importante.... – Nós demos as mãos, em um mini ritual para dar forças e nos fortalecermos. - Zeta Beta Iota! – E nós entramos, mas o melhor, não era só o tio Sanchez que estava torcendo para nós.
  , e Wallace estavam na arquibancada, pintados, gritando por nós. Junto com o time de hóquei, os Lambda e as Alpha. Era uma torcida improvisada, não era tão grande quanto as dos outros, mas isso nos deixava mais confiantes.
  Até a orientadora Didi torcia por nós, tentando fugir dos olhares de reprovação da reitora.
  Nós demos um tchauzinho pra nossa pequena torcida, apenas para esfregar na cara de certos grupos que achavam que estávamos tão caídas assim... Acho que lavar os carros nos ajudou bastante.
  - Bom – o treinador continuou. –, a segunda prova, é uma prova de sorte e de agilidade. Mas o mais importante: trabalho em equipe. – Ótimo treinador, pode vir quente que eu estou fervendo. – Cada uma das casas tem seu próprio painel, com os respectivos escudos e uma plataforma. Nessa plataforma, vocês irão colocar o nome de suas casas, da forma correta. As letras que montam os nomes estão nessa enorme piscina de bolinhas que arrumamos. – Ok, só achar a letra e montar o nome. Moleza.
  - E todos têm que entrar na piscina? – Rachel perguntou e eu já fiquei enojada.
  - Sobre isso, sim e não. Apenas um de cada casa não precisará entrar na piscina, esse é o que vai organizar o nome. De resto, todos os membros revezam para entrar na piscina. Um de cada vez. Após completarem o nome, apertem o botão. – Apontou para o botão que fica ao lado do escudo de cada casa. – Apertado esse botão, todos terão que parar para nós verificarmos se está tudo certo. Os três primeiros que apertarem, passam para a próxima fase.
  Todos se entreolharam, com sangue nos olhos para ganhar essa prova. Seria muito importante passar para a próxima fase e ficar mais perto ainda do prêmio maior. Então nós estávamos dispostas a tudo para vencer, porque sabíamos que eles fariam de tudo também.
  - Importante: só pode entrar um de cada casa na piscina de uma vez, depois troca e passa para o próximo da fila. Não pode machucar, arranhar, atacar ou qualquer coisa violenta com o coleguinha. E estejam cientes de que o nome está certo antes de apertar o botão, porque no momento que o botão for apertado, caso esteja errado, é eliminação, dando a chance para o outro grupo conseguir vencer. Agora, escolham quem vai pra piscina e quem fica nos painéis. Vocês têm cinco minutos.
  Nos juntamos, prontas para começar a orquestrar nosso plano de vitória, mas antes pudemos ouvir um dos caras da Theta entre si.
  - Esse jogo é nosso. Eu mudo esse jogo. – ele parecia convicto de que esse jogo era dele e de seu grupo ganharia. Coitado…
  Foco, .
  - Então, como vai ser? Quem vai ficar aqui? Eu né? – Abby quis tirar vantagem, mas já a encarava com desaprovação.
  - A vai ficar.
  - Por quê?
  - Ela é míope. – As garotas gargalharam, como se estivéssemos contando uma piada completamente engraçada. E então pararam.
  - É sério?
  - Sim. – sorriu e elas deram os ombros derrotadas.
  - Então para a piscina vão: , Brittany, Abby, Morgana, Sabrina, Sandra e Anna? – concordamos. – Então vamos nessa!
  Nós fizemos um toquinho, para dar energia. Respiramos fundo e nos preparamos em fila. Seria uma de cada vez, não teria como errar.
  Só precisávamos entrar uma de cada vez, pegar a letra, sair, dar pra , trocar, pegar, sair, entregar e trocar. Essa seria a ordem, seguiríamos e assim conseguiríamos pelo menos pegar o terceiro lugar. Estávamos empenhadas.
  Eu e cada escolhido das outras casas estávamos diante a piscina, usando aqueles óculos de proteção apenas para garantir que não nos feriríamos. Estávamos à postos.
  - Preparar.
  - Apontar.
  - Vai!
  O treinador gritou e eu me joguei dentro da piscina, cavando entre as bolas desesperadamente a procura de uma das palavras. Qualquer uma do alfabeto ajudaria.
  Um dos rapazes vinha pra cima de mim e eu me esquivava, empurrando-o para longe de minhas letras. Talvez contasse como trapaça, mas eu estava cavando propositalmente e trocando algumas letras de lugar para que pudesse ajudar as meninas do meu time a encontrarem com mais facilidade.
  Peguei um T, só faltava mais três desses.
  Saí da piscina em um pulo, correndo desesperadamente para e a entreguei, passando o “bastão” para a próxima.
  Seguimos assim por alguns minutos, indo de uma em uma até irmos completando as lacunas do nosso nome. Eu estava desesperada, a cada palavra que os outros grupos se aproximavam eu me desesperava, querendo completar mais rápido.
  Meu sangue fervia, eu não aceitaria perder.
  Então o botão foi apertado pela primeira vez. Todas paramos.
  Anna estava na piscina e levantou as mãos para o alto, junto com o resto dos outros.
  Psi Omega Kappa.
  Virei para verificar nosso nome, contente por estarmos perto já. Tinhamos: Z e B t I o. Quase lá.
  - Psi Omega Kappa, tudo correto. Vocês estão na próxima fase! – o treinador gritou e eles comemoraram, debochando de nós novamente, junto com as suas torcidas gritando.
  Merda.
  - Voltando em três.
  - Dois.
  - Um.
  - Já! – Apitou novamente a partida.
  E novamente todos correram e cavaram as letras que faltavam para suas palavras.
  Nossas meninas estavam bem, estavam focadas e com sangue nos olhos. Elas não davam mole e não deixava que os outros roubassem nossas letras, estavam muito focadas em conseguir esse prêmio. E agora com a primeira derrota, só haviam duas chances de vencer e isso nos dava mais gás ainda, mais gás para ganhar.
  Z e t a B t I o t.
  Faltam poucas letras, nós precisávamos nos manter mais focadas.
  A cada entrada na piscina, nós saímos com uma letra e permanecia focada em seu posto, descartando as letras que não eram úteis. Nos dando apoio moral e gritando para que cavássemos onde não havíamos ido ainda. É sério, ela não parava de gritar.
  Falta pouco, muito pouco.
  Então mais uma vez o botão foi tocado. Fraquejei.
  Agora foi a vez das Kappa Kappa Mu.
  - Kappa Kappa Mu, tudo correto. Vocês estão na próxima fase! – o treinador repetiu a frase e elas comemoraram. A Brittany também comemorou, mas Rachel aproveitou para alfinetar , que se segurou para não voar nela. Ela poderia ter uma cabeça explosiva em muitos momentos, mas quando o assunto era competição, ela se mantinha focada. Tinha algo haver com o seu psicológico de atleta.
  Infelizmente havia só mais uma posição e nós não estávamos mais de brincadeira. O aquecimento acabou.
  Encarei as meninas e nos posicionamos.
  Quando o treinador apitou novamente, Morgana voou para a piscina e procurou sedentamente pelas letras que precisava, sem se importar com os outros do lado. Ela só queria ganhar, igual nós.
  E depois foi Sabrina, Sandra, Anna, eu e tudo de novo.
  Z e t a B t a I o t a.
  Faltava apenas UMA letra. Umazinha, uma única.
  Anna estava na piscina, procurando desesperada pelo E que faltava, e dava para ver de longe o quanto ela tremia, o quanto ela estava desesperada com aquilo. Então, sem menos esperarmos, o botão foi apertado.
  - NÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃO! – gritei, me jogando de joelhos no chão, completamente desolada com a derrota. Não, não era possível.
  Faltava UMA letra só, SÓ UMA LETRA.
  - ISSO, PORRA! CARALHO, É ASSIM QUE FAZ! PORRA! – um dos caras da Theta berrava, batendo em seu peitoral e comemorando como um próprio lunático comemoraria.
  Os outros membros riam de nossa cara, junto com algumas da Kappa e o resto dos outros, que debochavam de nós como se fossemos as únicas que estavam perdendo.
  - Calma, . A gente deu nosso melhor. Tudo bem, tá tudo bem. – me abraçou carinhosamente, me consolando e as outras meninas vieram juntas. Demos um abraço conjunto, todas tentando se consolar.
  - Espera só um minuto. – o treinador falou e nós nos soltamos, encarando o homem que estava muito sério. – Acho que temos um problema…
  - Que problema o que, treinador! – O berreiro já estava puto. – Eu apertei o botão, tá tudo certo. Ganhamos! – E berraram de novo.
  - É... Não. – O queixo de todos nós caíram. – O nome de sua casa é Theta Delta Xi, e conforme a sua plataforma está: Theta Delta Xu. Portanto, vocês estão desclassificados.
  - O quê? Não! – e eles começaram a surtar, enquanto nós gritamos desesperadas e nos abraçamos emocionadas, havia mais uma chance. Apenas mais uma chance!
  A nossa fraca torcida comemorava a nossa última chance, junto com o tio Sanchez que já estava bêbado e o segurava, impedindo-o de descer e dar uma porrada em um dos moleques da Theta.
  - Troquem os jogadores – o treinador mandou.
  Era a minha chance. Eu ganharia esse jogo por nós todas.
  Eu estava diante a piscina, me aquecendo, preparada. Nada me pararia. Eu estava sedenta, completamente surtada e fora de mim. Meu surto de competitividade estava no topo, meu corpo tremia e eu suava frio, meu sangue estava fervendo e eu seria capaz de furar olhos com minhas unhas.
  Me virei para a arquibancada mais uma vez e me arrepiei ao ver Ethan Mason entre a multidão, de braços cruzados, mas com os olhos em mim. Odiei a reação que meu corpo teve assim que sentiu seus olhos me fitando e assim que nossos olhares se encontraram, eu esquivei voltando a encarar a piscina.
  Tinha que manter minha cabeça focada no jogo e não em garotos. Depois sim, depois sempre.
  - Recomeçar em três…
  Era a hora.
  - Dois…
  Vencer. Ganhar o dinheiro. Auge da Zeta.
  - Um…
  Por todos os santos de boybands…
  - Já!
  Fodeu.
  - VAI ! – berraram atrás de mim e eu me joguei na piscina, empurrando todos que vinham para cima de mim.
  Cavei e sentia minhas unhas arrastarem no fim da piscina. Eu não deixava ninguém nem se aproximar de mim, porque estava pura fera.
  Ouvi um deles encontrar a última letra e entrei em alerta, cavando ainda mais desesperadamente até achar a letra que faltava. E. Achei!
  Virei para sair da piscina, mas no calor do momento minhas pernas falharam, eu tropecei. Caí de cara no chão.
  - PUTA QUE PARIU.
  - , NÃO.
  - CORRE , CORRE!
  Vi pelo canto do olho um dos da Sigma correndo, então eu me arrastei com a maior rapidez possível, tentando o mais rápido para chegar. Esticando meu braço para que a conseguisse pegar a letra. Parecia uma eternidade de distância e a cada segundo o outro estava mais próximo de sua vitória.
   resgatou a letra de minha mão quando eu já estava jogada no chão do nosso painel. A latina juntou rapidamente a nossa letra e apertou o botão com força algumas vezes, eufórica, sem nem ao menos conferir. Ela só apertou, no impulso.
  - PAREM! – O treinador gritou e todo mundo parou, se calando.
  Eu estava ofegante, jogada no chão, provavelmente com meu rosto todo ensanguentado, descabelada, com grama na boca e minhas unhas quebradas.
  Relaxei meu corpo, afundando minha cara na grama. Havia feito meu trabalho. Morreria em paz.
  - , larga de drama, levanta daí. – me deu o braço e eu levantei, ficando de pé. – Você tá ótima, nem uma unha quebrada, que orgulho.
  Um dos juízes chegou em nosso painel para conferir se estava tudo certo. Eu tremia, as meninas tremiam. Nós estávamos todas abraçadas e confiantes.
  Ele fez um sinal de correto para o treinador e ele sorriu para nós.
  - Zeta Beta Iota, tudo correto. Vocês estão na próxima fase! – o treinador repetiu a frase pela última vez e nós gritamos, nos abraçando com força e dando pulos de alegria. A nossa torcida berrava desesperada, junto com outros que acabaram torcendo por nós de alguma forma, depois de ver o sufoco que passamos para ganhar.
  Nós não nos soltávamos, era muita emoção. As meninas até choravam de emoção, porque foi por muito, muito, muito pouco. E calamos a boca de todos.
  - Theta Delta Xi e Sigma Phi Sigma vocês estão fora da competição. Sinto muito – o treinador disse com pesar, mas sem muita verdade, eles tinham dinheiro suficiente para manter a casa deles.
  - ISSO É UMA IN-JUS-TI-ÇA! – um dos Sigma deu chilique. – VOCÊ É UM EMBUSTE, TREINADOR. UM EMBUSTE! – Ele batia os pés, enquanto os outros tentavam contê-lo. – EU VOU XINGAR MUITO NO TWITTER HOJE, NOSSA. EU ESTOU CAN-SA-DO DE SER PERSEGUIDO. EU VOU ME VINGAR, VOCÊS VÃO VER, CANSEI DE SER BONZINHO.
  Encarávamos aquela cena com as sobrancelhas franzidas e um pouco chocadas com a figura de gravata borboleta que tirou sarro de nós mais cedo, agora tendo o seu próprio ADP.
  O grupo o tirou a força, para não piorar a humilhação.
  Os meninos desceram, junto com nossos torcedores, para comemorar conosco nossa vitória. Abracei meus amigos e dei pulinhos com eles, eu precisava disso naquele momento, depois de tudo que passamos para ajudar essas meninas, essa vitória havia sido muito bem-vinda.
  - Você tá bem? Se machucou? – me tocava, conferindo se meu tombo não havia deixado nenhuma marca.
  - Me pergunte amanhã. – suspirei. – Imagina? Os roxos e marcas que essa merda vai me deixar? Eu quase morri, sabe? – gargalhava, mas não por ser engraçado, e sim porque ele sabia que eu falava sério.
  Era legal quando era só meu melhor amigo. Nossa relação ficava mais leve e eu não me sentia pressionada a nada. Por isso não reclamei de seu toque gentil em meus ombros, enquanto ria da minha desgraça. Junto com nossos amigos que riam e riam da minha tragédia.
  A risada foi cortada quando Hannah saiu de trás de , com seu típico sorriso simpático e – falso – adorável. Ela veio até nós, cumprimentando as meninas e me deixando por último. E então me abraçou como se fossemos amigas de infância.
  - Vocês foram ótimas! Eu estou muito confiante de que vocês vão ganhar isso, sério. – E então abraçou de lado.
  - Eu tive que trazê-la. – Os dois riam de uma piada interna deles. – Tudo que ela falava era como precisava torcer para as Zetas e ver a cara da Rachel quando vocês ganhassem.
  Sorri um pouco desconfortável com aquele grude ao vivo e , ao reparar meu desconforto, se meteu.
  - Todas nós queríamos ver a cara daquela ratazana. – Ficou de cara fechada. – Você fotografou, Hannah? – sorriu a altura e a garota ficou um pouco acuada.
  - Não... eu... deveria? – Suas bochechas coraram e ela tinha um olhar meio assustado.
  - Claro que não.
  Eu e rimos malignas da forma que ela ficou assustadinha e acompanhou, em uma risada desconfortável tentando fazer parecer uma grande piada. Hannah riu junto achando que estávamos brincando.
  Virei para a arquibancada de novo e só vi Ethan levantar um copo em minha direção e eu contive um sorriso. Graças a Deus não tive visão dele quando me estabaquei no chão. Isso deve ter o feito tão feliz.
  Minha melhor amiga me abraçou e eu retribuí o carinho. Só Deus sabia o quanto penávamos para conseguir destaque e finalmente conseguimos. Pela primeira vez, conseguimos.
  - Com licença? – a voz de Brittany chamou nossa atenção, ela havia retirado o microfone das mãos do treinador. – Eu só queria dizer algo que está entalado em minha garganta! – Lá vem... – Ninguém sabe o que nós da Zeta passamos para conseguir chegar onde chegamos, mas eu sempre digo algo a elas, para fazê-las manter a fé em nós mesmas... – seus olhinhos já estavam marejados.
  Ah não.
  - BRITTANY NÃO!
  - Levanta a cabeça unicórnio, se não o chifre cai!
  Putz.

***
Sábado à tarde.

  Finalmente o final de semana, mas era um daqueles finais de semanas que eu tinha o total de zero coisas para fazer. Além de estudar e querer passar a tarde toda dormindo graças ao tempo fechado de Outono.
  Infelizmente, a Zeta havia sido proibida de sair do campus nesse final de semana. Diane disse ser por “motivos acadêmicos”, mas nós sabemos que na verdade era apenas uma forma da Reitora Campbell continuar de olho em nós para ver se sairíamos da linha.
  - E o ? – perguntei ansiosa demais.
  - Está na casa do pai, eu acho. – estava ocupada mexendo na panela, focada demais no que fazia.
  - E o ?
  - É o seu namorado, não o meu.
  Rolei os olhos.
  - Ele não é meu…
  - Tanto faz.
  - E o Wallace?
  - Deve estar enfiado na minha casa, ele não faz mais que isso.
  Nenhum dos nossos amigos estava presente, todos ocupados com alguma coisa e, mais uma vez, e eu não tínhamos nada para fazer.
  - Pronto, agora só botar na geladeira, e ficará pronta daqui umas horas – a morena disse, despejando na massa o que ela havia preparado. Algum doce, eu não sabia ao certo.
  Até agora nosso sábado havia sido regado disso.
  Atualizamos nossas séries, vimos alguns filmes que escolheu, depois ela fez doces. Fez pipoca, bastante pipoca. E ainda estávamos morrendo de tédio.
  O resto da Zeta havia desaparecido. Boatos de que elas estavam na biblioteca, mas eu vivo nesse lugar a semana toda, nos meus dias livres eu quero fazer tudo menos ficar perto de livros.
  Fomos para sala e no mesmo instante as desaparecidas apareceram. Todas sorridentes e rindo, conversando sobre alguma coisa que esqueceram de nos incluir.
  - Onde vocês vão? – perguntou desinteressada, enquanto elas largavam seus livros e pegaram suas bolsas.
  - Vamos pra casa de repouso, fazer uma das nossas visitas mensais. Alegrar os idosos e tal – Anna disse genuinamente, com um sorriso. Eu e minha melhor amiga nos entreolhamos.
  - Ok, nós vamos – disse e correu para pegar sua bolsa e trazer a minha.
  - Espera, não é necessá... – Morgana tentou argumentar contra. Só tentou.
  - A já pegou a bolsa dela, ou seja, não dá mais para voltar atrás. Nós vamos, vocês querendo ou não. – Sorri.

***

  Era tudo tão... branco.
  Os idosos estavam sentados espalhados pela sala de recreação. Uns calados e outros conversando sobre alguma coisa. Outros brigando por causa do carteado, dama ou xadrez.
  - É sempre assim tão... quieto? – encarou para os lados, esperando encontrar pessoas com mais ânimo igual sua bisavó.
  - Eles são velhinhos, você esperava o quê? Vê-los dando seus melhores passos de twerk? – Morgana rolou os olhos e a latina se controlou para não perder tempo com isso.
  - Eles não têm muito o que fazer por aqui. Não recebem visitas frequentemente – Suki, uma das enfermeiras e administradoras, disse enquanto caminhava conosco pela casa, mostrando os cômodos. – Eles só precisam de um pouco de atenção.
  Suki, por sua história, trabalhava na casa de repouso há quase dez anos, desde que seu tio-avô foi internado. Ela, em sua tentativa de ficar mais perto dele, havia se candidatado para ser uma aprendiz, uma ajudante. Acabou pegando gosto e permaneceu.
  Essa casa de repouso era conhecida, minha mãe ajudava com doações mensais. De vez em quando ela e seu grupo da Igreja aparecia, para dar um pouco de atenção aos idosos que vivem na casa.
  Mas eu nunca havia pisado nela.
  Talvez fosse um pouco de egoísmo de minha parte de não ter me importado o suficiente para frequentar um lugar assim, conhecer a história dos idosos e dar um pouco da minha atenção e solidariedade.
  Isso me fez lembrar dos meus avôs e o quanto eu sentia falta deles e o quanto agradecia por ainda tê-los por perto.
  A mãe da minha mãe, Agnes Avelar, tem descendência portuguesa é a maior hippie que eu respeito, tão hippie que por isso o nome de minha mãe é Dália. Dália Avelar Hudson. Minha avó é viúva desde que eu nasci e isso não a impediu de arrumar vários pretendentes durante os anos, ela me diz que em Miami – onde mora – tem milhares de pretendentes e corações partidos por lá, e que caso eu quisesse ela me apresentaria os netos deles. Ótimo não?
  Eu sinto falta dela quase sempre, mas isso se contorna com nossas conversas diárias por Facebook e ligações que duram horas, cheias de conselhos amorosos e conselhos astrais. Ela é meio que minha maior guia espiritual e de graça.
  Já na parte do meu pai, meu avô Grayson Hudson já era um puta empresário quando eu nasci, comandando um império em New York e queria que meu pai fosse também um rei assim que ele passasse a coroa – por isso Victor Hudson, meu avô achava que ficaria poderoso em um outdoor. Já minha avó Tyra Hudson, uma das minhas musas, uma das biólogas mais fodas do país e umas das mulheres mais inteligentes que eu conheço. Ela superou meu avô, sendo mais que “a mulher do empresário multimilionário Grayson Hudson” e eu aspirava isso para mim um dia.
  Ambos são extremamente amorosos comigo e me mimam, como a princesinha que sou, mesmo não sendo a única neta deles. Meu avô me trata como uma bonequinha e me defende contra os exageros religiosos do meu pai – já que meu avô é basicamente mais ateu já que se considera Deus na Terra. E minha avó me ensina a ser uma mulherona da porra. Preciso de algo mais que isso?
  Todos os verões nos reencontramos em Hamptons no palácio dos meus avós e meu passatempo favorito é infernizar meus primos, que mesmo uns que são anos mais velhos que eu e outros não, ainda não aprenderam a resistir à Hudson. O que é meio bizarro ser a fantasia sexual de vários marmanjos, mas ser o inferno alheio é uma de minhas qualidades.
  Continuando…
  Durante nosso tour pela a casa, conhecemos um senhor chamado Jeremiah, ele estava internado há 3 anos, depois que seus filhos acharam que ele era “irritante demais” para conviver com eles.
  Era triste como esses filhos exageravam. Ele era um pouco ranzinza, mas tinha um bom gosto para conversas. Principalmente quando me comparava com alguma atriz hollywoodiana dos anos 50.
  Também conhecemos Olga e Harriete, duas gêmeas que mal se desgrudavam. Eram melhores amigas.
  As duas decidiram conviver na casa de repouso por vontade própria. Cansadas de mesmo já na terceira idade ser obrigadas a ficar tomando conta dos filhos e netos, acreditaram que a casa de repouso era o melhor para tirar férias deles.
  Haviam várias histórias espalhadas, vários idosos que já passaram por muitas coisas e viram muito mais, tinham coisas para ensinar, principalmente para nós adolescentes inconsequentes.
  Mas ainda não sabíamos ao certo como animá-los.
  - As peruas podiam por favor sair da frente? – uma senhora no fundo gritou, quando passamos pela sala de televisão.
  - Perua não – Morgana rangeu.
  - Só sai da frente. – Empurrei ela antes que se metesse em uma briga com alguma das senhorinhas.
  - Então, o que vocês fazem para se divertir por aqui? – se sentou ao lado de Jeremiah e eu me sentei ao lado de Gary, o “melhor amigo” de Jeremiah.
  Aparentemente nos anos 60, eles dividiam uma namorada. Então eles se odiaram por três meses, até que então acabaram virando melhores amigos depois que a mesma mulher trocou eles por outro.
  - Isso mesmo. – O senhor apontou para a televisão, que passava algum documentário sobre peixes.
  - Sério? – O encarei meio desconfiada e ele deus os ombros.
  - Não temos mais idade para sair por aí sem rumo, depois ir para nossa discoteca favorita e cheirar perfume.
  Nossos queixos caíram. Ele novamente deu os ombros suspirando um “é, nós fazíamos isso”.
  - E nós com certeza não temos idade para ficar nesses saltos. – Elma, uma das senhoras, apontou para meus pés e os de . As outras meninas usavam saltos mais baixos. Era algo do nosso novo estilo.
  - Tenho pé de boneca, nasceram naturalmente virados na vertical pra que eu pudesse andar 24h de salto - explicou dando um leve sorriso.
  - E nem ouvem músicas? - Eu quis saber.
  - Mas nós estamos ouvindo música. – A outra senhora apontou para a caixa de som, que saía alguma música velha demais e desanimada demais.
  - Músicas de verdade - conclui.
  - É isso que tem por aqui, querida. – Jeremiah se fechou. – Se vocês querem diversão, então vão para outro lugar.
  - Ai, credo.
  - Vocês não estão mortos.
  - Quase…
  Nos viramos para Morgana, que fechou a cara.
  - E o que vocês sugerem, então?
  - Oras, se vocês não podem ir até as festas.... – comecei.
  - Então traremos as festas até vocês – captou e nós sorrimos.
  Corri até a caixa de som e tirei o dispositivo dele, que era um tipo de iPod mais velho que meus pais. Escolhi a música com cuidado e pluguei o meu celular na caixa de som, aumentando-a.
  A batida começou, as vozes saíam pela caixa de som e atraía a atenção dos mais velhos, que se interessavam.
  Anna e Sabrina correram para as janelas, fechando as cortinas.
  - Eu tenho um aplicativo novo que eu baixei, querem ver? – Brittany disse aleatoriamente.
  - O que ele faz? – Sandra perguntou.
  - Ah, uma vez a tartaruga do meu irmão estava muito deprimida, depois que ela descobriu que a Miley Cyrus na verdade era a Hannah Montana, foi muito triste, eu pude entender já que... – nós a encaramos. – Enfim, eu baixei esse aplicativo e ele foi muito útil. Ele pisca essas luzes muito loucas, tipo em uma balada.
  - E isso é seguro?
  - Claro.
  - Essa tartaruga não morreu com algum tipo de convulsão?
  - Sim, por quê?
  Nos encaramos um pouco preocupadas.
  - Será que devemos?
   deu os ombros.
  - Eles são velhos, não tartarugas. Não vai fazer mal.
  Brittany ligou o aplicativo e apagou as luzes.
  A festa começou.
  Alguns idosos encaravam as adolescentes loucas, dançando pela sala, imitando a coreografia do videoclipe que havíamos assistimos na MTV algum dia desses.
  Nós fomos até eles e os puxamos para dançar, tentando trazer para o centro. Alguns vinham por contra própria, outros estavam hesitantes e preocupados em acabar se machucando.
  Sentei em uma das poltronas só para tirar meus saltos e algumas meninas fizeram o mesmo, para não pisarmos nos pés ou machucar eles. Éramos loucas, mas precisávamos ser cautelosas.
  Então voltamos para nossa pista improvisada.
  Dançávamos com as senhorinhas pela pista, rodando-as. Umas até arriscavam seus melhores rebolados, descendo e subindo. Até invejei, os quadris de umas aos oitenta estavam melhores que os meus aos dezoito.
  Mas ainda dois senhores estavam sentados, de cara fechada. Curiosos para participar, mas preferiam permanecer sentados para manterem as poses de ranzinzas.
  - O que é tudo isso? – Jeremiah permanecia com sua cara fechada.
  Eu e nos entreolhamos.
  - Vamos?
  - Bora.
  Fomos cantarolantes para os senhores. Eu peguei Gary e ficou com o Jeremiah, nós os puxamos para cima, mesmo hesitantes.
  Rodopiamos pela sala, os levando mais para a pista.
  Formamos uma roda na nossa pista de dança improvisada. Até as enfermeiras se juntaram à nós.
  A cada parte da música, chamávamos um dos idosos para ir ao meio e dançar de sua forma desengonçada, engraçada, charmosa, travada, sensual ou qualquer coisa.
  Uns rebolavam, outros só mexiam os braços, as mãos, as cabeças, não importa.
  O que importava era ver os sorrisos e as gargalhadas vindo dos mesmos, encarando seus colegas, rindo, cantando junto, mesmo sem conhecer a músicas. Aplaudindo os outros.
  As meninas se soltavam, dançando com vários e gargalhando, rodopiando por todo o salão.

Let's have a kiki
I wanna have a kiki
Lock the doors tight
Let's have a kiki
(Hunty drop her)
I'm gonna let you have it

  Eu e ou estávamos batendo nossos cabelos igual nas boates com umas das senhoras, que mal cabelos tinham, mas se sentiam as próprias a arrasar em suas perucas.
  Ou estávamos rebolando, descendo até o chão com as outras. Minhas costas travaram uma vez, sim, e uma das senhoras riu da minha cara. Dá pra acreditar?
  E em um momento, nós vimos que nossa missão estava cumprida quando vimos Jeremiah e Gary gargalhando, dançando com suas companheiras, com as outras meninas e até nos puxando para dançarmos com eles.
  - Isso que é vida! – Gary disse, me rodopiando.
  - Vai com calma, velhote – Jeremiah brincou com o amigo e os dois riram.

Let's have a kiki
I wanna have a kiki
Boots, ten, queen
Let's have a kiki
We're gonna serve
And work and turn and h-h-honey

  E no final, acabamos exaustos, aplaudindo a caixa de som que havia nos animado. Nos despedimos e depois nos aplaudiram como se nós merecêssemos isso.
  Não fizemos nada de mais, só fizemos o que fazemos de melhor: não levar nada a sério.
  Tudo que eles precisavam era de um pouquinho de atenção.
  E nós demos nosso melhor para isso.

***
Sábado à noite.

  Estávamos mortas, com nossos pés doendo, mas nossa noite ainda não havia acabado.
  Depois de darmos, segundo os próprios moradores, a “melhor tarde de todas” na casa de repouso, voltamos para as Zeta, para relaxar.
   havia sugerido que fôssemos para alguma balada, aproveitar nossa juventude em nossa melhor forma. Principalmente a latina, que estava aproveitando ao máximo seu dia de folga da família, dos trabalhos e até de uma certa forma, do Wallace.
  Mas as nossas irmãs Zeta não estavam tão convictas de sair para a balada, já que não estavam acostumadas com isso. Tentamos levar elas à algumas festas durante o ano, mas o campus todo nos odiava – graças a péssima propaganda de Rachel contra nós. Só conseguíamos sair bem na Lambda e na Alpha.
  : Meninos, o que vocês vão fazer hoje à noite?
  : Eu tenho que ficar com meu pai... Ele tá me enchendo o saco o dia todo, não aguento mais falar sobre trabalho ou sobre seus casamentos.
  S.O.S.
  Wallace: Chora bebê.
  : Ué, Wallace, não é você que vai ter que passar o final de semana com seus pais porque a titia acha que você está se tornando um gangster insensível que esqueceu como se trata a família?
  : Eu mandei você responder as chamadas dela, mas você disse que era “muito legal pra falar com a mamãe”...
  Wallace: E eu sou!
  : Aham…
  : E o ?
  Wallace: Ele não tá saindo com a menina lá, aquela gatinha?
  Devem ter ido pra festa da casa dela.
  : Cara…
  Wallace: O quê?
  : Cala a boca.
  Brittany: Eu beijei um velhinho hoje.
  , W: QUÊ?
  :
  Brittany: Não significou nada pra mim, sabe.
  : Vocês são loucos.
  - Cariño
? – se sentou ao meu lado, tocando meu ombro com certa gentileza e me encarando profundamente. – Você está bem?
  - Por que não estaria? Eu estou super, super, super superada. – Sorri.
5 minutos depois…
  Voltei para a sala de estar usando um casaco moletom comprido, como um vestido, com a estampa mais infantil e nem um pouco atraente, e me joguei no sofá, deitando e ligando a TV em desenhos animados antigos.
  As meninas estavam se arrumando para sair e, ao me ver daquela forma, me encarou e sua boca se abriu, fechou e abriu de novo. Ela estava toda produzida e eu pude ver a veia em seu pescoço saltar ao me ver desse jeito.
  - ... Ann... Hudson... – disse pausadamente, tentando se acalmar antes de me matar. Não nego que o olhar dela me assustou mais que os últimos filmes demoníacos que assisti. poderia ser o pior demônio. – O que você pensa que tá fazendo?
  Respirei fundo.
  - Eu vou ficar. Meus pés estão me matando... melhor ficar aqui essa noite, sabem, descansando e estudando. – Sorri para minha melhor amiga e Brittany correu para segurá-la.
  - Você vai o quê?
  Ainda tentava manter a calma.
  - Ficar.
  Ela respirou fundo e deu os ombros, repetindo baixinho um mantra pra se acalmar.
  - Louca. Você é louca, .
  Ri de minha amiga e as meninas pegaram suas bolsas, terminando de se arrumar e prontas para sair para a balada. não me dirigiu mais a palavra, provavelmente me odiava porque ter que passar uma noite toda com elas, seria uma tortura.
  - Qualquer coisa, você sabe onde fica a balada, né? – Anna tocou meu ombro com delicadeza e eu assenti, dando um beijinho em sua bochecha e me despedindo dela. Me despedi do resto das meninas também.
  Respirei fundo me vendo sozinha em casa pela primeira vez e fechei meus olhos, curtindo meu momento de paz.
  E então fiquei entediada.
  Provavelmente acabei tirando um cochilo sem perceber, mas quando abri meus olhos já estava em outra posição no sofá e muito entediada.
  Vesti o capuz do meu moletom e calcei minhas pantufas com estampa de unicórnio – presente de Britt – e fui ao quintal.
  Eu queria sair, mas ao mesmo tempo achava que seria melhor ficar em casa. Principalmente com as novas notícias de . Isso havia mexido comigo de uma forma que eu não estava muito pronta, então não sabia como agir. Precisava de um tempo para pensar.
  Sabia que eles dois estavam cada vez mais “amigos” pro meu gosto e não podia me meter, porque ainda não havia aceitado muito bem a imagem minha com Ethan em um carro depois de um momento que explodi com um ápice de adrenalina.
  E ultimamente estava sem forças para brigar, então deixava ele fazer o que era melhor para ele.
  Do quintal, conseguia ouvir uns sons de festa nas casas mais afastadas e pensei comigo mesma se deveria ir. Mas eu não queria ver gente, não queria saber. Afinal, provavelmente estaria na festa com a Hannah e eu não estava pronta.
  Sentei na escadaria na frente de minha casa e fiquei em silêncio, tentando botar meus pensamentos no lugar e tentando não surtar imaginando com Hannah de vez. Estava ficando para trás e isso estava fodendo com a minha cabeça.
  Não sabia mais o que fazer para que ficássemos bem.
  Tirei da cabeça por um momento, quando percebi que não estava sozinha no lado de fora de minha casa. Ele estava lá. E eu preferia estar sozinha do que com a companhia dele.
  Ethan Mason.
  Ele estava afastado, mas sabia que eu estava lá. Por isso se aproximava aos poucos de mim, em silêncio, com as duas mãos no bolso. Não dava para vê-lo direito pela pouca luz, mas sentia que ele me olhava e eu ficava irritada, pensando nos julgamentos que ele estava fazendo.
  Mesmo com a nossa trégua momentânea, Ethan e eu não éramos amigos o suficiente para gostarmos de ficar na companhia um do outro. Talvez se fosse em outro dia, um dia que eu estivesse com meu melhor humor, talvez pudéssemos nos dar bem. Hoje não sairia nada bem disso, nada saudável.
  Não hoje.
  - O que você quer? – quebrei o silêncio. – Você tá me perseguindo, agora?
  Ele riu.
  - Você adoraria isso, né? – Seu tom sarcástico me irritava, ainda mais com seu sotaque arrastado. Tudo nele me irritava. – Eu estava na festa das Alpha, ficou chato e eu saí para dar uma volta. – Foi vindo para mais e mais perto. – É meio deprimente você estar sozinha em um sábado à noite. Se você não tem vida social, quem terá? – e novamente foi sarcástico.
  Eu queria arrancar seus olhos.
  - Não é deprimente. – Dei os ombros. – Eu tô muito bem, se quiser saber – tentei soar indiferente, mas estava morrendo de tédio e querendo companhia.
  Menos a dele.
  - Quer fazer alguma coisa? Ir ao cinema, balada, beber milk-shake ou qualquer coisa que seu tipo goste? – imitou, exatamente o que eu disse em nosso primeiro encontro e cruzou os braços. Eu ri, de cabeça baixa.
  Era tão patético.
  Eu poderia estar em uma balada agora com minha melhor amiga, mas estava sofrendo pelo meu ex-namorado que estava se divertindo com a nova namoradinha. E a única pessoa que estava disposta a me fazer companhia era justamente uma das pessoas que eu mais detestava.
  - Você pode ir com até com pantufas se quiser. Amanhã eu conto para toda a Hearst, sem problemas.
  Respirei fundo.
  - Vou me trocar.
  Mas ele não deixou barato. Só fez um som de reprovação.
  - Poxa, acho que é a primeira vez que eu te vejo tão bem vestida. – Sorriu para mim, um sorriso sarcástico, mas também de que no fundo tivesse achado graça do que disse. E eu respondi com o dedo apenas.
  Seria uma noite adorável…

***

  Ethan havia me levado para um “lugar especial”, mas eu conhecia como “lugar de fumo”. Era um pequeno morro que ficava atrás da praia, um lugar bonito que você conseguia ter uma boa visão da praia e do céu. E também bom para você fumar a vontade, ninguém veria ou se importaria.
  Estávamos sentados no capô de seu carro, em silêncio. Eu tinha um milk-shake grande em minhas mãos e Ethan tinha um copo de refrigerante – talvez batizado? – na dele. Jamais assumiria em voz alta, mas os momentos antes de chegarmos no morro foram os melhores da noite.
  Passamos em um mercadinho que vivia aberto, 24 horas. Entrei com capuz e tudo, não querendo ser reconhecida ao lado dele e ele aproveitou para tirar sarro disso. O atendente então começou a flertar comigo descaradamente e Ethan, como o cavalheiro que era, usou isso para descolar as compras de graça. Saímos com vários pacotes de chips de batata, barras de chocolate e nossas bebidas. E o atendente ficou com o número de Nicolas, para ligar quando se sentisse carente.
  Talvez fosse meio errado o que fizemos, tinha muita maldade nisso, mas foi impossível não gargalhar depois durante o caminho, relembrando dos olhares esperançosos do atendente e o sorriso malicioso de Ethan pensando o mesmo que eu – use sua beleza para ganhar comida grátis.
  Minha visão estava na praia vazia, na noite estrelada e no pacote de Oreo que eu devorava enquanto saboreava meu milk-shake. Tirando o som do mar e das folhas dançando com a brisa noturna, havia o som do tapa que eu dava na mão de Ethan toda vez que ele tentava profanar meus biscoitos.
  Meus olhos às vezes ficavam fechados, ouvindo a música que saía dos alto-falantes de seu carro. Havia sido uma batalha conseguir convencê-lo deixar tocar alguma playlist que tivesse meu tipo de música. Divas pop ou as mais indies.
  Ethan odiava isso e eu sabia, afinal, era óbvio para todos que o conheciam que o rapaz idolatrava rock e o único tipo recente de música que gostava eram os rocks mais alternativos – isso ele me contou, enquanto resmungava enquanto eu estava perdida em alguma música da Demi Lovato ou Billie Eilish.
  Evitava ter contato visual com ele, algo em mim hesitava sobre isso. E quando fiz isso, pude tirar um tempo para naquela luz relembrar dele um ano atrás e agora. Ethan parecia muito mais homem e não um garoto.
  Ele estava diferente de quando nos conhecemos, no primeiro ano do colegial.
  Agora ele tinha os cabelos cortados em um corte moderno, com as laterais mais cortadas e em cima mais “relapso”, com uns fios caindo sob sua testa. A cor de seus cabelos continuava naturalmente em um castanho claro. E ele ainda tinha o mesmo estilo de cara simples, desleixado, básico. Nessa noite usava uma camiseta de alguma banda de rock que ele adorava, jeans, bota, jaqueta jeans escura com forro de lã marrom. Tudo em tons escuros.
  O único acessório que usava e era diferente de quando nos conhecemos era o anel pequeno em seu dedo mindinho da mão direita.
  Odiava o fato dele ser bonito, fazia ser mais difícil detestá-lo por ser um babaca.
  Eu me sentia praticamente nua ao seu lado. Vestindo ainda o meu vestido moletom e sem as pantufas, estava com um tênis branco qualquer que achei no armário.
  Em alguns momentos podia sentir os olhos azuis de Ethan queimar a pele de minhas pernas quando ele me olhava “acidentalmente” enquanto tentava pegar meus biscoitos.
  Não havia arrumado meu cabelo, não havia me maquiado. Só esperava não ver ninguém conhecido essa hora, pois estava um caco.
  - Por que você estava sozinha? – tentou quebrar o gelo.
  - Não estava me sentindo bem.
  - Quer falar sobre isso?
  - Não.
  - Graças a Deus... – seu sussurro foi audível, ele realmente estava aliviado. Ele transpirava indiferença por mim. Me virei para ele e arqueei a sobrancelha. Ele rolou os olhos. - Vai, fala o que tá acontecendo. Não prometo não rir. – Ele deu um sorrisinho e eu rolei os olhos.
  Eu poderia ficar quieta, mas ele havia me pagado um milk-shake e eu adorava falar. Principalmente sobre mim.
  Então contei tudo para ele. Basicamente tudo que estava acontecendo com a minha família e minha tentativa fracassada de ser independente. E junto comentei por cima – e em detalhes – minha relação com .
  Suas reações eram uma cara de tédio, como se ele quisesse estar em outro lugar que lá. E se arrependendo mentalmente por ter pedido para que eu falasse. Mas quando eu terminei, ele respirou fundo e me encarou fixamente.
  - Quer que eu seja sincero? – Assenti, mesmo sem ter pedido nenhum conselho. – Isso é tudo baboseira. – Deu os ombros e eu fiquei a cara.
  - Como?
  - É tudo baboseira, Hudson. – se ajeitou no capô, ficando de frente pra mim. – Cara, se você quer ser independente você não pode depender do seu pai. E se ele ainda te dá mesada, compra as coisas que você quer e te dá tudo, isso não é ser independente.
  - Mas eu tô trabalhando e – Ethan me cortou.
  - Sejamos sinceros, , você nem ganha salário pra trabalhar na biblioteca. – Deu os ombros e eu fechei a cara. – Se você quer ser independente, então você tem que parar de depender da mesada de seus pais e arrumar um emprego de verdade, pra pagar as coisas que você precisa e se sobrar, pagar as coisas que você deseja. E assim você se livrando do dinheiro dos seus pais e se tornando mais responsável financeiramente.
  - Como você sabe tudo isso? – Franzi as sobrancelhas e ele riu.
  - Estudo Economia.
  Bufei baixo. Ele estava certo.
  Se eu quisesse ser realmente independente, eu teria que parar precisar do dinheiro de meus pais para isso e sim arrumar um emprego de verdade, fazer as coisas de verdade. Infelizmente fazer era mais difícil que falar.
  - E com o que você trabalha? – perguntei só por puxar assunto, na verdade não me interessava tanto.
  - Eu tô entre trabalhos, na verdade.
  Senti dentro de mim uma vontadezinha de provocá-lo e ele só havia me dado a abertura pra isso.
  - O que foi? Os americanos não empregam mais estrangeiros? – ri.
  Ethan deu os ombros.
  - É inveja da concorrência. – Sorriu. – Nós ingleses somos bons demais para seus empregos ínferos – disse em um perfeito clássico sotaque inglês, mais puxado que o seu usual.
  E ri de novo. Ethan me acompanhou.
  - E acho que você deveria sim trocar de curso... – continuou. – Você daria uma ótima atriz. – Deu os ombros.
  - Sério? Você acha? – Sorri.
  - Eu e todo os caras do colegial que acreditaram que tinham alguma chance com você. – Riu e eu rolei os olhos. Ótimo Ethan, você fodeu tudo.
  - Isso é perda de tempo... – Levantei bufando, pronta pra ir embora. Não queria isso, não precisava disso. Estava bom até ele foder tudo.
  - Ei, espera. – Segurou meu braço sem força. – Foi mal, não quis ofender. Sério. Eu não tenho tato pra essas coisas, desculpa. De verdade, fica. – Bufei e me sentei de novo no capô.
  Ele voltou para sua posição original, ficando de frente para o mar e seus olhos foram para o infinito.
  Naquele momento, o encarando em silêncio e prestando atenção em qualquer outra coisa, me toquei que ele não falava sobre si mesmo. Talvez porque eu nunca havia perguntado para ele sobre sua vida, suas aspirações e sua vida.
  Eu queria conhecê-lo melhor, já que estava deixando ele aconselhar sobre a minha vida.
  - Como é sua família? – O tirei do seu transe e ele se virou para mim, só arqueando uma de suas sobrancelhas. Sorriu então, tomando um gole de sua bebida.
  - Eu a amo. – me chocou vê-lo com tanta franqueza. Sempre achei que ele era do tipo que odiava sua família e por isso era do jeito que era. – Meu pai é ex-soldado, trabalhou e viajou em várias missões pelo Exército, mas agora está aposentado. Ele é meio duro, mas é amoroso. Sei que ele me ama e sente orgulho de mim.
  - E sua mãe? – Minha voz saía baixa. Me repreendia mentalmente por estar tão interessada. Eu me aproximava dele, para que ele me contasse mais sobre sua vida.
  - Espetacular? A pessoa mais doce que conheço? – Sorriu para mim, encarando fundo os meus olhos. – Ela é Pediatra, adora crianças e cuidar delas. Eu vivi com ela na Inglaterra enquanto meu pai vivia em suas missões estrangeiras. Deve ser por isso que foi uma mãe tão zelosa e amorosa, mesmo com os mimos exagerados. – riu. – Mas ela fez o homem que sou, não posso reclamar. As merdas que fiz estão na minha conta apenas.
  Fui adentrando mais naquele terreno de confiança e honestidade. Da mesma forma que me abri para ele e contei sobre meus problemas, ele estava me deixando saber mais sobre sua família. Nos conhecíamos desde o primeiro ano do colegial e eu nem sabia nada sobre sua família enquanto ele parecia saber tudo sobre a minha.
  - E você tem irmãos? – me sentia mais leve, acreditando que ele não subiria nenhuma muralha de indiferença agora.
  - Tenho um irmão mais velho. O primogênito, prodígio, orgulho da família. Kian. – Ethan estava de frente para mim e a nossa distância era pouca. Ambos olhávamos fundo dentro dos nossos olhos, conversando com intimidade. – Ele tem dois filhos, gêmeos, Crystal e Asher. Acabaram de nascer, fazem poucos meses. – Seus olhos brilharam. – São as coisas mais fofas que tive o prazer de conhecer. – Riu e meu peito aqueceu por um instante. – Ah, e ele é casado, com Matteo, seu esposo.
  Meu queixo caiu e eu coloquei a palma sob boca, rindo e adorando a informação. Quem diria, Ethan Mason tem um irmão gay e casado.
  O pensamento de conhecer sua família que passou pela minha cabeça pareceu muito errado, mas convenci meu cérebro que a partir do momento que nos tornássemos amigos isso seria possível.
  - Seu pai deve ter adorado a novidade. – Ri e Ethan me acompanhou. Senti leveza em sua risada, coisas que não senti durante anos perto dele. Leveza.
  - Nunca o vi ficar tão roxo quando Kian apresentou Matteo para a família – permanecia rindo. – Meu pai poderia ter uma crise do coração naquele momento, mas foi só Matteo citar algo envolvendo guerra, americanos e o quanto odiava o Trump que meu pai virou o apoiador número um desse relacionamento.
  Sorri, imaginando como seria viver com uma família assim. Sem julgamentos, sem extremismo. Apenas família.
  Permanecemos nos encarando por alguns instantes, estava perdida nos olhos dele e me recusava aceitar isso. Queria socá-lo e não gostar dele. Mas entendê-lo melhor me fez vê-lo sem tantos julgamentos e críticas, porque por trás daquele “rebelde sem causa”, tinha um filho e irmão amoroso. Não entendia suas razões para ser do jeito que era e não perguntaria.
  Mas tinha algo que eu adoraria saber.
  - Por que você me odeia? – disse de uma vez e ele respirou fundo.
  - Não te odeio.
  Curto e grosso.
  - Bem, pareceu isso durante os quatro anos do colegial.
  Ele bufou e sua expressão espontânea de minutos atrás, leve e brilhante, sumiu por um instante. Me arrependi por ter perguntado, pois seus olhos me encaravam com um diferente tipo de brilho.
  Era legal forçar Ethan a se importar um pouco ou ter que tirá-lo da sua concha de indiferença. Isso o deixava desconfortável e impaciente.
  - A real? Eu não te odeio e nunca te odiei, . O problema era que você era extremamente irritante, convencida, mimada, manipuladora e egocêntrica. Me irritava ver todos aos seus pés te tratando como uma perfeita entidade só porque era virgem e todos te desejavam. Cara, os corredores abriam como o Mar Vermelho quando você passava com seu uniforme de líder de torcida. – riu e depois me fitou. – Acho que era o uniforme mesmo…
  Sua expressão mudou novamente e lá estava sua leveza. Às vezes queria saber o que se passava em sua cabeça.
  - O uniforme... – Fiquei distante por um momento, lembrando daquela peça de roupa que fez sucesso durante quatro anos. – Eu ficava tão gostosa naquele uniforme.
  - Pode apostar! – O tom animado e um pouco malicioso que saiu de Ethan me fez rir, logo após de socar seu braço. Mas ele não levou a sério, permaneceu com seu sorriso.
  - E bom - continuou –, mesmo nos detestando desde o começo dos tempos, no fim, isso não te impediu de grudar no meu pescoço no baile. Então acredito que te botar no seu lugar, como a garota normal que você é, tenha ajudado. – Sorriu para mim novamente e voltou para a sua posição.
  Eu poderia argumentar sobre isso, mas eu soaria mimada e egocêntrica.
  Ele havia ganhado essa batalha, mas jamais ganharia a guerra.
  - O baile... – Ri para mim ao lembrar daquela noite. – Era pra ser a melhor noite da minha vida. Eu tinha o vestido perfeito, o namorado, os amigos e a noite seria perfeita. Mas deu tudo errado quando me chutou no dia do meu aniversário. – Fitei o céu, tentando não soar como uma idiota pra uma pessoa que adoraria me ver soar assim. – Enfim, eu nem iria ao baile, mas depois de passar em um fórum de fãs da Beyoncé e entrar em um debate, eles disseram que eu deveria me empoderar. Então eu arrumei o vestido, comprei meu próprio corsage e fui ao baile sozinha. – Virei para Ethan. – Me surpreendeu te ver lá.
  Ele riu.
  - Eu nem ia. Só fui para beber e fumar na sala do diretor, um ótimo “vai se foder” para aquele babaca. – Estava sorridente, como uma criança quando prega uma peça e se dá bem.
  - Você estava chapado então quando nós... – Arqueei a sobrancelha e ele riu, negando com a cabeça.
  - Tive que ficar depois... foi frustrante.
  Abri a boca e coloquei a mão sob ela novamente, evitando a risada que ecoava em minha mente. Ele realmente achou que transaríamos aquela noite?
  Isso parecia interessante…
  - Sabe o que é engraçado? – perguntei e ele negou. – A noite do baile seria a noite que eu perderia minha virgindade. Estava tudo perfeito para ser naquela noite, mas depois de ter perdido o namorado e a noite perfeita, só me restou a virgindade e decidi mantê-la. Quase cedi quando nós ficamos, mas não queria me arrepender. – Dei os ombros.
  - Você não iria... – Riu malicioso e eu rolei os olhos.
  - Você tem certeza disso? – Cruzei os braços, com minha melhor expressão de “fala sério, querido”. E sua expressão mudou para algo mais malicioso a que eu estava disposta a resistir.
  - Você ainda tem o vestido e o corsage? – Sorriu de canto e eu dei um tapa em seu braço. Ele riu.
  - Obrigada pela companhia. Você não é tão insuportável assim. Realmente deve ter amadurecido. – Sorri para ele. – E bem que você poderia me ajudar nisso de me tornar independente, trabalhar e isso aí.
  Deu os ombros.
  - É, se eu não tiver nada melhor pra fazer.
  Sorri e ele retribuiu.
  Ele tirou os olhos de mim por um instante, mas eu mantive meus olhos dele. O encarando, da forma mais simples possível. Queria entender em que momento dessa jornada ele deixou de ser o Ethan Babaca, que eu detestava e se transformou em um Ethan legal, suportável e que eu queria ser amiga.
  Percebi um sorriso de canto aparecer em seu rosto e eu entendi o porquê.
  - O que eu disse sobre me encarar, Hudson?
  - Não fazer? – Contive a risada e ele assentiu.
  - É sério, cara! – se exaltou, virando para mim. – Isso está me assustando. – riu junto comigo. – Vai que você está pensando em formas de me torturar por ter um péssimo tato. Você é boa em torturas.
  Ri e soquei seu braço mais uma vez.
  - Hoje estou de bom humor, Mason. – Sorri, tirando do pacote um biscoito Oreo e dando em sua boca para comer, em um ato simples e sem nenhuma maldade. Sem nenhuma intenção. Um gesto que eu fazia quando era criança e dividia minha comida, mas sob meus termos. Ele sorriu depois de mastigar. – Aproveite.
  Aproveitamos mais uns minutos nossos naquele lugar, aproveitando a paisagem e ouvindo as músicas que ele dizia odiar, mas não pulou nenhuma. Até que percebi que estava ficando tarde demais e ele também. Seus olhos se escureceram com o fato.
  Talvez ele não quisesse ir embora. Eu também não queria, mas não seria eu que falaria sobre isso.
  Ethan se levantou do capô, dando uma de indiferente e novamente quis socar e arrancar seus olhos. – Vou te deixar em casa, tudo bem?
  Neguei com a cabeça.
  - Na verdade, você poderia me deixar em outro lugar.
  - O que você quiser, boneca.

***

   tentou se divertir em algumas baladas com as meninas, mas nenhuma delas estava boa o suficiente para ela – segundo o relatório das meninas. Então, depois que pedi gentilmente para Ethan me deixar na melhor boate de Los Angeles, mandei uma mensagem para minha melhor amiga para me encontrar com as meninas lá.
  E elas chegaram desanimadas e com expressões frustradas. Sorri para elas.
   me fitou da cabeça aos pés, me julgando pelo look. Eu havia me produzido para esse momento.
  Usava um vestido de renda rosa clarinho de decote em V e alças finas, um scarpin salto agulha de camurça cor-de-rosa mais chamativo. Meus cabelos estavam penteados e arrumados, fiz uma maquiagem simples e só destaquei meus lábios com um batom vermelho – tudo no carro de Ethan. Mas isso eu não contaria para .
  Estava bom o suficiente pra ela.
  - Bem-vindas ao paraíso – e as empurrei para dentro.
  A boate estava cheia, abafada e barulhenta.
  Segundo , era a melhor boate LGBT da região. E nós adorávamos essas boates, já que não tinha chances de possuir algum macho escroto lá dentro pra nos encher.
  Essas boates tinham as melhores músicas de divas pop e as mais populares, até as mais antigas e gostosas de ouvir. Nós podíamos nos vestir da forma que queríamos e ninguém encheria nosso saco, afinal, tudo era permitido.
  E o melhor ainda: drag queens.
  Eram as melhores pessoas.
  - Meninassss! – Hera – o nome baseado na deusa da maternidade -, uma velha amiga nos recebeu. – Que saudades de vocês! – Ela me abraçou, em seguida abraçou e depois abraçou Brittany.
  - Hera, você não estava na outra boate? Virou amiga da concorrência?
  - Ah, lá estava muito caído. Essa aqui é o futuro, pode apostar.
  Era realmente o futuro.
  A boate era temática, uma coisa bem futurística dos anos 2000. Aquela forma que eles imaginavam como seriam os próximos anos. As roupas de látex, muitos detalhes metálicos, glitter e cores. Era o paraíso.
  E Hera era basicamente a mais vestida a caráter, como a boate sugeria.
  Usava uma peruca amarelada, enorme, com um topete e as pontas lisas, muito longas. Um top de látex preto e uma saia de látex da mesma cor, mas com detalhes metálicos. A bota de cano alto metálica e o salto que a deixava com mais de dois metros de altura.
  Nós conhecemos Hera no segundo ano do colegial, quando nós e o time de líder de torcida da nos apresentou uma boate que Hera trabalhava. Ela era a melhor bargirl, cantora, dançarina e garçonete de todas. Toda vez que Hera entrava, era ovacionada e quando saía, todos pedíamos bis.
  Ela tinha uma energia surreal. Dançava tudo, até música fúnebre. E em um salto enorme, quase um Ser Divino.
  - E quem são essas carnes novas? – Sorriu, chegando perto das nossas irmãs Zeta.
  - Elas são nossas irmãs da fraternidade. – As apresentei uma por uma para Hera. – Ah e se você quiser nos ajudar, dar uma força, uma divulgação e umas aulas de como serem divas igual você, nós aceitamos.
  Hera riu.
  - Meu amor, não dá pra aprender a ser diva. Você nasce sendo.
  - E como vamos saber se essas basics, são divas ou não? – deu um risinho.
  - Isso é fácil. – Fez as meninas ficarem em uma fila, igual soldadas prontas para seu Coronel. Então sorriu. – Se divirtam meninas, sintam-se em casa!
  Suas expressões mudaram de um terror para uma surpresa em poucos segundos, chocadas na reação da nossa amiga. Esperavam alguma prova super elaborada? Sinto muito.
  - Eu quero vê-las liberando a melhor diva dentro de vocês. Quero vê-las desfilando, dançando, batendo essas perucas e mostrando os melhores carões. Entenderam? Liberem as divas ferozes dentro de vocês – continuou. – Essa noite é de vocês, meninas. Se divirtam como nunca fizeram antes.
  - Sério isso? – Morgana rolou os olhos. – Isso aqui, esse lugar, não combina nada com a gente!
  - Escuta aqui, queridinha. Pareço estar brincando? – Hera parou na frente de Morgana, que se tremeu toda. – Dá pra ver que você é a pessimista. A senhorita “tenho uma nuvem negra em cima de mim”. Me deixa só te falar uma coisa: a vida é muito mais que isso e se você não sabe se divertir, então chame um Uber. Eu pago pra você e então você poderá fazer o favor de cair fora do meu estabelecimento.
  Os nossos queixos estavam caídos e Morgana estava mais pálida do que já era, logo se tornou um pimentão de tão vermelha que ficou. Hera apenas sorriu, empurrando as outras meninas para a pista de dança.
  E foi isso que fizemos – com o auxílio de Hera – dançamos junto com as meninas, ensinando nossos melhores rebolados e passos sensuais, tirando gargalhadas quando falhavam. Aos poucos já estávamos soltas, nos divertindo e dançando para nós mesmas. Fantasiadas e perdidas em um monte de gente.
  Dançávamos com os caras que vinham até nós para dançar, soltando as nossas divas dentro de nós. E as meninas, mesmo que de início se sentissem meio intimidadas e envergonhadas com outras pessoas as dando atenção, iam se soltando. Até mesmo Morgana que aos poucos largou a casca dura e fez amizade com outras drags.
  - Tá perdoada. – gritou perto do meu ouvido.
  - Também te amo. – Agarrei minha amiga que me empurrou, dizendo um “não estraga a mercadoria, ratinha”.
  Puxamos as meninas para o bar, porque nossas gargantas estavam secas e dançamos demais, principalmente as meninas que deram seus melhores na pista. Estava impressionada. Pedimos uma bebida. O nome da bebida era Flor de Lotus. O porquê? Não sabemos.
  Brindamos e bebemos o shot cor-de-rosa bebê com uma florzinha em um gole. As meninas fizeram cara feia para nós. Tinha gosto de baunilha com um pouco de suco de limão.
  - Isso não tem álcool? – Anna parecia furiosa.
  - Claro que não. – Sorri.
  - Por que não? – Sabrina se estressou.
  - Não vamos embebedar vocês. Não é para isso que estamos aqui. – rolou os olhos. – Mas calma, a noite é uma criança e temos outros finais de semana para darmos suas melhores ressacas.
  - Meninas... – Sandra chamou nossa atenção.
  - Sim?
  - Esse carinha tá flertando comigo. Pelo olhar... – ela disse em um tom baixinho e misterioso, como se estivesse guardando um segredo.
  E nós rimos.
  - Ele é gay, Sandra.
  - Totalmente gay.
  - 100% gay.
  - Sério? – Ela nos encarou com um olhar triste e nós demos os ombros. Não tínhamos o que fazer sobre isso, era a natureza.
  Então o tal carinha veio em nossa direção. O jeito de andar, a forma com que ele mantinha o olhar focado em Sandra e um sorriso de canto completamente galanteador.
  - Com licença? – sua voz era grossa e Deus me perdoe, mas se a Sandra não quisesse eu queria. – Quer dançar comigo? – Ele segurou na mão de Sandra e ela gemeu alguma coisa, enquanto tremia.
  - Claro... Só... Só... Um minutinho? – deu um risinho tímido e constrangido. Ele deu um sorriso e QUE PUTA SORRISO.
  - Estarei te esperando na pista, ok? – Ele selou os lábios na mão na garota e saiu andando, para a pista.
  Nós nos entreolhamos e começamos a dar gritinhos de alegria, chacoalhando Sandra que também dava gritinhos de emoção.
  - O QUE EU FAÇO?
  - VAI DANÇAR COM ELE, PORRA!
  - MAS E SE ELE QUISER ME BEIJAR?
  - SE VOCÊ QUISER…
  - EU QUERO.
  - ENTÃO BEIJA PORRA.
  - MEU DEUSSSSS.
  - VAI SANDRA.
  - TÔ INDO PORRA, CALMA, NÃO ME APRESSA.
  Então ela se levantou lentamente, sua gêmea checou se a sua maquiagem estava no ponto e mandou ela ir atrás do gato. E ela foi.
  - Elas crescem tão rápido... – fingi uma emoção e riu.
  - Ela se deu bem. Já nós…
  Bufei.
  - Até ela tá beijando na boca e nós nessa seca.
  - Pois é, cariño. Perdemos nosso encanto.
  - Vira essa boca pra lá.
  - Vamos dançar?
  - Vamos.
  E nós fomos para a pista.
  A pista estava cheia e nossos novos amigos dançavam conosco, enquanto Sandra se divertia com o tal rapaz misterioso que teria a sorte de tê-la por essa noite.
  Dançávamos a batida da música que nunca havíamos ouvido, em um idioma não tão conhecidos por nós – talvez só por – e algumas palavras eu conseguia entender, graças a convivência. Mas a batida era tão gostosa, mas tão gostosa que eu não conseguia controlar meus quadris e bunda que rebolavam no ritmo.

Que yo soy mala de verdad
Mala de verdad
Y a ti te gusta la maldad, se te nota

  O resto da noite foi assim, Sandra aproveitou com o carinha. Eu e nos entupimos de bebida alcóolica e dançamos com vários caras gays que se tornaram nossos amigos íntimos. Eu até consegui o número de um que julgo ser bi, então, era só investir.
  As meninas continuaram sendo treinadas por Hera, que as fez suar. E durante a madrugada, elas já estavam um pouco mais divas. O resto nem Deus ajuda.
  Dançamos todas, bebemos, cantamos loucamente as nossas músicas de divas favoritas. Batemos cabelo, pisamos com nossos saltos, brilhamos com nossos glitters e plumas.
  Os idosos estavam certos, não havia nada melhor do que sair e dançar em nossas discotecas favoritas. Isso era muito mais revigorante.
  Não falaria para ninguém, mas a noite havia tornado proporções que eu nem mesma esperaria. Desde o momento que Ethan apareceu, tudo que estava me apagando foram embora e eu ainda não entendia o porquê.
  Ou só não queria aceitar.

***

  O sol estava quase nascendo e nós estávamos jogadas no refeitório da universidade, nos entupindo de hambúrgueres e batatas fritas gordurosas. Ah, e muito milk-shake.
  Nós usávamos óculos escuros que Hera nos deu de brinde pela noite. Éramos basicamente Cyndi Lauper e seu squad em Girls Just Want To Have Fun.
  - Essa noite foi incrível, muito obrigada meninas. – Anna sorria de orelha a orelha.
  - Sim, maravilhosa... – e Sandra suspirava.
  - Não há de quê. Final de semana que vem tem mais. – sorriu e elas já comemoraram, imaginando as nossas próximas aventuras.
  Meu celular vibrou. Estranhei, era muito cedo para isso.
  Wallace: Não acredito que não nos chamaram para sair.
  : Coisa de gente fútil.
  : Vão se foder.
  : Bom dia pra vocês também.
  Wallace: Vocês não leram o tumblr da Rachel?
  : Oi?
  : Wallace, não faz isso…
  Wallace enviou um link.

  Que merda era essa?
  Abri.

ZETAS: DOSSIÊ

  Precisamos dizer porque as Zeta só estão manchando a imagem impecável da Universidade Hearst? Não, porque isso é óbvio.
  Afinal, além de fazerem uma cena ridícula e patética com sua lavagem de carro completamente deplorável, mostrando como esse tipo de mulher consegue ser fútil e desesperada por atenção, agora essas mocinhas passaram dos limites!
  Enquanto todas nós estudamos para as provas ou arrumamos dinheiro e ideias criativas para nossas filantropias, o que elas fazem? Vão para uma boate de mau nome, sabe-se lá onde e o que fazem por lá.
  Abusando claramente de bebidas ilegalmente – já que são menores de idade – e até de drogas!
  Não podemos mais deixar essa casa que um dia fora respeitável manchar mais a história de Hearst. Eu quero um basta! Nós precisamos limpar e jogar fora o lixo fútil, brilhoso e retirado de um filme adolescente horrível. Nós precisamos fechar a Zeta!
  Elas não estão em Mean Girls ou em The Bunny House, elas estão na vida real. E na vida real, há regras a se seguir e respeitar.
  Se você está conosco, assine abaixo a nossa petição para o encerramento da irmandade Zeta Beta Iota. Quanto mais assinaturas, mais poderemos fazer a mudança!
  Vocês estão comigo?

  Puta. Que. Pariu.
  Ela passou de todos os limites. Ela havia conseguido fotos que nem era pra ela ter, informações que nem era pra ter e estava fazendo algo completamente monstruoso.
  - Eu vou matar essa vadia. – tremia com seu celular em mãos.
  As meninas choravam, completamente desoladas e desesperadas. Isso poderia arruinar a Zeta, e no fim nós não fizemos nada de errado.
  Tá, talvez eu e a . Mas que puna à nós e não todas.
  - VIRAM O QUE VOCÊS FIZERAM? – Morgana levantou furiosa, sem conseguir se conter. – VOCÊS DESTRUIRAM A NOSSA CASA! VOCÊS ESTÃO FELIZES?
  Não podíamos culpá-la por se sentir assim, afinal, de uma forma ou outra isso era culpa nossa. Nós tentamos trazê-las pro nosso mundo e acabamos esquecendo que para elas as coisas têm consequências. Porque elas sempre estiveram no mundo real.
  As outras meninas não falavam nada, apenas nos encaravam tristes e tentando se segurar para não desabar em lágrimas.
  - Como que ela conseguiu essas fotos? – Foi a primeira coisa que se passou pela minha cabeça.
  - Eu mandei – Brittany disse chorosa. – Eu só queria mostrar para ela que nós éramos legais... Eu... Eu sinto muito.
  - Sentir muito não conserta a merda que você fez, Britt. – abriu a boca pela primeira vez, agora mais ríspida e séria. – Nós vamos resolver isso, ok? Confiem em nós. Eu e iremos resolver isso.
  E nós realmente iríamos. Só não sabíamos como.
  Esse não seria o fim da Zeta.

***
  Nós não havíamos trocado de roupa, ainda estávamos brilhosas e sujas de glitter, fedendo à alguma bebida. Descabeladas, com as maquiagens desgastadas e agora sem os óculos escuros.
  - Por onde posso começar? – a voz ríspida da Reitora já indicava a falta de paciência. – Quando eu recebi a reclamação da aluna sobre sua casa, eu achei que fosse exagero. Afinal, vocês não fizeram nada de errado, só lavaram carros. Não havia nada nas regras que impedia vocês de fazerem isso. Mas ir à uma boate sabe-se lá onde, no meio da noite, mesmo advertidas a permanecerem no campus... Isso é muito fora dos limites.
  Era isso, não tínhamos como justificar, nós seríamos expulsas. A casa seria fechada. se foderia, eu me foderia e todas as meninas se foderiam. Tudo porque queríamos trazer um pouco de diversão para as meninas.
  - Vocês são menores de idade, não podem ingerir bebidas alcóolicas e muito menos drogas. Não posso puni-las pelo o que fizeram fora da universidade, não é da minha responsabilidade. Mas posso puni-las por descumprirem minha ordem de permanecer dentro do campus. E era o que eu deveria fazer, punir vocês. Mas não vou.
  Nossos queixos caíram.
  - Como é que é?
  - Rachel se excedeu. Escrever um post difamando vocês, despejando ódio e preconceito... isso é muito mais errado. Principalmente quando não se sabem todos os fatos, certo? – Ela deu um sorriso. – Suki, a administradora da casa de repouso nos ligou, logo quando soube desse post, ela confirmou que vocês passaram a tarde lá, com fotos e tudo. E eu devo dizer que é admirável a atitude de trazer mais diversão para os idosos. Acho que poucas pessoas fizeram isso dessa forma em todos meus anos como Reitora. – Então sua expressão fechou de novo. – Mas vocês saíram sem minha permissão da universidade, mas também já entraram em contato comigo sobre isso. Uma tal de Hera... – Eu e tentamos disfarçar nossos sorrisos. – Ela foi muito simpática e explicou que nenhuma de vocês ingeriu qualquer tipo de bebida alcóolica e que estavam lá para fins acadêmicos. Impressionante a vontade de vocês de estudar os tipos de diversidade. Idosos, comunidade LGBT... Parabéns.
  Estávamos sem palavras.
  - Eu contei para elas, meninas, sinto muito. – Diane interferiu, nos olhando com cumplicidade. – Eu a contei sobre a ideia de vocês de tentar mostrar a diversidade, fazendo ela o tema de sua casa. É muito impressionante e admirável ver meninas tão jovens e tão diferentes querendo mostrar que todas são bem-vindas na Zeta e tendo como projetos o apoio aos idosos e a comunidade LGBT. Mal posso esperar para ver quem mais vocês colocarão em suas listas. Ótimo projeto, estou muito orgulhosa.
  - É só o que queremos. – sorriu. – Porque é isso que a Zeta Beta Iota é: diversidade. E nós nos abraçamos, nos amamos como irmãs e enaltecemos as nossas diferenças. Porque no fim, são elas que nos fazem ser quem somos.
  Eita menina conversada…
  A reitora novamente sorriu.
  - Muito bem, estou muito orgulhosa de ver como vocês estão se portando em tentar reerguer a casa. Mas não posso aceitar e apoiar esses tipos de fugas. Vocês serão advertidas e eu espero que não se repita.
  - Nunca mais – disse um pouco eufórica.
  - Podem ir.
  Deus é pai.
  O BEM PREVALECEU!

***

  - Eu achei que seríamos expulsas. – Anna chorava, abraçando as amigas e depois cada móvel de nossa casa.
  - O que foi aquilo? Quer dizer, como a Hera e a Suki souberam desse post? Nós nem sabíamos. – respirei fundo, sentindo minha cabeça doer.
  : Não digam que não fazemos nada por vocês, nossos amores.
  : Foram vocês?
  : De nada.
  : Eu amo vocês.
  Wallace: Não precisa agradecer. Qualquer chance de acabar com a tucana da Rachel, nós apoiamos.
  : Vou até fazer um doce para vocês. Passem mais tarde aqui, estaremos esperando.
  : Claro, se vocês não estiverem ocupados demais saindo com outras (:
  Wallace: Ihhh, fodeu.
  : Todos, menos o , serão bem-vindos.
  : Cansei de vocês, vou voltar a dormir.

  Era impossível tirar o sorriso do meu rosto. Havíamos atingido o fundo do poço e nossos amigos nos tiraram de lá. Por um momento esqueci todas as coisas que fez e me irritaram, mas então esquecer me fez lembrar e novamente estava puta com ele.
  Outra mensagem me fez rir. Da minha desgraça, mas rir.
  Ethan: Bom dia. Se divertiu? Vejo que sim.
  Ethan enviou um vídeo.
  Esse foi repassado para mim direto da fonte, mas como um bom samaritano eu não irei vazá-lo.
  Meu queixo caiu novamente. Como ele conseguiu isso?
  Era um vídeo meu e de dançando Indecente – pesquisei o nome depois, seria meu toque do celular – na balada, gravado por Britt. Mas o foco maior era eu rebolando e depois em . Era ouro puro para pervertidos.
  : Como você conseguiu isso? Eu vou ter que te bater, Ethan?
  Ethan: Hahahaha até parece.
  Rachel me mandou, acho que ela queria uma reação igual a do outro vídeo, mas eu me nego ser esse tipo de pessoa!
  Esse vai ficar no meu acervo pessoal.
  : Obrigada? Ainda não sei se te bato ou te espanco.
  Ethan: Só da próxima vez me chame pra festa, Pequeno Gafanhoto.
  Garanto que a diversão será em dobro ;)

  Me peguei sorrindo pra tela do celular e isso foi demais para mim. Eu deveria estar enojada com sua personalidade pervertida, mas também acreditava que ele não faria nada demais com isso.
  - O que você tá sorrindo aí, ratinha? – tirou meu celular da mão, enquanto eu estava distraída sorrindo pra tela igual uma idiota. Voei para cima dela tentando recuperar meu celular antes que ela lesse algo.
  - DEVOLVE ESSA PORRA. – Fiquei por cima dela, tentando tomar o celular de sua mão enquanto ela tentava ler as mensagens. Achei que ia conseguir impedir.
  Mas ela leu.
  - NÃO. você não fez isso. – Tomei o celular de sua mão já sabendo qual seria sua reação por ler minhas mensagens com Ethan e seu olhar mortal em cima de mim era literalmente meu fim. Ela me mataria, mas fomos impedidas.
  Salva pelo gongo.
  - MENINASSSSSSSS. – Sandra chegou berrando, se jogando entre nós no sofá e ligou a TV na MTV.
  - De novo não…
  Arrastamos todos os móveis da sala. Aumentamos a televisão e nos preparamos para dar nosso melhor.
  Era nossa comemoração, ao recomeço da Zeta. Não iríamos nos separar e mesmo que tentassem nos derrubar, nós permaneceríamos fortes, porque mesmo com os perrengues e com a Morgana, nós permanecíamos unidas.
  Performamos Never Gonna Give You Up do Rick Astley, dançando da forma mais disco possível, voltando para época mais dourada de todas.
  Gritávamos a música com todos nossos pulmões, dançando por toda a sala e cantando umas para as outras.
  Nós não iríamos desistir umas das outras, não iríamos desistir da Zeta, não mais. Ela agora era nossa casa e manteríamos ela. Não importa o que acontecesse.
  Éramos uma família.
  - Prontas? – Sabrina deu a marca.
  - JÁ! – berrou.
  Corremos para o sofá e nos jogamos todas juntas novamente. Ele caiu para trás junto com nós. Caímos umas em cima das outras, gargalhando e gemendo de dor, mas as risadas ficavam mais fortes.
  Nós éramos fúteis, loucas, vazias, vadias, desajustadas, aberrações e o que mais quiserem nos chamar.
  E por sermos assim, arrumaríamos as meninas suficientes para conseguir continuar mantendo a casa, certo?
  Afinal, quem não quer fazer parte de uma verdadeira família?

Capítulo 08


  - E cá estamos, depois de tanta batalha, sangue, suor e lágrimas, o último desafio dos Jogos Anuais da HEARST!
  Uma explosão de gritos eufóricos se espalhou pela multidão sentada na arquibancada de madeira velha. Pessoal, parem de pular aí que logo esse treco velho cai.
  Estávamos em um acampamento infantil para o último joguinho, era a melhor forma de conseguirmos o espaço aberto e próprio na natureza para todas as fases em que passaríamos, sem contar o lago, que para o terror do meu extremamente hidratado cabelo, provavelmente entraríamos ali mais tarde.
  E como nosso querido locutor e treinador do time de futebol disse, finalmente o último desafio, apenas mais três times executando e boom! Direto para a desgraçada e não esperada prova teórica. Me coloca dentro de um carro para testarmos nossa resistência como naqueles programas de reality show, ou levando tiros com arma de tinta, mas não teste minha inteligência cerebral, por favor, porque ela não existe.
  - Teremos oito fases, uma para cada pessoa do grupo - continuava o treinador. - O jogador terá de começar do ponto A, segurando todo tempo o bastão vermelho consigo, vencer o pequeno desafio, encontrar no ponto B seu segundo componente, e continuar assim até o sétimo ponto, onde o último jogador tocará o sino dourado e assim decidindo as duas casas que participarão da prova teórica e por fim vencer os joguinhos!
  Sério, ô povo chato, parem de gritar. Meu cérebro não funcional está tentando pensar aqui sem vomitar com o nervosismo. Eu tinha que manter a cara, porque, por exemplo, Ana, a ruiva, já estava verde nesse momento. Morgana estava no exato tom de pele daquela menina que levou pó branco na cara em As Branquelas. Sandra e Sabrina? Inexistentes. Abby, fora de órbita, provavelmente pensando em K-Pop. , hiperventilando e olhos vermelhos, pronta pra berrar com todo mundo. Meu pai? Na arquibancada.
  Jesus que tenha santa misStefanoórdia dessas pobres cadelinhas.
  Tentei arrumar meu curto e colado short preto, deixando um pouco maior, todas vestíamos a mesma coisa em baixo e a camiseta branca com o brasão das Zeta Beta Iota, uma espécie alternativa de Hera Venenosa dourada e vermelha dentro de um círculo. Obrigada a desenhista do grupo, eu. Lógico que era somente para o dia, o original era um brasão chatão e velho criado antes de eu nascer, provavelmente.


  Enquanto os professores formavam uma pequena reunião, o resto das meninas foram levadas pelos monitores da faculdade em carrinhos de golfe para os outros pontos da prova. Mandei um tchau para elas com a mão e fiz bico, tentando me concentrar. Eu iniciaria no ponto A e não sabia quem ficaria no ponto B.
  O acampamento parecia ficar em uma espécie de ilha, só um lado era formado por um grande lago verde pelo menos, o resto era metade floresta, metade ruas, e era pra lá que ficavam os verdadeiros desafios.
  Existia uma arquibancada aqui e outra no sétimo e último ponto, disso eu sabia. Diane comandava o outro lado enquanto o treinador do time de futebol gritava por aqui.
  - Vai, princesa! Mostra do que você é capaz! - o pai de berrou atrás de um alto-falante. Sorri e acenei pra ele, notando a falta de camisa (como sempre) e todos os nomes de nosso grupo escrito entre os pelos. Bom, acho que ao menos ele tentou, não lembrava de existir uma Beyoncé no nosso grupo, mas e eu tinha certeza que existiam.
  O treinador se aproximou do grande ponto A pintado em uma placa de madeira perto de nós três (Kappa Kappa Mu, Psi Omega Kappa e claro, Zeta) apenas um de cada uma dessas casas estava ali, um ao lado do outro.
  - A primeira tarefa é simples, não se preocupem. Corram o máximo que puderem e não esqueçam do bastão! - Pegou o microfone outra vez, que falhou, o som aumentou mais do que deveria - Atenção! - meu ouvido parou de funcionar um segundo - Sinto muito - riu - no três.
  O treinador fez a contagem regressiva logo após nos entregar o bastão, deveríamos seguir nossa pequena trilha reta e notei que os finalistas eram duas meninas e um garoto da Omega.
  Então ouvimos o tiro - que eu esperava muito que fosse algum tipo de arma com balas falsas somente na intenção de conseguirmos ouvi-la -, e uma fera dentro de mim acendeu.
  Corri diretamente pro ponto B, sem olhar para trás. Em segundos senti minhas coxas sedentárias queimarem e notei três cordas, uma ao lado da outra, com madeiras grandes que pareciam portas escondendo o que tinha atrás dela. Ok, teríamos que subi-la.
  Os dois das outras casas estavam praticamente ao meu lado e o garoto parecia ter dois metros de comprimento, o que era meio injusto, em uma puxada ele estava no topo.
  Segurei a corda com as duas mãos e segui o trajeto, ela possuía alguns nós o que facilitava muito o trabalho e cuidei para não derrubar o bastão. Logo estava no topo e atrás da madeira da corda era na verdade um escorregador, a parte mais legal do meu trajeto fora descer ele, era como o infantil, mas seu tamanho era adulto.
  Ao final, corri para o ponto B e notei que Sandra estava bastante nervosa, esperando.
  - Boa sorte! - gritei e seu sorriso foi meio amarelo, mas seguiu em frente.

Sandra

  Oh meu Deus, o tamanho das pernas do garoto da Omega são gigantes, e ei, até que ele é bem gatinho... Não, Sandra! Concentra! Você consegue!
  A menina da Kappa ficou pra trás e essa teria que ser minha chance. Chegando ao meu desafio, entendi a pergunta sobre se sujar antes dele misturar as garotas do meu grupo, era uma gigantesca caixa de areia em nossa frente e teríamos que achar duas chaves minúsculas dentro dela. Existiam seis.
  Me joguei sem medo no meio de toda aquela areia e iria conseguir! Sim, eu iria! You go Sandra!
  Uma chave! Ok, primeira chave, guarda no bolso, pera, não esquece o bastão. Já estava começando a faltar meu ar de tão eufórica, minhas mãos passeavam por tudo, assim como meus pés, barriga, deitei dentro daquilo e rolei por um segundo, notei a menina da Kappa entrando e estranhando meus movimentos. Tô nem aí, estava ali pra vencer!
  Senti algo gelado na minha mão e gritei, retirei a areia de cima sorrindo, lógico que era a chave! Isso se a chave tivesse um formato de minhoca.
  Meu grito agora era de pavor e a minhoca voou longe da minha mão diretamente para o cabelo do garoto da Omega. Toda sua masculinidade sumiu e ele gritou como uma gazela, jogando areia contra a menina da Kappa.
  Peguei a chave que o garoto deixou cair de fininho e saí da caixa de areia. entregando as duas pequenas chaves, não minhocas, na mão do monitor e corri para o ponto C.
  Agora a menina e o menino estavam atrás das Zeta. Pena.

Ana

  Peguei o bastão com Sandra sorrindo de verdade, notando que ela estava na frente dos outros dois competidores.
  - Corre garota! - Assenti e fui para o próximo desafio.
  Agora era a vez da cabeça do grupo. Havia três quadros médios com imãs de palavras aleatórias grudados ali. Segui rápida para o meu e tomei pouco tempo para entender.
  Pequenas charadas divididas em três partes, algumas palavras soltas nas perguntas e era preciso responder. Muito bem. Eu sabia que seria relacionado à Hearst e aos joguinhos.
  Logo a primeira pergunta era fácil. "Em que ano foram inaugurados os jogos da Hearst? 1967". Deixei os anos 89 e 90 de lado, foram criados junto com a faculdade.
  Juntei os imas para a pergunta e resposta.
  Na segunda levei mais tempo, já que mais palavras estavam embaralhadas, somente o "qual" estava na ordem correta. E prontamente respondi. "Qual o nome do criador dos Jogos? Charles Hearst". No momento que finalizei, os outros dois chegaram ao meu lado construindo suas perguntas e respostas em lousas separadas.
  Última pergunta. "O nome da empresa patrocinadora dos jogos este ano?" uau, essa exigiu o máximo de fofoca que existia em mim. A reitora estava casando com quem? Stefano Greene, pai daquele garoto que anda com e . trabalha onde? Marc Fontaine. O dono? Stefano. A empresa que gerou tudo isso? Varaldi. Logo Stefano e a reitora se conheceram provavelmente no meio desses negócios e o fim vocês sabem...
  Prontinho, garotas, e com alguns segundos de sobra.

Brittany

  Dentro de uma bolha!!!
  Eu estava dentro de uma bolha de plástico gigante pronta para atravessar o lago!
  Era incrível lá dentro. Me sentia um tatu bola, ou um caramujo, ou um caracol, ou um siri, ou uma tartaruga.
  Minhas pernas eram gigantes, por isso as meninas optaram para que euzinha fizesse esse trabalho árduo e também o mais legal.
  Corri para o outro lado do lago, movendo minhas pernas o tanto quanto podia, até que comecei a perder controle dos movimentos e minha bola girava como o próprio demônio da Tasmânia, comigo sendo jogada de um lado para o outro.
  Cheguei no destino final com mais roxos do que tinha minutos atrás. Passei o bastão para Abby no pequeno buraco aberto da bola e gritei boa sorte antes de cair mais uma vez.

Abby

  Brittany e uma garota da Kappa chegaram primeiro, o menino era tão alto que teve problemas em conseguir caber na bolha e não sabia dividir o trabalho de agachar e correr.
  Nesta fase Sabrina estava ao meu lado e minha perna e braço direito estavam amarrados com sua perna e braço esquerdo.
  Precisávamos manter o equilíbrio entre dois ovos em colheres e a bandeira para passar desse desafio. Sabrina era mais alta que eu e foi um pouco difícil passar da metade, o ovo sempre acabavam quebrando e precisávamos voltar tudo.
  Os garotos da Psi Omega foram rápidos dessa vez e estava tudo empatado agora.
  Ao fim da trilha, o monitor do desafio procurou alguma rachadura em nossos ovos e não encontrou nenhum. Vimos Morgana e entregamos o bastão.

Morgana

  Tudo bem, eu sou vegana, tenho muita consideração por animais e tals. Mas isso não quer dizer que sou mestra em lidar com pequenas cabras correndo e pulando dentro do cercado delas. Ainda por cima com o chão coberto de bosta.
  O objetivo é pegar uma pequena chave amarrada na perna de uma cabrinha... Boa sorte, eu.


  Eu juro que mato cada uma do meu time depois que tudo isso acabar. Lógico que nenhuma levantou a mão quando o monitor perguntou quem estaria apto para entrar no lago. Lógico que não.
  Nem era o lago, era uma piscina com a água do lago já transformada em lodo puro. A arquibancada estava ali para aplaudirem meu provável fracasso. Um fedor gigantesco alcançou minhas narinas e percebi Morgana chegando com o bastão, seu rosto e resto estavam cobertos do que parecia ser caca de algum bicho e agradeci ao meu bom senhor ter que entrar naquele lago, e não onde diabos enfiaram Morgana.
  A querida e amável Rachel também entraria naquela piscina. Sério, não é o lugar pra pensar nisso, mas tanto rebuceteio legal em Los Angeles e Brit continua com essa menina... Aiai.
  Enfim, sua falta de inteligência - também sou burra então tenho local de fala e propriedade para criticá-la - a fez tirar o tênis para nadar, mas depois disso teria uma corrida até o sino dourado e, bom, algumas pedras também, então não seria Vega que tiraria o tênis para nadar dessa vez. Tchau tênis.
  Meu cabelo estava amarrado fortemente no topo com uma trança que chegava quase na minha cintura, retirei a camisa das Zeta e continuava com o short preto e uma regata rosa. Tchau hidratação. Tchau short preto e camiseta vagabunda.
  O desafio era: ache todas as peças no fundo da piscina verde podre e suja, monte o quebra cabeça com essas peças e corra para tocar o sino.
  Contei até três, segurei a respiração e pulei na piscina, não sem antes ouvir a arquibancada gritar em animação. Garganta potente a desse povo, viu? Britney Spears inveja. Ok, graças a Deus Brittany não ouve pensamentos, ou eu morreria afogada agora.
  Como eu não era um crocodilo e não conseguia enxergar de baixo da água verde, nem mortinha abriria meus olhos ali, seria na cara e na coragem passando a mão por tudo que é possível em baixo daquela piscina, resgatando pedaços de madeira plastificados.
  De uma só vez consegui resgatar duas peças, levantei para respirar mais um pouco e notei que Rachel entraria logo na água também. O garoto ainda estava na corrida. Puxei o ar e voltei para o fundo, mais algumas peças. Voltando a superfície, deixei parte ao lado da piscina, fora, e tive que devolver algumas, afinal pelas cores pertenciam ao brasão da Omega e da Kappa.
  No meio de todo o mergulho acabei chutando alguém dentro da piscina sem querer e levei algumas mãozadas em lugares obscenos. Quando tentei sair da água, uma mão me puxou de volta. Me soltei daquilo rapidamente e saí com a força do ódio. Um leve arranhão surgiu na minha coxa quando deixei a piscina de vez. Talvez saísse sangue, mas quem liga?
  O garoto baixinho e Rachel estavam em uma eterna luta naquela piscina e percebi um negócio quadrado na bunda de Rachel. Que linda, estava escondendo a peça do amiguinho.
  Não levou um segundo para que eu dedurasse ela para o monitor, ele fez cara feia e mandou ela devolver a peça dele e jogou outra dela na água. Justiça.
  Graças a meus anjinhos da Zeta, eu terminei antes que ambos e rapidamente completei o quebra cabeças.
  O pessoal da arquibancada gritava, tipo, loucamente, ferozes, um bando de animais, meu pai estava lá e acho que ele roubou um carrinho de golfe para fazer aquele trajeto.
  - É com você, meu anjinho! - chamou atenção pelo seu alto-falante e saiu correndo quando um guarda foi atrás dele, estranhei, ignorei, e me preparei para correr.
  Ai minha coxinha, estava doendo pelo machucado na piscina, mas eu faria essa desgraçada funcionar. Você não fica em pé o dia todo naquele restaurante e depois na Marc Fontaine pra nada, !

I've paid my dues
  Corri, corri, corri.
  Meus pulmões queimavam e o garoto da Omega apareceu do meu lado.
  Hoje não, patriarcado.
Time after time
I've done my sentence
But committed no crime
  Me enfiei em sua frente, forçando-o a desacelerar sua corrida, minhas pernas já respingavam a areia e tudo virava lama no meu corpo molhado. Rachel estava bem atrás. Pena.
And bad mistakes
  Sorri como uma maníaca olhando para aquele sino e pulei em direção a ele ao mesmo tempo que o menino da Omega. Meio que nos batemos e caímos cada um para um lado.
I've made a few
  Entramos em uma pequena luta de alcançar o sino, ele tentava me escalar, eu tentava pular em suas costas, a arquibancada parou de gritar e fez careta pra aquela vergonha.
I've had my share of sand kicked in my face
But I've come through
  - Hoje não, cabrón! - Sem querer, meio que querendo, fui tentar puxá-lo e acabei puxando sua calça, revelando uma cuequinha do Ben 10 bem pequena.
  O sino era meu.
We are the champions, my friends
And we'll keep on fighting 'til the end
  Confete, vozes, meu pai apareceu do nada me erguendo em seus ombros e todas as meninas da Zeta estavam lá. Nós vencemos os JOGUINHOS ANUAIS DA HEARST! ZETA BETA IOTA VENCEU! TOMA SEUS FUDIDOS QUE NÃO ACREDITARAM NA GENTE! TOMA!
We are the champions
We are the champions
  Brittany gritava em êxtase, Morgana ainda fedia, Abby girava em uma ciranda com Sandra e Sabrina, Ana não parava de chorar, Ave Maria, loucamente pulou nas costas do treinador e gritou como um bode enfurecido.
  Eu via fogos de artificio, via só fogos, a música no ar, Leonardo DiCaprio e seu Oscar, Daenerys e o trono de Westeros, Jesus poderia estar ali também falando o quanto arrebentamos, que dia meus caros, que dia!
  Vencemos, CACETE!!!!!!!
  Ok, ainda tinha a prova teórica, mas foda-se! Vencemos por agora!
No time for losers
'Cause we are the champions
Of the world

***

  Wallace: GENTE.
  : Apareceu a margarida.
  Wallace: Adivinha só.
  : Não.
  : Fala logo.
  : Vai se foder Wallace.
  Brit: Que margarida?
  : Onde você estava? Sumiu.
  document.write(Skylar): Sua mãe estava completamente desesperada te procurando.
  : Eu estava fazendo bolo.
  : Ficou bom ?
  : Ótimo, se quiserem ainda tem, é de chocolate.
  : Estou indo aí agora!
  : O doceiro não pode nem sentir o cheiro, hein...
  Wallace: PRESTEM ATENÇÃO EM MIM!
  Brit: Hm que diva.
  Wallace: , diz pra minha mãe que eu fui dar uns rolê por aí, pegar umas gatas, entende?
  : Fez corujão.
  : Lógico que fez.
  : Jogou a noite toda, haha, perdedor.
  Wallace: Foda-se vocês. enfim, acabei encontrando Ethan, sabe aquele carinha que veio da Irlanda?
  : Você quis dizer Inglaterra?
  Wallace: Tanto faz.
  : Ele é muito gatinho...
  : Ele não é gay? Sempre que eu passava na sua frente ele nunca olhava pra minha bunda.
  Wallace: GENTE QUE CARALHO.
  : Fala logo, retardado. Dá pra usar as teclas de uma vez só. Se quer espera de um mês, manda a mensagem por pombo correio.
  Wallace: Não sou retardado...
  Wallace: Só estava dizendo que Ethan descolou um desconto pra gente estourar um combo legal de bebida para a festa quarta.
  : Jura que era isso?
  : ¬¬'
  : Depois a gente faz um grupo sem você e acha que está no direito de reclamar...
  : Wallace, a graça de termos amigos ricos é que podemos extorqui-los na hora de pagar as coisas, pensei que você já tivesse entendido.
  : Obrigado pela parte que me toca amigo.
  : Burguês safado não tem local de fala aqui.
  : Valeu hein!
  Brit: Você nem tem dinheiro mais kkkkkkk
  : Morreu o respeito.
  : Ok, tchau pra vocês. Arrumem logo suas fantasias. E Wallace, não, não é uma boa ideia ir com Dick vestidos de Hiroshima e Nagasaki. Até mais!

  Você deve estar se perguntando "ué, que houve depois do Jogo da Hearst?", bom, depois daquela vitória, toda minha vida mudou. Fiquei famosa, tive dois filhos com Tom Hardy e hoje sou uma empresária de sucesso no ramo da moda.
  Então eu acordei e vi que somente o machucado na minha coxa ainda era real e meu senso de humor continuava uma beleza.
  Dias se passaram e eu estava a um fio de começar a cantar "Vai Chegar Sua Vez" da Noiva Cadáver, só que isso espantaria um pouco os clientes extremamente chiques que surgiam ali e pareciam ter aversão ao Dia das Bruxas. Eu sabia disso porque eles já olhavam assustados o suficiente para todas as teias de aranha falsas, abóboras, adesivos de gatos pretos e otras cositas más que eu havia espalhado por toda Marc Fontaine.
  Como sou uma boa lutadora de meus direitos, não aceitei a opressão do Senhor Brown e enchi tudo aquilo ali de enfeites. Talvez, só talvez, eu tiraria apenas no primeiro dia de novembro.
  A ideia era boa, entrar no espirito do outono delicioso que estava chegando, sem contar que as caveiras de mentira que coloquei no local davam um aspecto de que tinha maior clientela.
  Fui impedida de usar fantasias, mas não deixei de colocar um arco com orelhas de gatinho na minha cabeça. E já tinha ideias para um estilo diferente por dia.
  Sim, eu gostava de Halloween. Acho que foi o meu primeiro e verdadeiro amor antes de Juan quando cheguei na América do Norte.
  Qual é, quem não gosta? Você pode se vestir do que quiser, entrar na vibe spooky, sair com seus amigos para coletar doces DE GRAÇA e aterrorizar seus colegas quando tem um tempo livre... Encher casas com papel higiênico me rendeu algumas experiências traumáticas que eu jamais repetiria.
  Isso na infância, é claro. Como adulta eu ainda posso me vestir como personagens, só que dessa vez mais maduros, ou bem vulgar, sem que ninguém falasse algo contra porque era tudo em benefício da festividade. A parte de poder beber a noite toda, fazer merda e depois dizer que não era você porque estava com uma peruca diferente da sua cor verdadeira de cabelo era ótima também.
  Halloween no colegial passa a ser um pouco mais divertido, pois quando criança nos importamos apenas com os doces, e quando chega a adolescência conhecemos os prazeres do álcool. É claro que os doces continuam importantes. Só que nenhum adulto nos dá de graça.
  Por isso no penúltimo 31 de outubro nosso grupo sequestrou algumas crianças para que pegassem doces pra nós em troca de proteção contra os veteranos vestidos de zumbi. Os veteranos faziam parte da nossa laia também, então foi uma boa troca.
  Não reproduzam isso. É feio.
  Depois do açúcar, partimos para uma festa de faculdade com toda a bebida possível - já que festas no meio da cidade eram ridículas e terminavam as duas da manhã - e passei a noite correndo atrás de um Nosferatu. Tenho um crush por criatura das trevas. Não consegui o número do vampirão, mas dei uns beijos no Jack Esqueleto.
  Preciso me vestir de Sally um dia, inclusive...
  E o último Halloween... Ah, este foi uma bela bosta. Passei a noite toda no porão da casa de Wallace assistindo filmes de terror com meus primos. David mijou na cama aquela madrugada...
  Tudo porque eu estava presa no espírito de bolsista e não poderia sair de casa sequer um dia, tinha que estudar como uma condenada ou... ou sei lá. Moraria debaixo da ponte.
  Coloquei a caixa onde eu mantinha os objetos que comprei pra decoração - agora já vazia - no chão, e parei um instante para arrumar meu cabelo. Fiquei um pouco chocada quando notei a presença atrás de mim através do espelho.
  Terno e gravata, um leve sorriso no rosto, mas um pouco... Tímido?
  Stefano Greene. Senhor Greene. Pai de . Um baita coroa bonitão, também conhecido como meu chefe, que está acima de Senhor Brown e me deixando um pouco mais perplexa ainda ao notar que ele queria falar era comigo.
  Entendam, não é porque o empresário está no meio do ramo da moda que significa que ele vá nas lojas de seu domínio. Bem pelo contrário, ele era o chefão que mais cuidava da parte financeira, o estilista de verdade, Marc Fontaine, já estava morto há algum tempo, assim como o pai de Stefano, que fundou o todo o negócio com o amigo. Então era um pouco estranho vê-lo ali. Não só eu achava, já que as meninas que estavam no mesmo expediente que eu olhavam sem conseguirem disfarçar.
  - Boa tarde, senhorita Vega.
  - Senhor Greene... Posso ajudá-lo com alguma coisa? Promoção hoje, por conta da casa. - Sorri divertida. Ele não parecia estar ali pra fazer compras, mas eu não poderia perder essa piada.
  - Não, tudo bem. Vim falar sobre outra coisa. Aqui. - Retirou um envelope grande e branco de seu terno Armani e me entregou. O dono da Marc Fontaine usava Armani. Haha.
  Levei um segundo pra entender do que se tratava.
  - Uau, estou lisonjeada. - Era seu convite de casamento. - Todos os funcionários ganham?
  - Apenas a amiga do meu filho. - Sorriu por um instante até que o vi engolir seco. - Uh, falou sobre isso com você, certo?
  Que ele iria se casar ou que seu pai me convidaria pessoalmente? Acho que ele se referia ao primeiro.
  - Sim, ele mencionou o casamento. Parabéns, senhor! - Sorri firme, o encorajando, já que no interior eu estava querendo matar o . Estava óbvio porque esse convite parou em minhas mãos.
  - Apreciaria muito sua presença, . Sempre foi amiga do meu filho e, como nos últimos meses vocês estão ainda mais próximos, acredito que é a escolha certa. Apareça, tudo bem?
  Tá vendo? Ele não queria que eu aparecesse. Ele precisava. Por quê? Porque aquele branquelinho filho da mãe do filho dele provavelmente não abriu um e-mail sequer ou atendeu às ligações de Stefano para confirmar que iria para o casamento. Não teria como eu ir sozinha, me sentiria deslocada, então seria obrigada a ir com .
  Stefano estava tentando sua última estratégia e meu coração amoleceu um pouco com isso. Ele só queria que o filho fosse em seu casamento, poxa...
  - Pode ter certeza, senhor! Vou levar como se fosse ordens de um chefe. e eu vamos. Há espaço para o resto do pessoal também, certo?
  - Amigos do são meus amigos também. Sinto falta até mesmo das vezes em que vocês sujavam de lama completamente o tapete de na nossa casa.
  Eu gargalhei.
  - Não, você não sente.
  - Não, dessa parte não sinto - deu de ombros sorrindo -, mas vocês sempre foram bons amigos pra ele, como uma família. Serão sempre bem-vindos no que eu puder convidar.
  - Stefano! - Uma voz masculina praticamente gritou. Assim que percebeu o afobamento e como chamou a atenção, tossiu e voltou a falar com mais classe. - Senhor Greene, não sabia que estava aqui. Por que não me chamou logo, Senhorita Sanchez?
  Posso estar louca, mas juro ter visto de relance o Senhor Greene revirar os olhos com a chega do meu chefe. Nisso nós combinávamos.
  - Já estava de saída, Brown. Vim para falar especificamente com a Senhorita Vega, assuntos pessoais, nada demais. Até outra hora. - Acenou com a cabeça e se foi, lançando um sorriso simpático para as meninas que trabalhavam comigo. Stefano era um cara extremamente simpático e bonito, teve a quem puxar.
  Resgatei minha caixa do chão, indo em direção ao deposito para guardá-la, até que fui barrada pela parede humana a minha frente. Senhor Brown ainda estava ali e me olhava desconfiado.
  - Desde quando é tão próxima de Stefano Greene? - perguntou.
  - Ah, me poupe - bufei e continuei meu caminho ouvindo seus passos atrás de mim.
  - Sem delongas, Sanchez, pode falar.
  Ele já sabia que eu era amiga de , agora achava o que, que Stefano Greene estava me pagando como espiã para ficar de olho nele? Outra vez, me poupe.
  - Nossa relação é profissional, senhor, nada mais - respondi simplesmente.
  - Posso te demitir - ameaçou. Ah, coitado.
  - Nunca, sou sua melhor vendedora. - Empinei o nariz.
  - Ameaça não é uma forma muito boa de venda, Sanchez - quase debochou.
  - Sanchez é meu pai, eu sou Vega, e olha só, não é o que meu bônus diz final do mês.
  - Estou de olho em você, Sanchez – disse como um ultimato e se foi.
  Não consegue nem ficar de olho no estoque de roupas danificadas que as meninas estão levando pra casa...
  Voltei para o balcão e recebi alguns olhares maliciosos de Zoey e Serafina, as garotas que trabalhavam comigo.
  - Visita do sogro?
  Dessa vez eu ri. Sonhar mais um sonho impossível... quer dizer, nem tanto assim.
  - Oh não, Zoey, não faça isso. Ela vai se fazer de sonsa mais uma vez - a morena implorou.
  - Sonsa é senhora sua avó, Serafina. - Bem madura.
  - Você tá pegando o cara faz meses e tá querendo que a gente acredite que não? Qual é, o pai dele estava aqui, agora, pra falar com você. Eu não recebi convite algum. E você não foi a funcionária do mês pra ter esse tipo de regalia.
  - Nem temos funcionária do mês – rebati. - Se tivéssemos, eu seria, é claro.
  - Primeiro, vocês duas são idiotas. Segundo que ela não teria motivos pra esconder um namoro com o . Terceiro, ele viveria nessa loja se eles estivessem juntos. Quarto – interrompi.
  - Ok amiga, entendemos seu raciocínio.
  - Eu estava tentando te defender, fedida.
  - Eu não tenho que dar satisfação para o lado opressor do sistema. – Bati o martelo. Simbolicamente.
  - Opressor... - Serafina bufou. - Mas em algo a Zoey está certa, ele sumiu um pouco, mesmo que vocês não estejam casados por agora, ele ainda é seu tutor, não tinha prometido te ajudar ou algo assim?
  - Ele viajou para... San Diego? Algo como passeio estudantil para finalizar seus pontos...
  - Hm, pena. Saudade da vista que ele nos proporcionava aqui – Zoey comentou.
  Olha só uma situação onde víamos que era incrível e possível que colegas poderiam achar seus amigos gostosos bonitos também sem tentar qualquer envolvimento com eles, porque caras bonitos e gostosos não são exclusividade no mundo.
  As meninas sempre faziam piada sobre o quanto ele era bonito, tentando me deixar com ciúmes - às vezes acontecia, não que eu contaria algum dia para o dito cujo, ele ficaria insuportável -, porém eram minhas amigas, sororidade reinava por aqui e elas percebiam que, mesmo eu não estando com ele, eu sentia algo por ele.
  E amigas não pegam boy de amigas, a não ser que o boy não queira nada com a amiga e seja apenas uma ilusão da cabeça dela. Não prenda sua amiguinha, ela pode pegar o boy. Isso são tipo, regras do feminismo. Ok? Ok! E se ela pegar o boy, não volte atrás e encha o saco dela por causa disso. Obrigada.
  - Logo estará de volta, eu acho. - Dei de ombros sem muito interesse, o que ela percebeu.
  - Se isso significa que o caminho está livre... - Zoey disse daquele jeito "estou brincando, mas se você liberar eu me jogo".
  Não falei? Insuportáveis. O ruim de ser conhecida como o zangado dos sete anões é que constantemente as pessoas tentavam te tirar do sério com coisas pequenas que você não poderia demonstrar que realmente te tiraram do sério. Até porque era ridículo mesmo, eu estava trabalhando minha maturidade para a vida.
  Os livros sempre tentam retratar uma terceira pessoa na fase do desenvolvimento do relacionamento, alguém que possa fazer atrasar tudo, como se nós não fossemos loucos dentro da nossa cabeça o suficiente pra ferrar com a possibilidade de um namoro.
  Ignorei seu comentário completamente e acho que ela tomou isso como resposta.

***

  : Aqui! Já consiga acessórios que combinem, meu bem. Xoxo.

  Foto enviada para : check.
  Mãos completamente furadas pelo trabalho que a porra do tutu da fantasia estava dando: check.
  Já era terça-feira e teria que arrumar tudo de última hora para amanhã, faltaria pouco se eu tivesse pelo menos um manequim para usar.
  Pensa em uma pessoa cansada, completamente cansada, mortinha da silva? Miura Sanchez-Vega, prazer.
  Trabalho todos os dias, de manhã, tarde, à noite, faltas nos mesmos para conseguir ter a presença regular na faculdade e logo depois ter que fazer hora extra... Eu estava uma pilha de nervos. Contudo, aquele sábado estava delicioso.
  Somente eu dentro do meu quartinho maravilhoso, costurando, que era uma das coisas que eu mais gostava de fazer, ouvindo música espanhola antiga e sentindo o cheiro do mar através da minha janela. Até a lua cheia estava perfeita.
  Tudo muito calmo até eu começar a ouvir leves estalos na minha parede, do lado de fora. Assim que me aproximei da abertura para entender o que estava acontecendo, ri com o clichê. estava no térreo atrás da minha casa jogando pedrinhas no vidro da minha janela...
  Fiz um sinal para que ele subisse logo e ele foi completamente animado em direção a calefação, parecia uma criança fazendo traquinagem.
  Fazia mais de uma semana que não o via, e no momento que aquele cara grandão colocou os pés em meu quarto e me deu um abraço de urso... eu percebi o quanto estava com saudades suas.
  Me perdi um pouco naquele momento só de sentir o seu cheiro. E ele me esmagou mais um pouco, ele tinha um abraço ótimo, do tipo que acalmava as pessoas. Não que eu precise de calma.
  Assim que me largou, já soltou uma gracinha:
  - Você já considerou limpar seu quarto uma vez na vida?
  - Te orienta garoto, eu limpei ontem – ralhei.
  - Meu Deus... - Ficou chocado. Ah, o toc. Chatão, esse menino.
  - Quer ir embora? A porta é logo ali, se conseguir encontrar através da sujeira. Se não, posso te jogar da janela, garanto que vai ser um pouco mais rápido que a subida – briguei levemente irônica.
  - Incrível como senti falta até de ser ameaçado por você - disse bobo.
  Amoleci. Não deixaria nunca isso transparecer.
  - Que brega, . - Desviei de seu olhar.
  - Ficou vermelhinha – gargalhou. Falhei na missão. - É a primeira vez que vejo isso acontecendo, meu Deus, um marco na história.
  - Deixa de ser idiota. - Ele se sentou na cadeira em frente ao meu computador. - Mas sério, eu não sou tão rica quanto você. Na verdade, nem há comparação entre nossos saldos, porém juro, minha família consegue bancar uma porta.
  Era estranho vê-lo ali. Já tinha me visitado, é claro, mas nunca tínhamos ficado a sós.
  - Qual a graça? Assim é mais perigoso e ninguém sabe que estou aqui, vai ser nosso segredinho... - falou como um criminoso, até que foi interrompido pela gazela gritando do corredor.
  - FIQUE SABENDO QUE JÁ CONTEI PRA TODO MUNDO QUE VOCÊ TÁ NO QUARTO DA MINHA IRMÃ, OK GREENIE.
  - Irmãos caçula. - Dei de ombros rindo de um completamente desolado.
  - Eu tenho uma irmã, você tem um projeto de criatura do mal morando sob o mesmo teto que você.
  - Falando em irmã, vai levar ela para pegar doces? - indaguei interessada.
  - Cinco minutos até chegar ao assunto Halloween, um recorde. - Fazer o que, eu amava. - Mas mesmo querendo não vou poder, serei anfitrião, não é?
  - Pensei que a festa do ano seria de um dos garotos da Lambda – estranhei.
  - Não é mentira. Meu companheiro de quarto é da Lambda - explicou brincando com a tesoura que eu estava usando antes dele chegar.
  - Dick? - Ele assentiu. - Uma casa sem muitos princípios para entrar, então - apontei sem maldade.
  Ele arqueou a sobrancelha e sorriu grande.
  - Olha só quem acha que pode falar algo sobre a fraternidade de alguém, que linda.
  Mostrei a língua pra ele e o chamei com uma mão. - Seja útil. - De prontidão ele se posicionou na minha frente e amarrei o tutu em sua cintura. Ficou pequeno, mas funcionaria.
  - Eu lhe dou o prazer da minha companhia em um sábado à noite e é pra isso que você me usa? Ai - reclamou da primeira alfinetada.
  - Sim, e finja que é acupuntura. - Ele fez um bico de birra, mas permaneceu quieto. - Adivinha quem apareceu no meu trabalho?
  - Um ícone da moda?
  - Quase, abriu algumas lojas. Seu pai.
  - Ai. Isso é novidade? Ai - perguntou sem entender.
  - Bom, apesar de ser a loja dele e eu nunca ter visto ele lá em todos os meus meses de trabalho, ele foi lá pra me ver.
  - Te ver? - dessa vez ficou sério. - O que ele queria com você? Tá tudo bem?
  O larguei por um segundo e alcancei o convite dentro da minha bolsa, ainda não havia aberto.
  - Aqui - entreguei em suas mãos e voltei para a parte traseira da saia -, o casamento do ano!
  - Claro... Eles têm bom gosto. – Abriu o envelope e leu. Estava endereçado para a família Sanchez-Vega. Havia algumas fotos, decorações com pérolas... Chique demais para a minha própria pessoa.
  - É o mínimo. - Pela primeira vez eu avistei o nome da noiva e achei interessante o que li. - Elena Campbell. O mesmo nome da...
  - Reitora? - riu sem graça - Bingo.
  Levou cinco segundos para eu compreender.
  - Sem chance! - deu de ombros. - Seu pai vai casar com a Reitora Campbell? Mas quer saber? Olhando por um lado acho que até combinam, quando nos encontrávamos nos corredores ela fazia questão de sempre verificar se minha bolsa era original. Obviamente todas são falsificadas, e ninguém precisa saber disso. - Ele riu. - É estranho pra você?
  - No início era, mas como mal tenho contato com ela mais, tanto faz – explicou sincero.
  - Que bom, já estava preparada para brigar com você. Quase trinta anos na cara e querendo fazer birra por quem o pai vai casar...
  - No início eu fazia – disse me desafiando.
  - Sem motivos. Se fosse uma má pessoa tudo bem, ela tem problemas com sorriso e tal, mas parece ser uma boa pessoa. Sem falar que é uma mulher foda pra cacete, olha o tamanho do currículo dela, ! Se um dia eu chegar lá, estou feita na vida. E como você disse, mal contato possui com ela... e muito menos com o seu pai.
  Tive que dar essa alfinetada. Literal e figurativamente.
  - Ai!
  Eu entendo, juro que entendo, pais e filhos que por muitas vezes cortam as relações por ser algo tóxico e que não representam nada do que uma família deveria ser. Só que no caso do senhor a minha frente, era pura birra que deveria ter sido finalizada faz tempo, e não piorado com ele.
  - Você vai? - ele perguntou, inocente. Coitado.
  - Nós vamos – declarei, ponto final, era isso. Ele gargalhou. - Qual é, . Ele quer tanto que você vá. Você já foi em outros casamentos, dele, ora.
  - E? Nenhum durou – contrariou, mas insisti.
  - E se dessa vez for pra valer?
  - Nem você acredita nisso - zombou.
  - Finge, caralho - disse grossa, mas teria que apelar para armas mais fortes aqui. - É sério, eu vou ser sua companhia, pra que coisa melhor? Levamos o resto do pessoal se te fazer mais confortável também... Sua irmã vai querer você lá, e principalmente o seu pai, . É família, não espere união deles se você também não faz um pouquinho de esforço, tem que ser recíproco. E olha o senhor Greene... Apelou para vir até mim, como uma forma mais fácil de você talvez aparecer.
  O abracei por trás, tentando ampará-lo, e fiz questão de dar um beijo estratégico em seu pescoço enquanto a minha voz ficava a mais manhosa possível, pedindo por favor. Era ridículo ter que implorar por isso? Sim. Mas acima de tudo eu era sua amiga e estava aqui ao seu lado para ajudar a tomar esse tipo de decisão, mesmo que seja difícil, e talvez no futuro, se finalmente o casamento do senhor Greene der certo, vai poder ter a família unida que ele tanto sonha, mas nunca deixa escapar de seus lábios.
  E eu poderia gritar um “chupa!” na cara dele.
  - Às vezes eu acho que você fez algum curso na adolescência de como tratar com homens. - Suspirou longamente, se dando por vencido.
  Eu ri e compreendi que ele iria. Ganhei. E um fato é, eu não sabia lidar com homens, prefiro um milhão de vezes ter amigas mulheres, mas... Eu sabia lidar com ele.
  A porta do meu quarto se abriu e a cabeça de David apareceu entre a fresta.
  - Quer um batomzinho pra combinar com a sainha, Greene? - tirou sarro da cara de loiro na minha frente, piscando os cílios repetidamente.
  - Haha - riu sarcástico, apertando os olhos. Ele ficou tão gostosinho fazendo essa cara, oh senhor me ajude. Tentei até defendê-lo.
  - David, eu ainda tenho as fotos de você dançando Selena com meu sutiã por pura diversão, tem zero moral de zoar alguém aqui. – O menino fechou a cara assim que terminei de falar e apenas sorriu de leve, sem maldade.
  - Fica quieta, , não sei do que você tá falando, papai chamou vocês para a janta... Onde estão as fotos? Ah, que droga. - Saiu batendo a porta.

***

  Esperamos todos chegarem na mesa em alguns minutos. David trazendo o resto dos talheres, meu pai trazendo minha abuela e minha mãe trazendo a comida. Alguns destes eram meus trabalhos, porém estava ali e eu devia fazer companhia pra visita.
  - Me dá sua calcinha - o loiro falou baixo, me fitando com um sorriso.
  A visita não valia nem cinco reais de pão. Péssimo.
  - Minha família tá no outro cômodo, cala a boca.
  Ele ainda ia me provocar mais um pouco, até que meu pai apareceu com cara de bravo e se sentou balançando um pouco a mesa. Revirei os olhos. O resto da minha família se sentou e começamos a comer. Minha barriguinha sorriu com tudo aquilo. Posso ser magra, mas como como um dragão Valiriano.
  - Aposto que você tem todas as duas vacinas em dia... - Apenas adivinhem de quem surgiu esta frase esquisita com seus olhos de gavião.
  - Bom... Sim... Minha família preza pela própria saúde, acho que como toda outra - respondeu inquietamente educado.
  Meu pai estava deixando nervoso e isso era hilário, mesmo que um pouco tosco, sendo que estava o tratando como um criminoso procurado da lista do FBI. Se ele tivesse uma lâmpada aqui e agora, estaria a jogando na cara do menino, pedindo mais informações nesse tipo de interrogatório caseiro.
  - Ano que vem é ano eleitoral, sua família já tem um voto em mente?
  Ah pronto. Eu já sabia onde isso ia dar...
  - Meu pai provavelmente irá se abster para não ter que enfrentar processos ou a falta de democratização de algumas pessoas radicais contra o nome da empresa dele...
  Então o Senhor Sanchez largou o garfo no prato.
  - Entendi. Eleitor do 66. Típico. - Sabia.
  - 66? - franziu o cenho sem entender, o que era impossível.
  Todos da mesa, tirando meu pai, bufamos.
  - De novo isso, toupeira... - minha abuela reclamou.
  Quem era 66? Um cara que meu pai estava praticamente obcecado e não queria de jeito nenhum ver na presidência. O problema é que era presidência do bairro. Associação de moradores. E esse cara era meu o tio.
  - Não conheço esse partido, senhor – informou tentando achar alguma coerência na conversa.
  - Mas deve conhecer o 77, esse sim. - Este era real? Sim. Tinha coligação? Não. - Soube que eles estão se alinhando, esse ministro Zé ruela da casa branca com o 66.
  Outra vez... meu tio. Presidente do bairro. Únicas pessoas que votavam nisso eram minhas tias. Sem ligações com partidos reais de política. Juro.
  - Qual a veracidade dessa informação, papai? - quis saber até onde ia a loucura.
  - Seu primo me enviou no WhatsApp. Sabe o pior? Eles acham que eu acredito! Logo esses dois se juntam e vão criar novas leis ridículas pra atrasar o país como escola obrigatória para as crianças e velocidades que não podem ser atingidas no trânsito - reclamou. Provando por A + B que acreditava sim em toda aquela baboseira.
  - Hm, senhor... já existem essas duas leis – informou.
  - , meu pai é maluco, só não bater palma - tentei alertá-lo.
  - Não sou maluco, anjinho! É tudo real. E sinto informar, mas está na cara que seu amiguinho faz parte dessa presepada toda, é o fim dos tempos – lamuriou.
  - Então , como está a faculdade? Está gostando da salada? - minha mãe perguntou, ignorando a existência de papai.
  - Sabe o que mais eu recebi? - meu pai aumentou a voz - A intenção de votos do 77. Simplesmente ridículo. Não conheço uma, frisando, não conheço UMA pessoa que vote no 77.
  - Eu tenho uma prima que vota no 77, senhor.
  - Eu não conheço sua prima.
  Suspirei.
  - Pai, será que dá pra parar com as perguntas? É o , você o conhece desde que, sei lá, Britney surtou.
  - 2007 foi um ano difícil para nós dois, , tenha mais respeito - brigou comigo. - E em 2007 esse marmanjo não tinha as intenções horrendas que possui com você hoje.
  - Senhor, eu posso afirmar que não tenho uma intenção ruim sequer com a sua filha – se defendeu.
  - Ah, conta outra, mocinho, eu dizia isso para o pai de Guardalupe antes de despurificar ela. Conheço bem seu jogo. - Assim que meu pai soltou essa frase, engasgou.
  Jesus Cristo.
  - O que é despurificar? - David perguntou inocente. - Se for algo malicioso, não poluam minha mente.
  Ok, nem tão inocente.
  - Isso não é pro seu bico, Miguel - minha abuela ralhou e ele se irritou.
  - Meu nome não é Miguel, vovó, que inferno.
  Essa foi aparentemente uma gota d’água muito grande para meu pai.
  - Miguel! Digo, David! Vá para o seu quarto, sem palavras de baixo calão nessa mesa.
  - Eu posso falar inferno, essa palavra tá na bíblia - resmungou o menino, caminhando até o segundo andar chutando tudo que via pela frente, levando o prato em mãos.
  - Vá você para o quarto, Sanchez - mamãe brigou com ele enquanto trazia um copo de água para , recém desafogado -, assustou o convidado.
  - Eu estou bem, senhora Sanchez. – Sorriu grato bebendo todo o conteúdo do copo. Filho da puta engasga com meu pai falando besteira, mas estava pedindo minha calcinha minutos antes.
  - Ah, não posso falar o que quiser na minha mesa agora? Não é minha casa? Isso aqui é a América, um país livre!
  Meu pai não parava de reclamar, e assim como meu irmão, pegou seu prato, chutou tudo que via pela frente e subiu as escadas para o quarto, obedecendo minha mãe.
  - Está bem mesmo, gracinha? - minha abuela flertou com um completamente vermelho que estava voltando a respirar depois do engasgo.
  Jesus Cristo.

***

  - É sério, eu adoro eles - continuou gargalhando -, não é apesar de serem atrapalhados, é com esse fator que fica melhor.
  - Se começarem a te chamar de filho, você foge sem olhar pra trás - alertei com uma falsa seriedade.
  Estávamos na minha varanda, em frente a porta. Já estava tarde, depois do jantar subimos para terminar as fantasias que finalmente estavam prontas e assistimos um filme ridículo de comédia japonesa. Era ótimo ter a companhia dele em um sábado à noite, principalmente depois de tantos dias sem a gente fazer algo semelhante a isso ou ao menos nos vermos.
  - Tá doida? É aí que me mudo pra cá mesmo. Eu gosto da união que vocês possuem, seu pai me tratando como um serial killer apenas porque estava se sentindo protetor com você... Sem falar da família reunida às oito horas na mesa de jantar. Achei que isso fosse um mito.
  Eu sorria – como uma trouxa – a cada palavra que ele soltava.
  Me lembrei do Ano Novo. Ele passou aqui na Vila Lorenzo porque gostava disso, a bagunça, o pessoal junto, a família toda se divertindo, e mesmo que eu faça piadas com a falta de neurônios daqueles que possuem o mesmo sangue que eu, eu amava tudo aquilo também, era uma maneira de não se sentir sozinha na vida, nunca. Eu sabia que poderia contar com qualquer um deles o momento que eu precisasse.
  - ... - falou manso e tirei minha visão de sua boca. Passei a fitar seu olhar e tinha algo novo ali. - Não faz isso.
  - Não estou fazendo nada - falei inocentemente.
  - Eu não gosto de dar bote errado, sério. - Bagunçou o cabelo um pouco frustrado.
  - Bote errado? - Sorri um pouco divertida.
  - É, bote errado. Se você virar a cara, teremos um problema.
  - Já temos um problema agora – avisei.
  - Tem coragem? Não está com medo dessa vez?
  - Medo?
  - Se acontecer, , de novo, já era. Eu te avisei na casa de meu pai que não iria te deixar em paz, só que a vida não é assim. Eu seria um babaca se continuasse insistindo nisso sem reciprocidade da sua parte e praticamente um cachorrinho. Faz tempo que a gente não se fala e muito menos tocamos em qualquer parte de um assunto que chegue perto se tratando de nós dois. Eu prometi a mim mesmo que ia deixar isso passar até você, você sozinha tomar uma decisão do que fazer, eu já te dei todas as cartas, mas como você mesma disse, não basta apenas um querer.
  Aquilo foi como um chute na minha cara. E era real. Ele não poderia tentar e tentar, levando toco atrás de toco, não era bom para o ego de ninguém e nem para a saúde mental. Eu não estava o enganando, eu só sou um pouco doida da cabeça que realmente não tinha certeza de nada. E a respeito do medo? Parece que era real.
  Mas não importa. Eu não era uma pessoa racional... Simplesmente não dava conta. Ele era o cabeça aqui, e se ele mesmo disse que precisou prometer a si mesmo que não tentaria nada comigo até que houvesse resposta, bom, eu estava me sentindo uma bonequinha de pano sem controle algum, apenas pronta para que ele me usasse e abusasse da forma que quisesse. Porque eu não dava conta, ele estava perto demais, falando sobre a vontade que tinha em me ter, na minha cara, sem piscar ou pestanejar, com seus olhos brilhando e demonstrando o quanto aquele sentimento era real... Que se dane.
  Pelo menos por hoje.
  - Minha abuelita sempre diz que a única forma de acabarmos com o nosso medo é enfrentando ele. Esse aqui é até um pouco fácil - ri de leve, o fitando com ardência, mas falando de forma calma. Era um bom momento -, só estou com medo de ir dormir essa noite sem ter sentido o seu gosto.
  E ele fez exatamente o que eu queria. Suspirou um pouco, deixando seu lado contido para trás e avançou para cima de mim, com calma, porém decidido. Suas mãos grandes se fecharam diretamente ao redor de meu pescoço e guiaram minha cabeça e a inclinando para a sua, já que ele tinha pelo menos vinte centímetros a mais que eu.
  Um selinho em uma bochecha. Um selinho na outra bochecha. E sua boca se fechou contra a minha.
  Logo estávamos perdidos entre as emoções e nossos corpos trabalhavam sozinhos, sua língua sabia como se mover de uma forma gostosa contra a minha boca, massageando cada lugar com maestria, fazendo com que apenas aquela junção nossa fosse capaz de me deixar com as pernas bambas.
   sabia como me beijar. Sabia como me satisfazer.
  Se eu achava que sentia falta da sua presença, foi ridículo descobrir o quanto eu sentia falta do seu beijo.
  Suspirei quando tudo se tornou mais quente, minhas mãos, que estavam em seu pescoço, arranharam de leve suas costas até chegarem no cinto de sua calça, apertando mais sua cintura contra mim, assim nossos pontos mais necessitados se friccionavam com a roupa e deixava tudo mais gostoso.
  Entendam, beijar é um dos atos mais maravilhosos que a natureza já nos forneceu. Seja na troca de carinho com um parente, seja por tesão na balada, mesmo que completamente bêbada. Porém, nada, nunca vai superar o beijo na pessoa que você está apaixonada.
  E eu estava, não tinha como enganar, o que eu estava sentindo agora não era prazer ou carinho de amigo, era muito mais.
  O sentimento eleva tudo, o estômago fica ouriçado, a nuca arrepia, seu corpo fica quente, a garganta trava e cada parte da sua pele que é tocada pela pele dele sofre uma corrente de calafrio que te faz pensar o que é o verdadeiro estado do instinto mais carnal que existe dentro de você. E você só quer explorá-lo ainda mais.
  Uma de suas mãos continuava na minha nuca, virando meu rosto para que nos encaixássemos perfeitamente, e a outra... bom a outra estava na minha cintura, como um abraço, onde ele de vez em quando apertava mais e mais, fazendo que a única vez que eu me locomovesse ali fosse apenas para me apertar mais contra o seu corpo e chocar ainda mais nossos quadris.
  Parei um pouco para respirar/suspirar e ele continuou beijando toda minha cara. Deixei meus lábios abertos inclinados pra ele e de olhos fechados consegui sentir sua respiração rápida e quente, distribuindo uma sequência de beijos e mordidas em toda minha mandíbula e pescoço.
  Me perdi em seu cheiro e acho que foi ali que eu notei que o que mais me deixava como uma patinha tonta era isso. O cheiro dele. Não era o perfume extremamente caro, não era o sabonete importado... Era o seu cheiro. Cheiro de homem gostoso. Cheiro de . Era uma delícia e eu poderia acordar com isso ao meu lado todos os dias apenas pra saber que o meu bom humor estaria garantido nas outras dezesseis horas do dia.
   parou por um segundo e ficamos apenas ali, curtindo o calor um do outro, até que sua língua passou a contornar toda a minha boca, era como se ele desse valor a cada traço meu, beijando todo pedacinho com fervura.
  Estávamos ali a pelo menos cinco minutos e eu não me arrependia, a última vez que eu tinha o beijado fora no Ano Novo, há meses atrás, e embora tivesse sido talvez o melhor encaixe da minha vida, não tinha o sentimento que possuímos hoje. É algo totalmente novo, fazendo com que cada vez que um tentasse se afastar, o outro puxasse para iniciar outro beijo.
  Depois de algum tempo tomei coragem não faço ideia de onde e empurrei o seu peito antes que o instinto animalesco de mais cedo atacasse e eu tirasse a roupa daquele homem ali mesmo e implorasse pra que me... enfim.
  Após mais alguns selinhos roubados e ele se acalmar o tanto quanto conseguia, se dirigiu ao seu carro.
  Antes que ele entrasse, eu tive que ser um pouco mais trouxa ainda:
  - Senti sua falta - deixei escapar.
  E então, só então, eu percebi que ele estava tão perdido quanto eu. O jeito que ele me olhou antes de entrar em seu carro e fechar a porta... eu não tinha certeza se merecia alguém olhando pra mim desse jeito.
  A ficha começou a cair...

***

  Entrei em casa finalmente me acalmando de todo aquele fogo e caminhando diretamente pra cozinha em busca de um copo d’água. No momento em que ia saindo em direção ao meu quarto como uma Santa Imaculada, levei um susto com a silhueta no sofá da sala em meio ao breu que estava tudo aquilo.
  - Quer me matar do coração, cacete? - O vi acender o abajur.
  - Quer conversar sobre esse cara? - Papai estava ali, me esperando, com um olhar matador e pose de poderoso chefão. Nem posso falar que não conseguia o levar a sério, certo? Principalmente com o seu bigode recém aparado para um negócio fino e terrível estilo Gomes da Família Adams.
  - O que você quer ouvir, papai? O cara é o , você já o conhece... - suspirei de preguiça.
  - Estou aqui para abrir seus olhos com as intenções horríveis que ele possui. Pense, menina! Ele é homem, não confie em homens - se exaltou.
  - Você é homem. – Arqueei a sobrancelha.
  - Não confie em mim... - E então apagou o abajur. Ainda dava pra ver sua silhueta e parecia um boneco ventrículo paralisado no escuro.
  - Tudo bem - continuei o fitando com estranheza. - Boa noite, pai.
  - Boa noite, anjinho! Conte àquele cara que conheço todos os policiais da cidade, ok? - Sorriu e se levantou para o segundo andar. Tive a belíssima visão dele coçando a bunda ao subir as escadas.
  Não, você não conhece, papai. Completei mentalmente.

31 de Outubro, quarta-feira.
  Wallace: Web namoro existe de verdade?
  : Kkkkk +1 corninho caiu no papo de web namoro.
  : Lógico que existe.
  : Não para o Wallace.
  : Se ambos tiverem caráter, sim.
  Wallace: E é por isso que todo mundo prefere o a vocês, ratos imundos.
  : Você saiu do mesmo bueiro que a gente, filho.
  Brit: Gente eu não sei se terei coragem de participar dessa festa...
  Brit: E se acabarmos completamente bêbados acordando dentro de uma tumba com desenhos em nossos corpos, velas e uma invocação de feitiço perante nossa alma?
  : Ah Brit, relaxa... Quando foi que isso já aconteceu?
  : Exceto aquela vez.
  Brit: Sei lá, estou com um mau pressentimento.
  Wallace: Se a Brit não for eu não vou.
  : Brit por favor não vai.
  Wallace: -’-
  : Talvez seja só loucura da sua cabeça meu bem.
  : O quê? Olha do que você tá acusando a Brittany... Quem suspeitaria disso?
  : Meu pai disse que é comum ter esse tipo de receio antes do dia das bruxas, Brit.
  : Mas meu pai também acredita que mentiras causam esterilidade masculina, então, fica por sua conta acreditar.
  Brit: Agora estou confiante de que dará tudo certo <3 Obrigada !

  E depois daquela conversa idiota de manhã, eu só conseguia pensar em uma coisa:
  Parabéns, , ficou com ele de novo, brilhou. Essa é a verdadeira definição de se controlar.

Capítulo 09


  Todos amavam o Halloween. A noite em que você bota seu verdadeiro “eu” pra você em forma de fantasia. Quem não gosta? Você pode ser o que e quem quiser por uma noite e ainda ganha doces de graça!
  E claro que nem eu e nem faltaríamos à uma festa temática.
  Não perderíamos a chance de botar nossas melhores fantasias combinando e mostrar para todas e todos que nós estávamos sempre maravilhosas, no Halloween e todos os outros dias do ano.
  E a vantagem era trazer as meninas da Zeta, fazê-las saírem um pouco e conhecerem mais pessoas influentes para aumentar a reputação da casa. Já que não faltava muito para que a nova seleção fosse aberta. Ainda precisávamos de 30 meninas e o tempo estava correndo.
  - Segura! – chamou, me puxando para o elevador. O elevador estava um pouco cheio e ficou ainda mais com todas nós dentro. Mas o pior nem era a quantidade de pessoas, e sim minha fantasia e de . Nossos tutus ocupavam a maior parte do elevador, deixando todo mundo espremido.
  Rachel estava de cara fechada com a nossa presença e Brittany tentando se equilibrar com o topete enorme que usava.
  As duas estavam vestidas em suas versões de Sandy e Danny, de Grease.
  As meninas da Zeta estavam vestidas como queriam, Sandra e Sabrina arriscavam suas melhores representações de Beyoncé e Solange, Ana e Abby estavam fantasiadas de duas cantoras de algum grupo de K-Pop. Eram muito fãs.
  E até deixamos Morgana ir de Morticia Addams.
  Por incrível que pareça, todas estavam muito bem fantasiadas e lindas, seus looks estavam bem feitos e tudo combinando. Nenhuma – nem mesmo a Morgana – estava menos que atrativa.
  Isso ajudaria muito, já que nosso estilo diversificado obviamente chamaria mais atenção das outras garotas.
  - Segura, porra. – Dick entrou esbarrando em todo mundo. E ficou atrás de mim, me olhando e dando risadinhas. Rolei os olhos. Dick estava vestido de surfista, ou era apenas uma roupa que ele usava sempre.
  Acho que ele nem sabia que isso era uma festa a fantasia.
  Junto com Dick, mais umas pessoas entraram e o elevador foi ficando cada vez mais apertado.
  E como na vida tudo que já está uma merda pode piorar…
  - Espera aí! – A voz familiar do homem que eu rezava pra não precisar ver fora da universidade chamou minha atenção e de . Era o nosso adorável professor Johnson.
  Engoli seco.
  Ele estava vestido de Indiana Jones e fora da universidade parecia até um cara comum, mas meu estômago se embrulhava só de estar no mesmo lugar que ele. Nossa, eu havia pegado um asco gigante por esse cara.
  Os olhos dele já foram para cima de mim como dois animais famintos e eu abaixei a cabeça, olhando para qualquer lugar que não fosse para esse homem.
  - O que ele tá fazendo aqui? – sussurrei para , tentando puxar papo sem chamar a atenção de ninguém.
  - O quê? Ele não pode vir em uma festa?
  - Não.
  - Por que ele é professor? – me encarou com um dos olhares dela de reprovação.
  - Porque ele é velho! – disse em um sussurro, mas botei muito entusiasmo, mesmo que ninguém ouvisse.
  - ! – Encarou-me chocada, respondendo no mesmo sussurro entusiasmado.
  - Você pensou a mesma coisa. – Dei os ombros.
  - Mas você disse!
  Ri baixinho.
  O elevador parecia que nem havia saído do lugar. Estávamos indo para a cobertura para a festa, mas mesmo assim parecia que nem havíamos saído da recepção ainda.
  - A mais longa subida de elevador de todas... – Rachel rangeu, rolando os olhos e bufando em seguida.
  - Nem me diga... – eu e dissemos juntas.
  Ficávamos encarando a porta do elevador, enquanto Rachel reclamava de alguma coisa, as meninas da Zeta tentavam se esquivar dos flertes do Dick e o professor louco ficava me devorando com o olhar.
  O som do elevador chegando ao destino e a porta se abrindo foi um alívio em nossos corações.
  - Obrigada Deus – eu e dissemos juntas novamente, saindo do elevador na frente de todo mundo, sem esperar mais um minuto.
  Saímos corredor adentro, indo em direção ao apartamento que já era de nosso conhecimento.
  A porta estava aberta, o som já saía, haviam pessoas pelo corredor já se divertindo. Dentro do apartamento existia um grupo de pessoas misturados pela a casa. Uns cantando no karaokê, outros dançando, outros bebendo, outros flertando e muita pegação.
  Basicamente uma festa da universidade.
  Encontramos parado, com as mãos em sua cintura e dando bronca em algum calouro que esbarrou em alguma coisa que não deveria e bagunçou um pouquinho da organização do meu amigo. Ele levava bem a sério essas coisas.
  Assim que nos notou, deu as costas pro garoto que já estava intimidado pelo rapaz e abriu um sorriso pra nós.
  - Olhem só vocês! – chegou animadinho. Ele estava vestido de Arqueiro Verde e só sua presença já mudou a vibe da latina ao meu lado. – Cisne Branco – apontou pra mim, que usava a fantasia inspirada em um ótimo filme. Eu fazia a boazinha. – E você, Cisne Negro – apontou para a que usava uma roupa similar a minha, só que preta, uma maquiagem bem mais carregada e uma tiara linda. Ela até tinha tentado colocar uma lente vermelha, como a que a Natalie Portman usou no filme, mas só conseguiu um belo inchaço e alergia em troca, com duas horas pingando colírio no próprio olho até ele voltar ao normal.
  Estávamos deslumbrantes. Mas o trabalho que foi nos vestirmos assim, nos maquiar, arrumar o coque de bailarina e todo o resto.... Muito difícil.
  - Meninas – cumprimentou as garotas da Zeta. – Vocês também estão radiantes essa noite, especialmente você, Morgana. – A garota corou. Segurei a risada, são muito vendidas essas meninas. – Vamos entrar? – chamou.
  Mas as meninas atrás de mim estavam hesitantes. Era até compreensível, afinal, era a primeira festa grande e com membros da universidade que elas iam.
  - Gente... eu acho que eu não consigo. – Abby abaixou a cabeça e Sandra a acompanhou, escondendo-se mais atrás de nós.
  Eu e nos entreolhamos. Sabíamos que falar e dar um discurso sobre como daria tudo certo e seria uma ótima festa, tentar tranquilizá-las e tal não daria tão certo.
  Então tivemos uma ideia melhor.
  - , que tal você apresentar o seu apartamento para elas? – sugeriu com um sorriso divertido nos lábios. – Assim você vai as deixando mais confortáveis.
  O loiro nos encarou e depois encarou as meninas. Abriu um enorme sorriso cheio de charme e ofereceu seus dois braços.
  - Claro! Vamos meninas, vou mostrá-las o local.
  Todas foram, até Morgana, só que preferiu não ter contato físico com o nosso amigo, só as seguiu tentando esconder as bochechas coradas.
  Já disse, são muito vendidas. Nossa sorte é que é um cara ótimo e um amigo melhor ainda, então ele faria com que elas ficassem mais confortáveis com o ambiente e o clima de festa, até que elas se soltassem mais conosco.
  Elas se foram e ficamos só eu e na entrada.
  - Vamos? – Ofereci o braço.
  - Pro bar? Bora. – E segurou.
  O lado de dentro ainda estava até mais cheio que o de fora assim que entramos. O apartamento de era grande, mas parecia até uma balada real.
  Os móveis tinham sido retirados e sua sala de estar agora era o canto do karaokê, com uma máquina para isso e um sofá. Sempre tinham várias pessoas nesse canto, umas assistindo e outras dando seus shows.
  Não tinha mais sala de jantar, agora era uma pista de dança com um DJ improvisado. E sua cozinha era o bar, que parecia estar mais cheio que a pista de dança.
  O que as pessoas não fazem por bebidas caras, não é mesmo?
  Empurramos o pessoal que estava ocupando o espaço do bar e fomos direto pro barman. Não nos importavam os caras reclamando, éramos amigas íntimas do anfitrião. De algo tem que valer, né?
  Meus olhos corriam pela festa sem saber exatamente o que ou quem estava tentando encontrar na multidão. Uma parte de mim gostava de ver as fantasias diversificadas dos outros.
  Tinha jogadores, monstros, vilões de filmes, coelhinhas sexys, princesas e muitos heróis. Era época de Avengers, né? Todos estavam se inspirando no filme.
  Avistei de relance , que estava vestido de Iron Man – a fantasia completa, chocada – e Hannah andando pela festa e Hannah estava fantasiada de – esperem por isso – Pepper Potts. Irônico, né? Os dois andavam cumprimentando todos e sendo simpáticos com toda a festa como o Rei e a Rainha do Baile.
  Os filhos da mãe me destronaram.
  No colegial eu era a rainha das festas a fantasia. Vantagens de ser rica, comprava as melhores fantasias ou dava os melhores tecidos e apetrechos pra fazer as fantasias incríveis que ela tinha o dom. Então nós éramos sempre as mais bem vestidas.
   nunca usava uma fantasia completa, nunca. Principalmente se precisava combinar com a minha. Mas as coisas mudam, né?
  - Se ficar olhando demais vai parecer que você se importa... – chamou minha atenção e eu revirei os olhos.
  - Não me importo. – Dei os ombros. – Só acho engraçado que…
  - Ele não usava fantasias com você e agora usa. Supera.
  Fui tomar outro gole da minha bebida e percebi que não tinha mais. Virei pro barman e pedi outra.
  - Relaxa ratinha, você não vai perder o seu título. – Cutucou-me. – Impossível alguém estar melhor que nós duas – sorriu orgulhosa. – Esse foi meu melhor trabalho, de longe.
  - Um brinde a isso.
  Junto com a minha bebida, vieram um Wallace, uma Brittany e um Dick, todos voando em busca de mais álcool.
  Wallace estava muito engraçado vestido de Super Shock, com máscara e tudo.
  - Gostou? – Wallace piscou para mim e eu ri.
  - Vai deixar as garotas bem... chocadas, – fiz a piada mais idiota de todas, mas Brittany riu. Wallace revirou os olhos e se escondeu, fingindo que não me conhecia.
  - Não entendi... – Dick estava fora de si.
  Os três pegaram as suas bebidas, se despedindo de nós e correndo para a pista. cruzou os braços e fechou a cara.
  - NENHUM elogio? Você viu? – bufou.
  Eu ri.
   apareceu, trazendo consigo as meninas da Zeta. Todas estavam rindo, mais soltas de quando chegamos e com os olhos cheios de deslumbre pela festa.
  - Se divertiram? – perguntei.
  - Nunca vi um apartamento tão grande! – Abby se enfiou ao meu lado. – E tão lindo…
  - É, gente rica com seus luxos – Morgana debochou. – Vamos brindar à isso.
  - Dá pra você ser menos chata por uma noite só? – Sabrina se queixou e todas concordamos.
  - Uma noite só não fará mal.
  Morgana revirou os olhos.
  - O que vocês chamam de chata, eu chamo de sinceridade... a verdade mais pura e crua que a sociedade insiste em esconder e…
  - Toma e fica quieta. – deu um copo na mão de Morgana, que franziu o cenho olhando pro copo sem saber o que fazer. – O quê? Bebe logo, inferno.
  - É álcool? – Morgana continuava desconfiada.
  - Claro. Estamos em uma festa.
  - Não podemos beber – Sandra fez bico. – Não temos 21 anos.
  Sorri maliciosa para minhas amigas.
  - Agora vocês têm. – As entreguei as identidades falsas que havíamos descolado com a ajuda de , cada uma tinha a sua. Com nomes sem tanto significado quanto Lindsay, Britney e Paris, mas dava para o gasto.
  Falando nisso…
  - Cadê a Britt? – perguntei pra .
  - Deve estar com a insuportável da Rachel. – Revirou os olhos. – Você acredita que ela proibiu que a Brittany viesse de Daenerys só pra que Britt viesse do jeito que ela queria?
  - Fez chantagem emocional e tudo?
  - Uhum.
  Bufei.
  - Odeio essa tucana radioativa…
  Esperava finalmente o dia em que Brittany se libertasse desse encosto em sua vida que era Rachel. Sejamos realistas, a garota não amava a nossa amiga, se amasse jamais tentaria montá-la do jeito que ela quer.
  E eu faria o que fosse capaz pra tirar a tucana de nossas vidas de uma vez por todas!
  - Bom meninas, esqueçam isso e vão se divertir! – Tentei mudar o clima – Mas com moderação.
  - Só pedimos para que não aceitem bebidas de estranhos, ok? E se algum cara estiver importunando vocês ou vocês se sentirem mal com alguma bebida, comida ou algo, avisem à nós ou ao que eles deixará vocês em segurança na suíte, tudo bem?
  - Sim! – responderam em uníssono.
  Era legal vê-las mais soltas, se sentindo mais animadas e afim de curtir a festa. Sabíamos que era difícil para elas perderem a timidez, mas faríamos o que fosse necessário para que todas aproveitassem suas noites.
  Essa festa não acabaria até que as Zeta a dominasse.

***

  A festa continuava e eu estava dançando com as meninas, depois de ter uma crise riso com o tombo histórico da Sandra. Ela quis fazer graça com o Dick e todo mundo sabe que Dick é mais mole que uma banana. Os dois voaram no chão e depois de Dick tentar imitar seu passo de dança, ela se levantou roxa de vergonha e Dick com seu orgulho ferido.
  Homens... ame ou mate-os.
  Estava escorada no bar bebendo mais um pouco, descansando minhas pernas depois de uma hora dando tutoriais de coreografia para as meninas. Pisaram muito no meu pé e isso seria muito vingado mais tarde.
  Mas também estava aproveitando para assistir a outra performance que me chamara a atenção. De todas as pessoas no mundo, nunca esperei que veria Ethan Mason cantando em um karaokê.
  Mas sejamos sinceras, provavelmente ele estivesse tão chapado que nem estivesse pensando. Um alter ego pós-maconha estava no palco cantando Girls/Girls/Boys de Panic! At The Disco.
  E nem estava tão ruim assim.
  Tinha um grupinho de garotas amontoadas no sofá, assistindo-o cantar e eu ria daquela cena. Ele nem prestava atenção, só cantava lendo a letra no visor e dando um show de bebedês.
  Não negaria que como sua voz saia rouca pelo microfone e quando ele aumentava o tom ela rasgava de uma forma até sensual. E o bebedês se misturava com seu sotaque inglês e dava um charme a mais, então para mim estava agradável. E para o seu fã-clube que assistia sua performance quase pegando fogo.
  Ethan usava uma fantasia de Freddy Krueger, só a roupa e o chapéu. E chamava a atenção mesmo assim.
  E aparentemente eu tinha um problema em ficar encarnado as pessoas, só percebi quando ele reparou que eu estava o assistindo cantar com a minha boca entreaberta, minhas unhas tocando delicadamente meu lábio inferior e meus olhos focados na figura masculina dando seu melhor show. Ele piscou pra mim e eu mudei o foco, minha cabeça pensou no que não deveria e isso poderia acabar com a noite de muitas pessoas.
  Teria que me controlar.
  Dick se aproximou, se sentando ao meu lado e passando seu braço por trás de mim e me dando um gentil abraço de lado.
  - Dick, o que eu disse sobre contato pessoal? – Fuzilei-o com o olhar.
  - Poxa, eu achei que já havíamos passado por isso e estávamos construindo uma amizade real e sincera.
  Arqueei as sobrancelhas.
  - Acho que você esqueceu de me avisar disso.
  - Ei amiga – Dick me cutucou. – Por que o professor não tira os olhos de você?
  Se até o Dick percebeu era porque a situação estava muito, mas muito fora do controle.
  Virei-me para ver o professor, mas sem dar muita pista de que eu estava fazendo isso. Lá estava ele, de pé, bebendo e com o olhar em mim. Parecia que a presença de Dick o irritava, porque sua expressão era um pouco fria demais.
  Isso estava passando dos limites e me irritando.
  Nunca seria aceitável um homem ficar perseguindo uma mulher, isso é doentio. O que eu achava que era uma idiotice inocente, estava se tornando um fardo que eu já estava planejando cortar as asinhas.
  Dick se levantou para sair e a expressão do professor mudou para algo mais... nojento. Então segurei Dick pelo braço.
  - Fica, amigão. – Sorri falsamente para o loiro oxigenado, que sorriu e se sentou comigo, pedindo bebidas.
  - Eu disse que esse seria o começo de uma longa e verdadeira amizade. – Sorria. Quando o barman entregou as bebidas, nós brindamos.
  Gostava do Dick, ele era insuportável na maior parte do tempo, mas ainda tinha um bom coração. E se a presença desse incomodava o Mr. Johnson, então, Dick a partir de hoje seria meu bff.
  - Ei, amiga. Você paga né? Eu esqueci a carteira.
  Ou não.

***

  De todas as torturas que pensei que ia passar na vida... Ouvir Rachel e Brittany cantando You're The One That I Want da pior forma possível era a pior de todas.
  A música havia sido destruída da forma mais cruel que se possa imaginar.
   também estava com as mãos nos ouvidos, tampando para não continuar ouvindo essa crueldade.
  Quando elas terminaram, Rachel nos viu aplaudindo falsamente e saiu do palco emburrada, batendo os pés e indo sei lá para onde. Já Brittany…
  Britt veio até nós, nos puxando pelas mãos para fazer o que observamos todos fazerem, mas nunca que íamos fazer.
  - Nem fodendo.
  - Só uma música vaiii. – Os olhinhos dela brilhavam como de criança.
  - A gente escolhe – alertou. – E eu fico na frente – sorriu, soltando seu alter ego bêbado que chamamos de Rihanna que tinha dentro de si.
  Nós fomos atrás.
   procurou pelo aparelho a música perfeita e entre as 300 versões de Toxic, ela escolheu a que parecia mais sexy e adequada para o momento. A versão mais lenta com um toque de tango. Perfeita.
  Eu e soltamos nossos cabelos, deixando-os cair sensualmente e ouvindo assobios de alguns rapazes. Jogamos a parte dura do tutu longe, a parte que eu não faço ideia o nome, e ficamos somente com a saia simples por baixo e o body com detalhes lindíssimos.
  Britt jogou sua peruca com topetão longe e pude sentir Rachel fuzilando-a com o olhar. olhou com orgulho pra loira, porque apesar de ser a mais lerda do nosso grupo, Britt era sexy como o inferno e sabia usar isso quando queria.
  Foda-se. Hora do show, porra.

Baby, can't you see
I'm calling?
A guy like you
Should wear a warning
It's dangerous
I'm fallin'
  Comecei. Estava meio tímida de início já que haviam vários homens – e professores – tarados os suficientes para pensarem besteira comigo segurando um microfone, mas eu amava essa música, então que se foda.
  A melhor parte foi a cara de choque de todos assim que as notas saiam de minha boca no tom certo. Ok, eu sabia cantar, fiz aulas e tudo mais. Eu achei que o momento em que a Disney precisasse de mim pra ser tipo a nova Hannah Montana viria um dia.
  Claro que estava levemente embriagada, mas mesmo assim minha voz saia de forma notável e clara para que todos ouvissem. As meninas da Zeta me encaravam com o queixo caído e eu acenei pra elas.
  Na nossa frente, se encheu de caras e pessoas para nos assistir. Incluindo as Zetas, que eram nossas maiores fãs. Gritavam e aplaudindo, como se fossemos suas divas.
  Até mesmo Ethan estava entre a multidão, com os braços cruzados e o mesmo sorrisinho malicioso que eu tirei dele quando ficamos no baile um ano atrás. Ele não parecia impressionado com meu vocal, mas algo diferente... Sabia que estava gostando.

There's no escape
I can't wait
I need a hit
Baby, give me it
You're dangerous
I'm lovin' it
  Brittany continuou. Ela nasceu pra fazer isso.
  Cantava com toda uma confiança, até arriscava dançar mesmo vestida de Danny Zuko. Sensualizava mais para sua namorada do que para os outros.
  Pena que ela nem olhava para Brittany, estava mais ocupada criticando tudo que a fazia.
  Continuamos cantando enquanto a sala se enchia, as pessoas paravam para assistir, as outras dançavam. Todos estavam entretidos não só conosco, mas com a festa toda.

With a taste of your lips
I'm on a ride
You're toxic I'm slipping under
With a taste of a poison Paradise
   assumiu. E eu pude ver o queixo de cair, fazer um buraco no chão até outro o lado do mundo. Junto com vários gritos e uivos dos caras, quase explodindo com o poder da latina.
   não era uma cantora profissional e nem nada, mas tinha um rebolado e uma atitude toda vez que ouvia suas músicas favoritas, que compensavam. Ela se sentia muito confiante vendo todos entretidos com seus movimentos. E assim isso fazia que nós nos soltássemos mais.
  E eu tinha certeza que a bebida ajudava em toda essa confiança também.
  Logo estávamos cantando pelo palco improvisado, dançando juntas e imitando o que fizemos a infância toda trancadas em nossos quartos.
  Já estávamos acostumadas a performar Britney Spears pelos cômodos. E isso fazia com que nós nos sentíssemos familiarizadas com tudo aquilo. Já estávamos conectadas, sincronizadas e harmonizadas.

I'm addicted to you
Don't you know that you're toxic?
And I love what you do
Don't you know that you're toxic?
  Eu me sentia gostosa demais nessa fantasia, rebolando e batendo meu cabelo no rosto. Não me importava com nada além da música, estava divertindo demais e eu me soltava cada vez mais.
  Havia um ditado que eu adorava quando as pessoas aumentavam meu ego e sensualizar cantando Britney Spears, vestida de bailarina sexy na frente de vários marmanjos... era meu superpoder.
  As Zetas estavam em baixo gritando por nós, dançando entre elas e rindo. Até Morgana, soltando sua Britney Spears dentro dela.

Intoxicate me now (Ooh)
With your lovin' now (Ooh)
I think I'm ready now
  Dançávamos juntas, grudadas, arriscando nossos melhores rebolados e dando o que a “plateia” pedia.
  Todos que nos assistiam berravam, gritavam, aplaudiam e nos elogiavam, tirando as melhores expressões de ciúmes de .
  O ciúme do era engraçado, isso porque em sua mente ele deveria ficar estressado já que não deveria sentir, então ele virava a cara e fazia um bico não intencional e ficava quieto bebendo e ignorando por algum tempo até ela conseguir acalmar a fera. Era bom que ele não demonstrasse nada mesmo, afinal, eles não tinham nada sério e ele colocava limites em si mesmo para não agir como um babaca total, ainda mais com a senhorita desapegada que odeia ceninha de ciúmes. Se invertêssemos os papéis, ela já teria chutado a bunda de em uma semana e teria o bloqueado em todas as redes sociais.
  Retribuí a piscadinha que recebi mais cedo de uma certa pessoa. E ver sua expressão de indiferença quebrar era minha diversão.

I think I'm ready now
  Dei uma piscadinha pro público quando cantei minha frase favorita na música. E levei o bando de marmanjos a loucura.
  Eu estava fazendo isso pelo meu ego, era assim que eu estava lidando com os últimos acontecimentos em minha vida. Saber que metade do campus adoraria ter um show privado meu em particular fazia valer a pena ver o meu inimigo da adolescência perdido entre os dois mundos.
  Ethan havia até sentado no sofá pra observar mais de perto a apresentação. E o meu ego pulava. Ai, eu amava.
  A pior parte com certeza era o professor babando por uma de suas alunas, mas pior que isso seria ele babando por também. Porque ele não tirava os olhos da morena rebolando e soltando naquele palco.

Intoxicate me now (Ooh)
With your lovin' now (Ooh)
I think I'm ready now
  Eu amava quando nós três ficávamos assim, juntas e fazíamos tudo que nos desse na cabeça. Desde sempre nos soltávamos melhor quando estávamos juntas.
  Por isso éramos melhores amigas que nunca se desgrudavam, porque nós nos completávamos quando estávamos juntas. Virávamos esse tipo de entidade que nos permitia fazer tudo que nós mais queríamos, nossos maiores desejos e maiores vontades. Quebrávamos todos os tipos de vergonhas ou inseguranças.
  Só uma música e eu estava me sentindo a própria Britney Spears, rebolando pelo palco e batendo cabelo, junto com Britt e . Uma já estava tão acostumada com isso que fazia todos os movimentos mais naturalmente possível. E a outra... a outra rebolava como a Rihanna e deixada todo mundo fora de si. E eu? Eu nasci pra fazer isso, pertencia ao palco e era dele que seria.

Ah ah ah ah
  Arrasamos, eu sei.

***
  Percebi que havia me perdido das meninas e estava sozinha na pista dançando com desconhecidos que pareciam mais animados que eu.
  Os deixei lá e decidi ir atrás das meninas, ou de alguém que pudesse me dar um pouco de atenção. Esbarrei em alguém, alguém que usava uma fantasia pesada e um capacete.
  Sim, era .
  - Ei,
  - Gostei da fantasia. – Apontei para o que usava e ele abriu um sorriso verdadeiro.
  - Gostou? Eu gastei toda minha mesada nessa fantasia... Eu me empenhei demais nisso. – Permanecia sorrindo. – E Hannah adorou, ela disse que... – Então parou bruscamente.
  - O quê? – Eu ri do seu constrangimento.
  - Nada…
  Revirei os olhos.
  - Não precisa ter medo de citar o nome dela em minha frente não, . Tá tudo de boa. – Sorri. – Gostei da fantasia dela, de verdade. Vocês fazem um casal muito bonito.
   estava sem reação em minha frente.
  Qual é? Ninguém consegue me imaginar tendo atitudes sinceras e maduras? Por favor, eu sou uma pessoa ótima. Era óbvio que ainda me incomodava um pouco, mas não posso ser tão hipócrita.
  Passei a festa babando no Freddy Krueger inglês, que moral eu tinha pra me queixar que meu ex-namorado estava fazendo parzinho com a nova namoradinha dele? Eu hein…
  Mas o clima acabou ficando meio desconfortável com não sabendo muito bem como engolir isso e eu não queria ter DR com meu ex essa noite, então... sinto muito, amigão.
  - Vou ir procurar as meninas – disse. – Vejo você por aí? – sorri.
  Ele coçou a nuca.
  - Sim... claro. Nos vemos. – Forçou um sorriso.
  Dei as costas e respirei fundo.
  Vamos lá , você é melhor que isso. E sério, eu mereço uma boa vaga no Céu só por ter que aguentar essas coisas…
  Encontrei as meninas, elas estavam com Brittany que saiu da suíte de agora com seus cabelos soltos, a camiseta que usava estava amarrada na altura da sua barriga mostrando-a para o mundo e ela usava um batom vermelho extremamente chamativo, deixando-a fatal.
  - Amiga? Você tá maravilhosa!
  - Eu sei! – Deu pulinhos.
  - Eu ajudei. – sorria orgulhosa. – Mandei aquele Danny embora e trouxe uma Sandy meio Britney para cá. Não é a Daenerys que você queria, mas, espero que tenha gostado.
  - Eu amei! – Britt abraçou e me puxou para o abraço também – Eu amo vocês.
  - Bom, então vamos aproveitar a festa? – Abby chamou e nós demos gritinhos, prontas pra incendiar a pista de dança.
  Essa festa estava saindo melhor que o planejado.

***
  - Meninas... – Dick apareceu vermelho de tanto rir. – Vocês precisam ver isso – e nós fomos.
  E nós gargalhamos também.
  , e Wallace estavam com microfones nas mãos, se preparando para sua hora de brilhar no karaokê.
  - Isso é sério? – gargalhou.
  - Shh. Fiquem quietas e assistam o melhor show da vida de vocês. – piscou para nós e os três fizeram um cumprimento.
  Então a música começou.
  Aquele clichê de comédia romântica que todo mundo já ouviu e já cantou: Can't Take My Eyes Off You.

You're just too good to be true
Can't take my eyes off you
You'd be like heaven to touch
I wanna hold you so much
At long last love has arrived
And I thank God I'm alive
You're just too good to be true
Can't take my eyes off you
   começou e puta que pariu, que bom que ele era gostoso, porque cantando... com certeza não tem isso no seu gene de tudo de bom.
  A única coisa que ele tinha era o ritmo, mas nenhuma afinação. Só que cantava com um charme, como se fosse um daqueles cantores tão sedutores que ninguém liga pro que ele canta, mas já fica extremamente excitada no primeiro “a”.
  Ele estava focado em , que não sabia onde enfiar a cara, mas mesmo se sentindo um pouco com vergonha alheia, não conseguia tirar os olhos dele.
  É isso, estava vermelhinha de vergonha, mas sorrindo e com os olhinhos brilhando pro loiro cantando. A coitada está tão ferrada…
  As meninas da Zeta estavam babando por ele. Suspirando e se abanando. Eu estava achando tudo muito fofo e aterrorizante.

I need you, baby!
And if it's quite alright
I need you, baby
To warm a lonely night
I love you, baby;
Trust in me when I say
  Os três gritavam junto a letra a música, completamente desafinados, mas muito empolgados por estarem fazem isso. Wallace se sentia um rockstar, tentando usar isso para flertar com qualquer garota que assistia.
  Os outros dois também, se sentindo os próprios astros de uma boyband dos anos 2000 que tinham qualquer garota em seus pés. E nós gritávamos juntas a letra da música, como suas groupies em seu show.
  Todas estávamos agarradas, cantando junto e rindo de quando alguma coisa saía diferente do que eles queriam. Mas estava tudo muito fofo, mesmo com a parte completamente vergonhosa.

Oh, pretty baby
Don't bring me down, I pray
Oh, pretty baby
Now that I found you, stay
And let me love you, baby
Let me love you
  Os três estavam muito empolgados. Cantavam com todo o ar de seus pulmões e com toda a força possível, até que a música foi acabando aos poucos.
  Eu e nos entreolhamos, ainda cantando juntas enquanto eles davam seu show.
  - Amiga, eles são péssimos. – Eu ri e minha amiga acompanhou.
  - Ah, mas até que são adoráveis. – Ainda conseguia ver os olhinhos de brilhando pro loiro cantando para ela com todo o coração.
  - Então o playboy tem chance?
   ficou um pouco vermelha.
  - Eu. Não. Dou. Conta – disse em nosso código e eu pisquei para ela. Essa conversa continuaria depois. Provavelmente no banheiro, porque precisaríamos nos refrescar.
  Hannah estava encantadíssima com naquele momento e logo que a música acabou correu para abraçá-lo. Após soltá-la, o moreno se virou para mim um pouco envergonhado e eu apenas sorri, sussurrando um “The Voice”, já tirando sarro da situação.
  E sobre , assim que ele veio até , ela mal deu tempo e foi em direção ao banheiro e ele sorriu contente, pois havia conseguido a reação que queria.
  Geralmente quando você faz uma serenata pra pessoa que gosta espera que ela retribua o carinho e confesse seus sentimentos. Nessa situação, foge pro banheiro e ele acha isso bom. Dois esquisitos.
  Eu não estava dentro da , mas dava para perceber que o mexia com ela de verdade. E todo aquele lance de não poder ficar com ele com certeza aumentava a tensão sexual dentro dela. Sem sombra de dúvida estava muito fodida.
  Sim, era uma merda se apaixonar pelo melhor amigo, amiga. Estive aí, passei por isso.

***
Ethan

  Eu estava passando por uma sessão de tortura que me fizera repensar todos meus pecados cometidos nos últimos anos de minha vida. E talvez se fosse uns meses atrás, essa tortura não seria tão significativa quanto agora.
  Estava sentado no sofá, apreciando a minha cerveja e assistindo – contra a minha vontade, para deixar registrado – duas figuras bizarras cantando alguma música que não dava para saber qual era, já que eles gritavam e não cantavam.
  A única coisa que sabia era que um estava vestido de Lady Gaga e o outro de Madonna. E como eu sabia disso? Hudson, claro.
  Na última semana recebi um memorando com várias informações sobre quem era Lady Gaga e quem era Madonna, qual era a diferença delas e quais eram suas músicas favoritas de cada álbum. E sinceramente, eu não sabia que era tão possível isso.
  Desde que estabelecemos uma trégua e uma amizade, havia me ensinado mais sobre suas cantoras favoritas do que qualquer outra coisa. E por mais agradável que fosse saber mais de seus gostos, eu fazia isso por coesão. Ela realmente me agredia quando eu errava uma pergunta.
  Já apanhei por causa de Demi Grande, Ariana Vato e alguma cantora indie que eu disse que achava sonolenta.
  Fechei meus olhos, tentando ignorar aquela tortura que feria meus ouvidos e tomar coragem para dar uma volta pela festa. Quem sabe ir atrás de e obrigá-la a ouvi-los a cantar para sofrer o mesmo que eu.
  Mas falando no Diabo…
  Senti um aperto em meu nariz e isso me assustou, fazendo abrir os olhos e encarar uma com os cabelos loiros bagunçados pelo seu rosto, um sorriso infantil nos lábios e um pirulito preso nos dentes.
  - Oiiiiiii, Ethannnn – dizia em um tom adorável. Já havia descoberto que bêbada era mais fofa. Uma entidade que tinha provavelmente cinco anos de idade.
  Ela se jogou no sofá, deixando sua cabeça em meu ombro e ao perceber a dupla tenebrosa em minha frente – que estava já na sua terceira música e ninguém os expulsou da festa -, sua postura enrijeceu e seus olhos brilharam com uma expressão de surpresa.
  E então começou a me cutucar.
  - Essa é a Gaga, na era The Fame – apontou para o rapaz de peruca loira e um raio na cara. – Por isso o raio ala David Bowie e o laço de cabelo – me cutucou de novo. – E esse é a Madonna na era Confessions on a Dance Floor – apontou para o outro que usava um maiô que só de imaginar o que apertava doía em mim. – Eles estão simbolizando uma paz entre Gaga e Madonna em suas eras dance-pop – seus olhos brilharam novamente.
  E eu não estava entendendo porra nenhuma.
  - E qual é a diferença? – Fiz de propósito, apenas para ver sua expressão de choque. Era hilária.
  - Se você tivesse lido meu memorando você entenderia. – Deu os ombros.
  - Esqueça o memorando, eles são péssimos! Horríveis! Catastróficos! – enfatizei bastante a última, para que ela entendesse a música que eles acreditavam cantar estava absurdamente ruim.
   rolou os olhos.
  - Eles não estão tão mal assim. – Deu os ombros.
  Tirei o copo da bebida que ela estava segurando, agora tudo me fazia mais sentido.
  - Chega disso aqui para você – Coloquei na mesinha de centro e bufou. – Você tá alucinando.
  - Você é muito idiota, Ethan Mason. Muito. Idiota. – Empurrou-me rindo.
  Ela deu um sorrisinho meigo para mim e então sua expressão mudou drasticamente quando a batida da música tocava pelos alto-falantes espalhados pelo apartamento de .
  - Essa é minha música - seus olhos brilharam. Havia um fato interessante sobre Hudson: todas músicas eram “suas músicas”. – Segura meu pirulito. – Ela me entregou o palitinho branco com o pirulito redondo e vermelho. Então se levantou e correu para pista, alcançando .
  A batida da música aumentava, agora ela tinha uma letra e já estava dançando com sua melhor amiga, batendo os cabelos e rodopiando pela pista enquanto gritava a letra da música. fazia a mesma coisa, tão descontrolada quanto a loira.
  Peguei-me admirando dançar e poderia me punir mentalmente por causa disso na mesma hora, mas era impossível não notar. Ela radiava na pista, dançava, rebolava em uma sincronia perfeita. Ela não se importava com os olhares ou nada mais. Seu sorriso brilhava nos lábios mesmo com fios bagunçados de seu cabelo escondendo-o.
  Havia percebido o brilho que ela irradiava quando assisti seu vídeo dançando Pony, o viral. E desde então havia percebido de forma indireta – e direta – o quanto ela se sentia confortável dessa forma. E isso estava estragando meu juízo, já que não demorava muito tempo apenas observando que as outras coisas faziam menos sentido.
  Ver Laurie dançando podia ser até pior pra minha cabeça que ouvi-la cantando. Cara, eu com certeza teria todos os sonhos e pesadelos possíveis com aquela apresentação. Eu sabia que ela era boa, mas não tão boa assim. E isso estava estragando meu juízo, já que não demorava muito tempo apenas observando Laurie que as outras coisas faziam menos sentido.
  Mas nada de bom saía disso, só uma leve frustração, irritação e um chato desconforto entre as pernas. Tentava evitar, mas ela realmente me atraía.
  Continuava observando-a dançar e ela se virou para mim, mesmo na pista e acenou, apontando para mim e mexendo os lábios formando um “only you”, enquanto as cantoras da música repetiam a mesma coisa. Piscou para mim e rodopiou, voltando a dançar despreocupadamente.
  Cara, ela era boa.
  E quando percebi já estava com seu pirulito na boca.

***

  Eu não havia saído do lugar, ainda estava com minhas pernas esticadas e cruzadas na mesinha de centro, tomando alguma outra bebida que me trouxeram e agora fingindo prestar atenção em uma conversa nada interessante.
  Umas músicas depois que saiu, uma simpática jovem se sentou ao meu lado – Jolene era seu nome – e começou a me contar sobre como a música havia influenciado o seu nome.
  Por mais que eu me forçasse para não prestar atenção, meu cérebro já fazia isso por conta própria. Minha cabeça estava tentando entender quando foi o momento que havia me visto um pouco interessado por demais.
  As coisas haviam mudado em mim ou nela depois da formatura? Ela continuava levemente irritante, mas de uma forma até que adorável. E era interessante, podíamos conversar sobre qualquer coisa que ela faria de uma forma a conversa se tornar cômica com seu jeito leve. E mesmo com minha parede de indiferença e pose, ela havia se tornado uma amiga que alegrava meus sombrios dias de um rebelde sem causa.
  Mas a linha entre amiga e interesse poderia ser bem fina quando se tratava de , já que era extremamente atraente e agora que havia me livrado de todas as implicâncias sem fundamento, ela realmente poderia foder minha vida.
  Só que eu tinha alguns princípios, sim, bizarro. Não transava com amigas, isso era regra. E consegui até bastante amigas para levar pra vida, sem nunca ter me interessado por elas desse jeito e por isso não poderia deixar que minha relação com ficasse perigosa demais.
  Então precisava alertar ao meu amigão que era apenas uma amiga e eu teria que ter autocontrole para esquecer dos pensamentos que no final sempre envolviam muitas transas com a usando seu uniforme de líder de torcida e muita frustração por ser apenas pensamento.
  Um dia conseguiria.
  Algo chamou minha atenção quando vi as pernas usando uma calça preta justa e um salto da mesma cor. Respirei fundo e levantei a cabeça, até dar de cara com uma Rachel me olhando furiosamente e com seus braços cruzados.
  - O que você quer? – bufei.
  - Quero conversar.
  Sorri.
  - Ótimo – levantei. – Rachel, essa é Jolene. Jolene, essa é a Rachel. – apresentei minha nova amiga desinteressante para Rachel e vice versa, me sentando logo em seguida. – Bom papo vocês duas.
  Mas não seria tão fácil.
  - Lá fora. Agora – Rachel ameaçou, me segurando pelo braço e levantando a força. Não, ela não era superforte, eu colaborei, porque eu tinha um pouco de medo dela. Principalmente quando ameaçava.
  Saímos para fora do apartamento de , ficando no corredor que estava mais vazio, só com casais se agarrando e ignorando que todos podiam vê-los.
  - Como você pôde, Ethan? – seus olhos lacrimejavam.
  - Esqueci de te ligar? – arrumei uma desculpa. – Perdi seu número? Foi ótimo e poderemos repetir? – debochei e ela ficou roxa de raiva.
  Eu não tinha medo do perigo.
  - Como você pôde fazer amizade com a Hudson? – bufou. – Você sabe que eu a detesto e aquela amiga rabugenta e insuportável dela, as odeio desde sempre. E você também! – bateu os pés – Como você pode ser amigo dela? Eu achei que nossa amizade era... especial... – e uma lágrima solitária escorreu.
  Sim, por incrível que pareça, eu já fui amigo de Rachel. Quando me mudei para Los Angeles e ela era menos agressiva, narcisista, sociopata e perigosa para a humanidade.
  - Rachel, para com isso. Você tá exagerando…
  - Exagerando? – Fingiu um choque seguido por uma ofensa. – Ethan, elas tiraram a Brittany de mim... elas transformaram meu Danny em uma versão vulgar de alguma coisa que aquele tipo gosta. O que você acha que os outros vão pensar? – Botou a mão no peito.
  - Não tô entendendo…
  - Ethan, meu Deus você é burro?! – Epa, peraê – Eu vim com um Danny, não com uma mulher! Eu não sou lésbica, por Deus! Não quero que eles pensem isso de mim…
  - Mas você namora uma... – Franzi o cenho. Parei e repensei, não sabia nem como continuar isso. – Quer saber, esquece.
  - Eu sei que nossa amizade é especial, Ethan. – Pegou em minha mão, ficando bem perto de mim. – E eu sei como você se sente por mim, por isso eu confio que você tomará a decisão certa.
  - Na verdade eu te acho meio irritante e cha... – Rachel me estapeou. Um belo de um tabefe.
  - Mas que porra! – Levei minha mão para o meu rosto que ardia.
  Viu? Rachel era louca.
  - Se você continuar com essa amizade... – engoliu seco. – Será o fim da nossa. – ela olhou fundo em meus olhos. Mais uma lágrima solitária.
  E corta.
  - Ok, tchau? – Preparei-me para a próxima bofetada que nunca veio. Rachel apenas bateu os pés e sussurrou um “oh” em choque, correndo para dentro da casa furiosamente.
  Alisei meu rosto, ainda um pouco chocado com a ousadia de Rachel. De todos os surtos, um tapa foi a pior coisa que fizera. Ela destruiu minha guarda e nem me deu chance de me defender.
  Não demorou nem um minuto para ouvi-la berrando com alguém.
  Ainda meio confuso com tudo isso, percebi Dick se aproximando com uma expressão de medo no rosto, com um pouco de confusão e a expressão normal do Dick.
  - Cara, a Rachel tá bem? – perguntou. – Ela passou por mim chorando, gritou com quem estava cantando e começou a cantar uma música bem triste…
  Franzi o cenho.
  - Eu... – Pensei melhor. - Será que um dia ela já esteve bem?
  Dick deu os ombros.
  - Mas e você, tá bem? Por que seu rosto tá vermelho?
  - A Rachel me estapeou – contei para o rapaz que riu, não, gargalhou.
  - Por quê?
  - Porque eu sou amigo da – dei os ombros. – Loucura, certo?
  Dick deu os ombros.
  - Um tapa é um preço barato para se pagar pela garota que você ama – riu.
  - Quê? Surtou? – Virei para o meu amigo um pouco irritado. – Eu não amo a , não sinto nada por ela.
  - Uhum – desdenhou. – Claro que não, Ethan.
  - É sério! – exaltei-me – Ela é apenas minha amiga, só isso. E eu te digo mais, se um dia eu gostar de mais do que isso você pode me bater... – e Dick me estapeou.
  Levei minha mão até o rosto novamente, bufando de raiva. O que meu rosto havia feito para o universo hoje, caralho?
  - O que há de errado com vocês? – Acariciei minha pele ardente e Dick deu os ombros, rindo de mim.
  - Mas fique tranquilo, cara. Ela sente o mesmo por você. – Deu dois tapinhas no meu ombro. – Ela estava assistindo você mais cedo e parecia que nada mais no mundo importava…
  Engoli seco.
  Dick era mais burro que uma porta – sem ofensas – mas pela primeira vez eu sentia que ele estava sendo extremamente sensato e sabia disso. Ele falava com certeza e mesmo tendo me estapeado sem motivo, eu estava levando o que ele disse em consideração.
  Mas não, não podia ser verdade. Qual é, o Dick é mais burro que uma porta.
  Ethan Mason não estava a fim de Hudson, isso era certeza. Eu controlo meus sentimentos e pode parecer idiota, mas sabia exatamente o que sentia.
  Mas então por que me senti encorajado e confiante só em imaginar a hipótese de sentir o mesmo?
  Cara, eu estava tão fodido.

***

  Se eu tivesse uma máquina que me levasse de volta ao passado só pra ver o meu eu sofrendo por algo que não ia pra frente, eu diria para ele que as coisas melhorariam. Elas sempre melhoram…
  Por isso que eu sorria como um bobo, parado no bar esperando o barman me entregar a bebida que levaria para Hannah. Havíamos dançado juntos a noite toda e as fantasias eram quentes, ou seja, estávamos morrendo.
  Mas tudo isso valia a pena. Ela me fazia sentir tão bem, era tão bom tê-la ao meu lado com seus carinhos e o jeito fofo que só ela tem. O coração puro, nossa, eu gosto de tudo nela.
  Como não agir como um vendido por ela?
  Mas então, tudo mudou. Assim quando o dia tá lindo e do nada vêm as nuvens de chuva estragar tudo e deixando o clima fechado, sem graça e frio.
  - Barman... suas melhores bebidas. Por minha conta. – Markus gargalhava junto com seus chaveirinhos que ele chamava de amigos.
  Tentei ignorar a presença dele, porque eu já estava em um ponto que só merda sairia disso se ele conseguisse me esgotar.
  - Cara... vocês viram aquelas três mais cedo? – Sua risada suja me levava pra um caminho que eu estava evitando. – A loirinha.... gostosa pra caralho.
  Cala a boca Markus, ou eu o farei engolir seus próprios dentes…
  - Muito né, cara? Eu pegaria a latina. Ela é uma vadia quente, deve ser uma fera na cama... – um dos chaveirinhos falou. Nesse momento eu já havia deixado minha bebida no balcão do bar.
  A merda ia ficar feia.
  - Sinceramente, eu pagaria.... – Markus continuou. – Eu pagaria diretamente pra loirinha só pra ser o primeiro a foder aquela bu... – e não terminou.
  Eu já estava segurando-o pela sua fantasia, arrastando-o pelo balcão do bar. Jogando-o no chão em seguida, socando-o sem parar.
  Os amigos dele nem se mexiam, estavam horrorizados demais. Enquanto Markus apenas tentava se defender, mas meus punhos acertavam seu rosto.
  - PORRA, , PARA COM ISSO! – correu para me segurar, mas eu acabei empurrando-o. – VOCÊ VAI SUJAR MEU CARPETE COM SANGUE CARALHO, CHEGA.
  Continuei socando Markus sem qualquer dó, até que e uns caras do time me seguraram, me puxando e libertando o babaca.
  - Meu carpete, cara. – tentou me acalmar, mas eu estava na mais pura raiva.
  - Você tá tão morto – Markus disse em seu tom mais ameaçador, mas estava ensanguentado demais para levar a sério.
  - Engasgue com seus dentes, filho da puta – xinguei, vermelho de raiva e limpando o sangue em minha fantasia.
  O meu amigo me levou pra seu quarto, pegando algum kit de primeiros socorros ou qualquer coisa que pudesse limpar minhas mãos machucadas.
   já estava acostumado com isso, mesmo que não fosse tão legal essas situações. Já briguei por muitas coisas, nem sempre foi pela . Só que ela não sabe disso.
  E todas as vezes estava lá, pra me acalmar e me ajudar a inventar uma desculpa plausível pra arrumar as merdas que eu faço.
  Esse cara sabe coisas de mim que nem , que foi minha primeira melhor amiga de todas, sabe. Ele era pra mim como era pra .
  Deve ser por isso que nós quatro nos encontrávamos na mesma situação.
  - Cara, por quê? – perguntou, enquanto me ajudava a limpar minhas mãos.
  - Cara, ele disse que pagaria a só pra transar com ela – disse sem rodeios e a expressão de também mudou, agora ele compartilhava o mesmo que eu.
  - Mais um no meu currículo. Espero que dessa vez ele aprenda a lição para que eu não tenha que repetir.
  - Mas isso não é o X da questão aqui, você sabe, certo? – Ficou sério.
  - Como assim? - Franzi o cenho.
  - Você precisa... - Respirou fundo e espremeu os olhos, tentando falar algo que não conseguia. Então soltou o ar de uma vez só em uma só frase. - Porfavornãomebatadepoisdissomaseutotentandodizerquevocêprecisaamadurecer.
  - É o quê? - Arregalei os olhos. Ele suspirou outra vez e soltou.
  - Amadurecer, . Nada justifica esses surtos. Socos e chutes em outros caras que falam dela não é o jeito mais nobre de defender a dama indefesa. Primeiro, porque ela não é. E segundo, como seu amigo, fico preocupado com você. Foi engraçado nas primeiras vezes, mas sei lá, você é velho demais pra perder a cabeça e consequentemente alguns dentes todas as vezes que fazem algo que te irrita.
  - Mas como eu posso aceitar uma coisa dessas calado, cara? Eu não consigo! Eu tenho que ser o que vai defendê-la. É meu dever.
   revirou os olhos.
  - Não viaja, . A é como uma irmã pra mim e nunca precisei surrar ninguém pra proteger ela desses caras babacas e muito menos pra defendê-la, porque não é assim que funcionam as coisas! Isso é atitude de homem das cavernas, irmãozinho. E não, não precisa ficar calado, só não precisa surrar o cara. – Deu os ombros. – Tente usar palavras. Até porque, a mesma resolveria essa situação do jeito dela, fazendo-o se envergonhar e nem precisaria sujar as mãos.
  - Eu sei, mas…
  Ele nem deixou continuar.
  - E você tá com a Hannah agora, . Imagina como ela vai se sentir quando souber disso? Você mesmo já me disse que ela odeia isso, odeia essas brigas e se isso faz mal pra ela, você deveria pensar muito antes de fazer. Ou você perde ela também.
  A ficha caiu. Não havia pensado em Hannah no momento que fiz isso e com certeza dói demais pensar que teria a machucado se Markus tivesse descido a porrada em mim.
  - Cara, eu sou muito burro... – Levei as mãos ao rosto, tentando me esconder da minha vergonha.
  - Relaxa, você vai conseguir resolver isso. Só pensa, ok? Pensa bem.
  Meu amigo estava certo e eu seguiria seu conselho. Amadureceria, não só por Hannah ou , mas por mim. Estava na hora de me tornar um adulto, chega de atitudes infantis.
  - Não custa tentar, né? - sorriu de novo e nós demos um high five. - Vamos lá, Oliver Queen.
  Ele abriu a porta com cortesia.
  - Depois de você Tony Stark.
  Respirei fundo. Eu precisava de uma cerveja.

***

  Havia me perdido das minhas amigas mais uma vez. Que saco, dê asas pra elas que voam sozinhas.
  Pior pra mim, que tenho que ficar procurando-as pelo apartamento feito uma louca.
  Só que deixei a busca de lado assim que vi Ethan saindo do bar com alguma coisa em suas mãos. Ele me viu, então caminhou em minha direção. Prendi o ar e senti o clima ficar mais abafado, mas tentei manter o autocontrole.
  - Perdida? – brincou. Maldito sotaque, me fode toda vez.
  - Acredita? Minhas amigas precisam de GPS. – E ele riu da minha piada. – O que é isso em sua mão? – Apontei e ele tirou uma garrafinha d’água.
  - Só água.
  - Você bebe isso lá de onde você veio? – Franzi o cenho. – Nossa, vocês são um povo avançado mesmo…
  Riu de novo.
  Meus olhos me traíram quando Ethan se movimentou para abrir a garrafa d’água e bebê-la. Meus olhos seguiram o seu corpo e como seus braços ficavam gostosos naquela fantasia. Até a forma que ele bebia água me deixava excitada. Que inferno.
  - Quer um pouco? – Ofereceu a garrafa e eu não senti nenhum duplo sentido em sua voz, mas assenti sem voz para responder.
  Tomei um gole longo da água gelada, esperando que ela refrescasse todo o meu corpo e mente, mas falhei miseravelmente.
  - Faltou a maquiagem – disse aleatoriamente.
  - Como?
  - Sua fantasia. Faltou a maquiagem do Freddy – ri e ele deu os ombros.
  - Cheguei a tentar fazer, mas coça muito. Desisti.
  - Mas ficou muito boa.
  Ethan sorriu.
  - A sua também – e eu mordi meu lábio inferior. –, tá graciosa.
  - Inventou essa palavra é? – brinquei.
  - Sou quase um dicionário – e rimos.
  Meu celular apitou e tirou o clima por um minuto. Peguei ele e revirei os olhos com a mensagem de . Inferno, ela não precisa estar de corpo presente pra quebrar o meu clima.
  : Estamos no banheiro, precisamos de ajuda. Vem rápido, ratinha!!!!!!
  - Compromisso? – Ethan apontou para meu celular e dei os ombros.
  - É, parece que minhas amigas não sabem se limpar sozinhas.

***

  - O que tá acontecendo aqui, inferno? – Entrei no banheiro trancando a porta atrás de mim, como mandou.
  - A Ana bebeu demais... tá passando mal – apontou pra garota jogada no chão, choramingando enquanto ao mesmo tempo ria de alguma coisa.
  - Qual é o problema de vocês? Eu estava tendo a porra de um momento gostoso com o gostoso do Ethan até vocês foderem tudo! – Pisei forte no chão e dei mau jeito, levando um tombo.
  Todas riram, menos eu. Eu estava emburrada.
  - Você prefere dar bola pra um homem que pra uma irmã? – Sabrina fingiu uma ofensa. – Cadê sua sororidade, mulher?
  - Quer apanhar, Sabrina? Só pede que eu te bato.
  Mas ela riu da minha cara.
  - Tá sem credibilidade hein, ratinha.
  Dei a língua.
  - Sério Ana, levanta daí. Para de ser exagerada. – Morgana foi puxar a amiga, mas Ana acabou fazendo mais força e a outra foi pro chão.
  Dessa vez eu ri também.
  - Que auge. Nossa primeira festa grande e vamos terminar todas no banheiro chique do – Sandra resmungou e eu ri.
  - Amiga, pelo menos você não terminaram no chão todas vomitadas. – Apontei pra e ela riu.
  - Esse foi o fim da nossa dignidade.
  - Nunca mais – e rimos.
  - Eu tô bem, ok? – Ana tentou levantar, mas as pernas falharam e ela voltou pro chão. Se sentou e ficou lá, fingindo que quase não caiu de boca no piso.
  - Podemos curtir a festa daqui. – Britt deu os ombros. – Dá pra ouvir a música, pelo menos.
  E ela estava certa. Os alto-falantes caros de davam um bom resultado, mesmo no banheiro dava pra curtir um pouco da festa e ouvir as músicas que tocavam, não na melhor qualidade, mas dava pro gasto.
  Percebemos que a música que tocava estava sendo nosso vício ultimamente. Ouvíamos pra limpar a casa, pra passar o tempo, ou pra qualquer situação porque adorávamos.
  Nos entreolhamos e todas nos levantamos, até Ana com a ajuda de Brittany.
  - 3, 2, 1…
  E começamos.

I started from the bottom and now I'm rich
I got in my bag and I ain't looked back since
  Gritávamos a letra da música enquanto arriscávamos nossos passos de dança, rebolando até o chão e dando nossos melhores twerks ao som da música.
  Cantávamos umas para as outras, gesticulando a cada letra e sentindo as rappers mais fodas do mundo.

I started to say sorry, but fuck that shit
  Batíamos nossos cabelos e nos segurávamos para não ir direto pro chão. Mas a vibe estava uma delícia com o ritmo da música em nossas cabeças e a letra flutuando para fora das nossas bocas.

You started out hatin’, now you love my drip
  Continuaríamos nisso, ainda rebolando e fazendo nossa própria baladinha particular, mas fomos interrompidas com os socos na porta do banheiro, nos assustando e chamando nossa atenção.
  - DÁ PRA SAIR, PORRA? TEM GENTE QUERENDO USAR? – A voz do homem não era reconhecível, mas ele parecia muito puto e apressado pra usar.
  Nós rimos. Temos pena de homem não, eu hein.
  - É UM APARTAMENTO DE GENTE RICA, TEM MAIS DE UM BANHEIRO. SE VIRA, CABRÓN berrou na mesma altura, dando dois tapas na porta pra ver se ele caía fora.
  Nos entreolhamos.
  - Onde paramos?

***
  A festa continuava e todas as meninas estavam espalhadas por um lugar. A Ana já estava melhor e não queria sair da pista de dança de jeito nenhum.
  Percebi que não havia mais visto desde aquela hora, mas já havia chegado ao meu ouvido que ele e Markus haviam se desentendido – lê-se Markus levou uma surra. Queria vê-lo para saber o que aconteceu.
  Estava cansada dessas brigas. Um dia foi legal ter como um defensor que tá sempre cuidando das minhas costas, mas acho que chegou o momento de pormos um fim nisso de uma vez, né?
  O encontrei sentado no bar, com a cara afundada no balcão e vários copinhos ao seu redor.
  Sentei no banquinho ao lado, tocando seus ombros e chamando sua atenção.
  - Tá tudo bem? – perguntei em um tom cauteloso. O moreno levantou o rosto do balcão e passou as mãos pelo rosto, respirando fundo em seguida.
  - Eu fodi tudo com a Hannah, de vez agora – disse tristonho e aquilo partiu meu coração. Ele estava sendo honesto acima de tudo, mesmo sabendo que eu era uma péssima pessoa para tocar nesse assunto. – Ela não quer mais saber de mim porque acha que eu surrei o babaca do Markus porque eu te amo ou alguma coisa do tipo – bufou e afundou o rosto em suas mãos.
  Viu? Essa honestidade só conseguiria arrancar de um bêbado.
  Respirei fundo e segurei delicadamente em sua mão. Ele me fitou fundo e pude sentir que ele estava sofrendo com isso. Engoli todo o orgulho e vaidade pelo bem maior.
  - Ok. , você tá gostando da Hannah? De verdade? – perguntei seriamente e ele assentiu honestamente. – O quanto?
  O moreno respirou fundo para pensar e então deu um sorrisinho triste.
  - Tanto quanto eu gosto do meu travesseiro autografado pelo Robert Downey Jr.
  - Uau, é muito. – Ele assentiu e choramingou.
  Cocei minhas têmporas e voltei para minha posição séria de amiga que aconselha o ex-namorado como conquistar outra garota.
  - Ok, presta atenção. – Levantei sua cabeça e ele me encarou sério. – Você vai chamar um Uber e vai levar a Hannah para a casa, entendeu? – assentiu. – No caminho você vai se explicar e dizer que é um babaca, pedir desculpas umas mil vezes. Conte, é importante – assentiu de novo. – Quando chegar na porta da casa dela, você vai dizer que tá apaixonado por ela e que gosta dela de verdade, pode até falar sobre o travesseiro, é fofo, ela vai gostar – sorriu. – E então se ela pedir alguma prova, ou dê qualquer abertura para que se aproxime, você vai a beijar como nunca beijou ninguém antes. Basicamente como você beijava seu pôster da Scarlett Johansson e então a partir daí você vai saber o que vai fazer – sorri e ele respirou fundo, assentindo um pouco confuso. – E se ela não disser nada você vai pra casa, dorme e procure no Google como resolver essa situação.
  - Por que você tá me ajudando? – perguntou confuso. – E como você sabe que vai dar certo?
  Rolei os olhos.
  - Primeiro, eu sou ótima, adoro ajudar os necessitados e odeio ver gente chorando então, como uma santa, eu sempre estou disposta a ajudar – sorri. – E segundo, vai funcionar porque ela gosta de você, o quanto mais bobão apaixonado você parecer, mais você consegue conquistar a garota.
   abriu um sorriso enorme e me abraçou, um abraço de urso extremamente carinhoso e gostoso. E eu senti algo tão diferente do que eu estava acostumada a sentir. Eu me sentia bem de verdade, comigo e com toda a situação.
  Passei muito tempo monopolizando e o fazendo sofrer que quase perdi meu melhor amigo, que permanecia aí dentro e que estava voltando para a luz. E para vê-lo feliz, tudo valeria a pena.
  - Muito, muito, muito obrigado mesmo – disse, ainda me abraçando. – Não sei como vou recompensar... – se afastou, sorrindo para mim.
  - Você vai receber a lista no seu e-mail – disse formalmente e ele assentiu, porque sabia que eu estava falando sério. – E por favor, não magoe ela. Não quero ter que consolá-la, não gosto dela tanto assim.
   assentiu e me abraçou novamente, me soltando em seguida e correndo atrás de Hannah, já conseguindo convencê-la a ir no mesmo Uber que ele, era um progresso... estava orgulhosa.
  Cruzei os braços e observei essa cena sorrindo, de verdade. Não me sentia irritada ou enciumada, eu me sentia feliz por vê-lo feliz e isso, meus amigos, era maturidade.
  - Nunca achei que viveria para ver essa cena. – veio para meu lado e eu o abracei de lado. Ele retribuiu meu carinho, como sempre fazia, como um irmão mais velho.
  - Eu nunca achei que viveria para fazer isso acontecer. – O encarei e rimos.
  - Vamos, vou te pagar uma bebida – sorriu. – Para a maturidade e a evolução. Quem sabe agora você pode parar de se vestir como a e sim como a garotinha que você é.
  - Nem pensar.
  - Merda.

***

  A noite estava seguindo melhor do que eu esperava... As meninas estavam se divertindo e juro que vi algumas delas ficando com alguns carinhas gatos. E Britt havia deixado Rachel de lado pra se divertir com suas amigas.
   estava sendo um ótimo anfitrião e sumiu algumas vezes com a pela festa. Não perguntei, mas bom, deve estar se divertindo. saiu com a Hannah e se Deus é justo, eles já fizeram as pazes.
  E o Wallace? Eu não vejo ele faz um bom tempo também, ué. Onde ele estava? Eu estava sentindo falta de alguém também, outra pessoa, mas eu não conseguia lembrar quem…
  Nossa, o álcool estava me deixando louca. Chega por hoje, .
  Dei uma volta pela festa, procurando algo pra comer porque a fome bateu e acredito que ninguém lembrou de comprar comida nessa festa... Mereço.
  Meu caminho cruzou com a única pessoa que eu não queria ter esbarrado e junto com isso veio um banho de alguma bebida na minha fantasia. E obviamente fiquei extremamente puta.
  - Que merda? Qual é o seu problema? – explodi pro desconhecido, até que me toquei que a fantasia de Indiana Jones era familiar... Engoli seco.
  - Senhorita Hudson? Me desculpe! Deixe-me ajudá-la. – O homem enfiou a mão em mim, tentando me secar com um pano e eu tirei sua mão de perto.
  - Não precisa, eu tô bem…
  Mas o homem não se convenceu.
  - A senhorita não me parece bem... acho que está bêbada, a festa acabou para você. – Segurou em meu braço de uma forma nada gentil. – Vou te levar para casa, me acompanhe.
  Mas foi interrompido por uma furiosa que me arrancou de perto dele. Junto dela vinha um e acho que pela primeira vez que pude me lembrar, ele estava realmente puto.
  - O que tá rolando aqui? – ele perguntou e seu tom não era tão simpático e contido como sempre.
  - Eu derrubei minha bebida na senhorita Hudson e ela pediu para eu acompanhá-la... Só isso rapaz, não precisa se exaltar…
  Não consegui nem abrir a boca para rebater aquela mentira. Mas meus amigos captam apenas no meu olhar.
  - Vem cariño, vou te ajudar lá na suíte. – me segurou carinhosamente e eu assenti.
  - Senhor... Johnson? – perguntou e o outro assentiu. – Deixe que eu o levo até a saída. Acho que já está tarde, né? – O homem fitava meu amigo com uma fúria nos olhos, mas não rebateu, apenas concordou.
  Os dois saíram e me levou até a suíte de . Deixou-me sentada em sua cama e me encarava, tentando ter certeza que eu estava bem, que ele não havia feito nada grave comigo.
  - Eu tô bem... – Eu ri. – Ele só destruiu a minha fantasia. – Dei os ombros.
  - Maldito filho da puta. Eu passei horas fazendo isso... – bufou. – Se eu pegar ele em minha frente essa noite…
  Eu ria alto. me fitava irritada porque ela falava sério e mesmo assim, eu estava rindo de sua cara.
  Mas a risada parou assim que percebemos que não estávamos sozinhas. Ethan saía do banheiro de com uma expressão impagável de uma confusão no rosto.
   me olhou, depois olhou para o rapaz. Olhou para mim de novo e abriu um sorriso.
  - Cariño, vou estar lá fora... qualquer coisa me chama. – Sorriu e moveu os lábios dizendo um “mama ele” sem som. A baixaria, meu pai.
  Assim que ficamos a sós, eu me levantei e fui até a porta. Ethan veio atrás, mas eu mesma não queria abrir a porta e tampouco ele.
  Não demorou muito pro clima naquele quarto ficar abafado e um lugar pequeno demais para nós dois, mas ninguém estava querendo fugir não, muito pelo contrário.
  Encostei na parede ao lado da porta do quarto e Ethan veio devagar até minha frente. Ele encostou a cabeça ao lado da minha, mas ficando de lado para mim, assim podendo ter uma visão de mim em perfil.
  Eu queria esquecer o que havia acabado de acontecer. Nada aquilo seria importante e muito menos atrapalharia aquele momento que eu estava ansiando sem coragem de falar em voz alta. Nada atrapalharia, eu não deixaria.
  - Ei – Ethan chamou e eu virei para ele, de cenho franzido.
  - O quê?
  Ethan abriu um sorriso.
  - Eu só queria dar mais uma olhada em você.
  E eu explodi. Minha barriga doía da forma em que eu ria. Meu Deus, a breguice do homem chega ao ponto de recitar um filme que ele odiou e eu o coagi a assistir. Ethan ria junto.
  Voltei para a minha posição e contornei meu nariz com o dedo, imitando a Gaga em seu filme.
  A risada foi diminuindo e o clima foi voltando a ficar gostoso como aquele que queríamos. Era tão instantâneo, como só um minuto a sós e o calor nos preenchia, como se as coisas tivessem tão certas.
  - Você não tá muito bêbada, né? – perguntou baixo e eu só queria sentir seu sotaque entrando pelos meus ouvidos e me causando arrepios.
  Dei os ombros.
  - Não o suficiente para esquecer dessa noite. E você? – Virei para ele e Ethan sorriu.
  - Acho que nunca estive tão sóbrio – Rimos.
  Em um movimento, Ethan já estava de frente para mim e não havia mais espaço que nos separava. Suas mãos estavam cada uma de um lado da parede, isso me fez rir mentalmente por ele realmente achar que eu fugiria daquilo.
  Assim que encostou sua testa na minha o ar acabou, sentia todo o meu corpo queimar e meu coração bater acelerado. Ethan parecia tão ofegante quanto eu, mas não demonstrava. A forma que roçava nossos narizes como se pedisse alguma permissão ou um sinal para ir em frente ou para trás.
  - ... – disse meu nome em seu sotaque e isso me fez suspirar, quase como uma súplica para que ele continuasse com isso.
  - Mais uma vez – pedi.
  Ethan sorriu.
  - – e repetiu, forçando mais o seu sotaque e sua voz grossa em rouquidão. Ele abriu os olhos e encarou os meus, respirei fundo. – Não me deixe foder tudo.
  - Você não vai.
  E finalmente nos beijamos, algo que parecia uma eternidade e como se estivéssemos distantes demais. Mas não estávamos mais, estávamos frente a frente e agora era para valer.
  Não havia nada melhor que beijar Ethan Mason. A forma com que sua língua brincava com a minha e como chupava meu lábio inferior, me fazendo suspirar em sua boca. Seu gosto já era o meu ápice de prazer. Não tinha o gosto amargo de álcool, era algo gostoso e excitante, mas indescritível.
  Minhas mãos já trabalhavam em seus cabelos, puxando-os sem força ou apenas acariciando os fios. Mas não me sentia satisfeita, precisava tocá-lo mais e mais, enquanto Ethan apenas abraçava meu corpo e me pressionava contra a parede para que ficássemos mais colados.
  Tinha tanto desejo naquele beijo, tanta vontade e tentos sentimentos envolvidos. Era como se fosse a primeira vez que nos beijávamos de verdade, mas não era, para nenhum de nós, porque nós tínhamos saudade. Nós sentimos falta do beijo do outro, mesmo que não soubéssemos. Mas naquele momento tudo estava explicado.
  Suas mãos subiram para o meu rosto e ele me segurava, como se não quisesse que eu fugisse, como se não quisesse que aquilo acabasse. E eu o imitei, segurando seu rosto para que permanecêssemos naquele momento para sempre.
  Então Ethan gemeu, um gemido frustrado e se afastou bruscamente, me deixando ofegante e desnorteada.
  - O que foi, garoto? Volta pra cá, inferno.
  Contem quantas vezes eu falei inferno só essa noite, meu pai amado.
  Ethan passava as mãos pelos seus cabelos e parecia estar lutando contra ele mesmo. Eu conseguia entender, afinal, esses sentimentos me deixavam maluca também. Mas eu queria tentar, valia a pena.
  - Tá bom – disse com uma voz manhosa e veio, até ficar em minha frente novamente e com nossas testas coladas. Ethan acariciava a minha bochecha, um toque tão gentil e que ficava mais gostoso a cada vez que fazia.
  Selou nossos lábios várias vezes, com delicadeza e sem pressa. Como se quisesse aproveitar aquele momento, cada detalhe. Roçava nossos narizes e a sua outra mão estava afundada em minha cintura, segurando-me nele.
  Minhas mãos subiram para o seu rosto. Acariciava carinhosamente da mesma forma que ele fazia comigo. Seus olhos estavam fechados e estávamos presos naquele transe, sem dizer nada. Só sentindo nossas respirações se cruzarem e curtindo os toques.
  Ethan permanecia selando nossos lábios enquanto ficávamos nesse carinho gostoso, ignorando tudo que acontecia lá fora e isso era tão gostoso. Parecia que o tempo estava parado e nada mais importava.
  O beijo foi ressurgindo de novo e nossos lábios se movimentavam juntos, liberando todos os sentimentos e paixão presos em nós. O beijo eram as coisas que queríamos dizer só que não conseguíamos botar em palavras.
  Era tudo ficando claro, os sentimentos, os desejos e tudo que permanecíamos escondendo de nós mesmos. Não tinha mais o que fingir ou fugir, não tinha mais nada em nosso caminho. Agora era pra valer.
  O beijo se tornava mais intenso a cada instante e o calor de nossos corpos pegava fogo. O seu gosto novamente em meu paladar e eu o saboreava como se fosse o meu sabor favorito no mundo.
  Minhas mãos tinham vida própria e correram para a sua camiseta. Não demorou muito mais para a peça de roupa estar no chão e agora eu sentir seu torso nu em minha pele.
  A boca de Ethan foi direto pro meu pescoço e o ar saiu todo dos meus pulmões em um quase gemido. Porra, a boca dele era gostosa demais.
  - Não é errado fazer isso aqui? É o quarto do – as palavras saíram e eu me arrependi de tê-las dito, porque Ethan parou de me beijar.
  Suas mãos seguram o meu rosto e acariciava minha pele. Seus olhos tinham um olhar tão... apaixonado.
  Ele riu então.
  - É verdade, melhor pararmos então – e selou nossos lábios. – E vão sentir nossa falta logo, então... – Mas continuou selando e logo fomos nos entregando novamente.
  Era difícil lutar. E se não consegue vencê-lo, junte-se a ele.
  - Quer saber? – disse com minha boca grudada na sua. – Foda-se o .
  Ethan riu.
  - Fodam-se todos.
  O prédio pode ser destruído em chamas, mas daquele quarto eu não saio até aproveitar cada pedacinho desse Ethan sem camisa que era todinho meu.
  Esse momento era meu, porra.

***

  - Eu quero BLACKPINK! – Abby bateu o pé.
  - Que nada. Twice muito maior e melhor – Ana retrucou.
  - Loucas. Todas sabem que Red Velvet carrega o K-Pop nas costas – Brittany riu.
  - Loona é igual tudo pra mim.
  - Só dá pra escolher uma música logo? – Morgana perguntou impaciente.
  - Se matem aí, eu não vou cantar mesmo. – deu os ombros.
  Revirei os olhos e empurrei elas, indo até o painel pra escolher a música. Claro que o meu gosto musical superava o delas, então essa escolha tinha que ser minha.
  - Só pra deixar registrado, eu vou ser a Nayeon e a Momo – disse enquanto terminava de escolher a música.
  - Ei, por que você vai ser duas? – Sandra emburrou, cruzando os braços. Ela queria ser o centro das atenções, é isso mesmo?
  - Porque não temos nove meninas – franzi o cenho – e bom, eu sou bonita – sorri.
  - Quero ser duas também. – Emburrou mais ainda e eu dei os ombros.
  - Faz o que tu quiser, mulher, só escolhe logo porque eu quero cantar! – Abby chamou a atenção.
  Escolhi a música e entreguei os microfones pras meninas. apenas nos encarou e deu um sorrisinho.
  - Boa sorte... eu estarei aqui pra rir de vocês mais tarde. – Piscou e foi pro sofá.
  Subimos todas no palco improvisado e nos posicionamos. Claro que faríamos a coreografia, qual era graça de performar sem pelo menos dar uns passos da coreografia?
   tirou o celular para gravar, garantindo que isso ficaria para a posterioridade. estava com um sorriso incentivador nos lábios. Wallace dormindo e Dick não estava entendendo nada.
  Ethan estava junto com , esperando o melhor momento pra rir do mico que passaríamos.
  Eu faria Nayeon e Momo, Abby faria Tzuyu, Britt faria Sana, Morgana Jeongyeon, Ana faria Mina, Sabrina faria Dahyun e Sandra faria Jihyo e Chaeyoung. Com isso seríamos as próprias Twice e performaríamos um hit que quebrou as barreiras do kpop e seria pra sempre o pilar do que o talento proporciona.
  Pode entrar Cheer Up.
  E assim que começou, nós soltamos nossas kpopeiras de dentro de nós e demos o nosso show, imitando a coreografia que a gente conhecia e treinava. E cantando no nosso próprio idioma.
  Porque, claro, coreano não era nosso forte. Nem inglês era o nosso forte, mas com certeza o coreano misturado com o inglês e bebedês não sairia bem.
  Mas estávamos arrasando. Quer dizer, depende pra quem você perguntar.
  E então chegou o refrão, o momento que podemos nos soltar de vez e dar tudo que a plateia – lê-se nossos amigos e uns bêbados jogados – quer. Um show, o show.

Cheer up baby, Cheer up baby
Jom deo himeul lae
Yeojaga swipge mameul jumyeon andwae
Geuraeya niga nal deo johahage doelgeol
  As meninas davam seus shows, cantando a música e batendo seus cabelos. Dançando e mandando beijos pra plateia que não existia.
  Lá estávamos nós, um bando de bêbadas loucas cantando a música com toda a força de nossos pulmões. Errando o coreano, errando o inglês, errando a coreografia e passando o maior mico. Sendo gravadas enquanto nossos próprios amigos tiravam sarro.
  No meio de tudo isso a Sandra podia ser uma nova Beyoncé de tanto show que dava. Morgana era a única delas com qualquer habilidade vocal e Sabrina bateria na própria irmã para ser o main visual do nosso grupo. O que era perda de tempo, pois todo mundo sabe que essa era eu.
  Meu amor, eu sou a main visual, a main vocalist, main dancer, a líder e que fica no centro. E claro, a face do grupo.
  É... nunca seríamos um grupo de kpop na vida.

Taeyeonhage yeongihallae amureochi anke
Naega neol johahaneun mam moreuge
Just get it together
And then baby Cheer up
  Nossa plateia nos encarava com a cara de pânico mais real possível. tentava até parecer entretido, mas estava com medo. e Ethan riam como duas hienas loucas e toda vez que eu virava pra eles pra repreender, o idiota dava os dois positivos como se estivesse achando tudo maravilhoso e não hilário. Eu o odiava.
  Mas quem liga? Estávamos nos divertindo, como nunca. Dando um show sem se importar quem estava assistindo. Sem vergonha, sem medo, sem nada. A melhor festa!
  Com certeza essa festa ficaria nas nossas memórias pra sempre, uma noite que jamais esqueceríamos e toda vez que lembrássemos traria todas as boas sensações daquela noite. Uma noite especial.
  E olha que era só o começo dela ainda... ainda tinha tanta coisa pra acontecer…

PARTE 2

Especial Terronebroso de Dia das Bruxas por e

  - Ei Jim, adorei a fantasia. - Fiz um toquinho com o lateral do time de Hóquei. Ele estava vestido de palhaço.
  A maquiagem na cara dele mostrava um sorriso ao contrário, mas ele pareceu ainda mais triste quando falou:
  - Obrigado cara. Combina com a minha vida amorosa no momento.
  Puxei o ar com pena.
  - Sinto muito.
  Infelizmente Jim era uma vítima nova de traição. Ele conheceu Carrie, sua ex, que também reside na minha turma, quando ainda estava no colegial. Dizem os ventos que eles perderam a virgindade juntos até que de uns tempos pra cá ele começou a ficar desconfiado da amizade super íntima dela com o próprio primo, Jeb. Jim achou que estava louco no início, até pegar os dois no flagra dentro do carro do primo no estacionamento.
  Carrie surtou quando o namorado apareceu e Jim não sabia se chorava ou ria, pedindo que ela tocasse o berrante pra encontrar com ele da próxima vez, já que os chifres estavam tão pesados que ele nem aguentava mais.
  A parte do amante ser primo dela me deixou aflito no início, aí eu entendi suas rotas e tudo ficou claro.
  Sweet home Alabama, baby.

***

  A festa ainda rolava e o pessoal largou o karaokê por um segundo. colocou Phantom of the Opera pra tocar na caixa de som e colocou uma meia roxa na frente do único holofote rodopiante que tinhamos no teto da sala, ao lado do globo. O clima ficou mais sombrio e o pessoal uivou quando Wallace e mais alguns caras da Lambda chegaram com outro combo de bebidas.
  Passei entre os convidados dando oi para cada um deles. Meu apartamento era grande, mas logo a superlotação viria. Lembro de ter convidado pelo menos dez pessoas e pedi para que elas trouxessem o resto, então fazia sentido essa quantidade. Só não me deixava feliz ter que esvaziar o meu quarto de adolescentes quase adultos que faziam questão de começarem suas preliminares na minha cama.
  Primeira tarefa da manhã seria queimar meu lençol.
  Às 2:00h já tinha desistido de tirar o pessoal de lá. Afinal, eu não usaria aquela cama de qualquer forma, isso já estava mais que claro com incrivelmente bêbada se escondendo no armário da cozinha no meio da sua brincadeira de pique-esconde com Dick, então que os outros se divirtam por mim.

***

  Virei um shot de bebida que estava guardado dentro de uma seringa de brinquedo e fui até o lado de Brittany, que estava deitada com os pés no topo do sofá e a cabeça no piso de madeira. Imitei sua postura.
  - O que está fazendo? - perguntei sentindo em um segundo a comida querendo voltar. Não aguentei e me sentei ao seu lado.
  - Pensando.
  - Dessa forma o sangue vai todo pra cabeça e ficamos mais inteligentes! - Ouvi uma voz gritar do outro lado do sofá e percebi que Wallace estava fazendo o mesmo.
  - Vocês precisam ficar inteligentes agora mesmo, no meio da festa?
  - Sim - Wallace respondeu.
  - Desse jeito vamos ter consciência de não beber muito, porque seremos inteligentes, gente inteligente não bebe - Britt completou.
  Balancei a cabeça pensando sobre isso.
  - Tenho algumas ressalvas sobre isso.
  - Você não entende isso porque ainda não está bêbado, playboy.
  - Ok - concordei. - Quanto tempo vocês ainda aguentam?
  - Estou assim faz cinco minutos - Wall informou.
  - Eu dormi três vezes no processo, posso estar prestes a inventar um novo aplicativo ou achar uma maneira de tirar uma foto melhor do buraco negro. Não faço ideia de onde minha mente está - Britt discursou, seus olhos fechando aos poucos.
  - Só precisamos de mais dois minutos e então teremos a cura pra raiva na palma das minhas mões... mões...? Ou mãos.... ??? Você está aí??? Tô perdendo a visão.
  - Parei de sentir minhas pernas desde que chegou aqui.
  - Mais cinco minutos loirinha! - Wall fazia força pra continuar.
  - Quase lá irmão, quase lá, vamos conseguir! - Britt o apoiou.
  - Tenho quase certeza de que a vacina pra raiva já foi inventada faz algum tempo Wallace. - Botei a mão sobre o queixo pensando melhor nisso.
  - O QUÊ? - gritou.
  - TÁ COM VOCÊS! - passou correndo entre nós como um furacão, encostou na perna de Wallace que caiu para o lado e levou Britt para o chão junto com ele.
  - Ai! Maledita! - a loira reclamou caindo no sono em seguida.
  Dick chegou pulando por cima dos corpos de Britt e Wall. Encostou no garoto ao chão rapidamente e saiu pulando como uma gazela, feliz como pinto no lixo, a mesma forma que passou segundos atrás.
  - TÁ COMIGO, TÁ COMIGO, EU PEGO!!!
  E assim passaram as crianças correndo pela casa toda por 40 longos minutos.

***

  A música do momento era Ghostbusters. Eu sei, quase ninguém conhece esta música. Jim fazia passinhos no meio da pista junto com Carrie e Jeb. Sorri e acenei.
  Apenas.
  Logo em seguida os três começaram a se beijar e virei a cara levemente assustado. Quem seria eu pra julgar a não-monogamia? Vai com tudo Jim, seja feliz!

***

  Eram duas e meia da manhã quando estranhei o sumiço de e fui atrás dela, procurando em todos os cômodos. Até mesmo nos armários da cozinha, já que estava brincando de esconder mais cedo junto com os meus amigos extremamente maduros.
  Franzi o cenho quando notei que a porta do meu quarto estava trancada. Suspirei alto e peguei a chave reserva no meu bolso, já tendo em mente que isso aconteceria. Só não esperava que fosse essa a visão que eu teria.
  - QUE ISSO, MEU DEUS, QUE NOJO, GROSSEIRO, RUDE, FEIO, EW. - Tampei meu rosto com o braço e sons azedos continuaram saindo da minha boca.
   ficou vermelha em um segundo e jogou um travesseiro contra mim. Isso era horrível. Sabe quando você tem traumas por pegar seus pais na cama? É tipo isso que eu estava passando agora.
  - Fecha ou entra logo mané - Ethan riu do lado da garota.
  - Ethan! - ela ralhou com a voz estridente batendo nele dessa vez.
  - Fiquem a vontade!
  Fechei a porta outra vez e os tranquei lá dentro.
  - E aí cara, o que tá rolando? Você tá branco, viu algum fantasma? - Dick apareceu do meu lado.
  - Me lembra de queimar os lençois amanhã de manhã - pedi com dor.
  Risadas saíram altas de dentro do quarto e me afastei levando Dick pelo braço comigo.
  - Na verdade, estou pensando em refazer toda a decoração, mudar tudo desde a estrutura. A sala será meu novo quarto e o quarto será... um depósito.

***

  Ao chegar na sala vi , Britt e rebolando eroticamente ao som de Tubular Bells, o mundialmente conhecido tema da menina do Exorcista. Virei a cabeça como um cachorro tentando entender aquilo, mas acabei só suspirando e passando reto. Coisas estranhas acontecem na noite de Halloween.

***

  - Sabe , aquela ideia sua de ir pra fora do país é rídícula, joga no lixo, ninguém quer - Wallace surgiu interrompendo minha dança com e eu não sabia se o matava pela interrupção ou o matava por abrir a boca.
  Graças ao bom Deus, não ouviu nada. Me trocou rapidamente por outro garoto que estava passando na nossa frente, na verdade. Ouch.
  Levei meu melhor amigo rapidamente até o sofá e abaixei minha voz pra que somente ele ouvisse, apesar de que seria difícil com o som alto tocando Zombie.
  Wall soltou seu bolinho em formato de cérebro no meu sofá branco e meu coração apertou. Agora estava manchado de vermelho e suspirei pela milésima vez aquela noite.
  - Não tenho certeza ainda se vou pra Ásia, Wallace. Estou pensando melhor nisso. E por favor, pare de espalhar, que ainda só você sabe.
  - Ásia? Você é estúpido, ? Você tinha falado Japão e agora tá falando em Ásia. Só mostra o quanto ainda não tá certo sobre isso e é uma burrada.
  Revirei os olhos.
  - É você tá certo. - Dei por vencido. Já tentou discutir com bêbado? É perder ou perder. - Só não esquece: não fale sobre isso pra ninguém. Ninguém mais…
  Completou com a voz esganiçada:
  - Ninguém mais sabe blá blá blá só você porque é meu melhor amigo mas a realidade é que estou com medo de apanhar de blá blá. - Sorriu. - Okay. Ah, ela estava me enchendo pra ir no Drive In mais tarde. Não esquece.

***

  3:14 da manhã notei um amontoado na cozinha e percebi que estavam fazendo uma pequena disputa de pegar maçãs dentro da minha pia cheia de água.
  Pra ser sincero, a decoração na cozinha estava nota 10. Teias de aranha espalhadas em todos os cantos, caveiras que acendiam os olhos vermelhos presas no teto e abóboras com velas dentro em cima da mesa.
  - VAI, VAI, VAI, VAI! - a multidão gritava pra garota enfiar a cabeça na água e percebi que já a conhecia. Tive alguns encontros com Érica há alguns anos. Terminamos bem. Não foi nada importante. Ela não estudava na Hearst, então era uma surpresa vê-la ali.
  Mas ei, eu não conhecia pelo menos 10% dessa festa, apenas fingia que conhecia.
  Seus olhos caíram em cima da minha presença e seu sorriso se alargou. Ela sempre foi uma criaturinha animada demais.
  - Oi ! - Acenou em um movimento insistente.
  - Oi! - Sorri de volta pra ela.
  Érica tomou coragem e respirou fundo, mergulhando a cabeça contra as maçãs.
  O pessoal em volta estava animado e começou uma contagem progressiva, o que não entendi muito bem, o objetivo não era retirar as maçãs?
   apareceu me tirando dos meus pensamentos e cocei a nuca pra sua presença. Não sou um cara envergonhado, longe de mim, apenas uma pessoinha conseguia fazer com que eu ficasse em constante timidez e era por puro prazer e risadas dela, mas essa situação aqui era diferente.
  - Oi , posso falar com você? - começou com a voz fina. Assenti. - Olha, eu só espero que saiba que não rolou nada demais entre eu e Ethan e…
  Levantei um dedo pra sua boca.
  - , o que você faz ou não faz na cama não é assunto meu. Eu não vou contar pro seu pai e sinceramente, foi assustador. É como pegar minha irmã fazendo algo do tipo e... - Estremeci.
  Ela concordou e nos afastamos lentamente, cada um indo pro seu caminho.
  - DOIS E CINQUENTA E NOVE. TRÊS MINUTOS - o grito do povo me acordou e quando percebi que estavam fazendo a contagem do tempo da Érica na água, corri até ela assustado e retirei sua cabeça da água.
  A doida estava encharcada e sorria abertamente.
  - Você tá bem? - preocupado.
  - Três maçãs! Comi três maçãs! - Deu pulinhos alegres e me abraçou. Dei um sorriso torto e corri para a sala levemente assustado.

***

  Estava sentado em um banco/baú de piratas no meio da sala esperando as meninas arrumarem tudo para o nosso concurso de fantasias. estava expulsando o cara do karaokê enquanto e Wall arrumavam o tapete verde escuro no meio da sala.
  Me coçava agoniado para arrumar tudo aquilo eu mesmo, mas sabia que se começasse não terminaria hoje, então deixei este trabalho com o pessoal.
   tinha ido embora pra lidar com a namorada e Dick tinha ido atrás de um troféu para o campeão do concurso.
  - Boa noite pessoal! - falou no microfone e o pessoal gritou animado de volta. - Bem vindos ao primeiro Halloween no Apartamento Fontaine, não é a House, mas chega perto. Vocês viram aqueles lençois de algodão egípcio no segundo andar? Uau, achei incrível. E a decoração então, branca, simples e chique... - ela iria continuar pela noite toda até que Wallace jogou nela alguns salgadinhos com formato de barata. - Obrigada Wallace!
  Sorriu amarelo.
  - Ei, gostou da minha fantasia, cara? - Richard, um novato da Hearst e também meu aluno de reforço, apareceu ao meu lado.
  - Maneira, Rich! É o Edward Culleen, certo?
  Ele ficou bravo e retirou as presas de plástico, as jogando no chão.
  - Bill Compton de True Blood!
  Senti-me culpado.
  - Ah, sinto muito. É que você sabe, tem muitos vampiros hoje em dia e…
  Ele bufou.
  - Esquece. - Jogou no chão o óculos aviador idêntico ao do cara de Crepúsculo e se foi.
  Dei de ombros.
  - Com vocês, nosso apresentador, Greene!
  Fui recebido por uma horda de aplausos e cresci por alguns segundos, piscando pras meninas de um lado e fazendo toquinhos com os caras do time.
  - Obrigado ! - Ela sorriu. - Wallace, se não for muito incomodo, por favor.
  Ele levantou o polegar rapidamente e em seguida ligou o som. Rock Me Amadeus, como o combinado.
  - Este ano nossa competição está acirrada, pessoal, mais de trinta incríveis fantasias, feitas em casa ou compradas nas lojas mais bombadas de Los Angeles! A criatividade dessa edição em nosso desfile evoluiu de uma forma deslumbrante. Por exemplo, Vicky, vestida de mesa de pique-nique, com a irmã Linddy, a completando como cesta de guloseimas infestada de formigas!
  Aplaudiram as garotas.
  - E Larry, vestido de Jonah Hill Emo em 21 Jump Street! - Ah, aquela com certeza era a minha fantasia favorita. Tudo ficava melhor porque Larry era praticamente uma cópia exata do Jonah Hill. - Nossas queridinhas amigas da Zeta, fantasiadas de Cisne Branco e Negro…
  Apontei para e que prontamente fizeram suas melhores poses, diretamente do balé clássico e como se tivesse vindo da quebrada. Eu ri e prestei atenção na morena.
  Ela estava mesmo parecida com o personagem da Natalie Portman em Black Swan. O vestido preto com pedrinhas que ela mesmo desenhou, a maquiagem que tinha retocado minutos antes junto com a amiga prontas para o desfile e uma coroa prateada ao topo da cabeça, onde prendia os longos e ondulados cabelos. A perna coberta por somente uma meia fina branca me fez querer chorar e me perguntei por que diabos ela tinha que dificultar tanto minha vida.
  Eu, , dois filhos e um cachorro, só isso, eu não pedia muito.
  O dia que eu tivesse aquela garota só pra mim, eu…
  Percebi que fiquei como um idiota encarando por muito tempo quando Wallace jogou mais uma porção de baratas, dessa vez na minha direção. Agradeci.
  - MUITO BEM. Sistema de votação por escrita, estará aqui em cima desta mesinha, poderão votar até as 4 da manhã. - Mostrei a caixinha para entregar o voto. Fiz alguns movimentos mágicos com a mão em direção à Wallace e ele mudou a música outra vez, o mesmo para Britt e a luz da festa agora estava colorida. - ABRACADABRA! Vamos lá.

***

  - e eu ouvimos um fantasma aqui mais cedo, vai por mim, vai dar certo - Dick sussurrou alto e eufórico com o tabuleiro ouija em mãos.
  Estávamos no closet de que, apesar de grande, era próprio para roupas e somente o dono ali dentro. No momento estávamos eu, , o dono, Dick, Wallace, Brittany e Ethan entretidos com nosso novo brinquedinho que roubamos de um garoto chamado Rich.
  Todos estavam um pouquinho alterados pela bebida e eu não tinha certeza se qualquer espírito que morasse no armário de gostaria de falar com a gente nessas condições, poderia ser rude.
  - Pergunta se vamos passar na prova final da Hearst - Britt mandou.
  Todos colocaram pelo menos uma mão no tabuleiro.
  - Pergunta sobre a minha avó - Wall disse animado.
  - Sua avó tá viva - Dick estranhou.
  - Isso não é tipo um telefone? - meu primo retrucou.
  Toda aquela enrolação me fez pensar se eu realmente teria tempo de convencer todos a irem no Drive In comigo mais tarde. Ainda tínhamos muito o que aproveitar da festa.
  - Pergunta se Glee vai sair logo no catálogo da Netflix - pediu um pouco fora da casinha.
   franziu o cenho pra ela.
  - Isso é um equipamento de última geração, só podemos fazer uma pergunta para o submundo, uma pergunta importante. Tem certeza que quer saber sobre Glee na Netflix?
  - Ei, as três primeiras temporadas valem a pena! - ela se defendeu.
  - Será que alguém já morreu nesse apartamento? - Ethan expôs sua dúvida.
  - Impossível - informou. - É novo.
  - Pode ter morrido no momento da construção, nada é impossível, companheiro. - Dick deu uns tapinhas nas costas do amigo.
  - É verdade, tipo aquele filme, a Casa Monstro - o complementou.
  - Ain, só eu morria de medo desse filme? - Wall deu risadinhas medrosas.
  - Seu viadinho - falei pra ele.
  Ele revirou os olhos.
  - Você só não tinha medo porque é toda machona, .
  - Vou te mostrar o machona. - Ia partir pra cima dele e Ethan me empurrou de volta pro meu lugar.
  "Uhhh" o pessoal zoou a briga.
  - Eu não deixava, - Dick ajudou.
  - CHEGA VOCÊS DOIS! - mandou.
  - É, vamos logo que o Dick tá fedendo - reclamou.
  - Ei eu tomei banho sexta.
  "Ew" um coro seguiu.
  - Atenção vou perguntar! - Ethan ordenou e nos posicionamos. - Fantasma do quarto, você é real?
  Que pergunta idiota. Ri mentalmente.
   Uns segundos se passaram e nada acontecia... até que... BOOM.
  A madeira em cima do tabuleiro se mexeu alguns centímetros pro lado e Britt gritou.
  - EU VOU DESMAIAR DE MEDO!
   bufou.
  - Para , sua desgraçada, foi você que eu sei - levei bronca e gargalhei logo em seguida, sendo vaiada por todos.
  - Prende ela logo. - Wallace tentou passar por cima de Ethan pra segurar meus braços e puxou ele pra trás de volta, Wall acabou empurrando Britt sem querer que fez se deitar no chão e Dick se levantou assustado porque sentiu algo na sua perna e acho que foi o meu cabelo.
  - Outra vez, silêncio! - Ethan ordenou bravo. Blá, blá, blá, chegou agora e quer sentar na janela.
  Wallace segurou meus braços pra trás e Dick perguntou dessa vez:
  - Você é real, fantasminha?
  ...nada acontecia…
  Bocejei…
  E pimba. A madeira se mexeu sem que tivéssemos nossas mãos no tabuleiro.
  "AHHHHHHHHHHHHHHHH"
  Uma cambada de adultos dentro de um armário escuro começaram a gritar como bebezinhos desesperados, um atropelando outro, parecia cego em tiroteio, arranquei o cabelo de alguém sem querer pisando na cabeça da pessoa enquanto alguém me empurrava contra a porta que não queria abrir. Certeza que sairía dessa com pelo menos três hematomas.

***

  - Hora de anunciar o vencedor! - se animou no microfone e o pessoal ainda vivo na festa (quem não desmaiou em algum cômodo por estar bêbado ou sumiu com alguma pessoa pra se dar bem) gritou de volta pra ele. - Meu companheiro matemático já fez a contagem da votação e minha assistente trará o resultado.
  Apontou pra mim e me senti a Scarlett Johansson em The Prestige. Sorri largamente como uma assistente de mágico faria no palco e entrei o envelope pra educadamente.
  Eu não tinha lido quem ganhou, provavelmente se eu lesse o resultado colocaria meu nome no envelope de qualquer forma, mas o companheiro matemático também conhecido como Dick foi quem decretou a vitória.
  - Lembre-se, , não vale tanto a pena assim pra dar a vitória okay? - um garoto da Lambda gargalhou olhando pra nós dois no palco e demorou exatos 10 segundos pra eu me tocar que ele estava se referindo a mim. Como se fosse dar o prêmio por me conhecer. Não vale tanto a pena? Haha.
  - Não foi o que seu pai disse - retruquei.
  "Uhhhhh" o pessoal zombou dele.
  - Sai Rich - disse sério apontando pra cozinha.
  - Mas eu só tava zoando - afinou a voz.
  - Sai - insistiu.
  - Mas…
  - Sai.
  O tal Rich saiu chutando o ar e sorri cretina. Privilégios? Se o dono da festa é meu amigo é porque eu mereci.
  - Muito bem, voltando - retornou ao seu bom humor de animador de festas. - QUEREM QUE EU ABRA?
  - SIM! - o coro respondeu.
  - QUEREM QUE EU ABRA? - repetiu e eu poderia chutá-lo. Me lembra o Harry fazendo a palhaçada pra abrir o ovo que conseguiu no Torneio Tribuxo. - QUEREM QUE EU…
  Arranquei a folha de sua mão.
  - Dá isso aqui. - Rasguei o envelope como uma neandertal e minha animação foi destruída ao ler o nome escrito.
  Rachel Olive.
  Votos por pena eram a única explicação. Sério. Tinha um garoto veterano vestido de Freira Grávida dentro do concurso. Como diabos Rachel vestida de Sandy ganharia algo?
   visualizou o resultado e arregalou os olhos pra mim, não sabendo o que fazer. Ele era amigo dela também, mas…
  - E o vencedor é... - abaixei o microfone de - ...LARRY VESTIDO DE JONAH HILL EMO EM 21 JUMP STREET! PARABÉNS LARRY!
  A comemoração foi estupenda. Wallace tinha juntado centenas de pequenos morcegos de brinquedo colocando dentro de uma arma de estourar glitter e misturou os dois jogando na platéia. A música soou alta e o globo de luz voltou a girar.
  Dei os parabéns para Larry sorrindo automática e ainda estava perdido. Deixei Larry recebendo o presente que Dick fez, era uma sacola com salgadinhos, marshmallows e outras coisas que o garoto tinha encontrado escondido na cozinha de .
  Puxei o braço de até uma abóbora com vela dentro e joguei a carta do resultado em cima do fogo.
  - Você não viu nada, Greene.
  Falei observando o papel queimar. Ele engoliu seco.
  - Não vi nada. Sem testemunhas.
  - Muito bem.
  Encontramos uma garrafa de cidra atrás da televisão e aquele objeto seria o início do terceiro round da nossa festa. Fizemos um brinde, eu com a garrafa, ele com a mão em um punho fingindo que segurava algo. Bebi uns goles e dei a cidra em seguida pra ele, que também virou.
   estava uma gracinha, um pouco suado, extremamente cheiroso e a mão era tão grande que cobria o vidro sozinha. Suspirei vendo ele beber e quando terminou, segurei firmemente seu rosto e dei um simples mas intenso selinho.
  Wallace apareceu gritando ao nosso lado comemorando a festa e o segui dançando, deixando o playboy com a cara mais confusa do que antes.

***

  "Não está tarde pra crianças estarem acordadas?" perguntei.
  "Eu sou quase uma mocinha" disse brava, me lembrava o tom de meu pai. "E você me deve por não ter me levado pra pegar doces hoje. Você sempre me leva."
  "Era impossível, foi mal, tampinha" sincero.
  "Tudo bem, fiquei assistindo desenhos esquisitos de Halloween com a mamãe. Mas então você vai me buscar no balé semana que vem?" Dessa vez eu ri. Ela não desistia facilmente.
  "Vou falar com sua mãe. Não prometo nada." Ela comemorou no telefone e nos despedimos.
  Saí do banheiro onde tinha me trancado pra ouvir sua ligação.
  Voltei pra festa e três garotas vestidas de bruxa se apossaram do aparelho do DJ, mixando alguma música em um órgão. Eu estava me sentindo em uma festa do século 17.
  Aproximei-me dos meus amigos que tinham feito uma rodinha de conversa ao redor do ponche vermelho sangue com dedos de plástico dentro da tigela.
  - Finalmente o pessoal tá indo embora - Wallace bocejou. - Mais tarde vamos na casa dos gritos.
  Lembrei que ainda queria dar uma volta até o Drive In pra ver algum filme de terror antigo que estavam passando, e pra isso acontecer teria que dispensar aquele pessoal logo. Wallace estava certo, alguns estavam indo embora, mas mais da metade da festa ainda estava com a adrenalina a mil e eu tinha certeza que só sumiriam no momento em que a bebida acabasse.
  - Tive que trancar todas as portas pra evitar a criação de uma criança dentro da minha casa - disse olhando pro além, perturbado com o tanto de flagras que fiz. - Pude jurar que encontrei uma camisinha usada no meu banheiro. Apenas dei meia volta e fingi que era um rato.
  - Então o pessoal tá se divertindo - Ethan riu fazendo um high five com Dick.
  - Que coisa mais... hétero - criticou.
  - Admita que foi você, - Britt brincou. Mas bem... ficou vermelha.
  - Eu não fiz nada eu... Quer saber, se estão se divertindo por que estão indo embora? - mudou o rumo do assunto.
  - Porque já é quase cinco horas da manhã de uma quinta? A maioria das pessoas já estão mortas mesmo, só querem achar suas camas agora - Rachel, que também estava na roda, falou.
  - Oi gente, tava ouvindo a conversa de vocês e... - chegou animada com o sorriso de orelha a orelha. Até que notou Rachel e sua expressão se tornou puro horror. - Ew, que nojo, é por isso que as pessoas estão indo embora. Até mais.
  E saiu da roda tão rápido quanto entrou.

***

  4:30. Thriller estourava a caixinha de som. Meus amigos mais próximos estavam completamente alterados pela bebida.
   retirou o pano roxo do holofote, ligou contra uma parede e iniciou a coreografia de Thriller.
  Wallace não sabia mais como falar direito.
  Ethan batia palmas pra e dançava como um escocês enquanto tocava gaita no ritmo de Michael Jackson.
   dançava em cima da mesa ao meu lado com Markus em seu encalço.
  - O que ela tá fazendo? - perguntei a Wallace, me referindo a .
  Ele tinha seus olhos apertados, fazendo força pra enxergar alguma coisa.
  - Ela perdeu uma aposta com Ethan. Agora tá agindo como aquela garota de De Repente 30.
  - Hum - murmurei notando Markus atrás de , enfiando sua cara feia no pescoço dela, e logo estaria beijando, se ela não estivesse pulando de acordo com a música. A garota nem parecia notar a presença dele ali e ele parecia um cachorro atrás de um poste.
  Forcei-me a virar a cara e parecia acanhada na música.
  - O que ela tá esperando? O Matt dela? - ri de leve.
  - Sim, vai Ethan, você é o Mark Rufallo aqui. - Wall empurrou o cara, que largou sua gaita no chão e correu ao lado de tentando copiar seus passos. Pareceu mais a dança do robô.
  - está precisando de um Matt? EU POSSO SER O MATT DELA - gritou, pulando da mesa rápido demais, a deixando um pouco tonta e Markus com cara de tacho caindo pelo peso que ficou apenas em seu lado.
  ) não conseguiu dar dois passos, pois escorregou na gaita de Ethan e caiu um tombo feio no chão.
  Assustado, disparei em sua direção e forcei para que suas costas continuassem eretas. Ela bateu a cabeça, poderia ter uma contusão e definitivamente não poderia dormir. E pelo nível de álcool que ela tinha agora no sangue, se deitasse, era tiro e queda.
  A festa tinha parado alguns segundos por causa do tombo dela e Ethan acendeu a luz da sala.
  - Eu tô bem, me deixa - reclamou sem conseguir abrir o olho e me irritei.
  - Tá bem sim, lógico. Vem. - Peguei no colo e o pessoal saiu da frente enquanto eu a levava até o banheiro. Teria que dar um jeito nisso.
  Coloquei ela em cima da pia com cuidado, fechando a porta que abafou quase completamente o som. Um segundo de paz.
  - Eu tô bem , é sério. - Sua voz estava manhosa e não conseguia se segurar em pé.
  - Eu acredito em você - falei segurando seu rosto, olhando em seus olhos. Minha voz agora era tranquila. - Mas preciso checar tudo pra ter certeza.
  Ela suspirou fazendo bico.
  - Tanto faz.
  Em uma vasilha de vidro na pia havia vários pirulitos com desenhos de olho no plástico, abri um e dei pra ela, que abriu um sorriso imediato.
  Seu tutu já estava perdido em algum lugar do apartamento, agora usava apenas uma sainha preta pequena que também era de balé, eu apenas não sabia o nome, o outro eu tinha certeza que era tutu pois minha irmãzinha Lexi já me fez buscar um do outro lado da cidade para seu recital.
  Ri do estado da sua sapatilha branca, agora suja, e desfiz o laço retirando com calma e massageando seu pé em seguida. Notei seu braço arrepiar e sorri sem que ela percebesse. Eu adorava saber que seu corpo sentia o mesmo que eu sentia quando estava com ela.
  Retirei a coroa de seu cabelo e pedi que ela amarrasse tudo outra vez para facilitar minha vistoria. Ela não parecia estar com dor alguma e isso era bom. pegou o objeto de prata e colocou na minha cabeça.
  - Pronto, uma rainha. - Sorriu chupando o pirulito.
  Fingi notar o novo visual no espelho.
  - Realmente, mais fabulosa do que em você.
  Ela fez um som de ofendida e riu. Retirei a coroa e coloquei na pia. Não tinha remédios úteis de verdade na gaveta, então apenas lhe ofereci algo para o estômago, que evitaria cólicas e ressaca no dia seguinte.
  Observei ela tomando água com a pílula.
  - A melhor opção seria vomitar.
  Ela desdenhou.
  - Vomita você.
  - Não fui eu quem caiu da mesa por ter passado dos limites - disse como um mestre cheio de sabedoria.
  - Não tenho limites. E bebo bastante, mas aguento o tranco, cariño. Aquilo ali na sala foi apenas um desvio de rota.
  - Sim, claro - falei com preguiça.
  Procurei alguns lenços umedecidos que tinha por ali e a ajudei a retirar sua maquiagem preta dos olhos que estava borrada.
  - Turn around look at what you see... In her face, the mirror of your dreams - cantarolou baixinho.
  Joguei os lenços usados no lixeiro sem perceber que seguia sua música.
  - Make believe I'm everywhere, given in the light…
  Ela continuou agora animada.
  - Written on the pages - cantei com ela quase gargalhando. - is the answer to a never ending story..... la la la.
  Ela riu, fechando os olhos e mordendo os lábios vermelhos e inchados pelo lenço que passei. Engoli seco tirando um retrato mental daquela cena.
  - Eu simplesmente amo o fato de que você está sempre ocupada mas suas séries estão sempre em dia - comentei acompanhando a leveza no ar.
  Ela deu de ombros, segurando o pirulito para falar.
  - Tenho minhas prioridades, Greene - Sorriu. Passei a limpar suas sapatilhas com lenços e álcool. Por um segundo ela caiu de bunda dentro do buraco da pia onde escorre a água e gargalhou com o susto que levou. Levei um susto igual e a puxei pelo braço, a colocando sentada no mármore outra vez.
  Voltei para as sapatilhas e tinha o olhar vidrado em cada gesto meu. Minha máscara de Arqueiro Verde já tinha sumido faz tempo, junto com o arco e a blusa com o capuz.
  - O que é? - perguntei pro seu olhar curioso.
  - Nada. - Concentrou-se em morder seu pirulito.
   não julgava minha mania de manter tudo limpo. Era ridículo pensar nisso, mas ela sabia que não era porque eu estava achando que ela precisava de um banho ou algo do tipo, era só algo meu, era natural.
  Sabe quando você trabalha o dia todo, está morto de cansado, não trocou a roupa faz mais de dez horas e não tirou os sapatos que estão matando seus pés aos poucos, aí então chega em casa, entra no banheiro, liga o chuveiro em uma temperatura deliciosamente morna e deixa a água varrer pra longe todas as impurezas do seu corpo que coletaram no dia a dia? Era isso que eu sentia quando organizava o espaço onde eu estava. Conseguia ver com clareza quando as coisas estão ajeitadas.
  Terminei de limpar suas sapatilhas e me posicionei para pôr em seus pés outra vez.
  Aquela imagem, eu nos pés de , cuidando dela como um trouxa, a massageando e colocando ela em primeiro lugar na lista de qualquer outra coisa pra fazer? Bom isso era basicamente Greene desde o maldito beijo no ano novo.

***

  Eu o odeio mais que tudo, é isso.
  A gente passa a vida toda construindo uma reputação de durona pra chegar um cara desses e te atropelar igual um caminhão.
  O mais engraçado é que ele é um trouxa, é isso que ele é, porque não faz a menor ideia do quanto me afeta. Ele apenas pensa que sabe, por exemplo minha pele arrepia quando ele me toca, isso ele consegue ver.
  Mas isso não é nada. Nada comparado ao que meu coração sente e o que minha mente pensa.
  Suspirei alto.
  - Fala logo. - Ele riu e terminou de vestir minhas sapatilhas. Cada mão deu um tapinha nas minhas coxas e dei um pulinho sentada.
  - Eu só... sei lá... é um pensamento bem infantil, mas hipoteticamente, se você e eu tipo assim, hipoteticamente, estivéssemos juntos ou algo do tipo, hipoteticamente, acho que você seria hipoteticamente tipo o melhor namorado do mundo.
  Eu nunca mais bebo na minha vida. Eu não estava somente falando besteira como também estava gaguejando na frente do . E ele ficou vermelho. Meu Deus, era o fundo do poço pra nós dois. Tentei consertar.
  - É porque você sabe, tá sendo todo cuidadoso comigo agora. - Fechei minha boca com o pirulito.
  Ele coçou a nuca sorrindo de lado.
  - Quanto maior a musa maior a inspiração.
  Não pesquei. Poderia ter ficado subitamente sóbria, mas minha mente ainda estava fraca.
  - Não entendi o que você falou, meu bem. Minha cabeça não tá boa não, .
  Ele riu sem sentir graça.
  - Você não bebe muito. Por que fez isso hoje? - Quis saber, parecia sincero.
  Respirei profundamente.
  - Acho que estou um pouco nervosa. - Mordi meu lábio. - A prova final. Estudos na Hearst. Trabalho. As Zetas. Família. Você.
  Sorri um pouco constrangida, encontrando seu olhar.
  - Eu? - Suas sobrancelhas levantaram e a voz saiu fraca em meio ao sorriso. - Eu devo ser a pessoa mais simples que você teve que lidar, . Até porque eu aceito qualquer besteira que você joga pra cima de mim, garota.
  - Simples? - chocada. - , você é o mais difícil.
  Gemi escorregando pro buraco da pia outra vez. Todos os machucados dessa noite seriam esquecidos no dia seguinte e eu teria a cara de pau de perguntar pra mim mesma onde consegui tanta marca roxa na minha pele.
  - Estou tentando facilitar. - Aproximou-se, puxando minha cintura pra cima e coloquei meus joelhos em volta de seu quadril, sem apertar. Era quase um abraço.
  - Isso não é facilitar. - Tomei ar.
  - Se a gente namorasse, sabe, hipoteticamente - gaguejou claramente rindo da minha performance há alguns segundos. - Seria algo a menos pra você lidar.
  Mordi um sorriso e dei um soquinho de leve no seu peito.
  - Não acho isso.
  - Por que, hein? Está vendo outra pessoa? - dramatizou completamente puxando o ar, chocado.
  Fiz um som triste demais com a boca e coloquei as costas da minha mão na testa.
  - Eu não queria te contar isso, Luiz Renato.
  Ele fez cara de bravo. Era a interpretação perfeita das novelas mexicanas da abuelita.
  - Eu não acredito nisso. Como pôde, Maria Socorro?
  - Foi tudo tão rápido, Daniel Felipe - gemi em sofrimento.
  - É o Markus não é? - quase saiu do personagem e morri por dentro. De rir. Eu não acredito que ele trouxe Markus pra conversa. Eu sabia que estava recebendo olhares tortos enquanto dançava com o ruivo na mesa, só não sabia que teria coragem de mencionar isso.
  - Como descobriu? Você está me espionando, Jonathan Byers? - Coloquei as mãos na cintura.
  - Ew. - Fez careta. - Estou mais pra Steve, ok? Olha esse topete, não é fácil construí-lo, é como um edifício, pessoas estudam pra chegar perto de ter esse cabelo.
  Colei meus lábios. Ele estava certo. O topete de era um monumento playboylistico incrível. E ele já tinha me contado passo a passo de como chegar nesse estado. Muito secador e muito creme.
  - Não foi difícil descobrir - continuou com a careta melodramática. - Vocês não sabem manter segredo.
  Cuspiu a última frase em desprezo. Era fofinho com ciúmes, e ele estava tentando ignorar isso. Eu sou amiga dele há muito, muito tempo, então já vi ele namorando outras garotas e posso afirmar que ciúme e não são coisas que combinam, isso porque é um evento raro. Talvez por isso ele era perfeito pra mim.
  Se eu tivesse que lidar com um que surrava um cara por noite só porque respiravam o ar perto da eu provavelmente cometeria um crime de ódio contra ele.
  - Bom, você sabe, é meio difícil resistir a ele - referi-me ao Markus, ironicamente sarcástica. - Quando ele faz piadinhas com arroto no meio da sala é como... um fetiche pra mim.
  Ele conteve a risada.
  - Entendi. Uau, eu mesmo não resistiria, eu acho.
  Dei de ombros.
  - Acabou pra você, Hernandez Augusto. - Era como se a música de suspense mexicana da Maria do Bairro tivesse voltado para o banheiro.
   fez som de derrotado.
  - Você o ama, Guadalupe Carmen?
  Reprimi uma gaitada.
  - Não quero falar sobre isso, Juan Carlos.
  - Me fale a verdade, Camila de La Cruz! - Segurou meu rosto com as duas mãos e o teatro esbanjou em sua aura. - Só assim saberei se tenho que desistir, ou não dormirei uma noite completa outra vez.
  - Eu não quero falar sobre minha vida privada com você, Alejandro Luiz. Não te devo satisfações sobre o que faço ou deixo de fazer! - briguei poderosa.
  - Fale, fale, não guarde segredos de mim. Pense no passado que tivemos juntos, o que poderíamos ter vivido. Você me deve isso, Maria Desaparecida.
  A catástrofe viria a tona. Fechei os olhos com dor.
  - Tudo bem. - Levantei minha mão pedindo que parasse. - Eu o amo.
  - OH, NÃO, NÃO, NÃO PODE SER. NÃAAOOOOO! - a fatalidade, a dor em sua voz... Oh meu pobre Augusto Miguel Hernandez Alejandro Felipe. encenou arrancando seu próprio coração e pegou minhas mãos, o colocando em cima. - Toma, é seu. Sempre foi e sempre será. Guarde-o com carinho.
  Levamos um susto quando a cortina do banheiro se abriu e uma garota vestida de Olívia Palito apareceu do outro lado, com a maquiagem completamente borrada de chorar.
  - Não terminem, não façam isso... O amor de vocês é lindo, eu percebi.
  Em um segundo, e eu nos entreolhamos e explodimos em gargalhadas. A garota ficou completamente perdida. Perdi o ar uns segundos e Greene ficou vermelho, provavelmente de vergonha, pois ela testemunhou tudo.
  Senti meu estômago dar algumas voltas e parei de rir, o teto girou e a pior sensação possível se passou em meu corpo. Em seguida, vomitei todo o álcool da festa na camiseta de .

***

  - pegou Ethan e eu no flagra... no quarto dele - soltou, olhando pro além. Estávamos as duas largadas em um pufe gigante na sala.
  - Coitado - comentei sem vida. Um vômito e uma cena traumatizante.
  - Nem foi pra tanto. - Jogou uma almofada na minha cara. - Não estávamos fazendo nada de mais.
  - Eu sei. Mas é estranho, tipo aquele episódios de KUWTK quando a Kim pega a Kourtney e o Scott transando na sacada do hotel. Tadinha. Estaria tudo bem se não fosse a irmã dela.
  - É, faz sentido - concordou.
  Estava quase caindo de sono quando o assunto chegou.
  - Eu convidei dez pessoas, o resto era com Wallace, e parece que ele deu conta do recado. - vestia agora uma camiseta listrada limpa. Deveria ser um presidiário ou um mímico.
  Já falei que odeio drinks? Cerveja é a única coisa que consigo beber com um sorriso no rosto. E neste momento, só tinha coragem de beber água.
  - Na hora que o sinal bateu para troca de salas entre os novinhos da Hearst eu joguei mais de duzentos folhetos de convite no topo das escadas, acho que todos eles conseguiram resgatar alguns papéis enquanto caíam. Plano de um gênio, eu sei. - Wallace, ou Super Choque, respondeu orgulhoso de si mesmo.
   suspirou alto quando viu um chiclete grudado no seu carpete. Pensou em retirá-lo, mas apenas colocou um garoto que estava desmaiado em sua frente um pouco mais para esquerda e pronto, ele não conseguia mais ver o chiclete.
  - Eu tô um caco - gemi com as mãos em meu estômago. O remédio que me deu era bom, mas não tinha vindo do próprio Jesus então não era um milagre. Eu só conseguia pensar que minha semana estava cheia e aproveitaria cada desculpa pra cancelar qualquer coisa.
  Por exemplo, se amanhã estivesse chovendo seria um bom motivo pra trancar a faculdade.
   continuava gostoso, nada novo. Mas no momento eu estava tentando me esconder dele pelo mico que paguei mais cedo no banheiro.
  De qualquer forma, gostoso ou não, aquele beijo na frente da minha casa nunca foi mencionado.
  O momento em que tivemos na minha casa foi perfeito, não estava ligando pra nada, não tinha serviço e hoje era a festa, passei meu tempo costurando e ganhei um bom beijo no final do dia.
  Aí eu acordei com o despertador insuportável me lembrando que a vida real ainda existia e infelizmente eu tinha que lidar com ela.
  Eu sei que dizem que a vida não é fácil, mas puta que pariu.
  - Vamos fazer alguma coisa - Wallace gemeu antes de sentar no meu colo, arregalei os olhos com o peso, mas não tinha forças para tirá-lo dali. - , minha querida prima, me diga, o que é que te aflige?
  - Deve ser a lua - Britt deduziu.
  - Não sou um lobisomem - comentei sem vida. - Eu estou morta, não estão vendo? Já nasci morta.
  - Sua animação é contagiante, - Rachel surgiu do inferno. Deu uns beijinhos em Britt e sumiu. O bem venceu outra vez.
  - Ok, tive uma ideia. - Britt agora vestida de Daenerys depois que destruiu a obra de arte que fiz nela, gritou. - A Casa dos Gritos tá aberta até as sete da manhã! Podemos ir lá…
  - É, ouvi que tá rolando algumas coisas lá essa semana por causa do dia das bruxas e blá blá blá - comentou.
  - Boa ideia, Brittnerys, pena que minha casa tá cheia de gente e não confio nesse povo sozinho aqui - pontuou.
  - Mostra sua autoridade, garanhão! - Dick deu um soco em seu braço. Eu nem chocava mais com sua fantasia de surfista. - Bota essa galera pra correr.
  - É , mostre sua autoridade. - Wallace levantou do meu colo e foi apoiar Dick.
  O mímico revirou os olhos e puxou os dois com ele. Iguinho, Luizinho e Zezinho.
  Assim que eles se foram, comecei:
  - Meninas, ainda são quatro horas, se a gente dar uma passada naquela casa vai sobrar tempo demais essa noite, no caminho tem o Drive In, sabe... Ele tá aberto, passando filminhos velhos de terror... - Fiz cara de pidona. Desde o início minha ideia era essa, até Brittnerys vir com essa de mansão dos horrores. Infelizmente caí no meio de um grupo que só se importava com filmes para menores de cinco anos e que não rolasse susto, segundo Wallace, assistir filme que dava susto era "coisa de retardado".
  Eu só queria um grupinho que assistisse filmes velhos e horríveis comigo, era pedir demais?
  Desde que passei horas decorando - ainda feliz - a loja de roupas onde eu trabalhava, só conseguia pensar que, queria pegar doces e assistir filmes spooky maravilhosamente velhos.
  Eu estava velha demais para os doces, mas na idade ideal para os filmes.
  As meninas olhavam pra mim sérias e sem coração, sem intenção alguma de ceder. Bufei e esperei os garotos voltarem. Usar olhinhos de cachorro que caiu da mudança não eram efetivos com essas mulheres.

***
  - Eu também odeio acordar cedo, ter que tomar café, banho quando ainda me sinto um zumbi e meu espírito está na cama. É normal tudo isso, . Tudo que vira rotina se torna chato e cansativo, mesmo sua profissão do sonho ou o curso da sua vida.
  Estava caminhando com pela noite escura e quente de Los Angeles.
  - Você? Conta outra, cabrón. Você é tão milimetricamente perfeito na sua vida perfeita que acho que você nem precisa mais do sabonete de manhã, é só passar água que se limpa automaticamente, tipo aquele psicopata americano - gargalhou.
  - Adorei ouvir isso. Mas tô falando sério. Seu problema é estar esgotada, eu acho. Nada que algumas férias e terapia não resolvam.
  Ele me apertou um pouco contra ele e cheirou meu pescoço devagar. Nem tentei controlar o arrepio.
  - Você está cheirosa demais.
  Ele ainda me amava depois de eu vomitar nele. Pra informação de todos, escovei meus dentes mais de três vezes depois do ocorrido.
  - Estou?
  - Aham.
  - E nem estou usando perfume. - Sorri presunçosa. Estava sim.
  - Sei disso, amor. - Piscou pra mim.
  Ok... voltando.
  - Então, férias e terapia, uau, soa tão bem. Sabe o que é engraçado? Estava pensando nisso mais cedo, eu banco a terapeuta de facilmente e ela de verdade acredita que eu sou uma boa pessoa pra tomar decisões da vida dela por ela - ri comigo mesma. - Mal sabe ela o fracasso que eu ando.
  - Deixa de ser boba. - Riu e colocou o braço em meu ombro. Brincamos de acertar os passos, pé esquerdo com esquerdo, direito com direito. - Então me diga, cara donzela, é com férias que você sonha?
  Gemi como em um orgasmo. Pensei que não somente férias, mas também sonho com um orgasmo. Mais precisamente, o cara ao meu lado me dando um.
  - Sim, . É isso mesmo. Férias, sumir dessa cidade por pelo menos cinquenta anos. Eu só preciso de cinco desses anos dormindo e tenho certeza que vou acertar meu sono.
  - E pra onde você gostaria de ir?
  - São tantos lugares, Itália, Japão, Portugal, Holanda…
  - Você é nova. Deus sabe que nunca vi uma garota com tanta garra como você, , então acho que cada sonho que você tem, inclusive essas férias e viagens para fora do país em busca de autoconhecimento à là Irmão do Jorel, um dia podem acontecer pra valer.
  Sorri olhando para os nossos pés.
  - Já te falaram que você é um ótimo amigo, ?
  - Hipoteticamente? - Riu debochado e levou um soquinho meu. - Já sim.
  - Quem foi o doido?
  - Você.

***

  Fechado. Drive In fechado. Única noite do ano em que eu teria alguma paz assistindo a Noiva do Frankenstein em uma tela gigantesca e eu perdi o horário. Olha, sinceramente…
  - Poxa... que pena, não é mesmo? Vamos. – fez um bico falso e deu as costas, deixando o grupo para trás. Traidora…
  Wallace riu da minha cara e zarpamos para a fedorenta Casa dos Gritos. Única coisa com que eu ainda sonhava era encontrar o Professor Lupin e Sirius Black lá dentro.

***

  Eu estava de braços dados com , que parecia ser minha gêmea agora com a mesma maquiagem e só cores diferentes na nossa roupa, a não ser pelo cabelo também, e o resto, ou seja, sem parecer minha gêmea afinal de contas.
  Pensa naquelas ruas de filmes de terror, completamente vazia, com muita, mas tipo, MUITA neblina cobrindo tudo, alguns morcegos voando por ali, corujinhas corujando, gatinhos miando e fuçando latas de lixo. Esse era o local em que estávamos agora.
  Os garotos estavam sambando na rua e falando bobagens, paramos em um posto de gasolina antes e todos compraram mais bebida, só assim esqueceria a bagunça da sua casa e Brittnerys com certeza era a mais doida entre nós.
  Essa menina me preocupava bastante.
  Wallace tinha roubado um ukelele do apartamento de e passou o caminho todo cantando canções como o pica pau fazia em cima do pé de pano.
  "There's a place in France where the naked ladies dance. There's a hole in the wall, where the boys can see it all."
  Musiquinhas idiotas de Wallace Sanchez. E não tínhamos ideia de quem era o violãozinho, já que nunca tinha o visto na vida.
  Mais alguns metros por L. A. e tudo ficou mais legal quando percebemos que as ruas estavam fechadas e os postes apagados, assim teríamos que passar pelo cemitério da cidade para chegar até a Casa dos Gritos. Uma noite comum de domingo.
  - Vamos lá! - Wallace gritou animado com os dois garotos correndo atrás dele.
  E assistir filmes de terror era coisa de louco, né priminho. Olhei para e ela olhou pra mim, respiramos fundo, bebemos um gole da garrafinha transparente e tomamos coragem pra entrar dentro daquilo. Era água, mas eu fingia que era vodka, já que eu nunca mais beberia de novo na vida, palavra de escoteira.
  - Sou muito jovem pra morrer, - choramingou.
  - Vamos passar por isso, amiga, vai dar tudo certo.
  - Juntas até o final... - nos encorajamos.
  - Se Deus quiser…
  - Ele nos acompanhará…
  - Jovens demais... demais…
  - É…
  - Cadê seu crucifixo?
  - Não combinava com o look.
  - Muito bem, oraremos até chegar no outro portão.
  "Oh they don't wear pants in the southern part of France. All the men wear glasses to see their ladies' asses."
  Wallace cantarolava em um couro com os garotos.

***

  - EU OUVI EU JURO QUE OUVI INFERNO. POR QUE VOCÊ NÃO ACREDITA EM MIM, BRANQUELO FEIO?
  - - ele berrou também pegando minha cara com as duas mãos, eu olhava puta da vida pra ele. Ele mal conseguia ficar de pé, eu nem entendia mais suas palavras a este ponto. - Amor da minha vida, entenda, eu acredito em você, mas eu não estou vendo nada, você tá vendo? Você não tá mais vendo também, então quer dizer que sumiu. O que os olhos não veem mais significa que a assombração já voltou pro além e estamos a salvo.
  - Ele está certo , o que o coração não vê, os olhos não sentem. É isso que ele quis dizer - Britt falou ao nosso lado tentando me acalmar.
  Eu tinha visto uma luz atrás da árvore, sabe? Juro que vi. Ninguém acreditava em mim. Minto, acreditava, e logo ela começaria a chorar igual uma ambulância querendo ir pra casa e chamando sua mãe.
  - Cara, pode ser o fantasma do seu armário - Dick disse aflito. - Liberamos ele com a tábua ouija.
  - Iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiihhhhhhhh-hiiiiii ouuuuu-iiihhhh - começou. . Choro agudo, ai meus ouvidos. - Ela viu, , ela viu vamos embora, logo os vultos aparecem outra vez e vão levar a gente e... e... eu não tenho mais força pra aguentar tamanha pressão.
  - Com certeza era sua sombra, ... ou seu pai te observando escondido. – Wall fez uma piadinha, mas a deu um olhar mortífero para ele, fazendo-o engolir seco.
  - SIM, EU VIIIIIIIIIIII! – E chorou mais – Eu sou a vítima mais vulnerável, as loiras sempre são as primeiras a morrer... – e abriu mais o berreiro.
  - E as negras? – Britt pensou alto.
  - Calma meu bombomzinho branco. - Wallace abraçou ela e olhei feio pra ele. Ele se assustou e virou a cara.
  - Eu também vi a luz... eu vi... era um sinal. Wallace, pelo amor de Deus, vamos. - Um som de um galho se quebrando explodiu alto atrás de nós e todos gritamos ao mesmo tempo. Principalmente . De uma forma bem... feminina. Arqueei uma sobrancelha pra ele e ele mudou a cara de assustado pra sério, tossindo fraco.
  - Minha garganta tá seca. - Continuei olhando para ele - Tô um pouco gripado, te falei mais cedo... Me deixa em paz .
  Levantei as mãos em inocência e outro galho quebrou. Dessa vez nos abraçamos todos, Dick, , eu, Wallace, Britt e . Nunca vi engolir o choro tão rápido em toda minha vida.
  Arregalamos o olho para o além esperando – rezando – para que algum gato saísse dali.
  O que saiu foi muito diferente.
  Dois homens, em vestes pretas, como dementadores, mas com uma foice, então só poderia ser a própria morte. Esse ali era o nosso fim e toda minha reza pelo cemitério não adiantou de nada. Era isso.
  Meu Deus eu nem terminei de pagar a parcela do meu celular…
  - Não se aproximem, temos uma arma e não temos medo de usá-la! - Wall posicionou seu violão contra os dois.
  - Não temos não, Wallace deixa de ser mentiroso. - Britt ralhou com ele. - Estes homens podem ser policiais! Vão nos levar para a prisão!
  - Estes homens estão aqui para nos levar para Azkaban - Tremi.
  - Eu fui uma boa garota o ano todo! A não ser aquele dia quando…
  - Ai , ninguém quer saber disso agora... - Dick reclamou.
  A loira abriu a boca como se estivesse mais preocupada com a forma que Dick respondeu do que com toda a situação anterior. Olhou para mim e depois para , como se esperasse algum tipo de defesa nossa... a iludida. Tomou ar e então continuou:
  - O que eu quero dizer é que logo será meu aniversário e realmente não estou pronta pra morrer antes de ganhar uma festa super legal, entendem?
  - 20 é igual 19, amiga. Só muda um ano, fica tranquila - Britt tentou tranquilizá-la.
  - Foi o pior ano da minha vida e agora isso, não aguento mais, estou exausta.
  - O pior ano da sua vida até agora. – deu uns tapinhas em suas costas.
  - E tô muito próxima dos vinte e cinco é tipo um passo pros 40.
  - Não se morrer antes – argumentei.
  Os caras na nossa frente pareciam entediados com o papo e estávamos entretidos, até que eles revelaram outra foice, gigantesca, e gritamos outra vez antes de sairmos correndo. Era isso... meu único trabalho agora era não tropeçar.
  Eles nos pegaram em cinco segundos. , Wallace e Britt caíram pela márvada pinga, Dick correu em direção aos caras de preto e eu e na verdade ficamos paradas abraçadas esperando a morte vir sem luta alguma. Na minha mente nós corremos bonito. Estilo Usain Bolt.
  - SAUDAÇÕES CRIATURAS GROTESCAS E NOJENTAS – o cara de capuz gritou em uma voz grossa.
  - Ei cara cuidado, palavras machucam - Wallace se defendeu.
  - HOJE É NOITE DE LUA CHEIA E HALLOWEEN, ACABAMOS DE ENCONTRAR O SACRIFÍCIO QUE ESTÁVAMOS PROCURANDO!
  Tentei me proteger.
  - Eu não valho um centavo, minha mãe sempre diz isso, meu Deus quem iria me querer como sacrifício? Se eu morrer agora só vou deixar boleto sem pagar pra minha família.
  - Não tem nenhuma virgem pra ser sacrificada aqui, vocês estão entendendo? – tentou se livrar.
  - SILÊNCIO CRIATURAS FEIAS!
  - Amado??? - se levantou. - Olha bem pra mim, eu sou bonita!
  - Calada - um deles disse e a loira revirou os olhos.
  - Calado você, macho opressor. Olha que eu te cancelo, viu.
  - Gente vocês acham que essa lama aqui sai com algum tipo de alvejante? O cara estragou minha camiseta... - essa veio obviamente de .
  Meus colegas e os caras de preto começaram uma discussãozinha e bocejei de leve, notando a máscara de um deles quase cair. O cão lá de baixo levaria seus advogados pra terra com objetos escrito Made in China?
  Retirei a máscara de sua cara e gritei em medo. O garoto era mais feio sem ela do que com.
  - Markus? - Dick perguntou incrédulo.
  Ah tá, era o chatão do time de hóquei que dancei mais cedo na festa. O corno que lava o carro sem pagar. E eu achando que eu era a caloteira…
  - Sai de cima de mim. - empurrou os garotos em uma expressão emputecida e me ajudou a levantar. - Que palhaçada foi essa?
  Haha. Ele ficou sóbrio por causa do medo.
  Os garotos começaram a gargalhar e reviramos os olhos.
  - Foi a situação perfeita, tínhamos que aproveitar - Markus continuava gargalhando até ficar vermelho. Feioso bobão.
  - Tu parecia o mais feio ou o mais lindo, mas feio é a gente fazer feio o que tu tá fazendo - começou, Markus parou de rir e franziu o cenho sem entender. Eu já estava preparada pro surto. - Mas sabe o que tá ai dentro de você, Markus? É o demônio podre! É ELE, SANGUE DE JESUS TEM PODER DEMÔNIO! SAI DELE DEMÔNIO CHEIO DE BICHO PODRE!
  - , amada? - Toquei na minha amiga, mas ela deu mais um passo pra frente de Markus.
  - QUE UMA PESSOA IGUAL VOCÊ FOI DEFECADA! TU FOI DEFECADO! DEFECADO PELO PIOR QUE O DEMÔNIO! Mas Deus é o nosso criador…
  Os meninos se entreolharam, sem saber qual resposta dar e segurando a risada. respirava forte e dava pra sentir o seu ódio.
  - SUUUUJO! Sei que pior que você é quem tira as vidas e muito mais, que sequestram e matam! Tiram pedaço! Entendeu?
  Markus olhava pra como se ela fosse louca e não sabia mais se ria ou se chorava, porque ela falava sério.
  - Você é doida ou…
  Mas foi interrompido pelo discurso de .
  - Se eu não tenho Deus, minha vontade sabe o quê que é? - Abriu os braços. - Te pegar, entendeu, e dar pros porcos comer, e depois as fezes mandar quem te pariu engolir, e antes ainda… estrupar quem é tua família toda e te cortar todo em pedaços... se eu não tenho Deus... e coisa pior! E dar pra toda podridão comer porque tu é pior que toda podridão.
  - Ok chega, você é maluca... - Markus quis sair de perto, mas se meteu na frente. e Wallace correram pra segurar ela.
  O medo que ela não tenha Deus…
  - Tu entende o que tu tá fazendo? Vagabundo sujo, fedorento! Pior que o vírus da AIDS ou doença braba, ridículo.
  - Meu Deus, ! - segurou a loirinha que espumava de ódio. - Calma, tá tudo bem, foi só brincadeira…
  - EU TÔ AQUI FAZENDO O PAPEL DE UMA MÃE! TU NÃO SE METE COM CRIANÇA NÃO!
  - Amiga, acho que você já massacrou ele pro resto da vida…
  E realmente, Markus estava assustado e com os olhos arregalados e com o rosto vermelho. Se não fosse um babaca arrogante e prepotente eu juraria que ele estava envergonhado. Mas com medo da com certeza estava.
  O silêncio prevaleceu por um instante, já estava calma e solta. Markus já não parecia que ia se mijar com medo que realmente fizesse jus às suas palavras.
  - Estamos indo na casa dos gritos, querem ir com a gente? - o amigo dele falou. Ninguém liga pro seu nome então o chamaremos de Enzo.
  Respirei profundamente e deitei na grama outra vez. Pronta pra dormir e dar adeus pro mundo, pro inferno com a Casa dos Gritos.

***

   me arrastava pela cintura até chegarmos na frente da casa monstro patética e entediante. As crianças – Wallace, Dick, e Britt – estavam animadas, junto com os outros dois figurantes.
  Nos separamos em três grupos, e passamos por fim em uma das três portas da entrada.
  Estava com Markus e . O primeiro escolheu a minha porta como se sua vida dependesse disso e o outro veio emburrado, provavelmente pensando em Maria Desaparecida e seu amor por Markus.
  Um castiçal brilhante e dourado chamou minha atenção logo no início, estava na parede, e eu toquei nele. Em um segundo o objeto caiu e um rato passou por cima do meu pé, me fazendo gritar e assustar os garotos, que ficaram bravos.
  - Não toca em nada, por favor - pediu e sorri inocente concordando.
  O corredor era o óbvio e esperado, todo escuro e muito comprido, era impossível alguém morar ali, tinha apenas três corredores e era isso? Tudo bem que havia uma escada para o segundo andar, mas já tínhamos combinado que para todos os casos, não existia um segundo andar. Quanto mais alto, mais próximo do céu, e o céu é mais próximo do quê? Da morte.
  Por incrível que pareça, Markus era cara de pau o suficiente para vir conosco e ainda assim soltar piadinhas básicas sobre as Zeta. Normalmente, eu era a quem ficava puta e já partia pra agressão, mas aqui e com esse cara que não parecia ser flor que se cheire, eu preferia ficar na minha.
  A resposta de para cara palavra de Markus porém era o que me deixava apreensiva, eles não se gostavam e isso era óbvio. Eu só não sabia dizer se era pelo desentendimento que o ruivo tinha com ou era algo pessoal entre eles. Eu apostava no primeiro, ignorando qualquer outra opção.
  Em uma das portas Markus se pôs na minha frente, sorrindo para me proteger. Greene olhou para a direção contrária, tentando ignorar aquilo.
  Andamos mais um pouco, o corredor agora parecia um labirinto inacabável. Vimos alguns morcegos de mentirinha, uma boneca Annabelle deformada que parecia a... cala a boca , sua inútil, cadê a sororidade?
  Até que outra Annabelle surgiu do chão, DO CHÃO, inferno. Ela agarrou minha perna e quase caí me segurando em uma estátua que acabou se mexendo também.
  - Sangue de Jesus tem poder. - segurou o próprio coração, me colocando ereta outra vez. Markus retirou com raiva o capacete da estátua e jogou na Annabelle que tinha acabado de escapar rindo da nossa cara. Gritei furiosa:
  - Vaca!
  Por vezes algumas janelas nas paredes se abriam ao nosso lado com alguma surpresinha macabra e depois da terceira eu já estava apática. O primeiro? Um zumbi. O segundo? Um palhaço? O terceiro? Um palhaço zumbi.
  - Eu não acredito que perdi a porcaria do Drive In. - Pensando nisso e perdendo o foco do que estava a minha frente, uma caveira foi derrubada lá do segundo andar diretamente aos meus pés.
  Dei um grito e pulei para o primeiro abraço que me resgatou. Era Markus. Dei mais um grito de pavor e corri para o lado de , que fez careta.
  - Eu não aguento mais. - Entediada, me segurando em uma corda no teto. Brincando enquanto Markus tentava abrir a outra porta. Aparentemente o brinquedo emperrou e não tinha ninguém para nos salvar. Olhei pra corda onde estava e notei que era própria para enforcamento. Me afastei assustada. - Aguento sim, Deus me livre.
  - ? - uma voz gritou do outro lado da parede.
  Abracei a madeira instantaneamente.
  - É você, ?
  - Sou eu sim! Como você tá? - Simpática.
  - Eu não aguento mais o sofrimento da classe trabalhadora nesse mundo capitalista…
  - Não amiga, eu tô falando tipo na casa, como está o passeio aí do outro lado? - perguntou.
  Sentei no chão colocando o ouvido mais próximo de onde estava sua voz.
  - Tá chatão.
  - Ah aqui também. A gente tá indo pro segundo andar agora, esperando o elevador descer.
  Compreendi.
  - Boa sorte amor, não morra.
  - Não morra também, amo você.
  "Garota promíscua, onde quer que você esteja, eu estou todo sozinho e é você que eu quero".
  "Calado Wallace faz trinta e sete anos que você tá cantando essa música".
  "Eu não tô lembrando de outra"
  "Ah eu tenho uma. Eu levo esses manés à loucura. Faço isso diariamente. Eles me tratam muito bem, eles me compram muitos diamantes. Dolce e Gabbana"
  My Humps? Uau, 2005 promete hein galera.
  Ouvi o elevador deles subindo ao mesmo tempo em que Markus urrou como um babuíno doido por ter conseguido abrir a porta.
   sussurrou pra mim:
  - Acho que é automática e só abre quando o elevador do outro lado sobe, mas vamos deixar ele feliz por um momento.
  - Ele realmente acha que fez algo não é? - deu de ombros.

***

  Duas horas depois, ou quase isso, finalmente chegamos ao fim. Nenhum dos meus colegas estava do outro lado então resolvemos sentar na calçada e esperar pelos benditos.
  O ruivo ficou parado em pé encostado em uma árvore e acendeu um cigarro esperando seu amigo também. Foi realmente estupidez ele nos acompanhar, sério, achava que ia ganhar algo aqui? Nesse passeio ele acabou descobrindo que não.
  Qual é, sou eu, . Posso ser trouxa, mas não tanto. Tenho bom gosto.
  - Com a vergonha que estava essa casa, fiquei surpreso com as Zeta vencendo o último jogo, . Principalmente você - riu idiotamente. Antes que eu pudesse mandá-lo para onde o sol não bate, o respondeu.
  - Pois é, Markus, minha garota é persistente.
  Meu coração parou por alguns segundos. Ele conseguia falar isso depois de eu ter vomitado nele. É lindo demais esse garoto.
   O ruivo fechou a cara e virou-se para .
  - Então, seu queridinho amigo não é mais bem-vindo aqui? - Markus riu. - Notei que ele sumiu do grupinho da alegria.
  - Uau, bons olhos. Tá rosnando a essa hora por que, menino? - falei. Eu mesma já estava bem cansada naquelas sapatilhas de balé.
  - Nada, apenas curiosidade. - Ele não estava curioso. Ele estava provocando, e logo conseguiria.
  Eu nunca tinha visto irritado na vida, apenas resquícios de uma briga onde a coisa parecia ter sido feia. Markus estava irritando a noite toda, e eu definitivamente não queria pagar pra ver até onde a paciência de Greene iria. Ele respondeu sarcástico:
  - está muito bem obrigado, provavelmente em casa agora, dormindo com a namorada e pensando em algumas estratégias de jogo que acabarão com você no próximo oficial. Não que você saiba o que é isso, é claro. Sabe... estratégia?
  Bom agora os dois estavam rosnando, o que eu perdi? Além de caloteiro Markus era também mau caráter?
  Eu só queria que a gente pudesse se gostar como antes no ginásio, eu queria poder fazer um bolo de arco íris e sorrisos e a gente comeria ele e seria muito feliz. É pedir demais?
  O jogador se aproximou de , que levantou ao meu lado e se estranharam de vez, cara a cara, a testosterona pulou no local e logo a festa se tornaria um ringue. Markus assoprou a fumaça de seu cigarro contra o rosto de que, como notei, apertou com força seu próprio punho, aí eu realmente abri a boca um pouco chocada.
  Levantei rapidamente e me enfiei entre os dois.
  - Markus, seu amigo não é menor de idade, ele vai encontrar o caminho pra casa sozinho.
  Ele fitou sem expressão por alguns segundos e virou seu olhar para o meu, eu estava séria agora, um pouco preocupada de verdade, ele sorriu de lado e encostou seu dedo de leve no meu queixo.
  - Estarei no posto, avise ele.
  Jogou o cigarro no chão, pisou em cima e se foi.
  Virei para vendo sua cara completamente frustrada.
  - O que foi isso?
  - Isso o quê? - Se fez. Jura? Não colou por muito tempo. Ele bufou. - Eu estava a um passo de lidar com aquele idiota, só isso.
  - Isso mesmo. Isso não é você , você não briga por qualquer coisa.
  - Não é qualquer coisa, . O idiota tá na sua cola faz um tempo. Sem falar do que acha dele e…
  Ele continuava a falar, mas compreendi seu sentimento. Lembra o que falei lá no início? Mexa comigo, mas não mexa com as pessoas que eu gosto? Pois é.
  - Ei - abracei ele com força de uma forma carinhosa e protetora - você bebeu, ok? Tá aborrecido, ouviu piadinhas ridículas a noite toda vindas dele e creio que agora não era um bom momento pra mexer com você. - Um breve silêncio e acho que ele estava pensando enquanto me abraçava. - Viu, você estava certo, não tem isso de perfeição, todo mundo é humano e tem momentos ruins.
  Ele riu contra meu pescoço e eu sorri pra mim mesma percebendo que o garotão não iria me largar do abraço tão cedo.
  - Engraçado você querendo parar alguma briga. - Empurrei ele de leve.
  - brigar é comum, ok? - falei de mim em terceira pessoa, sim. - Eu nasci pra isso, está no meu sangue. Você brigar eu tenho medo da terra começar a girar da forma contrária.
   revirou os olhos.
  - Uma verdadeira anti-heroína.
  Dei de ombros.
  - Antes de fazer algo eu penso "o que Walter White faria?" e tudo dá certo.
  - Aposto que sim. - Ele voltou a se sentar na calçada e me puxou ao seu lado, ri de leve porque quase caí. Eu não era tão baixinha ao seu lado, mas tinha uma pegada que me fazia parecer uma boneca de pano.
  - Walter White chegaria na hora pra ver a Noiva do Frankenstein no drive in - suspirei.
  - Ainda com isso na cabeça? - sorriu se divertindo.
  - Reclamarei até o próximo Halloween. Mas pra isso você estará aqui, me lembrando de ir até ele antes de fechar.
  Seu olhar ficou triste por um segundo tão pequeno que quase perdi.
  - Espero que sim. Ei, que tal isso aqui. - Retirou o celular de seu bolso e abriu um streaming de vídeos, eu gargalhei com a escolha do filme. Nosferatu. - Não temos aquela outra coisa em preto e branco que você pediu, mas tem essa aqui.
  Olhei para ele como se fosse um daqueles filhotinhos de pinscher, simplesmente o cachorro mais fofo do mundo e o apertei com força. Ouvi até um "ai" sair dele.
  - Você vai me esmagar, garota Hulk. Se eu soubesse que me amaria assim tão fácil tinha te levado no cinema antes.
  - Bom, agora você sabe.
  - Vem, vamos assistir até os bonitos saírem dessa casa.
  Estava um pouco calor, mas me aconcheguei contra seu corpo mesmo assim, nos encostando na árvore.
  - Se não morrerem antes.
  Ah, e sim, pinschers são os cachorros mais bonitos e fofos do mundo, não sei se você sabe. Apesar de eu nunca ter tido um e nem pensava em ter futuramente.
  Eu passei a prestar atenção na telinha e no meio do filme o olhar do mudou para a minha cara por um tempo.
  - ? - Virei pra ele. - Sobre o que falamos mais cedo, eu realmente acho que você deveria priorizar você mesma em sua vida. Eu mesmo não gosto de fazer o que todos esperam. Por exemplo meu pai querendo que eu continue a empresa. Eu não quero aquilo e falei isso com ele, sabe? Posso ajudá-lo a encontrar alguém mais capacitado que eu, mas não vou me tornar alguém que não quero ser só para satisfazer sua expectativa.
  - Por que isso do nada? - Fiquei em dúvida e ele deu de ombros.
  - Pode ser que eu não esteja aqui amanhã pra falar isso. - Dei um soquinho em seu braço.
  - Não fala isso, cabrón. - Ele pegou minha mão e deu um beijo quente nela.
  - Pensa nisso ok? Por que priorizar os desejos dos outros quando a vida é sua?
  Aquilo ficou cravado na minha mente até o final do filme.
  Passamos o resto da noite ali, assistindo o filme junto com o pessoal, conversando, comendo qualquer coisa do posto e esperando o sol nascer. Era um dia de calmaria, e isso até que me assustava.
  Afinal sabemos qual é o ditado.

***
De manhãzinha.

  Chegamos finalmente ao nosso quintal, com uma Britnerys completamente traumatizada depois de sair da Casa dos Horrores. Foi literalmente um horror, muito chata, pior coisa que nos aconteceu.
  Enfim.
  Mas a primeira coisa que notamos era que as paredes e porta de nossa casa estavam pichadas. "Perdedoras" “Porcas” “Vadias” “Sugesmundas” - ok, esse me assustou. Quem não sabe escrever sujismundo? – “Vagabundas” e vários outros elogios.
  - Meu... Deus... eu vou... – estava vermelha, ela explodiria a qualquer momento.
  - Quem é o filho da puta que fez isso? – estava revoltado.
  - Nós sabemos bem quem fez isso, – disse apática. Era óbvio que isso tinha dedo da Rachel e com certeza com ajuda do Markus e dos babacas que seguem esses dois…
  Nós entramos em casa, a porta não estava trancada e momentaneamente já imaginava entrando em um território de terror, o assassino esperando o grupo burro pra matar todos de uma vez.. Mas a casa estava só escura e silenciosa, as meninas estavam dormindo.
   se sentou no sofá, tremendo e tentando controlar os impulsos de seguir o caminho até a casa de Rachel e fazer ela limpar nossas paredes com a própria língua.
  - Vocês estão sentindo esse cheiro? – Wallace perguntou, confuso e nós sentimos. Parecia esterco? Terra? Ou muito lixo?
  - Gente? – Dick chamou baixinho, como se estivesse com medo de acordar algo. – Temos um probleminha aqui…
  - O que foi agora, inferno? – levantou revoltada, indo em direção a cozinha e eu fui atrás. Paramos logo na entrada quando vimos dois porcos de tamanhos monstruosos deitados em nosso chão, em silêncio, dormindo tranquilamente.
  Eu gritei, involuntariamente, não controlei. Só berrei e ao mesmo tempo tampou minha boca.
  Os porcos acordaram e de início não fizeram nada. Eles nos encaravam, nós encarávamos eles. Em silêncio. Tá tudo bem porquinhos... podem voltar a dormir.
  - EI! – Morgana berrou – QUE GRITARIA É ESSA? – Entrou na cozinha sem permissão e berrou mais alto ao ver os porcos.
  Os porcos berraram com o berro de Morgana e levantaram no pique, correndo pela nossa casa em desespero. Todos gritamos junto e fugímos, subindo nos móveis para buscar proteção.
  - Gente, o que tá acontecendo? – Abby e Sabrina desciam as escadas e ao verem os porcos vindo em suas direções, berraram cercadas.
  - NÓS VAMOS MORRER! – Sabrina gritava, chorando desesperada.
  - NÓS NÃO VAMOS MORRER, SÃO SÓ PORCOS – berrava mais alto, me segurando com medo que eles subissem no sofá e nos atacassem.
  - QUE INFERNO, O QUE VOCÊS TRÊS ESTÃO FAZENDO? – berrei pros três meninos. – TIREM ELES DAQUI LOGO! – choraminguei.
   e Dick se entreolharam, Wallace resmungou.
  - No três!
  - Um. Você vai primeiro .
  - Dois. Nós vamos morrer cara, vamos muito.
  - Três. Seja o que Deus quiser!
  Os três desceram da mesa e correram atrás dos porcos, cambaleando e tropeçando em seus próprios pés – malditos bêbados – e assustando mais os bichos. abriu a porta, assoviou e os bichos assustados correram para fora, sem nem pensar duas vezes. Ela trancou a porta e sorriu vitoriosa.
  - Vocês três são um fracasso... – e subiu as escadas. – Limpem essa bagunça. Vou dormir, adeus.
  Muita adrenalina pra uma manhã.

Capítulo 10


  Quando cheguei na Casa das Zeta encontrei um bando de garotas com a expressão cabisbaixa, e eu conseguia entender o porquê, mas não era por isso que eu deixaria esse clima tomar conta de nós.
  Fui até Didi para saber mais informações sobre a prova final e ela acabou dando uma pequena pista de que a procura pelo nosso emblema tinha crescido em uma porcentagem incrivelmente boa desde o ano passado.
  Esse era o objetivo dos Joguinhos, afinal, nossa casa ter um reconhecimento maior, e por fim vencer essa droga pra ter o dinheiro e reformar tudo, alcançando novas irmãs e não precisarmos fechar a casa definitivamente.
  Tudo estava dando certo, as meninas estavam circulando melhor pelo campus, criando mais amizades. A festa de Halloween, por exemplo, foi divertida demais, Sandra conheceu um carinha bem gato que conversou com ela pelo resto da noite, e até Morgana teve seu momento de felicidade no karaokê. Foi uma bomba chegar em casa depois de uma noite legal e ver que mais um velho e entediante trote tinha sido aplicado contra as Zetas.
  Parecia ser um drama desnecessário sim, mas é triste ver um árduo e contínuo trabalho ser despejado na lama dessa forma. Lutar pela confiança e popularidade dessa casa, pra no fim nos desrespeitarem mais uma vez, como sempre.
  Brittany tinha brigado com Rachel depois do trote, deu uma balançada no relacionamento das duas e a loira acabou pedindo um tempo. As gêmeas passavam o dia trancadas no quarto e as demais garotas estudavam para o teste final, sem muito entusiasmo. Era como se a fé tivesse sido perdida ali. E eu estava soando dramática como a .
  Felizmente e finalmente, eu trouxe boas notícias.
  - Markus disse que algumas pessoas não nasceram pra vencer - Britt disse triste sentada no sofá. Eu tinha convocado todas as meninas para a sala.
  - Markus é um idiota. - Todas concordamos com a fala de Morgana.
  - Ele acha que as Zeta não são vencedoras? Bom, nós já vencemos os joguinhos. - Abby estufou o peito e se levantou, nos defendendo de alguma forma atrasada.
  Eu sorri.
  - Abby está certa. E sabem por que vim aqui? Acabei de sair da sala de Didi e bom, ela me disse que há boas notícias para o futuro das Zetas. A meta de meninas procurando por nossa casa está quase sendo ultrapassada.
  Elas sorriram surpresas olhando umas para as outras. ficou preocupada:
  - Mas... se tá subindo assim, precisamos reconstruir essa casa logo, gente. A visão das Zetas precisa mudar. Para melhor, é claro.
  - Isso se a gente vencer a prova desse fim de semana, se não... - Sandra comentou pessimista.
  - Bye bye dinheiro - Sabrina a completou.
  - Ainda temos a herdeira aqui no nosso time - Morgana apontou para .
  - Mesada cortada, privilégios cortados meninas, sinto muito - disse triste, ela queria ajudar dessa forma desde o início. Até mesmo tinha se voluntariado para isso antes.
  - Tá tudo bem - Britt a acalentou. - isso aqui é uma casa de irmãs, ok? É um trabalho que precisamos fazer em equipe.
  - Isso mesmo Britt! - Anna, nossa ruivinha querida, se levantou animada e levantou a mão como uma revolucionária esperançosa. - Única coisa que precisamos focar agora é nos estudos, e então vamos conseguir, eu acredito nos nossos cérebros como acreditei na nossa força física.
  Ela caminhou até a estante da televisão e algumas pipocas caíram do cobertor que a tampava; acho que Anna e Morgana passaram a tarde toda vendo desenho e tomando achocolatado com pipoca.
  - Eu até mesmo já fiz uma lista de possíveis assuntos que cairão na prova, vai ser moleza, eu mesma já sei boa parte disso aqui. Anotem comigo: Linguagens, códigos e suas tecnologias. Língua inglesa, literatura, língua espanhola, artes, educação física e tecnologias da informação e comunicação. Um pouco de sociologia, ciências da natureza, química, física, biologia, ciências humanas, história, geografia, filosofia e meu preferido, é claro, álgebra.
  Anna terminou sua leitura olhando com um sorriso gigantesco para todas as meninas e acho que congelamos nossos rostos completamente.
  - Pessoal? - perguntou assustada e as meninas começaram a gritar em desespero. Morgana saiu correndo do sofá para o quarto e Britt teve uma crise mental de falta de ar.
  - É isso acabou! É o fim das Zetas!
  - Ele estava certo, somos perdedoras…
  - E burras.
  Sandra jogou o balde da pipoca em cima da própria cabeça e continuava a gritar. Sua gêmea explodiu em lágrimas e acabou escorregando em uma almofada, caindo em cima de , que neste momento parecia um gambá se fingindo de morto.
  Revirei os olhos pra cena patética e bati palmas tentando fazer uma mudança de foco ali. Não funcionou até que eu gritasse pedindo que a loucura acabasse.
  - Mais calmas? - Elas pararam, enfim, olhando pra mim assustadas. - Ótimo. Perdedoras? Muito bem. Vou mostrar a vocês o que é ser uma perdedora.

***

  - Onde nós estamos? - Britt sussurrou.
  - Por que tá tudo tão escuro?
  - Quando tá escuro significa que não deveria ter pessoas aqui... Não deveríamos estar aqui,
  - , eu tô com medo, vou ligar pra minha mãe vir me buscar.
  - Ei, eu trabalho aqui, tenho quase certeza disso – informou surpresa.
  - Sim gênia, é a biblioteca.
  - Isso é mais que a biblioteca, isso é a sessão reservada.
  - Mané sessão reservada, Sabrina. Aqui é onde eles guardam as tralhas que ninguém mais quer.
  - Vamos guardar o Markus aqui então.
  Rimos como crianças travessas.
  - Ok meninas, fiquem em silêncio, já é madrugada e tem o guarda passeando por aí. Se abaixem. - Notamos a luz da lanterna brilhar nas paredes escuras e Abby acelerou no processo "abrir a porta com um grampo de cabelo". O YouTube estava ligado no celular de com um tutorial de como fazer isso.
  A maçaneta enfim girou e a imensa porta vermelha se abriu. Entramos rapidamente e a fechamos para que o guarda não nos visse. Assim que balançamos nossas lanternas, percebemos o tamanho do local em que estávamos e abrimos a boca em um choque positivo. Qual é, era legal. Parecia tipo a Torre dos Vingadores versão biblioteca.
  A luz da sala foi acesa e aos poucos as lâmpadas iluminavam tudo, parecendo ainda maior. Havia diversos tipos de bugigangas ali, quadros velhos que pareciam ser caros e famosos, as medalhas que a Hearst venceu por toda uma vida, bolas douradas, livros grandes e empoeirados em milhares de estantes.
  Um carpete vermelho revestia todo o chão do local e segui em frente com as garotas em meu encalço.
  Lá estava, a vidraçaria de troféus.
  - , ainda tô tentando descobrir o que estamos fazendo aqui.
  Franzi a testa vendo que não estava ali. Estranho, eu pesquisei na internet…
  Então percebi que haviam mais delas, mas estavam tampadas com lençóis para não cobrir de poeira. Retirei um lençol e as garotas me acompanhavam, até tentando me impedir.
  - Vai derrubar a estante, sua louca.
  - Calma aí. - Tirei mais um e finalmente o nome das Zeta estava impregnado na parte superior da madeira que servia de estrutura para o vidro perfeitamente limpo. Sorri comigo mesma e prestei atenção nas expressões das meninas.
  Lá estava a mistura de felicidade e surpresa que eu previ.
  - Isso é tão legal. - Os olhos de Sabrina brilhavam.
  - Valeu, . - Morgana sorriu tímida.
  - Que vidro lindo - Britt falou encantada. Acho que ela não entendeu o ponto da coisa.
  De qualquer forma, elas realmente não tinham o que agradecer, eu só estava mostrando o que já estava ali, era uma realidade nossa.
  - Fiz minha pesquisa. A Casa Zeta Beta Iota começou pequena, e vemos que ela é pequena até hoje, fisicamente falando. - Parecia uma caixinha de fósforo, qual é, sem ofensas querida casa. - Mas é uma casa forte. Sempre teve garra, nossas antepassadas já venceram mais de um Joguinho, como podem ver.
  Me virei para os Troféus brilhando completamente orgulhosa. Seis vezes vencedoras, e dizem que sete é o número da perfeição, logo este seria o número que marcaria de vez a volta triunfal do nosso emblema.
  - Olha só, a turma de 86, minha tia estava aqui - Anna apontou animada.
  - E a de 90, uau, elas pareciam duronas. - Sandra fez careta para a foto.
  - Esse espaço aqui. - apontou para um lado vazio e tinha um olhar determinado. - Ele é nosso.
  Olhamos uma para a outra e sorrimos. Já estava no papo.
  - Ei, o que estão fazendo aqui? - a voz masculina disse brava diretamente da porta e nos assustamos. Uh-oh, era o guarda. Saímos correndo em direção contrária no momento em que ele correu até nós.
  Nos separamos em duas e acho que dessa forma os distrairíamos. Ou pelo menos metade de nós sairia viva e imune dali.
  - Eu sabia que ia dar problema - Abby disse nervosa e com falta de ar correndo ao meu lado. – A gente vai morrer.
  - Vem logo. - Puxei a mão dela a abaixando atrás de uma mesa já na biblioteca do primeiro andar. Vimos o restante das meninas no meio daquela escuridão e tentava fazer sinais com a sua mão como uma espiã russa em treinamento, direcionando para que lugar devêssemos ir.
  Arqueei uma sobrancelha entendendo porcaria nenhuma e me levantei com as garotas atrás de mim puxando o restante logo para sair dali.

***

  Explodimos em gargalhadas no segundo em que entramos no carro. As meninas também começaram a rir e Sandra e Sabrina tentavam encontrar um lugar melhor para se sentar, uma delas quase arrancou a cara de Morgana com o pé e a outra ficou espremida em um canto. Carro pequeno, muita gente.
  - Foi demais! - Sandra continuava rindo.
  - Ele nunca vai nos achar - disse Abby - eu sabia que ia dar tudo certo.
  - SABIA ABBY?? - falamos todas juntas sarcasticamente. Abby deu de ombros.
   estava silenciosa e perguntei o que havia de errado, até que ela se pronunciou, parecendo um pouco culpada.
  - Gente eu quero... Por mim e pela , meio que... Pedir desculpas.
  - Eu não fiz nada de errado - estranhei.
  - Calada - fechou a mão em minha direção. - Eu acho que no início nós pegamos muito pesado, fomos idiotas, tentamos mudar muito de vocês e sem necessidade. Ao ver aquelas fotos eu percebi que, não importa o ano ou qual turma da Zeta, todas elas são diferentes e possuem suas habilidades mesmo com suas diferenças, não é um banho de make e lojas que vão fazer nossa casa se tornar a número 1. Somos nós mesmas e somente nós.
  Ok, isso foi bonitinho. Ainda assim eu sou inocente.
  - Tá tudo bem. - Morgana deu um sorriso fraco.
  Anna acompanhou tímida.
  - Graças à animação extra e louca de vocês, ontem eu tive o melhor beijo da minha vida, então…
  Sorrimos instantaneamente como mães orgulhosas para a ruiva.
  - VOCÊ O QUÊ?
  - O nome dele é Leo, é a coisa mais lindinha que eu já vi na minha vida e... - Morgana fechou a cara.
  - Tá bom, menina, não precisamos saber de tudo.
  - Sempre um angelito, Morg - disse falsamente.
  - Eu tento - Morgana fez o som de uma cobra saindo pela boca.
  - Voltando! - cortou. - Era só isso mesmo que queria dizer. Eu e fomos idiotas no início e agora vocês são as melhores amigas que teremos na vida pra sempre e fim. Obrigada por tudo.
  Um couro de "aawwnn" se instalou no ar.
  - Abraço em grupo - Britt gritou e tentou de alguma fazer esse abraço acontecer. Acabei levando um soco de alguém e a bunda de Abby estava no colo da . - Garotas eu juro que quando me tornar a presidente de Los Angeles vocês estarão em número dois na minha lista de propina.
  - Por que dois? - perguntei sem tentar achar lógica na sua frase. Essa era Britt, afinal.
  - Porque o dinheiro do meu salário será exclusivo para a pesquisa e observação para enfim encontrarmos o local onde unicórnios estão escondidos. Mas farei isso eu mesma, afinal não quero os seres humanos os encontrando e os tirando de seu ponto de paz.
  - Ah - Morgana finalizou.

***

  Sabe aquela história de "Oh, tem memória fotográfica, ela aprende rápido então não tem com o que se preocupar, as notas baixas são perante as faltas dela, é claro!"
  Primeiramente, eu nunca ao menos pesquisei sobre isso e não sei se "memória fotográfica" é algo existente e com martelo batido da ciência, logo pode ser apenas que eu tenha uma memória ok e é isso. Por vezes ela funciona só com informações inúteis que eu nunca usaria na vida.
  Segundamente, também tem um alto grau elevado de nervosismo, pelo menos agora ela tinha, com essa história de trabalho em equipe, estudar até morrer e assim vão conseguir o dinheiro pra finalmente reformarem a casa das Zetas e se talvez você errar uma perguntinha cairia tudo nas suas costas porque dessa vez o trabalho é em equipe mas a punição é solo.
  Então agora poderíamos dizer que eu estava fechada para reformas. Amanhã de tarde seria o último teste, e desde que levei as garotas para a sala de troféus no segundo andar da biblioteca, eu não havia parado de estudar.
  Lembrava bastante minha época antecessora à Hearst, quando me fechei completamente para a minha família e amigos, era do trabalho para a casa e da casa para o trabalho, apenas.
  Só que agora era mil vezes pior, porque voltamos à questão de que não é só eu, é nossa casa, caramba, aquelas meninas ficariam eternizadas na minha memória e vida, e elas precisavam vencer essa merda, elas mereciam isso pelo tanto que lutaram. Desculpa outros emblemas espalhados pelo campus, mas vocês já possuem sua casa de dois andares, a nossa está lutando para ter um estofado sem furos de ratos.
  Furos estes que estavam me encarando de volta, enquanto eu tentava de uma forma falha me concentrar melhor no livro que estava lendo. História da Renascença, a luta aqui era não dormir.
  Exatas era meu mundo perfeito, guerras e contos de pessoas que existiram antes de eu sequer pensar em nascer, não.
  Uma batida na porta chamou minha atenção e me levantei para abrir.
  Assustei-me. Era Rachel. Que diabos?
  - A Britt está? - perguntou curta e grossa. Sem nervosismo algum, até parece que não tinha levado um pé na bunda semana passada.
  - Morreu. - Ia fechando a porta até que seu pé se colocou no meio. Bufei. - O que você quer com ela?
  - Ela me chamou. - Arqueei a sobrancelha pronta pra zombar de sua cara quando notei a loira atrás de mim com a feição mista em inocência e medo de apanhar de mim. No fim, só acabei desapontada. Mas fazer o quê? O relacionamento era dela, quem sou eu pra dizer alguma coisa. Os conselhos que eu tinha que dar, já dei. Agora era com ela, apesar de lerda, Brittany era adulta e podia lidar com os próprios problemas.
  Sim, eu estava fazendo um monólogo sobre não me importar, meio que anulando a teoria de que não me importo, mas é por que me importo, bastante. Se Rachel tentasse alguma outra gracinha, seria o fim dela pra valer.
  Britt cortou a tensão da jararaca e da surucucu (lê-se eu e Rachel) se encarando e disse que iria terminar de se arrumar.
  Bati a porta atrás da morena e caminhei até o sofá, voltando a me concentrar no meu livro. Britt e eu ainda tínhamos um café marcado para a tarde, eu ia ajudá-la com algumas matérias e íamos conhecer o novo cachorrinho, ops, namorado da .
  Então provavelmente minha querida amiga com uma namorada horrível iria me esperar direto no ponto de encontro, significa que eu tinha mais algum tempo para tentar entender a matéria sozinha. Ter uma boa memória não adianta porcaria nenhuma se eu não compreendia o que estava lendo. Falhei bastante no letramento.
  - Ainda estudando? - comentou com um leve deboche. - Não acho que vá adiantar de algo.
  - Uau, cinco segundos até você ser grosseira comigo dentro da minha própria casa, uau, mesmo, um recorde.
  - Menti em algo? Qual é, os joguinhos usaram habilidade e mesmo assim vocês passaram apenas com sorte. Acorda pra vida, , não tem jeito de vocês conseguirem ganhar isso, tenta falar para sua namoradinha gastar menos com bronzeador artificial e mais com livros.
  Ela estava se referindo a , provavelmente. No momento seguinte me levantei até a cozinha peguei a primeira peixeira que encontrei na minha frente e degolei Rachel com força.
  Brincadeirinha. Haha.
  Sorri maníaca pra ela com esse pensamento em mente e ela ficou um pouco assustada com a encarada que não tinha fim. Rachel por fim deu uma leve tossida assim que suas bochechas ficaram vermelhas.
  - Não adianta olhar assim pra mim, Sanchez. Você está focando na inimiga errada. O trote foi algo básico, o pior obstáculo para vocês vencerem em uma prova que testa a inteligência está no seu próprio time. Eu a amo, sabe, mas ela é burra como uma porta - finalizou sua frase sorrindo maldosa para Brittany que tinha acabado de voltar. A loira agora vestia um tule em cores de arco íris e uma blusa com glitter, parecendo uma criança feliz e colorida.
  Devolvi seu tchau animado, mas a animação não chegou em mim. Engoli em seco e tentei limpar meus pensamentos chatos. Rachel conseguiu o que queria.

***

  Aqueles momentos finais do filme me assustavam, quando o protagonista regredia ao zero para então surgir uma motivação em sua cabeça com dois lados a seguir. A plateia sabe o óbvio, sabe qual é o certo, mas o personagem nessa etapa já estava cansado da vida como ela era e repensava tudo sobre a mesma. Tudo que ele aprendeu estava certo? E se ele fosse pelo outro caminho, o que aconteceria?
  Tudo que eu queria era vencer esse Jogo de uma vez por todas, não somente por mim, aliás, principalmente por elas. E não, eu não estava tentando jogar essa culpa nas costas das meninas por uma decisão minha que talvez fosse burrada... Como é difícil ser eu.
  Suspirei alto tomando meu café. Meu look do dia era uma calça jeans, camiseta branca e boné preto, simples combinando com a minha alma que não estava se permitindo ser criativa ultimamente.
  Era a vigésima vez que eu tentava explicar para a Brittany sobre direitos trabalhistas que provavelmente cairiam na prova, já que era um assunto bastante debatido na televisão no momento em que estávamos, porém nada entrava naquela cabecinha linda dela.
  E eu nem tinha chegado ainda no meu inferno astral. Só estava esperando que aquela prova não fosse tão difícil de aguentar quanto o final de Game of Thrones. Também estava tentando evitar pensar nisso, muitos traumas seguidos em pouco tempo.
  O celular de Britt apitou e ela sorriu com a mensagem.
  - Ethan está vindo. - Bateu palminhas animada. Ok Britt, fodam-se as leis, já entendi. Se eu fosse professora, morreria de fome. Aprendi hoje que esse não era um dos meus dons. Professores do mundo inteiro, meu respeito a vocês.
  Um garoto alto e cheiroso se aproximou sorridente da nossa mesa e o reconheci. Essa aqui era pra ser só uma apresentação formal e ver se ele passava no nosso teste. No caso, meu teste e de Britt. Então sem companheirismo aqui, sem dentes brancos para nós garoto, você não está encontrando velhas amigas, você está encontrando bandidas perigosas.
  - , Brittany! - o sotaque ficou forte no nome da loira. Muito bem, ele venceu, passou no teste.
  - Sente-se agora tudo que você disser pode ser usado contra você em qualquer momento da nossa vida porque queremos assim e será assim - Britt falou brava e ele se sentou assustado.
  A partir disso notei que ela faria o policial mau.
  - Não precisa ficar com medo, criança. Somos só nós, suas velhas amigas do colegial... - encenei muito bem, meu sotaque ficou até mesmo um pouco sulista, brilhei. Já via o Oscar chegando.
  - Hum, ok... - ele estranhou tudo.
  - Eu tenho uma arma embaixo dessa mesa e não tenho medo de usá-la, não ouse se mover dessa cadeira se as coisas ficarem tensas, entendeu? - Britt ameaçou e ele arregalou os olhos, enquanto eu revirei os meus.
  - São só umas perguntinhas básicas, estamos entre família aqui, praticamente. O namorado da minha amiga é meu irmão - sorri.
  - Eu tenho certeza de que não é dessa forma que funciona a árvore geleologica, - Britt tentou me alertar.
  - Nós não estamos namorando... - o desafiamos a completar aquela frase só com um olhar. - … Ainda. Ok, meninas, podem mandar.
  - Nome completo?
  - Ethan Cassius Mason.
  - Idade?
  - A mesma que a de vocês, sabe... Estudamos juntos.
  - Não seja um espertinho, isso não vai te levar a lugar nenhum.
  - Perdão - quase riu com Brittany. - Vinte anos.
  - Quanto você ganha por mês, vai conseguir bancar as bolsas dela?
  - Acho que ela mesma consegue fazer isso - debateu e nós duas uivamos atentadas.
  - Olha só, quanta personalidade. Mas sabe que as mulheres gostam de ser mimadas de vez em quando, não é? - perguntei.
  - Não preciso de dinheiro pra isso. - Colocou os cotovelos na mesa e sorriu de lado. - Tenho um combo completo aqui comigo, se chama Ethan Mason.
  Gargalhei. Horrível.
  - É um cara familiar? - Britt questionou.
-   Tenho mãe, pai, você sabe, irmãos, o resto e tals - disse simples.
  - Já foi preso? - Opa, agora ele ficou nervoso. - Eu não mentiria se fosse você, Mason.
  - Uma vez ok? - suspirou livrando-se de sua culpa e mentira suja. - Estava roubando camisinhas.
  - Não podemos te prender por isso, meu chapa - Britt disse um pouco desolada. Ele ficou incrédulo. Ignorei os dois.
  - Bebe?
  - Socialmente.
  - Fuma?
  - Diariamente.
  - Tatuagens?
  - Nenhuma.
  - Nem uma do seu tempo na prisão? - Britt brincou e ele riu sarcasticamente.
  - Ok, última pergunta, essa é pra valer, extrema dificuldade. É o maior ponto para se conviver com Hudson e assim, não quero ser desmancha prazeres ou algo do tipo, mas você vai ter que batalhar bastante para chegar aos pés do , porque você sabe, ele é meu melhor amigo e já tem meu dedão positivo desde os primórdios, ele costumava a aprender letras de todas as loiras existentes da Disney Channel só pra impressionar a , sabia disso? E não querendo ser mais chata ainda só que -
  - , ele entendeu, vamos seguir com isso.
  A cara dele era impagável, o ciuminho no ar. Ele gostava bastante dela. Sorri satisfeita.
  - Qual o preferido dela, Valentino ou Armani?
  Ele suou frio, demorou alguns minutos pra responder, intercalou seu olhar nervoso para mim e para Britt, sem saber o que responder, até que sua voz renasceu de uma forma fina e sem confiança alguma.
  - Arr-lentino? - a resposta saiu como uma pergunta.
  Bebi o resto do meu café pelo canudo e só o que restava eram nossas caras julgando o garoto sem pudor algum. Deixei o copo na mesa e soltei meu veredicto.
  - Tanto faz, nem eu sei a diferença entre as duas marcas.
  - É verdade, também não sei, mas acho que prefere Vivaldi - Britt concordou.
  Ele respirou aliviado.
  - Nem ligo pra essas marcas mixurucas. Só sei da Marc Fontaine. Já comprou na Marc Fontaine, Ethan? 10% off essa semana, aproveita e fala pra toda família, estou lá de segunda a sexta, menos hoje que é minha folga pra estudos!
  Levantei e deixei um cartãozinho em sua mão, que o deixou curioso. Viu, sou uma ótima empregada.
  - Bom é isso rapazes - me referi à ainda em cena Policial Britt - tenho que ir, está me esperando para mais uma rodada de estudos.
  - Então é isso que os jovens chamam hoje em dia – Britt debochou e revirei os olhos.
  Dei alguns passos para longe até que ouvi a voz da loira mais uma vez conversando com Ethan.
  - Vamos pedir uma coleta de urina para ter certeza de que você não burlou os resultados. - Voltei correndo para a mesa e retirei o potinho de suas mãos. - Britt, ele já passou. Só avisar a .
  Ele não sabia se ria ou chorava. Voltei a falar:
  - E outra coisa Ethan, você magoa a minha amiga, eu corto seu pinto fora.
  - Não esperava menos de você, - sorriu e pisquei pra ele, finalmente indo embora.

***

  - Estudar, no dicionário, está como "adquirir habilidade ou conhecimento", consistem em uma pessoa com material o suficiente em sua frente, todos cientificamente comprovados como verdadeiros, é claro, e muita vontade pra focar neles, sem ter um cara insuportavelmente chato, porém gostoso, tentando tirar seu foco do que é importante. - Fechei o livro com força sentindo sua respiração na minha nuca, ele ia voltar a me beijar ali e eu perderia a concentração outra vez. Inferno de garoto.
  - Não te chamei aqui pra estudar, meu bem. - distribuiu mais alguns beijinhos pelo meu pescoço e tentou alcançar minha boca, na qual eu virei a tempo.
  Madeira velha é o que faz comida boa? Quadro ruim quebra? Tinha algum ditado bom pra isso aqui, forte igual espinafre? Sei lá.
  Só sei que ele estava tentando me beijar há alguns dias, desde o dia seguinte ao Halloween, e eu não dava brecha. Nada pessoal, mas quando envolvia estudos, a jararaca do passado, e acima de tudo bolsista, surgia, e apesar de tentar ser uma boa amiga e... ficante? Não dava certo por muito tempo.
  - Você não me chamou, eu te chamei, eu que preciso da sua ajuda, se lembra? Ou o sangue foi tudo pra cabeça de baixo e parou de pensar por uns instantes? Sinceramente , minha abuela seria mais útil agora - bufei irritada.
  Ele permaneceu calado sorrindo e olhando pra mim, logo soltaria algum deboche.
  - Você fica tão fofinha brava - riu.
  - É isso, sai do meu quarto, some, não volta mais aqui.
  Ele gargalhou de verdade e jogou os livros pro chão, tomando um cuidado maior com seu laptop ainda aberto e me empurrou pra ficar deitada na cama. Estávamos no meu quarto, tentando estudar, não estava funcionando.
  - Você está demitido - ofeguei sentindo seu calor em cima de mim. Era impossível se mexer? Sim, eu queria sair dali? Pergunta mais tarde.
  - Não pode demitir a ajuda - ele riu, passando sua língua pela minha bochecha e fechei meus olhos.
  - Lógico que posso, se não está ajudando.
  - , eu tenho certeza que você já leu o dicionário de trás pra frente agora - falou sério, a voz contra minha carne. - Não tem mais o que enfiar nessa cabecinha linda, a prova é amanhã, tenta relaxar um pouco. Já faz cinco horas que estamos assim.
  Uma voz infantil tentando ser grossa gritou do primeiro andar.
  - , vem aqui rápido!!! Olha a manobra que fiz!!!
  E fazia cinco horas que David estava gritando para ver qualquer coisa impressionante que ele estava fazendo no vídeo game. Era uma partida contra minha abuela, provavelmente ele finalmente estava vencendo. Finalmente. Minha abuelita era radical, talvez fosse mesmo uma melhor opção do que em cima de mim agora, ela estaria me ensinando.
  Ensinando a como fisgar um marido rico, é claro, é mais ou menos tudo que ela me diz hoje em dia, mas quem liga.
  - Já estou indo, só mais uns minutinhos! - gritou para o meu irmão. David ficava por vezes bastante dividido entre ter ciúmes de aqui e querer chutar sua bunda pra fora do meu quarto, ou ter ele como inspiração e mostrar todas as coisas legais que faz para o meu amigo.
  O olhar de cravou em mim outra vez e senti como se estivesse encrencada.
  - Sabe relaxar, ou isso está fora das suas regras de vida? - Tentou colar sua boca contra a minha outra vez e virei o rosto. - Está brincando comigo, señorita?
  Mordi o lábio sorrindo. Sim eu estava.
  - Não adianta - decretou.
  - Não?
  - Não.
  - Por quê? Você não gosta?
  - Ah, temos um problema... Porque eu simplesmente adoro quando você me provoca. Só que isso me deixa um pouquinho fora de controle também, sabe. E qual o ponto disso? No fim do dia nós dois sabemos que vai chegar a hora em que eu vou te comer.
  - Agora você está apostando demais em si mesmo, cabrón.
  - Estou? - duvidou falso. Sua mão foi do meu rosto para baixo, passou de leve pelos meus seios me fazendo apertar as coxas, forçando seu corpo um pouco mais contra mim.
  Seu polegar deslizou pela barra da minha calcinha, minha respiração era audível e irregular. Ele brincou um pouco com o meu minúsculo pedaço de pano com a minha saia ajudando.
  Era fácil sentir sua ereção dura contra minha perna, então também foi fácil ver o quanto eu estava animada com os seus toques.
   lambeu meu pescoço e traçou um caminho pra baixo, até chegar em meus seios. Ele trabalhou para tirar meu sutiã. Suspirei abrindo os olhos e notei a imagem da Demi no teto do meu quarto. Porém ela não estava julgando, ela estava feliz por mim.
  Qual é Demi, eu tenho prova amanhã.
  "Foda-se" ela respondeu de volta.
  - Foda-se - soltei essa palavra e no segundo que ele olhou pra mim o beijei com força e sem cuidado algum. Toquei cada linha de seus músculos e rapidamente tirei sua camisa.
  A minha camiseta foi parar no chão também, e ele praticamente se sentou na cama, me colocando em seu colo onde rocei sem pudor algum. Seus dentes foram de encontro aos meus seios agora completamente nus e não consegui controlar o gemido com o contato da sua língua na parte mais sensível e dura.
  Minha boca já estava inchada e machucada pelo beijo e nós não conseguíamos parar. me empurrou para baixo outra vez e abriu minhas pernas, bem abertas, eu nem fazia ideia de que era tão elástica assim, então seus dedos estavam na minha calcinha de novo, afastando-a e parei de respirar.
  Uma lambida, e tive que me conter, derretendo na cama com minha própria mão em meus lábios me fazendo calar a boca. O sorriso da Demi lá em cima agora parecia ainda maior, combinava com o meu. E dessa vez ela estava de cabeça pra baixo.
  - Vem logo tomar café menina - minha abuela falou do outro lado da porta. - E destranca essa porta.
  Minha abuela.
  Do outro lado da porta.
  Me contorci como doida na cama tentando sair daquela posição e levantar, no meio do meu silencioso pânico e susto acabei chutando a cara de , e não foi leve.
  - Dios mio, cariño, perdoname. - Sua mão tentava aliviar a dor no seu maxilar e soltei alguns beijinhos em seu rosto pedindo desculpa.
  Ele suspirou olhando pro céu fazendo uma careta.
  - Tá tudo bem. Eu só preciso colocar um gelo aqui e acalmar um negócio aqui... sabe, o de sempre.
  Eu sorri um pouco culpada e o abracei com carinho beijando sua testa algumas vezes e dei um selinho em cima da área afetada. - Pronto, agora vai sarar.
   riu com o meu dengo saindo diretamente não sei de onde e me trancou contra seu corpo, em um abraço de urso, sem querer me soltar.
  - Se veste logo e vai atrás do seu gelo, preciso encontrar minha camisa. - Ele me afastou um pouco e olhou pro meu corpo com desejo, suspirou em tristeza e me abraçou mais uma vez.
  - Treze anos pra ter isso pra mim, . E você tirou o doce da boca do neném muito rápido.
  Fiquei vermelha com seu comentário.
  - Vai logo , eu tenho um pé e não tenho medo de usá-lo.
  - Tudo bem, tudo bem. Tome seu tempo, señorita. - Encontrou e vestiu sua camiseta, me deixando um pouco triste. - Markus teve mais tempo com você na Casa dos Gritos do que eu tive a vida toda.
  Resmungou e quase não o ouvi. Revirei os olhos com tanta força que eles quase não voltaram pro lugar. Não era a primeira vez que ele dava uma indireta sobre isso.
  - Amor, sinceramente, procura um terapeuta - soltei.
  - ! - minha mãe gritou um G5.
  - Já vai - respondi vendo deixar o quarto. Só faltou chutar o chão emburrado como o Chaves fazia. Deitei na cama outra vez e tentei processar o que estava acontecendo ali.
  O olhar dele, ah aquilo eu compreendia demais. Treze anos, ele disse. Eu não gostava de romanticamente no início, mas ele sempre foi gostoso. E era o mais velho da turma, o que meio ajudava ainda mais a história do seu lado. Garotos mais velhos são sexy. Ele tinha onze eu tinha sete, era uau, outro nível.
  Porém na adolescência ele já era um cara gostoso que eu não teria problema algum em dar. Nosso laço foi ficando cada vez mais forte e hoje ele era além de tudo meu melhor amigo, uma das pessoas que eu mais confiava na vida.
  Então, sim, eu entendia o olhar dele, porque eu sentia o mesmo. Ter um crush por anos e chegar nessa etapa que cheguei aqui com ele? É pra poucos uma conquista dessas, amiguinhos.
  Levantei limpando meus pensamentos.
  Ao vestir minha blusa acabei tropeçando em algo e me assustei ao ver que era o laptop de . Arregalei os olhos e o peguei com rapidez, colocando em cima da cama para ver se tinha o estragado.
  Ele ainda estava ligado, e o que encontrei foi mais interessante do que esperava.
Flashback on.
   tinha acabado de chegar na Marc Fontaine me trazendo donuts e café preto. A melhor combinação de doce e amargo que existe no mundo.
  – E no fim Didi fez você virar um tutor quando descobriu que você era bom demais para estar na turma só para ser um CDF? - perguntei e ele seguiu minha rota de conversa…
  – Basicamente isso. Desde então, marco aulas com alunos juniores para ajudar no que posso. Tenho uma conta no site dos professores que me dá acesso a coisas que você nem teria ideia... – balançou a cabeça maliciosamente, como se tivesse a resposta pra tudo em seu laptop.
  – O quê? – quis saber, animada.
  – Desculpe. Restrito demais. Exige muita confiança.
  – Eu sou muito confiante. – Fechei a cara.
  – Para mim, sim. Para o sistema, não.
Flashback off.
  Era a conta dele. A prova de amanhã estava na minha frente. Todas as perguntas, a data pronta, inferno, até mesmo as respostas corretas estavam ali. Engoli em seco e larguei o laptop em cima da cama.
  Isso é errado, , errado demais. Não tem porque fazer isso. Parece fácil, mas seria mais difícil... e as garotas estão estudando tanto, elas estão tentando de verdade.
  Até mesmo Britt.
  Parei na porta e paralisei. Britt.
  Um segundo.
  Fechei ela e voltei a sentar na cama. Um segundo e todo aquele material estaria sendo enviado para o meu e-mail.

***
Rachel

3:00h
  Fiz as pazes com a Brittany, não foi tão difícil, no fundo a gente se amava de verdade e não tinha como nos separar. Era algo desde o colégio e não importava a briga, sempre voltávamos. Ela me fazia bem. Sua pureza e inocência era um contraste para minha mente e nós duas dávamos certo. Era bom estar com ela.
  Levantei de seu abraço na cama e fui até a cozinha. Tinha escutado o barulho da porta da entrada bater e a voz de lar sobressaiu do quarto dela. Da luz dava pra ver que ela estava conversando com e rapidamente se tornou uma briga.
  Não liguei para aquilo e enchi um copo com água, bebendo tranquilamente, até entender qual era a pauta da discussão.
  - Isso é ridículo, , não precisamos de um gabarito. As meninas vão nos matar, é suicídio social, coletivo e de caráter - a loira sem graça não sabia se gritava ou sussurrada. Tinha um papel na mão enquanto gesticulava.
  - Foi só uma ideia - se defendeu.
  - Joga no lixo, queima, enterra, sei lá, não quero ver isso na minha frente outra vez. As meninas também não precisam saber que esse objeto maligno entrou nessa casa - decretou e veio em direção a porta. Quase nos chocamos, nem notei que me aproximei para ouvir melhor as duas. Ela revirou os olhos quando me viu e foi até o banheiro. logo acompanhou seu caminho e tive que sair da porta.
  - Virou morcega? - deixou seu comentário antes de partir para o que deveria ser sua casa. Significa que ela não iria dormir ali essa noite.
  Notei que a folha continuava em cima da cama de . Interessante.

***

  Todos os membros de todas as sororidades e fraternidades estavam ali, no final da premiação a prova teórica contava, e muito. Estávamos na frente pra vencer pelos Joguinhos, mas um deslize e estávamos fora aqui.
  O projeto era realmente bem rigoroso.
  Observei o relógio acima da lousa, ansiosa pra que a prova começasse logo.
  13:30hrs
  Seriam cinco longas horas.
  - ...sem rasuras no gabarito, caneta azul ou preta, o de sempre, meus amores! - Didi, nossa monitora por hoje, terminou de explicar as regras.
  15:30hrs
  - Ah, Professora Diane, preciso de uma ajuda aqui! - Rachel gritou do fundo da sala. Bufei tentando me concentrar, ela já tinha levantado para ir ao banheiro mais de dez vezes e agora ia bater papo com a monitora.
  Sua conversa prendeu minha atenção quando observei de lado Rachel apontando para a direção de Brittany. Para sua bolsa ao lado da carteira, mais precisamente.
  Suspeitei do princípio e logo tinham toda minha atenção.
  Didi respirou profundamente, parecendo triste, caminhou até a mesa de Brittany e se agachou, notando um papel no chão. Pela cena, parecia ter caído da bolsa de Britt, que estava aberta.
  - Senhorita Smith, o que é isso? - Diane perguntou, não brava, desapontada. Britt olhou para a senhora completamente alheia sem saber explicar.
  Notei uma mancha de café no papel e arfei. Não tinha como. Não. Não. Eu deixei aquele papel na cama da , ela não ia usar a folha e tinha deixado isso claro, ia direto pra lixeira.
  - Não faço ideia, professora - Britt respondeu.
  - Senhorita, não me tome como tola, por favor. Vamos, levante-se. A folha possui o logo da Hearst, isso é um caso sério que precisa ser tomado como medidas sérias - formulou séria.
  - Juro pra senhora que não sei o que é isso - Britt tentou relutar em ir.
  - Isso é o gabarito da prova, Brittany! - quase gritou. Os alunos ao redor começaram a rir e debochar da cena, como se Britt realmente tivesse sido pega no meio da sua prática.
  A loira levantou e me levantei também.
  - Brittany nunca faria isso, Didi, é uma acusação sem fundamentos - disse encontrando seu olhar. Ela gostava de mim, sim, mas isso já era ultrapassar sua autoridade dentro da sala, e ela não tolerava isso.
  - Estava do lado da bolsa dela.
  - Não foi ela quem colocou.
  - Então quem foi?
  - Rachel.
  Agora sim ela estava irritada.
  - , seu histórico com a senhorita Olive não diz respeito a mim, mas agora você está passando dos limites e levando para algo pessoal com uma verdadeira acusação sem sentido!
  - Eu sei que foi ela, ela roubou essa folha.
  - De quem?
  Eu não deveria dizer. Ia me encrencar. Mas aí eu tinha duas opções, eu ou Brittany?
  - De mim. - Os alunos me vaiaram completamente. Foi um festival. Didi estava mais vermelha que pimentão e mandou todos se calarem.
  - Basta! Voltem a prestar atenção na prova. Todas as meninas da ZBI venham comigo agora. Você também, Rachel.

***

  Não pude ficar na sala. Todas nós estávamos no corredor. As meninas sentadas nos bancos e eu em pé, um pouco mais longe delas, correndo como uma covarde de demais explicações. Era tudo minha culpa.
  Estavam lá dentro apenas Brittany, e Rachel. Quando comecei a explicar o acontecido desde a noite passada praticamente aos berros, com a ajuda das meninas em um coro que fazia a reitora perder a cabeça, fomos expulsas da sala.
  - Por que diabos você fez isso? - Morgana se aproximou de mim, me empurrando.
  - Não encosta em mim - disse puta. Posso estar errada, mas também não sou saco de pancada.
  - Morg, não começa - Anna pediu.
  - Não, ela tá certa dessa vez, Anna. Por que diabos fez isso, ? Jogou Britt para os cachorros sem razão alguma. - Sandra estava incrédula.
  - Eu não... Não foi assim, tá bom? Eu não ia usar essa merda de folha. Não era pra ela estar no meio disso - tentei me explicar, saiu pior do que parecia na minha cabeça.
  - Você achou que a gente não ia conseguir? - Sabrina perguntou triste. - Por que veio com aquele papo de somos vencedoras, então? Somos Zeta e mesmo assim roubou as respostas, porque não confiava na gente.
  - Tenho certeza que ela só estava tentando ajudar - Anna amenizou, ela odiava brigas. Sinceramente, eu não estava em clima pra briga. Em um minuto eu cairia em choro.
  - Pensei que você acreditasse no nosso potencial, , nós confiamos em você - Abby suspirou, se sentando outra vez.
  - É, mas ela não confia na gente! - Morgana riu na minha cara, outra vez invadindo meu espaço pessoal. Ela sabia ser irritante. - Sempre foi assim, ela e , entraram aqui como as privilegiadas, as gostosonas, querendo mudar tudo e mesmo assim nunca acreditaram que um dia chegaríamos aos pés dela, ah não, isso nunca. Fomos apenas um hobbie pra vocês duas.
  - Eu sinto muito tá bom? - gritei pra toda aquela lamentação e continuei com sinceridade e um pouco de nervosismo. Era impossível estar calma sabendo que aquilo poderia terminar da pior forma possível. - Eu acredito em vocês, sempre acreditei. Acho que me deixei levar por outras opiniões e fiz burrada. Nem olhei as porcarias das respostas, embora poderia ter feito.
  Nada iria limpar minha barra daquela vez. Se outra pessoa tivesse feito o que eu fiz, iria demorar pra perdoar. E eu preferiria morrer a dizer que a razão para eu fazer isso foi em boa parte Brittany.
  Nosso foco mudou para as palmas na frente da porta da reitora. Rachel fugiu com Brittany em um piscar de olhos e olhava pra mim batendo as mãos como em um parabéns, o sorriso sarcástico na cara.
  - Quer um prêmio por não ter usado o gabarito, ? - perguntou. - Não faz mais diferença, estamos desclassificadas. Parabéns.
  O choque e a tristeza atingiram todas elas ali. Eu paralisei por uns segundos até voltar a funcionar. Passei pelo lado de Morgana e me chamando de volta.
  Ah, mas isso não vai acabar assim, não vai mesmo.
  Explodi a porta direto para a sala da reitora. Fiz questão de trancá-la atrás de mim para que as meninas não entrassem ali. Meu problema, minha responsabilidade. Campbell estava virada para sua janela gigantesca.
  - É minha culpa, foi eu quem entrei no sistema da Universidade e imprimi a folha. As meninas não tiveram nada a ver com isso. Reconsidere a prova, por elas, por favor. Eu saio da ZBI, fico suspensa, pode baixar minhas notas, eu não ligo, mas por favor não as puna por um erro meu. - Eu estava a um passo de chorar. Inédito.
  Sempre que eu via a reitora Campbell ela era uma rocha, nada por fora. Jesus voltaria para a terra e ela não teria expressão para dar pra ele. Mas no momento em que ela se virou pra mim, depois de ouvir minha suplica, seu olhar caiu para o chão e a vi engolir seco.
  - Sinto muito, .
  Era isso? Tão rápido? Toda a luta... valeu de nada?
  Lágrimas escorreram de meus olhos e eu estava com raiva, limpava-as como se fosse fogo. Chutei a cadeira na frente da mesa antes de me sentar nela e olhar para o quadro de sua sala, chorando em silêncio.
  - Por favor, eu não sei mais o que fazer - pedi uma última vez.
  Ela pensou por um segundo e se sentou, prestando atenção em mim.
  - Você já ganhou uma chance com a nossa bolsa, Senhorita Vega. Sei que foi tudo legal e sem furos, mas você estava lá e a ganhou, desperdiçou essa chance quando parou de priorizar os estudos, e a Hearst não é sobre isso.
  - Minha família precisava de ajuda, eu não podia deixá-los na mão - debati sem acreditar no que ela estava falando.
  - Sei que sua renda é... simples, comparada aos nossos demais estudantes, mesmo assim demos uma chance a você e dia após dia você parece rir disso sem levar a sério, . Diane te ajudou, por vezes você teria reuniões nesta sala e não teve, porque ela te colocava no fim da lista toda vez.
  - Talvez se você se importasse mais com o preconceito de classe que existe nesse colégio contra os bolsistas prestaria mais atenção e descobriria que o problema não sou eu.
  - Quem imprimiu esse papel?
  Engoli seco.
  - Isso não tem nada a ver com o que estávamos discutindo.
  - É o bastante pra mim. Você confessou que imprimiu isso, confessou que já viu esse papel, você acusou uma colega que não quis tomar medidas drásticas contra você e você acredita mesmo que pode sair impune? Como vou saber que já não tinha mostrado para todas as Zetas?
  - Porque eu estou te falando. - Eu me sentia uma criança na sua frente. Ela olhava pra mim como se eu fosse uma.
  Ela sorriu.
  - Não é o bastante pra mim.   Assenti e me levantei em silêncio. Tudo bem.
  - ? - chamou e me virei, segurando a maçaneta. - Tente andar na linha daqui pra frente. Quando pensar em aprontar algo parecido, não leve outros alunos para o fundo do poço, te fazendo companhia.
  A folha estava na mesa, ela apontou para o login que aparecia na impressão. Greene. Eu sabia que ela veria aquilo, mas no fim, nada ia acontecer com ele.
  - Teve sorte de não fecharmos as Zeta completamente esse ano. Lembre-se, , que como Hearst deu a bolsa, ela também pode tirá-la de você.
  Uau... que vaca elitista. Bela madrasta, . E eu tinha a defendido para ele. Joke’s on me.
  - Por que você fala nessa bolsa como se fosse um presente que salvou minha vida? Dios mio, eu não tive o mesmo privilégio de nascer em um berço de ouro como o resto dos seus alunos. Hearst não salvou minha vida me matriculando aqui, eu fiz por merecer. Passar bem.
  Fechei a porta na sua cara e saí de sua sala caminhando divamente pensando na merda que estava minha vida e como iria resolver tudo isso.
  De qualquer forma, se tem uma coisa que meus pais me ensinaram nesse mundo, foi que precisamos trabalhar para conquistar o que queremos. E era isso que eu iria fazer.

Capítulo 11 - Parte 1


  As coisas não estavam tãããão ruim assim não. Eu me considero uma pessoa otimista e acredito que mesmo sem minha melhor amiga, as Zetas desclassificadas e todo mundo com raiva uma da outra, as coisas estavam ótimas!
  Dizem que do fundo não se passa né…
  Mas infelizmente comigo as coisas SEMPRE passam do fundo. E não, não tô sendo dramática…
  E o que fazer quando tudo dá errado, você tá sozinha, sem sua melhor amiga e suas irmãs da irmandade, se sentindo pior que tudo e todos?
  A resposta seria: shopping.
  Nada melhor que ir no salão, fazer boas compras e fingir que nada tá errado enquanto saboreia um bom hambúrguer cheio de carboidratos, boas fritas e um bom milkshake que explode o sabor na boca.
  Mas até esse direito de ter um white girl solution pro meu white girl problem eu não posso mais ter. Por quê? Bom, porque meu pai resolveu me punir por tudo de ruim e de errado que acontece no planeta.
  O Trump fez merda e vai levar um impeachment? Culpa da . A Greta tá salvando o planeta? Culpa da . O presidente do Brasil tá surtando contra a emissora de lá? É culpa da !
  Literalmente, o meu pai surtou porque eu tenho um poster do Leonardo DiCaprio na minha parede e agora ele tem certeza que o Leo botou fogo na Amazônia pra acabar com o Trump…
  Tá muito difícil ser eu ultimamente e nem posso mais ir na casa da , pedir consolo pros pais dela e fingir que eles são minha família.
  Tô cansada de lutar, mãe…
  Então o que fazer se não posso nem gastar todo o meu dinheiro e nem chorar no ombro da minha melhor amiga?
  Já sei!

***

  - Você não me contou o porquê seu pai te deixou de castigo – Ethan disse, enquanto pegava nossas bebidas com a garçonete e colocava no balcão que estávamos sentados.
  Era fofo ele ter me chamado pra ir na lanchonete que tem meu milkshake favorito e me chamado só pra conversar e passar o tempo. Literalmente, era um novo homem... eu acho que tenho o poder de salvá-los!
  - Não foi por causa do DiCaprio né? – Franziu o cenho. – O carinha é do bem, ele acabou de conseguir o Oscar dele…
  - Eu não acho que ele consegue botar fogo na Amazônia... talvez se o Brad Pitt ajudasse. – Dei os ombros.
  Não tinha motivo pro meu pai ter me deixado de castigo, ele só quis mesmo. Na verdade, ele diz que foi porque recebeu uma reclamação do adorável Sr. Johnson que eu falto nas aulas dele e ele vai precisar me reprovar se continuar assim.
  O cara é um psicopata, já tá indo atrás do meu pai!
  A expressão de Ethan depois de ouvir isso era um misto de desconforto e descrença. Sim, nem ele conseguia entender o que se passava pela cabeça do meu pai... e olha que eles nem se conhecem.
  - Uau, seu pai é... difícil.
  - Ele achou que agora que eu e a brigamos, eu entraria nas “rédeas” e ele não teria que se preocupar com a influência que ela tem em minha vida. Mas foi só a palavrinha mágica reprovação que ele surtou. Ficou vermelho que nem pimentão, gritou e decidiu cortar tudo – dei os ombros.
  - Às vezes seu pai é meio extremista né – riu.
  – Só às vezes? – Arqueei as sobrancelhas. – Meu filho, ele me deixou de castigo quando eu era criança porque eu achava que Jesus nasceu, foi crucificado, morreu e voltou tudo na mesma semana. Eu perguntei pra ele e ele quase teve um treco! – ri – Foi a primeira vez que vi as veias do pescoço dele saltarem.
  Ethan riu e engasgou com o seu milkshake. Eu ri dele e engasguei com o meu também.
  Casal que engasga junto = tudo.
  - E o que ele diz sobre você estar comigo? – sorriu provocativo. Coloquei meu canudo na boca e voltei a tomar o meu milkshake, fugindo do assunto.
  Ok, eu não contei pro meu pai sobre isso. Mas é basicamente impossível ter um diálogo com ele durante esses dias, sabia? Tudo pra ele é como a crise tá afetando seu trabalho e isso tá afetando a sua igreja e por isso ele não tem tempo pros meus dramas adolescentes.
  Ethan notou minha mudança de expressão e sorriu surpreso. Havia choque em sua expressão, mas ele não estava ofendido por eu ter escondido isso do meu pai.
  - Uau, eu sempre achei que eu seria tipo um romance proibido que você pula da janela pra me encontrar na época do colegial... mas agora que eu tô me endireitando? Eu esperava mais de você, Hudson... – brincou e eu ri.
  - Você é um herdeiro de algum fiel cristão, homem de bem rico que trabalha na Wall Street? – Ethan negou com a cabeça. – Então meu amor, você sempre vai ser um romance proibido. – Pisquei.
  Ethan deu os ombros.
  - Eu acho que posso viver com isso…
  Dei um soquinho em seu braço e voltei pro meu milkshake.
  - Mas sobre as coisas que aconteceram... o que vai fazer sobre? Precisa de alguma ajuda em algo?
  Dei os ombros.
  - Eu estou em fase de negação agora e tentando pensar positivo. Óbvio que tem uma chance das Zetas nunca se perdoarem e a fugir do país pra nunca mais me ver, mas nem tô pensando nisso... – Mantinha meu sorriso confiante no rosto, que parecia mais um pedido de socorro.
  Help.
  Me.

***

  O drama das Zetas era a coisa que mais estava me deixando exausta, juro, porque eu sabia que de todas as outras coisas havia uma forma de sair disso, mas no caso delas... era MUITO difícil.
  Cada menina seguiu seu rumo depois que brigamos, as coisas não estavam nem perto de um mar de rosas. Mesmo com todas ainda vivendo na mesma casa, elas mal se falavam e quando eram obrigadas a interagir, sempre era com uma indiretinha ou algum veneno.
  O lógico era termos permanecido unidas depois do que rolou com a Rachel e a , mas er…
Flashback on.
  - A RACHEL DISSE, COM TODAS AS PALAVRAS, QUE OUVIU VOCÊS CONVERSANDO SOBRE ISSO! – Morgana berrava com todo o seu fôlego. Não bastava a briga com e todo o tumulto que estava acontecendo, sempre tinha espaço pra mais briga.
  - E DAÍ? – respondi no mesmo volume.
  - VOCÊS SÃO IDÊNTICAS! VOCÊS NÃO ACREDITAM EM NÓS! – E Morgana continuava.
  - AH, VAI SE FODER MORGANA! VOCÊ ERA A MAIS DO CONTRA, SEMPRE CRITICANDO E COM CARA FEIA. ELAS PELO MENOS TENTARAM! – Sabrina se meteu.
  - EI, NÃO GRITA COM A MORGANA. ELA PODE TER RAZÃO! – Sandra brigou com a irmã e as duas começaram sua própria discussão por motivos não relevantes.
  - GENTE, CHEGA! – Anna bateu o pé. – Do que adianta ficarmos brigando agora? Mais do que nunca temos que permanecer unidas!
  - UNIDAS? – Morgana riu. – Estávamos mais unidas antes dessas duas entrarem e estragarem tudo!
  - CALA A BOCA MORGANA, MEU DEUS COMO VOCÊ É CHATA E INSUPORTÁVEL, QUE SACO! – berrei e as meninas me olharam chocadas. – Meu Deus, eu não tenho culpa do que a fez e acho que nem ela quis que as coisas ocorrem assim, mas ok, vocês podem nos culpar o quanto vocês quiserem. Mas não se esqueçam que se vocês são as garotas que são hoje, se vocês tem amizades, se vocês saíram dessa bolha solitária e vazia que vocês viviam, nas sombras de TODO MUNDO, sempre sendo tratadas como as “esquisitas” e ignoradas, não se esqueçam que foi graças a e a mim! E nós nunca desistimos de vocês, mesmo fazendo a maior merda de todas, nós sempre insistimos em vocês. Se isso não é o bastante, se eu não passo de uma pessoa superficial e horrível como a Morgana sempre quer reforçar quando eu erro, então não vou mais atrapalhar a vida de vocês com a minha superficialidade – e saí.
Flashback off.

  Mesmo depois dessa discussão, não foi ainda o fim. Brittany me contou que depois cada uma brigou com a outra, sem motivo. Não havia mais razão pra briga, mas nunca duvide de mulheres raivosas e magoadas.
  E isso acabou causando o nosso disband. Mas por pouco tempo, porque eu estava cansada disso. Estava na hora das Zetas fazerem uma tour de reunião.

***

  - Você acha que elas veem? – Anna estava apreensiva, arrumando a mesa com as melhores guloseimas e besteiras que fizemos para selar a paz.
  - Eu fui bem convincente nos meus argumentos... – Britt sorria orgulhosa. O que ela chama de argumentos foi deixar bilhetinhos nos armários, carteiras, mochilas e o que fosse das meninas chamando para tomar um chá da paz. O “não” não era uma resposta.

VENHA PARA O CHÁ DA PAZ DAS ZETAS
SUA PRESENÇA É ESSENCIAL
MARQUE SUA RESPOSTA
( ) SIM EU VENHO
( ) SIM EU VENHO
  A ideia da Britt foi até a melhor que poderíamos ter e com sorte tomaríamos todo esse chá sem nos matarmos, faríamos as pazes e o final feliz.
  Elas só precisavam chegar…
16h00
  Estava na hora. Eu e Anna estávamos sentadas no sofá da paz, enquanto Brittany ficava na porta esperando as meninas baterem. Britt teve a ideia de fazê-las dizerem uma frase como senha antes de entrar, assim mostrava que estavam realmente cientes de só trazer a paz e só viriam para que pudéssemos nos resolver.
  Eu sou um unicórnio, você é um unicórnio?
  Assim que a Brittany abriu a porta para a primeira convidada a chegar, nossos queixos caíram. De todas possíveis, eu jamais esperaria que Morgana fosse a primeira.
  - O quê? – ralhou. – Eu senti a falta de vocês – e se sentou no sofá. Anna pulou em seu colo, dando um abraço de urso na amiga.
  O resto foi chegando aos poucos. Sabrina, depois Abby e por fim Sandra – que parecia que era a mais magoada de todas.
  Só faltava uma, mas essa deixamos quieto por enquanto, até que todas notassem sua falta e perguntassem dela.
  - Ok, cadê a ? – Sabrina foi a felizarda.
  - Ela não vem. – Britt deu os ombros desapontada.
  - Por quê? Vocês não chamaram? – Abby franziu o cenho.
  - Melhor mesmo... não tô pronta pra perdoar ela ainda – Sandra fez careta.
  - Ela vacilou feio mesmo... – Abby concordou.
  - Vacilou? Ela nos fodeu bonito, isso sim! – e o veneno da Morgana escorreu.
  Revirei os olhos.
  - Ok gente, vamos com calma também, tá? Ela errou, mas errar é humano, permanecer no erro aí é diferente – disse e as meninas abaixariam um pouco a crista. – E eu não chamei pra gente criar um clubinho “odeio a ” não, tá?
  - E chamou pra que então?
  - Brittany... – fiz as honras.
  - Esse é o chá da paz! – Seus olhos brilhavam. – Não podemos deixar a Zeta morrer, meninas. Nós lutamos tanto e mesmo com as forças do mal tentando nos derrubar, não podemos deixar!
  - Nós sentimos muito pelo o que aconteceu, juro, mas não acabou, gente. Fomos longe demais pra desistir agora. Podemos ter pedido o troféu, mas ainda temos nossa casa e com certeza mais de trinta meninas que adorariam entrar aqui – continuei.
  - Quem vai querer entrar na casa das perdedoras que foram desclassificadas por colar? – Abby se entristeceu ao relembrar.
  - Gente, teoricamente a gente não perdeu. – Dei os ombros e as meninas arregalaram os olhos. – O que, gente? Nós vencemos os joguinhos, só não vamos receber o prêmio e fomos “desclassificadas” por causa do que rolou, mas na teoria nós fomos a casa mais foda de todas e vencemos e isso foi por mérito próprio de todas nós aqui. Então, eu tenho certeza que ano que vem vai chover meninas querendo fazer parte das Zeta.
  - É, assim parece mais legal... – Sandra sorriu.
  - Então vamos fazer um juramento! – Abby levantou o seu cookie. – Não importa o que aconteça, quem errou e o quão chateadas estamos, nós vamos passar por essa e fazer o legado da Zeta Beta Iota continuar, igual vimos na biblioteca. Não precisamos nem do dinheiro e nem do título! Ano que vem, a Zeta vai triunfar! E o mais importante, nós vamos permanecer juntas, ok? Aconteça o que acontecer. Estão comigo nessa? – Nos entreolhamos e pegamos cada uma um cookie, fizemos um brinde com nossos cookies para comemorar a nova era das Zetas e as coisas finalmente dando certo.
  Até que claro, os ratos viessem fazer uma visita por causa dos doces.

***

  Depois que a Britt repetiu a palavra paz e desejou unicórnios pra todas, as coisas pareciam estar melhorando. Claro que ainda não fez as pazes conosco, as Zetas ainda estavam falidas e meu pai me punindo sabe-se lá o porquê.
  O meu maior problema agora que precisava de uma solução rápida era um só: o professor Johnson.
  As coisas haviam ido longe demais. Desde basicamente da primeira semana eu não ia em suas aulas e meu pai nunca ficou sabendo. Basicamente porque a Didi havia conversado com a minha mãe sobre isso apenas e o assunto já estava “resolvido”.
  Só que então, magicamente, esse cara aparece e vai atrás do meu pai pra vir se queixar que eu não apareço em suas aulas, mas fez questão de deixar escondido o meu “trabalho” forçado como sua assistente que eu também faltava.
  Ele havia passado um limite e chegado a ponto de sei lá, um tipo de uma obsessão e perseguição doentia que eu botaria um fim de uma vez por todas.
  - Sr. Johnson? – o chamei adentrando na sala. O homem tirou os olhos de seus livros e se virou pra mim, com uma expressão não muito simpática.
  - Senhorita Hudson, você por aqui? Se estivesse cumprindo com seus deveres, saberia que hoje não preciso dos seus serviços – seu tom era seco, ríspido. Ele estava de mau humor, ótimo, eu mereço.
  - É sobre isso que vim falar com o senhor... – Permanecia parada, na porta. Qualquer coisa diferente eu sairia correndo pra fora. – Eu vim me demitir.
  Uau, era ridículo repetir isso. Isso nem era um emprego sério e eu nem precisava vir aqui dar satisfações.
  - Como? – Sua expressão mudou para algo pior.
  - Eu sinto muito, mas eu ando muito ocupada com minhas obrigações dentro da universidade e envolvendo minha irmandade, então, não dá mais... – Por dentro meus olhos já estavam dando uma volta 360 por ter que dar satisfações da minha vida à ele. – Obrigada pela oportunidade, só vim avisar mesmo.
  E adios.
  - Eu não aceito – se levantou. – Você não pode se demitir. Sou eu quem mando e você vai ficar!
  - Sinto muito, mas você não precisa aceitar... isso não é um trabalho oficial, então, meio que... você não é meu patrão.
  Ouvi uma voz dentro de mim me mandando calar a boca, não provocar quem é mais forte aqui, mas mesmo assim fiz. E me arrependi quando sua expressão mudou para uma realmente assustadora.
  - Eu não sou seu patrão... – riu de forma assustadora. – Sabe quantas meninas matariam pra estar no seu lugar? Quantas realmente queriam tanta atenção e prezo que eu te dou? Você realmente não sabe aproveitar... Você é mimada!
  Ok, eu não sei se é o momento mais oportuno para dizer isso, mas acredito que nenhuma alma viva da Hearst quer isso não. Desculpa, mas esse cara tá muito louco das ideias.
  - Você acha que pode usar e abusar de todos? Brincar com eles, dar esperança e depois... – riu nervoso. – Não pode! – bateu a mão na mesa e eu me assustei – Eu te ensinarei a ter!
  Ele estava realmente me assustando, mas ao mesmo tempo estava me dando nojo. Uma raiva que eu nunca senti.
  - Você não vai se demitir, tem muitas coisas ainda que a senhorita me deve e eu vou tê-las. Se sair, eu a reprovo. Eu a faço se arrepender. Não sou como esses moleques que você trata como quer, senhorita Hudson. Eu sou um homem e estou depositando muito do meu tempo, da minha paciência e de todas as minhas boas intenções em você... – Veio para mais perto e eu apertei a maçaneta com força. – Está na hora de mostrar um pouco de gratidão, .
  Odiei a forma que ele disse meu nome, senti uma repulsa maior que o mundo. Mas eu mantive minha cabeça erguida e usando toda minha força pra não me mostrar assustada. Ele era um predador, eu precisava parecer mais forte que ele.
  - Você é louco.
  - E você é uma vadia ingrata, que tal?
  Foi por impulso, minha mão se levantou e eu dei um tapa em sua face. Não tive noção de minha força até que ouvi o estalo de minha mão em seu rosto.
  Minha cabeça estava girando, eu conseguia imaginar ele fazendo milhões de coisas comigo depois disso e eu sentia o medo querendo vencer, mas eu não deixei. Eu não deixaria ele encostar em mim.
  - Se encostar um dedo em mim eu vou gritar... a universidade tá cheia e todos vão me ouvir e você vai ser preso.
  Johnson não fez nada, ele apenas saiu de perto e voltou para sua mesa, em silêncio.
  - Acredito que nossa conversa acabou, senhorita Hudson. Prepare suas coisas, eu vou te reprovar e fazer sua estadia na Hearst muito pior. É melhor procurar outra universidade, um lugar que aceitem seu tipinho.
  Não era justo. Ele era doente, um homem nojento e desprezível que estava querendo me assustar, me fazer implorar por sua misericórdia. Mas ele não teria isso. Ele não sabia com quem tava mexendo.
  - Reprova. – Dei os ombros. – Isso se você tiver coragem... ou você se esqueceu de quem eu sou filha e de quem minha família é relacionada? Eu quero ver explicar pra todos que me reprovou porque é um doente obsessivo, perseguidor e assediador! Que lindo isso seria pra sua imagem perfeita. Você não tem nada contra a mim para me ameaçar ou me assustar. Eu não sou e nem nunca serei um objeto pra sua obsessão doentia e pode ter certeza que eu serei a última aluna que você, seu porco imundo, vai ousar importunar. Prepare suas coisas, professor, porque eu vou te fazer ser demitido... ou melhor... – sorri. – preso.
  A expressão do homem fechou e pude ver um resquício de medo. Ele não era intocável. Pode até ter certo poder no campus para fazer o que quiser e não pagar por isso, mas não vai ter poder sobre mim, sobre minha vida e eu não vou viver meus dias com medo dele.
  Ele vai se arrepender de ter levantado o tom pra mim. E não só por mim, mas por todas que vieram antes de mim, porque não precisa pesquisar pra saber que ele tem um histórico.
  Sr. Johnson é um desgraçado doentio e vai pagar por tudo isso.
  - Fora daqui – mandou e essa foi a única vez que eu o obedeci, porque eu saí da sala como um furacão, tentando me segurar. Eu queria chorar, mas ao mesmo tempo eu estava energizada com uma onda de força que me faria explodir a qualquer momento.
  O tempo parou quando passou por mim, ela me viu e não precisou de muito para perceber, eu sabia que ela havia entendido. Mas não houve troca de palavras de ambas as partes, ela só seguiu seu caminho e pela forma que conseguia ver seu corpo tenso temia que pudesse fazer algo sobre isso.
  Não tive nem tempo de recobrar a consciência, de assimilar o que estava acontecendo, Rachel veio em minha direção. Ela tinha fúria em seu olhar.
  - O que você disse a ela? – Me empurrou e eu bati minhas costas nos armários. Arfei. – Eu sei que você disse algo, você sempre tem que se meter na porra da minha vida!
  Eu não sabia do que ela estava falando, não fazia nem ideia e não deixaria ela encostar um dedo em mim.
  - Não encosta em mim, sua maluca. – Empurrei de volta, com mais força. Ela cambaleou e quase caiu pra trás. – O que eu poderia dizer? Que a namorada dela é manipuladora, falsa e má? Que preferiu ferrar a irmandade da própria namorada que tentar ter uma vitória justa?
  Um grupo de pessoas apareciam, formando uma pequena multidão entre nós. Uns incitavam briga, outros só estavam muito entretidos.
  - Quem é você pra falar alguma coisa de manipuladora? Você é o pior tipinho que tem, ... se faz de santa, mas é a pior das vadias!
  Não caí na pilha. Não estava na vibe para isso agora.
  - Não enche Rachel, vai cuidar da sua vida. – Quis sair do círculo, mas ela veio atrás de mim.
  - Menti? É tão baixa que até em cima do professor tá dando... Não me chocaria se dissessem que acabou de sair de sua sala depois uma rapidinha com ele…
  Acabou, eu vou quebrar a cara dessa vadia.
  Voei pra cima de Rachel, estapeando-a e empurrando-a até os armários. Ela me segurou e eu fui junto. Segurava em meus cabelos, puxando-os com toda a sua força enquanto gritava. Eu gritava junto, segurando os dela.
  Giramos pelo chão, uma hora ela estava por cima e eu por baixo. Então mudava e eu ficava por cima.
  Então aconteceu, mais rápido que eu jamais esperaria. Rachel socou meus seios, de uma forma que nem eu sabia que seria possível e eu retribuí, errando o ponto e socando – acidentalmente – seu nariz.
  Mais uma vez não tive noção da minha força e só me toquei quando já era tarde demais. Parei no mesmo minuto, levando minhas mãos até minha boca sem esconder o choque de vez a garota por baixo de mim, com as mãos no nariz e resmungando de dor.
  Os meninos do time de hóquei perceberam que a situação foi longe demais e me puxaram pra cima, me tirando de cima da Rachel. Outros ajudaram ela a levantar, enquanto acudiam seu nariz que não parava de pingar sangue.
  - O QUE ESTÁ ACONTECENDO AQUI? – ouvia o berro da reitora vindo atrás de mim. Fechei meus olhos.
  E vem aí.

***
Ethan

  - Então, o que você me diz? – Dick sorria, de orelha a orelha, tentando me convencer de algo que jamais aconteceria.
  - Não cara, supera.
  O meu amigo fez bico.
  - Pô, cara, por favor! Eu preciso muito disso!
  - Eu não vou emprestar meu carro pra você fazer sabe-se lá o que, Dick. – Neguei com a cabeça. - E outra, você já tem um carro.
  - Mas o meu essa pessoa já conhece, eu queria inovar, sabe? – e sorriu malicioso.
  - Não, nem fodendo. Eu nunca vou deixar você usar meu carro de motel!
  - Eu pago!
  Arqueei a sobrancelha. Bom, agora a conversa seguiu outro rumo então.
  O loiro tirou do bolso sua carteira e me entregou uma nota. Cinquenta pratas, sério?
  - Assim você me ofende, Dick…
  O rapaz bufou.
  Tirou mais uma de cinquenta. Neguei. Mais uma. Neguei de novo. Então deu mais uma de cinquenta.
  - Duzentas pratas? Você pode fazer melhor que isso, Dick... – incitei meu amigo e ele assentiu, animado. Ele estava se sentindo.
  Tirou todo o resto das notas que tinha na carteira e umas moedas, me entregando tudo de uma vez.
  - É tudo que eu tenho, cara.
  - Duzentas e oitenta e cinco pratas e setenta e cinco centavos? – Franzi o cenho ao meu amigo e ele abriu o maior sorriso do mundo. – Muito obrigado, é incrível fazer negócio com você.
  Dei as costas.
  - Ei, e a as chaves?
  - Dick, você realmente subestima minha inteligência? Mas obrigado pela grana, agora posso levar a minha garota pra jantar num lugar foda. – Sorri ao meu amigo e saí andando.
  Mas antes de sair de muito perto, parei, pois vi vindo em minha direção. Ele era um furacão. Assim que parou em minha frente eu já estava preocupado, nunca havia o visto assim.
  - Tá tudo bem? – perguntei.
  - Ethan, você precisa vir comigo agora! – disse rápido. Fiquei um pouco apreensivo.
  Entendam, eu e nunca fomos amigos, nós nos odiávamos e era nitidamente por motivos estúpidos, mas para o cara vir até mim parecendo que algo muito sério estava acontecendo, o assunto era óbvio: .
  O único motivo para falar comigo e eu responder sem trocarmos nenhuma ofensa ou pior.
  - O que houve? Ela tá bem? – Agora eu estava desesperado. As coisas não estavam bem pra nos últimos dias e estava com medo dela estourar de alguma forma.
  - Ela quebrou o nariz da Rachel, cara.

***

  - Senhorita Hudson... eu não tenho nem palavras para descrever o tamanho de minha decepção – começou a reitora. Eu não olhava para seu rosto. Ia deixá-la falar, não iria retrucar. – Se fosse sua amiga, a senhorita Sanchez, eu até entenderia. Mas você... como pôde? Eu deveria lhe expulsar!
  Eu estava irritada, nunca senti tanta raiva na minha vida. E não, eu não me arrependi do que fiz e nem pediria desculpas por isso. Cansei de fazer tudo certinho pro bem de todos e da nação, nunca faço bom o bastante.
  - Fale algo, senhorita Hudson! Me ajude a entender o porquê agiu dessa forma, ou você não me dará outra opção a não ser puni-la severamente!
  - Ok, a senhora quer saber o que houve? – comecei – A Rachel que começou me empurrando, puxando briga comigo pra descontar seus problemas amorosos. Simples assim. E depois me acusou de estar tendo um caso com um professor. Tá bom ou precisa demais?
  A reitora me encarava com uma expressão de tédio, porque pra ela isso era apenas uma desculpinha de adolescentes fúteis para justificar brigas desnecessárias. Eu sei.
  - E mesmo assim, você acha certo bater em uma aluna e quebrar seu nariz?
  - , você não é assim... o que houve? Nos ajude, nos explique o que está havendo. – Didi, que estava na sala, se manifestou.
  Ela tava certa, eu não sou assim. Eu não bato nas pessoas, eu não surto sem motivos. Mas eu tava na porra do meu limite e com razão!
  - O que tá havendo? Que tal, o professor Johnson sendo um assediador e perseguidor durante um ano inteiro? Eu simplesmente não aguento mais! – disse de uma vez e logo em seguida veio o silêncio, junto com a expressão de choque da reitora.
  Didi não tinha expressão surpresa. Será que era possível ela já saber disso?
  - Por que acham que eu falto nas aulas dele? Porque ele é desagradável! No começo eu achava que era uma coisa, sei lá, sem maldade. Mas ele é louco, ele é doente. E eu sinto que fiquei quieta por tempo demais. Tenho certeza que eu não sou a primeira e nem serei a única e não posso deixar ele continuar fazendo isso!
  A reitora estava séria e me olhava, tentando decifrar se havia alguma piada no fundo ou se fosse alguma forma de me safar do que fiz.
  - Você tem como provar?
  - Eu tenho mensagens que ele me mandava. – Tirei meu celular da minha bolsa e a entreguei. – Eu nunca respondi uma e mesmo assim ele enchia meu celular de mensagens estranhas e fotos! Até atrás do meu pai ele já foi, por Deus, ele não tem limites.
  - Tem testemunhas? Alguém que pode confirmar sua história e essa conduta do professor?
  Tinham, várias, mas eu sei que só um nome dessa lista faria com que a reitora confiasse na credibilidade da minha história.
  - O é uma dessas testemunhas. – A postura da reitora enrijeceu. – Ele já viu o professor me segurando a força na sua festa de Halloween, pra me tirar a força de lá quando eu não estava muito... bem. Se não tivesse interceptado…
  A mulher engoliu seco e era perceptível que ela queria falar algo. Ela não tinha descrença em seu olhar, era outra coisa. Eu só não conseguia decifrar o que era.
  - Por que não denunciou antes, senhorita Hudson? – repetiu roboticamente, como se nem ela quisesse repetir essas palavras.
  - Ela tentou... – Didi disse. – Eu percebi, meses atrás. Quando suas faltas estavam frequentes na matéria do senhor Johnson, eu perguntei e eu a percebi receosa, hesitante... É um assunto muito delicado. Eu fico muito feliz por ter tomado a coragem para se abrir – Didi sorriu, pegando em minha mão.
  - Senhorita Hudson... Nós iremos investigar isso a fundo e... – a reitora tinha uma expressão estranha no rosto e parecia ainda hesitante pra falar. – Ele não vai sair im... – ela foi interrompida com sua secretária batendo na porta e adentrando na sala.
  - Sr. Johnson está na sala de espera e quer conversar com a senhora.
  De repente a expressão da reitora mudou, ela gelou, mas rapidamente voltou para sua postura fria e séria.
  - Investigaremos esse caso e caso seja provado que o professor Johnson realmente tem essa conduta, se for provado, ele não sairá impune – e novamente repetiu as frases de forma tão robótica como se fizesse isso há muito tempo.
  Quando saí de sua sala, esperava ver Johnson parado e esperando do lado de fora, pronto para se fazer de vítima e mudar de papel na situação. Mas não era ele, era um homem mais velho, bem vestido e com um ar de chefão, aqueles bem babacas que pisam em todos ao seu redor.
  Literalmente um político.
  - Quem é ele? – perguntei pra Vicky e sabia que ela diria, porque nós éramos unidas pelo espírito da fofoca.
  - Pai do professor Johnson – disse sem enrolação. – Ele é amigo da família fundadora da Hearst e é um dos doadores mais importantes... por isso que o filho dele trabalha aqui.
  Uau, isso faz muito sentido agora.
  Por isso que a reitora ficou tensa quando ele chegou e por isso que mudou totalmente de posição. E é por isso que Johnson vive pelos corredores se achando um deus intocável.
  Mas isso estava com os dias contados.

***

  Ethan: Caralho, você quebrou o nariz da Rachel!!!
  Você é a namorada mais foda de todas!!!!!!!!
  : Eu fiz um ato de caridade
  É a oportunidade dessa tucana radioativa fazer uma rinoplastia!

  E meu celular não parava de tocar com as mensagens que chegavam de todos meus amigos e pessoas que me conheciam sobre meu ato rebelde de agredir uma pessoa.
  Pera, a Rachel pode ser considerada uma pessoa?
  Wallace: Eu ouvi que você deu um murro tão forte na cara da Rachel que o nariz dela entrou pra dentro
  É verdade?
  : Sim
  Wallace: Legal…

  Ok, eu tava gostando da minha reputação de valentona que quebra a cara dos outros... era melhor que patricinha mimada. Eu acho…
  Anna: por que tem um vídeo seu brigando com a Rachel ao som de Roman Holiday????
  : QUE

***

  A parte mais difícil de tudo que rolou, com certeza, seria voltar pra casa. Porque nesse momento todo mundo sabia que eu tinha sido suspensa por três dias, então, explicar isso pros meus pais seria difícil.
  Bom, explicar pro meu pai seria difícil... impossível na verdade.
  E assim que entrei em casa, sem nem esperar eu chegar direito, ele já veio atrás de mim, provando que eu não tenho nenhum momento de paz mesmo.
  - Suspensa, Ann? – disse, com seu tom de julgamento e descrença. – De todas as formas que você poderia me decepcionar, essa é a pior... Suspensa por agredir uma colega!
  - Victor, por favor, com certeza deve ter uma explicação plausível – mamãe tentou me defender, como se houvesse como argumentar com meu pai.
  - Plausível? Que explicação ela poderia ter? – resmungou. – Sabe de quem isso é culpa? Daquela sua amiguinha baixa e da família dela! Você tá proibida de andar com eles, tá me ouvindo ?
  Eu já tava sem paciência por causa dos últimos acontecimentos e pra melhorar, meu pai resolveu me dar um sermão sobre como eu deveria manter minha amizade com a MINHA melhor amiga e a família dela que é maravilhosa.
  Ele realmente tocou no meu ponto fraco e eu não deixaria quieto.
  - Primeiro que a e nem a família dela tem a ver com isso, ok? – rebati e a expressão do meu pau endureceu. – E segundo, nem o senhor e nem ninguém vai me proibir de nada disso, porque como disse, isso não é culpa deles.
  - De quem é a culpa então? Minha? Por ter mimar e te deixar fazer tudo que quer? – Coçou as têmporas. – Johnson estava certo, você anda sob más influências.
  - O senhor deveria perder menos tempo julgando minhas amizades e a família delas, e olhar ao redor. O senhor já se perguntou o que o seu protegido do Johnson fez pra que eu detestasse tanto conviver com ele e correr o risco de reprovar em sua matéria só pra não ir em suas aulas? – Meu pai franziu o cenho com minha pergunta e demorou um pouco pra sua ficha ir caindo aos poucos. – Talvez ele não seja tão perfeito assim, pena que o senhor não enxerga. Mas como poderia entender, né? O senhor não se importa.
  E dito isso, subi para o meu quarto. Poderia passar o dia inteiro discutindo sobre isso, mas sempre acharíamos um ponto em que ele bateria na mesma tecla e eu desistiria de fazê-lo entender o que estava passando.

***

  Tomei um bom banho, ouvi a melhor playlist de banho e me sentia melhorando aos poucos. Vestia meu suéter das Meninas Superpoderosas e estava afundada na minha cama, cheia de cobertas quentinhas e com minha gatinha ao meu lado, assistindo qualquer desenho animado pra melhorar meu humor.
  Nada melhor que isso, ok? Fingir que tenho 9 anos e não tem nada pra se preocupar = tudo.
  A atenção passou para as batidas na minha porta e estranhei, minha mãe já havia me trazido chocolate quente e feito umas fofocas sobre a vizinhança e umas fofocas que o pai da contou pra ela pra me animar, então não seria ela.
  A não ser que a vizinha da vila da , que é empregada de uma das vizinhas daqui tenha contado mais uma história sobre como os seus patrões têm um fetiche mais bizarro do mundo onde o marido usa calcinhas e a mulher adora.
  A fofoqueira descobriu quando lavava as roupas e o patrão pediu pra ela tomar um cuidado especial com as calcinhas e ela reparou a beiradinha de uma aparecendo em sua calça.
  Agora estava ansiosa pra ouvir alguma fofoca…
  - Pode entrar.
  E entraram. Estranhei a animação com que e adentraram no meu quarto, extremamente íntimos como se fosse o quarto deles. É, eles já frequentaram demais aqui então, de uma certa forma, eles tinham essa liberdade né.
  - O que vocês tão fazendo aqui? – Franzi o cenho.
  - Trouxemos sorvete, muito sorvete. – levantou a sacola.
  - E vários filmes, desde comédias besteróis, os filmes teen da Disney que você ama, musicais e claro, comédias românticas dos anos 2000 pra assistirmos até você cansar! – sorriu e tomou o controle da minha TV, acessando o aplicativo que alugava filmes.
  - Isso é sério? – Permanecia ainda um pouco desconfiada. Eles assentiram. – Vocês não tão fazendo isso por causa da , né? Quer dizer, porque é ela quem faria isso... mas ela traria álcool.
  Os dois se fingiram ofendidos.
  - Com licença? Eu te peguei no colo quando você nasceu, garota. Você é basicamente uma irmã mais nova. Eu piso na !
  - E eu te conheço desde o primário, então... é... nós somos o melhor que você tem. – deu os ombros.
  Arqueei as sobrancelhas. Não, eu não estava comprando essa.
  - E preferimos vir nós dois juntos porque mesmo nós dois juntos não somos metades de uma , então, por favor, nos ame. – fez cara de cachorrinho que caiu da mudança e eu revirei os olhos. Ok, sou fraca por esses dois.
  E quem não seria?
  - Gente, realmente, não precisa disso. Eu estou bem e – nem me deixaram terminar.
  Os dois tiraram seus tênis e subiram na minha cama, cada um ficando de um lado e me deixando no meio. Pegaram os sorvetes e colheres e me entregaram um pote.
  - Claro que precisa! Por mais que a gente sabe que você é agora uma lenda no campus porque você quebrou o nariz da Rachel, sabemos também que você tá passando por uma barra por causa disso... as consequências do ato ficarão pra história da Hearst. Então que tipo de melhores amigos nós seríamos se não passássemos uma noite inteira aqui te entupindo de besteiras que você ama comer e assistindo os filmes que você mais adora?
  E eu literalmente fiz um ownnnnnn e apertei as bochechas dos meus melhores amigos, enchendo-os de beijos depois.
  - Nós estamos aqui por isso... – se referindo aos carinhos e a forma com que já me animavam instantaneamente. – E pra fazer você rir com os filmes e cantarolar alguma musiquinha que gosta…
  - E reclamar por horas como Deus te odeia por não ter te dado um Colin Firth na vida... – complementou.
  - Isso! – continuou – Isso vai ser o bastante pra gente.Tudo pra ver nossa bem e dar tudo que você merece. Te mimar mesmo porra!
  Engoli o choro. Ok, eu sou MUITO fraca por esses meninos. Ia chorar a noite toda se eles continuassem falando isso.
  Então eu os abracei.
  - Eu amo muito vocês, os dois homens da minha vida – dei mais uns beijinhos nas bochechas dos dois. – Falta o Wallace, o que ele tá fazendo?
  - Não sei. Ele tinha um encontro, acho – deu os ombros.
  - Então, vamos começar por qual? – perguntou.
  - O Diário de Bridget Jones! - me animei e eles resmungaram de brincadeira.
  Ai ai Colin Firth, só falta você aqui meu amor.

Parte 2


  Eu me sentia presa num episódio ruim de Esquadrão da Moda, meu Deus, era demais pra minha cabeça.
  Meu closet estava cheio de caixas e mais caixas, todas cheias das roupas que antes estavam em meu guarda-roupa. Respirava triste a cada vez que jogava minhas roupas nas caixas e decidia o que faria com cada uma.
  E vocês me perguntam, por que você tá se livrando das suas roupas? Bom, uma vez a disse que menos era mais, mas ela não dizia isso sobre roupas... na verdade o que eu tava fazendo seria considerado um crime pra ela.
  Mas meu pai, meu amado pai tinha cortado toda minha mesada e eu não tinha dinheiro nenhum, pra basicamente nada. Eu teria mais, mas depois de uma briga com meu pai porque ele me achava uma tremenda decepção pelas minhas últimas atitudes na universidade, eu tive um surto e precisava extravasar, então tive meu dia de princesa. Cabelo, unhas e compras. Depois percebi que não tinha mais dinheiro. Literalmente zerada.
  Sim, eu tinha um vício… eu era a porra da Becky Bloom.
  A forma de sair dessa situação veio de quem eu menos esperava, isso mesmo, pela própria , meses atrás.
  Ela me mandou uma mensagem dizendo que sabia o que estava rolando e me deu o nome de uma dona de brechó, Shania seu nome. Nós fizermos um acordo e ela pagaria pelas minhas roupas e me deixaria ficar com algumas ou trocar por outras que ela tinha lá.
  Ou seja, a partir de agora Hudson só compraria em brechós e, com sorte, em liquidações em lojas de departamento.
  A pior parte era escolher o que eu manteria, o que eu venderia e o que eu deixaria pra doar, porque eu sempre escolhia umas roupas pra dar pra bazares ou doações, sem ganhar nada em troca, só ajudar mesmo.
  Era o maior white girl problem da minha vida e sentia falta da , porque ela me ajudaria a escolher. Saco.
  E foi assim que eu passei o resto da minha tarde, basicamente. Separando roupas, sapatos e bolsas em caixas enquanto ouvia Selena e desejava fazer logo as pazes com minha melhor amiga porque sentia sua falta.
  Pero, ay ay ay cómo me duele mesmo, viu?
  Ay ay ay cómo me duele.

***
  Anna: É VERDADE???
  EU VI AS FOTOS, NÃO DÁ PRA ACREDITAR
  Sabrina: você é muito corajosa
  Abby: E louca
  Completamente louca!
  Morgana: Eu gostei, achei maneiro
  Britt: Pera do que estamos falando?
  Ah é, a raspou os cabelos!
  Lenda, igual a Britney

  Não, eu não raspei meus cabelos como Britt disse, mas sim, eu fiz uma loucura e postei no instagram pra todos verem meu surto.
  Uma vez eu li em uma Cosmopolitan que as mulheres tendem a mudar os cabelos quando passam por uma situação que exige um recomeço. Eu nem acreditava nisso, mas depois que a minha ficha caiu, eu quebrei todos os cofrinhos e me enfiei num salão.
  Era só pra dar um corte, terminei com uma franja e com o cabelo preto. Saí do salão me sentindo a própria coreaninha… me senti bela, renovada e desligada de todos meus problemas.
  Até que me toquei que eu não tinha mais um tostão pra mais nada. Muito menos pra cuidar do meu novo cabelo.
  Será que eu consigo fazer publi pra ganhar hidratação de graça?
  Me ajuda Demi, santa dos cabelos hidratados.

***

  A vida de suspensão era muito chata, literalmente. Tipo, eu sentia que meus dias eram mais longos já que meus amigos passavam muito mais tempo vivendo a vida de universitários deles enquanto eu ficava trancada no meu quarto esperando os dias passarem.
  Botar na balança se valeu a pena quebrar o nariz da Rachel e ter sido suspensa, no fim foi um mal necessário e o que tô passando vai melhorar em dias.
  Mas a Rachel nunca mais vai esquecer…
  Eu precisava sairrrrr, mas não tinha ninguém pra me levar a lugar nenhum. Todos estavam ocupados com suas vidas maravilhosas e eu estava morrendo de tédio, literalmente, mortinha mortinha.
  Até que então…
  Anna: Ei , você vai ao passeio pro Planetário?
  Ah pera, você foi suspensa né? Esquece…

  Eu tinha esquecido do passeio, puta que pariu, que gênia! Eu fui suspensa justamente no maior momento do meu ano!
  : ESPERA, EU VOU, VEM ME BUSCAR
  Anna: Mas você foi suspensa…
  : Eu fui suspensa das atividades dentro do campus... não fora…

  Vamos Annaaaaa, seja minha gêmea do mal que vai me ajudar a ir pro passeio que eu esperei o ano inteiro!!!
  Anna: Ok, já já chego aí!
  OBRIGADA MEU DEUS!
  Eu passei o ano inteiro esperando por esse passeio, porque pasmem, eu AMO ir ao Planetário desde pequenininha, igualmente ao Museu de Ciências. Eu sentia que isso seria bom para me reconectar ao meu curso e o motivo pelo qual escolhi ele.
  E também porque eu não aguentava mais ficar trancada em casa!
  Deus abençoe Anna e sua boca grande, minha nova melhor amiga. Minha ruivinha de estimação.

***

  Me arrumei rápido e pensei em tentar um estilo não muito “sou fashion demais pra estar aqui”, mas também nem muito “não sou fashion nem um pouco”. Porque bom, eu vivia para quebrar estereótipos, padrões e tabus.
  Escolhi uma jaqueta de veludo marrom, meio bege, por aí e uma calça jeans cintura alta, que moldava minhas curvas. Usava também uma sandália de salto grosso, no mesmo tom de marrom da jaqueta.
  Deixei meus cabelos agora pretos soltos e bem alisados, ajeitei minha franjinha. Eu poderia me acostumar com isso…
  Fechei em meu pescoço a gargantilha de pérolas pequenas. Foi o presente do em meu último aniversário.
  Recebi a mensagem de Anna avisando que chegou, terminei de me arrumar e peguei minha bolsa, já prontinha pra sair e aproveitar o meu dia.
  - Meu Deus, seu cabelo fica melhor ainda pessoalmente! – a ruiva disse, assim que saí de casa.
  - Ok, eu fiquei ótima eu sei – sorria enquanto caminhava até seu carro. – Eu ia vender meu cabelo e tentar pegar o dinheiro…
  Anna me encarou chocada.
  - Uau, você realmente tá apertada.
  - Você não faz ideia.
  Parei no carro de Anna e fiquei um pouco chocada e impressionada. Era um conversível, mas não aqueles quadrados, velhos e estranhos... parecia o carro de uma moradora de Beverly Hills dos anos 2000, só que mais moderno.
  - É da minha mãe... – Deu os ombros se justificando.
  Olhei pro carro novamente e olhei pra minha amiga, abrindo o maior sorriso de vendedora que conseguiria.
  Tive uma ideia e ela com certeza ia adorar!

***

  - Você tem certeza que é uma boa ideia? – Ouvia sua voz meio trêmula e eu sorri, me ajeitando no assento.
  - Claro que sim! É uma ótima ideia, Anna – respondi animada – Eu passei no teste de direção e dessa vez não atropelei nenhuma velhinha. Tá comigo, tá com Deus.
  - Mas e a carteira? – Franziu o cenho.
  - Essa é só uma formalidade…
  Ela franziu o cenho de novo, me encarando como se eu estivesse completamente louca e fora de mim.
  - Você acha, ?
  Revirei os olhos.
  - Calada. Deixo você escolher a rádio, ok? – sorri, como se estivesse dando liberdade como se o carro já fosse meu.
  A ruiva sorriu.
  - Ok!
  Viu, fácil fácil.
  Liguei o carro e pisei no acelerador, dando partida de uma vez. Anna segurava em seu cinto de segurança como se sua vida dependesse disso, revirei os olhos. Como era dramática…
  Isso era tudo, mais que demais. Tudo de bom.
  Dirigir pelas ruas de Los Angeles, sentindo o vento batendo em seu cabelo e ouvindo uma boa música. Por que eu não aprendi a dirigir tão bem assim antes?
  - Ei, até que você dirige bem... – Anna foi soltando um pouco o seu cinto, ficando mais relaxada ao meu lado.
  - Eu sei. – Dei os ombros.
  - Cuidado com a velhinha... – disse do nada e eu olhei para ela, confusa.
  - Hãn?
  - CUIDADO COM A VELHINHA, !
  Olhei para a rua e me assustei com a senhorinha atravessando a rua tranquilamente, sem se preocupar com mais nada além de suas compras em seu carrinho.
  Pisei no freio com toda a minha força e fechei os olhos, se eu não visse a senhorinha sendo atropelada e o sangue sujando todo o vidro do carro, eu poderia dormir à noite depois, né? Mas graças a Deus – que tá sempre comigo ao volante – o carro parou bem em cima da faixa de pedestre.
  A velhinha nem ao menos tremeu, continuou seguindo o seu caminho sem nem olhar para os lados.
  Eu estava quase falecendo sem ar, tentando conter a gargalhada presa em minha garganta louca para sair. Olhei para minha amiga que me olhava com um misto de horror, medo e fúria.
  - Desce. Eu vou dirigir até o planetário.
  Aff, estraga-prazeres. A velhinha nem morreu.

***

  Andar pelo planetário me dava uma sensação nostálgica muito gostosa, era tipo, o meu lugar favorito durante toda minha infância. Eu amava ficar conhecendo tudo sobre as constelações, os planetas e assistir todas as apresentações.
  Sempre vinha com minha mãe, o pai de e o . Sua mãe tinha vindo algumas vezes conosco também, mas depois que ela faleceu viemos muito menos.
  Voltar aqui sem eles não era a mesma coisa, mas eu ainda gostava muito daqui e era bom sentir a nostalgia.
  O planetário estava cheio, como de costume, mas dessa vez o público era mais estudantes. Os de Hearst e de outras universidades. Tinham algumas escolas infantis também e tudo estava bem dividido para que cada turma pudesse fazer seus passeios.
  - Você gosta daqui? – Anna perguntou e eu assenti. – É engraçado imaginar você sendo fã de ciências.
  Fiz careta.
  - Não é engraçado, é normal. Eu sempre gostei de exatas e de ciências, mas também sempre gostei do outro lado – dei os ombros. – Mas desde criança sempre fui fascinada pelo universo e em tudo que abrangia ele.
  - Eu também – Anna sorriu. – Apesar de eu não cursar a mesma coisa, toda a oportunidade de poder aprender mais sobre isso eu não perco.
  - Viu Anninha, temos coisas em comum! – Chacoalhei minha amiga. – Agora podemos nos juntar e arrastar a pra cá mais vezes! – disse animada, mas só depois me toquei o que disse.
  - Eu sinto falta dela também. – Deu os ombros. – As meninas estão magoadas e eu também, mas ela faz falta…
  Suspirei. Saco, como a pode ser tão importante que faz falta mesmo quando nós devíamos sentir raiva dela???
  Quero minha melhor amiga de novo.
  - Então... – Anna me chamou, tentando mudar de assunto. – Pra onde vamos primeiro?
  Sorri.
  Ah, minha querida Anna, eu nem sabia por onde começar…

***

  Passar o dia inteiro no planetário foi talvez o auge da minha semana toda conturbada e me fez esquecer de todos os problemas irritantes.
  Passamos pela Constelação de Orion, fomos atrás do Cometa Halley, vários buracos negros e eclipse solares. Quase fomos expulsas da sessão sobre o Apollo 11 porque os caras de lá foram machistas e a Anna me segurou pra não militar quando eu disse que a Missão Artemis vai massacrar.
  E fomos umas cinco vezes na sessão da Constelação do Zodíaco e se dependesse da Anna a gente não sairia de lá.
  Terminamos a tarde cada uma com um moletom enorme da NASA e tomando sorvete de galáxia. O sorvete era só pras crianças, mas eu flertei com o atendente enquanto a Anna discutia com uma menininha que disse que ia contar pra professora o que a gente tava fazendo.
  Os sorvetes estavam ótimas, obrigada por tudo Otto.
  Me sentia até um pouco culpada de ter passado o telefone do professor Johnson fingindo que era o meu…
  - Olha . - Anna apontou pra área que era focada pros universitários, com mesas que representavam universidades que tinham Astronomia como curso, incluindo a Hearst e outras mesas para quem oferecia estágios nesse ramo.
  Uma delas me chamou atenção. Era um estágio em uma das fundações de pesquisas que eram financiadas pela AAS.
  Andei até a mesinha e peguei a ficha de inscrição para o estágio. Seria uma boa ideia me inscrever e melhor ainda se eu conseguisse o estágio na área que eu estudava, seria ótimo.
  Nem só pelo dinheiro que, sejamos honestas, eu tô precisando, mas eu queria trabalhar com Astronomia, era pra isso que me esforçava e me dedicada nos estudos.
  - Vai se inscrever? - Anna perguntou. A resposta que eu queria dar era sim, mas não estava tão confiante.
  - Não sei... quer dizer, deve ter muita gente atrás desse estágio e vai que eu não consigo. – Dei os ombros.
  - Mas você nunca vai conseguir se não se inscrever, né? – a voz do rapaz que estava na mesinha cuidando das inscrições me assustou e atrapalhou meu papo com minha amiga. – Desculpa, não quis assustar. – Ofereceu a mão num cumprimento. – Joshua.
  Eu e Anna nos apresentamos e percebi que ele estava dando umas olhadas na minha amiga, que corava ao meu lado. Ai ai, esses jovens apaixonados.
  - Talvez você esteja certo, não vou saber se eu não me inscrever né? – Sorri e peguei a ficha. – Vou deixar vocês dois conversando enquanto eu preencho isso.
  Pisquei pra minha amiga e saí.
  Preencher a ficha foi fácil, só precisei colocar meus dados, onde curso a faculdade e em que ano estou e algumas perguntas a mais, sobre se já fiz estágios em outros lugares ou não. Me senti meio inexperiente e isso me deixou meio frustrada, como conseguiria a vaga se nem trabalhar eu trabalhava?
  Terminei a ficha, mas enrolei por mais um tempinho porque Anna e o tal Joshua estavam num papo legal e eu não queria atrapalhar. Eles parecem estar se curtindo e bom, depois de tudo que Anna fez por mim hoje não seria justo cortar o barato dela.
  Aproveitei esse tempinho e fui passear mais um pouco, observar melhor a minha sessão de nostalgia e relembrar da minha época de criança viciada em constelações.
  Eu sentia falta de passar mais tempo com a minha mãe, mas ela entendia já que também trabalhava e não tinha muito tempo livre durante a semana pra mim. Sentia falta de passar tempo com o tio Stefano também, mas ele é outro que vive trabalhando.
  Pelo menos tinha que sempre que conseguia passava tempo com ele. Meu irmão de coração. Não sabia o que seria de mim se não tivesse ele e por perto…
  Que bom que ele sempre vai estar aqui por perto, né!
  Voltei pras mesinhas e Anna ainda estava papeando com o flerte dela, mas parecia querer ir embora de lá porque quando me viu, berrou e me chamou pra ir até lá.
  - Aqui tá minha ficha. – Entreguei pro rapaz.
  - Boa sorte, espero que consiga o estágio – disse sincero e eu sorri, agradecendo.
  - Ok , vamos? Tá tarde né – Anna deu uma risadinha e eu assenti. – Até mais Joshua, me manda mensagem! – Piscou pro rapaz e em seguida me pegou pelo braço, me puxando pra longe.
  - O que houve? – ri. – Tá fugindo dele, é?
  Anna corou.
  - Ele é gatinho, mas muito chato! – disse baixo, com medo que ele ouvisse. – Mas bom, é gatinho, então é o que importa né?
  - Uau, Anna, você é uma safada! – brinquei e ela ficou quase roxa de vergonha. – Vem, vou te dar umas dicas pra como transformar um cara chato em um cara quase suportável pra compensar pela tarde maravilhosa que você me ajudou a ter!
  Anna sorriu.
  E vamos de guru de relacionamento alheio!

***

  : vai arrumar um emprego!!!
  : Que orgulho da minha garotinha :(
  : Nossa, vocês andam grudentos né…
  Britt: , é verdade que você quase atropelou uma velhinha?
  Foi o que a Anna que me disse
  : ???? Você disse que passou na aula de direção
  : Diz que é mentira, por favorzinho
  : Em minha defesa ela apareceu do nada!
  Britt: Concordo, velhinhos sempre aparecem do nada…
  Acho que são espiões do governo
  : Acho que o Ethan acha a mesma coisa…
  Ethan: Me invocaram?
  : A Britt tava falando que velhinhos são espiões do governo...
  Ethan: Vocês descobriram isso agora? Eu sei disso desde quando tinha seis anos e vi um velhinho explodindo um prédio e fugindo com uma arma química poderosa pra devolver pro presidente
  : Acho que isso é um filme…
  Que a gente assistiu ontem. Lembra ?
  : Sim Ethan, a gente viu esse filme ontem e você viu que eram só a imaginação de uma criança
  Ethan: Nah, eu tenho quase certeza que isso aconteceu mesmo.
  Britt: Ele é dos meus…
  : Ok, podemos focar em mim agora?
  Eu, , vou começar a trabalhar!
  : Ah é
  Eu falei com meu pai e ele aceitou te dar um período de experiência, pra ver se você se adapta. Se der certo, você fica.

  Então, lembram que eu estava completamente quebrada e sem dinheiro, certo? Enfim, nada disso mudou e eu precisava ser adulta e arrumar um emprego sério, fazer meu dinheiro e cortar esse poder que meu pai tinha.
  E também eu me senti meio inútil e inexperiente por nunca ter tido um emprego depois que fiz aquela ficha e queria provar que poderia ser uma ótima candidata para essa vaga se eu conseguisse trabalhar em alguma coisa antes pra adquirir experiência.
   como sempre me ajudava e acreditava que eu me daria bem na Marc Fontaine, já que eu frequentava lá desde que eu era criancinha e conhecia bem essa loja como ninguém, principalmente como comprar lá.
  Wallace: Ei, será que dá pra arrumar um desconto de vendedora pra gente?
  : Já tá se aproveitando do que não tem?
  Wallace: Ah, a não dá nada pra gente. Você pode dar né?
  É você quem tem o bom coração de virgem santificada
  Britt: Ela não é virgem…
  : QUE
  Britt: Ela é de Áries... ou é de Leão?
  Capricórnio?
  Já sei! Sagitário!
  Acertei?
  : Vocês me cansam..
  Vou me preparar psicologicamente pra começar a trabalhar, bjs.

  Realmente, eu precisava me preparar pra isso. Tive vários mental breakdown imaginando tudo que poderia dar errado no meu primeiro dia de trabalho e que me faria ser demitida.
  Sério, quem seria demitida no primeiro dia de trabalho na loja do pai do seu melhor amigo? É basicamente o meu fim se eu não conseguir manter esse trabalho!
  Então estava me preparando pra dar o meu melhor e ser a melhor vendedora na história das vendedoras que a Marc Fontaine já viu!
  Britt: Você vai passar por essa , o Hospital Seattle Grace precisa de você!

***
Ethan

  Estava meio ansioso e caminhava pelo campus da Hearst até um encontro que não poderia ficar sabendo até a hora certa. Eu não gostava de esconder coisas dela e nem queria, não agora que as coisas estavam finalmente maravilhosas entre nós. Mas era preciso porque era pro seu bem.
   tinha uma ótima forma de lidar com as coisas e ela estava lidando de forma muito otimista com os problemas que enfrentava em casa e na universidade por causa do Sr. Johnson, aquele desgraçado que infernizava sua vida.
  Mas por dentro, lá no fundinho, ela não tava bem e logo explodiria por causa disso. E eu me sentia mal por não conseguir ajudar, me sentia impotente. Que tipo de namorado deixa essas coisas acontecerem sem fazer nada pra ajudar?
  Por isso que quando recebi a mensagem dessa pessoa, não havia como fugir desse encontro.
  Sentei em umas das mesas do refeitório ao ar livre do campus e fiquei esperando a pessoa chegar, tentando parecer o menos ansioso possível.
  - Ei Ethan, você veio. – apareceu e se sentou ao meu lado, acenei a ela em cumprimento. – Precisava falar com você.
  - Pode falar, sou todo ouvidos – sorri.
  - Você sabe o que tá acontecendo com a , né? – disse, sem muitas delongas. – O problema dela com o... – não quis terminar, mas já tinha sacado.
  - Sei sim, ela meio que me contou por cima.
  - Então, eu sei que nós estamos afastadas e tal, mas, eu não posso deixar que isso continue assim e eu sei que você sente o mesmo em relação disso. Em casos assim a justiça é difícil ser feita, mas precisamos tentar. Johnson vai pagar por tudo o que ele fez, sendo demitido ou até mesmo preso… Não é apenas sobre o que ele faz, mas impedi-lo do que ainda pode fazer futuramente com outras garotas.
  - Eu concordo! – Obrigado por estar ao meu lado dessa. É bom contar com alguém sensato. – Mas o que podemos fazer? Ele tem a proteção da Campbell.
  - Homens assim nunca fazem isso apenas uma vez e eu duvido que a é a primeira... precisamos achar outra vítima, entrar melhor na vida dele e pesquisar o máximo possível sobre os seus passos. Ninguém se torna um abusador desprezível no auge da casa dos trinta do nada… ele parece ter confiança no que faz, parece que já fez, e por outra vez não tem medo, porque vai sair impune.
  - Certo – concordei. – Mas como podemos iniciar essa “busca”?
  - É, essa é a parte mais difícil... Quem é a pessoa que passou por uma situação parecida e gosta de falar abertamente sobre isso? Principalmente se fica sem justiça como a ... mas eu vou tentar achar e se você conseguir também, vai ser muito bom. Juntos podemos fazer mais do que quem realmente deveria cuidar deste caso, no caso, a reitora, que não vai mover um dedo para ajudar. Apenas um deslize de Johnson é o que precisamos, Ethan, e ele tá fora.
  - Ou obrigamos ela a fazer. Por que ficaria feio demais um professor renomado na renomada Heart em escândalo de assédio contra alunas – confirmei e assentiu.
  - Posso contar contigo?
  - Claro! – Dei a mão para um aperto de mão e apertou, se levantando da mesa.
  - Ei Ethan? – Ela estava de costas para mim, só virou um pouco a cabeça para o lado.
  - Sim?
  - Cuida bem dela, por favor.
  Mesmo antes de começar a sair com e tudo isso, sempre foi claro para todos que as duas eram inseparáveis. Imagino como esteja sendo difícil pra também, que mesmo durona, ama a amiga.
  - Pódeixar - respondi. – Ela sente sua falta.
   apenas deu um sorriso triste e saiu andando.
  Talvez no meio dessa situação de ajudar a derrubar o Johnson de uma vez, possa abrir uma brecha para que as duas voltem a ser amigas…
  E eu daria total apoio a isso, afinal, faria de tudo pra ver minha feliz.

***

  Antes de aceitar o emprego, disse exatamente essas palavras pra mim: “O Sr. Brown vai te tratar como qualquer uma das outras funcionárias, sem privilégios ou mordomias”. Ele queria que eu tivesse a experiência completa, sendo que poderia haver um pequeno conflito de interesses pelo lado dele, já que o dono era pai de meu melhor amigo.
  Então assim que eu cheguei apenas uns cinco, talvez dez minutos atrasada por causa de um probleminha com autoconfiança e por ter vindo dirigindo – que Anna aceitou emprestar o carro, mas se negou em vir comigo pra voltar dirigindo – levei um belo esporro, tive que me vestir correndo e ir cuidar das prateleiras.
  Isso mesmo, Brown proibiu que eu trabalhasse com a clientela ainda, disse que eu precisaria de experiência. Perguntei se alguma das meninas podia me ajudar e ele riu, apenas isso.
  Mas mesmo assim eu amava trabalhar.
  A Marc Fontaine era enorme e tão limpa que eu tinha medo de pisar errado e sujar para ter que limpar depois. E mesmo com tudo metodicamente arrumado, sempre havia trabalho para fazer, já que as meninas viviam ocupadas.
  Umas estavam atendendo clientes, outras estavam no depósito, outras estavam organizando as jóias e a estava limpando algum lugar. E sim, eu havia visto a várias vezes durante meu expediente, mas ela não falou comigo e eu não falei com ela.
  Eu estava cuidando das prateleiras. Dobrando e guardando nos lugares certos as peças delicadas. Além disso, eu já tinha visto várias peças de roupas que seriam ótimas para mim. Será que ir pro provador no fim do expediente e prová-las seria errado?
  E então eu fiquei entediada. Já estava há horas dobrando as peças e organizando, enquanto as meninas passeavam pelo espaço com as clientes e ganhando comissão. Eu queria comissão também, queria provar meu valor como vendedora.
  Ser vendedora era tedioso. Como a aguenta isso?
  Bom, pelo menos meu novo penteado ficava lindo com o macacão chique da Marc Fontaine.
  Estava distraída com as peças quando percebi alguém vindo até em minha direção. Abri meu maior sorriso de vendedora e levantei a cabeça. Meu sorriso desapareceu em meio segundo e se transformou em uma carranca de mau humor.
  - O que você tá fazendo aqui, ? – Cruzei os braços e meu amigo se divertiu.
  - Eu acho que sou dono disso aqui. Não posso vir quando eu bem entender? – Burguês safado. Neguei com a cabeça.
  - Não, não pode. O que você quer? Não tá vendo que estou trabalhando? – Apontei para as prateleiras. – Veio ver a ? Eu não sei onde ela tá. – Dei os ombros.
  - Eu não vim ver a – disse como se aquilo fosse estúpido e ficou um pouco vermelho. Eu ri. Óbvio que ele não veio ver a , mas vê-la aqui seria apenas uma vantagem de sua vinda. É tipo quando você vai no mercado contra sua vontade, mas aproveita a viagem para comprar chocolate.
  - Veio por que então? Fala logo, eu tenho trabalho a fazer – falei como uma adulta repreendendo uma criança agitada.
  - Eu vim acompanhar seu dia de trabalho, oras. Queria ver se você está indo bem e dar um pouco de apoio moral, já que... – olhou ao seu redor. – A também não tá aqui por perto.
  Ele percebeu que ela não estava por perto? Como? Só porque de dez segundos, um ele gastava olhando pra minha cara e os outros nove procurando algo como se tivesse perdido pela loja? Me engana que eu gosto, loirinho.
  Dei os ombros.
  - Vocês que se resolvam, eu tenho trabalho de gente adulta pra fazer.
  Saí da área das prateleiras e veio comigo, me mostrando um pouco sobre a Marc Fontaine e explicando algumas coisas que provavelmente o senhor Brown esqueceria ou não se importaria em dizer. Ele estava dando um ótimo apoio moral.
  Por isso eu considerava como um irmão mais velho, porque desde a minha infância ele me levava para os lugares que conhecia e me ensinava tudo sobre. Depois garantia que eu estava em segurança e me deixava livre para fazer o que eu quisesse. Só voltava na hora de ir embora garantindo que eu estava viva, segura e sem ferimentos.
  Paramos no meio do caminho. Na verdade, eu parei, e bruscamente. Minhas pernas pararam de funcionar e só demorou um pouco para perceber que eu não estava ao seu lado e voltou para ver o que havia chamado tanto a minha atenção.
  - Olha essa bolsa... – minha voz saiu como um sussurro porque eu não seria nem louca de gritar ao lado dessa preciosidade.
  Era uma bolsa pequena e vermelha, com uns detalhes em dourado que deixavam a cor mais contrastada. A alça era comprida e fina. E eu já conseguia imaginar todos os looks que eu conseguiria montar com essa bolsa em minhas mãos.
  Eu precisava dessa bolsa.
  - ... vamos... – tentou me puxar, mas já era tarde demais. Eu estava grudada como cola e só sairia com essa bolsa. – É só uma bolsa…
  - Só uma bolsa? – Virei extremamente ofendida como se ele tivesse ofendido a minha família. – Essa bolsa foi feita por Deus para usar com os saltos combinando. Ele sabe o que é moda e eu preciso dessa bolsa! – Bati o pé, mas sem fazer alarde. – Compra pra mim, eu pago pra você depois que sairmos daqui. Eu tenho 20% de desconto.
   levou as mãos até a carteira e eu já estava dando pulinhos de alegria quando ele parou.
  - Não, espera, não! – Bufei. – , você está aqui pra trabalhar e juntar dinheiro pra coisas importantes e não pra gastar o seu primeiro salário com uma bolsa que você provavelmente já deve ter igual. – Abri a boca para argumentar, mas levantou o indicador. – E você não tem 20% de desconto. Você nem é uma empregada oficial daqui ainda.
  Mordi meu lábio e bati o pé. Então abri um sorriso enorme, porque eu havia tido uma ideia.
  - Você é o Greene! – Dei pulinhos e o seu cenho continuava franzido. – Você tem desconto, talvez 100% de desconto se você quiser! Compra pra mim, , por favorzinho. – Fiz biquinho e ele negou.
  Merda, seria mais difícil do que eu pensava.
   segurou em meu braço e me puxou para longe da bolsa. Já sentia um vazio dentro de minha existência e sabia que agora viria o sermão de irmão mais velho pra me convencer que eu era louca e era apenas uma bolsa. Não era apenas uma bolsa!
  Então nem o deixei abrir a boca. - você não entende, não é apenas uma bolsa que eu tenho igual. Essa bolsa vai definir minha existência. Deus botou um pouco de seu coração nessa bolsa e ela está me chamando. Eu não posso ignorar o Seu chamado, .
  Meus olhos brilhavam e eu estava convicta que isso havia o convencido, afinal, nunca iria contra um plano de Deus, certo? Mas meu queixo caiu, não pelo o que meu amigo não disse, mas sim ao ver a cliente andando com a minha bolsa por aí como se a pertencesse. Merda.
  - Com licença vendedora... – Ela veio até mim, sem prestar muita atenção em mim. Até que me reconheceu, sabe-se lá de onde. – Hudson, é você? – Abriu o maior sorriso de quem usaria isso contra mim mais tarde. – Sou eu, Erica Dorney, não se lembra? Uau, seu cabelo tá… hidratado – debochou.
  Abri a boca e fechei, porque sim, me lembrei. Erica era filha de Jordan Dorney, um amigo do meu pai. Ela é uns anos mais velha que o e basicamente sempre teve um crush fodido no meu amigo. E assim que ela notou a presença dele, o brilho em seus olhos cegaria alguém.
  E assim que minha ficha caiu, percebi que de forma alguma eu podia deixar ela levar essa bolsa. Meu Deus, ela combinava o cropped de animal print com uma calça roxa, um salto alto dourado que me assustava. Essa bolsa jamais pertenceria à ela.
  Depois de flertar com indiretamente e diretamente também e de fazer piadinhas sobre eu estar trabalhando como vendedora, finalmente disse:
  - Então, vocês têm sapatos combinando? – Levantou a bolsa e eu a tomei de sua mão. Não nessa vida, minha querida. Respeite a moda.
  - Desculpe Erica, mas essa bolsa não pode ser vendida... – Fiz um bico falso. – O já a reservou, sabe como é o filho do dono né... – a entreguei para que me encarou com fúria. – Sinto muito.
   riu desconfortável com toda aquela situação.
  - Na verdade... eu acho que essa bolsa não combina muito comigo – sorriu amarelo e devolveu para a cliente. – Pode levar.
  Mas eu tomei de sua mão novamente.
  - Claro que não combina com você, ... – ri psicopata. – Você ligou encomendando o presente para aquela pessoa especial. E aqui está. – Devolvi para ele.
  Erica ficou notavelmente desconfortável imaginando que pessoa especial eu estava me referindo. Sim, ela jamais desistiria do sonho de ser Erica Greene.
  - Na verdade, eu acho que... – a mulher tentou se afastar, mas devolveu novamente a minha bolsa para ela, com um sorriso gentil no rosto.
  - Pode levar. Essa pessoa especial não merece essa bolsa.
  Filho de uma boa mãe e um ótimo pai.
  Respirei fundo, eu não estava derrotada. Ainda poderia arrancar essa bolsa das mãos dessa mulherzinha e fugir. O que aconteceria? Eu iria para a prisão? Por favor, né.
  - Onde fica o caixa? – perguntou e eu já estava pronta para atacar.
  - Por ali, eu te levo. – apareceu do nada e a levou até a área dos caixas. Eu demorei uns segundos para fechar a boca e retomar a consciência. Havia sido traída pela minha melhor amiga. Uma facada dessas eu jamais esqueceria.
  Latina desgraçada, você me paga.
  E com o espírito de Usain Bolt que baixou em mim, corri mais rápido que minhas pernas – e o salto – permitiram até os caixas. Parando na frente da cliente antes que ela pensasse em pagar pela minha bolsa.
  Tirei a bolsa das mãos dela sem nenhuma delicadeza e ela me fitava com um choque se transformando em fúria, enquanto ficava ao seu lado tampando sua boca com a mão para fingir que não estava rindo da minha cara.
  - Desculpa, Erica. Não tenho nada contra você, mas você não pode levar essa bolsa – sorri falsamente novamente.
  - E por que não? – Cruzou os braços. Ok, agora estava entrando em um terreno perigoso por aqui. Ela queria essa bolsa e eu queria essa bolsa, só uma de nós teria.
  E seria eu.
  - Porque você é brega e eu tenho respeito à moda. Sejamos sinceras, meu amor, só uma de nós tem porte pra usar ela e sou eu... – Dei os ombros. – Mas se você quiser eu posso te mostrar outras bolsas que combinam mais com seu estilo – sorri.
  Todo mundo me encarava em choque. já estava caindo na gargalhada silenciosa e levou as mãos ao rosto, eu era um caso perdido e ele havia desisto. Eu sei.
  Erica olhou para mim e respirou fundo. Eu permanecia dando meu melhor sorriso de vendedora.
  - ME DÁ ESSA BOLSA AGORA! – ela berrou e voou para cima de mim, tentando arrancar a bolsa de minhas mãos. Dei um berro assustado, mas então eu a empurrei e tentei impedir que ela pudesse encostar os dedos sujos dela na mais bela obra de Deus.
  Graças a pressão, a bolsa acabou estourando em nossa mão. A alça quebrou e uma parte dela rasgou. Ambas paramos no mesmo momento e a bolsa foi ao chão.
  Levei minhas mãos ao peito. Era agora, eu ia morrer. Meu Deus, o que seria de mim sem essa bolsa? Por que, Deus? Por que me castigastes de tal forma?
  - VOCÊ VIU O QUE VOCÊ FEZ??? – berrei para a mulher, aos prantos. Todos me encaravam como se eu fosse louca.
  - EU? FOI VOCÊ QUE FEZ! MEU DEUS, , VOCÊ É LOUCA!
  E todo mundo ficou em silêncio.
  - Do. Que. Você. Me. Chamou?
   só assistia, agora levando suas mãos à boca e se afastando aos poucos, porque agora sabia o que estava por vir.
  - , fica calma... – tentou intervir, mas já era tarde demais.
  - Louca! Você é louca! – Erica reforçou.
  Sorri pra ela. Um sorriso psicopata que a fez dar dois passos para trás, mas já era tarde demais. Eu vou quebrar a cara dessa vadia.
  E pulei em cima dela, agarrando seus cabelos e girando-a enquanto berrava como uma maluca descontrolada. Ela gritava junto, mas de horror enquanto eu gritava de pura raiva.
  - REPETE AGORA. VAI, DIZ O QUE EU SOU AGORA.
  - ME LARGA SUA PSICOPATA.
  - VOCÊ QUER VER LOUCA? VOCÊ QUER VER LOUCA?
  Eu estava em cima dela, puxando seus cabelos e gritando loucamente com toda a força dos meus pulmões enquanto a multidão se formou ao nosso redor. Eu não conseguiria ver o que estava acontecendo além da baranga choramingando por baixo de mim.
  Senti alguém segurando em minha cintura e me puxando para cima sem dificuldade alguma. Eu me debatia nos braços de quem me segurava e sentia os tufos de cabelo na outra em minhas mãos ainda.
  - CHEGA! Você vai ser presa desse jeito, mulher – me segurou e ao ouvir suas palavras eu gelei. Prisão, macacões laranjas que não devem ter do meu tamanho e que vão ter um decote apropriado para mim... Eu não posso ser presa.
  Olhei ao meu redor e as pessoas me encaravam com choque, enquanto me encarava com desapontamento e ria como se tivesse assistido o melhor filme de comédia de sua vida.
  O senhor Brown apareceu correndo desesperado, com uma expressão de pânico assim que me viu com ainda me segurando. Eu estava descabelada, sem meus saltos e meu macacão todo amassado. A cliente estava descabelada e parcialmente careca, abraçada nos seguranças com medo que eu avançasse de novo.
  Sorri amarelo para o meu chefe.
  - O QUE HOUVE AQUI? – berrou com sua voz afinando de uma forma que poderia quebrar todos os vidros do prédio.
  - ESSA LOUCA ME ATACOU. ELA TENTOU ME MATAR! – choramingou a cliente, se abraçando agora no meu chefe.
  Revirei os olhos.
  - Que exagero, eu não ia te matar... – suspirei e me virei ao meu chefe, dando um passo para frente. me segurou mais forte e a cliente deu uns cinco passos para trás. Bufei me soltando do meu amigo. – Senhor Brown, foi apenas um mal-entendido. Está tudo bem. – Dei os ombros rindo como se tivesse contado uma piada. – Algumas pessoas não têm atitude pra carregar uma bolsa vermelha, não é, galera? – Virei-me para as pessoas que agora me encaravam como se eu fosse uma louca.
  O mais velho me encarou e suspirou, coçando as têmporas parecendo procurar as palavras mais dóceis possíveis para se dirigir a mim. Talvez estivesse com medo de me ofender e parar na UTI até o fim do dia.
  - Senhorita Hudson... – respirou fundo. – Você está demitida... tão demitida – disse pausadamente com uma invejável calma depois de todos esses acontecimentos.
  Bati o pé e a cliente pulou, cruzei os braços e bufei novamente como uma criança mimada que acabara de perder seu brinquedo favorito por má obediência. Merda, eu era mimada mesmo.
  Dei os ombros. É, não se pode ter tudo afinal de contas. Durei um dia só no meu novo emprego e posso acabar sendo presa por ter atacado uma cliente.
  Na verdade, foi melhor do que eu esperava.

***

  - Você machucou muito ela? – Anna perguntou um pouco tímida. Até ela estava com medo que eu voasse em cima.
  As pessoas estavam exagerando... ok, eu havia me metido em duas brigas em menos de uma semana e andava muito estressada, mas não era nada de mais.
  Quer dizer, pro senhor Greene era. Ele ligou para o Sr. Brown e resolveu toda a situação. Claro que Erica jamais me denunciaria, principalmente se o pai do seu futuro marido – em seus sonhos – pedisse. No fim das contas, me trouxe para casa.
  Então meus pais se trancaram no escritório depois de uma ligação do Sr. Greene, mas meu pai não quis saber mais sobre isso e foi embora, dizendo que eu era um caso perdido. Então a conversa foi apenas entre o pai do e minha mãe. Enquanto eu e ficávamos na sala esperando pelo veredito como duas crianças prestes a receber seu castigo.
No fim foi decidido que eu vou fazer terapia algumas vezes por semana. Algo a ver com estresse e sei lá mais o quer. Eba, mais um compromisso na minha agenda que já não era nem um pouco tão apertada.
  Mais uma vez me protegeu como um irmão mais velho, me defendendo de qualquer castigo que eu pudesse receber e tentando entender meu lado. Ele tentou me consolar mesmo sabendo que eu não estava realmente mal.
  Talvez tenha sido a primeira vez que realmente me arrependi do que fiz, porque imaginar que só em um dia decepcionei , seu pai e minha mãe, eu me sentia horrível.
  Mas meu melhor amigo fez questão de que eu não precisasse me sentir assim, porque ele nem tava mais decepcionado comigo. Fez até mais que isso, resolveu me trazer pra Zetas e pedimos pizza.
  Nada melhor que passar a noite com meus amigos que não tinham nenhum outro tópico pra conversar que não fosse “os surtos de Hudson”.
  - Ela arrancou uns tufos de cabelo dela na mão... – riu e eu acompanhei. Eu não me lembrava dos tufos, mas na verdade eu não lembrava de muita coisa. Depois que a raiva passou eu esqueci alguns detalhes.
  - E a ? – Wallace comia dois pedaços de pizza de uma vez só e falava de boca cheia. – Ela fez alguma coisa pra ajudar?
  - Além de rir da minha cara? Não – emburrei.
  - Vocês vão fazer as pazes ainda, . Eu acredito na amizade de vocês – Hannah sorriu, tocando em meu joelho e eu parei. A encarei por um tempo tentando entender quem a deu permissão para um contato pessoal.
  Ela não tirou a mão e eu não voei em cima dela... acho que esse é o começo de uma bela amizade.
  - A Hannah tá certa, logo vocês fazem as pazes. Nunca ficaram muito tempo brigadas – sorriu para mim. – Não existem duas pessoas no mundo que se suportem e se aturem como vocês duas.
  - O que você quer dizer com isso?
  - Nada... – coçou a nuca.
  Arqueei minha sobrancelha.
  - Ele quis dizer que vocês são insuportáveis – Morgana disse e nos viramos para ela. me segurou, só para garantir. – Você é mimada e louca – a encarei com fúria e ela só revirou os olhos. – Meu amor, você bateu em outra pessoa por causa de uma bolsa que no fim nenhuma das duas ficou. Você é louca – sorriu. – E a é problemática e agressiva, ou seja, vocês se completam. Ela nunca vai arrumar uma amiga que a aguente sem se sentir ofendida com alguma coisa que ela diga e você nunca vai arrumar uma amiga que não vai ter medo de dizer a real sobre você sem temer que você arranque os cabelos dela.
  Ok, isso é verdade.
  Eu sentia falta dessa latina problemática e maravilhosa, aff.
  Do nada alguém começou a esmurrar a porta e eu nem cogitei a ideia de que fosse , sejamos realistas, ela nunca esmurraria uma porta.
  Britt levou pra atender e Ethan entrou como um furacão. Ele estava suado e vestindo seu uniforme de basquete, mas ele não suava por isso e por sua expressão, ele tinha notícias importantes.
  - UM VELHINHO ACABOU DE ASSALTAR UMA LOJA DE CONVENIÊNCIA PERTO DA QUADRA! – Ethan dizia sem fôlego e todos nós o olhávamos como se ele fosse completamente maluco.
  - Eu sabia... velhinhos são perigosos. – Britt olhava pro horizonte e seus olhos brilhavam. – Nós temos que pará-los.
  Ok, eu só convivo com gente louca.

***

  Eu sei que deveria estar lendo o jornal a procura de um emprego porque eu ainda precisava dele e tal, mas estava muito mais interessada na minha Cosmopolitan.
  Eu realmente precisava saber as melhores formas de atingir um orgasmo perfeito agora que tinha um namorado. Se não fosse pro Ethan me dar os melhores orgasmos da minha vida eu continuo solteira e virgem…
  Ou eu os guardo pra alguém como o Chris Evans ou sei lá.
  Estava sentada em um dos banquinhos do balcão, vestindo um cropped regata e um macacão jeans curto, eu estava de óculos escuros dentro do enorme galpão que servia de loja/bazar de Shania.
  - Cabelo legal – Shania disse enquanto passava por mim e depois sumia entre as roupas.
  Trouxe umas roupas pra ela, já que eu ainda precisava de dinheiro e desde que minhas roupas começaram a entrar elas estavam saindo muito rápido e o dinheiro entrando.
  - Ei , você foi demitida por que mesmo? – a mulher apareceu novamente e me perguntou, enquanto ajeitava umas botas cano alto nas prateleiras.
  - Eu meio que dei uma surra em uma cliente porque eu queria a bolsa que ela queria comprar – tentei fazer graça com isso, mas acredito que já perdeu.
  - Você quer um emprego?
  - Oi?
  Shania sorriu.
  - Eu preciso de uma vendedora forte e que consiga segurar isso aqui sempre que houver liquidações. Você sabe como mulheres ficam loucas por uma Louboutin por preço de banana e aparentemente você não tem medo de quebrar umas unhas.
  Sorri e me levantei, correndo pra mulher e abraçando. Meu Deus, essa mulher era um anjo que caiu do céu pra me abençoar.
  - Então isso é um sim?
  É como Shania Twain disse, let's go girls.

Capítulo 12

Dia do incidente.
  Wallace: Nem te conto.
  : Conta.
  Wallace: Não conto.
  : Conta.
  Wallace: Adivinha. Tem a ver com a Rachel.
  : Mas o que essa prostituta aprontou dessa vez?
  Wallace: deu uma surra nela, foi demais.
  : Pare de incitar a rivalidade feminina.
  ...
  : Como foi? Teve porrada na cara e tudo?
  Wallace: Porrada na cara e tudo. Acho que até quebrou o nariz dela.
  : Uau. Aposto que vai ficar melhor do que antes.
  ...
  : E aí? Como foi?
  : Tudo bem

  Tudo bem? Corno, verme, mula, jegue, filho de uma capivara sem teta. Corno.
  : Ah, tudo beml (:
  Eu mandei os garotos irem atrás da essa noite. Francamente, homens não possuem o mínimo de capacidade intelectual pra ter uma ideia dessas. Juntar sorvete e filmes da Disney? Era melhor que o plano de saúde de , pra falar a verdade. Pelo menos pra curar qualquer tristeza momentânea que ela estivesse enfrentando agora, era.
  Sim, momentânea. Ela iria se reerguer como um Skyscraper logo, sei disso.
  De qualquer forma, eu quem devia estar lá. E não podia. Inferno. E o gostosão aqui, pro qual mandei mensagens ontem a noite mandando ele ir até a casa dela com , simplesmente não me contaria os detalhes sobre o que aconteceu.
  Por dois motivos: 1, ele estava me ignorando. estava emputecido por eu ter roubado a prova do seu laptop. "Você se aproveitou de mim em um momento que eu estava distraído" disse ele. Distraído sim, lógico. Tava é de pau duro na minha casa cheio de inocentes de sua depravação, me poupe meu filho.
  E motivo número 2, ele queria que eu fosse atrás das meninas eu mesma. Enquanto eu não fizesse isso, ele não falaria comigo outra vez, de uma maneira decente, pelo menos.
  "Tudo bem" são duas palavras inúteis quando precisamos de uma informação completa. Uma conversa precisa de pelo menos três pra mais. Inútil. Que raiva desse macho.
  Pra ser sincera até tive uma oportunidade de conversar com as garotas e fazer as pazes. Ou era somente isso que elas queriam que eu pensasse. Quando recebi o bilhete de Britt ainda estava tudo muito recente, poderia ser só uma armação onde elas poderiam me matar e esconder meu corpo como forma de vingança.
  O chá em questão poderia estar envenenado. Era melhor prevenir do que remediar, então resolvi não ir. Meu plano era melhor, pegar primeiro meus antigos amigos, conversar com eles, ver como a abelha rainha estava se portando como forma de inspecionar o terreno, aí então eu falaria com o resto das meninas.
Hoje
  O plano foi uma merda. Nenhuma delas queria falar comigo. Me ignoravam completamente e acho que era uma forma de vingança, já que fiquei uma semana fechada para todo mundo. Na verdade neste exato momento eu ainda continuava da mesma forma, como uma borboleta no casulo. Fracasso total.
  Os últimos dias estavam uma loucura, da forma mais tediosa possível, principalmente pela minha amizade abalada com . Quando a vi no corredor aquele dia sabia que tinha dado merda. Mandei a mensagem para e verem como ela estava. E ontem finalmente eu tinha procurado Ethan, que havia me confirmado tudo.
  Ele até conseguiu algumas informações sobre alguns trabalhos passados importantes do professor de história, e amanhã eu tinha marcado um horário em um dos computadores da biblioteca. Um nome falso é claro. Eu tinha um computador e poderia pesquisar tudo em casa, mas se desse merda, eu preferia buscar tudo através de um hd público, muito obrigada. Afinal, acusar um cara de assédio não é brincadeira, este era um território escuro que eu não pensei que pudesse atravessá-lo tão cedo assim na minha vida.
  De qualquer forma, era óbvio que a fofinha Senhora Campbell atiraria pedras de primeira contra uma aluna que fosse contra o seu sistema repressor - ops - escolar, então apenas provas concretas tirariam aquele imundo de seu cargo logo.
   ter trabalhado por um dia na Marc Fontaine não melhorou nem piorou as coisas. Eu ainda estava afastada do pessoal e do pouco que eu sabia deles, o mais importante é que logo teria um jogo de hóquei e eu tentaria estar lá pra falar com ele.
  Eu tinha que refazer meu plano infalível.
  Aquele grupinho lindo passou um ano me enchendo o saco porque eu estava sumida, e isso porque eu estava somente focando nos estudos, agora todos resolveram se afastar como se eu tivesse lepra.
  Fazer o quê, era difícil lidar com as pessoas. Principalmente novos adultos ou velhos adolescentes, estes são um dos piores.
  Deixei o celular de lado e voltei a focar na tv. Meu pai e eu estávamos revendo a última temporada de Game of Thrones, pensando que se talvez déssemos outra chance pode ser que não seria tão ruim, era só uma coisa da nossa cabeça.
  No fim estávamos certos do princípio e tava tudo uma merda.
  - Por que fizeram isso com ela - meu pai disse triste ao meu lado. A camiseta suja de salgadinho e várias latas de cerveja espalhadas pela sala. A cena estava linda, principalmente porque a filha dele estava com um pijama parecido com o dele e também completamente suja de salgado e pipoca de chocolate.
  Era o auge do fracasso.
  - Eu já tive um relacionamento incrível, você o conheceu, pai, Miguel era seu nome... o cara era um sonho, perfeito, motoqueiro. Quando terminamos chorei por uma semana, doeu bastante, foi difícil ver ele beijando minha arqui-inimiga na minha frente. Mas vendo o fim dessa série... meu término com Miguel doeu menos que a metade do que meu término com Game of Thrones.
  Suspiramos vendo Daenerys colocar fogo na cidade inteira. Meu pai desligou a tv antes que ficasse pior e deu de ombros.
  - Eu nem gostava desse povo mesmo.
  - Somos dois. - Demos um high five.
  Wallace: Ei perdedora, tô te vendo daqui de cima, que cena patética.
  Enviei um dedo do meio em direção a minha porta janela. Sabe como é, Vila Lorenzo, casas umas na frente das outras. Wallace estava na janela do seu quarto do outro lado da rua, ele virou meu stalker pessoal esses últimos dias. Poderia apostar que dali ele já tinha notado que meu pijama estava furado na bunda. O furo combinava com o da minha meia.
  Ele devolveu meu dedo do meio, com uma careta de bravo. Mandei os dois dedos dessa vez. Ele mandou os dois e abaixou e levantou os braços duas vezes, o que significava quatro dedos do meio. E eles estavam dançando.
  Minha abuela que estava sentada na varanda mandou um dedo do meio pra cada um de nós e entrou com sua cadeira de rodas elétrica, fechando a janela e impedindo nosso contato.
  Mané.
  Não, Wallace e eu não estávamos brigados, até porque ele era meu primo. Além dele ser parte da minha família e eu ter que vê-lo em todos os feriados comemorativos cristãos ou não, ele também morava na frente da minha casa e toda noite jogávamos x-box junto com David, o que era um detalhe crucial da nossa relação.
  Meu pai me deu boa noite e foi para o restaurante no primeiro andar preparar algumas coisas junto com a minha mãe.
  Suspirei entediada e fui para o meu quarto, ligando o sol no volume alto. Droga de música. Droga de cama, eu ainda tinha flashes do que quase rolou dias atrás.
  Resumindo, pra piorar toda minha situação, eu estava com um tesão fodido desde a tarde que tive com o . Minha falência na vida era tão grande que nem sonhos eróticos eu tinha mais, era só pesadelo atrás de pesadelo. Até meu espírito me abandonou.
All by myself
Don't wanna be
All by myself

  Cantei com o volume do rádio no máximo fazendo uma banana de microfone. Meu celular vibrou e era outra mensagem. Mais uma vez as meninas da Marc Fontaine tentando me botar pra cima e me chamando pra sair. Na primeira vez que me chamaram, estavam a fim de um encontro às cegas. Obviamente eu neguei, porque dentro de mim, bem lá no fundo, profundamente, achando petróleo, eu estava sendo fiel àquele panaca. Isso porque eu tinha certeza que ele também estava sendo.
  Nós não estávamos nos falando, sua confiança em mim estava quebrada porque roubei materiais importantes do seu computador, e ele me ignorava completamente porque achava que era o certo, pelo menos até eu fazer algo pra voltar a falar com todo mundo.
  Mesmo assim, em algum lugar do mundo, eu podia jurar que Greene estava me defendendo de alguma pessoa me chamando de latina pirada com problemas de raiva.
  O celular vibrou outra vez. Se continuasse assim eu o usaria para outras coisas.
  E honestamente agradeço que nossos pensamentos são algo privado.
  Ethan: você ainda vai na biblioteca amanhã?
  : Por quê? Alguma novidade?
  Ethan: Na verdade sim. Tentei pesquisar sobre um projeto da História da Arte do ano passado. Encontrei uma foto na casa dele com alguns alunos onde ele ajudou a produzir. Tinha somente uma garota na foto.
  : Reconheceu ela?
...
  : Pera, você arrombou a casa dele?
  Ethan: Passei pela portinha do cachorro, dá pra acreditar? E ele nem tem cachorro.
  : Incrível.
  Ethan: Eu sei. E sim, reconheci uma das meninas, pelo menos acho que já a vi pelo campus. No jornal estava datado como ano passado então ela ainda não se formou. Não sei o nome dela, mas é uma menina emo com o cabelo roxo, infestada de piercings e vive com uma camiseta de banda de rock religioso.
  Ethan: Conhece ela, ?

  Ethan: ?

  : Mudança de planos, não precisamos da pesquisa. Eu só preciso de uma faca, bem afiada.
  Ethan: Pra quê?
  : Pra matá-lo, é claro.
  Ethan: Matar?
  : É, matar. Tirar a vida.

  Ethan: Eu não quero parecer um idiota, mas já ouvi um histórico sobre você , e…
  Ethan: Você está brincando né ?
  ?
  : Lógico que to zuando garoto.
  : Uma arma seria mais viável. Boa noite.
  Eu mesma não tinha certeza de nada, mas se a descrição de Ethan se aplicava de verdade, e se Johnson tivesse chegado perto dessa menina, eu estaria a partir de agora rezando para que seu pau caísse.

  : Eu sei que agora você me odeia e não quer falar comigo, , mas preciso te contar algo. Ethan pode te explicar melhor toda a história, estávamos em busca de outras vítimas do professor de história para ajudarem a sua versão a ficar concreta e poder finalmente denunciá-lo.
  : Ethan acabou de me passar a descrição de uma antiga assistente do professor. E acho que Morgana pode ter passado por algo similar ao que você passou.

***

  Ao entrar na sala fui recebida por uma salva de palmas. Tentei manter a pose e desfilei até meu lugar. Uma menina loira que sentava na minha frente pegou sua bolsa do chão e se levantou, fazendo graça.
  - Ah não senta do meu lado não garota, vai colar de mim na hora da prova também. - Todos da sala riram com seu comentário e alguns garotos uivaram. Minha paciência já estava no limite com toda aquela palhaçada. Já fazia mais de uma semana, e toda aula que era inédita desde a prova final dos joguinhos, ocorriam as mesmas piadas.
  Riam agora pra chorar depois, cobras peçonhentas.
  Britt estava na sala, de todos acho que ela era quem estava mais puta comigo. E com razão. Ela me deu uma oportunidade dentro das Zetas quando eu mais precisava e acabei destruindo tudo.
  Era difícil esquecer tudo que se passou. Mesmo lidando com piadas a maior parte do tempo porque sou péssima com assuntos sérios de verdade, aquilo tudo tinha me abalado.
  - O pior não é colar, e sim ser pega. Logo você, e na prova que tiraria a casa do fundo da vala, que é onde estão hoje. Que vergonha, Despacito, você já foi melhor - Markus gargalhou com seus colegas.
  Eu pensava em dar uma chinelada na cara desse moleque maldito, mas resolvi fazer a fina e empinei meu nariz, me sentando na minha cadeira sem ao menos olhar para tais seres inferiores.
  Suspirei esperando o professor entrar na sala de aula e gargalhei alto quando o vi. Não era possível.
  A sala já estava silenciosa e ele me encarou bravo.
  - Quieta, Senhorita Vega - exclamou Sr. Johnson. O queridíssimo. Pensei que Campbell ia pelo menos ter a decência de tirá-lo da nossa classe. Não era a toa que tinha faltado outra vez.
  Abaixei a cabeça entre meus braços tentando conter meu gigantesco sorriso irônico e cansado.
  Ele começou a entregar algumas provas que tinha passado há pelo menos um mês, mas estava chamando o pessoal pelo nome em voz alta e também informava a nota para todos ouvirem. Era humilhante. Pensei que isso já tinha sido proibido em ambientes escolares, até que lembrei de quem se tratava e que estava fazendo isso.
  Comecei a bater minhas compridas unhas vermelhas na carteira, de uma forma rápida e agoniante. Meu pé também não parava no chão. Meu coração estava acelerado e eu não sabia o que estava acontecendo comigo, mas algo crescia no meu corpo, e logo iria explodir. Nada bom.
  Sr. Abusador de Alunas deixou minha folha cair quando fui pegá-la. Brittany tirou C- na sua prova. Ele riu disso quando a entregou, instigando a outros alunos a rirem também. Strike 1.
  Ele estava bastante irritado, principalmente quando a folha da presença chegou na sua mesa. Lógico que ele notou a falta da , mas agora só tinha ficado mais puto ainda, afinal, ela não estava atrasada. Ela simplesmente não viria, preferia zerar a matéria e repetir o ano com outro professor do que ficar no mesmo ambiente que o dele. Strike 2.
  Escreveu no quadro, passou algum assunto e não prestei atenção em nada. Fez algumas perguntas para todos os garotos da sala, se comportava como um anjo. Até que uma menina começou a gaguejar na hora de dar uma resposta pra ele e Sr. Johnson a ameaçou. Não de uma forma palpável, lógico, mas mesmo assim... Strike 3.
  - É sempre a mesma história, Kelly, sem respostas, do-do-do-dourado. Tem dificuldades para falar somente o nome de uma cor. Vai ser impossível continuar assim - ele parecia calmo, porém autoritário. Parecia tentar salvá-la de si mesma, sendo ele também o vilão da cena.
  Deixei uma risada escapar e ele cravou os olhos em mim, fiquei quieta por uns segundos e seu discurso com a garota prosseguiu. Parecia um deja vu.
  Levantei a mão e de uma forma relutante ele me deixou falar.
  - Posso continuar seu discurso? Por favor, eu sei o resto. Agora você vai dizer que ela precisa de aulas extras, aí você vai contratar ela como assistente e começar a persegui-la em festas e em horários fora da universidade. Se ele te ligar, Kelly, ele provavelmente acha que é sorte a sua.
  - Eu não sei o que sua amiguinha andou espalhando por aí, Vega, mas tenho certeza que foi tudo da cabecinha lunática dela que desejou que fosse real. - Nem se abalou. - Kelly, chame Diane agora. Diga a ela que temos um grande e velho problema nesta sala.
  A morena se levantou assustada e se foi.
  - Ela desejou? - Estava quase me levantando. - Sua memória deve ser curta, professor, o que é um pouco ruim pra lecionar história. Mas dizem que a minha é ótima, e eu me lembro de todas as vezes que tive que desligar o telefone na sua cara, porque ela já estava cansada de fazer isso.
  Já não ligava para a platéia, na verdade era até bom. Querem encobrir esse caso? Foda-se. A partir de agora eu decidi que já não tinha nada a perder. Aquele ali não era o meu lugar. Não agora.
  - Prove - ele gritou. - Desejo que você apresente provas que demonstrem todas as atitudes que você e suas amiguinhas sonhadoras de contos eróticos andam me acusando.
  Levantei, e se eu tivesse um megafone o usaria agora. Era pra valer e faria essa fofoca espalhar pra universidade todas, vamos lá garotas e garotos, façam sua parte.
  - Ele diz isso porque usa táticas de alguém já velho no seu ramo. Qualquer uma de vocês aqui, meninas, que se sentiram de alguma forma sexual, seja verbal ou física, não se calem. - Todos estavam sérios, olhando uns para os outros, pelo menos não pareciam achar que eu era louca. - Uma pequena pesquisa com o seu passado e você tá fora Johnson. Meu pai é advogado e já está cuidando da papelada e da investigação, vai ser difícil você se livrar dessa.
  Ele engoliu em seco e dessa vez não tinha uma resposta na ponta da língua.
  - É isso, acabou, . Eu gostaria que a senhorita se retirasse da minha sala.
  - E eu gostaria que o senhor fosse se foder - sorri.
  Sr. Johnson parecia ter sido atingido no coração.
  - O que foi que você disse? - sussurrou de boca bem aberta.
  - EU GOSTARIA QUE O SENHOR FOSSE SE FODER. ENTENDEU AGORA? - gritei.
  Aí o pessoal ficou tipo, uau, chocados, afobados, alguns riram, se juntaram e começaram a filmar.
  Qual é, pelo amor de Deus, eu estava há minutos acusando o cara de abuso contra uma de suas alunas e eles apenas ficam surpresos quando uso um palavrão? Como se usar palavras de baixo calão contra um professor (acusado de abuso contra uma aluna, não vamos esquecer) fosse o fim do mundo.
  Não vai acontecer nada.

***

  - Expulsa? Como assim expulsa? Por mandar ele ir se foder? - Estava incrédula.
  - Não, - Campbell apertou seu punho e acho que ela imaginava meus miolos lá dentro. - E pare de usar essa palavra de uma vez por todas.
  - Por quê, então?
  - Ah, deixa eu ver, por entrar em uma briga verbal contra um professor, utilizando uma falsa acusação com um enorme público, podendo acabar com a carreira dele pra sempre, apenas uma semana depois de ter ilegalmente baixado as respostas de uma prova importante para o nosso sistema universitário e ter sido já expulsa da casa de irmandade, onde também foram desclassificadas do projeto Hearst?
  Me explicava pela milésima vez. Campbell olhava pra mim total crazy eyes, com a pose de "tá bom pra você?"
  - Eu não tô vendo problema algum nisso - respondi simplesmente.
  - Juro por Deus que agradeço a Diane por sempre ter colocado você no final da lista de estudantes que eu tinha que lidar. Você atrasa a minha skincare, . - Sentou-se cansada na sua cadeira e suspirou massageando as têmporas.
  - Sinto muito, reitora Campbell, não importa quantas vezes você passe pano pra aquele velho pinto murcho, mas eu não vou me calar quanto a isso. Não é porque ela é minha amiga. É mais do que isso. E pensei que você como mulher entenderia. Que droga.
  Me levantei e chutei a cadeira de leve.
  - Também sinto muito, , mas esta instituição não foi feita pra você. Não sei de que parte da cidade você veio e se é comum burlar todas as regras sem peso algum na consciência, mas não é assim que fazemos na Hearst. Por anos não foi e por anos não será.
  - Então você vai me chutar por dizer a verdade, é isso?
  - A sua verdade não é universal.
  - Me recuso a começar a duvidar de mim mesma só por umas palavrinhas da senhora me colocando pra baixo. Eu sei o que vi, sei o que presenciei, e eu vou provar.
  - Espero que consiga, pois vai precisar.
  - No fim do dia a Hearst acaba sendo apenas mais um instituto patriarcal que se não dá prioridade para os já privilegiados, dá para os homens. Eu teria vergonha, Senhora Campbell.
  - Já estou sentindo isso o suficiente por hoje. Pensei que dar chances para pessoas da sua classe seria um trabalho solidário e eu não deveria julgar um livro pela capa, é como dizem não é? Pena que você acabou sendo mais do mesmo.
  - Para mim você não foi mais do mesmo. Foi uma das piores. Passar bem.

***

  - Parece que essa é a última vez que eu vou te ver, Vicky - fiz drama deitando na sua mesa de recepção esticando meu braço pra ela como em um adeus, eu tinha que ir, mas meu corpo queria ficar.
  - Eu previ isso, sabia? Hearst não estava preparada para uma garota como você - comentou rindo e fiz bico.
  - Um ano de estudos pra passar na maldita prova e uma bolsa cem por cento free jogados pela janela, meus pais vão me matar, sim ou sim? - Roubei uma bala de seu potinho.
  Os cabelos de Vicky agora estavam verdes, diferente de quando comecei a estudar aqui e eram cor de cereja. Se eu tivesse interesse em meninas, ela seria a primeira que eu tentaria flertar, e como ela já flertou várias vezes comigo eu até acho que teria chances. Por brincadeira da vida, fui amaldiçoada a ser hétero. Se eu pudesse escolher, seria diferente.
  - Pelo que eu me lembro, a faculdade sempre foi uma ideia sua. Eles não podem te apedrejar por você ter escolhido seu próprio destino e infelizmente ele não ter dado certo por agora.
  Suspirei falsa e altamente, me escorando contra sua mesa mais um pouco.
  - Jogados pela janela, Vicky - repeti só pra saber se ela seria boa mesmo em me retrucar e me por pra cima de novo. Eu precisava de carinho, de amor, nem que fosse só um pouquinho.
  Ela disse mais séria agora, como se quisesse enfiar cada palavra com vontade dentro da minha cabeça. Eu tinha que engoli-las e acreditar nelas.
  - Por Jeová, , você marcou sua história aqui com as Zetas. Eu me lembro como se fosse ontem quando apareceu aqui e um tutor foi encaminhado para te ajudar. Se não estivesse ruim com suas notas, nunca teria entrado na irmandade e feito as garotas participarem dos joguinhos. Só assim as inscrições para o emblema delas voltaram a decolar.
  - Ah para né - sorri fazendo um gesto com a mão de envergonhada. - De qualquer forma, perdemos na prova teórica e todo mundo se fodeu então…
  Minha cabeça teve um leve bloqueio com essa palavra. Será que eu ficaria traumatizada para sempre ao falar "foder"?
  Foder. Foder. Foda-se. Foda.
  É, não.
  - Na verdade... - Ela olhou para o seu computador e digitou rapidamente qualquer coisa. Alguns cliques e olhou para o corredor, observando se alguém chegaria ali. Eu estava morrendo de curiosidade até que ela me chamou para o seu lado da mesa e li o conteúdo da tela.
  Eu não estava tão errada assim. Brittany tirou F. Mas o restante das notas, mesmo com a prova inacabada, era o suficiente para passarmos em primeiro lugar.
  - Vocês venceram os joguinhos, de verdade, . Só não ganharam o dinheiro.
  Sorri encantada com aquela informação, explodindo de orgulho das minhas meninas. Abracei Vicky com força e soltei um gritinho histérico.
  - O que diabos você ainda tá fazendo aqui? - A reitora Campbell explodiu da sua sala e me assustei, saindo da recepção e engatando a primeira fugindo logo daquele hospício.

***

  Peguei um uber para casa e fiquei a viagem toda ouvindo Livre de Fernando e Sorocaba no meu celular. Estava feliz, feliz demais, eu estava livre daquela merda de universidade finalmente. As portas iriam se abrir pra mim e tudo recomeçaria de uma forma melhor e superior.
  Cheguei em casa sorridente, ignorando todos que me chamavam assustados por eu estar ali essa hora do dia. Tranquei a porta do meu quarto e me joguei na minha cama. O tambor e a guitarra da música estouraram meus ouvidos e eu não estava nem aí, porque eu estava livre e feliz. Me virei olhando para o poster da Demi pensando nas oportunidades novas da minha nova vida agora sem estar matriculada em alguma escola.
  Aí eu chorei por aproximadamente quatro horas seguidas.
  Quando me dei conta estava usando uma camiseta de , um short do Bob Esponja e minha mãe tentava acalmar meu choro estupendamente feio, me dando lenços enquanto eu soluçava.
  - Meu amor, eu já disse que tá tudo bem - falou calma tentando tirar meu cabelo grudado nas lágrimas da minha cara. - Você vai ter outras chances na vida.
  - Não tá tudo bem! Eu sou uma inútil, eu não aguento mais essa vida de gado. - Afundei mais uma vez na cama e meu olho na nuca notou minha mãe revirando os olhos.
  - Aqui, toma água - me deu o copo - vai ficar desidratada desse jeito.
  Explodi em choro mais uma vez.
  - É por-por-por - o soluço me gaguejou. - É porque eu estou menstruada.
  - O que é menstruada? - David apareceu na porta com um caderno em mãos, genuinamente curioso com sua pergunta.
  - Não sei David - minha mãe respondeu rapidamente. - Vou pesquisar na internet e já te conto. Cuide da sua irmã enquanto isso.
  Bagunçou o cabelo do meu irmão e fugiu para o primeiro andar.
  Isso mesmo, fugiu.
  Meu pai já tinha tentado me acalmar e não deu certo. Agora foi a vez da minha mãe. Queria me jogar da minha janela e morrer. Uma pena que só quebraria uma perna no máximo.
  - , eu quero te mostrar uma coisa - David subiu na minha cama com seu caderninho e fez cara de nojo pros meus lenços. Chorei mais um pouco. Agora até meu irmão caçula tinha nojo de mim. Era o fim da picada.
  - Que isso? - Peguei seu caderno em mãos curiosa. Meu choro estava cessando naquele momento.
  - É a minha tabela. - Bem mal desenhada e a letra estava horrível, mas realmente, era mesmo uma tabela. - É aqui que anoto todas as merdas que você já fez na vida antes de completar 25 anos. Expulsa da escola era o último pra dar bingo, veja.
  Apontou e assenti percebendo a verdade nas suas palavras. E uau, a lista era grande. Incluía prisão, tatuagem à mostra, tatuagem escondida, piercing, osso quebrado, desaparecer por alguns dias, andar em uma ambulância, andar na traseira de um carro da polícia, ter um porre na rua, ter um porre em casa, ter um porre e levar um esporro dos pais, subordinar o irmão caçula com dinheiro para que ele não contasse que você ia fugir de casa pra tomar um porre, pegar um cara do lado de casa e fazer o próprio pai correr atrás dele e passar mal com a asma até que precisou ficar sentado e ouvir os vizinhos mandarem ele degolar e esfolar o cara vivo.
  Poxa, era uma lista grande e específica.
  - Você é a minha maior inspiração, .
  Nunca pensei que conseguisse arquear minha sobrancelha tão alto em tamanha surpresa que foi ouvir aquela frase.
  - Obrigada David. Isso é péssimo e sou uma terrível inspiração. Mas isso foi fofo, obrigada. - Continuei lendo a sua tabela, ainda perplexa.
   - Eu fiquei pensando se devia começar uma nova lista, no primeiro parágrafo seria assassinato - feliz.
  - David não, pelo amor de Lindsay Lohan, vamos deixar assim como está, uma é o suficiente.
  Abracei o magricelo com força, tapando sua boca para que não falasse mais nada. Estava com medo dele ser algum tipo de escritor mediador Chico Xavier cigano previsor de futuro. E esse futuro em questão era meu.
  - Coloca aí que vou me casar, viajar o mundo todo, ter sete filhos, me formar e conseguir comprar uma BMW, por favor. Não necessariamente nessa ordem.
  Ele revirou os olhos.
  - Você não entendeu o espírito da coisa, eu tô tentando te mostrar que de todas as coisas que você já viveu, entrar na Hearst foi a mais chata delas. - Assenti devagar. Ainda assustada. - Mas eu escrevo isso aí que você pediu.
  Saiu saltitando.
  Uau, esse foi o pior conselho que já ouvi em toda minha vida. David era mesmo filho do meu pai.
  "Sai da minha frente, garoto" ouvi uma voz velha brava do corredor, em conjunto com o som de um robô se locomovendo. Era minha abuelita. Só faltou a visita dela aqui.
  - Que choradeira é essa? - Sua voz era grossa e mandante. Não aguentei tanto julgamento e comecei a chorar outra vez. - Me erra, menina.
  - Vovózinha, eu não sei mais o que fazer. - Joguei minha cara contra o travesseiro.
  - Começando por não me chamar de vovó seria uma boa. - Ela odiava quando não a chamava de vó em espanhol.
  Moveu sua cadeira até a janela, apreciando a vista e parou. Olhou pra mim batendo com as mãos em seu colo. Me levantei cambaleando de tanto ficar deitada e sentei no colo dela. Ela me abraçou como se eu fosse um bebê e olhamos juntas para as ondas na praia.
  Eu realmente tinha o melhor quintal do mundo.
  - Agora me diga direito o que aconteceu. - Tirou o cabelo do meu rosto, como minha mãe tinha feito. - Mas diga depressa, porque logo eu vou esquecer.
  Contei toda a situação pra ela e ela suspirou profundamente. Olhar as rugas da sua face e toda a emoção em seus olhos me fez se sentir idiota. Aquela mulher já tinha vivido tanta coisa em toda sua vida, ela tinha mais de cem anos, acreditávamos pelo menos, e mesmo assim continuava ali, com a sua presença inigualável. Enquanto eu chorava porque fui estúpida o suficiente de me enfiar uma situação que poderia facilmente ser evitada.
  É. Olhei pra ela encantada. Eu respeitava aquela mulher. Ela era foda.
  Foder. Foder. Foda-se. Foda. Não, nenhum trauma com essa palavra por enquanto.
  - Você é nova - ela começou a falar. Estava calma e prestava atenção no mar, pela primeira vez eu senti que alguém realmente se importava com o que estava acontecendo comigo. - E parece um daqueles deuses estúpidos que encontro nos jogos do seu irmão que venho me aventurando ultimamente.
  Gargalhei.
  - Como assim?
  - Tem um deles, se chama Atlas, ele me lembra bastante vocês adolescentes. Pensam que podem segurar todo o mundo nas mãos, mas não conseguem. Você é nova demais pra isso. Eu sou velha, já vivi o suficiente e ainda aprendo coisas com seu pai, seu irmão, sua mãe, coisas que em segundos eu esqueço, mas sei que neste momento estou segurando uma parte do meu mundo no colo.
  Outra lágrima escorreu do meu olho e funguei sorrindo pra ela.
  - Na sua idade, seus pais já tinham você, eu me lembro disso. Moravamos de favor, por vezes sua mãe ao menos tinha fraldas ou leite pra te amamentar, seu pai lutava pra pôr comida na mesa. Demorou mais de trinta anos para que eles percebessem que a felicidade não são meras coisas que conquistamos, e sim a nossa família. Lógico que amamos o dinheiro e tudo que ele nos provem, mas de nada ele serve se não temos amor, .
  ”Você pode até cansar de ter portas sendo fechadas na sua cara, isso cansa mesmo uma pessoa, mas tente não se trancar para a possibilidade de tentar uma nova fechadura, uma nova opção. Seu nome não é sem uma razão por trás.
  ”Nossos corações e memórias são dados a nós somente uma vez nessa vida, e Deus sabe o quanto eu acho você correta por usá-lo da forma que você acha correta sempre que pode. Use e abuse, cariño.
  ”Às vezes nossos corações acabam despedaçados e nossas memórias somem - fungou. - Só que eu acho um desperdício desejar que eles sumam de vez porque em tal situação doeu sentir tudo isso.
  ”Apesar de tudo que você passou hoje, sei que continua doendo, meu coração doeu muitas vezes também e posso te prometer que logo ele sara. O mais importante que posso te dizer agora é que estou aqui com você, para o que precisar. E quando eu não estiver mais, seus pais estarão.
  ”Porque você é uma menina incrível que pode conquistar o mundo, querida. Só não precisa ser agora.”

***

  Na manhã seguinte acordei me sentindo renovada. Tinha tomado um calmante para dormir logo e desliguei o celular. Ao levantar tomei um banho demorado e morno, que acabou lavando minha alma.
  Coloquei um top de crochê sem mangas na cor branco e uma saia longa, mas leve, com uma estampa florida. Puxei meu cabelo e amarrei no topo da minha cabeça, ainda assim ele chegava quase ao meio das minhas costas.
  Corri para a cozinha enchendo um copo grande com granola e iogurte de morango, enquanto também deixava algumas roupas sujas para lavar na máquina da lavanderia.
  Depois de estar lavada, bem vestida, cheirosa, comida, dentes escovados e humor renovado, decidi que era hora de falar com os meus pais.

***

  - Então é isso! - finalizei meu monólogo de como descobri uma nova luz no túnel que virou minha vida nas últimas duas semanas. - Eu me demito.
  Sr. Sanchez engasgou com o suco de laranja que estava tomando e minha mãe bateu com força nas suas costas para o desafogar.
  - Parabéns despeitada, matou o papai - David me criticou enquanto roubava alguns pãezinhos de uma cesta.
  - Se eu não morri vendo seu último boletim, não é hoje que morro, David - tossiu com força e endireitou as costas por vez. - Você acha que isso é uma boa ideia, anjinho?
  - Ela sabe o que faz, Sanchez - mamãe me deu cobertura. - Estaremos aqui de braços abertos se quiser voltar.
  - Mas tem certeza, meu anjinho? - Largou o suco e a espátula que tinha em mãos para me abraçar. Torci o nariz pelo cheiro de gordura que me atravessou. Era cheiro de homem trabalhador, meu pai dizia. - Você sabe que herdará tudo, não sabe?
  - Eu vou? - estranhei essa informação.
  - Ela vai? - mamãe me acompanhou.
  - Por que diabos então meu nome está na placa do restaurante? - David perguntou indignado.
  - Um ficava com a homenagem do nome e o outro com o restaurante, ora bolas. É matemática básica - se explicou.
  Tentei encontrar matemática naquilo e falhei. Sacudi a cabeça espantando os pensamentos e voltei a erguer meu queixo, era hora de dizer adeus àquela etapa.
  - Mãe e pai, eu agradeço por tudo que fizeram por mim, desde que eu nasci, todos os sacrifícios que precisaram passar pra que conseguissem manter nossa família única. Mas eu acho que... o restaurante não é o meu lugar.
  David riu.
  - Acabou de ser expulsa e acha que tem local de fala pra decidir alguma coisa. - Peguei o pãozinho de sua mão e joguei na sua cabeça.
  - Eu estou trabalhando há mais de um ano aqui e na Marc Fontaine. Tenho algum dinheiro guardado e acho que podemos nos virar com ele... - Minha mãe me interrompeu.
  - Você tá louca, menina? Nós somos os seus pais, não é o contrário. - Largou o pano de louça e ficou do lado do meu pai, eles olhavam carinhosos para mim. - É díficil falar com você sobre isso porque está sempre um passo a frente, independente demais e nunca nos dá ouvidos. Mas estamos bem, , de verdade. O restaurante está indo bem e já conseguimos repor tudo o que faltava, a hipoteca está paga, o carro também. Ninguém aqui está passando fome e só queremos que nossa filha consiga ir atrás do que nós não conseguimos quanto tínhamos a sua idade.
  Meu pai tinha os olhos vermelhos e fungou uma única vez. Ew.
  - Sua mãe tem razão, sabe? É difícil deixar o passarinho voar, você é a minha única princesinha, depois de você nasceu este babuíno. - Apontou para David.
  - Ei!
  - Mas você tem asas e pode ir pro céu quando quiser, anjinho.
  - O que seu pai está querendo dizer, é que você é grande agora, sabe que decisões tomar pra cuidar da sua própria vida. Não quer continuar a faculdade agora? Tá tudo bem, terá mais tempo pra isso. Talvez nem queira fazer, no fim.
  - Você tem uma vida, isso é um bom começo, daqui pra frente você só precisa saber como usá-la, filhinha - sorriu.
  Assenti em agradecimento.
  - Sua vida é sobre o que você quer, e não o que queremos.
  Eu ri, feliz.
  - Sempre zoei os privilégios dos alunos ricos de todas as escolas por qual já passei. Eu tenho pena deles por não ter o maior privilégio do mundo que é ser filha de vocês dois. - Senti meus olhos arderem.
  - Ah pelo amor de Deus, não comece a chorar de novo - David reclamou e joguei outro pãozinho nele.
  - Ei! - reclamou.
  - Tenho mais uma coisa pra falar. Vou continuar na Marc Fontaine.
  Meu pai fechou a cara.
  - Você tinha dois empregos, podia escolher um e escolheu o deles, ? É isso que você chama de privilégio em ser nossa filha? Ora bolas eu chamo de traição, eu - minha mãe acertou o pano de louça em seu braço sem perder a compostura. - Eu acho lindo que você escolheu o que mais gosta filha espero que seja feliz…

***

  Anna: Agora além de longe das Zetas, você também foi expulsa? Caramba . Enfim, você virou a latina mais falada do Campus. E por uma boa causa. Lembra quando você me ensinou sobre a hashtag exposed party que tem no twitter? É basicamente o que aconteceu com o Professor Johnson. Logo ele estará fora, e eu acho isso lindo.
  Bem feito, velho lazarento.
  Morgana: O que você está aprontando? Um garoto veio atrás de mim falando que era seu amigo e que você explicaria tudo que estava acontecendo com detalhes. Agora me diz, em que enrascada você me enfiou dessa vez?
  Mais tarde eu resolvo isso.
  : Como está a mais nova expulsa da seleção? Eu estou tão orgulhoso de você. É como se existisse uma lista de maiores cagadas que um adolescente pode fazer no período da adolescência e você não perde tempo em marcá-la. Não se esquece do meu jogo sexta-feira a noite. Estou curioso pra ver a reação do pessoal com a sua volta. Volta, mas como uma visita.
  Eu vou, pequeno gafanhoto, não se preocupe.
  Wallace: EU NÃO SEI POR QUE AINDA FICO CHOCADO PRIMA. DE VERDADE. MAIS TARDE PASSAREI NO DAVID'S PRA FALAR COM VOCÊ. AGORA TENS TEMPO LIVRE DE SOBRA MESMO…
  Ps. Queria eu ser expulso daquela bagaça.

  Não é muito difícil, só parece.
  : Ethan me explicou tudo. Vou falar com a Morgana. Obrigada. Fique bem.
  Hm…
  Ethan: Você foi expulsa? Maneiro.
  Sim.
  Britt: Qual dessas versões é a verdadeira dos gatos?
  Fatos*
  a) Você matou o professor Johnson e saiu correndo pedindo a libertação de um ex presidente brasileiro. b) Mostrou os peitos pra todo mundo, colocou fogo na sala e foi detida por um policial gostoso no meio do caminho, ou c) Mandou o professor ir se foder, fez um exposed party dele no meio da sala e levou um xingão da Reitora?

  Hum, Brittany, você estava lá. Outra mensagem chegou.
  Britt: Ah, eu estava lá, esqueci. De qualquer forma eu nem estou falando mais com você, adeus. Não vou lhe financiar propina quando me tornar presidente de Los Angeles, espero que saiba disso.
  Sabrina: É verdade que você colocou fogo na sala?

  Sim, depois disso saí voando de lá com a minha vassoura.
  Dick: Oi eu faltei a aula de história, tem como me passar a matéria?
  ...
  Dick: MININA DO CÉU.

  Que garoto atrasado nas fofocas, gente.
  Terminei de ler todas as mensagens e respondê-las mentalmente, pra depois esquecer que visualizei tudo e não respondi de verdade, pra focar nas últimas. Que também foram as primeiras.
  Eu estava sentada no banco de uma praça próximo ao meu trabalho. Tive que persuadir muito bem meu chefe para ele perdoar meu sumiço e tirei o resto do dia de folga. Comprei um sorvete em uma barraquinha e cliquei no ícone do .
  : Você está bem???
  Fala alguma coisa.
  Quer que eu vá até aí???
  Sério mesmo, pra que você tem celular? Que inferno.
  O que aconteceu de verdade? Prefiro ouvir a sua versão do que a de Campbell. Eu sei que não estamos nos falando nesse momento, mas pelo amor de Deus, , ainda somos amigos e mereço alguma resposta pra saber como você está.
  Acabei de ligar para sua mãe. Ela disse que ficou mal no início e acabou se recuperando. Podemos falar sobre isso? Me ligue quando puder.
  , se me mandar uma mensagem agora levo seu café da manhã favorito na cama pra você.

  ...
  Muitas mensagens repetidas, algumas ligações perdidas entre outros. Arrastei para o final.
  ...
  Britt me conta uma coisa, Campbell outra, e os idiotas do campus preferem inventar qualquer merda sobre você. Tá sendo simplesmente um inferno esta manhã. Atende a porcaria desse celular logo ou eu vou ficar louco. Uma palavrinha só, , eu preciso de um sinal de vida.
  : Tudo bem.

  Enviar.
  Sorri maldosa para a mensagem e desliguei meu celular. Rancorosa? Eu? Imagina…
  Um carro buzinou atrás de mim e levei uma surpresa com as garotas que estavam dentro. Era praticamente toda a Zeta, sem Britt e .
  - Entra logo, perdedora, vamos às compras - Sabrina gritou do volante. Estranhei toda aquela situação, mas me aproximei, aos poucos, sem movimentos bruscos.
  - Cadê o resto? - perguntei através da janela. Abby me respondeu.
  - É o que tem pra hoje. Britt está bastante brava com você ainda e não pode estar aqui, vamos comprar o resto dos produtos que faltam pra festa de aniversário dela.
  Não, eu não tinha esquecido do aniversário de . Só imaginei que eu seria expulsa da parte da criação. E da festa. A cabeça de Sandra apareceu no meio dos bancos.
  - Eu sei que o clima tá bem esquisito e não estamos aqui pra fazer as pazes pra sempre e fim. Porém precisamos superar isso, por enquanto, é como um acordo de não vamos nos matar por um bem maior.
  Assenti achando que era justo. Notei que faltava outra pessoa no carro.
  - Cadê a Morgana?
  - a chamou para ter um papo sério. - Fiquei levemente aflita com aquela declaração, mas relevei. Apertei a mão de Sabrina pela janela aberta do seu carro e entrei no passageiro, expulsando Sandra dali. Ela resmungou e acabou cedendo.
  - Por onde vamos começar? - Anna, minha ruivinha mais linda da vida que eu sentia saudades de verdade ao contrário de todas as surucucus dentro deste carro, perguntou.
  - Vocês já sabem onde vai ser a festa? - quis saber.
  - Bom... não. meio que disse que você saberia cuidar de tudo.
  - estava certo. Vou colocar o caminho no GPS, se preparem meninas, terão uma bela surpresa.

Capítulo 13

Um Especial Aniversaresco de Hudson.
Ethan

  Eu me considerava uma pessoa zen, tentava o máximo não surtar por pouca coisa até ter certeza que existe um motivo pra surtar. E eu nem era perfeccionista, mas descobri que tentar fazer a festa surpresa perfeita pra poderia me deixar com TOC igual .
  Porque eu só conseguia ver caos.
  O lugar que alugamos estava lindo, bem decorado cheio de flores e uma decoração mais delicada, com tons pastéis e muito glitter – porque ama – e óbvio que ela amaria só pela intenção, mas mesmo assim eu não conseguia achar que não estava tudo horrível.
  Um dos motivos era porque a escolha de ser uma festa surpresa dias antes do aniversário de criava uma surpresa realmente surpreendente, mas bem, festas assim davam certo durante a semana?
  O salão começou a encher aos poucos com alguns amigos, parentes e pessoas que provavelmente só conhecia porque nunca os vi na minha vida, mas até então só duas pessoas importantes ainda não haviam chegado: o pai de e .
  Além da “aniversariante”, essas eram as pessoas que sentiriam mais falta caso não viessem. E meu estômago se embrulhava só de imaginar que poderiam não vir. Mas era claro que o pai dela viria, né?
  - Ela vem né? - perguntei apreensivo para Wallace, que deu os ombros em resposta.
  - Bom, os pais dela vieram... - Apontou para o casal. O pai de estava se esbaldando nos salgadinhos enquanto a sua esposa olhava para os lados e fingia que não o conhecia. A senhora na cadeira de rodas dava bronca no homem e no menininho que imitava o mais velho.
  - Mas ela vem? - perguntei novamente.
  - Cara, é a ... então, vamos esperar o melhor, e que ela venha, porque bom... é a .
  Ótimo ponto.
  - É o aniversário da melhor amiga, ela não faltaria. Faltaria? - Era notável a minha ansiedade para que tudo ocorresse perfeito. - Quer dizer, ela ajudou a fazer tudo isso daqui…
  Wallace deu os ombros.
  Eu conhecia também e esperava que ela fizesse sua chegada triunfal antes de chegar, porque essa noite tinha que ser perfeita pra minha garota. Ela ficaria tão feliz em ver tudo isso aqui e ainda mais se essa festa ajudasse as duas a voltarem a serem melhores amigas como nós esperávamos.
  - Cara, foque em trazer a pra cá. A deixa que a gente resolve de outra forma, tá? - apareceu, se metendo.
  Então a ficha caiu. Sabia que estava esquecendo de algo... da aniversariante, claro! Puta que pariu, Mason, que ótimo namorado você é. Brilhou.
  Em minha defesa, nem eu sabia onde estava. Era um dia da semana, ela provavelmente estava fazendo alguma atividade em Hearst, porque essa menina vive por estudar ou nesses clubinhos de nerd que ela adora.
  E nós tivemos que dar um gelo nela pra arrumar as coisas sem ela levantar suspeitas. O estranho é que ela nem ao mesmo desconfiou ou se interessou em saber porque todos os amigos ficaram offline pra ela. Mas, bom, estamos durante a semana, então acho que ela já esperava isso.
  Quem escolheu essa data foi genial.
  Agora precisávamos escolher quem iria atrás dela, de uma forma justa e totalmente imparcial: papel, pedra e tesoura.
  - Quem perder, perdeu, ok? - determinou. Seria uma competição justa, eu contra Wallace e contra , o perdedor de um lado iria contra o perdedor do outro lado e quem perdesse a final, iria buscar .
  Pode parecer ridículo né? A gente faz uma festona pra garota de aniversário, mas fica com medo de buscar ela pra ir pra festa. Mas, bom, nós não sabíamos se ela estava extremamente puta conosco por termos sumindo ou se estava cagando.
  E nenhum de nós era , ela sim saberia se a amiga estava uma fera ou no melhor humor só lendo uma mensagem de texto.
  - Prontos? - Concordamos. - Pedra. Papel. Tesoura! - e deu o já. Joguei pedra e Wallace tesoura. Ele berrou em desgraça e eu pulei, comemorando a minha vitória.
  Os meus amigos me olhavam com suas sobrancelhas erguidas e eu me recompus.
  - Vocês sabem que de nós quatro eu sou o que mais vai apanhar de qualquer forma - me justifiquei. - Então, se virem vocês aí - sorri e deixei meus amigos se fodendo.
  Do outro lado perdeu, então o desempate estava entre Wallace e . Os dois suavam frio, com seus olhos presos em seus dedos tentando antecipar o movimento do outro, qualquer dica que dissesse que eles não perderiam.
   deu o já e ajeitaram as mãos. Os dois botaram papel, merda. Então mais uma vez, os dois botaram pedra. Como são burros... E na última, Wallace botou sua pedra convicta, com o sorriso de vitória no rosto, que logo se transformou na mais risível expressão de decepção. botou papel. Wallace perdeu.
  - NÃO, NÃO, NÃAAAAAO - Wallace se agachou no chão. - Isso é injusto! Por que o branquelo tem sempre que ser privilegiado??? Ele tem carro e conhece a menina desde que nasceu! - Bateu o pé
  O apontou pro canto da boca do amigo, rindo de sua cara.
  - Para de drama e aceite logo a derrota.
  Wallace revirou os olhos.
  - Ok, vamos logo com isso então. Preciso saber onde ela tá, então Ethan... faça seu trabalho.
  - Só um minuto, senhores.
  Peguei meu celular e digitei a mensagem prontamente:
  Ethan: Ei gatinha, onde cê tá?
  ...
  E nada.
  Eu estava me cagando um pouco? Provavelmente. Mas ao mesmo tempo eu sabia que era a e ela NUNCA respondia na hora.
  Sabe aquela pessoa que lê a mensagem e pensa “hm, depois eu respondo” e então a resposta só chega uns cinco dias depois? Essa era a pra responder mensagens. O recorde dela foi uma semana inteira, todo dia ela encarava a mensagem e dizia “amanhã eu respondo” e não respondia.
  Novamente, esse trabalho era injusto comigo... era pra fazer isso. A nunca demorava mais que cinco minutos pra responder a amiga, a não ser que dormisse no meio da conversa.
  - E aí? - perguntou observando minha careta pro celular.
  - Só um minuto... - Levantei um dedo pedindo-o que esperasse. Enquanto isso permanecia encarando o meu celular na esperança que a força da minha raiva fizesse ela responder.
  Esperei mais um pouco, porque eu sentia dentro do meu coração que ela me responderia. Mandei mais umas só pra tentar chamar atenção, mas fiquei com receio de mandar muitas e ela desconfiar.
  E não, ela nem leu. Merda, o que essa menina tava fazendo?
  - Então??? - Wallace permanecia de braços cruzados, encarando pra mim com uma cara de tédio, ainda emburrado pela derrota.
  - Errr, ela não tá respondendo. Vai ter que ir na intuição mesmo... - disse a má notícia e Wallace se emburrou mais ainda, prestes a começar a chorar de birra.
  - Como que eu vou então? - Bateu o pé. - Nem carro eu tenho! Vou ter que ir de ônibus? Isso é tão injusto... - se apertou mais ainda com seus braços cruzados.
  - Eu te levo, cara - Dick apareceu do nada. Capaz de ter ouvido a conversa, com sua cara de paisagem e provavelmente pensando em algo que só ele pensaria.
  Wallace olhou pro Dick, olhou pra nós, olhou pro Dick de novo. Ele estava hesitando? Por que ele hesitaria de aceitar uma carona do cara? Será que os dois brigaram por uma mulher de novo?
  Ultimamente Dick e Wall viviam em um clima de guerra que por qualquer motivo brigavam. Diziam que era por causa de uma garota que Wall estava a fim e Dick ficou com ela, algo do tipo... Acreditamos, afinal, os dois correm atrás de um rabo de saia mais que o diabo foge da cruz.
  - Tá... vamos logo - e os dois foram.
  Agora a minha missão era acalmar os convidados, porque a estrela logo chegaria. Eu espero que com Wallace e Dick, e não só suas cabeças vazias.

***

  Quem diz que matemática não pode ser divertido, com certeza é uma pessoa um pouquinho infeliz.
  Eu estava o dia inteiro como convidada no Clube de Matemática na Hearst e ganhei até uma camiseta com meu nome atrás, eu me sentia parte de um time. E a cada novo cálculo que eles resolviam eu me sentia mais entretida, estava me divertindo horrores.
  Havia até desligado o meu celular pra aproveitar a experiência.
  Os meninos do clube foram tão fofos que até fizeram um pequeno tópico de Astronomia pra que eu pudesse discutir o que eu sabia, o que estava aprendendo e o que queria aprender mais ainda quando fosse aceita no meu estágio - estava torcendo por isso.
  Assim que foi decretado o fim da reunião, tirei o tempo pra me despedir dos meninos enquanto saboreamos as rosquinhas que Ronny - que o pai tem uma padaria - trouxe pra gente.
  - Vocês foram incríveis hoje - disse, enquanto cumprimentava Jeremias. - Quando chegou na parte de Geometria Espacial eu quase comemorei de alegria!
  O menino riu.
  - Eu percebi! - assentiu. - Vem pra próxima reunião, vamos falar mais sobre Geometria Analítica e eu apostei com o Terry que disse que consegue resolver a Conjectura de Birch e Swinnerton-Dyer.
  Dessa vez eu ri.
  - Me bota nessa aposta aí, porque eu tenho certeza que ele não vai passar da primeira parte.
  Nossa conversa foi interrompida com um Wallace e um Dick entrando como furacão no salão. Se não fosse óbvio eu diria que eles estavam me procurando, porque quando me viram quase faltava chorar de alegria.
  - Meninos? O que tão fazendo aqui? - Franzi o cenho.
  - Porra , te procuramos pelo campus todo - Wall ralhou comigo. - Da próxima vez responde as mensagens.
  Dei os ombros.
  - Desculpa Wall, meu celular tá desligado.
  - Por que tá vestida assim? - Dick me encarava confuso. Apontou pra camiseta do time de matemática que eu usava.
  Esse era o momento raro, extremamente raro em que alguém me veria como uma das meninas da irmandade da Rachel: de coque frouxo e sem maquiagem. Além da camiseta que ganhei e calça jeans e os meus tênis comuns.
  Só faltava óculos pra completar meu look de garota casual antes de trombar com Harry Styles e ter sua vida mudada para sempre.
  - É minha camiseta do time de matemática - dei uma risadinha. - Eu sou quase uma matléta!
  O garoto me encarou como se eu fosse um alien.
  - Ok, isso é nerd... Eu achei que você era mais legal que isso.
  Revirei os olhos.
  - Você não sabe o que é ser legal quando não sabe nem o valor de Pi - Jeremias me defendeu e nós rimos da cara de Dick, que ficou mais confusa que o normal.
  - Por que eu saberia o valor de uma fraternidade? - Revirou os olhos se sentindo o espertão. - Mas deve valer milhões. Há, toma isso!
  - Uau.
  Não sei porque ainda me surpreendia com Dick. Realmente, eu tinha expectativas altas demais.
  - Ok, voltando o assunto - Wallace disse. - Vem dar uma voltinha com a gente? Tomar um sorvete, sei lá. Quero matar a próxima aula.
  Franzi o cenho.
  - Você me procurou pelo campus inteiro pra me levar pra tomar sorvete? - Então meus olhinhos brilharam e eu abri o maior sorriso do mundo. - Meu Deus Wall, eu te amo.
  Ele sorriu vitorioso.
  - E quem disse que isso foi ideia dele? - Dick se emburrou. - Ele não precisa ser sempre o que tem as ideias, sabia?
  Dick estava se queixando de alguma coisa que eu não sabia o motivo, mas já era normal esses dois brigarem ultimamente. Por qualquer coisa era um motivo para se desentenderem.
  Cruzei os braços, encarando os dois com cara de tédio, porque eles começaram uma pequena discussãozinha, trocando farpas e isso poderia se prolongar por mais tempo se eu não estivesse lá os fitando com toda minha impaciência.
  - Acabaram? - Arqueei minhas sobrancelhas e os dois me olharam, se sentindo envergonhados com sua cena. - Podem ir me esperar na garagem, vou pegar minhas coisas e encontro vocês lá.
  Assim, se despediram de mim e foram. Enquanto isso, eu aproveitei o momento pra me despedir dos meus amigos matlétas e pegar minhas coisas.
  E claro, saborear mais umas rosquinhas.

***

  Peguei outro caminho até a garagem e nem deu tempo de me trocar, já que pelas mensagens irritadas de Wallace ele tava com fome de sorvete e quando Wall tem fome de sorvete ele fica irritante.
  Chegando perto do carro dos meus amigos, parei ao ouvir a discussão mais afastadinhas de Wallace e Dick. Eles estavam meio escondidos das pessoas, mas eu conseguia ver perfeitamente os dois discutindo como se não houvesse ninguém por perto.
  Tentem entender, eu amo meus amigos, mas eles estavam nesse pé de guerra fazia dias. Eu precisava saber o motivo por trás disso de uma vez por todas. E eu sou fofoqueira, vocês que lutem.
  - Qual é, Wallace, você não pode ficar puto comigo pro resto da vida, pode? - o loiro começou, de braços cruzados. Wallace estava emburrado com alguma coisa.
  - Fala baixo, você quer que alguém escute? - Deu uma olhada pros lados pra conferir se tinha alguém por perto ouvido. Me escondi. - E sim, vou sim. Você sabe o que fez e não pode desfazer só porque tá se sentindo mal.
  - Mas não é o bastante? Tô me sentindo mal, pô.
  - Não, não é.
  - O que você quer que eu faça então? - Dick disse de uma forma que me fez sentir que ele estava implorando pra que Wallace o respondesse e que faria o que fosse para ter seu perdão.
  Vem aí…
  - Me olha nos olhos e me diz porquê tu saiu com aquela garota! - Bateu o pé. - A gente tinha um combinado, Dick, porra. Você transou com ela? Pode falar a verdade.
  Quando Dick se moveu e ficou mais notável em meu campo de visão, pela primeira vez pude reparar que ele não estava vestido com o estilo de surfista relaxado de sempre. Ele estava se vestindo melhor, parecendo mais... sério. E Wallace também estava diferente, não parecia uma tentativa fracassada de gangster pra impressionar as meninas.
  Ok, isso era estranho…
  Os dois estavam diferentes, mais maduros e transparecendo isso até na forma que se vestiam, isso não era nada de mais né? E estavam discutindo por alguma garota que o outro queria, né?
  - Não, merda! Eu não transei com ela. Eu nem quis sair com ela... mas estavam desconfiando e eu precisava... você me pediu pra continuar fingindo e eu fiz.
  Meu Deus…
  Não, não pode ser... Não, não. Eu saio, se for isso eu saio desse campus, dessa cidade, desse país!
  - E por que você não transou com ela, hein? Ela é linda e você não seria burro de perder a chance - Wall estava de braços cruzados e Dick deu os ombros de uma forma triste.
  - Porque eu só quero você, Wall... Só você... - Meu queixo caiu. Levei a mão à boca e me segurei com todas as minhas forças pra não berrar o mais alto possível.
  - Não faz isso... alguém pode chegar e ver... - Meu amigo estava com medo, hesitando porque não queria que ninguém sabia que ele e o Dick tinham um caso? É isso? - Por favor…
  Mas Dick não o deu ouvidos e foi mais perto, tocando sua destra em seu rosto e selando seus lábios.
  Me sentei no chão, eu juro. Minhas pernas falharam e minha cabeça tava a mil. Puta. Que. Pariu. Isso estava melhor que qualquer fanfic que eu já li em toda a minha vida... Dick e Wallace, quem diria?
  Eu sempre achei que se fosse pra um dos meus amigos serem gays, um deles com certeza seria o
  Peguei meu celular e abri a conversa de , comecei a escrever a mensagem do século. Meu Deus, ela precisava saber disso! E então apaguei.
  Lembrei que não estávamos mais conversando, por que eu a contaria isso? Ela provavelmente estava aproveitando o final de semana dela com o e pouco se fodendo pra mim e pra essa fofoca.
  Foda-se ela.
  Quando me levantei, percebi que os dois já estavam de volta pro carro. Respirei fundo, botando em prática toda a atuação da minha vida pra esse momento. Os dois não faziam ideia do que eu sabia, então eu precisava que eles continuassem assim.
  - E aí, vamos? - sorri.
  Por dentro eu estava gritando, meu Deus, eu queria começar a sei lá, dar uma de Demi Lovato e fazer uma parada gay no meio dessa garagem com meu cabelo colorido e cantar Really Don’t Care.
  E minha língua fofoqueira pinicava, eu precisava contar isso pra alguém, eu logo entraria em combustão espontânea se eu tivesse que segurar essa fofoca por muito tempo!
  Merda, por que a não larga de ser orgulhosa pra fazermos as pazes logo? Eu tenho um super babado pra contar e não tinha ninguém…
  Como é difícil ser eu, inferno!

***

  Eu desconfiei quando eles enrolaram muito pra chegar na sorveteria, então eles falaram que na verdade não seria na sorveteria de sempre e sim em uma nova que tinha um sorvete muito legal. Ok, nesse momento eu tive certeza que dois iam me matar e esconder o corpo por eu ter visto seu beijo.
  “Você viu demais, ... não podemos deixar que revele isso ao mundo. Sua história acaba agora” o Dick diria isso, se revelando na verdade um mestre da maldade e toda sua personalidade boba e estúpida era na realidade um teatro.
  Merda. Eu não queria morrer assim... Eu finjo que não vi nada, amigos, por favor, poupem minha vidinha. Sou bonita.
  Eu cogitei pular do carro, mas sejamos sinceras, isso só é legal em filmes. Imagina se ralar inteira pra fugir do Debi e Loide aqui? Por favor né.
  Mas no fim eles só me levaram pra floresta e estacionaram o carro. Desci depois deles e nenhum apontou a arma pra minha cabeça ou repetiu um “comunicação cortada, filha da puta”, então ainda tinha chance. Caminhamos até uma tenda feita em uma área bem bonita da floresta.
  Eu nem reparei muito bem na tenda, o que eu só conseguia pensar era em agradecer Deus por estar de tênis pra sair correndo como uma desgraçada quando eles tentassem me matar.
  Mas bem, eu sabia que usavam essa tenda para fazer casamentos, festas e um monte de coisas. Por essa floresta ter toda uma paisagem muito encantadora e ser um ponto turístico com o lago de água cristalina e a cachoeira, não duvidava que os donos do negócio faturavam horrores.
  O chão estava revestido com um tipo de madeira legal, fora alguns tapetes que informavam a entrada, etc. Parece que alguém que alugou esse lugar ia fazer uma boa festinha no final das contas.
  Reconheci uns carros no estacionamento e estranhei. Tinha o carro do , , dos pais da , da Britt e da minha mãe. Pera, será que o Dick e o Wallace iam casar e eu era pra ser sei lá, a padre?
  Gente, o feminino de padre é padra ou madre? Madra?
  Caminhamos até a entrada e assim que eu passei pela cortina que revelava o espaço até mais chique que eu esperava, todo mundo que estava lá berrou:
  - SURPRESA!
  Levei as mãos ao meu peito, completamente chocada. Estava todo mundo lá! Todos meus amigos, gente que não via fazia bastante tempo e pessoas que via sempre. Muitos rostos familiares e que eu tinha muito carinho.
  Estava muito chocada galera, de verdade. Diria até emocionada por terem preparado tudo isso pra mim... uau.
  - CANCELA, ELA JÁ SABIA! - gritou entregando minha face de falsa surpresa. - Que saco, , como você descobriu? Hoje nem é seu aniversário de verdade!
  Dei os ombros, dando meu sorrisinho vitoriosa.
  - A Britt me mandou uma mensagem mais cedo. Uma foto de um cachorrinho me desejando feliz aniversário.
  Todo mundo olhou pra Britt, que deu os ombros, fazendo cara de cachorrinho que acabou de cair da mudança.
  - Desculpa... eu me confundi.
  Sorria feliz. Pela festa linda que fizeram questão de preparar pra mim e toda o esforço para manter a surpresa, escolher um lugar criativo e um dia diferente pra que eu não desconfiasse. E por ter descoberto mesmo assim.
  Por favor, eu sou Hudson. A própria -A da vida real.

***

  Estava sentada na mesa com o meus amigos, eles estavam rindo da minha cara de choque de mentira.
  - Eu quase acreditei, juro! - Wall disse rindo.
  - Mas quando ela levou a mão na boca e fingiu um choro... - continuou.
  - Atriz de verdade - aplaudiu. - Dá o Oscar pra ela, Academia.
  Choque de verdade foi o que eu vi na garagem da Hearst, galerinha, isso sim daria um banho da Gaga. Mas eu diria isso pros meus amigos? Não. Porque não podia ser uma vaca e expor os dois e arrancar eles do armário a força só pra satisfazer minha sede por fofoca.
  Que dia longo, né Kim Lip.
  - E aí, só tá faltando a , né? - Dick disse aleatoriamente, Wall olhou feio pra ele... O assunto proibido, meu pai.
  - Ela vem? - Cruzei os braços. Tentei parecer indiferente, mas era impossível esconder a pontinha de esperança que ela aparecesse, ainda mais por ter feito tudo isso por mim.
  - É o que estamos esperando - disse e pude notar em seu tom que também tinha uma pontinha de esperança. Prazer, as pessoas mais trouxas pela possíveis.
  - Não quero que ela venha... - Britt disse e eu cruzei os braços.
  - Britt... parou. É o meu dia, o máximo que você pode fazer é engolir sua raiva e por um dia, pelo menos por UM DIA, tentar fazer a se sentir incluída de novo pra todas aproveitarem a festa que todos vocês que fizeram.
  A loirinha deu os ombros e abriu um sorrisinho.,br />   - Eu vou tentar... prometo pela alma do unicórnio mais mágico de todos!
  E não, ela não prometia. Com certeza faria com que se sentisse um lixo... Britt era a mais difícil de todas e às vezes era horrível ser sua amiga.
  Esperava que pelo menos por hoje ela tentasse. Estaria botando toda minha fé nisso. Mas claro, pra isso tinha que aparecer…
  - Sabe o que me deixa mais puta? - perguntei e meus amigos negaram com a cabeça. - Se vocês iam fazer a porra de uma festa surpresa pra mim, vocês poderiam ter deixado eu me trocar primeiro??
  Os dois idiotas se entreolharam. Isso nem passou pela cabeça deles, porque eu estava com as roupas mais aleatórias pra estar na minha festa de aniversário. E eu agradeço ao casalzinho que não se assume por isso.
  Mas deixa... tudo no tempo de Deus. Eles que me aguardem também.

***

  Era a décima quarta vez que minha mãe me abraçava por segundo. E eu reclamaria? Nem fodendo. Deixaria ela me esmagar se quisesse.
  - Ai filha, você tem os amigos mais maravilhosos do mundo... Olha o que eles fizeram por você.
  Sorri. Eu sei mamãe, eu tenho os melhores amigos do mundo mesmo.
  - E o papai? - eu não queria perguntar, mas cedo ou tarde essa pergunta sairia. Todos estavam aqui, menos ele, claro.
  E quando minha mãe deu os ombros tentando esconder o olhar triste, eu já sabia qual era a resposta.
  - Desculpa, meu amor. Seu pai tá trabalhando e você sabe como é essa época do ano. Tá uma correria demais por lá. Então, não fica chateada, por favor.
  Dei os ombros.
  - Eu nem tô - sorri.
  E de verdade? Nem estava mesmo. Eu nem esperava que ele estaria aqui, pra falar a verdade. Eu andava mal vendo ele e por um lado, nem ligo, é menos dor de cabeça pra mim e mais coisas pra aproveitar.
  - Eu tenho uma surpresinha pra você... - Assim que minha mãe disse, eu já quase quis dar piruetas de alegria porque eu amava surpresas que eu não sabia qual eram. - Seu pai não veio, mas trouxe uma pessoa especial…
  Não, não era se essa é a curiosidade principal de vocês.
  De trás da minha mãe, saiu a segunda pessoa que eu mais amava no mundo depois de, claro, minha mãe. Minha avó Agnes. E eu literalmente dei um berro, correndo pra abraçá-la com toda o meu carinho. Fazia quase um ano que não nos víamos e tê-la aqui nesse dia especial era tudo pra mim.
  - Oh minha linda, como você tá... - Sorriu e passou a mão pelo meu rosto. - Mais linda do que nunca! - e me abraçou mais forte.
  Realmente, da última vez que ela me viu eu era loira e não tinha as franjas mais lindas do mundo.
  E quando eu mandei uma foto do meu novo cabelo ela surtou de felicidade tanto quanto eu. Ela disse que eu parecia ela quando ela tinha minha idade, mesmo cabelo e tudo, mostrou a foto e realmente, a beleza cristalina corria na nossa família.
  - O que você tá fazendo aqui, vó? - perguntei ainda um pouco eufórica por ter sua presença. Ela abriu o maior sorriso e eu já percebi que mais coisas boas viriam.
  - Essa era uma das surpresas... - sorriu. - Eu resolvi me mudar pra Los Angeles! - e lá fui eu gritar de alegria sem me importar com as pessoas me olhando como uma louca.
  Há anos esperava por esse momento de ver minha vózinha querida morando pertinho de mim e agora estava se realizando.
  - Será que tem mais surpresas que dessa vez eu não vou fingir meus surtos hoje?? - brinquei sem conseguir lidar com isso. Minha avó e mãe sorriram juntas, seus focos se mudaram para outra coisa.
  É clichê dizer que eu pude sentir a presença mesmo sem ver? O frio na barriga, o clima mudando rapidamente e uma sensação boa só de sentir que estávamos no mesmo ambiente?
  Meus olhos só procuravam pela fonte dessa presença e lá estava, na mulher que usava um vestido tubinho preto tomara-que-caia. Os cabelos enormes por suas ondas e toda sua feminilidade e sensualidade exposta para todos.
   chegou em menos de cinco minutos e havia roubado todos os olhares. Eu não sei se eu a odiava ou a amava.
  De todas as reações para a chegada de , a mais engraçada foi definitivamente dos três homens perto da mesa dos doces. Sr. Sanchez, David, o irmão caçula de , e que tinha parado para conversar com os dois.
  Os membros da família dela fizeram a exatamente mesma cara de desgosto para o tamanho do vestido dela, reviraram os olhos e focaram na comida outra vez. parecia um adolescente na puberdade, nervoso, pegou dois drinks do garçom mais próximo, virou os copos em um segundo e sumiu de vista. Boa sorte essa noite, garotão. Vai precisar.
  E assim, ignorando tudo e todos ao meu redor, eu caminhei até a morena parada no meio do salão em silêncio. Podia senti-la desconfortável ao redor de tanta gente que a detestava por algo que nem era totalmente a culpa dela. E mesmo com isso, mesmo brigadas ela foi e comandou tudo isso aqui, arrumou tudo pra que eu sentisse todo o amor do mundo. Ela quis fazer meu dia ser especial sem ser exatamente o meu dia.
  A abracei assim que já estava ao seu lado. Ela ficou meio tensa de início, mas aquele abraço sem palavras já respondia tudo que ambas evitamos conversar durante todo esse tempo brigadas. Não precisava pedir desculpas, eu não precisava aceitar. Já estava tudo resolvido. E assim que ela me abraçou de volta aceitando o meu conforto e me dando o dela, fizemos as pazes sem precisar falar uma palavra.
  - Obrigada - dissemos juntas ao mesmo tempo e rimos logo em seguida.

***

  - ELE O QUÊ? - não acreditava no que eu te contei.
  - Shhh maluca, ele não pode saber que eu sei e tô te contando... ele vai me matar... - pedi, evitando fazer alarde.
  Estávamos em outra tenda, que funcionava como um “quarto”, provavelmente para se arrumarem ou pra tirarem um tempo da festa. Eu estava usando pra me trocar, já que , como a melhor amiga do mundo, havia me trazido as roupas pra comemorar minha festa como devia.
  Nós duas fizemos tudo sozinhas, a maquiagem - agradeço a Nikkietutorials por tudo que me ensinou sem saber - e meu cabelo. Não era nada de tão produzido, mas pelo menos eu estava me ajeitando.
  Eu estava escondida no cantinho pra me trocar e guardar a surpresa do look final pra minha amiga.
  - Eu tô sentindo algo sobre isso, mas não nomear este sentimento de tão profundo que ele se guardava dentro do meu subconsciente. - a latina continuou olhando para o nada, pensando em tudo. - Tipo, Dick e Wallace? Um casal? Dick e Wallace. Dallace. Wick. Dice. E estavam escondendo isso há tempos. Cara... eles são bons. - a cara ainda estava pálida. - Eu já desconfiei que um dos dois podiam ser gay, ou pelo menos héteros que no sigilo praticavam atos de broderagem. Mas se ficassem com alguém seria tipo... o ?
  - EU SEI!!! EU PENSEI A MESMA COISA!!! - ri - Ai, eu senti tanta a sua falta! - choraminguei.
  - Ok, mas agora precisamos saber o que vamos fazer com essa informação, né? Tipo, e se o Dick só estiver usando o Wall? A gente não pode fazer eles saírem do armário a força, isso é errado! - concordei. - Contudo se eles mantiveram em segredo por tanto tempo... quer dizer, se eles se gostam não tem problema nenhum assumir.
  - Eu acho que eles têm receio do que vamos achar, né? Temos que fazer com que eles se sintam confortáveis e aí fica mais fácil ter essa conversa com eles.
  - Bom, agora que voltamos a ser mais que melhores amigas, vamos resolver isso... juntas - decretou.
  Assim que dei os ajustes finais eu saí do meu cantinho pra mostrar o resultado final pra minha amiga.
  Minhas roupas comuns de matléta estavam guardadas, agora usava um vestido rosa bebê de decote ciganinha e mangas grandes e bufantes que chegavam até meus cotovelos. A saia era leve e rodada, eu me sentia uma princesinha com esse vestido simples, mas ao mesmo tempo muito delicado.
  Usava uma sandália de salto alto vermelha, com salto fino e calcanhar fechado. Era delicadinho e dava um contraste com o vestido, mas deixava tudo bonitinho.
  Meus cabelos pretos estavam lisos e ajeitados, com a franjinha arrumadinha em minha testa. Eu usava umas presilhas de pedrinhas brilhantes e delicadas, pra combinar com os brincos que usava. Minha maquiagem era bem leve, só me enchi de glitter - do jeito que eu amo - e pedrinhas.
  - Uau cariño, você tá... - limpou a lágrima fake, orgulhosa. - E ainda falta mais um presente. Esse é especial, só meu.
  A morena foi até as sacolas que ela trouxe as roupas e tirou de lá algo. Engasguei no seco assim que vi o que tinha em suas mãos. Ela estendeu a bolsa vermelha - aquela que Maria Madalena desfilou e foi apedrejada por isso, por inveja - e eu tremi na base, não consegui conter meu gritinho de alegria e a abracei forte.
  - Eu achei os sapatos combinando... o look não ficaria perfeito sem ela.
  Era por isso que eu amava minha melhor amiga. era a minha amiga mais importante e, só por tê-la ali, eu já considerava o melhor dia de toda a minha vida.
  - Droga, eu vou chorar e destruir toda a maquiagem - resmunguei, enquanto tentava engolir o choro.
  - Para! Você não vai chorar... porque se você chorar eu choro também - e me imitou, tentando engolir o choro.
  Nos abraçamos de novo.
  Com certeza a melhor festa de aniversário surpresa dias antes do meu aniversário de todas.

***
Ethan

  E lá estava a mulher mais linda do mundo entrando novamente no salão. Ela estava linda, mais que linda... perfeita. Radiante em seu vestido. Rodopiando pelo salão e cumprimentando todos, dando atenção especial para um de cada vez.
  Eu nem me importava pelo fato de ter sido deixado de escanteio, só de assisti-la brilhando por todo o espaço valia a pena.
  A sentia irradiar toda essa luz desde que chegou. Veio a gratidão, todo carinho pros amigos que fizeram a festa. Mas depois que ela e fizeram as pazes... era como se não tivesse mais nada que tirasse esse sorriso do rosto dela.
  E se ela tava feliz, então eu também estava. E faria o que estivesse ao meu alcance para manter essa felicidade durante todo o dia, noite e eternidade.
  Meu mundo ficou mais iluminado quando ela veio até minha mesa, com o sorriso no rosto e a cara de travessa. Ela se sentou no meu colo, ignorando as cadeiras vazias como se em meus braços fossem o único lugar que ela queria estar. Beijou meu rosto algumas vezes, até chegar em meus lábios e selar os seus nos meus algumas vezes.
  - É muita gente e acho que não te agradeci corretamente por ter ajudado na festa... - me abraçou e deitou sua cabeça em meu ombro, escondendo seu sorriso em meu pescoço. - Muito muito muito muito obrigada! - E beijou minha pele, que se arrepiou.
  Estar com a era uma delícia, mas infernal! Ela conseguia ser o ser mais adorável que pisou no planeta, o mais irritante e o mais sensual possível. Ela me enlouquecia e eu ficava muito apaixonado com muita frequência.
  Podia ser mais rendido por qualquer outro ser humano nesse planeta? A resposta é não.
  - Eu tô levemente enciumado, sabe? - brinquei. - Quer dizer, tenho que ver minha namorada andando de lá pra cá, dando atenção pro salão todo e menos pra mim. - Cruzei os braços e Lauren riu, como música para meus ouvidos.
  - Você sabe que o mais rápido que eu der atenção pros meros mortais eu tenho mais tempo pra você - brincou e levantou suas sobrancelhas algumas vezes como se estivesse sugerindo algo indecente. Eu ri.
  - Ok, eu posso lidar com isso. - Selei nossos lábios.
  - Mas é sério. Obrigada por tudo isso, foi uma surpresa muito, muito, muito especial - sorria da forma mais adorável possível.
  - E quem disse que só é essa surpresa que eu preparei pra você, hum? - assim que eu disse, ficou rígida no meu colo e eu não consegui segurar a gargalhada com a expressão em seu rosto.
  - O que você planejou, Ethan Mason? - tentou ser ameaçadora, mas eu não comprava essa.
  - Se eu contar não vai ser surpresa, né amor - disse ainda rindo de sua expressão, que foi ficando mais curiosa e impaciente.
   levou as duas mãos até meu rosto e apertou, forçando um bico meu. Ela aproximou o seu rosto do meu e agora sim eu estava com um pouquinho de medo dela.
  - Você tem certeza que não vai me contar, amor? - fez um bico falso e eu neguei com a cabeça. - Fala peixinho - brincou com meu bico.
  - Beijinho - fui mais esperto e sorriu, selando meu bico forçado e então soltou meu rosto rindo da minha cara enquanto eu massageava minhas bochechas.
  - Eu não queria saber mesmo - deu os ombros, fingindo indiferença. Sorri.
  - Você vai saber, amor - provoquei. - Na hora certa…
   revirou os olhos, mas abraçou meu corpo. E eu poderia ficar assim com ela o resto da festa inteira. Mas óbvio que fomos interrompidos.
  - Ei cara, vem cá provar esses doces irados. - Dick balançou meu braço e ele literalmente tava com o rosto todo sujo de chocolate. encarava ele como se fosse um alien.
  - Tô ocupado - ralhei.
  Mas então se levantou do meu colo e eu queria caçar Dick, sua família e todas as pessoas que ele já amou na vida por estragar tudo. Minha namorada se virou pra mim sorridente.
  - Vai com ele, amor, antes que essa criança comece a fazer escândalo e tire todo o foco da festa, que deve ser eu - sorriu e selou minha bochecha.
  E lá foi ela dar atenção pro resto das pessoas que chegava. Eu podia me sentir incomodado? Talvez, mas a verdade é que eu fiquei curioso pelos docinhos.

***

   me arrastou até a mesa dos pais dela, no caminho ela comentou sobre a cara de trouxa do Ethan quando me viu. “Um boiolinha” dizia ela. Ah, , tão delicada.
  Eu já tinha passado pela mesa dos Sanchez, mas não deu tempo pra ficar com a adorada família da minha melhor amiga que eu amo mais que tudo.
  - ... você sabe que eu te adoro, sabe né? - tio Sanchez começou e eu assenti, sem saber ao certo onde isso levaria. - Então na próxima vez chama nosso restaurante pra fazer o buffet…
  - PAI! - balançou a cabeça com vergonha e ele deu os ombros.
  - O que foi anjinho? Essa comida de rico é... quer dizer, eu comi uns dez desses e não fizeram diferença em meu estômago. Isso é a América e um trabalhador como eu tenho direito de me fartar na festa da melhor amiga rica da minha filha!
  - O proletariado te faz acreditar nisso - comentou fazendo a pose que sua mãe fez mais cedo, repentinamente fingindo que não conhecia o Sr. Sanchez, que enfiava mais de dez bolinhos na sua boca.
  Me segurei pra não rir porque ele não estava fazendo piada, ele estava sendo sincero…
  - Na verdade não fui eu quem escolheu nada disso - dei os ombros.
  - Quem foi? - Sr. Sanchez me encarou como se ele estivesse pronto pra ter uma luta fodástica com quem tá fazendo ele comer pouco.
  - A - ri da cara que minha amiga fez que era idêntica a de choque misturado com desonra do Sr. Sanchez.
  - Anjinho???? Isso é uma conspiração! - ele reclamou indignado.
  - É porque você é um buraco sem fundo! - a abuelita de disse e o homem fechou a cara. - Agora cállate e coma!
  - Desculpa, . Eu esqueci que a minha família é desajustada e não sabe conviver em sociedade - falou seriamente.
  - Cariño? - sua mãe olhou fundo para a filha.
  - Menos você, mamá. Você é perfeita, nota dez - a abraçou.
  E eu ri.
  Amava a família da desde pequena. Sempre que dormia em sua casa ou eu passava mal de rir ou acontecia alguma trama bizarra demais que jamais aconteceria em outro lugar. Além dos vizinhos da vila, já assisti cada coisa lá que eram melhores que as novelas mexicanas que o grupo todo assistia no porão da casa do Wallace.
  - Sabe do que essa festa precisa, tesouro? - Tio Sanchez virou pra mim e eu neguei com a cabeça. - Tegridy…
   revirou os olhos.
  - E lá vamos nós.
  Então passei os próximos cinquenta minutos ouvindo sobre sobre o sonho do tio Sanchez que envolvia integridade, uma fazenda enorme, derrubar o Trump e maconha para todos.

***

  - Se essa festa fosse em Miami, já teríamos dançarinos profissionais dando um show pra animar essa galera - minha avó disse, enquanto apontava pro povo morto na pista de dança.
  - Dançarinos profissionais, a senhora quer dizer gogoboys? - Arqueei a sobrancelha tentando não rir e minha avó deu os ombros.
  - Querida, eles são profissionais…
   e eu rimos.
  Nossa risada parou assim que a abuelita de chegou perto de nós com sua cadeira de rodas. Ela e minha avó deram uma boa olhada uma pra outra e então abriram um sorriso.
  Eu juro, eu nunca tinha visto a bisa da sorrir na minha vida.
  - Vieja! - a abuelita de disse pra minha avó e levantou os braços como se cumprimentasse a minha.
  - Vieja - minha avó imitou a de . - Abriram as portas do asilo e esqueceram de me avisar? - as duas mulheres riam e se abraçaram.
  E eu e sem entender nada.
  - Vocês se conhecem? - perguntou confusa.
  - Há séculos! - a minha vó brincou. - Quando essa aí podia dançar e ensinávamos como era se divertir nos bailes.
  - Aposto que você não consegue fazer mais o mesmo sem quebrar o quadril, vieja - a abuelita de brincou com a minha que riu, aceitando o desafio.
  - Você quer ver, envidiosa? Pelo menos tenho o meu quadril ainda pra quebrar - e as duas riram.
  Eu e nos entreolhamos ainda sem saber o que estava acontecendo em nossa frente.
  Ficou mais confuso ainda quando a batida da música latina começou a sair pelos alto falantes da festa e as duas se arrastaram pra pista de dança. Enquanto a bisa de ficava na cadeira de rodas, minha vó dançava ao redor dela e as duas riam alegres, se divertindo.
  Era estranho saber que minha avó e a bisa de se conheciam em um momento da vida delas, mas ao mesmo tempo, talvez fizesse sentido. Algumas coisas passam de geração a geração.
  Eu e minha melhor amiga nos entreolhamos novamente e sorrimos.
  - Quer dançar? - deu a mão.
  - Vou é te dar aula! - peguei em sua mão.

***

  Estava na pista de dança com os meninos. Estávamos revezando quem dançaria comigo num tipo de valsa aleatória que tocava pra casais dançarem. Ricos amavam dançar assim e a pista estava cheia de casais usando roupas caras e dançando bem classicamente. Então eu dançaria com os três homens da minha vida, primeiro era , enquanto e Wallace dançavam juntos.
  - E aí, tá curtindo a festa? - perguntou enquanto me girava desajeitado e eu quase fui pro chão. - Foi mal.
  - Você ainda não aprendeu a dançar? Vou ter que mandar o memorando pra Hannah falando pra evitar valsas - brinquei e corou. - Falando nela, ela não veio?
   deu os ombros.
  - Ela teve uns problemas da irmandade dela pra resolver, mas queria vir - sorriu - Eu achei que seria estranho se ela viesse... confesso.
  - Que nada! Eu até que gosto dela, sabe? Parece uma bonequinha e é simpática, bonita, educada... - e percebi que poderia estar levando o “mudar de time” um pouco sério demais. - Vocês ficam lindos juntos.
   me encarava impressionado.
  - Eu também até gosto do Ethan, tô aprendendo na verdade... - deu os ombros. - Ele é um cara bacana e agora que tá sem aquela máscara de rebelde sem causa dá pra ser um ótimo amigo. Os meninos adoram ele.
  - E... - disse brincando e revirou os olhos dramaticamente pra seguir a brincadeira.
  - Vocês são um casal perfeito, ok? - fingiu um drama - Meu Deus, como é difícil pra mim assumir isso... tá doendo aqui, demais.
  Eu ri e o abracei.
   era meu melhor amigo além de tudo e era ótimo que finalmente estávamos nos resolvendo e deixando todas as marcas do nosso namoro problemático para trás. Eu amava isso.
  - Agora é minha vez - Wallace empurrou e puxou na dança.
  Foi impossível não querer morrer de rir com a imagem de e dançando juntinhos, fazendo caretas pras Zetas, que assistiam vermelhas de rir. mais afastada também assistia, gravando pra mais tarde. a notou e corou. Ui…
  - Eu não vou contar pra ninguém, tá? - disse e Wall estranhou. Então notou do que estava falando e ficou envergonhado, mas tentou disfarçar.
  - Tudo bem... eu sei que posso confiar em você - sorriu. Me senti um pouquinho culpada por ter já contado pra , mas infelizmente isso ele teria que aceitar. Somos duas em uma.
  - E eu acho que você deveria dar mais uma chance pra ele, pra pararem de brigar de uma vez, sabe? - sorri e Wallace deu os ombros. - Pelo o que eu ouvi, ele gosta de você, então... vale a pena.
  - É, você tá certa! – meu amigo se animou mais um pouco. - Obrigado por não me julgar ou ficar contra mim sobre isso…
  Ri, achando fofo. Wall podia ter a personalidade mais doida de nós todos, mas ele era o mais amoroso e companheiro. Se fosse pra pular de uma ponte, de todos, Wall seria o primeiro que pularia só pra mostrar sua lealdade. Era um ótimo amigo.
  E do outro lado Dick também era. Por isso que parando pra pensar, os dois são um ótimo casal mesmo.
  - Relaxa. Eu até shippo e, por favor, me conte tudo. Quero ser a #1 stan dessa fanfic. - Meus olhos brilharam e Wall me encarou confuso.
  - Quê?
  - Minha vez, cai fora! - E chegou.
  A melhor parte foi e Wall dando o maior show na pista, dançando imitando fielmente os casais que os encaravam chocados, envergonhados e com cara de desprezo. A maioria era amigo da minha família e me viram crescer, mas eu não tinha laço nenhum com eles. Então nem ligo.
  - Desculpa pelo vácuo, viu? - sorria sacana. Ele não queria dizer desculpa de jeito nenhum. Filho de uma boa mãe. - Era preciso pra manter a surpresa…
  - Que eu já sabia... - Ai ai, como eu amava esfregar isso na cara deles.
   fez careta.
  - E mais uma vez Hudson sendo a nossa nerdzinha.
  Eu ri e me acompanhou. Me girou de forma majestosa, maldito riquinho que sabe dançar.
  - Ela tá linda, né? - disse pra provoca-lo. fingiu não entender.
  - Quem?
  - Quem mais seria? - disfarçou, fingindo que nem havia notado que ela estava lá, muito menos extremamente bem vestida e fazendo inveja em todas as que não tiveram sua criatividade e coragem.
  - Nem notei, sabe... - Arqueei a sobrancelha, tirando com a sua cara. Ele suspirou profundamente. - Ok, tá linda mesmo e daí?
  Eu sorri.
  - Você devia é falar com ela, sabe? Esse joguinho de difícil de vocês só é legal quando os dois não tão morrendo de saudade um do outro - dei os ombros.
  - Eu prefiro ficar com você. É seu dia, sua festa. Deixa que meus problemas eu resolvo depois, ok? - Piscou e eu assenti.
   falaria com porque eu falei pra falar? Não. Ele pensaria sobre isso? Sim. Tomaria alguma atitude? Não. E olha que eu tava certa, viu? Só que obviamente os dois são extremamente teimosos e cabeças-duras.
  Mas enquanto eu viver pode ter certeza que estarei lá forçando os dois a ficarem juntos, pois esse casal é o motivo da minha pele estar sempre hidratada e macia... Fazer o que, eu adoro juntar casais pra shippar e acompanhar seus dramas.
  Era como uma série, mas na vida real.
  De repente a valsa parou e todos nós fomos olhar o que deu. O Dick acabou fazendo alguma coisa nos fios e deu um probleminha lá, pra todos era apenas Dick sendo Dick e atrapalhado, mas não era. Ele tava com ciúmes de e Wall dançando juntinhos…
  Meu Deus, meu casal... Shippo tanto.
  Talvez eu devesse escrever uma fanfic sobre isso.

***

  - Eu amei seu look - comentei enchendo minha boca de brigadeiro.
   e eu estávamos um pouco afastadas da festa. Tínhamos escondido dois potes de brigadeiro de Nutella - que eu fiz questão de arrumar em uma doceria que vendia esses doces brasileiros que eram impossíveis achar por aqui e nós amávamos - em um vaso da decoração e quando acabou o início da confraternização ela conseguiu fugir por um instante dos convidados, nos afastamos para se entupir de chocolate. Eu sei, chique demais.
  - E o seu? Garota… sem palavras. - Lambeu os dedos.
  - Gostou? Chamo de Puta Fashion Week. Na real ele chegava no joelho quando comprei. Só que eu comprei quando tinha quinze anos - dei de ombros.
  Uma parte de mim estava tão leve. Finalmente eu tinha minha amiga de volta. Pelo menos uma delas. O dia no shopping com o resto das Zetas fora um inferno na terra. Na maioria das vezes elas me ignoravam, ficava uma do lado da outra com risadinhas e também debochavam das minhas escolhas para o aniversário.
  Depois de minutos sendo feita de trouxa mandei todo mundo se foder e comecei a organizar aquele aniversário como se fosse o casamento de mais um príncipe da Inglaterra. E adivinhem? Elas seguiram minhas “ordens” sem dar um pio.
  Felizmente, abuelita me ensinou que mesmo eu estando errada de alguma forma, eu nunca, jamais, deixaria as pessoas me tratarem como menos do que eu sou.
  Desrespeito não está na moda.
  No fim tudo deu certo e a decoração tinha ficado linda, eu brilhei. E os olhinhos de também brilharam quando encontrou o que tinha sido feito especialmente pra ela, e isso fez meu dia. Fiz questão de chegar somente depois que ela passasse pela “porta”. Já que de todos ali, eu tinha certeza que ela não me deixaria na mão assim.
  Como eu suspeitava, Britt continuava brava e virando a cara pra mim durante a festa toda. Era um pouco frustrante conhecer esse lado dela dessa maneira. E as Zetas meio que seguiam cada passo dela em forma de lealdade, já que Britt era sua líder. Nossa amizade estava abalada, mas eu teria que consertar isso logo.
  Tempos depois sumiu com Ethan e fui atrás de algum drink pra me deixar feliz. A irresponsabilidade em falar isso pulava com força, mas eu realmente precisava beber alguma coisa pra amenizar tudo que estava sentindo. Eu nunca tive problemas em lidar com rejeição antes, afinal eu era uma estrangeira, nascida no México, caindo de paraquedas em colégios dos bairros mais caros de Los Angeles. A América do Norte já era conhecida por seu bullying mundialmente.
  O problema era a rejeição por parte de pessoas que eu considerava praticamente família. Suspirei abrindo um champanhe gelado. Um olhar meio afastado chamou minha atenção e pisquei um instante para perceber quem era. Sorri de leve comigo mesma e voltei para a saga de tirar a rolha.
   não viria falar comigo. Eu sabia que não. E isso me fez pensar que, na verdade, eu estava brava com ele, e não o contrário. Ignorei seu olhar, que ele mesmo tentava disfarçar que não estava olhando e enchi meu copo. Bebericava e notava a festa.
  As famosas borboletinhas no estômago surgiram depois de um tempo daquele jeito. Ele só me olhava, e eu pegava flashes disso virando para ele também. Suspirei e saí logo dali, antes que fizesse algo que me arrependesse mais tarde.
  Meus pais deram adeus pra e se foram, tinham que voltar para o restaurante. Esperei mais algum tempo no canto, Wallace e Dick deram oi pra mim. Sorri tentando ignorar o fato de que tinha recebido mais cedo o melhor e maior segredo do mundo que já recebi em toda minha vida e os garotos ficaram assustados com a minha cara, fugindo rapidamente.
   me cumprimentou e falamos algumas besteiras, sobre as Zetas e como eu tinha feito a festa funcionar em tão pouco tempo. Eu fingi que foi pouco tempo, mas tinha tudo anotado em um caderninho há eras. Inclusive, teria contratado o buffet dos meus pais, contudo sabia que o restaurante preferido da ratinha era outro…
  Fiquei surpresa com a visita de Ethan no meu cantinho afastado do mundo. Ele disse que estava aliviado por eu ter aparecido e achou legal demais a minha expulsão. Principalmente como ela ocorreu. Jovens anarquistas como ele até que me divertiam. Comentou a cara de babaca que fez quando me viu e que riu bastante disso com os garotos. Eu gostei. Disfarcei que não.
  Britt apareceu do nada no meio da conversa, carrancuda, e Ethan percebendo ficou desconcertado, preferindo nos deixar a sós.
  - Por que você veio? - criticou.
  - É a festa da minha melhor amiga, eu decorei tudo isso aqui, fiz a lista de convites, minha família inteira veio, sei lá, escolha uma das opções - falei simples.
  Não estava tentando ser rude, mas qual é, eu ainda sou eu. Não importa quem seja, educação sempre é bom, e se você chegar literalmente pisando em mim sem ponderação alguma, não prometo que vou ser um anjo em resposta.
  - A Rachel me contou, sabia? Você fez o que fez por minha causa - afetada. Vi dor em seus olhos, além da inocência de sempre. - Porque me acha burra.
  - Isso não é verdade.
  - Ah não? Foi por qual razão, então?
  Pensei um pouco.
  - Não questiono sua inteligência, Brittany. Só acho que ela foca em coisas diferentes do que a prova pretendia nos passar... - contornei coçando a nuca.
  Ela gostou da resposta. Cruzou os braços e empinou o nariz, querendo dar o braço a torcer, porém não totalmente.
  - As meninas estão prontas pra te perdoar. Eu não. Não vai ser tão fácil dessa vez, . Foi eu que te ajudei no início, lembra? Suas notas estavam baixas e abri as portas da Zeta pra você. Mesmo assim não levou a sério a importância da casa pra mim.
  - Não levei? Me desculpe, cariño, mas quem nos inscreveu nos joguinhos, que no fim das contas, foi o que ajudou a atingir a meta que precisávamos de inscrição? Antes disso a casa era praticamente o Titanic afundando enquanto vocês tocavam violino.
  Deu pane no sistema Britt e ela desconfigurou, aparentemente, porque demorou pra voltar a responder. Todos os seus argumentos pareciam repetitivos e moldados. Eu sei que tinha culpa no cartório, no entanto além da perda do dinheiro, quem tinha feito as coisas realmente irem pro ar foi sua ex-namorada.
  - E o dinheiro hein? Rachel disse que se não fosse por essa prova, teríamos vencido. - Bingo. Britt nunca ligou pra porcaria do dinheiro, ela era tudo sobre irmandade, estarmos unidas era mais importante de como estaríamos unidas, entre outras coisas que vivia dizendo sobre. Agora, repentinamente, dinheiro virou uma das prioridades?
  - Rachel, Rachel, Rachel... - repetindo sua voz, larguei minha bebida na mesa. - Pro inferno com Rachel. É por culpa dela que tudo isso aconteceu.
  - Culpa dela? Como você tem coragem... - desacreditada.
  - Sim, culpa dela. Eu imprimi sim o gabarito, e isso é um problema entre mim e , porque quebrei a confiança dele de alguma forma. E sinceramente? Duvido que ele tá ligando. Agora, quem viu a porcaria da folha no quarto de foi ela. E a sua amada e protegida ex-namorada tóxica foi quem armou contra você e deixou cair a folhinha do seu lado nas incontáveis vezes que ela foi até o banheiro no meio daquela prova. Não finja que não notou isso, Brittany. Minha burrice foi ouvi-la naquela manhã e perder a confiança que eu tinha sobre nós para esse teste. Você continuar ouvindo o que ela tem a dizer até agora não sei é burrice ou ignorância. - Suspirei balançando a cabeça e me contive. Peguei minha bolsa da cadeira e coloquei no meu ombro, pronta pra sumir dessa festa. Que virou um enterro. - Você não é burra, Brittany. Só tá na hora de acordar.

***

   foi embora depois da discussão com Britt e eu só queria mandar todo mundo embora depois disso. Claro que eu não pude, porque logo teve o bolo e eu me entupi de doce pra ignorar que Britt que é minha segunda melhor amiga conseguiu expulsar minha melhor amiga da minha festa sem o mínimo de consideração.
  Depois foi embora e a festa foi morrendo aos poucos. As pessoas foram embora uma por uma e eu não estava mais com clima de me divertir. Pelo menos não ali.
  Foi uma um dia mágico que eu jamais esqueceria, mas para falar a verdade, eu só queria passar o resto da minha noite com uma pessoa específica.
  Essa pessoa havia me mandado uma mensagem pedindo pra que eu o encontrasse na garagem e eu obviamente fui sem nem pensar duas vezes, claro que depois de me despedir de quem ainda estava na festa.
  E lá estava Ethan, lindo em seu moletom preto estampado, as calças jeans escuras e o tênis branco. Ele estava escorado na porta de um carro que com certeza não era o que eu estava acostumada a ver. Era um carro preto e moderno, mas não daqueles super caros de gente rica, mas com certeza não era tão barato assim também.
  - Não me diga que você roubou ele... - brinquei e ele sorriu assim que me notou.
  - Por favor, se eu devolver não é roubado - eu ri de sua resposta e fui pra mais perto. - É do meu pai, ele me emprestou por um tempo.
  - Uau... as garotas vão pirar - e eu já estava de frente a ele. Ethan levou as mãos até minha cintura e apertou carinhosamente seu corpo no meu.
  - Só uma garota me importa... você acha que ela vai pirar? - sorriu de canto, enquanto me encarava de forma provocativa.
  Revirei os olhos de brincadeira.
  - Por favor, essa garota não sabe nada de carro e a diferença pra ela vai ser mínima - ri. - Ela gosta mais do motorista... - provoquei.
  Ethan selou nossos lábios por uns instantes.
  - Vamos, tá na hora de te dar o meu presente - sorriu e eu mordi os lábios.
  - É caro? - negou com a cabeça. - Brilha? - negou com a cabeça. - Eu vou gostar? - deu os ombros.
  - Podemos irrr? – resmungou brincando e eu ri.
  Não me importava com qual era o presente. Ele já estava fazendo minha noite ficar melhor por milhões de vezes possíveis.
  Mas se for algo brilhante que possa ficar lindo em mim, melhor. Hihi.

***

  Nós estávamos de volta à cidade e o caminho de ida fora divertido, conosco cantando músicas da nossa playlist favorita, sentindo o vento e confesso que Ethan pode negar, mas aposto que ele deve ter percebido a diferença do seu carro pro do seu pai, porque ele parecia estar mais apaixonado por ele do que por mim.
  Brincadeira, mas seria uma competição.
  Nós estávamos em um bairro perto do colégio em que fizemos o início do colegial. Quando ainda éramos crianças se transformando em pré-adolescentes. Eu lembrava de lá e fazia muito tempo em que não passava por essas ruas.
  Não fazia ideia pra onde Ethan estava me levando, mas vamos ver onde isso vai dar.
  Ele estacionou na frente de uma casa que estava com a placa de vendida, mas ainda estava vazia. Desligou o carro e desceu, vindo até a minha porta e a abrindo pra mim, logo me ajudando a descer.
  - Onde estamos? - franzi o cenho - Meu Deus, o meu presente de aniversário não vai ser um ato rebelde e inconsequente né, Ethan? Eu não posso ser presa, falta poucos dias pro meu aniversário.
  Ethan riu e deu os ombros.
  - Provavelmente é um ato rebelde e inconsequente, mas calma, não vamos ser presos... eu acho - e riu do meu medo.
  Nós entramos no terreno da casa vendida e ele me levou até o quintal. No quintal, havia uma casinha de árvore familiar e aos poucos fui me tocando onde estávamos.
  - Se lembra daqui? - perguntou e eu assenti.
  Na transição da infância pra pré-adolescência nós tínhamos vários grupinhos de amigos, que aos poucos foram se desmanchando até se tornar eu, , , Wall e Britt. era o mais velho de todos. E essa casinha da árvore foi a protagonista de alguns momentos da nossa infância.
  Como por exemplo o meu tão memorável primeiro beijo na minha amiga latina maravilhosa.
  E além disso haviam coisas que aconteciam nessa casa da árvore, como um momento da nossa vida em que nós já fomos “amigas” da Rachel e até quando o próprio Ethan fez parte do nosso grupinho antes de nos afastarmos no colegial.
  Esse lugar foi muito especial pra mim em vários momentos.
  - Podemos? - Ethan apontou pra casinha da árvore e eu assenti. Ele me ajudou a subir e eu subi, ele me seguiu.
  A casinha de árvore continuava a mesma, com os desenhos que fizemos na madeira, as escritas e as lembranças. Mas óbvio que estava agora decorada da forma que Ethan planejou. Haviam muitas flores, além de pétalas de rosas espalhadas pelo chão e algumas velas de led.
  - Meu irmão comprou essa casa - Ethan disse e eu ainda estava meio avoada prestando atenção em tudo. - Então eu achei que seria bonitinho te trazer aqui como uma surpresa pra sei lá, relembrar os momentos de ouro onde éramos crianças e todo mundo se gostava.
  Dei os ombros.
  - Porque é basicamente o que tá acontecendo agora, né? Estamos todos juntos de novo. Bom, menos pela Rachel... mas ela não tem solução - ri.
  - Mas eu também te trouxe aqui porque um dos dias que eu mais me recordo da nossa infância foi da nossa festinha de aniversário que preparamos pra você. Lembra?
  Assenti.
  - Lembro. Daquela vez vocês conseguiram realmente me surpreender - ri. - Foi um dia especial, igual esse.
  - E lembra o que eu te dei de presente? - Veio pra mais perto de mim, mas ainda com uma distância segura.
  Tirei um tempinho pra pensar. Eu lembro que me deu meu primeiro gloss e eu só podia usar quando meu pai não estava vendo.
  Então lembrei.
  - Você me deu um anelzinho prateado com uma borboleta turquesa que davam naquelas caixinhas de cereal, né? Era um anel bem raro de achar - sorri.
  - Eu passei um mês inteiro comendo cereal até dizer chega. Um armário só de caixas de cereal até que eu encontrei aquele anel. - coçou a nuca, rindo de si mesmo. - Eu peguei trauma de cereal por causa disso.
  Eu me lembro que depois desse presente foi a primeira vez que eu senti como era um garoto gostando de mim e pude retribuir, foi minha primeira paixonite da infância até que as coisas foram pro outro lado porque eu tinha outro melhor amigo apaixonadinho por mim.
  - Se te deixa mais feliz, eu amava aquele anel.
  Ethan sorriu e veio pra mais perto.
  - Eu sei. Por isso... - Levou suas mãos até o bolso do seu moletom e tirou de lá uma caixinha pequena de veludo turquesa e me entregou. Tremi um pouco, mas peguei e abri.
  - Você não vai me pedir em casamento né? - o sussurro que saiu de minha boca era realmente quase um medo interior disso. Ethan gargalhou com a minha resposta.
  - A gente só tem 20 anos, .
  Era um anel delicado, prateado, cheio de pedrinhas de diamantes brilhantes, umas azuis e uma maior azul centralizado em formato de coração, cercado de pedrinhas brancas brilhantes.
  Eu engasguei, de verdade. Era tão delicado e bonitinho, a coisa mais linda que ganhei em toda a minha vida. Mas além disso, era toda a própria situação que me deixava ainda mais boba por isso. Era de verdade o melhor presente de aniversário que eu já ganhei.
  - Isso não foi muito caro? - Fitei Ethan. Eu não queria ser a boomer, mas já sendo…
  - Isso importa? - Assenti. - Não importa. O que importa é que esse é o primeiro de muitos presentes que irei te dar em toda a nossa vida juntos.
  - Isso parece um pedido de casamento… - brinquei e Ethan riu.
  - Feliz quase aniversário, – Ethan sorriu e me abraçou pela cintura. Ele me ajudou a colocar o anel em meu dedo e beijou minha mão algumas vezes.
  Olhei fundo nos olhos de Ethan, eu queria que ele pudesse me ver da mesma forma que eu o via agora. Com todos os sentimentos, todo o amor e a paixão que eu sentia. Todo o carinho que eu não tinha como medir.
  E só quando ele me olhou de volta foi quando eu tive a certeza que esperei por tanto tempo.
  - Eu tô pronta.
  Ethan não entendeu.
  - Pra quê?
  Revirei os olhos.
  - Eu tô pronta... - tentei deixar sugerido no meu tom, mas ele só franziu o cenho. Ele havia entendido? Provavelmente. Se faria de idiota pra me provocar? Claro.
  - Não tô entendendo , pelo amor, seja clara!
  Dei um soquinho no braço dele.
  - Eu tô pronta pra perder minha virgindade, meu Deus Ethan, você é burro ou se faz? Eu quero dar, você tá entendendo? Senta o pau na minha buceta, pra já. Bora, vamos, tira a roupa, me pega de jeito e essas coisas!
  Ethan gargalhou. A risada mais escandalosa possível e podia acreditar que morreria de rir. Literalmente. Estava vermelho com a mão na barriga e repetindo “tô sem ar, vou morrer de rir” e rindo mais ainda.
  - PARA DE RIR, INÚTIL. É PRA ME FODER E NÃO RIR! - Batia nele, não violentamente pra machucar. Talvez um pouco.
  E lá estávamos nós sentados no lençol que Ethan havia cobrido o piso da casinha, eu agredindo o meu namorado e ele rindo da minha cara. Que romântico, viu?
  Aos poucos parou de rir e se sentou direito no chão, ainda com o sorriso no rosto e vermelho. Acariciou meu rosto e me olhou com o olhar cheio de provocação.
  - Você sabe que isso não é muito excitante e quebra o clima né? Fazer o namorado rir quando basicamente implora pra foder - brincou e bati nele de novo - E bater no namorado, nossa, isso é broxante demais!
  - A culpa é minha que você é lerdo? - resmunguei e me emburrei. - E não me julgue, eu sou nova nessas coisas…
  E novamente Ethan riu da minha cara, como se eu fosse uma piada ambulante. Mas até que eu gostava de ouvir sua risada.
  - Ai , eu te amo, garota - e disse assim, sem nenhum lubrificante. Só foi. Arqueei as sobrancelhas. - Não faz essa cara, não é como se você já não soubesse.
  Dei os ombros.
  - Te ouvir falar é bem melhor que só imaginar…
  Ethan sorriu de canto e se agachou em minha frente. Ficando de cara comigo, cara a cara. Ele segurou meu rosto carinhosamente. Beijou minha testa, meu nariz, minhas bochechas e então meus lábios.
  Fitou meus olhos profundamente e sorriu.
  Selou nossos lábios e logo tomou minha boca em um beijo cheio de paixão e desejo. Ele sempre me beijava bem, mas excepcionalmente dessa vez parecia que me beijava melhor ainda. Afinal, era o momento que ambos esperávamos há tanto tempo…
  O beijo fora se tornando mais intenso aos poucos e minhas mãos corriam pelos seus braços, tocando sua pele e sentindo seu gosto. Era tudo tão bom... os toques atiçando meu tato, o seu perfume impregnado no meu olfato e seu gosto deliciando meu paladar.
  Só nos afastamos contra a nossa vontade para que Ethan pudesse tirar seu moletom e logo em seguida a sua camiseta preta que usava por baixo.
  O beijei de novo, demonstrando todos esses sentimentos guardados dentro de mim e Ethan respondeu com um beijo tão cheio de paixão quanto o meu. Suas mãos desciam pelo meu corpo e apertavam a minha cintura. Roçava seu corpo contra o meu e meus dedos se raspavam por toda sua carne. Queria tocá-lo inteiro, cada pedacinho dele…
  Sua boca abandonou meus lábios e passou pelo resto do meu rosto, descendo até minha mandíbula, onde passou sua língua, até o meu queixo que deu mais um beijo e pescoço, no qual encheu de beijos molhados.
  Ele estava no mesmo estado que eu, sedento pra beijar, tocar e matar a sede, a vontade.
  Assim ele ia descendo meu vestido aos poucos. Enquanto me despia, ele me beijava. Beijava todas as áreas que ficavam nuas.
  Seus lábios desciam mais e mais, até atingir a minha barriga. Sua língua raspava pela minha pele, arrepiando todos meus pelos e os beijos molhados me faziam suspirar baixo, fechando meus olhos e aproveitando seus toques tão deliciosos.
  Eu sabia o que ele faria, eu sabia onde estava indo e meu corpo respondia, era como se o chamasse pra fazer tudo isso de uma vez. Era o que eu queria, era o que eu sempre quis.
  Ethan deitou sua testa na minha barriga e percebia que ele estava até mais fodido que eu nesse momento. Se minha cabeça estava em fogo, só pensando no que podíamos fazer agora, imaginava pra ele que teria a visão que nenhum outro homem teve? Que faria algo que nenhum outro homem teve nem a chance?
  Estava seminua, só com a minha calcinha tampando o que Ethan mais queria ter e o que eu mais queria dá-lo. Deitada naquele colchão à luz de velas e da luz da lua. E Ethan tirou um minuto pra me observar, com um sorriso nos lábios.
  - Você é muito linda, você não tem noção como você é bonita - sorria. O olhar de um homem apaixonado, mas o sorriso mais safado e gostoso que já vi.
  Seus beijos voltaram pra minha barriga e desceram novamente, trilhando todo o caminho até chegar no pano da minha calcinha. Ele ignorou, passando para minhas coxas e beijando dentro e fora delas. Seus beijos deixavam minha pele mais quente e o tecido da minha peça restante de roupa encharcada e eu nem acreditava que isso era tão possível.
  Foi descendo o pano aos poucos, pedacinho por pedacinho até que ela estivesse no chão com o resto das minhas roupas.
  Tinha um frio na barriga, nunca havia ficado nua pra outro homem e muito menos deixei alguém me tocar... ali. E não conseguia pensar que qualquer pessoa com quem faria mais sentido fazer isso que não fosse Ethan.
  Eu já havia ficado excitada, molhada e já havia me tocado e sabia como era ter prazer sozinha, não era tão puritana assim. Mas nada se comparou a forma que Ethan me beijou ali. Foi mágico. Meu corpo explodiu, o calor ardia e eu sentia que não havia ar algum em meu pulmão.
  Se gemia não conseguia ouvir, porque parecia que estava tão distante, fora do meu corpo. Como se estivesse em um sonho, naqueles que é tudo tão real, tão gostoso, mas estamos flutuando e apenas assistindo. Era assim. Não parecia real, mas era.
  A forma com que Ethan me beijava, chupando a minha carne e tomando todo o meu líquido sem nenhuma preocupação, me saboreando como se eu fosse a fruta mais deliciosa que já havia provado em toda a sua vida. Ele estava focado lá.
  Enquanto isso suas mãos brincavam com a minha boca, tocando e trazendo arrepios, misturando com a sensação deliciosa de seus beijos. E eu me sentia como uma cachoeira, cada vez escorrendo mais, mesmo com Ethan tentando beber o máximo que podia de mim.
  Ele era sedento.
  Meu corpo pegava fogo e eu queria mais. Eu queria aproveitar cada momento e ir mais fundo que isso. Eu queria Ethan, eu queria saber como era a sensação que me explicaram tantas vezes mas nunca experimentei. Era minha chance de provar finalmente a maçã.
  - Ethan... - gemi seu nome - por favor... - supliquei.
  Ele não parou de me beijar logo de início, ficou ainda mais um tempo me saboreando e eu gostava disso, não o pediria pra sair. Mas assim que se satisfez, se despiu da forma mais atrapalhada possível. Foi sapato pra um lado, meia pro outro, cinto, calça, até que ficou apenas de cueca.
  Eu queria vê-lo nu e não precisei dizer com palavras. Apenas gesticulei com a cabeça e Ethan assentiu, tirando a cueca logo em seguida.
  Ethan era totalmente gostoso e isso não era nem uma forma de elogiar, era um fato. Seu corpo malhado era delicioso e eu queria lamber cada pedacinho, desde seu peitoral, até o seu caminho da felicidade extremamente sugestivo.
  Nunca havia visto outro homem nu e duro pra mim, então não tinha um ranking de melhores paus do mundo, mas bom, provavelmente Ethan seria #1 com certeza.
  Talvez porque eu estava à mercê de todo o desejo e curiosidade, anestesiada pelo tesão, porque se fosse em qualquer outro momento eu teria medo do tamanho dele com certeza.
  Estávamos ambos nus, pele com pele, calor com calor. Ethan abraçou meu corpo e eu o dele e aos poucos fui sentindo-o me preenchendo. Gemi, não gritei, mas senti o incômodo de invadir e nem toda a anestesia possível mudaria isso. Meus olhos fechados e a boca entreaberta, esperando o momento que ficaria gostoso.
  Ethan notou minha reação e quando começou a se movimentar, fez aos poucos, tomando sempre minhas reações como base para como prosseguir. Aos poucos o incômodo se tornava cada vez menor e as ondas de prazer que meu cérebro mandou ao meu corpo assim que caiu a ficha que Ethan estava dentro de mim pra valer e agora eu não era mais virgem, que ele havia sido meu primeiro, faziam a dor se tornar inexistente.
  Sua boca percorria os meus seios e brincavam com meus biquinhos duros. Mordiscando a região e dando chupadas específicas que me faziam arfar. Enquanto isso permanecia se movimentando dentro de mim em um vai e vem prazeroso, enquanto eu imitava seus movimentos só que ao contrário.
  - Você é muito gostosa, - Ethan disse, grudando sua boca na minha, mas sem beijar.
  - Eu sei - provoquei e dei uma leve apertadinha em seu pau com meus músculos e Ethan gemeu baixo. - Você é mais... principalmente quando fica assim - sorri maliciosa.
  Ethan entrelaçou nossos dedos e seus movimentos se tornavam mais ágeis dentro de mim, aumentando a velocidade do vai e vem, indo mais fundo e me arrancando gemidos. Meus olhos estavam fechados e nossas bocas grudadas, compartilhamos os gemidos que escapavam de nossa bocas.
  E ele não parava, cada momento sempre aumentando mais um pouco. Conseguia ouvir o barulho de nossa foda ecoando pelo cômodo, junto com o som de nossos gemidos abafados por nós mesmos.
  Meu corpo pegava fogo, cada vez mais quente com sua onda de calor trazida pelo prazer. Meu pulmão ardia e esqueci como respirava, só sabia gemer seu nome e pedir por mais.
  Não sabia dizer qual de nós estava mais sedento por isso.
  Permanecemos com uma de nossas mãos entrelaçadas, enquanto a minha outra abraçava o seu corpo, colando-o contra o meu e impedindo que parássemos de dividir o calor de nossos corpos já suando.
  A mão livre de Ethan se aventurava por todo meu corpo, tocando cada curva e pedaço de pele, como também servindo de apoio para que pudesse ir mais fundo dentro de mim e me arrancar os gemidos que tanto gostava.
  Eu estava realmente completamente anestesiada, bêbada de tesão e não sentia nada além desse calor delicioso que me enlouquecia e não me deixava parar de me movimentar juntamente com Ethan.
  As mãos dele me puxaram para cima e rapidamente nós estávamos abraçados naquele chão. Minhas pernas estavam ao redor da sua cintura e ele se movimentava junto comigo no nosso abraço delicioso, como se jamais fôssemos nos soltar.
  Sentia a minha área sensível prestes a explodir. E isso me impedia de parar, eu queria ir até o fim em toda aquela experiência deliciosa.
  Nossos lábios já estavam juntos de novo e a mão livre de Ethan, que antes estava pelo meu corpo, agora estava em meu rosto, com um carinho delicioso e sem palavras. Só o beijo apaixonado, cheio de entrega e afeto, sem nenhum receio ou medo. Estávamos entregues de vez, um para o outro. Não havia volta e não tinha como parar.
  Ethan não parou e tampouco eu, nossos ritmos estavam interligados e dançávamos juntos conforme Ethan fosse mais rápido ou forte dentro de mim.
  Quando cheguei ao meu ápice não consegui me controlar além de dizer seu nome e sentindo o gemido que estava rasgando minha garganta finalmente sair pra fora. Sentia toda a tensão localizada na área se esvaindo e meu corpo relaxando completamente, minhas pernas bambas e meu pulmão explodindo.
  Ethan também não demorou muito, pois logo assim que me viu ter meu orgasmo em sua frente, aquilo o fez apenas seguir por mais um pouco e me acompanhar, se entregando ao seu ápice.
  Assim que gozou, as mãos de Ethan acariciavam meu rosto ele tinha o sorriso mais adorável do mundo nos lábios. Seus olhos tinham o olhar mais apaixonado e eu sabia o que ele queria dizer, as palavrinhas presas em sua garganta. Mas seu olhar já entregava todo o jogo.
  E eu nunca acreditei que pudesse ver esse olhar vindo de Ethan Mason, era como se ninguém no mundo pudesse me completar agora. Como se nada mais seria o mesmo pra mim se eu não visse esse olhar todos os dias e noites.
  Eu era tão dele quanto ele era meu a partir desse momento.
  - Eu também te amo - sussurrei, abraçada ao seu corpo e com meu olhar focado no dele. Nem toda a exaustão pós prazer do mundo poderia tirar o sorriso do meu rosto.
  - Eu sei... - sorriu. - Eu sou foda, né?
  Revirei os olhos, mas não tinha forças pra fazer nada além de admirar o rosto do homem mais lindo que eu já tive.
  Ethan me encarava como se nada disso tivesse o abalado. Ele sabia que eu tava falando sério, mas me olhava com um sorriso adorável nos lábios e o olhar mais apaixonado.
  Meu coração aquecia, porque Ethan gostava de mim mesmo assim, com meu jeitinho maluco de ser. Ele gostava de mim de qualquer jeito e eu logo me acostumaria com esse olhar dele pra valer, porque era o mais lindo dele.

Capítulo 14


  Segurei a pipoca como se fosse um bebê e avistei Hannah no banco, ela acenou pra mim e corri para me sentar ao seu lado. De início eu desconfiei de me enchendo tanto para ver esse jogo, até mesmo porque não era um final de temporada ou ao menos importante. Depois que cheguei aqui tudo fez sentido.
  A casa estava cheia, pais, alunos e pessoas de Los Angeles e de outra cidade para ver o time adversário: as Raposas de West High. Os fotógrafos faziam uma festa com os meninos da Hearst entrando no ringue de patinação. Na minha frente havia uma fileira completa de crianças, meninos e meninas, vestidos com a camiseta azul da Hearst, eufóricos e prontos para o segundo tempo. Alguns felizardos conseguiram um high five dos jogadores em seu caminho para o ringue.
   e Wallace acenaram para nós quando nos viram, já estavam em campo, e gritei como uma idiota com algumas palavras obscenas elogiando os garotos, recebendo olhares feios de pais que acompanhavam os filhos.
  Hannah era um doce, gargalhava de tudo que eu dizia e conseguia ser uma boa companhia, não tinha tempo ruim com ela. Mas eu sabia que ela ainda estava nervosa ao meu redor, seja pela minha recente expulsão, onde ainda corriam milhões de boatos neste campus sobre minha pessoa, ou seja por ser uma amiga de infância do seu namorado e ela queria causar boa impressão.
  “Seja legal com ela, por favor, não a assuste, eu imploro, . Hannah é envergonhada e não tem muitas amigas, você me ajudaria muito se fizesse isso” continuou repetindo isso por algum tempo. Eu fiz cara feia pra ele só pra rir internamente, já que obviamente eu a trataria bem. Se ela me tratasse de volta, lógico.
  Ele tinha esse olhar quando a mencionava, um que eu tinha visto somente quando ele era mais novo e tinha começado a namorar . Era legal ver meu amigo assim outra vez. Lembro-me da noite em que ele veio conversar comigo sobre aceitar ou não a bolsa de estudos fora do estado porque ainda estava apaixonado por ela e não queria ir embora sem mais nem menos.
  Infelizmente, mesmo com ele ficando e perdendo essa oportunidade, eles nunca voltaram pra valer. Hannah era o recomeço dele. Assim como Ethan era o dela.
  Devo confessar que não tive uma boa propaganda de Hannah, afinal ela era a atual do ex da minha melhor amiga. Só que ele também era meu amigo, então amenizei tudo para um encontro normal e fazer uma nova amiga. Pois no final do dia, eu estava precisando de algumas. E cada ser humano que não tivesse um pinto no meio das pernas era muito bem vindo ao meu redor.
  Falando em ; três horas, quinze minutos e trinta e sete segundos durou a minha ligação com ela neste domingo de manhã. Um novo recorde. Geralmente eu mandaria ela se catar até porquê tenho mais o que fazer (inclusive ela testemunhou eu fazendo xixi no meio desta chamada de vídeo), porém ela estava animada demais para contar sobre sua primeira noite com Ethan na madrugada de seu aniversário. E eu como a boa amiga que era, tirando aquelas coisinhas que fiz, e inserindo a saudades suas que eu ainda estava matando, obviamente ouvi tudo de bico fechado. E feliz por ela.
  Tudo estava dando certo para meus amigos, e orgulho e felicidade por eles era tudo que eu poderia sentir agora. Até mesmo por Wallace que agora estava com Dick. Não oficialmente, mas eu gostava de pensar que sim. Foi o melhor babado que recebi em meses.
  Fiquei chateada por ter que sair da festa de aniversário de mais cedo mesmo sabendo que era por um bem maior, então me chamando outra vez para o jogo me salvou de um dia entediante. Ou pior, maratonando outra série ruim com meu pai. Sim estou mandando uma indireta para você Game of Thrones oitava temporada.
  - Costuma a vir em todos os jogos do ? - perguntei para Hannah e ofereci pipoca.
  - Na verdade esse é o primeiro - confessou constrangida.
  - Eu também não venho em muitos - dei de ombros - entendo quase nada. Antigamente eu chamava de futebol no gelo. ficava puto.
  Ela riu e o jogo começou outra vez.
  - Não gosta de esportes?
  - Na verdade gosto. No início do ensino médio fiz parte do time de vôlei. Foi uma das épocas mais tranquilas da minha vida, a endorfina que os exercícios liberam acalmavam toda minha raiva - suspirei pensando nas memórias antigas como uma velhinha. - E no segundo ano virei líder de torcida. Larguei tudo quando comecei a estudar para conseguir uma bolsa na Hearst.
  Era engraçado pensar nisso, eu sempre me considerei uma pessoa sozinha, que tem dificuldade em ser romântica ou falar coisas bonitas. Mas não era um problema de criação, porque, por exemplo, meus pais tinham um ótimo casamento. Tudo bem que também não era considerável as declarações que tinham um pelo outro e poderiam ser explosivos, só que estavam juntos e felizes.
  E agora, vendo por outro lado, no ensino médio inteiro eu estive em grupos de meninas, seja no vôlei ou nas líderes de torcida. Fazia amizade fácil, viajava por várias cidades para jogar e torcer no time dos garotos. Então foi meio que predito pelo destino que eu acabaria em uma irmandade como as Zetas quando entrasse na universidade. Só não sabia que ia acabar tudo tão cedo.
  Hannah me olhava como se tudo que eu falasse fosse a coisa mais interessante no mundo. Eu era naturalmente tagarela e ela soltava cinco palavras a cada dez minutos. Teríamos que melhorar isso.
  - Você tem cara de líder de torcida - sorriu.
  - Obrigada, eu acho. - Não sabia se era um elogio. Um dos garotos da Hearst fez gol, poderia ser Wallace ou , mas eu nunca reconheceria por de baixo dos capacetes de Power Rangers que usavam.
  Levantei eufórica e gritei comemorando junto com o povo da arquibancada. Notei Hannah fazendo a mesma coisa, só que um milhão de vezes mais delicada, ela parecia uma princesinha da Disney.
  Infelizmente com o meu movimento acabei derrubando todo o meu pacote de pipoca doce na cabeça de um senhor a nossa frente, que sequer levantou pra comemorar. Praguejei por perder minha comida enquanto Hannah ficava vermelha e pedia desculpas pro careca. No fim eu pedi perdão também, só que mais triste porque perdi minha comida.
  Puxei minha companheira de jogo pelo braço e corremos para o refeitório onde vendiam comida, outra vez, pisando sem querer no pé de algumas pessoas. Eu me recusava a enfrentar aquela partida sem ter comida em mãos.
  No meio da fila e de uma falta, os jogadores ficaram comendo mosca enquanto cuidavam da perna de um. Assobiei e engrossei a voz encorajando o cara a se levantar, o pessoal da fila olhava pra mim com cara feia. Hannah estava entre fingir que não me conhecia e a um passo de rir.
   chegou perto do vidro próximo a onde estávamos e balançamos os braços para ele nos notar ali. Completamente patéticas, eu sei. Só piorou quando ela fez sinal de coração com sua mão pra ele e fui capaz de ver o sorriso através do seu capacete, devolvendo o sinal no meio da partida.
  O amor realmente deixava a gente sem vergonha alguma, porque Hannah poderia ser tímida, mas por ela fazia tais demonstrações de afeto em público que resultava em os caras rirem dele no meio do campo.
  Voltamos a sentar com dois cachorros quentes, um pote de pipoca maior que o anterior, metade doce e metade salgada, um suco de laranja para Hannah e uma coca pra mim. Diet.
  O jogo passou, tivemos poucas conversas e no terceiro tempo tudo estava monótono e parado. Wallace, que era central, fez outro gol com seu taco deslizando a bola e mais tarde descobri através de Hannah que aquilo se chamava disco.
  Abri o Candy Crush no celular e a loira riu.
  - Já está acabando.
  - Tá tudo tão parado, é por isso que líderes de torcida são fundamentais - constatei.
  - Você gostava de ser uma? - interessada.
  - Demais! As coreografias, a amizade que a gente conseguia no meio dos treinos e a sensação de que éramos realmente importantes no meio dos jogos era ótima. Lógico que alguns babacas só se importavam com o quão curta nossas saias eram, mas foi um dos auges da minha vida.
  - Engraçado, eu sempre achei que garotas assim meio que... Não se misturavam. - Bebi meu refrigerante.
  - Já ouvi muito disso, porém acho que é só um estereótipo bobo. Tudo bem que algumas pessoas que ficam na luz do ensino fundamental com tão pouca idade crescem e se tornam babacas arrogantes, só que não é a maioria.
  Ela assentiu e comentou:
  - Meu tipo sempre foi mais reservado, por assim dizer. Normal? Eu acho. Não fiz partes de clubes sensacionais como a torcida ou também no nível nerd como o de xadrez. Acho que estou no meio termo.
  Foi interessante conhecer ela melhor e a encorajei. Hannah era uma daquelas pessoas que de primeira não se abriam tanto, mas aos poucos soltava bons papos. Eu estava ansiosa para liberar a terceira etapa e descobrir que na verdade ela é tão louca quanto o resto dos meus amiguinhos.
  - Entendo. A diferença entre nós é que a oportunidade de liderar a torcida caiu no meu colo e não no seu.
  - Isso, e porque tenho zero coordenação motora - ela gargalhou.
  - Se você diz - sorri para a primeira piada que ela soltava no dia.
  O senhor que foi atingido pela pipoca simplesmente se levantou no meio da partida e começou a conversar com outro cara ao seu lado. Não se viam há algum tempo e precisaram se levantar para o abraço. Pena que continuou levantado por mais de cinco minutos, segurando seu refrigerante como se não fosse nada demais.
  Bufei e pedi licença. Ele empinou seu nariz pra mim como uma diva e virou a bunda pra minha cara, se movimentando exatos cinco milímetros pro lado. Bufei e cliquei no botão para apagar meu celular. Sim eu estava jogando Candy Crush, mas quem se importa. Se tivesse um gol eu perderia.
  Eu já ia levantar para fazê-lo se sentar na marra quando finalmente um gol ocorreu. Uma senhorinha estava passando pela minha fileira enquanto isso e as crianças ao lado do senhor pulavam e comemoravam. Isso tudo acabou no desastre do cara derrubar todo seu refrigerante na minha blusa branca.
  Poderia ser preta, mas não. E eu não estava falando de sensualmente meus seios aparecerem através dessa camiseta como em qualquer filme de Hollywood. Era a camiseta que usei no dia em que joguei oito horas de Resident Evil com David. Passei a manhã tentando tirar uma mancha de molho do Taco Bell.
  Nesse momento vi fogo e posicionei meu boné na cabeça, bufando como um touro olhando pra toalhinha pronta pra espetar meu chifre (apenas imaginário, obrigada) diretamente na bunda daquela calça que, por ironia, era Marc Fontaine.
  Linha masculina de primavera, ele gastou uma fortuna naquilo, eu só tinha que devolver o copo diretamente ali e ela estaria arruinada. Plano infalível que meu anjinho no ombro esquerdo falou. Meu diabinho no lado direito me deixou somente irritada e pronta pra partir pra cima do cara.
  A velhinha ao meu lado se assustou e caiu sentada em uma cadeira vazia. Hannah levantou tentando amenizar tudo e limpar minha camiseta.
  - Tenho certeza que foi sem querer, . Vamos lá, podemos pegar uma blusa nova no armário de , ele não vai se importar.
  Aí o cara sorriu. Tipo sorriu pra mim no estilo mais “toma seu karma, piranha” possível. Eu ia matá-lo. Antes de pular em cima dele, Hannah conseguiu entrar no nosso meio e me arrastar até o vestiário dos garotos.
  Não sei você já notou, mas sou uma cadelinha fraca. Tipo o Bambi. Toda vez que eu tentava brigar com alguém, sempre aparecia outra pessoa mais forte me carregando em um segundo pra fora dali. Tá virando crime poder brigar na rua, sabe? Pensei que fosse a América, um país livre.

***

  - Prontinho, perfeita outra vez! - Hannah terminou de passar pelo meu corpo o lenço umedecido para casos de emergência que ela tinha guardado em sua bolsa.
  Fiz bico e suspirei pra situação.
  - Me desculpe por isso.
  Ela fez cara de quase ofendida.
  - , qual é, tá tudo bem. Nem aconteceu nada demais, na real você foi a mais afetada.
  Incrível como aquela frase poderia ser facilmente usada para outro acontecimento da minha vida, mas vamos ignorar isso.
  - É que sei lá, eu tô tentando controlar isso, sabe? Esses impulsos loucos de querer brigar e não apenas dizer perdão e obrigada. Meus pais me ensinaram a ter muita educação, porém a qualquer sinal de que estão me destratando de alguma forma parece que eu lembro das palavras da minha avó, que é super durona, dizendo para eu não abaixar a cabeça pra ninguém.
  Ela balançou sua cabeça devagar e levantou um canto da boca. Se sentou ao meu lado no banco do vestiário.
  - Eu tive que lidar com situações piores com , você sabe disso, conhece ele há mais tempo do que eu. É um pouco triste ver a pessoa que você ama se desgastar tanto e sentir tanta coisa em uma fração mínima de tempo, isso meio que acabava com ele mesmo mais do que comigo.
  - Só que presenciar não é fácil - concordei, retirei minha camisa manchada e joguei no lixo.
  - Você é mais verbal na hora da raiva, ele é mais físico.
  Eu compreendia isso. Eram incontáveis as vezes que brigou na sua vida.
  Wallace já apanhou. Muito.
  Dick, seu namorado segundo eu, não fazia ideia.
  , uma.
  Hannah, que de alguma forma tinha a senha do armário de , retirou uma camiseta do time lá de dentro e a vesti rapidamente. Agora estava com um all star amarelo, jeans e a camiseta do time. estava me devendo uma dessas há eras, parecia com aquela que o Joey usava no episódio onde ia em um jogo de hóquei e eu achava tudo.
  - Eu estou tentando melhorar - afirmei depois de me virar para o espelho. -, e acho que mesmo conseguiu evoluir de uns tempos pra cá.
  Levantei as sobrancelhas sugestivamente dizendo que isso tinha algo a ver com ela. Não que ela precisasse fazer algo pra ele mudar, até porque ela é namorada dele e não babá. O banana que lute.
  Hannah ficou vermelha e continuou.
  - Acredito que ele melhorou sim depois do nosso namoro... só que não foi eu. Não foi nós. Foi ele. A mudança começa com você mesmo. Ele precisou entender porque fazia tudo isso e levar um choque de realidade na cara de que muitas vezes poderia ser apenas falta de maturidade, algo que ele sempre abominou.
  Fiquei nervosa com isso. Hipocrisia não era minha arte favorita e eu precisava repensar tudo sobre mim para entender e compreender porque eu agia dessa forma. Talvez a que eu pensava que eu sabia quem era, não era. Uma das maiores provas disso era a porcaria do curso que eu estava fazendo quando ainda era uma aluna nessa universidade.
  - Por isso eu gostava tanto das atividades que falei mais cedo. Elas realmente me acalmavam. E nos últimos dias eu ando tudo, menos calma.
  - Você só precisa se encontrar novamente. Algo a que guie pro futuro.
  - É verdade... Ei essa foi uma ótima conversa. Valeu Hannah - sorri e tirei meu boné da Hearst, colocando nela. - Toma, um presente.
  - Sério? - feliz.
  - Lógico, fica melhor em você - e ficava. Porém a real era que eu já tinha roubado dois iguais de Wallace. Só queria terminar essa conversa sendo legal com alguém que tinha me ajudado.
  - Legal, valeu .

***

  Conseguimos ficar bem próximas do vidro dessa vez, de pé mesmo, na frente de uma parte dos bancos onde ninguém estava sentado, fiz questão de notar isso.
  - Então você nunca foi uma líder de torcida, certo? - Negou.
  - Eu fingia. No meu quarto. Usando saia e fazendo pompons com restos de folhas de jornais que meu pai jogava fora.
  Faltavam apenas dez minutos para o jogo acabar e estava praticamente tudo empatado. Mais um gol do time adversário e vaiei alto. Não entendia absolutamente nada desse esporte, mas sabia que estava impedido.
  O gol não foi anulado.
  - LADRÃO, BUUUU, JUIZ LADRÃO! - Hannah arregalou os seus já grandes olhos pra mim.
  - O que você tá fazendo?
  - Eu estou torcendo, oras - dei de ombros e levantei as mãos batendo palmas com ritmo. - VAI TIME VAI! VAI TIME VAI!
  - Tenho certeza que existiam algumas regras que proibiam esse tipo de animação nos seus jogos, - aflita.
  - É tinha. Mas aqui estou livre de qualquer contrato e acordo que minha treinadora tinha comigo. Firula tá liberado. O que podem fazer, me expulsar?
  E a narradora diz “a garota que já está expulsa”.
  Sorri abertamente e continuei balançando minha mão e gritando para qualquer mudança no jogo. A melhor parte era gritar quando nada estava acontecendo, como parecia essa partida toda, e a arquibancada estava calada. Aos poucos Hannah se soltou e tentava me acompanhar.
  - É O LEÃO DA HEARST, É POR VOCÊ QUE EU GRITO, VAI TIME, HOJE A VITÓRIA É NOSSA! - cantei uma das musiquinhas de torcida organizada que já ouvi em um dos jogos de futebol dali. Futebol, ah isso sim é esporte. Só não melhor que vôlei. Única pessoa que eu gostava de ver brincando na neve era a Elsa.
  - Uma mão aqui - fiz o movimento - e outra aqui - continuei a ensinar Hannah. Nossa mini coreografia.
  Ela gargalhou enquanto tentava refazer tudo.
  - RAPOSAS DO WEST A VERGONHA DA NAÇÃO, VOLTEM JÁ PRA CASA PORQUE A TAÇA É DO LEÃO! - Mais alguns passinhos e eu estava animada com nossa performance.
  Hannah ficava vermelha tentando explicar pra si mesma que estava mesmo fazendo passinhos de líderes de torcida e inventando gritos de torcida organizada no meio de uma arquibancada cheia de desconhecidos que levavam o jogo a sério.
  Os caras da West High já estavam putos com as nossas vozes de gralha se sobressaindo nos momentos mais silenciosos do jogo.
  - DOMINGO É DIA DA HEARST E A GALERA VAI INVADIR ATÉ RESSURGIR. E O TIME DO NORTE AO SUL, CARREGA SEU MANTO AZUL!
  Eu já estava cantando hinos de futebol a essa altura.
  Markus apareceu na frente do vidro piscando para nós como se toda nossa perfeita torcida fosse para ele. Me poupe, macho. Wallace se posicionou mais uma vez para acertar o disco na rede, uma das coisas interessantes sobre a patinação no gelo era a velocidade que os jogadores ganhavam ali em cima.
  Não era à toa a quantidade de proteção que usavam em campo, até o patins com lâminas poderia acabar com alguém ali facilmente. Por um segundo meu primo quase perdeu seu disco, mas conseguiu recuperar dando uma volta pelo cara do outro time.
  - VAI WALLACE, CACETE GAROTO, ANDA, VAI, É SUA, VAI! - Meu coração estava na boca.
  - PUTA QUE PARIU MENINO SÓ MAIS UM! - Hannah surtou e me assustei.
  - Você falou puta! - sorri como uma mãe orgulhosa e poderia lacrimejar ali. O tanto que evoluímos em somente uma tarde! Era lindo de ver! ia amar saber que eu tinha sido uma influência e tanto para sua namorada.
  Ela colocou a mão na boca, assustada.
  - Falei? É falei - tomou confiança. - ESSE JUIZ É UMA PUTINHA! ESSAS RAPOSAS SÃO GALINHAS! O LEÃO DA HEARST VAI ACABAR COM A RAÇA DE VOCÊS!
  Ela começou a gritar com raiva e quase ia pra cima do vidro bater nele. Antes disso acontecer, faltavam cinquenta segundos para o final, e Wallace fez seu gol.
  - HEARST SE CLASSIFICA EM PRIMEIRO LUGAR! - O locutor estava em êxtase, com sua voz saindo do além. Sempre que ouvia um locutor eu imaginava ele como Robert De Niro, um velho gostoso com uma voz boa. E acho que era por isso que eles mantinham a cabine de locutores tão afastada de todo mundo no chão, pra manter esse suspense legal.
  Uma leve lembrança de quando as Zetas ganharam os joguinhos surgiu na minha memória. Eu tinha tocado o sino e a plateia comemorou como faziamos aqui hoje. Foi bom.
  Os garotos estavam felizes e correu para o nosso canto, beijando Hannah com o vidro entre eles.
  Fiz cara de nojo. Amor faz a pessoa perder a vergonha, mas também os deixa burros. O tanto de bactérias que deviam ter ali, meu pai amado... Tirei a cara feia do rosto e disfarcei, sorrindo grande e levantando o polegar para , que agradeceu eu ter vindo e ficado com Hannah em só um olhar.

***

  : Como foi o jogo com sua nova melhor amiga?
  : Tão bom quanto aquele final de semana que você foi fazer compras com Rachel.
  : Rancorosa.
  : Boa memória.

  - Tem certeza que não se machucou? Ela não te ameaçou jogar da arquibancada até a pista de gelo e ir embora? - ainda estava relutante em acreditar na namorada e revirei os olhos comendo minha pizza.
  Sim eu estava comendo de novo, foda-se.
  - Na verdade foi bem divertido. Apenas uma ameaça. O cara que molhou toda a blusa dela - me defendeu.
  - Hum - Wallace analisou a situação. Semicerrando os olhos e coçando o queixo. - Talvez ela esteja falando a verdade.
  - Óbvio que estamos! - falei alto e os garotos mudaram sua pose, como se estivessem tratando com uma pantera prestes a atacar. Virei os olhos.
  - Calma Wallace, não faça movimentos bruscos - zombou mais um pouco e Hannah deu um tapinha em seu braço, reclamando:
  - Deixa de ser idiota.
  Ele riu e deram alguns selinhos. Wallace e eu nos olhamos fazendo careta pra tanta demonstração de afeto e mel a poucos centímetros de nós.
  - Minha diabete disse oi - meu primo pegou algumas batatas da porção gigante que pedimos. - Mas e aí, gostaram do jogo? Amei a performance, priminha, bons tempos acompanhar as meninas de torcida.
  Suspirou sonhador. Ele sempre inventava a desculpa de que ia me visitar nos treinos e só aparecia pra flertar com minhas amigas.
  - Calado, Wallace, você é um homem comprometido agora - deixei escapar sem querer e olhou pra mim com dúvida, enquanto meu primo tinha o olhar nervoso. - Comprometido com o hóquei?
  Ri sem graça.
  - Isso é verdade, você brilhou naquele último gol, Wall - Hannah o cumprimentou.
  - Brilhou mesmo, Sanchez! - os garotos na mesa dos fundos gritaram rindo. Depois do jogo, todos eles de reuniram para comemorar com pizza. Nós quatro ficamos um pouco afastados porque eu ainda tinha que conversar sério com os dois.
  Por um segundo eu pensei que estavam falando de mim, mas primos consistem em na maioria das vezes terem o mesmo sobrenome. Wallace ficou se achando por algum tempo com os garotos assobiando.
  - Eu sou demais! - gargalharam e percebi Markus vindo até nós.
  - Sanchez maior - trocou um toquinho com Wal. - Sanchez Junior!
  Sorriu para mim e SENTOU NO MEU COLO. Roubou nossas batatas fritas e fiquei lá chocada com tamanha cara de pau. Tudo bem que suas pernas apoiavam maior parte do seu peso, mas mesmo assim? Que diabos?
  - Veio ao jogo pra me ver hoje, gata? Notei seus olhares até mesmo através do vidro sabia? Acho que devemos dar uma chance pra isso logo, que tal um encontro? - Mostrou todos os seus dentes.
  Ainda estava perplexa. Meus amigos prenderam a respiração com medo do que eu poderia fazer. Simplesmente empurrei Markus, que caiu no chão, e voltei a comer minha pizza.
  Eu mal conseguia distinguir meu primo, meu próprio sangue, no meio daquele jogo, quanto mais esse cão.
  Markus sorriu disfarçando o fora e caminhou de volta à mesa.
  - Que situação traumatizante - Wal comentou. Concordo. mudou o rumo da conversa.
  - Como foi a reação das Zetas quando você chegou no aniversário?
  - O mesmo de sempre desde a prova, eu acho. Me ignoraram, quase briguei com Brittany, fui embora.
  - Suspeitei que foi por isso que saiu mais cedo - comentou.
  - Do contrário você nunca recusaria um open bar até cinco da manhã - Wallace concluiu.
  - Você me conhece tão bem - sorri infantil.
  - Desde o nascimento - repetiu minha expressão. Hannah ficou chocada.
  - Pera, vocês são primos mesmo? Pensei que fosse piada.
  - Só por que eu sou branco e ela não? - Wallace brincou, mas de uma forma séria. Hannah engasgou sem saber o que falar e fez careta pra ele. - Tô brincando, docinho.
  Piscou. Olhei para o meu celular tentando encontrar algo de interessante novo e nada. Na real eu só estava interessada em um nome, e ele voltou a me ignorar completamente, a última mensagem na nossa caixinha era um "tudo bem" meu.
  - Eu acho que as meninas estão meio que com medo de me perdoarem por causa da Brittany - soltei.
  - Britt? Por que isso? - Meu primo não entendeu.
  - Na festa, Britt disse que as outras até queriam me perdoar, mas não ia rolar tão cedo porque quebrei a confiança dela, entre outras coisas.
  - Então você precisa enfraquecer a abelha rainha primeiro - Graham deu ideia.
  - Se elas quase se mataram em cinco minutos no meio da festa isso não vai funcionar, pense melhor, homem - Wallace reclamou. - Deixa comigo.
  Sorriu confiante e voltou a comer. Esperamos algo e nada.
  - Como assim?
  - Eu vou resolver isso.
  - Fala logo, Wallace, que cacete - Até Hannah quis saber. E ela não conhecia 80% dos envolvidos na história.
  Graham olhou chocado para o palavreado dela e ri, porque ele deveria estar agora pensando que sua amiga já tinha corrompido sua namorada.
  Wall não deixou isso abalar a cara de espertinho.
  - Eu vou dar um jeito. Só fica ligada no seu celular, quando for o momento certo eu vou te chamar.
  Dei de ombros.
  - Tudo bem, mas agora estou trabalhando dois períodos, não esqueça. - Ele piscou outra vez.
   ainda olhava chocado pra Hannah.

***

  Segunda de manhã cheguei no trabalho revigorada e pronta para fazer um grande pedido ao meu chefe. De dois ou um, ele morreria do coração, ou cagaria pra mim. Na fé eu buscaria uma nova opção, onde ele me ajudaria porque me ama e eu sou a melhor vendedora dele. Pode rir, é engraçado.
  Passei direto na recepção e bati na porta grande e chique da sua sala. A porta dele me lembrava as de novelas mexicanas em casas ricas. Eu achava tudo uma porta dessas, de comprimento ela conseguia ser maior que meu quarto.
  - Entre - murmurou. Quando me viu senti a aura de preguiça atingir todo seu corpo. - Que foi, ?
  A voz ainda tinha o sono da sua cama. Fechei a porta e me sentei na cadeira em frente a sua mesa.
  - Primeiro de tudo, eu espero que você pense em tudo de bom que já fiz pra essa loja e sobre minha porcentagem no final de todo mês.
  Na Marc Fontaine tínhamos uma porcentagem, através dela poderíamos bater uma meta e o funcionário que atingisse essa meta tinha um bônus extra salarial de acordo com os números que conseguiu. A porcentagem maior sempre era a minha.
  - Bom dia pra você também. Faz tempo que não a vejo, virou turista nessa loja. Mas fale logo o que quer de mim dessa vez. - Assinou algumas papeladas prendendo sua atenção.
  - Uh, sem joguinhos, adoro um homem direto. - Ele olhou pra mim na sua melhor expressão julgadora de Stanley Hudson. Pra falar a verdade ele até mesmo se parecia um pouco com ele. - Eu quero um empréstimo.
  Ele gargalhou. Abriu a boca com força e seus dentes estavam à mostra. Ele ria com vontade e força, seus olhos começaram a lacrimejar. Revi minhas unhas com tédio, esperando ele parar. Sr. Brown girou algumas vezes na própria cadeira e gritou como o Tarzan. "Você quer um... você quer..." riu. Tentou se acalmar aos poucos, respirando com lentidão.
  - Já terminou? - perguntei séria.
  - Essa foi boa. , obrigada pela risada.
  - Eu tô falando sério. - Ele se assustou com a revelação.
  - Bom então... não.
  - Por que não? - perguntei na defensiva.
  - Você pode ser a melhor vendedora daqui, mas é a mais instável também. Amanhã pode entrar em um carro de um desconhecido e se mudar para o México que nem saberei onde se meteu ou se vai pagar meu dinheiro - disse como se fosse tipo, uau, muito esperto.
  - Eu vou pagar. Eu sempre pago. Sumo as vezes sim, mas por causa dos estudos. E agora eu nem estou mais lá, tenho dois períodos e faço hora extra agora.
  Ele riu.
  - Tá vendo? Sua expulsão é só mais um motivo pra eu não liberar isso. É o melhor pra você, , acredite em mim - tentou aconselhar. Você não sabe o que é melhor pra mim. Nem eu sei.
  - Eu preciso, Sr. Brown. A minha casa de irmandade assinou alguns contratos novos com novas alunas e precisamos reformar toda a estrutura para recebê-las enquanto há tempo.
  Ele estranhou.
  - Que irmandade? Não foi expulsa?
  - Sim, eu fui, obrigada por me lembrar a cada cinco minutos - sorri afetada e ele imitou o sorriso. - A minha expulsão tem a ver com a reforma da casa. Resumindo, quando saí de lá a chance de conseguirmos o dinheiro para a reforma foi para o caixão junto com meu futuro na universidade.
  Ele suspirou se afundando na cadeira. Massageou a têmpora e tomou um gole de seu café. Eu devia ter trazido o café preferido dele, que burra.
  - A reforma de uma casa custa muito, você sabe disso. Se eu passar esse pedido para o banco, você passará o resto da sua vida preocupada em pagar a fatura, o que vai te atrasar mais do que os dois empregos que tinha te atrasaram na Hearst.
  Tudo bem, ele tinha uma certa preocupação real ali comigo.
  - Eu não sei mais o que fazer - era a segunda vez aquele mês que eu perdia minhas esperanças dentro de um escritório e tinha que implorar pra outra pessoa.
  Vi o olhar de Sr. Brown brilhar com pesar por um segundo, mas ele tossiu, disfarçando com uma carranca habitual.
  - Irmandade, não é mesmo? - ele virou a cadeira para trás, vendo algumas fotos na parede, todas em preto e branco por questão de estética. Uma delas era de um time de hóquei. 86.
  - Fiz parte da Lambda. Toda quarta feira até hoje me encontro com alguns caras do time para uma partida de canastra e beber uísque. Sei a importância da casa pra gente.
  Olhei com esperança e minha respiração parou. Ele disse:
  - Vou ver o que posso fazer.
  Eu explodi em felicidade e corri para o outro lado da mesa o abraçando e pulando.
  - Muito, muito, muito, muito, muito obrigada Senhor Brown, de verdade, em compensação vou arrumar todo o estoque a madrugada toda e você nem precisa me pagar extra.
  Ele riu constrangido por tanto carinho e saí alegre da vida da sua sala. Engraçado, geralmente eu entrava triste e saía chorando.

***

  Eu me lembrava da única discussão séria que tive na adolescência e teve tudo a ver com ela.
  Minha mãe. Eu me lembrava de algumas coisas sobre ela. Memórias perdidas.
  Me lembrava também o último dia em que a vi viva. Ela gostava de limpar toda a casa sozinha, isso a acalmava de alguma forma, tinha seu lugar especial pra colocar cada objeto diferente e não perdia nada de vista. Sempre havia um produto com cheiro de limão e sabonete na nossa sala e me lembro de assistir tevê enquanto tomava chocolate quente, enrolado no meu cobertor, e o aroma do limão me deixava feliz. Porque eu sabia que ela estava em casa, provavelmente na cozinha, e eu estava seguro, mesmo com os bandidos dos desenhos estando tão próximos de mim.
  Com onze anos eu estava brincando de cowboy com Wallace no quintal da minha casa e Wall chorou porque queria muito um Woody igual ao meu. Eu acabei dando o meu para ele e brincamos felizes o resto da tarde. Quando cheguei em casa e minha mãe perguntou onde estava meu Woody, eu disse que tinha dado a Wallace, porque ele chorou bastante querendo um e eu sabia que sua família não tinha condições de comprar, a minha sim, e ela ficou um pouco chocada com essa informação. Perguntei se tinha feito algo errado e ela não soube responder.
  Até hoje não sei responder isso. Talvez aquilo a ensinou que eu não era uma criança materialista? Ou que meu pai trazia tantos brinquedos pra casa que eu nem mais me importava com isso? Tanto faz. Lembro dela me dizendo que eu era um bom menino e estava feliz com isso.
  Minha mãe era engraçada, dizia que quando engravidou de mim não tinha ideia de como me criaria pra ser uma pessoa boa, contudo deu sorte de que de todos os espermatozóides, foi eu quem venci, e parece que eu já era bem criado desde que estive no útero dela. Eu gargalhava e não entendia nada do que ela contava, mas gostava de ouvir.
  De todas as lembranças que eu tinha dela, a pior foi no dia da sua morte. Hoje, há alguns anos atrás.
  A Senhora Greene era uma das mulheres mais bonitas que já tinha visto, seja na infância ou ainda hoje por fotos. O sorriso mudava tudo. Ela tinha cabelo loiro cacheado e um grande sorriso, com olhos pequenos e verdes. Mamãe tinha uma pequena cicatriz na sobrancelha esquerda, porque bateu na quina da cama quando era criança, e também cheirava a sabonete de limão.
  Apesar de ser a pessoa mais organizada que já conheci, seu hobbie era pintar, e suas pinturas eram uma bagunça. Lembro de uma vez quando meu pai e eu chegamos em casa depois de passar em um posto de gasolina, fomos direto para o quartinho da bagunça dela, onde ela pintava seus quadros.
  Meu pai mostrou o pote de sorvete que compramos para acalmá-la e não funcionou. Ela ficou brava, começou a jogar uns potes de tinta nele e disse que "nem tudo era tpm". E mandou ele explicar pra mim o que significava tpm, pra que eu não crescesse um misógino como ele.
  E ele ria. Somente ria, ria de como ela estava irritada com ele porque não conseguia ficar irritado de volta. Ria porque achava uma graça a Sra. Greene, como ele adorava a chamar, tão organizada, se enfiar em um quartinho cheio de tinta e pintar quadros que pareciam somente vultos e círculos coloridos. Ele ria porque a amava.
  Quando minha mãe riu de volta com raiva por não conseguir ficar brava com meu pai por muito tempo, foi um dos retratos de lembrança que tirei, onde nunca tinha visto minha mãe tão bela. Porque estava feliz.
  Então quando a vi no quarto do hospital, não parecia ser minha mãe. Os cabelos loiros não estavam mais lá, e o que mais me amedrontou foi a falta de seu sorriso. Eu tinha somente doze anos e não estava preparado para passar por aquilo. Na verdade não importa a idade, ninguém está pronto pra perder quem ama.
  Meus avós e meus pais não queriam me deixar sair da sala porque ela queria falar comigo, mas eu não queria falar com ela, eu estava com raiva porque logo eu a perderia e não podia fazer nada pra mudar isso. Ela tinha falado que o dia chegaria, eu só não esperava que fosse tão cedo.
  Ela disse que eu era um bom garoto. E que eu fui a melhor coisa que ela já fez na vida. As lágrimas dela cortaram meu coração e até hoje não consigo ver alguém chorando sem sentir por essa pessoa também.
  Dias depois fez aniversário.
  Pensando sobre isso, nunca chegou a conhecer minha mãe, o que me deixava abalado. Ela apenas dizia que ela devia ser legal porque eu era legal e que a melhor profissão do mundo era pintar.
  Depois de sua morte, apareceu todos os dias na porta da minha casa me chamando para brincar por dois meses. Nunca fui.
  Wallace me devolveu o Woody, um ano depois que dei para ele, acompanhado de uma carta que pedia para que eu ficasse melhor logo.
  Então tive relapsos na adolescência, a falta dela me incomodou, mas a ignorância do meu pai para lembrar que ainda tinha um filho vivo era pior. No fim, Wallace foi a melhor pessoa que eu poderia ter do meu lado naquela fase, conseguiu me tirar de roubadas como álcool em excesso, amizades ruins e até mesmo drogas.
  Anos de terapia me fizeram acreditar que apesar dela ter morrido, eu conheci ela, ela me conheceu, fomos bons um para o outro e eu tentaria ser bom porque ela me pediu que eu fosse. Saí da sua barriga já educado, não é mesmo?
  Sorri olhando para seu túmulo. Tinha acabado de deixar um grande vaso de flores ali. Tinham vários outros novos, de toda a minha família por parte de mãe. A família do meu pai era chata e dispensável, não devo mentir. A dela eu adorava, era calorosa e agradável, ela nasceu com essa personalidade e não era de se espantar que ainda hoje se lembravam dela e a falta que fazia. Porque além de tudo, ela se foi tão nova…
  Não era só minha mãe. Era filha de alguém, neta de alguém, sobrinha de alguém, esposa de meu pai. Depois de sua morte, ele se destruiu por completo e viramos estranhos morando na mesma casa. Até que me emancipei e comprei meu próprio apartamento.
  Ainda assim, com a ajuda de Wallace e dos outros, eu passei por alguns momentos sombrios desde o primeiro aniversário da morte dela. O silêncio e seriedade era tudo que partia de mim. Se me irritassem nesse dia, poderia dizer que não era respondendo de volta.
  Eu estava no início dos dezoito anos quando a tal discussão aconteceu. Mais um aniversário da data que ela se partiu. Estava em um encontro com Érica, a menina que apareceu na Marc Fontaine no dia em que trabalhou lá. Ela ainda era ruiva na época e estávamos bêbados depois de uma festa em um pub.

  Era nosso primeiro encontro, passou da meia noite e minha garganta apertou, parei de dar atenção pra ela já me sentindo um babaca, até que um real babaca encheu Érica quando ela foi atrás de bebidas para nós dois no bar.
  Me levantei irritado. Brigamos. Bati nele. Levei ela pra casa. Passei a noite no meu carro na Vila Lorenzo.
  Eu jamais encontraria um lugar que me desse tanta paz como aquele. Wallace e me encontraram ali antes do sol nascer e perguntaram algumas coisas, até que se assustaram com o sangue no meu casaco branco e Wallace me levou pra dentro de sua casa. Me deu um casaco seu e perguntou se eu queria dormir. Eu não queria nada.
  Até que ele me puxou até o David's porque não tinha nada "legal" pra comer na sua casa. Palavras dele.
  Fiquei calado prestando atenção na mesa. Não tinha nada demais na mesa, eu só não queria lidar com ninguém. Meu celular começou a tocar e Wallace, que tinha acabado de voltar de fazer um pedido, o atendeu, indo para fora para falar com o meu pai. Era o nome dele no visor.
  Senti a presença de alguém se sentando na cadeira a frente e não chequei quem era. Não precisei. Ela sempre usou o mesmo perfume, era gostoso com o cheiro que eu não sabia descrever. Toda mulher que eu encontrava na rua que cheirava assim, eu automaticamente me lembrava de . Tinha certeza que quando os produtores de perfumes criavam suas fórmulas, usavam alguma coisa especial pra fazer a cabeça dos homens não funcionarem direito quando se drogavam com aquele aroma.
  - Tá melhor? - sentia um sorriso na sua voz. - Um pouco? Só um pouquinho?
   deveria ter uns catorze ou quinze na época, eu nunca tinha a enxergado mais do que como uma criança, prima do meu melhor amigo, e também minha amiga. E certamente nunca a enxergaria além disso, era até engraçado pensar dessa forma.
  Ela suspirou ao ver que não teria minha atenção. Não queria fazer mal a ela, pensei, eu só precisava ficar sozinho. Eu queria falar, mas as palavras não sairiam, sei disso, tentei por anos.
  Notei um anel prateado em sua mão, de compromisso, ela namorava um garoto da minha turma chamado Miguel na época. Era ridículo o quanto as garotas eram loucas por ele. Eu tinha minha fama, mas Miguel, o perfeitinho, era outro nível.
  Bom, pelo menos não era eu quem correu atrás de uma menina menor de idade até conseguir namorá-la. Babaca.
  Ela voltou a falar:
  - Posso não ser tão próxima de você quanto Wallace, e nem tenho ideia do que aconteceu. Mas estou aqui se precisar de alguma coisa. Sei que posso ser uma vadia às vezes, mas juro pra você que é só fachada. Sou uma ótima amiga, ou pelo menos tento ser, todos os dias.
  Tentei sorrir com essa declaração e não consegui. Eu não achava que ela era uma... isso que ela disse. era engraçada, durona, e parecia ser leal. Pessoas que não a entendiam ou conviviam com ela só gostavam de espalhar que ela era alguma coisa ruim, porque não conseguiam chegar aos pés do que continha em sua personalidade.
  Levantei meu braço para a mesa e resgatei sua mão no meio dela. Apertei com força. Era como se eu estivesse esse tempo todo com a respiração trancada e só quando a segurei voltei a respirar. Ela ficou tensa no início, era uma reação nova minha, mas segurou de volta. Dando todo o conforto que eu precisava.
  Todos os dias após aquele cumpriu sua palavra.

***

  De alguma forma ela sempre esteve ao meu lado. Até porque era bem mais do que a garota que eu queria pra mim, no inicio ela era uma amiga que jogava futebol comigo e xingava todos os garotos, trapaceando no jogo e ganhando sozinha.
  Quando descobriu o porquê de eu estar mal aquela vez, fez questão de sempre me encontrar naquela data, todo ano seguinte, para ter certeza de que eu não teria uma recaída. Mas ficou tudo bem. A terapia ajudou. Muito. Consegui colocar todas as engrenagens funcionando outra vez na minha cabeça e com o tempo absolvi essa "mania de limpeza" como gostam de chamar pra manter minha vida organizada.
  Meu celular tocou e atendi.
  "São quatro horas, você precisa me buscar!" a pequena disse autoritária. "Tô chegando" ela desligou na minha cara.
  Bufei e dei um tchau para o túmulo de minha mãe. Era uma visita casual, só que mais importante por ser hoje. Eu a amava, sempre amei e sempre vou amar. Não choro porque ela se foi, mas sorrio porque a conheci.
  Era isso, simples assim. Agora que a minha história estava aberta, era hora de buscar o amor da minha vida. A garota que não importasse a situação, era só ela estalar os dedos, e eu ficava de quatro por ela. Fazia um tempo que não a via, e estava na hora de mudar isso.

***

  - Preciso te contar uma coisa que não contei pra ninguém até agora - fiz careta e limpei sua cara toda suja de mostarda.
  - Qu..e? - sua boca estava cheia e não entendi muito bem.
  McDonalds era a melhor forma de conquistá-la a fazer alguma coisa, como também era a melhor forma de soltar uma notícia ruim. Não tinha contado para ninguém ainda, apenas Wallace, que me enchia noite e dia para avisar sobre isso logo. Mas antes de , eu tinha que contar para Lexi, minha irmã caçula.
  - Eu estou indo embora - soltei a bomba.
  Ela abaixou suas sobrancelhas e ficou emburrada.
  - Pra onde? - arregalou os olhos.
  - Japão.
  - Por que você quer ir pra lá? Vai demorar quanto tempo? Posso ir junto? - soltou tudo de uma vez.
  - Consegui uma bolsa de estudos e vou poder me especializar em meu curso. São três anos e meio. Não, não pode ir junto Lexi, mas poderá me visitar. Se sua mãe deixar.
  - Eu não entendi nada do que você falou no início, mas ela não vai deixar, mamãe não gosta de você - fez bico e seus olhos brilharam.
   e zombavam bastante como eu sempre hipnotizava as mulheres, principalmente as mais velhas, de suas famílias. O que quer que seja isso, não funcionava com a mãe da minha irmã. Ela odiava meu pai e consequentemente me odiava também. Foi uma luta conseguir buscar Lexi na escolinha hoje. Só consegui por chantagem, já que teria que falar pessoalmente pra ela que seu irmão mais velho estaria indo embora do país.
  - Eu converso com ela - sorri a encorajando.
  - Tudo bem... - triste. Lexi tinha apenas seis anos, entenderia, mas não tanto.
  E logo eu teria que contar pra sobre essa viagem. Eu não fazia ideia que reação ela teria, mas por dentro, eu esperava uma positiva. Ela poderia ser como uma bomba relógio, mas não sei se fazia jus a sua personalidade ficar brava e pedir que eu ficasse. Isso também era só meu ego falando de uma forma meio babaca.
  Era difícil pensar nisso. Eu não queria dizer adeus a ela. Não queria que esse fosse nosso fim. Estava de braços abertos a qualquer opção de namoro a distancia que ela também topasse. Deus... braços abertos? Estava com tudo aberto, braços, pernas, mãos, mente e principalmente coração.
  Provavelmente eu era um idiota por pensar nisso, era muito a pedir. Além do mais, precisava ter um compromisso pra inicialmente pedir algo parecido.
  Nem nos falando nós estávamos, e eu estava aqui sonhando com a possibilidade de um namoro. Deus. Eu era patético. Ainda bem que as pessoas ainda não conseguem ler mentes., porque por fora ainda consigo manter uma pose de misterioso que a deixa com uma queda por mim. Se não fosse isso, tudo estava perdido.
  A feição de Lexi partiu meu coração. Informar todo mundo que eu amava de que logo estaria indo embora seria uma tarefa difícil.
  - Ei, eu volto tá bom? Vou passar Natal e Ação de Graças com você e com papai, como sempre.
  - E o Halloween?
  - Bom, esse vai ser impossível. Mas olha só, eu peço para Wallace e levarem você para pegar doces, que tal?
  Essa era a única parte que ela mais se importava mesmo. Seu rosto iluminou.
  - pode ir com a gente? - perguntou animada e chamei a garçonete, pedindo uma porção de batata fritas e suco pra eu mesmo.
   pode ir? Lógico que pode. Ela quer? Não faço ideia. Eu tinha planos de ir atrás dela depois de deixar Lexi em casa, então teria que lidar com a cobrinha antes de qualquer coisa. Por agora, não tinha como dar outra resposta.
  - Lógico.
  - E você vai continuar me buscando na escola até ir embora? - travessa.
  - Agora você já está querendo demais - ri. Não seria problema algum fazer aquilo, Lexi animava meu dia e cinco minutos dele com ela era o suficiente. O problema era sua mãe.
  - Ah, por favor ! Eu falo com a mamãe! Posso chorar mais que Pippy se for preciso - Pippy era seu cachorrinho, dei ele no último Natal. Datas comemorativas e férias ela ficava com o meu pai, no resto do ano ela ficava com a mãe. Sem contar dias extras que meu pai a buscava na escola e ficava pela mansão mesmo assim.
  Em uma situação comum era difícil o pai conseguir tantas datas assim, mas como ele tinha dinheiro era diferente. Stefano Greene poderia ser uma pedra quando se tratava de mim, contudo com Lexi ele virava o pai do ano. Acho que ele a via como uma forma de recomeçar, sabe? Quando fiquei mais velho e ele tentou conversar comigo, notou que já tinha me perdido. Minha infância, minha adolescência. No dia seguinte ele foi saber que eu já tinha comprado um apartamento e me mudado.
  Foi uma das melhores decisões da minha vida. Acordar com um milhão de empregadas para uma casa gigantesca onde só moravam três pessoas era ridículo, além do que, eu precisava organizar tudo da minha forma. Um fio de cabelo fora do lugar já me irritava na House Fontaine. Eu sei, uma casa com nome, ridículo, não é?
  - Pippy ainda chora bastante? - falei preocupado. Ela deu de ombros.
  - Só quando coloco ele na mesa para tomar chá com a Senhora Epaminondas e Senhor Frankenstein.
  Quando ela falou em Frankenstein sorri lembrando de e toda a saga do drive-in. Um dia eu mesmo a levaria em um drive-in. Nem que eu tivesse que montar um sozinho.
  - Tente não fazer isso - aconselhei Lexi.
  - Mas ele gosta!
  - Como sabe?
  - Ele me contou.
  - De que forma?
  - Pippy e eu conversamos. Temos uma língua especial.
  - Hum, se chama, deixa eu ver, se chama latido?
  - Não seu bobão, eu chamo de B4, mamãe disse que ele atinge essa nota pelo meio do choro. - Sua mãe era professora de canto no coral de igreja.
  - Então basicamente ele uiva e você uiva de volta e vocês conversam?
  - Sim! - sorri. - E no fundo eu coloco Mozart pra tocar. Estamos treinando ele no balé!
  Pintei a cena na minha mente. Uma garotinha colocando um cachorro na mesa, ele ficando berrando para sair dela, enquanto ela berra de volta achando que está se comunicando com ele e o som está ligado no fundo.
  - Bom, não é a toa que sua mãe está ficando louca.
  - Não entendi - disse brava. Entendeu sim.
  Terminamos de comer e logo estávamos no meu carro outra vez. Estacionei na frente da sua casa, era um bairro bom. Bonito e simples. Então notei o rosto triste de Lexi.
  - , você acha que vai conhecer uma outra menina tão legal quanto eu lá e vai me substituir? - fungou.
  Pra ser sincero, eu estava sonhando com falando algo como isso. E não minha irmã caçula.
  - Poxa Lexi... agora que você falou desse jeito - parei pra pensar, falsamente, dando um longo suspiro notando sua expressão em um quase choro. - Seria impossível. Você é a minha irmã preferida.
  - Sou sua única irmã - ela riu. - Até agora.
  Revirou os olhos dizendo a frase que eu vivia repetindo.
  - Verdade, só que seria um pouco difícil substituir uma baixinha irritante e tagarela como você. Tem poucas no mundo.
  - Ei - ela bateu no meu braço.
  - E forte também, cara… cete, menina.
  Ela abriu a boca chocada e riu apontando pra minha cara.
  - Você falou um palavrão! Vou contar pra mamãe! - Fiquei nervoso.
  - Eu não falei nada.
  - Falou.
  - Não falei.
  - Falou sim, quase falou.
  - Eu ia falar “carambolas”.
   - Ah tanto faz, ! - Revirou seus olhos. - Você precisa amadurecer! - Uivei.
  - Nossa, que madura. Quando cresceu tanto, hein Lexi? - Olhei pra cima, fingindo que ela não estava ali. - Lexi? Cadê você?
  - Você é muito bobão - riu, tirando o cinto pronta pra descer.
  Eu tinha que tirar suas roupas da parte de trás e levar pra casa. Tínhamos passado no estúdio de balé onde ela estudava para pegar alguns figurinos dela que estavam lá há algum tempo. Sua mãe não tinha carro porque achava que eles danificavam demais o meio ambiente. Lexi tinha a educação anti canudos de plástico já com seis anos e isso me deixava orgulhoso.
  Antes que ela abrisse a porta, a chamei outra vez.
  - Ei, tive uma ideia. Como vou provavelmente te buscar todos os dias até o final do ano, podemos ter um chamado secreto pra quando eu parar na frente da sua casa.
  Seu olhar era curioso e entretido.
  - Tipo um código de irmãos? - Sorri.
  - Um código de irmãos. - Dei a mão pra ela e ela apertou.
  - Ok, que tal um longo assobio? - Lexi deu a ideia.
  Assobiei com dois dedos e ela fez careta pelo barulho. Incentivei ela a fazer o mesmo e ela sorriu sem graça.
  - Eu não sei assobiar... - Revirei os olhos.
  - E a ideia foi sua - reclamei e ela deu de ombros.
  Eu até imaginei que ela não saberia assobiar. Apesar de sua mãe ser professora de coral e Lexi ter participado de algumas aulas (fugiu para o balé ao invés de continuar), minha irmã caçula tinha a língua levemente presa. O que dificultava a fala dela e deixava tudo um pouco mais devagar. Segundo o médico, com o tempo ela evoluiria sua dicção e tudo estaria bem.
  De alguma forma, isso deixava ela ainda mais fofa.
  - Ok, que tal um B4? - falei ansioso.
  - Um B4? Agora você está falando minha língua! - Literalmente. - É assim ó…
  Ela uivou como um lobinho e eu já tinha suspeitado que era essa a língua que ela inventou com Pippy. Lembrava o baleiês de Dory. Esse eu brincava com quando éramos pequenos.
  - Assim? - Uivei o mais alto que consegui e ela gargalhou tentando me calar.
  - Não tão alto!
  - Ué você falou que era assim - uivei outra vez - então vou fazer assim - continuei. Ela não parava de gargalhar e quando tentou colocar a mão na minha boca rapidamente a sentei no banco outra vez e fiz cócegas nela, o que piorou sua crise de risadas.
  Quando Lexi se acalmou, a coloquei na minhas costas e a carreguei para fora do carro. Peguei rapidamente sua bolsa no banco de trás e caminhamos engraçado para a porta de sua casa, eu fazia sons de foguete e abaixava e levantava o tronco.
  Assim que notei sua mãe na porta observando tudo, parei. Já na frente da mulher, me virei e ela retirou uma feliz Lexi das minhas costas. A menina foi parar no chão e olhamos os dois com cara de cachorro sem dono para ela, a Senhora Rabe.
  Ela parecia com Lexi, só que mais velha. Olhos castanhos assim como os cabelos lisos.
  - Mamãe, deixa o me buscar na escola todo dia, por favor, deixa, deixa, deixa! - fez mão de reza.
  Sra. Rabe se assustou com o pedido e me encarou.
  - Eu não tenho problema algum em fazer isso, senhora, acho até mesmo que preciso passar mais tempo com Lexi agora que estou indo embora…
  Agi como se fosse um favor e não o contrário, viu como sou espertão?
  Minha irmãzinha continuava buzinando no ouvido da mãe com "por favor, por favor" se perdendo nas palavras e faltando ar entre elas. Depois de algum tempo ela relutou, revirou os olhos e disse "tudo bem".
  Lexi e eu comemoramos e batemos nossas mãos, uivando em seguida. Sua mãe olhava para nós como se fossemos loucos. Fiquei com vergonha.
  - Bom... hã... como vai o coral? - perguntei o que era praticamente tudo que eu sabia sobre sua vida agora. Lexi riu de mim.
  - Vai bem, , obrigada - ela achou divertido meu desconforto. - Boa sorte no Japão.
  Agradeci verdadeiramente e acho que esse foi o melhor diálogo que tivemos desde que a conheci. Ela foi um pequeno namoro de meu pai, a primeira desde que minha mãe tinha falecido. Ela era legal, e também não poderia a culpar por projetar a mesma imagem que tinha de Stefano em mim, até porque eu mesmo não tinha uma boa relação com meu pai.
  Foi legal ver um sorriso dela vindo pra mim. Talvez e estivessem mesmo certas e tenho um dom natural hipnotizante com as mulheres. Ok, muito ego? Perdão.
  Esperei Lexi acenar e fechar a porta feliz da vida antes de eu ligar o carro e tomar partida. Uma já foi, falta uma. E dessa eu tinha medo.

***

  Continuei passando pano por toda a vidraçaria da recepção da Marc Fontaine, enquanto ouvia música indiana no meu headphone. Eu ficava uma graça com ele.
  Um pensamento surgiu na minha mente e passei a refletir sobre meu erro em roubar as respostas da prova.
  Quando eu era criança, Bob Esponja era meu desenho preferido, os traços dele e do Lula Molusco foram os que mais repeti enquanto ainda aprendia a desenhar e hoje poderia recriá-los perfeitamente de olho fechado.
  Tinha esse episódio na série, onde Sandy volta para o Texas e deixa uma lagartinha dentro de um vidro de conserva para que Bob e Patrick cuidassem dela. Eles viraram melhores amigos da lagartinha, até que passa uma noite, ela vira borboleta, e quando os dois a encontram acusam ela de ter comido a amiga lagartinha e possuem a brilhante ideia de alertar todos os moradores da Fenda do Biquini sobre o horrível monstro que agora vivia ali.
  No final do dia, uma onda de caos se instala pela cidade, tudo é destruído, casas pegam fogo, carros são destroçados e os cidadãos fogem com medo, mas Bob e Patrick estão felizes porque salvaram a cidade e os avisaram sobre a lagartinha.
  Eu me sentia como Bob e Patrick. Tentei ajudar, mas acabei piorando as coisas. Tudo que eu precisava agora na minha vida era de uma Sandy voltando do Texas e guardando a assustadora lagartinha dentro de um vidro de conserva outra vez. Só que eu já tinha um vidro de conserva, e acho que ele não ajudaria em nada.
  Organizei todos os produtos de limpeza junto com os panos que tinha usado dentro de uma caixa de sapatos e me virei para levá-la até outro local e recomeçar mais uma higienização. Eu estava completamente sozinha na loja e tinha até coberto as vitrines para evitar exposição de ter somente uma garota dentro dela. Imaginem minha reação quando me virei e percebi que tinha um maluco encostado em uma das colunas da estrutura.
  Dei um grito derrubando a caixinha de sapatos. Ele sorriu faceiro pra mim e me lembrei com quem eu estava lidando e que eu ainda estava brava, então cerrei meus olhos, resgatando minhas coisas.
  Coloquei meu headphone no pescoço.
  - Não sabia que gerava reações tão intensas em você - riu se aproximando para ajudar, mas levantei meu dedinho indicando que ele não deveria sair dali. E ele ergueu os braços, rendido, parando no meio do caminho.
  - Reação intensa? Medo, você quis dizer. - Ele usava um blazer preto, cinza na parte de dentro, com capuz e cordinhas na frente. - Veio comprar alguma coisa, senhor?
  Sorri falsa com os olhos fechando.
  - Na verdade, sim. Você. De volta. - Meu sangue ferveu. Misógino.
  - Sinto muito, mas não estou a venda. E eu sou muito cara.
  - Cara quanto? - travesso.
  - Não tenho porque te contar, você não pode bancar - gracejei, dando meia volta até uma manequim pelada que eu tinha que lustrar.
  Como estávamos perto das festividades de fim de ano, mudamos toda a decoração da loja e a manequim era tão brilhante quanto um diamante.
  - Eu estou um pouco perdido aqui - disse alto caminhando até meu lado e retirou meu headphone outra vez, fiz um som bravo por isso. - Quando foi que as situações se inverteram? Eu quem estou bravo com você.
  Coloquei um dedo na boca fingindo pensar.
  - Como a famosa pensadora Rihanna disse uma vez "nunca subestime a capacidade de um homem em fazê-la ser culpada pelas atitudes dele". O que estou fazendo aqui e agora é tipo, sei lá, reparação história - declarei.
  Ele grunhiu e colocou o aparelho na minha cabeça de novo. Sorri sem que ele visse e desliguei o som, colocando meu celular de lado.
  Acho que ele chutou e socou o ar algumas vezes atrás de mim silenciosamente e voltou dessa vez para o meu outro lado, como se estivesse pronto para o segundo round.
  - Que perfume você usa? - perguntou genuinamente curioso e estranhei.
  - Devo ter dez vidros diferentes. - Dei de ombros não sabendo que isso tinha a ver com o quê. - Por quê?
  Ele balançou a cabeça.
  - Deixa pra lá. Então, as meninas já vieram falar com você? - Me encolhi.
  - Nope.
  - Por quê não? - questionou um pouco rígido. - Você já pediu desculpas?
  - Para Britt. - Recolhi todos os produtos novamente e fui para o balcão organizar cintos masculinos e femininos. Os que não eram da Marc Fontaine estavam em promoção até sexta-feira. Obrigada, de nada.
  - E?
  - Não funcionou.
  Ele assentiu entendendo.
  - Ouvi falar sobre o que aconteceu na festa. Pensei que depois disso já tinham se resolvido. Mas honestamente, , isso já está ficando ridículo. - Me seguiu até o balcão e colocou as duas mãos no vidro.
  Ele usava anéis em dois dedos na mão esquerda e dois na direita, o toque causou um som estridente e fiz cara feia pra ele. Ele tirou em um segundo e limpei rapidamente suas digitais.
  - Você não pode achar ridículo quando fez a mesma coisa e parou de falar comigo também - acusei com um toque infantil. Me olhou incrédulo.
  - Talvez porque você tirou, sem eu saber, as respostas privadas do meu computador? - gesticulava com as mãos. Tipo, “escute aqui queridinha”. - Não é como se eu ligasse de verdade pra isso, só que droga , não posso ser fraco toda vez que lido com você. Mas agora até eu já estou aqui, fazem semanas que tudo isso aconteceu e as meninas ainda fazem bico quando você passa? É eu acho ridículo sim.
  Deu uns passos pra trás, incomodado. Larguei meu pano.
  - Elas estão certas, tá legal? - reconheci meio desconcertada. Dessa vez eu não sabia se deveria ou não me defender. Estava tudo um pouco confuso demais pra minha cabecinha de pouco raciocínio.
  - Não, não estão - disse simplesmente. Suspirei.
  - Eu pedi desculpas, pedi pra , e olha só, peço até pra você. - Fiz mão de reza rapidamente. - Perdão por mexer nas suas coisas. Eu sei que errei e tudo bagunçou por minha culpa.
  - Pera com isso. - Abaixou meus braços sem grosseria, mas sua cara estava amargurada. - E pare de pedir desculpas também. Única razão de não ir eu mesmo fazer Brittany acabar com essa palhaçada inútil é porque deixaria você ainda mais chateada.
  - E você não tem nada a ver com isso - soltei e caminhei séria até o estoque de sapatos. Comecei a retirar todos do armário um pouquinho agressiva e eles caíam no chão.
  - Ei - , que me seguiu outra vez, teve que pular para desviar de um.
  - Perdão - não tinha o mesmo sentimento da palavra na minha voz.
  - Você é cabeça dura demais, garota. Foi menos de uma semana, e no fim eu liguei mais para você do que ao contrário.
  - Então eu vou te devolver duas semanas de silêncio, pelos juros.
  - Não sabia que se importava tanto se eu estava ausente ou não - me atentou.
  - Não me importo. - Joguei mais um sapato sem querer, querendo, em sua direção e olhei de relance quando ele teve que se abaixar pra não pegar em sua cabeça.
  - Ufa, estava começando a ficar preocupado. Deixou transparecer, quase acreditei. Insinuou quase rindo e parti para o depósito de bolsas. De novo várias prateleiras, mas dessa vez coloquei os objetos no chão porque não tinha coragem de jogá-las.
  Ergui as sobrancelhas ao ver uma peça vermelha e encenei felicidade e choque.
  - Olha só! - Retirei ela do lugar sorrindo mais que David quando descobriu no aniversário de oito anos que ganharia um cachorrinho. - E pensávamos que só tinha uma. Toma, leva pra Érica.
  Joguei em sua direção com força e ele pegou no ar, gargalhando até colocar as duas mãos nos joelhos.
  Era a mesma bolsa que tinha brigado por ela com a querida Érica no único dia que trabalhou aqui. Não posso colocar em palavras o quanto amei ter a visita de na loja bem no dia em que ela também estava aqui. Foi incrível.
  - Rancorosa. - Cessou a risada aos poucos.
  - Boa memória - resmunguei de costas pra ele.
  - Agora falando sério, meu amor. - Ouvi sons e ele parecia entretido com alguns objetos dali. - Temos que consertar tudo isso. Eu lembro quando nos abandonou praticamente um ano pra conseguir uma bolsa nessa maldita universidade, tudo o que perdeu, só por uma chance. Então não posso virar as costas pra situação como se não fosse nada, só porque você já convenceu até seus pais de que não foi. Eu te conheço, sei que ainda está magoada pela expulsão.
  Desgraçado. Me conhecia bem demais. E voltou a falar:
  - Por isso tomei a liberdade de falar com Campbell sobre o seu caso e... - parei de ouvir aí.
  - VOCÊ FEZ O QUÊ? - Se encolheu.
  - Falei com Campbell? - saiu como uma pergunta e a voz mais fina.
  - POR QUE DIABOS VOCÊ FARIA ISSO, GREENE?
  - Eu estava tentando ajudar? - mais forte, porém, ainda assustado.
  - Pedindo ajuda, em meu nome, pra aquela salafrária egoísta? - grunhi e joguei um sapato propositalmente na sua direção agora.
  - É só uma reunião, meu amorzinho. Ela quer reavaliar seu caso e talvez te dê outra oportunidade se você cooperar, doçura - falou com medo, como se estivesse pisando em ovos.
  - SE EU COOPERAR? - gritei. Meu nível de raiva agora era Regina George descobrindo que Cady Heron lhe deu barras de chocolate para engordar e não caber em seu vestido até a noite do baile. - Ela que coopere pra eu não descer a mão naquela cara de soin.
  - Mas, tesouro, pode ser que essa conversa funcione! Não precisa gostar dela de verdade, só finja e consiga sua vaga de volta! - sorriu contente e amedrontado.
  Se ele me chamasse de outra coisa que não fosse meu nome daqui em diante eu cometeria um crime de ódio. se escondeu atrás de um manequim quando me aproximei dele.
  - Nem que ela me colocasse um tapete vermelho no chão me parabenizando pela minha vaga re-conquistada na Hearst, eu voltaria pra aquele inferno de escola. Não com Johnson lá, não com Markus enchendo o saco por cada corredor que eu passe junto com o restante dos alunos que estão inventando boatos de mim até hoje sobre o que verdadeiramente aconteceu. - Fitei seu rosto do lado esquerdo do manequim. Ele se afastou indo para o direito. Segui seu movimento. - Eu vi as roupas dela. , são todas de liquidação. E falsificadas! Você tem noção que ela teve coragem de virar o rosto pra mim na primeira semana de aula porque minha bolsa não era original e ela usa roupas falsificadas? TEM NOÇÃO DISSO?
  - Eu só achei que... - tremeu.
  - Ela que enfie minha vaga no grande e arrombado c... - me interrompeu. Dessa vez um pouco mais firme. Um pouco.
  - Docinho de coco... amorzinho da minha vida... beleza divina e pura que pulou no meu mundo... talvez... só talvez, eu já tenha marcado um almoço seu, com ela.
  Deus do céu, era hoje que eu seria presa por assassinato.

***

  Na manhã seguinte fiquei repensando toda nossa conversa. Estava comendo uma caixa de cereal sem leite, pura, inteira, e estava quase no fim. Com sorte todo esse açúcar iria pros meus inexistentes peitos. E sabemos que isso falharia.
   saiu depois que joguei mais algumas bolsas nele, me mandou um beijo e disse que me ligaria na manhã seguinte. Ele ligou, atendi e fiquei calada. Ele começou um monólogo gigante sobre o que ele fez a semana toda desde que parou de falar comigo.
  Eu nunca fui uma garota ciumenta, nunca mesmo, pergunte a Miguel e meus outros ex, jogar a bolsa mencionando Érica ontem foi só coisa do momento, mas talvez isso deu um pouco de receio a , que invés de colocar limites, me informou até mesmo que meia ele usaria no dia de hoje.
  Depois de alguns minutos sem minha resposta, só uma breve risada, começou a cantar o hino nacional na pior voz possível e desliguei na sua cara. Ele não queria me dar satisfação do que fazia, só estava sendo irritante, como o usual.
  E acho que isso marcou uma coisa: e eu estávamos bem de novo. E isso formava que eu tinha de volta não somente minha melhor amiga, como também meu melhor amigo. E a paz volta para o reininho de .
  Sobre a conversa com ele: eu já tinha em mente que, ou apareceria só pra mandar ela se fuder, porque mandei Johnson e não mandei minha reitora querida e preconceituosa, ou somente não apareceria. Provavelmente eu iria de segunda opção por ser algo mais ético.
  De qualquer forma eu estava revendo minha existência, a que eu conheço sempre se achou uma pessoa independente que logo faria faculdade e sumiria do país o mais cedo possível para viver todas as aventuras da vida porque ela não precisa de nada ou de ninguém.
  Hoje acho que eu não conhecia tão bem essa .
  Gritei por alguém naquela casa e ninguém me respondeu. Corri para escovar os dentes, fui para o primeiro andar no restaurante e somente meu pai estava ali. Perguntei pela mamãe, vovó e David.
  - Na praia, anjinho. E ah, você vai ter uma surpresa. - Seu apelido me trouxe as lembranças de ontem a noite se escondendo de mim e ri. Sádica, eu sei.
  AInda pensava sobre esse encontro com a reitora. tinha uma mania de cuidar dos outros. Ele era o paizão do grupo, tenho certeza que isso ficou bem claro quando fomos ver o show do Eluk. Mas eu achava um pouco demais tomar uma decisão dessas sem me consultar. Tudo bem que ele tinha um coringa na manga por ser filho do noivo dela, contudo, eu poderia eu mesma falar com ela. Se eu quisesse. E ainda não sei o que quero.
  Abri um portãozinho da Vila Lorenzo que dava caminho para a Playa del Luz. Noventa porcento da minha infância tinha sido passada ali, e desde que comecei a trabalhar era difícil pegar ela com o sol ainda no céu, mas eu continuava a fazer caminhadas de noite.
  Eu estava usando uma saia com detalhes laranja e um top em crochê combinando. Meus longos cabelos estavam amarrados e corri sorrindo, senti o vento na minha cara e a areia branca em meus pés. Tinham poucas pessoas ali porque era dia de semana, mas a água azul, perfeita, continuava a mesma.
  Avistei minha mãe com meu irmão caçula e Wallace com eles. Fui em sua direção e me assustei quando vi um novo participante da brincadeira. Um cachorro.
  - O que é isso? - Olhei assustada.
  - !!! Olha só pra ele!!! Não é maravilhoso??? - David sorria de orelha a orelha e eu travei quando o filhote de vira lata se aproximou de mim. Wallace correu, me abraçou me tirando do chão rapidamente, soltou um "bom dia prima" e correu com o cachorro outra vez em seu encalço, jogando um frisbee que tinha em mãos para o filhote ir atrás.
  Com movimentos mecânicos fui até minha mãe, que estava parada sorrindo para a cena.
  - Mamãe... o que é isso?
  - Ora, um cachorro, - informou divertida.
  - É... nosso?
  - David tirou nota máxima em todo o boletim. Seu pai e eu achamos que estava na hora de nos redimirmos por aquele dia no aniversário.
  Ah sim. Lembram quando falei que David nunca sorriu tanto porque descobriu que ia ganhar um cachorro? Era uma pegadinha do meu pai. Ele levou David até a lixeira e mostrou um gambá. Papai riu uma semana e David ficou bravo. Resolveram lutar com seus sabres de luz para verem quem venceria a parada. Papai ganhou e David não teve seu cachorro. Aí David sumiu com a camiseta preferida do meu pai. E meu pai passou com o carro por cima do Homem-Aranha de brinquedo de David. E isso seguiu até hoje.
  - Hum, legal... Ele vai morar com a gente?
  - É a ideia. - Mamãe olhou pra mim como se eu fosse burra.
  - Eu não sei se gosto de cachorros... - minha voz estava tão fina e medrosa quanto a de ontem.
  A questão é que nunca tive cachorros na minha vida. Nunca. Nenhum animal de estimação. Na realidade, já tive um aquário. Mamãe comprou cinco peixinhos laranjas para mim. Coloquei no meu quarto e quando acordei pisei em cima de um, ele tinha se suicidado, se jogando para fora da água.
  Compramos uma tampa para o aquário, mas eu passei a ter medo dos peixes, pensando que um deles tinha empurrado o outro para fora. Aí mamãe deu o aquário para Wallace, e acredito que os peixes estão vivos até hoje.
  Sem contar a minha outra história com animais, cachorros em questão, quando fui buscar a bola que tinha caído no quintal do vizinho de e o cachorro do cara avançou em mim quase arrancando meu vestido. Bati em , e Wallace, que riram da minha cara e fui pra casa repensar minha existência.
  Eu gosto de pinschers, porém. Quando era bebê, tenho memórias de ter um bichinho de pelúcia que parecia um pinscher, a cabeça gigante e os olhos também. Papai achava ele a coisa mais horrenda do mundo e chamava de boneco voodoo. Até hoje assisto vídeos de pinschers endemoniados na internet, é a coisa mais adorável do mundo.
  Mas aquele cachorrinho não era um pinscher. Era uma espécie amarelo claro, fofa, nova, animado e feliz. E eu estava com medo. Sabem a expressão "tive medo igual uma cadelinha"? Pois bem, agora eu estava com medo de uma cadelinha.
  Ignorei o cachorro outra vez perdida no mundo da lua e estava caminhando para pegar um pouco de água nos pés antes de ir trabalhar, quando Wallace apareceu do meu lado.
  - Já sei como vamos fazer você re-conquistar as meninas. - Meu primo sorriu como se tivesse encontrado a cura para a fome no mundo. - Eu disse que ia conseguir.
  Esperei ele falar. Ele ficou ali olhando para a praia concentrado.
  - E ENTÃO? - indignada.
  - Ah certo... E então…
  Meu pai gritou por meu nome no portãozinho da Vila.
  - ! Seu chefe no telefone! - Sorri abertamente.
  - Mas já? Ainda não deu seu horário. - Wallace ficou sem entender e corri até meu pai. "Alô" atendi ofegante.
  "Tive uma ideia que pode te ajudar".

Capítulo 15


  Era uma segunda-feira a noite, o calor ainda estava de matar e encontrei com David, Wallace e a ferinha canina em uma sorveteria após o expediente.
Flashback on.
  - Reputação é tudo nessa vida, ! - Meu chefe sorriu assim que entrei em sua sala e sorri também, afinal, ele tinha encontrado uma solução para minha falta de grana.
  - Lógico. - Forcei ainda mais o sorriso esperando a verdinha aparecer magicamente na minha mão.
  - E o que a Marc Fontaine mais possui? - perguntou animado.
  - Reputação? - Ergui a sobrancelha.
  - Exatamente - gargalhou.
  - Isso é mais uma daquelas histórias sobre o Louis Vuitton? - Quando dei minha entrevista aqui, ele ficou maravilhado com a curiosidade das bolsas e o naufrágio do Titanic.
  Um resumo: as bolsas da Vuitton ganharam reconhecimento somente quando dias após o navio afundar, elas ressurgirem boiando, com os objetos ainda completamente secos. Era questão de qualidade. Assim nasceu a reputação da marca.
  Isso era real ou só um conto da internet? Não sei. Mas eu também não sabia era onde o Sr. Brown estava querendo chegar com isso. Ele olhou com expectativa para mim e continuei com cara de mosca morta.
  - Senhorita Sanchez, entenda, temos um estoque gigantesco de roupas usadas no cofre dos fundos, correto?
  - Sim. - Dei de ombros. Não era um cofre, mas como havia muitas preciosidades dentro da sala (roupas e acessórios da Marc) chamávamos de cofre.
  - E se eu te dissesse que o seu grande chefe aqui conseguiu permissão para despacho definitivo dessas roupas… O que acha disso?
  - Acho que você vai jogar uma tonelada de roupas de marca que possuem um furo inútil fora… Mas, senhor, o que isso tem a ver com o meu caso? - perguntei.
  Ele suspirou.
  - É questão de administração, . Em um brechó comum, quanto gastamos em uma bolsa?
  - Não sei, no máximo 60 dólares, eu diria. Apesar de algumas senhoras esquecerem de que se trata de um brechó e trazerem valor de fábrica Chanel pra venderem seus artefatos.
  - Exatamente! - Sorriu. - E por quanto venderíamos uma bolsa, original, Marc Fontaine, nova, dentro de um brechó?
  Entortei o lábio, pensando na possibilidade.
  - Aí é um negócio diferente, senhor. Eu venderia por no mínimo 250, dependendo do modelo, que pode ficar ainda mais cara.
  Ele sorriu como se soubesse exatamente o dia em que o mundo iria acabar. Sim, o sorriso deu medo.
  - São suas.
  Olhei para a sala toda esperando alguma coisa.
  - O quê?
  - Francamente, menina… O cofre.
  Acho que meu cérebro pifou e me recusei a acreditar.
  - Você tá falando… do cofre?
  - Sim, o cofre.
  - O COFRE? - gritei.
  - Sim! - gargalhou.
  Minha pressão baixou e precisei me sentar. Sr. Brown correu atrás de um copo d’água e me ajudou a beber.
  - Deixa eu ver se entendi - minutos depois, minha cabeça voltou a funcionar. -, o Sr. está dizendo que conseguiu acesso para não somente nos livrarmos das coisas que temos no cofre, como também pode simplesmente dar para uma funcionária?
  Ele fez um som com a boca.
  - Não exatamente dar para uma funcionária, claro. Mas você sabe como é, acabariam no lixo. Se revendê-las por um preço acessível… acredito que qualquer mulher entre 20 e 50 anos com uma renda de 30 mil por mês estaria interessadíssima nessas peças. E também, quando repassar a informação de que vai vender tudo, tente não espalhar o nome de nossa marca. Tente algo genérico como “brechó de marcas grandiosas”, elas vão entender.
  Fiquei tonta outra vez.
  - Senhor… temos edições únicas naquele cofre.
  - Eu sei. Eu sou um ótimo chefe.
  Como ele havia dito: era uma questão de administração. Em pouco tempo eu reuniria todas as peruas de Los Angeles com cartões de crédito com limite infinito para gastarem tudo com peças da Marc Fontaine únicas que agora pertenciam a mim.
  Soltei um grito de felicidade e abracei o Sr. Brown.
  - Obrigada, obrigada, obrigada! - Dava alguns pulinhos e ele afrouxou a gravata envergonhado.
  Eram muitas demonstrações de afeto por minha parte esses dias, ele não aguentava tanto assim.
Flashback off.

  David estava brincando com o cachorro enquanto Wallace e eu montavamos os sorvetes. David tinha uma mania de colocar sabores diferentes e depois chorar porque não queria comer. Aí então chorava mais um pouco até conseguir comer o sorvete de outra pessoa.
  Meu pai de duas ou uma: fazia ele comer até o último pingo do sorvete ou enfiava o dele próprio na guela de David.
  Depois dessa noite, David foi proibido de montar os sorvetes e escolhemos seu sabor enquanto ele esperava. O segredo era só um: chocolate com cobertura de chocolate e granulado de chocolate. Não tinha erro, David era chocólatra.
  - E então, o que seu chefe disse? - Wall perguntou e sorri ao responder.
  - Ele liberou roupas e peças exclusivas que seriam descartadas da loja para que eu possa vender e arrecadar o dinheiro.
  Wallace fez careta.
  - Não seria mais fácil roubar um banco? O cara só te deu mais trabalho. - Bati com uma colher nele.
  - Não viaja. Só uma calça daquela loja custa mais de 300 dólares. Consigo arrecadar algumas milhas facinho. Principalmente com os tipos de cliente que a Fontaine adquiriu com os anos. - Ele se interessou ao ouvir sobre o dinheiro.
  - Muito bem, priminha… e quando vai começar essa venda?
  - Primeiro preciso encontrar um local para o brechó acontecer, e então divulgar, carregar as roupas… enfim, vou precisar de ajuda dos meus amiguinhos queridos. - Sorri infantil e ele apertou minha bochecha com força.
  - Estaremos aqui - sorriu da mesma forma.
  Ri de sua palhaçada e fomos até a mesa com David e o cachorro.
  - Você poderia não olhar com desdém para ele, ? - David reclamou.
  Bufei.
  - Você nem sabe o que essa palavra significa.
  - Claro que sei, viu meu boletim?
  - Vi. Falsificou? - Ri. - A criança briga o ano inteiro na sala e aparece com aquelas notas, não me parece verídico.
  - Quem será ele se parece. - Wallace revirou os olhos e senti uma indireta.
  - Não enche, mané.
  - Não temos nada em comum, primo. - David olhou debochadamente. - nem boletim tem mais.
  - Haha, vamos rir da expulsa. Um dia pode ser você. - Bati com uma colher em seu braço e ele fez o mesmo comigo.
  - Vocês são duas crianças. - Wallace suspirou dramaticamente e revirou os olhos. - Qual vai ser o nome dele? - perguntou, nos ignorando.
  - Fizemos uma enquete lá em casa - David sorriu - temos três opções: Sushi, Pucca e Grana.
  - Grana?
  - Papai diz que os nomes atraem as coisas. Então se chamarmos Grana toda hora… - expliquei.
  - Atrai dinheiro, entendi, muito inteligente - falou sem ser irônico. Ok. - Voto por Grana.
  - Prefiro Pucca, rima com pulga, algo que ele deve estar cheio. - Sorri falsa e David me chutou de baixo da mesa. Chutei de volta e ele berrou de dor, exagerando, me fazendo passar vergonha.
  - Para de falar mal do meu cachorro, despeitada. - Mostrou a língua.
  - Despeitada é sua avó. E não estou falando mal, só não confio nele.
  - Você não confia nem em seres humanos - Wall comentou. - Falando nisso, como vai sua amizade com as Zetas?
  - Se recuperando. - Dei de ombros. - e eu já estamos próximas de novo. E apareceu na loja ontem, querendo saber como eu estava. Mas não dei muita bola, não posso ser fraca ou perco meu posto.
  - Posto de quê? - David riu. - Tirana?
  - Mais uma palavra e vendemos você pra colocar esse cachorro no seu lugar.
  David ficou bravo, mas silencioso a partir disso. Engraçado, ele acreditou.
  - Ontem? - Wallace disse aflito.
  - Sim, domingo - ri. - Hoje é segunda, amanhã é terça, depois quarta, sabe.... - ia tomando meu sorvete e meu primo jogou minha colher de volta pro pote. O que essa família tinha contra colheres? Olhei brava pra ele. - É melhor ter uma boa desculpa para me impedir de comer, garoto.
  - Não estava falando sobre o dia, tapada. Mas sobre a data. Pensa um pouco , o que acontece todo ano na data de ontem?
  - Eu sei lá, dia de São Patrício? - Voltei a atenção para meu sorvete e tentei resgatar alguma memória passada. Wallace olhava ainda bravo para mim e me esforcei. Domingo… dia 21?...
  Meu coração parou.
  Larguei meu sorvete.
  - Leva o David pra casa?
  - Pode deixar - sorriu triste.
  David parecia perdido.
  - Meu bem, vai com Wallace pra casa, eu chego mais tarde. Fala pra mãe e pro pai que precisei ir até a casa do , era algo importante, depois nos falamos.
  Nem precisei mentir para onde iria, meus pais confiavam mais em do que em mim.
  Beijei a testa do caçula e recebi um tchau dos dois, correndo para pegar um uber.

***

  Me assustei ao ver o horário no relógio. Foi um dia cansativo, e quando cheguei no meu apartamento, apenas capotei no sofá da sala. Já era nove da noite e eu ainda tinha muito o que fazer.
  Apesar de ter preferido pular festas de graduação e coisas do tipo, era a reta final da universidade, então o número de provas dobrava e ainda tinha a apresentação final da minha tese.
  De qualquer forma, estava tudo caminhando bem. É o que dizem, se sua vida pessoal está caindo aos pedaços, na profissional significa que logo vai ganhar uma promoção.
  Batidas fortes e rápidas na porta chamaram minha atenção e corri para atender quem quer que estivesse lá. Eu não estava esperando ninguém.
  Fiquei surpreso ao encontrar no corredor. Meus amigos mais íntimos já passavam pelo porteiro sem algum aviso prévio, mas era difícil vê-la ali, suas visitas ocorriam somente com um convite.
  Não que eu não estivesse feliz ao vê-la.
  - … está tudo bem? - Fiquei preocupado ao notar sua feição. Antes mesmo de convidá-la para entrar, ela tinha invadido o apartamento e se jogado em meus braços.
  Um abraço forte e quente me envolveu e sorri sem entender.
  - Me perdoa, me perdoa, me perdoa. - Sua voz saiu abafada contra meu pescoço. Afrouxei as mãos de sua cintura para fitar seu rosto.
  - Pensei que a gente já tinha passado dessa fase - disse divertido. Voltamos a trocar mensagens e ficamos um bom tempo em ligação esta manhã. Por mim, já estava tudo resolvido.
  - Não é isso - me soltou brava e perdi seu toque. - Domingo, . Domingo era o dia. E eu me esqueci. Me perdoa por isso por favor. Eu juro que não fiz por mal, não era porque eu estava “brigada” contigo ou algo do tipo, tinha tanta coisa na minha cabeça que acabei me esquecendo.
  Ela estava brava consigo mesma e relaxei. Minha expressão estava calma e queria transparecer isso pra ela.
  Era uma data importante, e tentava passar todos os anos deste dia comigo, mesmo que de uma maneira furtiva, me convidando para assistir um filme com nossos amigos sem citar que queria me tirar de casa para que eu não morresse de melancolia me lembrando que era o aniversário do falecimento da minha mãe.
  Mas eu já tinha aprendido a lidar com aquele dia do ano, e mesmo assim meus amigos sempre estavam lá pra mim. De qualquer forma, neste domingo todos estavam ocupados com jogos, encontros e fazendo um turno extra de trabalho.
  E estava tudo bem para mim. Porém me deixou feliz saber o quanto ela ainda se importava com isso.
  - , relaxa, tá tudo certo - acalentei.
  - Não tá tudo certo - chateada. - Era importante pra você e eu estraguei tudo de novo. Estou ficando expert nisso. Decepcionar pessoas.
  Revirei os olhos pro seu drama, rindo em seguida.
  Não queria que ela trouxesse a briga com as Zetas ou qualquer outra coisa que poderia deixá-la pra baixo. Ela tinha vindo até aqui pedir desculpas por algo que não era culpada e eu ainda estava omitindo uma coisa que não deveria, e que ela precisava saber.
  Então, em um lapso doido de contar informações do nada, decidi fazer algo que estava tomando coragem há muito tempo.
  - Eu preciso te contar uma coisa.
  O tom sério na minha voz chamou sua atenção e ela prestou atenção. A chamei até a sala e nos sentamos no sofá, me lembrando da tarde de estudos que passamos ali e acabamos nos enrolando no tapete. Bons tempos.
  Suspirei.
  - eu estou ficando nervosa… Fala logo.
  Sentei olhando para frente com as pernas dobradas em cima do sofá. Ela estava olhando pra mim.
  - Ok, do início. Você sabe sobre a área que escolhi seguir, o quanto eu sou fissurado pela computação e como o futuro do mundo depende de todo o “tecnegócio”, certo?
  - Sim… Você já me deu uma aula sobre as tendências mundiais e blá blá blá - comentou. - O que isso tem a ver? É a segunda vez que uma pessoa me deixa curiosa em uma sala hoje. Primeiro o Sr. Brown… Fala logo, Greene.
  - Tudo bem - me rendi. - Lembra a viagem que fiz na semana do Halloween?
  - Sim senhor.
  - Então, conheci algumas pessoas aquele dia, incluindo o Senhor Ren, dono da Riko, uma empresa do Japão, especializada em robótica e fabricação 3D. Eu já trocava mensagens com alguns de seus colaboradores fazia um tempo, os privilégios do meu nome me ajudaram nisso, é claro. A questão é que sua empresa fez uma apresentação inovadora dentro das tendências mundiais de tecnologia. Passou na listagem de todos os países da Europa e Américas. Eu sou fissurado pelo trabalho da Riko.
  - Seu computador, relógio, celular e basicamente tudo que usa é de lá - completou. Boa, ela já estava ligada.
  - Exatamente - sorri com o fato de que ela prestava atenção nas coisas que eu gostava. - Enfim… A questão é que fiz de tudo para chamar a atenção de Ren aquele dia… e acabei conseguindo. Ele deu a oportunidade da minha vida, uma espécie de curso presencial que pode mudar tudo na minha carreira profissional, para melhor. , você não tem noção! - expliquei mais sobre o curso até recordar que já foi mencionado em algumas de nossas conversas que duravam horas por celular. Eu odiava falar no celular, a não ser que fosse com ela, e acabava deixando escapar alguns desejos, como esse projeto em outro país. Minha voz ficou fraca no final e fiz uma careta. - O único problema é que fica no Japão.
  Seus olhos brilharam. Ela ficou calada por uns segundos e parece que a ficha começou a cair, olhou para o chão e respirou profundamente. O sorriso surgiu outra vez. O silêncio estava me matando.
  - , diz algo, pelo amor que você tem a sua abuelita - surtei.
  Suas mãos foram para minha face e ela aproximou seu rosto do meu. Fiquei nervoso. O toque era delicado.
  - Meu melhor amigo ganhou a oportunidade da vida dele, tudo que ele queria, que tipo de resposta você está esperando que não seja o maior orgulho e o maior parabéns que eu possa dar? - ela gargalhou e deu um gritinho. Pulinhos depois e eu estava sendo abraçado de novo, com mais força. estava elétrica.
  - Eu achei que você iria ficar brava - comentei inocentemente e sua animação diminuiu um pouco.
  - Qual é, , você me conhece. Posso ser uma bruxa, mas se tem algo que sempre vai fazer parte de mim é estar do lado dos meus amigos nos piores e melhores momentos. O que você conseguiu era basicamente tudo que queria na vida, playboy… como posso ficar brava? Eu estou tão orgulhosa. Sim, eu vou ficar repetindo essa palavra!
  Tudo que eu queria? Isso me fez pensar. Sobre a parte anterior, ela estava absolutamente correta, entretanto. Acho que era somente minha mente tentando pregar uma peça. Querendo que ela ficasse um pouquinho triste comigo partindo.
  E foi aí que notei o quanto esse sentimento era ridículo e infantil. A carinha dela brilhante e orgulhosa de mim era tudo que eu queria e não sabia.
  Sorri idiota e esmaguei em um abraço, cobrindo sua cabeça. E fiz a coisa mais estúpida que já fiz na minha vida. A mais idiota. Um glimpse de momento em que virei um boiolinha por ela e sua reação, e já estava soltando palavras completamente desconexas que não tinham um real significado por trás. Não tinha mesmo. Idiota. Eu era um idiota. Estúpido. Eu me odeio?
  - Eu te amo - soltei sem pensar. Esmagando em um abraço. Ela travou. Eu travei. Nossas respirações pararam e meu olhar estava arregalado em um segundo.
  É sério, eu me odiava. E não conseguia olhar pra cara dela mais, o que consequentemente não a larguei ainda do abraço e neste momento a menina poderia estar morrendo sem ar.
  Se declare e mate a menina em seguida. Muito bem, idiota.
  Declaração? Palavras não são nada sem os reais sentimentos por trás. Ok?
  Ok.
  Eu me odeio.
   se afastou descabelada e vermelha. Olhando pra mim assustada. Ela estava vermelha? Porra, eu quem estava morrendo de vergonha.
  É isso. Cancele minha tese, vou ligar agora para a companhia aérea adiantar meu vôo.
  - O que você disse? - a voz dela quase não saiu. Assustada. Tossi coçando a nuca, não conseguia a encarar seriamente.
  Sério. Nosso grupo de amigos não diziam estas palavrinhas sem estarem completamente bêbados, e ninguém no meio tinha um sentimento real de… romance. Então quando estávamos chapados e nos declaramos, ninguém realmente ligava. Wallace adorava dizer o quanto amava objetos inanimados em seus piores momentos. Ou seja, ninguém ligava. Mesmo.
  - Nada. - Ri desconcertado. - Você disse alguma coisa?
  Ela se afastou o que parecia ser dez quilômetros e começamos a nos portar como cavalheiro e senhorita do século 17.
  - Não senhor… estou muito bem, obrigada.
  - Que bom que está bem, minha lady. Aceita algo para beber?
  - Ora, mas não seria muito incômodo? Creio que logo precisarei ir… minha família está me esperando.
  - Ah mas será uma pena… foi uma visita tão rápida.
  - Érr.. já vou indo. - As pernas dela pareciam não funcionarem direito outra vez. E quando andaram, parecia o bambi ao andar pela primeira vez.
   bateu a porta depois de sair.
  Eu me odeio.

***

  Foi o momento mais assustador da minha vida.
  Era um fim de noite e estava no restaurante pensando naquele momento humilhante e em como conseguiria reunir as peruas em um bazar gigantesco de marca famosa. Enquanto isso, vovó estava do meu lado ouvindo minhas reclamações. O cachorro do meu irmão era o melhor ouvinte. Mamãe e papai já tinham fechado tudo e David fugiu.
  - E agora meu melhor amigo também está indo embora, e nosso último momento foi assustador. Aqueles cinco minutos nunca sairão da minha mente. Como se não bastasse eu já ter perdido minha vaga na faculdade - Agora estou perdendo o amor da minha vida. Completei mentalmente o mico de pensamento. Reclamei pela 45486545456 vez e creio que vovó me daria um soco logo. A distância.
  - Não sei pra que todo esse drama, duvido que um dia você se forme - abuela soltou um veneno saudável.
  Rosnei. Literalmente.
  - É lógico que vou. - Ela riu com deboche.
  - Quer apostar? 15 pratas.
  - Fechado. Já vai abrindo a carteira, coroa - disse zoando com sua cara e logo me estremeci com a careta que recebi. Era com a vovó que eu estava falando.
  - Coroa é a senhora sua mãe. Eu sou sua abuelita, e senhora para os menos íntimos. Agora varre logo esse restaurante que estou vendo muita poeira nesse chão.
  Abaixei a cabeça com medo. - Sim senhora.

***

  Wallace tinha um plano.
  Ele disse que era incrível.
  Era horrível.
  E não me chocava, quem criou o plano foi o Wallace.
  Quem criava expectativa pras coisas que Wallace planejava era a companhia de seu cartão de crédito e Deus, porque a mãe dele e eu já tínhamos desistido.
  Ele simplesmente me expôs, colocando dentro de um galpão todas as meninas das Zeta sentadas em um círculo e eu teria que ir ali no meio me ajoelhar e pedir desculpas pela burrada da prova.
  Primeiro que, quem nos dedurou foi a Brittany.
  Segundo, Britt já estava com Rachel de novo, então que tipo de seletividade era essa? Como já havia dito, meu problema era ter quebrado a confiança de . Mas agora já estávamos muito bem, obrigada.
  Quer dizer… Arrepios tomaram conta de meu corpo enquanto eu me lembrava da cena horrorosa em seu apartamento.
  Horrorosa sim, porque no fundo, bem no fundo do meu coração, eu tentava martelar aquela vontade de gritar que foi um pouco fofo.
  Mas essa vontade estava guardada muito no fundo.
  De qualquer forma, todas ali me olhavam com a cara de “quero te matar, ” e eu copiava esta cara para Wallace, que mandava mensagens em seu celular. Aposto que estava falando com o Dick. Pobre Dick, será que ele sabia onde estava se metendo neste relacionamento? Wallace panaca.
  E agora eu estava usando xingamentos dos anos 80.
  Macacos me mordam.
  Um olhar maior me fuzilou e essa presença tomou conta do galpão. Britt entrou furiosa, desfilando em passos pesados até a cadeira vazia. Sequer olhou pra minha cara.
  Era isso. Eu tentaria a última vez. Se elas não me perdoassem, eu mesma iria começar a ficar irritada com todas elas e sairia de queixo erguido, cagando e andando pra essas mimadinhas filhas da-
  - Então! - Wallace interrompeu meus pensamentos. - Reuni todas aqui para uma reunião. Uma reunião de conversas entre amigos, como uma janta, uma janta ao redor de uma mesa, com pessoas diferentes, todas sendo lideradas por uma pessoa incrível e…
  - Você tá falando da santa ceia? - Ana olhou esquisita para meu primo.
  - é Judas então - Morgana riu.
  - Se essa palhaçada continuar, posso ser o capeta - falei.
  - Não me interrompam. Estou no meio da minha oratória… - Wall reclamou.
  - Quem é otária? - Sandra se assustou.
  - Oratória, mula - Morgana.
  - Gente, não briguem - Abby.
  A sororidade dessa gente me encanta.
  - E nessa mesa, ao lado de Jesus… Quer dizer, na nossa janta, tem pessoas, pessoas boas e pessoas más…
  - Você me chamou de otária? - Sabrina perguntou.
  - Acho que vou dar uma cochilada - outra fulana perguntou.
  - Quem são vocês?
  Ok, deu.
  - Some. - Tirei Wallace do meio do círculo e iria dar minhas desculpas barra ultimato. - Gente, primeiro que essa ideia besta foi do meu primo e eu não acho que essa seja a melhor forma de resolvermos tudo, mas também acho que já deu. É o suficiente. Já falei com Britt. - Ela empinou o nariz e olhou para o lado, querendo me ignorar. - Eu tive culpa em roubar a prova, mas não levei ela no dia da prova em si. me ajudou a retomar a consciência no último segundo, eu confiava no potencial de vocês. Porra, nós venceríamos de qualquer forma…
  - Isso não adianta mais. Nós perdemos o dinheiro - Morgana. Minha voz se alterou.
  - Para de pensar no dinheiro um segundo, caramba! Antes dele entrar na jogada estávamos nos dando muito bem. Finalmente isso aqui parecia uma irmandade. A noite que nos maquiamos, a festa de Halloween, quando vimos os troféus das Zeta… fomos irmãs. Eu vou recuperar o dinheiro para conseguirmos realocar a casa, eu prometo pra vocês. Mas agora, sem pensar na parte material das coisas, eu queria ouvir que vocês me perdoam pelo o que eu fiz. Eu não costumo errar, e não estou acostumada a ter tanto olhares me julgando com uma ponta de razão por trás. Eu tô tentando, juro que estou.
  Ninguém falou nada. Minha cena dramática de nada valeria? Cada palavra tinha sentimento por trás, tinha que valer de algo.
  Depois de uns sons de grilo, comecei a sair dali, um pouco sem graça. Arrastei uma cadeira comigo. Ó Deus, seria eu Judas?
  Indo. Indo. Silêncio.
  Ana e Britt trocavam olhares.
  Eu arrastava a cadeira pra fora.
  Wallace mandando um meme no whatsapp.
  - Espera! - enfim Britt gritou.
  Suspirei em grande alívio.
  - Graças a Díos. Se o silêncio prevalece, a situação ia ficar mais estranha ainda. Obrigada.
  Britt riu balançando a cabeça. Em segundos, ela correu e me abraçou. Eu amava a falta de noção daquela garota, porque uma briga de 1 mês se tornou nada em um segundo.
  - Como dizia a Lady Gaga, estou apaixonada por Juda-a-as, Juda-a-as. - Arregalei os olhos.

***

  - E aí ele disse que me amava. Qual o problema dele, carajo? - virei mais um pouco de bebida enquanto berrava na orelha de .
  Estávamos em uma boate LGBT com shows de drag queens a noite toda. Meu rim já me xingava de filha da puta do tanto que bebi, e não era nem duas da manhã.
  A vigésima drag queen performou pela vigésima vez no palco Sway With Me. Não que eu estivesse reclamando.
  - Esquece isso - berrou, virando uma bebida - essa noite é pra esquecer, esquecer tudo, uhuuu - gargalhou, meio doida.
  - Isso, uhuuu - ri com ela. Não sei porque. Me deixa em paz, eu estou bêbada.
  Encontrei um poste dourado para pole dance e me diverti ali com algumas meninas. Meu corpo suava e minha cara tinha sido petrificada em um sorriso. Avistei um folder na parede dizendo “aluga-se para eventos”. A informação ficou penetrada na minha cabeça, só que o sex on the beach não estava deixando aquela informação fluir. Parecia a solução de alguma coisa, mas o quê?
   e eu nos encontramos e queríamos correr para o banheiro fazer pipi, infelizmente uma música incrível começou a tocar.
  - Segura o pipi. - Agarrei em seu braço e voltamos para o topo das poltronas vermelhas, dançando sem parar.
  Quando acabou, fomos até o banheiro. Uma fila gigantesca e horrível. Eu iria mijar na calça. E acho que chorei a fila toda dizendo que iria mijar na calça. As meninas estavam com ódio profundo do choro e me empurraram contra o vaso sanitário.
  Sorri e agradeci. Adorei elas. Amo todas as meninas.
   estava cantando no karaokê quando voltei e achei que estava perfeita. Ouvi um cara reclamando do meu lado, ele parecia o Bafo, sabe? Do pateta. O cara disse que era por motivos assim que o armamento deveria ser legalizado em todos os países.
  - O que você falou? - rosnei pra ele antes de chutar seu saco.
  Minha mente escureceu. Flashes de segurança, chorando no colo do segurança na porta da saída.
  Ele era tipo muuuuuuuuuuuuito legal. Ouviu todas as minhas reclamações.
  - E agora minha amiga bebêzinha não é mais virgem nem loira, ela é apenas um zigoto e perdeu a virgindade você acredita? Eu perdi com o meu ex namorado gato perfeito. E esse ex não chega aos pés do desgraçado do .
  - Ele parece ser um cara legal - entediado.
  - Ele é incrível. Sabe, Moisés, eu não sei o que fazer da minha vida. E agora preciso arranjar um local pra vender meu peixe.
  - Já tentou o salão aqui? Eles alugam para eventos.
  - Meu Deus é isso o folder, meu Deus Moisés, eu te amo como eu não pensei nisso antes caraca Moisés você é tipo a santa trindade na porta da balada caramba… - parei pra pensar. - Mas deixa eu te contar que o poderia fazer algo pra ajudar também aquele inútil. Meu Deus eu odeio ele, porque ele tem que ser assim? Odeio Japão também, pra merda com o Japão. Você acha que eu falo muito do ?
  - Acho.
  - Tô nem aí. Eu passei o mês todo planejando o casamento da sabia? Casamento não. Aniversário. Parecia casamento já que na lua de mel foi dar o brioco para aquele namoro chato dela. A tá lá dentro me procurando, você me deixa entrar? Juro que não chuto mais ninguém. Por favor, Moisés. Você me deixa? Mas você sabia que depois de passar o tempo todo, desde o inicio da historia, planejamento o casamento da , a gente parou de amigar? A gente desamigou por um tempo só que agora tá tudo bem Moisés não se preocupe.
  - Eu estava realmente preocupado. - Imaginem aí o tom que ele usou.
  - Isso porque você é incrível. Ao contrário do , o Juan meu ex era mais legal. Ele não dizia que me amava, sabia? E ele me traiu. - Arregalei os olhos e botei a mão na boca. - Eu nunca contei isso pra ninguém. Nem pra . Mas a verdade é que ele me chifrou. Bastante. Com minha maior inimiga. que hoje namora a Britt. A Britt é tipo a só que bem menos que ela. Na verdade era porque a Britt tá meio chata também. E ela namora a chata da Rachel. Me deixa entrar?
  - Pra que, beber mais?
  - Nem bebi. - Mostrei a língua. Um grupo de amigos estava se aproximando pra entrar na boate e seria o momento perfeito pra minha escapulida.
  - Mas e aí garota, tenho certeza que seu ex era um bundão, isso sim - o segurança da boate comentou.
  - Ei, porque ta me falando isso? - Levei um choque de realidade. - Eu não falo com estranhos.
  Moisés me ignorou e foi ver a identidade dos muleques que entrariam. Muleques sim, menores de idade. Eu tava bêbada? Tava. Pelo menos já tinha passado de 18. Um pouco. E dava pra beber com 18 em alguns países.
  Eu não sei se fui muito esperta e rápida, ou Moisés tava cagando pra mim. Só sei que já estava dentro da balada outra vez.

***

  Eu estava fascinada pelo gloss de Marie Carie.
  Ela era a dona da boate e não parava de falar e falar e falar. Falando sobre precisarem de clientes e não sei o quê. A boate precisava de mais visibilidade por ser nova, algo assim. Mas eu só notava seu gloss. Naquela boca gigante. Era tudo que eu queria.
  - Coelhinha, pare de olhar assim pra mim que da fruta que você gosta eu como até o caroço.
  Fiquei assustada.
  - Eu queria saber o número do seu gloss…
  - Sei, sei, o gloss... - Balançou o peito invisível. - Todos querem um pouco de Marie Carie.
  Continuei atônita e Marie Carie saiu rebolando. Virei a bebida repensando toda minha vida… Será que sou lésbica?
  - Oi. - apareceu depois de 37 horas sumida.
  - Eu sou lésbica?
  - Você é casada com o Ethan.
  - Sim, eu sei disso, mas será que eu sou lésbica?
  - Você é doida.
  - A Marie Carie tava falando sobre como a boate está aceitando novos eventos para visibilidade e…
  - Eu acho que Marie e Moisés são tipo… os dois papas, sabe? Pessoas santas - falou aquilo como se fosse a coisa mais séria que disse em sua vida.
  Eu concordei. Mesmo não tendo ideia de quem é Moisés.
  Viramos outro shot.

***

  Depois de fazer amizade com 90% da balada e falar para as mulheres chorando ali que elas são perfeitas e não merecem os namorados que possuem, e eu tiramos uma soneca no palco. Era uma parte escura então demoraram a nos encontrar.
  Quando acordamos, era 5 da manhã e estavam tocando algum tipo de rap. O pessoal já estava indo embora porque todos ali queriam se alienar e rap era o tipo de música que fazia a gente colocar a mão na consciência. Acho que esses tipos de clubes, boates, pubs, etc. colocavam rap no final pra fazer o povo ir embora mesmo.
  De qualquer forma, minha cara tava amassada de sono e perdi os brilhinhos da minha sobrancelha. Sim, minha maquiagem estava inspirada na Maddie de Euphoria como todas as garotas do instagram faziam hoje em dia. Sim eu sou extremamente basic bitch.
  Deixei dormindo fofinha e fui pro bar.
  Essa última frase poderia ser contada como a história da minha vida no futuro. Eu realmente imaginava e eu morando juntas em um apartamento de New York onde ela dormia o dia todo e eu bebia enquanto isso. Era lindo esse futuro. Nas horas vagas eu desenhava e contava minha vida toda para estranhos.
  Brinquei com a parte colorida do meu drink (tinha tequila) e o sono ainda estava me batendo. As palavras saíam desreguladas. Vi Moisés e acenei um oi pra ele. Ele me ignorou. Virei o resto da bebida e uma voz familiar pediu outra pra mim e pra ele.
  Aceitei feliz porque drinks assim são caros.
  Sabe aquela história que sua mãe dizia quando você era criança sobre estranhos na rua te oferecerem álcool e drogas? Isso é mentira. Nunca acontece. Porque álcool e drogas são caros. Queria eu dar uma passeada na praia e alguém se oferecesse pra comprar uma cervejinha. Nunca acontece.
  Quando me virei para o dono do pedido meu coração disparou, a bebida revirou no meu intestino e meu rim me xingou de filha da puta mais uma vez aquela noite/dia. Antigamente eram borboletas no estômago, agora eram mariposas bêbadas.
  E era a cara do Juan que estava ao meu lado.
  Meu ex namorado.
Continua.

***

  Brincadeira, eu não faria isso. Continuei sem fala ao olhar para Juan.
  E ele continuava… o Juan de sempre.
  Olhar pra cara dele me levou uma porrada no coração. Cara… como eu sofri por aquele macho. Eu era idiota? Tudo bem que ele continuava com um tanquinho perfeito (dava pra ver debaixo da blusa branca e fina) o bigode fino de bandido, o cabelo com leves ondas da cor chocolate, o sorriso malandro, o porte latino, e o cheiro…
  Dei um tapa no meu próprio rosto do tipo ACORDA GAROTA e ele se assustou.
  - Tá tudo bem, cielo?
  - Tudo ótimo, por que não estaria? - fingi.
  Joguei a bebida longe com um reflexo.
  Pera, ele pagou a bebida pra mim? Por que ele fez isso? Ele odiava quando eu bebia. Ele odiava tudo que eu fazia no geral. Eu nunca bebi do lado de Juan porque ele meio que… não deixava. Juan agia na moda antiga.
  - Enfim… - Deixou pra lá o movimento doido meu. - Nunca te vi por aqui.
  - É uma balada nova e perto da minha casa então resolvi experimentar. Hoje. Pela primeira vez. - Cara… como eu estava estranha.
  - Ah então você ainda mora na Vila Lorenzo? - Pareceu surpreso.
  - Com a minha família - concordei. - E você? Não estava na Austrália com seus avós?
  Foi o que ouvi sobre ele faz alguns meses.
  - Voltei faz duas semanas. - Piscou largando a bebida no balcão. - Tentei algumas faculdades, mas você sabe como é, não consigo ser domado por muito tempo. E a Austrália só parece ser legal, tem muitas praias, mas chica… não tem ideia do quanto senti falta de Los Angeles. De qualquer forma, estou morando a três quadras daqui, se quiser dar uma passada lá, conhecer meu canto.
  Não tinha malícia no seu olhar, mas eu sabia que aceitar entrar na casa de seu ex depois de trinta e treze doses de álcool não era uma boa ideia. Certo? New Rules disse um dia que eu não iria esquecer o meu ex se estivesse embaixo dele.
  - Eu logo vou pra casa… preciso encontrar . Mas foi bom te ver, Juan. - Não, não foi.
  - ? - riu. - Continua com essas amizades que só atrasam seu futuro, cielo?
  - Juan, faz mais um ano que não te vejo e pelo o que me lembro, a última vez que nos vemos não foi a melhor memória do mundo, sabe? Então não ache que pode começar a julgar meus amigos como se estivéssemos nos velhos tempos.
  - Não quero reviver velhos tempos, cielo. Até porque não foram os melhores, nisso você tem razão. Sabe, você sempre teve potencial. Mas é muito influenciável. Ainda fala com Wallace? Aquele seu primo - gargalhou - eu só estou esperando o dia em que ele vai sair do armário. Vou dizer a todos que avisei. E ? Continua jogando as frustrações da própria vida em comida e em brigas, certo? Brittany… Ah aquela não quero nem falar sobre. Sua falta de cérebro não chega a me incomodar.
  Minha cabeça pifou. Aquele era Juan. Lembram do tempo que namorei ele? Eu o pintava como perfeito. Meus amigos achavam ele perfeito. E na real, esse era ele. O babaca que me deixava pra baixo constantemente, atingindo quem eu amava e me atingindo também.
  Acho que quem vê de fora nunca sabe o que realmente acontece dentro de um relacionamento entre duas pessoas.
  Minha desilusão mental sorriu e pedi outra bebida. Cara, eu realmente fiquei com vergonha de beber na frente dele porque ele não gostava disso antigamente.
  Parando pra pensar, eu fiz tanta coisa para agradar Juan um dia…
  - Eu conversei com um pessoal que costumava a estudar com a gente e eles estavam na Hearst. - Ele só podia estar falando de Rachel. - Ouvi dizer que brigou com um professor… acho que mudei um pouco também, cielo. Antigamente eu te diria que isso é ridículo e você deveria respeitá-lo, sabe?
  - E o que você diria agora? - fingi me importar lambendo o sal na minha mão.
  Ele fixou tão perto que sentiu seu perfume me inundar. Era o mesmo que ele usava em nosso primeiro beijo debaixo da árvore do campinho de baseball.
  - Eu diria que você é como eu: indomável. E pessoas assim são únicas, e deveriam permanecer unidas.
  Suas mãos se fecharam em meu pescoço e ele aproximou o rosto do meu, fechando os olhos antes de selar nossos lábios.
  Engoli seco. Ele percebeu que não movi.
  - O que foi? - parecia preocupado quando se afastou. Era estranho que eu não me ajoelhar pra ele como todas as outras vezes que fui burra o suficiente de aceitar alguma traição ou xingamento.
  - Obrigada - sem emoção.
  Ele sorriu sem entender.
  - Pelo beijo?
  - Por me fazer saber qual o meu problema - refleti comigo mesma. Ele não entendeu. Me afastei dele irritada. Cara, qual o problema dele? Eu estava podre de bêbada e ele me beijou. - Um ano e meio, Juan. Nós combinamos uma vida juntos, eu te amei como uma louca, fiz tudo que você queria quando você queria. Me afastei dos meus amigos porque você não gostava deles. Parei de beber porque você não achava que isso era comportamento de mulher correta. Um ano e meio que não te vejo, pra você vir aqui, nessa droga de boate, falar merda dos meus amigos, me beijar quando tô visivelmente instável… Você chega e fala que é indomável? Indomável é o cavalo Spirit. Você só é um escroto. E obrigado por fazer me ver isso quando finalmente eu acordei pra minha existência na terra e também acordei pra qualquer coisa idiota que aguentei de homens a vida toda. Não dá pra confiar nem na porra do próprio professor, inferno - surtei nessa última frase lembrando o assédio que minha amiga aguentou.
  - Deixa de ser louca, só te chamei pra ver meu apê - irritado.
  Sorri maníaca. Eu era a louca?
  - Você não é indomável, Juan. Você é um inútil sem futuro que vai passar o resto da vida com esse cabelo extremamente oleoso por causa daquele capacete fedido da sua moto de merda.
  Ele gargalhou.
  - E você acha que é grande coisa, ? - finalmente parou de me chamar por aquele estúpido apelido. - Foi expulsa da faculdade. Eu só estava atrás de uma fodinha fácil. Mas olha só, anos passaram e você tá ficando gorda. Seria uma vergonha eu rebaixar meu nível assim…
  Fiquei vermelha de ódio. Virei o último short... Shot.
  Em segundos, pela segunda vez, minha perna tinha encontrado seu destino com mais um macho otário babaca idiota sem fundamentos lixo que encontrei aquela noite.
  E era isso que eu devia ter feito ao encontrar ele no quarto de Leila Mara no segundo ano quando tava fodendo com a Rachel.

***

  Moisés chutou meu ex pela porta da frente e eu e pela porta de trás.
  Aliás, que ex? Eu não tenho ex não, gente. Nunca namorei. Não sei da onde tiraram essa história sem eira nem beira. Se vocês viram eu beijando alguma boca na vida provavelmente se enganaram e não era eu. Talvez foi minha irmã gêmea Renata que agora mora no México.
  Grata pela compreensão.
  - Amiga, tô ruim - a ex loira reclamou.
  - Amiga não vomita em mim ou eu te mato - ameacei.
  - Amiga você vomitou no chão e eu te ajudei. Escorreguei no vomito e vomitei junto.
  - Amiga isso foram outros tempos… - desconversei. - Sou uma mulher diferente agora.
  - Amiga isso faz cinco minutos - ela bocejou.
  Notei seu estado podre de saúde - eu estava 5,2% mais sóbria que ela - e pensei comigo mesma:
  O pai da iria matá-la se a visse neste estado.
  Minha mãe me mataria se soubesse que eu andava bebendo. Ela sabe que eu bebo, mas não necessariamente posso aparecer bêbada de baixo do teto dela.
  Eu não largaria sozinha nas Zetas, ou elas poderiam nos matar por não ter convidado pra essa balada.
  Não deixaria ela no Ethan porque me mataria por ele ter visto ela neste estado deplorável.
  E a solução para evitar tanta matança? Nos matar antes de tudo, ou…
  ...
  Oh Dios.

***

  Quase 8 da manhã e tinha trabalho ainda aquele dia. Esperava que o Sr. Brown entendesse o atraso.
  Outra vez encarava aquela porta gigantesca e branca. Eu amava aquelas portas de gente rica. Essa em questão era maior que meu guarda roupa.
  Toquei a campainha e esperei. Esperei.
  A ex-loira cansou da espera e sentou encostada na porta, cansada e quase dormindo. ficou o caminho todo contando sobre como foi legal a boate que ela foi com sua amiga . Contando pra mim. . Que estava lá com ela.
  Ouvi alguns passos se aproximando de dentro do apartamento e fiquei nervosa. Pensei em puxar pelos cabelos e desistir daquilo, era uma péssima ideia. Mas repensei a cara de julgamento dos meus pais e desisti outra vez.
  Tudo isso dentro de 5 segundos que levou para abrir a porta.
  Dei meu maior sorriso amarelo/envergonhado.
   não parecia muito diferente de mim.
  Que clima…
  Mal notamos que caiu pra dentro do apartamento quando ele moveu a porta das costas dela.

***

  - Onde a gente tá?
   perguntou deitada no chão do banheiro de . Ele estava pegando água para nós, mas no geral nos deixou em paz no banheiro. Ele estava um pouco afastado por motivos óbvios, ou seria o pai do grupo, que cuida dos amigos bêbados, como sempre foi.
  A minha amiga tinha vomitado todo o restante dos bofes pra fora e eu procurava uma escova de dente nova por ali. Achei facilmente na pia e rasguei o plástico, entregando pra ela já com a pasta.
  Sentei ao seu lado.
  - Estamos no . Você dorme aqui, enquanto eu tomo banho e vou para o trabalho.
  - Brilhante ideia a nossa de sair dia de semana hein.
  - Brilhante - trocamos olhares e rimos.
  - Meu pai vai me matar… - reclamou com medo.
  - Ele não vai descobrir. Eu não falarei nada. Diz que dormiu lá em casa ou ficou na Zeta, simples.
  - Tudo bem… - finalizou sem confiança. Era triste o caso da minha amiga.
  O pai superprotetor não fazia com que ela parasse de viver a vida, mas quando sai escondida ela passava o resto do passeio pensando no julgamento do pai ao descobrir o que ela estava fazendo. Apesar de não achar ele correto, ainda se abatia e levava muito em conta a opinião do seu pai.
  - Encontrei Juan na balada.
   cuspiu a espuma da escova longe.
  - TÁ ZOANDO? - gritou animada.
  - Ô porca? - Olhei indignada pro chão que Piggy Smalz começou a limpar com um pano instantâneamente.
  - vai limpar isso mais tarde com trinta desinfetantes diferentes - riu. - Mas conta aí, você simplesmente reencontrou seu ex latino gostoso com o cabelo de ondas perfeitas que cheira a canela e couro e bigode de meliante e não falou nada pra sua amiga?
  Indignada.
  - Tô falando agora - dei a língua. - Foi horrível.
  Fez careta.
  - Como assim? Eu sei que você tá com um rolo novo e tals mas…
  - Não, não é por isso. Não tem a ver com e eu. É mais sobre eu e Juan. Eu e eu, propriamente dito.
  - Mas ele é perfeito! - Fez bico de choro.
  - Ele era um babaca que não me deixava usar shorts acima do joelho pra sair.
  - Eu sempre odiei ele e falei pra não confiar nesse babaca ! - fulminou, soltando o pano como se fosse a cabeça de Juan.
  Ri da mudança de humor repentina. Que meio que me acalentou de alguma forma. Eu queria meus amigos com tanto ódio dele quanto eu descobri que tinha. Eu não sou madura.
  - Se ele era ruim pra você… por que você ficou com ele ? - triste.
  - Eu não sei ratinha… eu criava uma imagem dele na minha cabeça. Pra mim não tinha nada errado meu namorado me proibir de cortar o cabelo ou sair com meus amigos porque ele tinha ciúmes. Se eu me depilava ele não iria me querer. Era um saco. E acho que só hoje acordei pra isso. Nossa mente muda muito em questão de um ano, né?
  A verdade é que criei raiva sem fundamento de Juan na minha mente para tentar superá-lo quando na realidade eu tinha muitos motivos para encontrar paz comigo mesma por ter dado um basta naquela relação. Eu merecia mais do que aquilo.
  Bastou uma frase pra ele me deixar insegura comigo mesma e pensando se devo ser tão confiante assim ou não.
  Nem queria voltar ao fato de que ele me beijou, porque isso causava náuseas.
   mastigou todas aquelas palavras com pesar.
  - Era pra ser uma noite boa. Lamento ter encontrado esse troglodita horrível, amiga.
  - Não... quer saber? Até que foi bom. Parece que um capítulo do meu passado foi finalmente fechado.
  Lembrei da festa no último ano. Quando encontrei Juan deitado com Rachel, se beijando debaixo de um lençol. Não sei se foram até o final aquela noite, mas sei que começaram a namorar tempos depois.
  Eu não fiz nada. Vi, fechei a porta e fui embora correndo. Em casa mandei uma mensagem terminando com ele e chorei a noite toda. Foi horrível. Só não pior que meu fim de relacionamento com Game of Thrones, lembram?
  O pior era lembrar do quanto alguns garotos do colégio disseram que viram ele ficando com outras garotas e eu escolhi não dar ouvidos. Juan se fazia de inteligente, não ficava com as meninas do colégio… Bom, até Rachel.
  Nessa noite foi diferente. Eu falei. E chutei o saco dele. Miura, a garota desejada do ensino médio que parou toda sua vida por causa de um cara deu a volta por cima.
  O fato de que antigamente eu tinha contatinhos, encontros, adorava namorar e parei do nada porque estava traumatizada de tentar algo novo outra vez… E pior, eu não fazia ideia de que era por culpa de Juan. Agora todas as peças simplesmente se encaixavam.
  Essa noite eu não corri dele e chorei. Eu fiz o que devia ter feito na noite daquela maldita festa da Leila Mara. Chutei o saco dele e quebrei seus cocos com raiva.
  Quer saber? Tentaria até uma reaproximação com Leila... Nossa briga não tinha absolutamente nada a ver com Juan, mas agora eu me sentia renascida pronta para novos recomeços.
  Sorri pro nada.
  - E talvez agora um novo capítulo possa ser aberto.
   falou como uma sábia.

***

  As cortinas estavam abertas, deixando a claridade entrar.
  Eu amava o cheiro da manhã. Parecia menos poluído por causa da menor quantidade de carros na rua e ainda ouvíamos os pássaros cantando enquanto aos poucos o silêncio total do fim da madrugada se acabava.
  Estava um pouco chocado ainda com a visita às 8, mas aceitei. Agora estávamos nós três curtindo a manhã deitados na minha cama.
  - Estamos deitados em uma nuvem? - falou de olhos fechados, morrendo de sono. Abraçava o travesseiro.
   estava no nosso meio, dormindo e chupando o dedo. De vez em quando ela falava no meio do sono.
  - Minha cama causa este efeito nas pessoas - sorri preguiçoso. Evitava olhar pra ela. Nos dois fitamos o teto. Era difícil ter ao meu lado, cheirosa pelo banho que acabou de tomar, dentro do meu quarto e deitada na porra da minha cama. Graças ao meu bom Deus estava entre nós. Ou não.
  - Traz muitas pessoas para sua cama, Greene? - fez voz de brava e engulo seco.
  - Eu não disse isso, eu… - antes de sair daquela situação, ela riu e revirei os olhos por ter ficado nervoso a toa. - Sinceramente falando, acho que fez mais coisas sujas com Ethan nesta cama no Halloween do que eu jamais fiz.
  Ela gargalhou e sorri com isso.
  - Não duvido, .
  Ouvimos somente nossas respirações e o clima ficou levemente tenso.
  - , sobre ontem…
  Ela me cortou imediatamente.
  - Eu descobri uma forma de conseguir o dinheiro das Zetas.
  Sua cara torcia pra que eu continuasse com seu assunto e acabei rapidamente com sua tortura.
  - E como vai ser? - interessado.
  - Um brechó com roupas da Marc Fontaine. Senhor Brown me deu uma ajudinha com isso…
  Senti um misto de felicidade e alívio por ela.
  - Isso é incrível . Qualquer coisa, sério, qualquer coisinha mesmo que precisar de ajuda é só me chamar. Pode contar comigo.
  Apesar de toda a estranheza entre a gente, liguei o foda-se e apertei sua mão com carinho. Senti parar de respirar.
  Meu Deus. Como era bom saber que ela estava tão ruim quanto eu.
  Repentinamente, largou minha mão e me senti vazio. Em um pulo ela se sentou no colchão e achei que ela estaria indo embora, afinal logo teria que ir pro trabalho, como havia dito mais cedo.
  Mas ela não fez isso. Com a sobrancelha arqueadas, segui seus passos até a janela, onde ela fechou as pestanas e deixou o quarto em um completo breu.
  Ar condicionado e escuro.
   roncando alto.
  Sensações que eu não esqueceria daquele dia.
   voltando pra cama.
  - Me sinto livre no escuro. - Não falei nada. Não parecia certo falar. - Me desculpa por não estar do seu lado no dia vinte e um, . Eu sei que você já me perdoou e acha estupidez, mas eu realmente sinto muito.
  Sua voz parecia tremer um pouco. Eu não fazia ideia de que caminho estávamos tomando, só sei que me sentia pronto pra isso. E ansioso. Segurei sua mão outra vez.
  Ela fazia um carinho leve com os dedos na minha mão.
  - Você sempre foi tão claro e objetivo comigo… acho que merece o mesmo também. O problema era que eu não estava sendo clara comigo mesma. Eu não sabia o que queria, ou na verdade até sabia, mas tinha algo me prendendo. O que é estúpido porque… você é você. E eu confio tanto em você que é ridículo cogitar qualquer um dos meus medos ocorrendo a partir do que você fizer.
  Ah. Meu. Deus.
   estava se abrindo pra mim. Seus sentimentos. . Aquela ogra sem coração conseguiu um jeitinho esperto de conseguir falar o que sente ao apagar as luzes e não precisar olhar na minha cara.
  E eu era o idiota que dizia que a amava depois de um abraço aleatório no meio da minha sala.
  Eram os dois dias seguidos mais loucos da minha existência emocional na terra.
  - Eu quero te pedir uma coisa.
  - Se for em namoro, eu posso até aceitar, mas vou me fazer de difícil - brinquei e ela riu quase em um sussurro.
  Sim, foi apenas uma brincadeira.
  - Não isso, cabrón. Mas foi bom saber… enfim, eu acho que a gente devia tentar.
  - Tentar?
  - Sim tentar.
  - Tentar o que, ?
  - Uau, você realmente é tão difícil - comentou entediada.
  - É só completar a frase, meu benzinho… - sorri maligno. Ela bufou.
   virou, se apoiando nos cotovelos na cama. Era como se existisse uma capa da invisibilidade em cima de .
  - … lembra do que falou antes? Eu sou seu melhor amigo, não esquece disso. Pode dizer o que quiser pra mim. - Tentei passar confiança em meu olhar, e percebi que não estava escuro o suficiente, ou talvez não precisasse disso, só achava que sim.
  Ela mordeu o próprio lábio sorrindo pra si mesma, desviando o olhar do meu.
  - Qualquer coisa? Se não estivesse roncando no nosso meio, eu te beijaria. Eu tô louca pra te beijar desde ontem. Na verdade, eu tô louca pra te beijar desde todos os dias desde a festa de ano novo. Minha avó e eu fizemos uma aposta de que eu chamaria você pra sair aquela noite, sabia?
  Ela queria me matar? Eu estava sem colete a prova de bala. Meu pai do céu o que foi aquilo, eu tô nervoso.
  Notando meu silêncio, ela se sentou na cama de costas pra mim, mas se virou ao falar.
  - Que se dane o passado e futuro, ok? Eu tô afim de viver o agora. E quero saber se você quer viver ele comigo.
  O sorriso tímido com covinha me quebrou. Eu morro naquela cama e sei que depois de algum tempo a mente dela debocha de mim.
   soltou mais uma risadinha e alcançou seus saltos.
  - Cuida dela, cabrón. E pensa no meu pedido com carinho.
  Quando foi que o jogo virou daquela maneira?
  Uma piscada e foi embora do meu quarto. Ouvi a porta do apartamento bater. Me levantei deixando dormir ali sozinha e corri fazer um café para acordar.
  Parece que toda a alegria e cheiro bom daquela casa se foram juntos com ela. E somente uma palavra agora piscava na minha mente: Japão.

***

Dias depois…
  "É sério, é uma grande ideia! Sei que tá meio em cima da hora… mas acho que vai ajudar."
  "Tudo bem… me encontra na praça de alimentação no meu horário de almoço."
  "Já estou esperando, amor".

   estava concentrado em seu laptop em uma das mesas no shopping. Usava uma camiseta branca que parecia simples mas que provavelmente custava o meu salário, junto de uma calça jeans preta.
  Ele levou um susto quando sentei na sua frente eufórica explodindo um milhão de palavras sobre como tudo estava dando certo com o brechó e que logo iríamos todos nos encontrar para arrumar os último detalhes.
  Não deu tempo de dizer oi. Ele sorriu abertamente e ouviu todos os detalhes.
   - Oi meu amor, como você está? Estou bem também, obrigado, agora dá um beijinho. - Se aproximou rindo e logo o cortei, também divertida.
  - Não há tempo para beijos, ! - dramatizei e ele revirou os olhos desistindo - me conta qual era sua extraordinária ideia, por favor.
  Ele pareceu lembrar que era por isso que estávamos se vendo em primeiro lugar.
  - É sobre isso aqui. - Virou o lap rapidamente para minha visão. O design de uma página fazendo a propaganda do brechó de hoje me surpreendeu. Ele era demais. - A rede social que as velhas ricas mais usam na América ainda é o facebook. Ja as novas ricas, ou conhecidas como influenciadoras digitais, comandam o instagram. Eu estive a semana toda trabalhando nisso. Sabe quando você está rolando pelo feed e do nada aparece a propaganda de algo que você pesquisou minutos atrás no Google? Algo que você queria muito comprar? Na real, esse é um algoritmo muito simples e bastante utilizado dentro do mercado on-line. E seu grandíssimo e belíssimo homem aqui conseguiu atingir um nível ridículo de pessoas apaixonadas pela Marc Fontaine com apenas duas páginas na internet e uma publicação em cada uma delas. Temos mais de cinco mil seguidores em uma semana, .
  Fiquei em silêncio alguns segundos observando aquela belezura.
  - Eu amo quando você fica calada por muito tempo, adoro, realmente - comentou bravo.
  - Você. É. Incrível - respondi finalmente e seu sorriso foi confiante e malandro.
  Do tipo "Eu sei, só queria uma afirmação nova". Me apoiei com os braços na mesa pronta para beijá-lo e deixei somente na expectativa quando fomos interrompidos pela moça do restaurante trazendo nossos pratos.
  - Tenham um bom apetite! - jogou um sorriso pra ela e a garota fugiu da nossa mesa completamente envergonhada. Revirei os olhos pra aquela pouca vergonha.
  - Você é terrível.
  Ele deu de ombros, roubando uma batata minha. Sim, nesta relação, ele quem roubava minhas batatas. Até porque era um pouco triste o prato dele, cheio de vegetais e arroz integral. O meu tinha lasanha e fritas, o cardápio de uma criança de doze anos, era o que todos costumam a dizer.
Grupo amigos aleatórios estranhos - Nova mensagem.
  Morgana:
Apenas avisando, estamos almoçando e indo direto pra lá.
  Anna: Ok! Levarei o uniforme de todos!
  Sandra: Estou levando algumas coisas para podermos dar uma geral no local antes das vendas. Como vassoura, produtos de limpeza, etc.
   <3: Amém.
  : Levarei meu cérebro.
  Wallace: E força de vontade para não sair comprando todas as peças, imagino.
  : Gatilho… Pare.
  Ethan: Joguei mais algumas centenas de folders em papel pelo campus. A Hearst toda vai estar lá.


  Sorri animada para as atualizações do grupo do brechó até sentir um sopro forte e aleatório contra meu rosto.
   - Que foi, mané?
   gemeu e quase deitou na mesa. Já tinha guardado seu laptop na mochila.
  - Desliga o celular e me dá atenção - gemeu como uma criança e fez bico.
  Tive calafrios porque seu gesto me lembrava meu pai falando com minha mãe. Então era verdade isso de nos apaixonarmos pelo nosso próprio progenitor de alguma forma? Que horror.
  - Eu estar aqui já é uma atenção especial, - reclamei como se eu fosse realmente requisitada entre as pessoas.
  - Perdão fazer você perder seu tempo, madame. - Bebeu seu suco. Sim ele falou aquilo não ironicamente. - Queria fazer um convite pra você.
  - Amo convites - sorri. - me convida, me convida!
  - É o casamento do meu pai, na verdade.
  - Eu já fui convidada pelo seu pai, me convida pra algo mais legal.
  - Bom, agora eu estou convidando. Pela segunda vez, na verdade. Agora é sério. Eu resolvi ir no casamento, mas se eu aparecer por lá, terei que entrar como um dos padrinhos e essa merda toda. - Revirou os olhos. Que boquinha suja, tsc. - E eu queria que você fosse uma das madrinhas junto comigo. E acho que você meio que sabe daquela minha regrinha de que se você não for eu não vou certo? Sem pressão.
  - Pressão nenhuma. - Apertei os olhos. - Esse casamento não é tipo daqui duas semanas? Eu nem sei o vestido das madrinhas, . E tenho certeza que a Campbell não vai achar uma boa ideia ter eu lá.
  Fiquei nervosa só de pensar.
  - Eu falei com ela, , e ela disse que se isso era o suficiente para que eu aparecesse no casamento, ela estava mais do que feliz que você aparecesse. Não necessariamente precisamos entrar como padrinhos do casamento, sabe. É que isso era importante pro meu pai, e como estou tentando fazer do jeito certo dessa vez… - suspirou. - Vá com uma camisola, eu não me importo, vai ficar linda de qualquer jeito. Eu só quero que você esteja lá comigo, por favor. - Segurou minha mão e obviamente como a trouxa que eu era não resisti.
  - Que seja. - Voltei para o meu almoço com ele comemorando silenciosamente.
  - Ah, e não se preocupe. Mandei mensagem para todos os nossos amiguinhos os convidando também - falou como se fosse ruim. Digamos que tinha um probleminha comigo insistindo em chamar todo o pessoal toda vez que saímos agora.
  - O casamento do seu pai não é um encontro nosso, - ri.
  - Se eu te chamasse agora e aqui para um jantar a luz de velas na Torre Eiffel você daria um jeito de pagar a passagem de todo mundo e os levaria com a gente.
  Ele parecia uma criança reclamando e eu achava graça. E até dava um desconto pra ele, porque eu não estava facilitando. Se queria ter um encontro, teria que ralar bastante. Me chamar para uma pizzaria para provavelmente fazer o pedido de algo sério não ia rolar. Enquanto isso acontecesse, eu chamaria todos os garotos e garotas para fazerem vela ao redor, sim.
  - Que pena, estava tentada a ir pra Paris agora - lamentei.
  - Espertinha. - Me animei.
  - Amanhã ficarei depois do fechamento da Marc e aproveito pra escolher meu vestido para o casamento. Você consegue descobrir a cor do vestido das madrinhas? - pedi quase terminando meu almoço.
  - Claro. - Tomou mais um pouco de suco. Finalizando ali, ainda tinha uma papelada do Japão para resolver. - Eu posso ficar com você na Marc para encontrar o vestido, você sabe, te fazer companhia.
  - E acabar com a surpresa em seu olhar ao me ver pela primeira vez com o vestido? Sem chance - neguei qualquer oportunidade.
  - O olhar que dou toda vez que te vejo? - riu com dúvida sincera.
  - Para com isso! - Escondi a “frustração” das minhas bochechas com as mãos, parecendo que eu estava brava. Se visse eu corando, seria zoada até o fim.
  - O que eu fiz? - inocente gargalhando.
  - No pretendo que me entienda… - falei mais pra mim do que pra ele por motivos óbvios. Arrumei as coisas na minha bolsa, ele fazia o mesmo, teríamos que ir logo.
  Levantamos e caminhamos para a saída do shopping. Ele me abraçou pelo ombro e pegou minha bolsa que estava um pouquinho pesada.
  - Te deixo no brechó, gatinha - beijou minha bochecha.
  - É um caminho completamente contrário da faculdade, cariño. E Wall vai estar me esperando no estacionamento - sorri triste ele me acompanhou, suspirando forte para quebrar o gelo. Ele tinha esquecido, mas eu havia avisado mais cedo que meu primo precisava de ajuda com algumas coisas.
  - Mais uma decepção - comentou. Abracei ele enquanto andávamos e rápido demais chegamos ao estacionamento.
  O tempo estava perfeito, o que não era novidade em L.A., e isso facilitava as verdinhas que chegariam mais tarde. Sim, estava falando do dinheiro. Eu ia ganhar o valor necessário para reconstruir aquela casa de irmandade na força do ódio.
  Wall ligou para meu celular informando que já estava no lugar combinado. Me despedi mais uma vez de pegando minhas coisas. Antes de ficar na ponta dos pés… meu primo apareceu.
  - Vamos !!!! Vamos chegar atrasados!!! Você já vem também, ? - Ele parecia um furacão nervoso. Me puxou do abraço e de coisas não finalizadas e em um segundo eu estava ao seu lado sendo contagiado pelo seu nervosismo. - !!! Está pronta??? Dick me emprestou o carro, vamos correr!!
  - Agora não sei se estou pronta, fiquei nervosa - minha voz tremeu e comecei a roer a unha.
  - Cara. - segurou os ombros de Wallace fazendo ele parar. - Relaxa. Leva ela até a boate. Vocês tem algumas horas até a primeira cliente chegar. Logo estarei lá também, lembra?
  - Isso.Wallace seu babaca, para de me deixar nervosa. - Os dois se despediram e caminhei com Wall até o carro. se despediu com um olhar, ainda incomodado com a interrupção.

***

  Marie Carie: Olá! Acabei de chegar aqui na Type e dei uma olhada na decoração que você preparou ontem a noite. Adorei tudo, você tem um ótimo gosto menina. Vou pedir algumas pizzas para seus amigos depois das vendas, acho que vão precisar.
  Marie estava me ajudando em tudo, desde o contrato de aluguel que poderia ser pago depois do uso, já que beneficiaria nós duas este brechó. Ela era uma ótima administradora, e contava com a visibilidade que a Type receberia depois de hoje.
  Morgana: Chegamos.

***

  Todos os engajados com o projeto já estavam lá. Eu nunca tinha visto roer a unha, mas esse dia chegou.
  As meninas da Zeta estavam estrategicamente posicionadas para locais de vendas.
  - Bolsas! - apontou pra Anna.
  - Prontinha.
  - Acessórios! - Apontou pra Abby.
  - Tudo aqui.
  - Sapatos! - Apontou pra Sandra.
  - Pronta.
  - Chapelaria! - Apontou pra Morgana, que franziu o cenho, encarando a amiga como se fosse louca.
  - Quê?
  - Chapéus, Morgana…
  - Oh. Aqui. - Sorriu debochada pra , que fuzilava a garota com o olhar.
  - Ok, tá tudo certo então! - sorriu vitoriosa pela organização e correu até o caixa, ficando ao meu lado.
  Eu e ela cuidamos do caixa. Dick e Ethan estavam ali como segurança, caso algo saia do controle. disse que já ficou com mais hematomas participando de vendas com 50% de desconto do que o marido da Gisele jamais sairia de uma partida de futebol. Isso me deu um pouco de medo.
   estava dando uns pulinhos de alegria e cantarolando animada. A única de nós que não estava com medo de quando as portas fossem abertas.
  - Por que você tá tão agitada? - Ethan perguntou pra namorada, preocupado. Eu entendo. Era um terreno perigoso pra garota que até ontem gastava todo o dinheiro com roupas e depois não sabia o que ia fazer com tudo que comprou sem motivo.
  - Eu tô tão animada. - tava energética, pulando e batendo palmas. - Isso aqui vai ser incrível… vai ter tanta gente lutando por uma peça de roupa e tanta violência. Eu amo a rivalidade feminina! - comemorou.
  - Ok, chega disso pra você - e tirei a latinha de energético do lado dela. Ela rosnou pra mim, como se fosse me atacar. - Se acalma mulher, eu hein.
  Wall estava lá fora verificando o caminho e Marie repassava as instruções das peças Marc Fontaine para as vendedoras. Parece que ela era uma grande fã da marca, por isso também ficou bem empolgada ao me conhecer. Bastante empolgada. quase voou no pescoço dela antes que pudéssemos dizer a frase "obrigado e volte sempre".
  Ela estava sentada no balcão mordendo a tampa de uma caneta vermelha e beijei sua testa.
  - Vai dar tudo certo - sussurrei em seu ouvido.
  Ela deu um sorriso pequeno pra mim e apertou minha mão.
  Wallace explodiu pela porta de tras, vermelho e ofegante, com a blusa do brechó Type suada. Ele correu para o portão da frente e olhou assustado para nós.
  - É o The Walking Dead! - gritou alarmado. - Preparados?
  Com precisão e sede de desafio, todos responderam que sim. Estalei algumas juntas e pulei para aquecer. se levantou e Wall abriu a grande porta preta de ferro.
  Era assustador. UMA MANADA GIGANTESCA ultrapassou aquela porta. Homens e mulheres de todas as idades. Velhas e novas, blogueirinhas e herdeiras, esqueceram qualquer tipo de regra de convivência com a comunidade, empurrando umas as outras agarrando o primeiro par de sapato que encontravam.
  Britt se posicionou como uma leoa tentando controlar um grupo que brigava por uma bolsa.
   deu um berro animado e se posicionou, ficando em posição de luta para caso viessem pra cima de nós do caixa.
  Atendi as pessoas que passavam no caixa com meu melhor lado Mestre comunicador que fez cursinho de gestão de pessoas. A própria Disney me contrataria após aquilo.
  - Pare de atendê-las tão bem, - berrou em meio a multidão. Estávamos sendo socados de clientes correndo de um lado pro outro e trazendo mais coisas para pagar. Logo precisaríamos de reforço ali. - Eu tenho medo de elas realmente voltarem sempre porque você tá pedindo.
  - ELA ESTÁ CERTA - gritou quando voou por nós com um casaco de couro.
  As coisas estavam loucas. As mulheres brigando por uma bota ou uma bolsa. Principalmente as bolsas. Se eu achei assustador o surto da na Marc Fontaine, ela perto dessas mulheres era um anjo.
  WWE? Os canais de televisão estavam perdendo por não gravar as lutas que ocorriam em uma liquidação.
  Enquanto as meninas da Zetas tentavam vender seu peixe educadamente, o pessoal parecia querer se matar por uma peça exclusiva. Era uma gritaria, gente rolando no chão e voando pra cima um do outro. A estava lá, defendendo tudo como uma grande lutadora.
  - Eu dou trinta dólares! Trinta, apenas isso! - a mulher berrava com , que encarava como se fosse um monstro.
  - Eu te dou cinquenta pra VOCÊ CAIR FORA DAQUI! - e berrou de volta pra mulher que foi e tirou da bolsa uma nota de 100.
  - Eu levo os sapatos também!
  - Viu , é assim que se faz.
  As coisas estavam vendendo como água. Talvez o jeito ameaçador de e de estava funcionando, já que quanto mais elas gritavam de volta, mais dispostas a abrir a carteira as mulheres ficavam.
  Eu nunca vou entender isso.

***

  As roupas estavam acabando em questão de poucas horas e os clientes diminuíram, deixando um espaço para nós, vendedores, respirarem.
  Falei cedo demais, porque do outro lado do salão estava prestes a sair no tapa com uma das clientes restantes.
  - EU JÁ DISSE QUE ISSO É MEUUUUU - berrava com a mulher que segurava nas botas com tanta força que seria capaz de arrancar os braços da minha amiga.
  - EU TO AQUI DESDE A NOITE PASSADA GAROTA, ME DÁ ESSA BOTAAA.
  - ! - berrei pra minha amiga, que soltou a bota, fazendo a mulher cair no chão com tudo por causa da força que fazia segurando ela. - O QUE VOCÊ TÁ FAZENDO?
  - ELA NÃO PODE LEVAR ISSO , EU VOU MORRER - chorou. - ESSAS BOTAS FORAM ENVIADAS POR DEUS COM UMA BOLSA COMBINANDO, EU NÃO POSSO IGNORAR O SEU CHAMADO POR FAVOR ME AJUDA.
  Ajudei, descendo a mão na cara da minha melhor amiga.
  - PARA COM ISSO , VOCÊ TÁ LOUCA??? SÃO SÓ BOTAS. E ESSAS SÃO FEIAS!
  - MEU DEUS EU PRECISO DE AJUDA - e chorou me abraçando.
  Por sorte a mulher correu com aquele par direto para o caixa. Você que lute, ratinha, negócios são negócios.
  Havia somente mais uma cliente ali dentro. Ela estava decidindo entre dois sapatos. A senhora aparentava ter pelo menos 100 anos, e como esperado, fazia tudo com uma grandessíssima lentidão. Britt tentou ajudar a senhora, mas ela acabou se enrolando ainda mais.
  Todos estavam na expectativa dela escolher e partir logo. Observei da porta ela escolher os dois sapatos e por fim ir até o caixa. Antes de ir embora, errou a senha do seu cartão 3 vezes. Ninguém respirava.
  Finalmente, tudo pago. Ela apertou com força a bochecha de e agradeceu pelo atendimento. Acompanhei ela até a saída.
  Fechei a porta e era isso. Um grande grito de comemoração saiu de casa um ali dentro.
  SUCESSO ESTRONDOSO.

***

  Eu estava suando, descabelada e cheia de calos.
  - Você ainda me ama, ? - disse jogada no chão naquele estado deplorável.
  Ele riu enquanto fazia as contas e virou o boné pra trás, piscando um olho pra mim com charme.
  - Mais do que ontem - ouvi um couro de desgosto do nosso público de amigos.
  A maioria já esperava aquela relação, mais cedo ou mais tarde aconteceria, eu nunca duvidei disso, puff.
  Apenas Wallace ainda tentava superar que seu melhor amigo estava pegando a sua priminha.
  Todos ainda estavam no salão da boate, largados no chão comendo pizza, menos Marie, que tinha um compromisso mais cedo e pediu que eu trancasse a loja ao sair. Na manhã seguinte teríamos um café da manhã para discutir sobre o aluguel de hoje e eu lhe devolveria a chave.
  Sentei no colo de comendo um pedaço de pizza enquanto ele verificava as vendas. Ele finalizou a conta e era um nervosismo gigante para saber quanto arrecadamos.
  - Aqui, morena - me passou o valor do resultado e dei um berro que assustou a todos quando li aquele número.
  - O que foi? - Morgana correu de seu lugar pegando o papel. Arregalou os olhos e teve a mesma reação que eu.
  Morg revelou o dinheiro e todos ficaram chocados com a quantia que excedeu nossos limites de esperado. Aquilo era maravilhoso.
  - Vocês podem reformar aquela casa ou criarem uma fazenda park hotel… caramba - Dick comentou de boca aberta.

***

  Já era meia noite passada e descobri 17 chamadas perdidas da minha mãe e meu coração já começou a tremer.
  Estava trancando a boate, todos já tinham saído de lá. A rua estava escura e silenciosa. Hoje era dia de semana e a Type não abriria. Ouvi passos no meio do nada e virei para o lado, me surpreendendo com mais uma mulher que parecia com o tipo de cliente que atendemos hoje no brechó.
  Ela tinha os cabelos loiros platinados, longos e lisos. Parece ter 60 anos, usava um vestido colado preto, com óculos escuros combinando e um gigante chapéu.
  - Já acabou? - o sotaque parecia francês. Eu conhecia ela de algum lugar?
  - Huh…. Sim senhora. - Cinco horas atrás, eu queria completar.
  - Ora, não me chame de senhora - riu. - Você era a organizadora do evento? Teremos mais como este logo, presumo?
  - Infelizmente era algo de um dia só.
  - Parece que perdi a oportunidade então… peças não lançadas de Marc Fontaine. Digamos que sou uma grande fã. Como você conseguiu este material? Se me permite perguntar.
  Ela era estranha e tinha cara de gringa, mas parecia inofensiva.
  - Eu trabalho na filial aqui de L.A. Era uma questão de oportunidade, como a senhora mesmo disse. Aliás, como você disse - sorri não interessada em revelar mais que isso. Vai que ela era uma espiã do pai do querendo saber se roubei as roupas dele. Sai fora.
  - Você trabalha há muito tempo na Marc? Parece jovem…
  - Menos de um ano, na verdade. - Por que ela tava me interrogando? Tô assustada. Mamãe cadê você?
  - Menos de um ano e conseguiu acesso para vender todas essas edições não lançadas? - parecia chocada, mas de alguma forma satisfeita.
  - Posso ser muito persuasiva. E não precisa de muito pra que eu seja lembrada. - A Hearst que o diga.
  - Foi assim que eu criei minha carreira, sabia, menina? - a mulher tirou os óculos e fiquei chocada ao finalmente realizar quem era ela. - Por meio de persuasão. E talento, ah isso eu tenho muito. Aqui.
  Ela abriu a bolsa que custava a minha casa e retirou um pequeno cartão dali. Tinha um e-mail e um endereço em Nova Iorque.
  - Talvez você possa marcar sua presença em locais abraçam melhor sua persuasão. Até mais, .
  Seu salto 15 deu a volta e voltou de onde veio. Em metros ela entrou dentro de um carro preto que parecia ser blindado e eu sequer notei sua presença ali.
  - Isso. Está tudo certo - a voz de surgiu atrás de mim. Ele falava ao celular. - Lógico, imediatamente. Também te amo.
  Finalizou a chamada rindo.
  - Quem era? - estranhei.
  - Sua mãe. Vamos? Que demora menina.
  - Bora, papi. - Dei um tapinha em sua bunda quando começamos a caminhar até seu carro.
  - Essa foi a coisa mais quente que já me chamaram em toda minha vida. Continue, por favor.
  Ri entrando em seu carro.
  E sobre a ligação da minha mãe: como ela já tinha desistido de ligar pra mim, correu pra ele. E agora os dois estavam assim super íntimos. Trocando mensagens, ligações, amizade no facebook. Dois dias atrás ela estava tirando foto das fotos que tínhamos na estante de casa, coisas constrangedoras como meu primeiro dia usando o penico ou quando fiquei banguela e todas essas fotos iam direto para .
  Pra mim, só restava aceitar que ele já fazia parte da família. Se minha mãe já o amava… bom, coitada de mim, né?

***

  Um mashup de Say So e Anyone me acordou no dia seguinte. me trouxe pra casa como um perfeito cavalheiro e conversamos um pouco antes de eu entrar.
  : Indo pra minha entrevista!! Me deseje sorte!!! #apreensivah.
  : Quebre a perna xx.

  Tentei levantar mas ainda estava morta de sono. Sentei na cama pensando na vida com um dos olhos fechados ainda, minha mente vagava entre um episódio de Sakura Card Captors e alguns ratos dançando dorime iterimo ameno.
  David surgiu como um foguete no meu quarto, estava nervoso e perguntando sobre seu cachorro chato e pulguento.
  - Eu não vejo desde ontem a noite! Ele não está aqui?
  - Por que estaria no meu quarto? Some, moleque.
  Ele deu a língua e bateu a porta com uma força ridícula, que se eu conseguisse levantar, iria atrás dele.
  De qualquer forma, quando a barra ficou limpa, levantei o cobertor. O pulguento olhou pra mim com cara de inocente.
  - Se você contar pra alguém, jogo fora sua ração.
  O filhote se recusou a sair da minha cama. Era 3 da manhã quando ele apareceu na minha porta uivando e fui OBRIGADA a abrir aquele diacho e OBRIGADA a deixá-lo dormir comigo na minha cama. Fui obrigada. Não tinha nada a ver com eu estar começando a criar afeição por aquilo. Nada.
  Era isso. Brechó feito. Bom dia Los Angeles, estamos chegando na reta final.
  Pera aí… como aquela mulher de ontem a noite sabia meu nome?

Capítulo 16


  Será que existia alguém tão desprezível e nojenta como o professor Johnson? Quer dizer, como que uma pessoa consegue ser tão baixa e... meu Deus, não tem palavras que possam expressar.
  Quando Ethan e me contaram sobre como o professor Johnson havia feito ninguém mais e ninguém menos que Morgana como uma de suas vítimas, eu havia ficado tão enojada e tão magoada... como uma pessoa faz tudo isso e sai impune?
  Hearst não era tão boa assim como os folhetos diziam, pelo visto.
  Johnson precisava ser parado, urgentemente. E mais do que nunca eu precisaria da ajuda de Morgana, porque mesmo sendo difícil, ela era a única que sabia sua história e a única que poderia testemunhar o seu ponto de vista. Não mais só eu, tinha mais uma pessoa. Infelizmente.
  E com certeza não éramos só nós duas.
  Convencê-la de vir conversar comigo não foi difícil, já que depois que as coisas acalmaram e as Zetas fizeram as pazes com a , estávamos mais unidas.
  Nos encontramos na área verde da Hearst – o paraíso dos malditos hippies da universidade. Cheguei primeiro e tentei bolar uma forma de tocar nesse assunto de um jeito sutil e não assustá-la.
  Assim que Morgana chegou, percebi que não tinha forma fácil de conversar sobre isso.
  - Ei , cheguei – disse, se aproximando de mim e se sentando no banco ao meu lado. – O que quer?
  Ok, não tinha forma fácil de dizer isso e era a Morgana, então sem enrolações seria melhor.
  - Morgana, eu sei que não é a melhor forma de tocar nesse assunto e talvez você nem queira falar comigo sobre isso, mas eu preciso tentar... – Respirei fundo. – E preciso que saiba que eu vou te apoiar em tudo e se não quiser se abrir, tudo bem.
  - É sobre o Sr. Johnson, não é? disse de uma vez e eu franzi o cenho.
  Era tão óbvio assim?
  - Como você sabe?
  Ela deu os ombros.
  - A universidade toda meio que sabe que vocês... bom, eles acham que sabem. Eu sei o que realmente acontece.
  - Por que você viveu isso, né? – disse e senti o nó em minha garganta. Era doloroso imaginar que ela passou por isso também. – Tudo bem se não quiser falar sobre.
  - Eu não ligo – deu os ombros. – Já falei muito sobre isso com a minha psicóloga – fez piada mas seu tom não era cômico.
  A garota levantou o rosto e me encarou profundamente. Ainda era a mesma Morgana de sempre, com o olhar frio e de quem se sentia superior, indiferente, acima do que todos esperam e querem. Mas tinha um pingo de vulnerabilidade lá.
  - Você conhece a história, , o cara é tão patético que nem consegue ser criativo – riu de desdém. – Ele queria uma assistente e veio atrás de mim. Mas esse papo de assistente é só uma fachada pra tentar ter o controle das alunas que ele escolhe. Passar mais tempo com elas e ter mais oportunidades de ficar a sós e tentar algo mais... profundo.
  ”Tudo começou com uma colega de classe – continuou. – Ele queria ela. Era basicamente obcecado... seus olhares, atitudes, reações e qualquer merda giravam em torno dela. Ele fazia qualquer coisa pra que ficassem a sós.
  - E o que aconteceu com ela?
  - Ela foi mais esperta que ele. Ela não deu moral, quando percebeu que ele estava em cima demais, que estava passando do limite, conseguiu se livrar – deu um sorriso enquanto olhava pro nada. - Ele ficava puto... e ficou mais puto ainda quando ela conseguiu trocar de classe. A reitora Campbell nunca deixava alunos trocarem de classe, principalmente nas de Johnson. Mas ela conseguiu e ele “perdeu” ela.
“Ele tentou substituir ela. De diversas formas, sempre com alguma menina que se parecesse com ela, tanto fisicamente quanto na personalidade. Foi assim que ele inventou o trabalho de assistente dele e tentava aproveitar essas situações pra, sei lá, extravasar a frustração de ter sido feito de trouxa por uma menina de vinte anos que ele achava que queria algo com ele porque ele inventou isso em sua cabeça? – deu os ombros.
  Me dava um embrulho no estômago em imaginar o tanto de garotas que ele conseguiu enganar com esse papinho meia boca e o que possa ter feito a elas... Merda, esse cara era o pior desgraçado que eu já conheci.
  E não seria surpreendente ele sempre ir atrás de quem o lembrasse dela. Geralmente esses caras – não todos – tem um padrão. Loiras, morenas ou de um tipo específico de cabelo, cor, estatura, tamanho, tamanho dos seus atributos. Enfim, ou às vezes eles vão atrás de semelhantes de alguém do passado deles, para ter o que não tiveram com a pessoa real.
  Um pensamento simples passou pela minha cabeça e assim que eu me toquei, congelei por um minuto, assustada com o que poderia ser isso. Não queria saber, mas eu precisava né.
  - Eu... – Não quis terminar, mas Morgana compreendeu.
  - Eu acredito que sim... talvez pela sua personalidade, o jeitinho mais leve, mas ao mesmo tempo “certinho”. Na cabeça doente dele, ele provavelmente se atrai pelas que seria interessante corromper e fazer quebrar as regras.
  Uau, isso era realmente nojento.
  - E como você entra nessa história?
  Morgana deu os ombros.
  - Não, eu não era o tipo dele e em uma realidade antes do Johnson eu era que nem você... – manteve o humor. – Eu tava muito revoltada nessa época. Sentia tanta raiva da injustiça, da falta de importância que a reitora dava e eu quis tentar provar quem ele era de verdade. Um lobo em pele de cordeiro. E o atraí pela mesma razão que fazia ele escolher suas vítimas.
  Desafio.
  A Morgana foi um desafio pra ele.
  - Sabe, ele nem sabia quem eu era, nem ligava pra minha existência. Eu era uma das alunas que ele zoaria por ser gaga, com algum déficit de atenção ou qualquer imperfeição aos seus olhos. Mas quando eu comecei a provocá-lo, a ser uma pedra no sapato dele, a aluna que o desafiava... ele mudou. Se tornou sufocante a forma que ele ficava atrás de mim, mandando mensagens, fotos, me pedindo pra ficar mais tempo depois das aulas... Ele me sufocava.
  Agora a história de Ethan começava a fazer sentido.
  - E então veio o belo convite que ser sua assistente – Morgana não tinha um olhar triste nos olhos quando falava sobre isso, era um olhar vitorioso. Ela não era a menina triste que passou por uma experiência traumatizante, ela fez algo... – Eu aceitei e descobri tudo, ... eu descobri cada podre desse cara que poderia enterrar a carreira dele todinha.
  - Mas algo deu errado, né?
  - Eu achava que a Campbell era a vilã, sabe? Que ela ignorou as provas porque, sei lá, amava ele ou algo do tipo, mas não... , o Johnson é a porra do bonequinho feito pra trabalhar no governo, isso aqui... é só passatempo pra montar a imagem perfeita de professor honesto e que pensa no futuro dos jovens. Ele tem a porra de um sobrenome! É maior que a Campbell, por isso que quando eu apresentei à ela as provas, ela não pôde fazer nada. E ainda não pode…
  Isso era verdade, o Johnson e seu sobrenome era mais poderoso que a reitora Campbell e talvez seja o único motivo para que ele continue livre.
  Mas sabe aquele papo que o povo tinha que ser mais forte? Que unidos podemos derrubar os caras poderosos, ricos e influentes? Isso é verdade, principalmente hoje em dia com a internet ao nosso favor.
  Não, eu não achava que isso destruiria a vida de Johnson e ele nunca mais teria oportunidades, porque realmente, ele teria sim. Mas ele pagaria primeiro por tudo que fez. O nome dele não o faria sair impune disso.
  - Não, eu não aceito isso – indaguei frustrada. – Tem algo que a gente pode tentar fazer pra derrubar ele, Morg! Ele não vai ser intocável pra sempre. A gente só precisa que eles nos ouçam, precisamos derrubar a máscara dele.
  Morgana me encarou e no seu olhar uma ideia surgiu. Era só isso que eu precisava... ela do meu lado e nós conseguiríamos derrubá-lo!
  - Talvez não seja o suficiente, mas eu acho que já sei por onde podemos começar.

***

  Caminhava pelos corredores da Hearst batendo o salto do meus sapatos. Tinha na minha mão algo que mudaria o rumo de várias coisas dentro da universidade, o suficiente pra fazer a reitora tomar atitude ou, no mínimo, se tocar.
  Cruzei os corredores até que cheguei em sua sala, passei por Vicky e ela apontou para as cadeiras que tinham uns alunos esperando para serem atendidos, “aguarde sua vez” disse. Merda, teria que esperar pra fazer justiça. Mas é como dizem, tarda mas não falha. Eu acho.

***

  Finalmente, depois de uns alunos entrarem e saírem de sua sala, uns sorrindo, outros engolindo choro e outros com cara de tédio, minha vez chegou. Me levantei e adentrei em sua sala assim que anunciou meu nome.
  - Senhorita Hudson, o que poss-
  Nem a deixei finalizar, só coloque uma folha em sua mesa e a encarei. A mulher pegou o papel sem entender, deu uma lida por cima e franziu o cenho.
  - O que é isso? – perguntava ainda sem entender. Sorri, era um prazer responder isso.
  - É uma lista com, se prepare, quinze meninas. Todas essas meninas tem provas de que já foram assediadas, perseguidas, ameaçadas, atacadas e até abusadas de alguma forma física ou psicológica pelo nosso querido Sr. Johnson.
  A expressão da reitora foi um puro choque. Ela levantou a folha e leu nome por nome, sua expressão mudava a cada nome que reconhecia e aos poucos o choque se tornava uma tristeza.
  Morgana me ajudou a encontrar essas meninas em um grupo do Facebook onde muitas meninas comentavam suas experiências traumatizantes e buscavam apoio numa as outras. E lá, o nome do nosso adorado professor foi repetido várias vezes.
  Conseguimos conversar com algumas e felizmente, quatorze meninas apoiaram nos ajudar a botar um fim nesse homem que fez tanto mal a elas.
  - Isso é... é muito sério – ela parecia transtornada. – E é caso de polícia.
  Assenti.
  - Isso já tá sendo resolvido... mas eu quis trazer pra senhora também, porque eu ainda acredito que você possa nos ajudar no final das contas.
  A mulher me encarava com vergonha no olhar.
  - Eu não posso ajudar... Eu não tenho como.
  - Tem sim! A senhora não precisa mais sentir encurralada por quem quer que seja. Ele vai cair dessa vez porque nós quinze iremos fazê-lo pagar e não vamos dar um dia de paz a ele até que isso aconteça. E agora, mais do que nunca, a senhora pode nos ajudar, pode cortar a corda que te prende a quem protege ele. Porque eles vão cair, mas você não precisa cair junto também. Essa é a sua chance de fazer justiça, não por mim, mas por todas as meninas que já foram infernizadas por ele. E por você. Seja a décima sexta, faça a coisa certa.
  A reitora ficou quieta e eu não tinha mais nada a dizer, apenas deixei a lista com todos os nomes lá, todas que sofreram nas mãos desse professor. Deixei-a pensando o que ia querer fazer, se ia querer deixar essa situação permanecer assim e sujar todo seu nome, toda sua reputação por um homem que tá destruindo tudo que foi lutado.
  No fim, a reitora acabou sendo uma vítima dele e das pessoas que comandam a universidade e isso não podia ficar assim.
  Ele venceu por muito tempo, mas agora estava na hora de perder.

***

  - Por que tem pimentão nessa pizza? – fazia careta quando abria a caixa da pizza que pedimos pra devorar na nossa festinha do pijama intimista.
  Ela encarou a morena jogada no chão, completamente esticada como se estivesse fazendo o seu papel de tapete. Essa morena era eu.
  Não era pra eu estar no chão, era pra estar em minha cama, mas um erro de cálculo me levou direto pro chão... não era tão boa em matemática mais, será?
  - Você coloca brócolis na pizza, tá falando o quê? – debochei e ela deu o dedo educadamente.
  Eu queria comemorar que as coisas finalmente estavam indo bem. Meu trabalho no brechó estava indo com tudo e eu estava juntando um dinheiro pra fazer minhas coisas, inclusive pagar a pizza que a nem pediu ou insistiu pra que eu pagasse.
  As coisas estavam finalmente na direção que eram pra estar e eu estava muito bem, obrigada. E passar esse tempo com minha melhor amiga era o que eu precisava pra descansar um pouco, relaxar e etc.
  - Pelo menos tem muito queijo... – Ana disse. Ela estava na minha cama e basicamente foi o erro de cálculo que me empurrou pro chão.
  Essa festa do pijama tinha um significado além de bom... comer muita pizza, tomar muito milkshake e fazer uma maratona de Harry Potter. Ana sempre passava os finais de semana sozinha na casa e então, eu e resolvemos passar esse tempinho com ela.
  Era divertido, até. Ana tinha bom gosto musical, o que era um ponto positivo pra mim. E tinha um gosto para séries e filmes, o que era um ponto positivo pra . E talvez por ser mais solitária das outras Zeta, nós acabamos nos aproximando mais dela.
  E um lado bom dessa festa do pijama era que eu podia treinar minhas técnicas de maquiagem que aprendi assistindo tutoriais. Elas foram minhas vítimas e eu acredito que fiz um bom trabalho enchendo a cara delas de maquiagem.
  - Ok, nós temos ainda mais três filmes pra assistir e uma pizza gigante pra comer! – me puxou pra sentar na cama e ligou a tv.
  Antes de dar o play, salvo pelo gongo, meu celular gritou e as meninas me encararam putas. Ok, eu quebrei a regra de celulares desligados durante a noite do pijama, ok, me desculpem.
  Ia desligar sem ver o visor, mas então quando vi o nome familiar gelei e não apertei o botão.
  Stella Louise, da Fundação de Pesquisas.
  Eu não havia esquecido que me inscrevi pro estágio, como que eu poderia esquecer? Mas com tanta coisa acontecendo achei que já tinham encontrado outra pessoa e eu estava na fila.
  Mas se ela estava me ligando... isso significava algo né? Ou será que ela me ligou só pra dizer que perdi o estágio? Meu Deus…
  - ATENDE LOGO ESSA PORRA – berrou e eu assenti.
  - E bota no viva-voz – Ana pediu fofa.
  Atendi.
  - Alô, senhorita Hudson? Aqui quem fala é Stella Louise. Liguei em uma má hora?
  - Olá, senhora Louise. Não, não, claro que não. Está tudo bem? – estava tentando manter a calma, mas tava quase girando minha cabeça igual a menina do Exorcista de tanto nervoso.
  - Sim, sim, está tudo maravilhoso! Eu liguei pessoalmente para marcarmos sua entrevista para o estágio. Sábado na parte da tarde está bom para a senhorita?
  Tampei minha boca com a mão por um instante e dei uns gritinhos pra abafar. Sim, sim, tá ótimo!! Meu Deus, o meu momento chegou.
  Minhas amigas estavam se segurando pra não berrar também, mas já estávamos dando pulinhos de alegria sem mesmo ter nada confirmado ainda.
  - Senhorita Hudson, está aí?
  MERDA, esqueci de responder.
  - Sim, sim, estou, desculpa. E sim, tá ótimo pra mim, pode marcar! Estarei aí na horinha!
  Ouvi sua risada do outro lado da linha.
  - Ótimo! Estarei marcando. E de antemão, boa sorte, senhorita Hudson.
  - Muito obrigada pela oportunidade, senhora.
  E assim nos despedimos e eu desliguei. Então finalmente as três malucas berraram como doidas, pulando na cama e comemorando.
  - MEU DEUS, VOCÊ VAI CONSEGUIR O ESTÁGIO! - me abraçava entusiasmada.
  - EU SEI! ESSE ESTÁGIO É TÃO MEU!
  - VAMOS BEBER PRA COMEMORAR! - Ana sugeriu aleatoriamente e eu junto com paramos de comemorar por momento. - O quê? Achei que era o momento apropriado…
  Rimos.
  - Podemos aproveitar esse circo nas nossas caras e passar em alguma casa de fraternidade - sorriu maliciosa.
  - Vamos. Mal posso esperar pra mostrar minha arte pro mundo exterior. - Dei a língua pra latina.
  Vestimos qualquer roupa só pra não sairmos de pijama e atropelamos umas às outras na hora de passar pela porta. Enquanto descíamos as escadas trombamos com Britt e Rachel, sim, as duas juntinhas.
   e eu nos entreolhamos, sem acreditar. Britt havia dito que haviam terminado e ia seguir em frente com a sua vida, que ia doer mas ia sobreviver. Ontem sofria, hoje sou fria.
  E durou quanto, duas semanas? Eu sabia que o relacionamento das duas era algo que só as duas entendiam, mas bom... limites, né?
  - Vocês voltaram? – o tom da poderia ser confundido com quem se importava, mas a realidade? Não se importava.
  - O nosso amor é verdadeiro... e amor verdadeiro nunca acaba – Rachel sorriu e eu e nos entreolhamos de novo.
  - Ew.
  E saímos. Não discutiremos agora que finalmente conseguiu fazer as pazes com as meninas. Rachel podia até tentar e com certeza tentaria rachar nossas amizades de novo, mas não, não aconteceria. Não mais.
  Elas que são loucas que se entendam. Nós tínhamos coisas mais importantes para nos importar nesse momento: comemorar a minha chance de ascensão no mercado de trabalho.

***

Sábado de manhã.
  Parecia que o dia não passava de jeito nenhum e eu ficava contando os minutos pra ir pra minha entrevista, mas, estava passando mais devagar que eu queria.
  Por sorte, tinha umas coisas pra resolver no campus durante a parte da manhã e isso ocupou minha cabeça durante as primeiras horas produtivas do meu dia, o que era melhor que eu ficar roendo minhas unhas e encarando o relógio enquanto lutava contra minha ansiedade.
  Caminhava pelos corredores e de um em um minuto encarava o meu celular, esperando que o tempo tenha passado, mas ainda não. Decidi que a melhor opção era passar uma hora ou duas me arrumando, porque pelo menos passaria o tempo mais rápido.
  Parei no meio do caminho quando cruzei a sala do professor Johnson. Ele arrumava suas coisas e a expressão de fúria, a ficha caiu e ele estava finalmente pagando pelo o que fez.
  E a Hearst pegava fogo por isso. Todos falavam que ele havia sido demitido e em breve seria preso. No fim ninguém sabia se ele realmente ia ser preso, mas de uma coisa era certa, ele nunca mais pisaria na Hearst e se Deus quiser em nenhum outro lugar de ensino.
  Finalmente estávamos livres desse monstro. Ele pagaria todos os dias pelo o que fez não só comigo mas com mais dezesseis mulheres, até mais quem sabe. Nome importante nenhum protegeria ele agora. Estava em paz comigo mesma, porque dessa vez ele não vai sair impune.
  Apodreça na prisão, babaca. E nunca se esqueça, mexeu com uma, mexeu com todas.

***

Sábado à tarde.
  Nunca achei que minha ansiedade atingisse um nível tão alto, mas ela realmente havia chegado num ponto que eu já tava com medo de estragar toda minha entrevista.
  Chamei Britt e para virem me ajudar também, mas estava dormindo e Britt com Rachel. Ótimas amigas, né?
  Por sorte eu tinha minha mãe e minha avó que estavam em casa pra me ajudar. As duas estavam me dando o maior apoio moral do mundo, repetindo mil vezes como eu ia arrasar e essa entrevista ia ser a melhor de todas. Mas pra isso eu tinha que sair da cama.
  Sim, eu tive um ADP. Eu não conseguia sair da cama.
  Passei os dias me preparando pra essa entrevista e daria o meu melhor, mas só de começar a chegar perto do horário eu comecei a passar mal, ficar nervosa e ansiosa demais.
  Eu era boa em testes, minhas notas eram incríveis e eu adorava o desafio de ter o boletim com mais A’s que qualquer outra pessoa. Mas esse caso parecia um passo tão adulto pra mim que eu me sentia uma criancinha.
  - Vai dar tudo certo, filha. - Mamãe segurou em minha mão. - Você tá pronta pra isso e sabe que vai ser incrível. E eu... - engoliu o choro. - Eu tô tão orgulhosa de você, minha princesa.
  Ótimo, eu ia começar a chorar como uma cadelinha agora. Antes de desabar em lágrimas, abracei minha mãe.
  - Te amo mãe.
  Minha vó sorriu pra nossa cena e veio até mim, me puxando pelo braço pra me levantar da cama.
  - Presta atenção, você é o nosso orgulho e não tem porque se sentir menos que isso. Então vá pra essa entrevista de cabeça erguida, não importa o que aconteça.
  - Mesmo que fique nervosa e erre tudo que ele me pergunte? - fiz bico.
  - Você vai fazer as suas respostas serem as certas! - Franzi o cenho com a resposta da minha vó, mas dei os ombros.
  Era um papo motivacional bom o bastante pra mim. E agora já não dava mais pra fugir, então que a luta comece.
  Respirei fundo e mandei uma mensagem pra antes de tomar coragem e ir logo pra essa entrevista. Eu estava pronta, seja o que Deus quiser.
  Que todas as santas do pop me protejam nessa entrevista, amém.
  : Quebre a perna xx.
  : Quebre você, kenga.

***

  Esperar era chato e me fazia pensar que cada pessoa que entrava e saia do escritório com certeza era melhor ou mais qualificado que eu. E quando chamaram meu nome, eu travei. Eu não sabia pra onde ir, me atrapalhei, esbarrei nas coisas e quase derrubei tudo.
  Ótimo!!!!
  Entrei no escritório chique da Sra. Stella Louise. Era branco com detalhes em tons claros, os móveis todos eram de vidro, madeira clara e tinham muitos livros nas prateleiras nas paredes. Pinturas e quadros com ilustrações das galáxias, planetas e constelações.
  A mulher se levantou de sua cadeira e saiu de atrás de sua grande mesa. Ela vestia roupas elegantes em tons neutros. Ela estendeu a mão pra mim, com um sorriso simpático no rosto.
  - Senhorita Hudson. – Me deu a mão e eu a apertei, um aperto firme.
  - Senhora Louise. Mais uma vez obrigada pela oportunidade.
  Ela apontou pra cadeira e eu sentei. Ela se sentou na sua e pegou uns papéis, começou a dar uma lida por cima. Era minha ficha de inscrição.
  - Então, a senhorita estuda na Hearst, certo? – assenti. – É uma ótima universidade. E pelas suas notas, parece que é uma aluna à altura.
  - Eu me esforço, bastante. E gosto de dar o meu melhor em tudo que posso, principalmente nos meus estudos.
  Ela assentiu.
  - E como que a senhorita se interessou pela área da Astronomia? Acredito que tivesse muitas opções de curso, antes desse.
  Essa era uma boa pergunta... devia ser honesta ou fazer a linha pra agradar? É... melhor ser honesta porque sempre sou pega no pulo depois.
  - Eu sempre me interessei por ciências e exatas. Física era uma das minhas matérias favoritas que eu sempre tirava as melhores notas, então acho que veio daí. Além de ser apaixonada por matemática. Acho que foi uma opção sábia minha. Era uma área que me intrigava e me interessava descobrir mais, pesquisar e aprender. Não tinha noção que ia se tornar algo que eu gostaria tanto.
  A mulher me encarava atenta à minha história e aparentemente contente com minha resposta.
  - E esse estágio? Por que você acha que merece essa vaga?
  - Acho que pelo mesmo motivo que me envolvi tanto com esse ramo. O desafio. É algo totalmente fora da minha zona de conforto e provavelmente do que todos esperam de mim, mas mesmo assim, eu sei que posso corresponder e mostrar o meu valor. Eu comecei com algo pra provar o quão inteligente poderia se e me apaixonei pela área, por tudo que aprendi e descobri que sou muito maior que isso. Basicamente tenho uma galáxia inteira de possibilidades e sei por onde quero começar descobrindo.
  Eu por muitos momentos tive dúvidas por onde seguir, onde meu destino estaria, se eu realmente seria pra sempre a Hudson, presa em um lar com um pai extremista que não aceita que vejam longe de sua bolha e então, eu estourei essa bolha e descobri meu caminho, aos poucos, um passo de cada vez.
  Mas hoje sei que eu sou muito mais do que eu achava que era e posso muito mais do que acreditava que podia. E não tenho medo do que pode vir. Eu estou pronta e sei que vou fazer valer a pena.
  Afinal, eu sou a . Eu sou uma conquistadora.

***

  Saí do prédio um pouco nervosa, eu não sabia como eu havia sido, mas pelo menos Stella não riu de mim, então acho que já era um começo. Respirei fundo, agora mais tranquila e confiante.
  Me assustei com a figura de Ethan escorado no carro novo que ele vivia exibindo por aí e me choquei por tê-lo ali.
  As coisas estavam bem, mas não ótimas. Com o final do semestre e a época de estágios, provas e trabalhos, Ethan e eu mal passávamos tempo juntos. E esse foi um dos motivos pra ele não ter me trazido na entrevista. E eu nem esperava que ele me buscaria.
  Mas lá estava ele, vestindo sua camiseta cinza, uma calça de moletom preta e o tênis perfeitamente branco. Lindo? Como sempre.
   vive dizendo que tá impressionada que o Ethan não se veste mais como um hippie dos anos 70, o que pra mim nunca foi um problema.
  O estilo dele, o carro dele, essas coisas não eram importantes pra mim e eu gostaria dele de qualquer forma. Até se por algum acaso se vestisse como um caipira em uma camionete velha.
  Óbvio que ele estava mais gostoso? Estava. Então é só com isso que eu me importaria, porque se eu tivesse que militar nesse caso eu ficaria sem namorado.
  - Desculpa não ter te trazido, eu tive que ver umas coisas do estágio e preparar minha mudança e-
  O interrompi.
  - Você tá se mudando?
  Ele arqueou as sobrancelhas surpreso. Sim, ele esqueceu de me contar. E agora ele lembrou que havia esquecido de me contar.
  - Desculpa... - pediu sincero. - Eu vou me mudar pro condomínio dos universitários.
  A Hearst era uma universidade famosinha e por isso as pessoas vinham do país todo e até fora dele para estudar. Então os empresários imobiliários, inteligentes como eram, criaram vários prédios residenciais pros universitários morarem. Eles eram todos perto da Hearst e geralmente tinham contratos flexíveis durante todo o período até as formaturas.
  Mas claro que eram mais caros que morar nos dormitórios que eram pagos juntos com a mensalidade - ou bolsa.
  - Não foi caro? - perguntei franzindo o cenho.
  - Vendi meu carro antigo - deu os ombros. - Eles pagam bastante por esses carros antigos em bom estado - sorriu.
  - Mas você amava aquele carro... - Havia uma grande possibilidade de eu estar mais chocada com isso do que ele.
  Novamente Ethan deu os ombros.
  - É só um carro amor e esse aqui conquistou meu coração - riu, batendo sem força na lataria do novo carro. Ethan se virou pra mim com um sorriso mais provocativo no rosto. - E agora tenho um apartamento todo pra nós... quer coisa melhor?
  Ok, eu não me importo. Meu namorado é gostoso, cheiroso, bem vestido, com um carro bom e um apartamento só pra ele. Deus, eu estava sendo bem recompensada?
  - Quer dar uma volta, gatinha? - Piscou pra mim.
  Ok, eu realmente estava sendo bem recompensada.

***

  Não, eu não fui bem recompensada com sexo se é o que vocês querem saber. Eu não sou tão pervertida assim.
  Ethan, como o ótimo namorado que é, me levou pra almoçar na minha lanchonete favorita porque nada melhor que fritas, milkshake e a companhia do meu namorado pra comemorar nossos possíveis estágios e futuras independências.
  Mas como Deus não dá asas à cobra, o celular do Ethan vivia vibrando de cinco em cinco minutos me fazendo imaginar como seria destruí-lo em pedacinhos.
  - É o Dick - resmungou. - Eu pedi pra ele me ajudar com a mudança e ele topou, mas não porque só quer me ajudar, é mais pra ele desabafar sobre os lances com a garota que ele tá - deu os ombros.
  Mordi o lábio pra esconder o sorriso, mas minha expressão de quem tinha fofoca quente não dava pra disfarçar. Ele arqueou a sobrancelha achando graça.
  Merda, eu contaria pra ele se continuasse me encarando de forma tão adorável com esses olhos azuis desgraçados. Mas não podia fazer isso com Wall, ele era meu melhor amigo desde... sempre. E eu adorava o Dick, nossa, meu coração se derretia por ele. Sério, nem tô sendo irônica, eu genuinamente criei um afeto pelo Dick.
  Por isso não podia contar isso nem pro meu namorado que amo…
  - Eu meio que sei uma fofoca... – eu não podia, mas isso não quer dizer que eu não faria. Sejamos sinceras, eu não consigo guardar. – Sabe a garota que o Dick tá saindo? Então-
  - É o Wallace.
  Meu queixo caiu. O Ethan sabia? COMO? Será que eu contei enquanto dormia? Será que ele me fez contar e depois apagou minha memória pra esquecer disso?
  - Como. Você. Sabe. Disso? – o fitava com chamas no olhar. Eu o mataria, juro por Deus. Ethan Mason, pense bem em sua resposta.
  - O Dick me contou, ué – deu os ombros. – Ele ficava insistindo pra que eu emprestasse meu carro logo pra ele, mas eu disse que só faria quando ele me contasse quem era... então ele contou.
  Meu coração ficou molinho, molinho.
  - Pera, você emprestou seu carro novo pra ele? O que você provavelmente ama até mais que eu? - Levei a mão à minha boca pra fingir o choque e ele fechou a cara, revirando os olhos. - Você é uma boa pessoa que apoia o amor entre dos caras doidos. – Apertava as suas bochechas. – Como não te amar, Ethanzinho?
  - Quer ficar solteira? Aperta minha bochecha de novo e acabou. – Permanecia com a cara fechada e sério. Eu ri de sua cara e parei. – Parou por quê? Tava gostoso, volta... – fez bico e eu o beijei. - E pra deixar registrado, eu não amo mais o carro que você... é quase igual, mas não muito.
  Belisquei a bochecha dele com um pouco de força e ele resmungou, passando a mão no rosto e alisando a área.
  - Eu não acredito que você tinha uma fofoca dessas e não me contou... - Balancei a cabeça.
  Ele franziu o cenho.
  - Mas você já sabia, amor.
  - E daí? Que tipo de casal somos se não podemos fofocar sobre isso? - Cruzei os braços fingindo estar emburrada.
  - , querida, eu te amo e você sabe, mas você é fofoqueira. Então né, eu preservo os segredos que me contam, tenho que manter o meu status pra continuar sabendo.
  Dei os ombros.
  - É, não mentiu – ri, tomando um gole do meu milkshake.
  Eu contei o segredo dos meus melhores amigos basicamente pra horas depois de descobrir e contei pro meu namorado assim que tive chance. Meu Deus, eu seria uma péssima Gossip Girl.

***

  Não consegui convencer Ethan a dar o bolo no Dick pra ficar comigo e eu estava já o odiando por isso. Caras antes de garotas, eu vou lembrar disso... Eu juro que vou.
  Enquanto saímos da lanchonete e íamos até o carro de Ethan, vi minha avó passeando pela rua e assim que ela nos viu, veio até nós com um sorrisão no rosto.
  - Netinha querida - e veio me abraçar.
  - Vó, o que você tá fazendo por aqui?
  - Meu apartamento é por aqui, . Eu não te disse? - Neguei com a cabeça.
  - Achei que você ia morar em Hills perto de nós.
  A mais velha riu.
  - Querida, lá é muito chato! Aqui é onde a diversão começa - abriu os braços animada de sua decisão. - E ainda é perto da ópera.
  Na verdade não era chocante minha vó escolher morar longe de Hills, ela nunca foi rica e nem gostava muito do mundinho de glamour, mesmo sendo elegante e vaidosa.
  - E aqui está meu querido - sorriu pra Ethan, indo até o rapaz e abraçando ele. - Você é com certeza uma visão pros meus olhos cansados, Ethan.
  Meu namorado sorriu, agradecendo pelo elogio e levando pro ego dele.
  - E a senhora? Cada dia mais bonita!
  - Eu sei! - ela riu. - Você terá muita sorte se chegar à minha idade tão linda e inteirona como eu.
  Assentimos, porque quando minha avó começa a se elogiar, o certo é sempre concordar e não falar mais nada.
  Assim que o assunto bom acabou, minha avó saiu e levando consigo o olhar de várias pessoas. Não era mentira que minha avó tava inteirona pra idade dela, literalmente lendária e a autoestima dela só ajudava.
  E vamos de vovó Agnes esmurrando nós jovens que já estamos acabadas aos 20.
  - Sua vó é... - Ethan começou rindo.
  - Especial.
  Concordou com a cabeça.
  Os dois se adoravam desde que se conheceram na minha festa de aniversário surpresa. O que fez os dois firmarem um laço especial além do meu namorado puxar o saco dela apelando pra autoestima dela e ela fazer o mesmo com ele é o fato dos dois não confiarem em americanos.
  E aí ele virou o meu namorado favorito pra ela.
  Obrigada americanos por serem detestáveis.

***
Ethan

  O plano era Dick ajudar a arrumar meu apartamento pra ficar pronto o mais rápido possível, mas na meia hora que estávamos juntos eu só ouvia resmungar e brigar com Wallace por telefone.
  Essa de longe foi a pior ideia que já tive.
  - Ele não consegue entender, Ethan - e veio resmungando pra mim. - Agora que as coisas estão finalmente dando certo ele vai desistir de mim?
  Dei os ombros.
  - É foda né.
  - Eu to tentando, eu juro que to. Mas não é o bastante pra ele... ele não consegue me entender. Ele nunca me entende!
  - Foda cara.
  - O que ele quer que eu faça? O que eu posso fazer pra ajudar ele a não desistir de mim?
  Respirei fundo.
  - Assumir ele? - Então Dick se calou. Uau, era tão fácil assim?
  O loiro ficou parado, como se tivesse dado pane no sistema dele e eu o encarava esperando que ele reagisse de alguma forma. Mas lá estava ele absorvendo duas palavrinhas que ele nem havia pensado sobre.
  - É isso? Só assumir ele? Será que é uma boa ideia?
  - Ué cara, vocês estão juntos há meses e evitam assumir algo que eu tenho certeza que vai ser de boa. Talvez seja isso que esteja afastando Wall, porque ele quer que você tome uma iniciativa e você só fica enrolando. Sonsice cansa, cara.
  Dick até se sentou, sentindo o peso das minhas palavras.
  - E se der errado? – Dick estava apreensivo.
  Eu entendia a situação deles, por incrível que pareça. Dick estava gostando de verdade do Wallace e vice versa, mas pra eles é um passo mais difícil assumir isso do que seria pra mim e ou e .
  Mas se eles se gostam, não tem outra coisa a se fazer do que lutarem pra ficar juntos.
  - Cara, a gente não tem como ter certeza 100% de que vai dar certo, mas podemos tentar sempre... E se você o ama, se você quer estar com ele e estiver pronto pra enfrentar qualquer coisa pra estarem juntos, então vai atrás. Não desista. Não tem como ter certeza que vai dar certo, mas tem como ter certeza que você tentou e valeu a pena.
  Dick relaxou e pude o ver sorrir.
  - Você vai me ajudar? – Assenti.
  - Claro, cara. Melhores amigos estão aí pra isso!
  Mas claro que eu precisaria de uma ajudinha da minha querida namorada fofoqueira que adoraria fazer parte disso.

***

  - Você acha que vai dar certo? – perguntou e eu dei os ombros.
  Estávamos todos na casa de Wallace a pedido do próprio, todo o grupo original e ele não havia explicado o porquê, mas Ethan sim e eu expliquei pra .
  Era bom garantir que eu e estivéssemos sabendo do que poderia rolar aqui caso quando Dick chegasse as coisas saíssem do controle.
  Na melhor das hipóteses o Dick vai fazer a coisa certa. Na pior das hipóteses o Dick vai fugir pro México começar a vida de novo com uma família nova e voltar anos depois com um bigode.
  Mandei mais algumas mensagens mal-educadas pro meu namorado enquanto ouvia os meninos berrando do outro lado, se xingando porque a partida estava mais complicada que eles queriam.
  O silêncio apareceu assim que ouvimos o som alto vindo do lado de fora. Ninguém saiu do lugar, ficamos quietos tentando saber se era pra nós ou era algum vizinho fazendo serenata pra outra pessoa.
  E lá estava Dick parado do outro lado da porta do porão de Wallace, com duas caixinhas de som portáteis por cima de sua cabeça com Endless Love tocando no maior volume.
  E adivinhem? Ethan estava do lado, de braços cruzados e com um sorriso orgulhoso no rosto.
  - É o Dick? O que tá rolando? – nos encarava confuso, sem entender o que estava acontecendo.
   bufou, cansada daquela música e abriu a porta, puxando Dick pra dentro a força. O loiro quase caiu, mas a latina era forte o suficiente pra botar o casalzinho que não se assume cara a cara.
  - Ok, o que tá rolando aqui? - perguntou confuso e nós nos viramos pros dois.
  - Eu falo... - Wallace tomou a atitude e se posicionou em nossa frente. - Galera, eu sei que vai ser um choque muito grande pra vocês, porque eu sei que vocês não esperavam por isso e eu espero que vocês possam continuar me vendo da forma fodástica que vocês sempre me viram. Eu continuo o mesmo, mais gato, mais estiloso e mais legal que todos vocês juntos…
  - Fala logo, cabrón ou eu falo.
  - Eu e o Dick estamos juntos... nós somos um casal! - e disse, puxando o Dick para ficar ao seu lado. Ele em um ato de coragem entrelaçou seus dedos e mostraram suas mãos dadas pra todo mundo.
  Eu me levantei do sofá, aplaudindo essa cena com lágrimas em meus olhos enquanto meus amigos me encaravam como se eu fosse louca.
  - Pera - pediu tempo. - A sabia? - perguntou e a morena assentiu.
  - Então se a sabia, a sabia - apontou e nós assentimos. - E se a sabia, então o Ethan sabe também.
  O meu namorado que até então estava quietinho só assistindo tudo isso concordou com meu amigo.
  - Então só nós três não sabíamos? - apontou pra ele, e Britt.
  - Eu sabia... - Britt disse baixinho.
  - COMO?
  - Nem o Wallace ou o Dick deram em cima de mim sabendo que eu sou a mais gata das três - deu os ombros.
  Ignoremos a Britt até a segunda ordem, por favor.
  - Vocês tão de boa com isso? - Wall perguntou como se a nossa opinião realmente fosse importante para que ele continuasse levando seu relacionamento a frente.
  Por tanto tempo esse menino só falava e fazia cagada, a gente trabalhou tanto pra ensinar ele a se tornar um ser humano decente e aí estava... nós tivemos sucesso, , nós vencemos.
  - Não, vamos te bater com lâmpada no meio da rua. - Revirou os olhos. - É óbvio, moleque. Todo mundo aqui te ama e não tá nem aí pra quem você namora, mesmo que seja o Dick - sorriu. - Gosto é que nem cu.
  E eu ri. Hora errada talvez pra piadas com cu?
  Nós nos juntamos, assim como amigos em clássicos da televisão e demos um abraço em grupo.
  - Ok, chega disso - saiu de perto. - Vamos ir atrás de fazer outra coisa porque isso já tá ficando desconfortável e grudento demais.
  - Já sei! - disse e todos se viraram pra mim. - Que tal irmos todos pra praia e fazer um super dia de casais! - Dei pulinhos de alegria. - Eu posso arrumar roupas de banho que combinem e seremos todos casais dando match!!!
  E assim todos os meus amigos saíram correndo do porão, me deixando sozinha. Até mesmo o meu próprio namorado.
  Coloquei a mão no meu peito enquanto a única lágrima solitária escorreu pelo meu rosto.
  - Como é difícil ser eu…

Capítulo 17


  - Você quer fazer a prece do almoço, David? - papai perguntou.
  - Ele não sabe nem escovar os dentes direito… - abuela resmungou.
  Peguei as gordurinhas da carne e cortei fora, jogando pra debaixo da mesa disfarçadamente.
  - ! Pare de dar comida para o cachorro - mamãe ralhou comigo.
  - Eu nunca fiz isso - me defendi. Jogando o resto da carne em baixo da mesa também.
  - Querido Deus - David começou e todos ficaram em silêncio. - A mamãe que comprou a comida, o papai fez o almoço e eu arrumei a mesa, então obrigado por nada. Amém.
  Todos disseram amém sem prestar atenção no que David disse. Tirando a vovó que deu um peteleco na cabeça dele.
  Meu celular tremeu e papai revirou os olhos. Sorri inocentemente pra ele, verificando a mensagem.
  : Chegaram algumas encomendas aqui na loja… muitos vestidos. Interessada?
  : Sim!!! Mas hoje é feriado, o que você está fazendo aí?
  : Problemas de TI.
  : Nerd. Lol. Mande foto das peças, por favor.

  - Anjinho… largue esse celular e vá comer - papai brigou e enfiei um garfo gigante de macarrão na boca. Sorri.
  - Porca. - David olhou com nojo pra minha boca.
  - Capivara - xinguei. Mais uma mensagem chegou.
  : Que tal?
  : Eu vou te matar.
   tinha enviado foto dos vestidos sim… mas no corpo dele. Ia alargar tudo, filho da mãe.
Grupo mais que amigos: Friends
   enviou 5 fotos:
fariam?
  : ***
  : * ****?
  : ***
  : Que pitelzinho essa loirinha. Quem é?
  : Achei na rua.
  : Enfim, gente, meu pai foi nas Zetas essa manhã. Ele tá cuidando do processo de reconstrução da casa, parece que em menos de um mês vai estar tudo pronto.
  Wallace: Tio Sanchez tá fiscalizando os construtores? Isso é uma boa ideia?
  : Claro. Meu pai é o maior caloteiro, quem melhor que ele pra fiscalizar uma empreiteira e ver se está tudo nos conformes da entrega?
  Dick: Bom ponto.
  : ** ***.

  Nova mensagem.
  : Tentou me expor e não conseguiu. Acho que nossos amigos agora estão mais atraídos por mim, , sinto muito se nosso namoro não durar tanto tempo. Afinal, você viu como fiquei com aquele decote?
  : 1°: que namoro? 2°: precisa ter peitos para ser o mínimo impressionante com aquele decote, algo que você não tem.
  : Agora me magoou.
  : Nunca mais falo com você hoje.

***

  - Entrem.
  Já estava escuro e tínhamos que tomar cuidado pra não fazer muito barulho até que eu desligasse o alarme.
  Acendi as luzes quando finalmente achei o interruptor e a magnífica loja apareceu. A arquitetura da Marc Fontaine nunca envelheceria, aquele lugar era como minha segunda casa, só que com o orçamento excedido. E sem quartos. E salas. Com vários manequins.
   e Britt largaram as mochilas no chão sorrindo animadas.
  - Eu trouxe salgadinhos - comentou.
  - E eu trouxe bebida - Britt disse e dessa vez eu comemorei.
  Liguei o som e separou taças de champanhe, esperando Britt abrir a garrafa estourando como sempre. Nos assustamos quando a rolha voou como um foguete atingindo a testa de um manequim.
  - Morreu tão jovem - falei triste vendo a figura brilhante cair.
  - Essa decoração tá tão linda… - comentou.
  Pois é, ano novo chegando… tudo estava puro glitter e branco.
  - Prontas?
  - Sim! - responderam animadas.
  Passamos o resto da noite vestindo todas as peças possíveis que existiam naquela loja. Esse é aquele momento em que nos filmes acontece uma montagem, como um desfile de modas, com as meninas experimentando das roupas mais incríveis até as mais bregas.
  A roupa das madrinhas seria em tons vermelhos e isso estava dificultando minha decisão. O casamento surgiria na paleta de rosas na cor do sangue e creme de baunilha, pra ser mais específica. A cerimônia seria em uma igreja gigante no centro de L.A. e a festa na House Fontaine.
  Era o primeiro casamento do Sr. Greene que aconteceria na América do Norte, talvez fosse um pedido de Campbell pra que mantivesse as coisas mais simples. Quer dizer, não é todo dia que você se casa em uma igreja de famosos e tem a festa na própria mansão de mais de dez quartos, mas vocês entenderam.
  Ontem eu havia recebido uma ligação da noiva me convidando pessoalmente para ser sua madrinha. Estranhei? Não, imagina. Ela não me tratou como se um dia tivesse sido minha gestora na Universidade, o que foi bom. Acho que insistia pra ela, como também insista pra mim, que agora não tinha mais volta, todos nós fazíamos parte de uma grande e feliz família.
  Aí eu lembrava ele que estávamos ficamos no máximo há um mês e ele ignorava completamente minhas palavras. "Pare de negar sua família!" reclamava bem humorado. E acho que é isso agora.
  Em algum momento da noite Frank Sinatra começou a tocar e rimos lembrando dos meninos cantando Can't Take My Eyes Off of You no karaokê de alguma festa que não me recordava mais qual tinha sido. Provavelmente eu estava com muito álcool no cérebro pra ter esquecido.
  - não tirava os olhos de você aquela noite - gargalhou da minha cara.
  - Calada.
  - E aí, foi bom negar as aparências e disfarçar as evidências, ? Agora tão de namorico - Britt perguntou virando um gole de uma garrafa de bebida barata não identificada. Todas estávamos com uma na mão agora e não sei como isso tinha acontecido. Ignorei a palavra namorico que Britt soltou como se tivesse oitenta e sete anos.
  - Ele é meu melhor amigo… Nunca teria nada com ele, nada a ver, mimimi - falou em seu sotaque espanhol me imitando. Mas com certeza ela se achou parecida com a própria Penélope Cruz.
  - No dia em que a existência das reclamações contra o seu ex - apontei para e em seguida para Britt - e a sua atual Rachel, simplesmente desaparecerem, aí sim vocês terão direito de me julgar. E ele não é meu namorado. Tenho dito.
   levantou e puxou minha perna, me fazendo escorregar e cair deitada.
  - Vaca - reclamei. Minha bebida não caiu, caso alguém esteja interessado.
  - Ah, meninas…
  Notamos que Britt perdeu um pouco do humor.
  - O que foi? - Sentei outra vez.
  - A Rachel e eu meio que terminamos… Mas dessa vez é pra valer.
  - Poxa Britt… - sentou ao seu lado a abraçando. Provavelmente era a bebida nos fazendo carinhosas, porque essa era a quadragésima vez que as duas terminaram e spoiler: nunca durava.
  - É amiga… Eu não consigo nem fingir que estou triste com esse término. - Fiz um hangloose e virei o resto da bebida.
  - - me fuzilou com o olhar e já ia me xingar, mas Britt falou antes dela.
  - Tá tudo bem … Eu acho que minha auto estima não tão alta me cegava pras coisas que Rachel fazia. E não somente a mim, mas o quanto ela afetava meus amigos também. Ela era meio… obcecada por você, . Foi atrás de Miguel sem sequer sentir coisas por homens quando vocês terminaram. Diariamente reclamava de você. Isso impregnava na minha cabeça e acho que por isso fui tão dura e idiota naquela semana após as provas. - Suspirou quase chorando. - Você me perdoa?
  Desabou em lágrimas e me abraçou. Minha cara estava pintada em um "WTF?" e dei alguns tapinhas nas costas de Britt.
  - Esquece isso… cavalinho colorido com chifre - as belíssimas palavras saíram emboladas. riu.
  - Tá fraca hein?
  - Tu culo.
  Empurrei Britt para o banheiro antes que ela assoasse o nariz em alguma peça de milhões de dólares.
  Nós três lavamos o rosto na pia até que um toque familiar quebrou o silêncio.
  Durou eras para que as três patetas descobrirem de onde vinha: era meu celular escondido dentro de um dos vestidos que ficaram largados no chão da loja.
  Quando li o nome levei um susto. Mostrei pras garotas o celular ainda tocando.
  - Quem é esse Campbell? - Britt não reconheceu. ficou chocada.
  - É a sogrinha da ! - o choque virou deboche. - Atende logo.
  - Vai desligar se demorar mais. - Britt estava nervosa.
  - Para de me deixar nervosa, eu não posso atender, eu tô bêbada.
  - E daí que você tá bêbada? Algum dia da semana você tá sóbria por acaso? - tinha um ponto.
  - E se eu falar besteira? - em dúvida.
  - E daí que você vai falar besteira? Algum dia da semana você não fala por acaso?
  - vai se foder?! - sincera.
  - Atende!!! - Britt mandou e o celular parou de tocar. Nós três respiramos em alívio.
  - Uau… ainda bem que não houve pânico. - Limpei o suor da minha testa.
  As duas reviraram os olhos pra mim.
  - Pra que tanto alarde? Você nem estuda mais na Hearst - Britt.
  - É … só trata ela com indiferença - debochou.
  - Eu estou nem aí pra Hearst. Estou podre de bêbada com uma tequila barata… Ela vai casar com o pai do meu namorado daqui a duas semanas e vocês esperam que eu não fique nervosa? - briguei com as duas e elas estavam petrificadas. O choque se transformou aos poucos em um sorriso gigantesco de comemoração.
  - ELA FALOU! ELA FALOU! ELA CHAMOU ELE DE NAMORADO!
  - AAAAAAAAAAAAAAA!
  - Quanta imaturidade… - bufei. - Não falei nada.
  - DISSE SIM, DISSE SIM, DISSE SIM!
  O celular voltou a tocar e as três demos um grito de terror. Que susto, cacete.
  Atendi finalmente aquela porcaria. Não estava pra brincadeira mais.
  - Alô? - disse brava, sem querer.
  - Ah, oi , é a Helena, tudo bem?
  - Oi Helena - falei no tom mais doce possível. As meninas copiavam meus movimentos com gestos na sala. Ridículas. - Tudo sim. Como você está?
  - Bem também. Desculpe o horário, é que só consegui um tempinho agora. Você teria disponibilidade para um almoço amanhã?
  Disponibilidade. Ui. Ela falava mesmo como a reitora de uma universidade em Los Angeles.
  - Uh… claro. É sobre o casamento?
  - Ah não, não. Fique tranquila. Só queria bater um papo de garotas com você. - Aquilo me aterrorizou mais que tudo. Ficaria mais calma se fosse sobre o casamento.
  - Huh.. tudo bem então.
  - Até amanhã. Te mando mensagem sobre o local e hora, vai que esquece né? Eu e minha cabeça não lembramos mais nada. Ah… nossa, lembrei de Didi falando que você tinha uma memória brilhante. Era realmente uma ótima aluna. Enfim, desculpe interromper a essa hora. Até amanhã, .
  - Até.
  Desliguei.
  Silêncio.
  - Ela quer almoçar comigo amanhã.
  - A mãe do seu namorado? - explodiram em risadas.
  - Sebosas - grunhi ignorando a cara feia delas. - Não falei nada disso.
  - FALOU SIM…. SE EU OUVI FOI PORQUE FALOU.

***

  Aquilo era uma cafeteria ou a casa de chá da rainha Elizabeth? Eu nem sabia se ela tinha uma casa de chá, mas se tivesse, com certeza teria aquela estrutura.
  Tudo era em tons de areia e com móveis antigos. Extremamente refinado, com cheiro de capim e limão em todo canto. Nosso almoço provavelmente seria aquele capim e limão, e meu estômago já estava roncando de fome ao pensar naquilo.
  Felicity: Por favor, por favorzinho… vamos trocar de turno. Juro que devolvo o favor!!
  : Tá… saco.

  Felicity estava há tempos querendo sair com esse tal garoto novo da faculdade dela. O único jeito seria pegando meu turno da noite e ela me daria uma tarde livre hoje.
  E mais uma tarde livre e entediante para mim.
  Eu estava na mesa reservada, Helena tinha enviado uma mensagem mais cedo confirmando o almoço. A “sogrinha” estava atrasada cinco minutos, mas quem estava contando?
  Fiquei surpresa quando ela passou pela entrada ao lado de Didi, a supervisora da Hearst.
  - Olá . - Didi me abraçou apertado e não contive o sorriso ao abraçá-la de volta. Apesar da surpresa e um leve medo ao vê-la, era bom tê-la ali.
  - Quanto tempo.
  - Bom dia, . - Helena sorriu se sentando como uma dama. Ela tinha cabelos longos e escuros, era mais baixa que eu, o sorriso delicado e olhar singelo. Sabe aquelas mulheres que se autodenominam namoradinha do país e parecia uma santa mas de santa nao tinha nada? Essa era a Campbell, basicamente.
  Mas, sem julgamentos.
  Chamamos a garçonete e logo nossos pratos chegaram. Pedi um vegetariano especial do dia, seguindo as madames. Me surpreendi com o gosto, era incrível.
  Didi tentava dar indiretas através do olhar para Helena e de alguma forma as duas pensavam que eu não estava notando.
  - Então… por que a senhora me chamou? - curiosa. Afinal, eu tinha o direito de saber.
  - Nós queríamos discutir sobre seu futuro na universidade Hearst. - Se eu estivesse bebendo algo, teria cuspido. Helena soltou aquela sem mais nem menos.
  - Futuro?
  As duas assentiram. Helena estava comedida, Didi queria explodir de felicidade, tentando disfarçar.
  - Helena está repensando a decisão que tomou, … - Didi sorriu carinhosa apertando minha mão. - Você sempre foi uma ótima aluna, as faltas eram o que pesavam.
  Eu não sabia o que falar.
  - É claro que a Hearst é a universidade de maior respeito que temos na nossa região, e nunca pensei um dia que conseguiria entrar lá… - tentava falar sem embolar as palavras. - Mas… é um processo muito delicado. Minha ficha vai continuar suja? Sem contar com os alunos debochando da minha expulsão. O dia em que acompanhei um dos jogos de hóquei do meu amigo foi humilhante o suficiente.
  - Em nome da Hearst, peço desculpas pelo comportamento que nossos alunos tiveram com todo o ocorrido - Helena parecia realmente envergonhada.
  Cara, ela devia ter um milhão de cursinhos de licenciatura e gestão, e achava que desculpas era. o suficiente? Primeiro que aquela expulsão foi totalmente errônea e equivocada.
  Helena me expulsou sem qualquer noção de classe e lotada preconceito. Depois, a chance de me explicar para o conselho se escafedeu, porque sequer marcaram uma reunião, levei um chute definitivo. Agora magicamente ela me queria de novo naquela universidade? Não conseguia comprar essa com tanta facilidade.
  Porém eu não queria perder o tom aqui, e a razão, junto com essa atitude.
  - Eu só estou dizendo que seria um pouco difícil acompanhar tudo de volta. - Minha decisão estava tomada antes mesmo dela sugerir algo. - Obrigada pela oferta, Helena, mas não desejo voltar. Pelo menos não por agora.
  Didi ficou chocada. Helena parecia esperar por aquilo.
  - , amor, você poderá retornar para as Zetas… estamos acompanhando toda a produtividade e trabalho que vocês possuíram o ano todo para conseguirem erguer aquela casa. Eu fui uma Zeta, e hoje tenho orgulho das precedentes que habitam o mesmo lar que um dia habitei. Você, Morgana, , Ana… todas lutaram para que não acabasse do jeito que acabou. Seu trabalho com finanças para essa reconstrução sempre será apreciado. A decisão foi remetida ao conselho, e o conselho abriu o caso mais uma vez somente com linhas extras porque se tratava de você. Uma aluna brilhante que diferenciou e muito o nível da universidade dentro de provas avaliadas pelo estado. Suas notas, quando conseguiu voltar ao que era no início depois de entrar na irmandade, passaram a ser algo admirado. Aliás, notas não. Não sou adepta à este sistema retrógrado. Suas ideias, . Cada redação e dinâmica. Não é o pedido de uma supervisora, é o pedido de uma amiga que acompanhou toda sua evolução e tem orgulho de você.
  Agora aquilo me pegou de surpresa e repensei tudo que tinha feito toda a minha vida. Didi falando o quanto e o que sentia sobre tudo que fiz na maior universidade da minha cidade era extremamente revigorante. Era como uma bomba de reconhecimento que sempre precisei e sorri com o olhar molhado, apertando a mão de Didi que estava estendida para mim.
  - Meninas - Helena tossiu, quebrando aquele contato. Ela estava feliz com o que ouviu. Acho que Didi era uma melhor comunicadora que Helena, por isso trouxe ela para o almoço também. - Eu acho que Didi soube expressar bem o que todo o Conselho da Universidade pensa sobre você, . Esse almoço foi apenas uma forma de te avisar, de forma não formal e te fazer pensar sobre isso, ouvir seu lado, e talvez o conselho te contate essa semana. Ademais, entendo perfeitamente o que acha sobre uma regressão para as aulas, dessa forma, sua bolsa estará lá, 100% dela, sem negociações, e quando estiver pronta, a Hearst terá o maior prazer de recebê-la de braços abertos.

***

  Neste momento eu estava dentro do carrão foda da Helena enquanto ela me dava uma carona até minha casa. Estranho? Claro.
  E no fundo da minha mente a voz de ecoava “aceite sua família”. Parece que ele estava certo, porque eu não estava programando atividades assim com a reitora da minha ex universidade. Essa frase soou estranha.
  - Não tem problema a carona, , já disse - eu estava falando sobre não querer ser um incômodo por modéstia, porque eu absolutamente estava de boas com aquela carona. Não depender de uber é o que quero pra minha vida, e enquanto não tenho carro, qualquer coisa de graça já estava de bom tamanho. - Hoje não vou pro trabalho. Tenho prova de vestidos então estou até tentando matar um tempo… cada dia mais próximo fico mais nervosa.
  - Vai dar tudo certo… - falei calma. - O Sr. Greene é um cara legal.
  - Disso eu tenho certeza! O que não tenho certeza é sobre minhas escolhas - ficou pensativa. Não entendi direito o que ela quis dizer, mas sabia que não significava o que parecia significar. Eu acho. Que confusão. - Então… você trabalha na Marc faz um tempo, certo? Li seu currículo. Tem bastante tendência à seguir carreira de moda.
  - Sim! - disse animada demais. Tossi com a vergonha de parecer uma doida nerd por um segundo. - Sim… Apesar de estar procurando inicialmente a área da medicina, creio que meu caminho é um só. Infelizmente não é o mais oportuno, é uma área pequena se a gente não se esforça ao máximo…
  Fiquei falando igual uma retardada até a Sra. Campbell mostrar suas garrinhas de reais intenções sobre isso.
  - Então você entende de moda né? - Pequenos passos.
  - Eu diria que sim. - Fiz careta. Era basicamente tudo que eu disse, mulher.
  - O que acha de ir comigo na última prova de vestido essa tarde?
  Paralisei.
  - Ah, Helena, não sei se será uma boa ideia. Sabe… a moda é algo pessoal, apesar das revistas tentarem te vender que não é. Vai de gosto, as vezes seu gosto brega acaba sendo moda e tals. Eu posso mais atrapalhar do que ajudar e…
  - Imagina! Vamos, por favor, eu iria adorar sua companhia nessa tarde, ela me diverte!
  Flashbacks de euzinha empurrando a cadeira em seu escritório surgiram. Foi divertida aquela tarde? Águas passadas, , águas passadas…
  - Tudo bem então - respondi. Ela comemorou e aumentou o rádio, minha cara fechada foi se quebrando quando ela começou a dançar com a música antiga do rádio. - Está me devendo um sorvete.
  Ela gargalhou.
  - Até dois!

***

  - E então? - Helena ergueu os braços.
  O vestido era branco (choque) e gigante. Muito grande. Bem grande. Estilo vitoriano.
  - Eu achei... - tentei encontrar palavras para aquilo sem ser grossa, afinal, não estava falando com algum amigo meu. - Bem princesa né?
  - Ah não - sua cara desmanchou - eu estava tentando fugir disso. Minha mãe veio aqui semana passada e forçou o estilista a colocar mais pano na cauda, agora estou parecendo um lustre de castelo.
  Eu ri me levantando e me aproximando dela. Helena se olhava no espelho e fiquei ao seu lado, mostrando alguns pontos.
  - Primeiramente, eu posso te dar dicas da moda atual ou você pode mandar toda essa atualidade se foder e usar o que você quiser, sabe? - Ela ignorou meu palavrão e dei graças a Díos por isso. - Então vamos tentar das duas formas, me fale um vestido de casamento que você viu em um filme ou série, até mesmo pessoalmente, que você se apaixonou completamente. Pensa nele e o descreva pra mim.
  - Bom… eu sempre gostei dos diferentes. Aquele da Michelle Pfeiffer em Charlie Chan e a Maldição da Rainha Dragão é um dos que eu mais me espelhava. E estava parecido com este até semana passada, quando mamãe surgiu aqui e disse que eu iria rejuvenescer 10 anos se usasse algo estilo cinderela.
  - Ah - fiz uma cara de completo entendimento. Pedi um segundo para atender uma ligação da minha mãe e corri para o google pesquisar que desgraça de filme era aquele. Ok, era anos 80. O vestido tinha bastante babado e pouco espaço para respirar. Dava pra entender a inspiração melhor daquela forma. O problema era definitivamente o toque da mamãe Campbell. Voltei para a salinha. - Então, tive uma ideia enquanto falava com a minha mãe.
  - Salve-me, ! - riu um pouco enquanto olhava transtornada para o próprio reflexo.
  - Vamos tirar todo o pano. Você está suando dentro de uma sala com ar condicionado, imagine no dia do casamento: Não queremos isso.
  - Definitivamente não - concordou.
  - A ideia do colarinho é ótima, podemos mantê-la, mas vamos deixar uma média entre seguir o que você quer usar e o que é socialmente aceitável para entrar na capa da revista Vogue, minha dica seria: sem mangas.
  - Jura? - chocada. - Eu acho tão jovial…
  - Em 1980, sim senhora. Hoje em dia encontramos estas mangas dentro de um caixão com um morto coberto.
  Ela arregalou os olhos.
  - Mas tá tudo bem, chefia, cola em nós que é sucesso - falei largada. Ela ficou mais assustada ainda. - Eu quis dizer que pode confiar nessa ideia que te dei.
  - Ahh - ela balançou a cabeça afirmando. - Cola em nós que é sucesso, então - sorriu.
  Entendi aquilo como se ela estivesse abraçando minhas ideias e corri para o sofá sentar quando ela chamou o estilista.
  O carinha chegou e fiquei jogando sinuca no celular enquanto ele redesenhou o vestido e alterava alguns pontos instantaneamente, com canetão e alfinetes.
  - Vai ficar um luxo! - ele gritou enquanto segurava os metros de pano que cortou fora do vestido. Helena já parecia estar mais leve. E se Jan gritasse outra vez eu enfiaria um alfinete na goela dele. - Que tal?
  Ele apresentou o desenho finalizado para Helena e eu senti na cara dela que ainda não estava bom o suficiente. Ok, tínhamos uma noivinha crítica aqui. Me levantei e revi a imagem que Jan apresentou.
  - Eu realmente gostei - disse sincera. Jan poderia ser chato, mas tinha talento. - O que você achou?
  Frisei o você para Helena. Ela não devia se sentir intimidada ao alterar a forma o vestido outra vez.
  - Não parece muito com o que vi em Charlie Chan e a Maldição da Rainha Dragão - ficou triste.
  Jan brochou completamente.
  - Vamos trabalhar no desenho então, madame. Já pode tirar o vestido, minhas daminhas ajudarão você. - Ele estalou os dedos e um par de meninas loiras apareceram e enfiaram Helena no closet.
  Jan se sentou ao meu lado apagando algumas partes de pano no layout. Acho que ele não entendeu muito bem o problema de Helena com a nudez.
  - Não olhe pra mim com essa cara… você viu o vestido da princesa Dragão?
  Sorri. Realmente era difícil julgá-lo. Mas primeira regra de excelência no atendimento: o cliente sempre tem razão.
  - É só mais um desafio da profissão, qual é.
  Ele me olhou de cima a baixo e parou um segundo nas minhas botas, tentando descobrir se eram falsificadas ou não, provavelmente. Talvez eu tenha as comprado no brechó…então sim, eram verdadeiras.
  - Você trabalha onde? - perguntou.
  - Marc Fontaine.
  - É claro que trabalha - aquela resposta era o suficiente para o análise do meu look. Dei de ombros. - Que tal?
  Babei. Eu já estava virando fangirl do Jan.
  - Você é fenomenal. Mas…
  - Gostei da sua carinha, porém como meu pai dizia, tudo após o mas não vale de nada. Não foi fenomenal o suficiente, certo?
  - Obviamente não é isso - revirei os olhos. Dramático. - Tenho certeza que Helena contratou você por que alguém muito importante recomendou, ou porque ela viu seu portfólio. Só que é a Helena, sabe? Eu usaria seus looks para ir na padaria, e ela é uma reitora que usa moletom amarelo com sapato amarelo para ir ao trabalho.
  - Ela combina amarelo com amarelo? - Horrorizado. Triste, respondi que sim.
  - Mantenha as mangas, só as deixe mais justas, mesmo que parta seu coração. Ela não é do tipo de cliente que se contenta só com a moda atual, sabe, cabron? E isso meio que é bom, convenhamos.
  Jan suspirou alto.
  - Tudo bem, Penélope Cruz conselheira. Você estuda na Hearst, eu presumo?
  - Isso…
  Vamos poupar o estilista de histórias entediantes.
  Jan puxou papo até Helena voltar. Falamos sobre minha carreira e meu encontro com Candeza na noite do brechó. E pasmem, ele também ouviu falar das vendas no brechó que construímos na boate Type.
  Tudo bem, isso não é tão chocante quando até a maior estilista da europa atual apareceu naquela venda de esquina perto do meu bairro.
  Ainda assim, era tão bom saber a proporção que aquele projeto tomou. Orgulho de mim, das meninas, dos garotos e principalmente , que burlou a porcaria de um algoritmo na internet para ajudar a divulgar a venda.
  Conversamos sobre sua carreira por mais algum tempo e trocamos números de celular. Se eu estava babando no cara que já trabalhou dentro da Versace? Imagina.
  Ele era meu novo melhor amigo.
  Helena chegou animada e Jan prometeu que iria fazer com que o vestido ficasse da melhor maneira possível para o casamento, ou seja, seria uma cópia do design da Michelle Pfeiffer.
  Ela confiou em sua palavra e me levou para tomar meu prometido sorvetinho. E a tarde foi isso. Muitas conversas, conheci mais sobre Helena, sobre ela ser uma aluna completamente nerd desde os seis anos de idade, nasceu em família rica, teve um marido completamente idiota e depois que se separou buscou apenas liberdade e distância de homens, até que conheceu Eric. E esse tipo introvertido dos dois parece que funcionou muito bem, porque eu acreditava em tudo que Helena sentia por isso, só dela falar dele seus olhos brilhavam. E por um lado, bem no fundo, lá no fundo mesmo, encontrando sentimentos em baixo do petróleo do meu coração, meio que me vi na sua história. Sem a parte republicana, lógico.

***

  Meus olhos estavam tapados enquanto eu caminhava na escuridão.
  - Você vai me sequestrar e me matar?
  - Se alguém te sequestrasse, iriam te devolver em dois dias.
  - Um sequestrador assassino falaria isso para despistar.
  - Por que eu roubaria algo que já tenho? - ri. Ok, ele foi tão sagaz agora que senti coisas que não são aceitas em canais abertos para todos os públicos. - Chegamos.
  Retirei a faixa dos meus olhos (uma gravata dele) e percebi onde estava. Um campo de gramado, talvez 100 metros quadrados, não tenho noção de espaço, e choquem, uma tela gigantesca pendurada em ligas de aço.
  Era o drive-in.
  - Puta que pariu - suspirei.
  - Gostou?
  - Tá brincando? - Empurrei ele, era pra ser fraco, mas foi com força demais.
  - Ai, , você tem um jeito estranho de agradecer as coisas, sabia? - suspirou um falso romantismo.
  - Ah … Vai chupar uma rola - disse no mesmo tom.
  - Tão delicada - riu.
  Tinha uma coberta fofinha posicionada para assistir ao filme perfeitamente. Me sentei ali com ele do lado. Tentei conter o sorriso no meu rosto pra não dar tanta bandeira. Depois de tudo, ainda tinha minha dignidade.
  - E então, o que vamos assistir? - sorrindo como uma maníaca.
  - Eu prometi, e hoje vou cumprir. A Noiva do Frankenstein à caminho. - Ele olhou pro próprio relógio, e no momento em que bateu 22h, o filme começou a rodar.
  Eu meio que sou apaixonada por cinema, principalmente por filmes de terror e filmes antigos. A Noiva do Frankenstein era uma mistura dos dois, e estávamos em um drive-in solitário, onde eu poderia aproveitar cada sensação da tela gigantesca e aquele som alto maravilhoso que eu poderia ouvir até as falhas da gravação antiga ressaltadas sem problemas.
  Era somente e abertura e eu olhava pra tudo como uma idiota deslumbrada. Também não deixava de notar com a mesma feição olhando pra mim. O jeito que ele simplesmente não ligava de deixar visivelmente claro seus sentimentos me deixava sem ar.
  - … assiste. - Peguei seu queixo e virei pra tela. Ele resmungou.
  - Esse filme é velho, você é a novidade aqui. - Ele deixou esticado com a cabeça em seus braços.
  - Logo não vai me aguentar mais. - Revirei os olhos. - Você vai ver. Um sequestrador me devolveria, sabe?
  - Acho que não escolhi muito bem as palavras mais cedo.
  - Puxa saco - reclamei puxando um saquinho de balas no meu colo.
  - Vem cá logo. - me puxou para deitar ao seu lado e me aconcheguei em seus braços voltando a prestar a atenção no filme.
  Quando acabamos o filme e com toda a comida, voltamos para o carro dele.
  - Coitado do Frank. Tudo isso pra esposa morrer em menos de cinco minutos…
  - É o conceito. - Mordi um sorriso.
  - Conceito dele ser tão feio que não merece ser amado? - perguntou divertido.
  - Exatamente. Ele era tão feio que todo mundo morreu. Acabou.
  Entramos no seu jeep vermelho e fomos a caminhos da minha casa.
  - Nosso primeiro encontro, tô emocionada. - Fingi uma lágrima.
  - Nós tivemos pelo menos trinta e sete encontros até aqui - refutou.
  - Sair com amigos não é encontro, , já te falei. Além do que, esse é meu padrão agora. Se começamos alugando um drive in inteirinho só pra me agradar, precisamos ter um segundo encontro ainda melhor.
  - Uau. Foi difícil te conquistar, mas manter já vejo que será ainda pior.
  - Quer desistir?
  - Tá maluca? Agora que tá ficando legal - riu e aumentou o som.
  Uma música que não conseguimos entender a letra começou a tocar e fiz uma coreografia patética com . Uma mistura de dança do robô e dancinha das mãos. Vimos algumas crianças brincando no meio de uma rua um pouco deserta e quando nos aproximamos com o carro, abaixei o vidro, gritando pra elas com a cabeça pra fora da janela.
  - SAIAM DO MEIO DA RUA, PIRRALHADA. - As crianças me xingaram de volta e ri maligna fechando o vidro.
  - Malvada - riu do meu lado. - Ei, você não me deu detalhes de como foi o encontro com a Helena essa tarde, só mensagens simples.
  Confesso que adorava aquilo. Mesmo antes de termos algo amoroso, minha relação com se baseava em muita comunicação. Agora ter alguém que posso especificamente beijar e conversar toda hora é maravilhoso. A fase de lua de mel não iria passar tão cedo.
  - Ah foi… estranho, pra falar a verdade. Mas nada fora do comum.
  - Comum você não suportando ela ou comum vocês duas se tratando como pessoas normais?
  - O segundo. Ela até me levou pra ajudá-la a emendar o vestido de noiva, acredita?
  - Tudo bem, agora estou chocado. Viraram melhores amigas?
  - Claro. Isso na árvore genealógica que agora obrigatoriamente eu participo, você pode me chamar de tia.
  Flashbacks de Game of Thrones roubaram minha mente e me arrependi daquela piada horrível.
  - Eca. Então você não tem mais opção senão ir no casamento, certo?
  - Eu já disse que ia, estou atrás do vestido. Que você alargou quando tirou as fotos, inclusive. Obrigada.
  - Eu não coloco muita fé na sua palavra de ir, perdão. E de nada.
  - Gordito.
  - Ei, falando nisso - divertido. -, descobri que seu nome em espanhol é cielo em espanhol, acredita? Posso te chamar disso agora, já que você não aceita eu te chamando de amor.
  Quase gargalhei. Ele estava estacionando perto da minha casa.
  - Claro, se você acha legal me chamar pelo apelido que Miguel me chamava, tudo bem - irônica.
  - Cancela o cielo - falou com nojo. Eu amava o conceito de odiar Miguel antes mesmo de sentir algo por mim. Acho que ele tinha um bom medidor de caráter de pessoas, apesar dele ser um bundão que acha que todo mundo é legal. Interessante a única pessoa que ele não gosta no mundo ser o meu ex namorado.
  - Lembra quando eu saí com esses dias?
  - E vocês apareceram bêbadas lá em casa? Lógico. Tive que passar álcool em gel em todas as coisas que vocês tocaram. - Abaixou o rádio e ficamos no escuro, apenas conversando.
  - Miguel apareceu lá - comentei como se não fosse nada. travou.
  - Interessante, não sabia que ele tinha voltado da… puta que pariu. Sei lá onde ele estava. - Apesar de incomodado, tentava manter o ponto.
  - Austrália. Pois é, voltou. E alguém disse que eu estava indo na inauguração da Type e ele apareceu lá também.
  - E ele estava mirando em você - parecia inacreditável - fantástico. E aí? Conversaram? Se sim, claramente não renasceu chamas do passado.
  Deu um sorriso arrogante olhando para minha mão que estava pousada em seu joelho, deixando claro que em uma inexistente competição, ele já tinha ganhado. Dei um leve sorriso, revirando os olhos.
  - Dei um soco nele.
  - É claro que você fez isso… - parou um segundo. - Pera, você fez o quê?
  - Soquei a cara daquele idiota, é claro. Ele era um imbecil. Sinceramente, vocês garotos falavam dele mas eu nunca acreditei, achei que era só uma inveja boba, mas depois que ele falou daquela forma comigo, não aguentei e arrebentei a cara dele, foi bem bonito pra falar a verdade, considerando o nível de álcool na minha veia.
  Engraçado que eu confiava o suficiente no para falar sobre isso sabendo que ele não faria nada estúpido porque eu conhecia a natureza dele.
  - O que ele falou pra você? Você quer que eu o mate?
  Esquece o que eu disse.
  - Bom, primeiro ele só me cumprimentou e deu alguns flertes - gesticulei. - Depois ele me beijou e...
   abriu a porta do carro e bateu ela, puto da vida. Fiquei sentada esperando seu próximo passo. Ele andou ao redor do carro sem rumo algum, pisando com força, abriu a porta do motorista novamente e se sentou. Respirou fundo algumas vezes e sorriu pra mim.
  - Já acabou? - ri.
  - Sim.
  Eu juro que é daquelas pessoas que prefere meditar antes de falar algum palavrão.
  O ciúme em forma de gente estava ali. Mas era gente comedida e engraçado de assistir.
  - Continuando. Ele tentou me beijar, pra falar a verdade, e eu empurrei ele, o xinguei de alguns nomes e ele começou a falar dos meus amigos, foi aí que fiquei puta de verdade e dei um soco naquela cara feia dele.
  - Eu não teria feito melhor - me elogiou e segurou meu rosto, me dando um beijo rápido como presente pela minha ação.
  Eu ri e mantivemos o silêncio por um instante, apenas nos olhando. Um beijo dele era o suficiente pra me deixar perdida.
   era compreensivo, uma pessoa incrível, apesar de ele ter absolutamente zero motivos para se importar, ele não queria atravessar uma linha estressante tão cedo em nossa relação. Eu sabia disso, ele sabia disso. Mas eu queria deixa-lo mais confiante, mais confortável. E ele estava um passo pra trás disso. Porém comigo tudo rolava na verdade, e eu precisava contar aquilo pra ele, mesmo que destruísse tudo.
  Porque no fundo, eu tinha certeza de que éramos mais fortes do que uma situação tão inútil quanto foi aquela, que me fez realizar coisas gigantescas.
  - O que foi? - Me virei, sentando confortavelmente com as pernas no banco depois de tirar meus sapatos.
  - Nada é só que… hoje foi bom né? - sorriu relaxado. - Eu gostei daquele filme, apesar de ficar com pena do nosso amigo Frank.
  - É, Frank não teve sorte no jogo e muito menos no amor. - Fiz bico.
  - E Frank não vai nem precisar ir pro Japão. - Ele suspirou, escondendo a cabeça no volante. Ouch. A craqueada que meu coração recebeu agora poderia me deixar amarga, mas compreendi que tinha coisas em mente com aquilo.
  - Hey… fala comigo. Eu posso ser péssima em me abrir mas você definitivamente não é , e você pode me contar tudo o que está pensando.
  Ele parecia cansado quando levantou a cabeça, mas sorriu pra mim.
  - Não parece real. Ainda não.
  - O quê?
  - Nós dois. Acho que fiquei tanto tempo idealizando isso que agora sinto que em um segundo tudo vai acabar e você não é minha por completo. Você tem muitas paredes, , e eu queria quebrar todas elas pra ser o único no seu coração, mas acho que não vamos ter tempo o suficiente pra isso. e agora você só está tendo uma mini visão de mim. Eu sou chato, sou grudento, puxa saco, faço piadas com sequestro porque você pode ser irritante, de um jeito que infelizmente eu curto, e também sou bem ciumento.
  Gargalhei. Ele revirou os olhos. Qual é, não consigo falar sério por muito tempo. E os surtos de declaração dele simplesmente em momentos mais aleatórios eram engraçados.
  - Uau, , você é horrível, tem um lugar na cadeia pra você - continuei rindo. Ele se deu por vencido e riu de leve.
  Aumentei o rádio quando começou uma das minhas favoritas.
  - Será que seu pai está nos espionando da janela pra ver se acontece alguma coisa e ele tem motivos pra me matar? - comentou em falso apavoramento.
  - Se estiver, ele não tá perdendo nada - reclamei, insinuosamente. sorriu.
  - Então vamos fazer valer a pena - ele puxou o engate do meu banco e aumentou a música antes de se encaixar em cima de mim. Bastava o calor do corpo dele em cima do meu pra tudo incendiar.
  - Oi. - Mordi o lábio com seu rosto colado no meu. Ele me deu um selinho.
  - Oi.
  O selinho rapidamente virou um beijo e abri minhas pernas fazendo com que ele se encaixasse melhor em cima de mim.
  A boca dele era macia e delicada, mas mandava em todo o ritmo do beijo. Mais uma vez estávamos nos pegando em seu carro e nada acontecia pra valer. Não tínhamos levado nada até o fim ainda, e parecia que cada vez ficava pior para aguentar. Em qualquer segundo eu explodiria.
  Sua mão passeou pelo meu corpo e estávamos sem fôlego, chupei seu pescoço e ele gemeu, me deixando louca com a sua voz rouca e grossa. Seus braços eram o lugar perfeito pra mim, estava tão quente e ele era tão gostoso que achei que pudesse morrer de vontade. Não sei exatamente a vontade do que, mas eu queria fazer de tudo com ele.
  Perdemos completamente todo o oxigênio e não ligamos porque a necessidade da boca um do outro estava acima de qualquer outra vontade básica. Ele lambeu meu lábio com vontade enquanto ia descendo a cabeça. Sua mão passeava por todo meu corpo, apertando minha bunda e cintura, até que a boca chegou no meu decote e ele abaixou a camiseta, se aproveitando da pouca pele aparecendo ali.
  Infelizmente a razão aparece como um sinal na minha cabeça e me lembrei de onde estava.
  - , é meia noite, meus pais estão me esperando.
  Ele ignorou completamente e continuou me beijando. Gemi sem controle quando ele fez questão de apertar seu corpo contra as minhas pernas ainda abertas. Não contive o sorriso.
  - Para idiota, tá difícil aqui. - Puxei sua cabeça pra cima.
  - Tá difícil pra você? Tá impossível pra mim. - Parou com os movimentos e deitou em cima do meu corpo fechando os olhos em meu ombro. - Saia, criatura monstruosa.
  Arrumamos o banco e tentamos voltar ao normal, mesmo com o tesão tremendo ainda. Ele tava duro e eu tava molhada, pra exemplificar.
  - Tá tudo escuro… - olhou pra minha casa e notei isso pela primeira vez.
  - Eles saíram pra jogar cartas na minha tia mais cedo… não devem ter voltado ainda.
  - Isso quer dizer que você ainda tem um tempinho - tentou manter a calma na voz e cortei suas asinhas.
  - Se meu pai chegar e te ver aqui morre eu e depois você.
  - Tudo bem - se deu por vencido. Acho que ele tem um pequeno medo depois que meu pai o perseguiu no ano novo.
  - Eu não vou te beijar de novo. - Peguei minhas coisas e saí do carro.
  - Nem queria mesmo - emburrado, fez bico.
  - Se te beijasse, não ia ter controle pra sair desse carro. - Pisquei e entrei dentro de casa. Quando bati a porta, esperei ele ligar o carro e ir embora. não fez isso e pensei uns minutos, contendo a tentação.
  Peguei meu celular e disquei seu número. Ele atendeu na hora.
  - Sim? - Senti ele sorrindo arrogante do outro lado da linha.
  - Meu pai te mataria se te visse aqui, mas ele não me deu hora pra voltar…
  - Continue.
  - É que eu to morrendo de medo de ficar sozinha, sabe?
  - Compreensivo.
  - Posso dormir no seu apartamento?
  - Vem. - Desligou.

***
Greene

  O casaco de ficou no carro. Nosso pudor foi perdido no elevador quando fomos flagrados no meio de um beijo pela senhora de 78 anos que era minha vizinha. Tentei não rir de minha namorada completamente vermelha pelo flagrante.
  Antes de agirmos novamente como neandertais, a porta estava aberta. Minha camisa e a sua sumiram pela sala, nossas calças pelo corredor e as meias no quarto.
  Coloquei em meu colo antes de deitar em cima dela pela cama, com calma. Eu tinha que aproveitar tudo aquilo. Eu tentei manter a calma. Não foi possível.
  Em um segundo eu estava apertando sua coxa no meio do beijo e gemeu forte contra a minha boca. Ela olhou pra mim com mais malícia ainda e acho que de uma coisa eu estava certo: não queria ser tratada como uma bonequinha de pano, não, longe disso. Ela precisava ser tratada com a mulher gostosa que ela era.
  A visão do seu corpo me matou. Ainda era como uma sonho distante tê-la ali na minha cama, pronta pra mim, seminua, aberta e molhada, esperando obediente cada movimento meu.
  E se eu estava ruim, meus caros, o momento em que seu sutiã caiu, meus últimos resquícios de sanidade se foram também. Tomei-a na boca, uma de cada vez, levando meu tempo. se contorcia embaixo de mim, puxando meu cabelo, arranhando minhas costas chegando a apertar minha bunda. Sorri distribuindo beijos pelo seu colo e ela trouxe minha cabeça pra cima, me beijando em desespero.
  Seus pés fizeram o trabalho de tirar minha cueca e ri de leve entre o beijo, ajudando a me livrar daquele desconforto em forma de pano.
  Depois de tirarmos a minha, fomos em direção à dela. Ajudei a tirar sua calcinha e mordi de leve a canela, passando meu nariz por toda sua pele macia e cheirosa até chegar naquele ponto delicioso que por um milagre já tive o prazer de conhecer, mesmo que por pouco tempo.
  Ela tentou me tirar dali e fiquei bravo, querendo fazer o serviço completo.
  Ela estava errada e isso era completamente inválido.
  - se você nao me comer agora eu vou explodir.
  Ela estava completamente certa e tinha um ponto decisivo.
  Peguei uma camisinha na gaveta e coloquei rapidamente, e então tive uma fotografia mental dela completamente nua com os cabelos suados olhando pra mim. Indescritível. Não era à toa que eu tinha dito que a amava, pra falar a verdade.
  Tudo bem que ela estava completamente vestida e apenas sorrindo para mim quando eu disse isso, mas enfim…
   não era baixinha, mas também não tinha minha altura, então quando eu deitava por cima dela, ela sumia por baixo do meu corpo. Tudo ficava quente. Com um braço dobrado na cama, o outro encaixava meu membro na sua abertura encharcada. Ela tremeu, me empurrando contra ela com suas pernas nos puxando mais próximos.
  Mordi seu queixo e esperei por alguma coisa.
  Ela iria desistir, não iria?
  Algo sempre nos atrapalhava.
  - … - gemeu meu nome e qualquer merda que ela me pedisse agora… seria praticamente impossível de fazer. - Me fode.
  Puta que pariu. Isso eu posso fazer sim.
  Invadi sua carne quente com força e quis urrar. Tipo aqueles caras babacas de academia que faziam um big deal por qualquer coisa, porém isso aqui realmente era uma coisa gigantesca.
  Por todas as vezes que sonhei com ela e sequer podia elogiá-la no dia a dia sem medo de estragar toda nossa amizade. Pelos anos que ela perdeu com todos os caras idiotas de seu passado, e não estava passando esse tempo comigo.
  Estabeleci um ritmo gostoso e ela quis tomar o controle. Em um segundo estava rebolando em cima de mim, com extrema lentidão, me fazendo suar frio procurando por mais, mesmo estando já satisfeito com o que tinha. Queria tudo e nada ao mesmo tempo.
  Ela mordia o lábio grosso com uma cara de safada que nunca imaginei uma garota de sua idade poderia fazer. Se ela me pedisse pra latir agora, talvez eu não negaria. Ela sabia exatamente o que estava fazendo enquanto cavalgava e moldava aquela cintura em cima de mim. Comecei a estocar por baixo dela com mais força, e ela tremia, sem se conter, gemia alto.
  - É bom termos o andar inteiro só pra nós - soltou em meio aos próprios sons, com um leve sorriso e os olhos fechados.
  Sentei em uma altura suficiente para chupar tudo que eu tinha direito no seu colo e ela tirou o cabelo do rosto, completamente suada.
  Joguei ela na cama outra vez e neste momento Vega estava de quatro pra mim. Um tapa na sua bunda e ficou vermelha. A marca do biquíni salientava a sua pele bronzeada a deixando ainda mais deliciosa. Em mais um movimento eu estava por cima dela outra vez, olhando profundamente dentro de seus olhos.
  Ali foi diferente. Estávamos quase abraçados, os movimentos lentos e ela não tirava os olhos dos meus. Nunca tínhamos nos conectado de uma forma tão intensa antes, seu corpo encaixava no meu, sua pele estava na minha, ela era dona dos meus pensamentos e principalmente do meu coração. Amor era uma coisa engraçada, mas quando no auge, trazia uma felicidade que consumia tudo.
  Ela mordeu meu pescoço, perdendo nosso olhar e foquei outra vez.
  - eu vou… - engasgou quando estoquei mais uma vez e soltou um grito mais alto entre seu gemido. Naquela posição eu tinha encontrado um ponto mais sensível dentro dela e eu iria aproveitá-lo.
  Impulsionei mais algumas vezes, devagar, esperando que ela implorasse. Eu estava quase chegando no meu ponto, mas iria aguentar. Era nossa primeira vez e tínhamos que manter a sintonia aqui.
  - Puta que pariu… - Ela se apertou em mim, e eu iria implorar agora, porque nem Gandhi aguentaria.
  - Goza pra mim amor… pode gozar… tô só te esperando, amor, por favor, a gente quer isso faz tanto tempo.
  Ela não aguentou.
   gozou com a minha boca na sua e neste mesmo momento esvaziei, deixando toda a frustração e tesão que tive por anos por aquele caralho de garota irem pro céu, porque agora ela era minha.
  Ficamos um tempo deitados daquela forma até nossa respiração voltar ao normal. Quando notei, estava completamente relaxada, sorrindo sozinha.
  - Quem diria, hein, playboy? - eu ri de leve. De alguma forma, me sentindo lisonjeado.
  - Não era óbvio? Nascemos um para o outro, minha linda. - Me perdi no cheiro de seu cabelo enquanto ela fazia um carinho nas minhas costas, um arrepio de leve com suas unhas vermelhas e compridas.
  - Eu estou com três questões em mente. Você pode me responder uma delas.
  - Todas. Pode mandar. - Saí de cima dela, mas ainda estávamos grudados, apenas não queria esmagá-la com meu peso.
  - Eu vou dormir aqui - deixou claro.
  - Não é uma pergunta - ri.
  - Estou apenas constatando. Comigo não tem esse draminha de você me comer e depois da foda não olhar pra minha cara e eu me fingir de humilde e falar que posso ir pra casa porque estou com medo de incomodar. Ou seja, vou dormir aqui, e espero café da manhã na cama, tá bem, loirinho?
  - O que você não pede sorrindo que eu não faço chorando? - Soprei seu rosto. Ela lambeu minha boca.
  - Nada. - É agora que eu lato e digo que ela tá certa? - E eu preciso de um banho.
  - Isso é um convite? - perguntei inocentemente.
  - Esse é o terceiro decreto, cabron.
  Sorriu meiga antes de me dar um selinho e descer dois andares com sua cabeça.
  Díos mio.

Capítulo 18


  - Você acha que é uma boa ideia, ? - Ana perguntou enquanto passeávamos com seu carro pelos bairros de lojas chiques de Los Angeles.
  Revirei os olhos. Por que as pessoas me tratavam como se eu fosse viciada em compras ou coisas do tipo? Essa era a antiga , agora eu sou uma nova pessoa. Essa nova personalidade é controlada.
  - É só uma comprinha, Ana, nada demais. Pode confiar! - Sorri confiante e apontei pra loja para minha motorista particular estacionar.
  Sim, era apenas uma comprinha. Eu tinha que comprar um vestido para o casamento do pai do , já que a noiva convidou pra ser a madrinha do casamento e não a melhor amiga do filho do noivo, que é como se fosse parte da família já que o pai do me viu de fraldas.
  Mas tudo bem, eu não sou rancorosa. E a prova viva disso é que não usarei branco no dia do casamento!
  - Vem, você vai me ajudar a escolher! - Puxei a minha amiga pelo branco, loja adentro. Ela se debateu um pouco, hesitante.
  - Eu não sou a … eu não tenho senso de moda algum! - suspirou.
  - Não diga isso… Você sabe que não é verdade. - É verdade sim, a coitada parecia eu antes da entrar na minha vida e me ensinar a me vestir. Mas minha melhor amiga andava ocupada trabalhando, então eu não podia chamar ela.
  Falando em trabalhar… eu tinha dado uma desculpa pra minha chefinha pra poder sair mais cedo e ir atrás do vestido. Ela achava que eu estava no dentista… Que desculpa eu teria que dar quando eu realmente tiver que ir no dentista?
  - Boa tarde, em que posso ajudar? - O sorriso de vendedora da vendedora era radiante. Me senti como em um flashback, na minha época de ouro onde eu entrava de loja em loja gastando todo o dinheiro do meu pai com coisas inúteis só porque eu achava a vendedora simpática e queria dar uma comissão pra coitada.
  - É só um vestido, … não esquece. - Provavelmente Ana reparou em meu olhar deslumbrado e já me apertou, já preparada pra caso eu surtasse e tivesse uma recaída.
  Coitada da Ana, se ela soubesse que eu mal tinha dinheiro pra pagar o vestido, imagina pra comprar um sapato e bolsa pra combinar…
  Mas não custa olhar, né?
  - Você pode me ajudar mostrando o melhor da loja! - Sorri e Ana ficou mais pálida que já era ao meu lado.
  O drama… Eu tenho autocontrole, não se preocupem, eu nunca mais vou exagerar em compras na minha vida!

***

  Voltei para casa com apenas uma sacola, a do vestido. Eu teria que me virar com um sapato e bolsa que já tivesse. Não seria tão difícil, eu com certeza tenho algo que nunca usei em meu armário que sirva.
  Ana me deixou em casa e foi embora aliviada porque não dei vexame. Eu só provei vários vestidos, escolhi o que estava mais em cima da minha renda e fui embora dando a desculpa que depois voltaria pra comprar o resto. Eu voltaria? Provavelmente. Compraria? Jamais.
  Assim que abri a porta de casa já fui recebida com uns berros vindo da sala de estar. A voz grossa do meu pai era rapidamente ofuscada pela os berros da minha avó.
  Entrei silenciosamente, não queria que notassem a minha presença até que eu conseguisse entender o que estavam conversando. Mas até então eram só gritos aleatórios e escandalosos. Eu permaneci quieta.
  - Você não pode entrar na minha casa e dizer como eu devo criar minha filha! - meu pai disse, dava pra sentir a irritação em seu tom.
  - Nossa filha, Victor! E ela é minha mãe, ela sabe o que é melhor pra .
  - Como que pode saber? - ele riu. - Sua mãe passa mais tempo viajando por aí, indo atrás de garotões da idade da . Realmente, ela deve conhecer bem o que se passa na cabeça deles!
  Coloquei a mão na boca. O golpe baixo… Fiquei até esperando um tapa da minha avó, mas ela não perdeu a classe.
  - Não que isso seja da sua conta Victor, mas eu não curto essa coisa. Diferente dos seus colegas e amigos. Metade deles são casados com garotinhas da idade da sua filha e você quer dizer que eu sou uma má influência pra minha neta? Se for assim, então é melhor você agir rápido, ou ano que vem ela estará velha demais pra casar com um dos seus amigos.
  Meu pai ficou vermelho, agora até eu achei que o ato violento partiria dele, mas ele não fez nada. Ainda bem.
  - Eu nunca faria isso com a - ele disse baixo, como se não quisesse que ninguém mais além que ele e minha avó ouvisse. - Ela não é esse tipo de mulher.
  Essa conversa estava um show dos horrores e eu me controlei pra não entrar na conversa e militar em cima do meu pai. Não tinha nada disso de “tipo de mulher”, que palhaçada é essa?
  - Essa conversa não vai chegar a lugar nenhum se continuarmos assim - finalmente minha mãe disse, tentando acalmar os ânimos gerais. - Minha mãe só quer o melhor pra , não tem nada de errado.
  - O melhor pra minha filha não é ficar longe de nós! - dessa vez meu pai quase gritou.
  Meus movimentos foram involuntários e logo eu já estava parada na sala de estar, chamando a atenção dos três.
  - Vocês querem me mandar embora? - perguntei e meu tom saiu quase infantil, como uma criança com medo de ser levada pelo homem do saco. - Eu sei que eu andei dando trabalhando esse ano e eu fiz umas coisas, mas…
  - Não é nada disso, - minha mãe me interrompeu, vindo até mim. - Fique calma, ninguém vai te mandar embora.
  - , vá pro seu quarto. Essa conversa não é pra você - meu pai disse, tentando me expulsar da conversa em que eu era o tópico principal.
  - Claro que é! Vocês dois estão berrando o meu nome como se fosse santo. Agora eu quero saber o que tá acontecendo. Agora! - Bati o pé, tentando soar autoritária mas por dentro eu tremia como um filhotinho assustado.
  - Você quer saber? - Meu pai se virou pra mim. - Sua avó quer te levar embora daqui, ela acha que eu sou um péssimo pai e você precisa morar com ela. E sua mãe tá apoiando essa ideia maldosa. Imagina, separar um pai e uma filha…
  Franzi o cenho. Do jeito que meu pai falava parecia ser pior do que era e sinceramente, não imagino que minha avó faria isso.
  - Por Deus, Victor, eu moro há uns 10 minutos da sua casa, na mesma cidade e pasmem, no mesmo país. Você realmente acha que eu vou sequestrar a e levar ela pra onde? Brasil? - A mais velha revirou os olhos. - Eu só acho que seria bom a passar um tempo comigo, muitas coisas aconteceram com ela esse ano e ela está apresentando várias mudanças, então nada melhor do que sair desse ambiente um pouco.
  - Longe de mim, não é? Por que eu sou o problema, certo?
  Eu não entendia o que meu pai dizia, se ele estava tentando fazer uma chantagem emocional pra amolecer ou se ele realmente estava chateado. Mas ele permanecia com a cara fechada dele, então eu não sabia bem.
  - Não entendo qual é o grande problema disso… eu adoraria ir morar com você vovó. - Dei os ombros. Na minha cabeça não havia maldade alguma nos gestos da minha avó.
  - O problema, , é que ela estava sabe-se lá onde todo esses meses, então ela chega como se nada tivesse acontecido e quer te tirar de casa pra viver a vida dela. A divertida, aventureira, glamurosa e promíscua vida que ela vive desde sempre. E eu me recuso, eu não aceito que minha única filha se transforme nisso… - gesticulou para a minha avó, como se ela fosse algo horripilante e nojento.
  - Não fale assim da minha mãe, Victor - minha mãe gritou com meu pai.
  - Por Deus… - Ele coçou as têmporas. - Parece que só eu vejo o tipo de lavagem cerebral essa mulher quer fazer com minha filha?
  - Vocês estão muito estressados… - reclamei. - Essa conversa não tem nem fundamento, vocês não podem discutir e decidir o que fazer da minha vida. Eu sou maior de idade, então… Se eu quiser ir com a minha avó ninguém pode me impedir e se eu quiser ficar também.
  - Viram, eu disse que ela ia escolher ficar em casa com sua família! - meu pai sorriu vitorioso, como se essa batalha fosse mais séria para ele do que para elas.
  - Eu não disse isso, pai…
  - Como é? - Agora meu pai estava focado e puto apenas comigo. É, foi bom enquanto durou, galera.
  - A decisão é minha. Eu sou maior de idade e independente, então se eu quiser sair de casa eu posso arcar com minha própria decisão. Se eu for morar com ela, não quer dizer que eu estou a escolhendo e muito menos que eu quero viver debaixo das asas dela como eu vivi debaixo das suas. Isso não é questão de preferência e sim do que é melhor para o meu futuro e talvez, só talvez, morar em um lugar diferente com uma diferente perspectiva me faça bem.
  Minha avó suspirou, com um sorriso no rosto. Ela segurou minha mão, orgulhosa de mim e de uma certa forma eu também estava orgulhosa. Minha vida estava caminhando em uma estrada diferente do que eu achava que seria quando o ano começou e mudanças eram necessárias.
  - Eu não aceito, eu não permito! - meu pai tentou mais uma vez.
  - Desculpa pai, mas essa decisão não é sua.
  - Ah é? - Veio até mim. Ele me olhava como se eu fosse uma criancinha malcriada e qual ele não levava a sério. - Quem paga por suas coisas mesmo, ?
  - Eu.
  Ele ficou vermelho. Mas não era mentira, faziam meses que eu comecei a trabalhar pelo meu próprio dinheiro e o que eu ganhava no brechó da Shania eu comprava minhas coisas.
  - E quem paga pelos seus estudos mesmo? - Dessa vez eu me calei, isso de fato era coisa dele. - Se calou, é? Pois bem, se você seguir com esse desrespeito de ir morar com sua avózinha querida, eu paro de pagar a Hearst e você, com todo o dinheiro que você ganha vendendo roupa usada dos outros, se vire para conseguir uma educação superior de qualidade.
  Todo mundo ficou em silêncio de novo e meu pai tinha um sorriso vitorioso no rosto.
  Isso partiu meu coração em migalhas. Eu sabia que meu pai não queria dizer essas coisas, no fundo, beeeem lá no fundo, ele não queria. Ele não era essa pessoa, mas esse orgulho e essa fome dele de sempre estar certo e sempre sair por cima o cegava.
  E ver o homem que eu mais amava mesmo cheio de falhas e realmente, bem cheio de falhas mesmo, me tratar assim era de partir o coração.
  - E eu vou conseguir, porque eu não desisto e vou me formar pagando minha faculdade com meu dinheiro ganhado vendendo roupas usadas dos outros. Não se preocupe, suas migalhas não me farão falta. Mas pode ter certeza que eu vou fazer falta.
  Meu pai fechou a cara e por um segundo vi arrependimento em sua cara. Eu passei por ele, sem deixar que dissesse algo mais.
  Fui subindo direto pro meu quarto. Eu daria um tempo, talvez uma meia horinha pra que ele batesse na minha porta pedindo desculpas e para que possamos resolver isso de boa, sem brigas. Eu não queria cortar meu pai assim.
  Respirei fundo e tirei a mala guardada de debaixo da minha cama. Era só esperar que ele viria, eu sei que ele viria. Ele não me deixaria ir embora com raiva dele.

***

  Quarenta minutos se passaram e ele não veio. Eu esperei mais dez só pra caso o relógio dele estivesse um pouco atrasado, mas ele realmente nem se importou com o fato de ter magoado sua própria filha com toda a sua ignorância e egoísmo.
  A ficha só caiu quando minha mala estava pronta.
  Não levaria muita coisa, mas era tudo que comprei com meu dinheiro ou que foi presente de terceiros. Nada que ele me deu ou que eu comprei com o dinheiro dele eu levaria, seria melhor assim. Eu não queria que ele achasse que ele tem ainda qualquer controle de posse sobre mim.
  Quando cheguei novamente na sala de estar, tudo estava em um silêncio. O único som era o meu resmungando enquanto arrastava minhas malas pesadas. Eu devia ter mandado mensagem pro Ethan vir me ajudar… pra isso que namorados servem hoje em dia.
  Meu pai estava sentado no sofá em silêncio, com as mãos no rosto. Eu conseguia perceber que ele estava mal também. Mas de uma certa forma, talvez isso fosse preciso. Meu pai precisava mudar, assim como eu. E são situações assim que nos empurram pra frente, pra ver as coisas novas e evoluir.
  Esperava que ele evoluísse também.
  - Já preparei o carro, vamos? - vovó apareceu e sorriu carinhosa pra mim. Eu assenti.
  Meu pai levantou a cabeça assim que ouviu a voz da minha avó e pude ver seu rosto, ele tinha chorado um pouco e eu poderia dizer que nunca o vi chorar, mas é mentira, porque eu já o vi chorar uma vez, quando eu tinha 5 anos e eu fiz uma performance de dia dos pais pra ele, cantei tudo. Ele chorou e me abraçou dizendo que eu era a melhor filha do mundo.
  Me pergunto quando aquele homem foi embora, dando lugar a esse pedaço de gelo inquebrável.
  - … - Ele se levantou e veio até mim. - Vamos conversar sobre isso… não precisa ir embora assim, minha filha. Eu sinto muito, por favor…
  - Vai ser melhor assim - disse, tentando soar fria. - O senhor ficará melhor sem mim, uma boca a menos pra alimentar e uma desgraça a menos pra você.
  - Não diga isso…
  - Vamos vovó? - perguntei, passando por ele e indo em direção à porta. A mais velha assentiu.
  Ir embora não era fácil, principalmente da casa em que cresci e principalmente deixar o meu pai pra trás. Principalmente depois de vê-lo daquela forma, vulnerável e arrependido. Mas eu não podia abrir mão da minha única chance de mudar. E só assim ele talvez entendesse a importância que eu tenho em sua vida.
  Afinal, eu sou sua única filha. Eu deveria ser mais importante que sua religião, seus costumes, suas regras e seus pensamentos. E se um dia ele voltasse a ser o pai doce, carinhoso e que era o meu herói, eu estaria aqui.
  E então, ele poderia viver uma nova vida com a gente. Quem sabe um dia…

***

  : Ratinha?
  Tá aí?
  Fala alguma coisa caralho

  O dia chegou, o dia do juízo final. O dia em que eu finalmente ignorei uma mensagem de Miura de propósito. Pois é, choveria canivetes.
  A verdade é que eu não queria falar com ninguém. Depois de ir embora de casa, fomos pra casa da minha avó e eu passei o dia inteiro arrumando meu novo quarto, me adaptando ao meu novo lar.
  Não era uma mansão. Era um apartamento simples em um dos bairros movimentados e populosos de Los Angeles. Era um prédio antigo, aqueles que tem até escadas do lado de fora. Eu até comecei a imaginar uma grande cena de ação, onde eu tenho que fugir pelas escadas antes do prédio explodir ou como eu fugiria de um serial killer…
  Já estava dando importância para aquilo, pra que seja mais só que uma forma do Ethan invadir meu quarto sem passar pela minha avó.
  Ethan... outra pessoa que eu estava ignorando.
  Não era minha intenção ignorar meus amigos, mas eu precisava desse tempo pra mim. Até , que, não satisfeito de ser ignorado por mim, ligou pra minha mãe, que inventou uma desculpa pra que eu não atendesse.
  Sim, minha mãe mentindo pro . Quem diria né?
  Ninguém sabia o que aconteceu. Eu não contei pra ninguém e eu sabia que nem minha mãe ou minha avó contariam, então dava pra todo mundo achar que eu só estava dando uma de e fazendo drama por alguma coisa aleatória por ser uma patricinha que tava ótimo.
  Seria mais difícil explicar que no próximo semestre eu não estaria na Hearst... Isso sim seria um dramalhão, com choro e abraços. Imagina? Eu e , que lutamos tanto pra fazer as Zetas saírem do zero à zero saindo da Hearst antes das próprias formandas.
  - Filha? Tá tudo bem? - mamãe entrou no meu quarto, se sentando ao meu lado. - Gostei com o que fez com o quarto - sorriu.
  Eu nem havia começado a decorar, baixou a arquiteta em mim e eu já pensava nas paredes que ia pintar e em cada detalhe. Queria fazer um quarto colorido, bem chamativo, cheio de coisas que eu gostava e era a minha cara, pra me sentir confortável. Pra ser meu lugar seguro, porque pelo rumo que estão as coisas eu não vou querer sair daqui tão cedo.
  - Eu tenho um presente pra você…
  - É de beber? - brinquei e ela fechou a cara. É, minha mãe não aceitaria muito bem a alcoólatra. - O que é?
  - Bom, já que você vai ficar aqui sozinha com sua avó e sua avó é um pouco, bom… doida. Eu achei que seria bom te dar algo pra fazer companhia… - dito isso, ela saiu do quarto por alguns segundos e voltou, com uma gatinha no colo. - Adotei pra você, já que bom, a Marie vai ficar comigo lá em casa - sorriu.
  Peguei o bichinho no colo e meu instinto de mãe apitou, apertei o bichinho e abracei. Eu sei que gatos não gostam muito de beijos e abraços, mas enquanto ela não arranhar minha cara ou furar meus olhos eu não vou largar ela.
  Ela miou em resposta. Então ou a) ela gostou de mim; b) quer comida; c) me odeia e quer me matar. Eu vou fingir que é a primeira opção.
  - Qual vai ser o nome? - mamãe perguntou com um sorriso no rosto.
  - Não sei… ela tem cara de Valentina…
  Minha mãe me encarou como se eu fosse louca.
  - Sério, ? Sério?
  Eu ri.
  A melhor opção pra escolher um nome pra ela é pedir pros meus amigos darem sugestões, então vamos separar os melhores e entrar em uma grande discussão pra ver qual nome é o melhor. Algo bem adulto mesmo.
  - O papai tá bem? - perguntei, mudando totalmente o assunto, mesmo não tendo certeza que queria tocar nesse assunto.
  Minha mãe decidiu ficar em casa com ele, pra garantir que alguma mudança aconteceria na cabeça dele. Eu achei perda de tempo e minha avó também, mas ela não queria desistir do meu pai mesmo sabendo que talvez fosse a única forma.
  - Não. - Deu os ombros. - Mas vai passar e ele vai melhorar… Está sentindo sua falta, só não quer admitir. E inclusive, ele não vai parar de pagar a Hearst, fique tranquila.
  - Eu não quero que ele pague pra depois ficar esfregando na minha cara que tá me “ajudando” - me defendi. - E eu posso ir atrás de um empréstimo estudantil, não posso? A reitora me conhece, sabe minhas notas, ela vai apoiar. Não quero nada dele que não seja sincero.
  - , não se preocupa, ele não tá fazendo isso pra esfregar na sua cara ou se gabar, ele tá fazendo por remorso e porque te ama, mesmo pisando na bola sempre. Ele entendeu da pior forma que você não é criança e não é um brinquedinho, que você tem muito mais dele dentro de si do que ele mesmo imaginava. Agora ele vai arcar com isso, sozinho, no tempo dele. Resta saber o que ele vai fazer com isso.
  - Algo bom pode sair disso?
  Eu queria que sim, eu queria que depois de hoje só bons frutos fossem colhidos, mas minha mãe não parecia tão otimista.
  - Sinceramente? Eu não sei. Não faço ideia o que aconteceu com o seu pai, onde foi que ele se perdeu e se transformou naquilo. Não sei se foi a pressão do seu avô, não sei se foi a pressão do ambiente que ele vive, com as pessoas ao redor sempre cobrando e dizendo o que é certo, o que é errado, o que um homem de Deus deve fazer e não fazer… sinceramente, eu não faço ideia. Mas o círculo vicioso dele foi quebrado com você indo embora e comigo me impondo, exigindo mudança e melhorias. Agora é só esperar pra ver se aquele homem que eu me casei e com quem me ajudou a ter a melhor coisa pra minha vida ainda existe lá no fundo.
  - Pera… - Franzi o cenho. - Eu sou a coisa?
  Minha mãe riu, me abraçando de lado.
  - Sim, , é você. - Sorriu, segurando meu rosto com as duas mãos. - E eu te amo minha filha e estou muito orgulhosa da mulher que você tá se tornando. Nunca se esqueça disso. E pode ter certeza que um dia seu pai estará dizendo o mesmo, assim que ele se desprender dessas amarras que o prendem no lugar.
  Sorri.
  - Eu vou esperar por esse dia, então.
  E assim a minha nova gatinha miou novamente, enquanto olhava pra nós duas com seus enormes olhos verdes. O miado fino doía até nos ouvidos.
  - Mia… seu nome vai ser Mia!

***

  - Não acredito que não vamos mais ser vizinhos - disse, enquanto carregava meu almoço. Estava sensível ainda, precisava ser mimada pelos meus amigos com braços fortes e barrigas tanquinho.
  - Nós não vamos ser vizinhos do mesmo jeito , lembra? Você vai se mudar pra outro continente! - ataquei ele, mas mantendo a classe. Wallace tentou não rir da cara do loiro que não esperou, mas recebeu.
  - Eu vou sentir mais falta da piscina… você tinha uma boa piscina, . Você era a nossa amiga com piscina - Wall sorriu, enquanto encarava o horizonte e lembrando das memórias inesquecíveis na nossa piscina.
  Eu lembro bem, o tem até hoje uma cicatriz porque se machucou enquanto brincava com Wallace na minha piscina. Foi sangue por todo o lado, fico até bamba só de lembrar.
  Nos sentamos na nossa mesa padrão, eu, Wall e . O resto dos nossos amigos tinham sumido. O que era engraçado, porque quando eu sumi todo mundo fez um dramalhão como se eu tivesse morrido.
  Inclusive a , que estava me ignorando de volta… Ai ai, o karma.
  - Alguém viu o Ethan? - perguntei, mas deu os ombros e Wallace disse que não sabia. Engraçado porque o Ethan vive grudado no Dick, que é namoradinho do Wall e se ele não sabe…
  Muitas coisas engraçadas e humorísticas acontecendo hoje, hm.
  Mas só de falar no diabo, Ethan apareceu correndo e todo suado. Ele correu até a nossa mesa e me segurou, me chacoalhou e eu não entendi se isso era saudades ou ele queria me matar.
  - , saiu o resultado lá do estágio que você se inscreveu! Eu vi os seus outros amigos nerds falando sobre, vim correndo de avisar, quase atropelei um nerd no meio do caminho, tô até com remorso.
  - O QUÊ? POR QUE VOCÊ NÃO FALOU ANTES ETHAN? VOCÊ ME ODEIA? - Me levantei disparada. - CORRE HOMEM, ME MOSTRA, CADÊ.
  Ethan segurou firme na minha mão e saiu disparado comigo junto. Corremos pelos corredores e quase atropelamos uma galera. Nunca vi tanta gente parada no corredor na vida, eu fiquei berrando pra saírem do meio que nem uma louca e eles nem ao menos se importaram… A educação…
  Parei na frente do folheto no quadro de avisos e empurrei um povo, porque eu era mais importante que eles. Estava confiante, esse estágio era meu. Eu tive uma conexão com Stella Louise, o feminismo reinou naquela entrevista e eu tenho certeza que sou a mais qualificada.
  Mas quando li o nome masculino, quase dei um ataque de pelanca. Como que é isso? Eu aceitaria perder pra outra mulher, mas pra um homem? Um homem??? Não, não, isso tá errado.
  E lá estava o cara comemorando com os amigos o estágio que ele roubou de mim por causa do seu privilégio. Isso é muito injusto e eu sei de quem isso é culpa… do presidente.
  - Eu devia ter atropelado ele… - Ethan resmungou do meu lado.
  - O que ele tem que eu não tenho? - fiz bico. - Além da beleza, classe, inteligência, influencia, estilo, personalidade e relevância?
  - Uma ficha limpa - ouvi a voz de uma ratazana atrás de mim e eu fiquei vermelha. Me virei pra Rachel e Ethan me segurou, só pra garantir. O nariz dela estava diferente, ela realmente aproveitou pra fazer uma rino… De nada, querida.
  - Como é, Rachel?
  - Por favor, você achou que não ia ficar registrado na sua ficha que você foi suspensa por agredir uma colega indefesa? - ela riu. - Pobre ingênua … É difícil pensar sem a do lado né?
  Ela tinha razão, não tinha? Eles devem ter ido atrás da minha ficha e então viram que eu quebrei o nariz da Rachel, fui suspensa e por isso não me deram a vaga. Minha ficha estava sujíssima por causa disso…
  Destruíram meu sonho.
  - Sinto muito, , mas é bem feito pra você aprender como é a vida real, sem ninguém facilitando só porque você é bonitinha, rica e popular. E se o gosto for ruim, você pode sempre voltar com o rabinho entre as pernas a ser aquela dondoca.
  - Vamos , não dê ouvidos… Ela só quer te provocar.
  Não tinha como não dar ouvidos, a Rachel tinha razão. Eu achava que a vida era fácil e as coisas viriam fáceis pra mim sempre, mas não vinham. Agora tinha que arcar com minhas decisões e pra piorar, eu nem tinha mais como voltar pra barra da calça do meu pai, afinal, eu estraguei tudo com ele também.
  O sorrisinho no rosto da Rachel me estressou e não era um bom dia pra aguentar as merdas dela. Fiquei em sua frente e a empurrei, ela cambaleou e caiu pra trás. Passei por ela e saí do prédio da Hearst enquanto Ethan berrava, me chamando.
  A merda já estava feita, agora eu só ia me lambuzar mesmo. Melhor do que chorar pelo leite derramado, né?

***
Ethan

  Ethan: , tá tudo bem?
  Por favor, dá notícia
  

  Cheguei na centésima mensagem em algumas horas, provavelmente a milésima ligação e não havia sinal nenhum de . Eu estava preocupado? Imagina.
  Depois do que aconteceu na Hearst, ela desapareceu. Consegui convencer a Rachel a ficar quieta e não entregar a , ela não precisava de mais uma suspensão pra ficar na ficha dela. Era o mínimo, já que foi Rachel quem provocou tudo de novo.
  Liguei pra todos do grupo e ninguém sabia dela, a única que não respondeu foi porque ela estava trabalhando, mas se nem sabia dela muito menos a saberia, já que o né… quase são gêmeos de outra mãe.
  O ápice da minha preocupação foi quando a mãe de me procurou. Sim, ela mesma. Ela veio me perguntar de que não havia visto desde que saiu pra Hearst, ou seja, a ex-loirinha deu um chá de sumiço e sabe-se lá Deus onde se enfiou.
  Entendem agora minha preocupação?
   é uma garota forte que tá lutando pra caralho pra se tornar independente e criar uma vida maior que o pai dela deixa ela ter. Mas a já passou por muita coisa ruim esse ano, muitas situações que ela lidou bem. Com alguns surtos? Talvez. Mas melhor do que muita gente lidaria.
  Então ela do nada desaparece.
  Eu juro que procurei por cada liquidação de Los Angeles porque vai que ela só precisava fazer umas comprinhas, mas nada. Ninguém sabia dela.
  Então só tinha uma última opção: eu não queria causar caos generalizado, mas eu criaria um caos generalizado.
  Seria a porra da Marina Joyce agora.

***

  Estava cuidando de umas prateleiras e o silêncio reinava na Marc Fontaine. Era impressionante ver essa loja pacata tão perto da época de presentes e afins.
  A paz foi interrompida com Ethan entrando pela loja. Ele estava suado e ofegante, descabelado e pela cara estava em pânico.
  - Qué pasó, cabrón? - perguntei.
  - A sumiu! - disse completamente desesperado. Revirei os olhos. Sério que ele tá surtando por causa disso.
  - Ela não sumiu, Ethan - ri. - Ela só deve estar fazendo alguma coisa... Você também é grudento, né.
  Dessa vez ele revirou os olhos.
  - Não, , é sério! - Agora seu tom me preocupou um pouco. - Você sabe que ela e o pai brigaram né? Ela saiu de casa e tudo mais…
  - Sim Ethan, eu sei disso. Ela me mandou umas 50 mensagens contando o acontecido.
  - Então, só que não basta isso, ela perdeu aquela vaga daquele estágio que ela tanto queria e então a Rachel foi provocar ela, disse que foi por causa da ficha dela e disse umas coisas, a se irritou e…
  - Ela quebrou o nariz da Rachel de novo? Meu Deus…
  - Não - negou com a cabeça. - Só empurrou a menina. - Graças a Deus, se ela continuasse quebrando o nariz daquele espírito da Mansão Hill logo seria presa e ninguém aqui tem condição de pagar um advogado pra ela.
  Ok, então a surtou e agrediu novamente a Rachel porque ela foi provocada, o que é de se esperar se tratando da Rachel que é pior que o diabo. Então desapareceu? Hm.
  - Você já procurou em…
  - Em todas as lojas de departamento que a pudesse ir? Já! - respondeu apressado. É, o lance era sério.
  Olhei para os lados pra garantir que não tinha nenhuma testemunha por perto e fui rápido até Ethan, segurando ele pela gola do moletom e puxando ele, com força, do chão.
  - Ok cabrón, o que você fez com ela, hein? O que você disse pra ela surtar e sumir da face da Terra? Eu juro por Dios que eu te mato e escondo o corpo se eu souber que você fez mal pra minha amiga e algo acontecer com ela por causa disso. A é surtada e não deve ser maltratada.
  - Eu não fiz nada, eu juro, eu juro. - Ethan estava com os olhos arregalados e suando frio. Ele estava desesperado então provavelmente não é culpa dele.
  O soltei delicadamente e ajeitei o meu macacão, fingindo que nada aconteceu.
  - Desculpa, era procedimento de praxe mesmo, só pra garantir - ele assentiu, tentando fingir que nada aconteceu. - Ok, é mais sério do que eu esperava… Uma fazendo drama a gente sabe lidar, mas uma irritada e sem nada a perder…
  - E agora , o que a gente faz?
  Respirei fundo.
  - Eu sei de um lugar em que a possa estar. Você vai atrás dela e me mande notícias caso a encontre, ok? Não posso sair daqui. Até minha alma tá devendo coisa pro meu chefe nesse momento.
  Ele assentiu como um soldado.
  Fui até o balcão e anotei em um pedaço de papel o endereço. Voltei pra Ethan e o entreguei.
  - Provavelmente ela esteja por aí. Traga ela de volta, ok?
  - Vou trazer.
  E lá foi ele.
  Idiota.

***

  Óbvio que eu menti pro Ethan e não dei a localização correta de . Não porque eu não sabia onde ela estava, mas porque só eu sabia como resolver a situação da minha amiga.
  Qualquer que tenha sido o motivo pra ela sumir, sendo o pai dela, o namorado ou o Papa, só havia um lugar no mundo que se esconderia e ficaria até que eu a encontrasse.
  E lá estava a ex-loirinha, sentada encostada em uma parede, usando um vestido caro e com várias sacolas de compras ao seu redor.
  Podem segurar pro maior clichê do mundo, porque o lugar que a sempre vai quando tá na merda: Tiffany’s.

***

  - ? Tá tudo bem? - a voz chamou minha atenção e eu levantei a cabeça da forma mais dramática possível, porque eu estava de ressaca moral. A pior das ressacas.
  Já estava escuro, então demorou um pouco pra luz focar no rosto de e eu me tocar que era meu amigo. Eu achei que pudesse até ser Deus descendo pra me puxar pra cima, porque eu realmente estava um caco.
  - O que você tá fazendo aqui, ?
  - Minha mãe precisava comprar terninhos novos e ela sempre vai nas lojas mais caras. - Deu os ombros. - E você?
  - Eu disse pra vendedora que ia voltar… então eu voltei.
   finalmente notou a quantidade absurda de sacolas que estavam ao meu redor. Eu tenho certeza que eu só disse que voltaria pra vendedora de uma loja, mas na quinta eu me toquei que todas parecem iguais e eu já estava perdida.
  - Com que dinheiro? - perguntou um pouco preocupado. Será que ele estava achando que eu assaltei um banco ou coisa do tipo?
  - Roubei o cartão da minha avó.
  - ????
  - Que? Ela é velha, nem vai gastar todo o dinheiro que ela tem - me emburrei.
   me encarava incrédulo, mas se segurou pra não rir da minha situação.
  - Eu acho que eu tenho um problema com compras… Ou talvez eu só não saiba dizer não - respirei fundo.
  - Quer me contar o que rolou pra você estar aqui? - se sentou do meu lado na calçada. Encostou as suas costas na parede. Estávamos sentados do lado de fora de uma Tiffany’s.
  - A vida é difícil, … - disse e ele riu ao meu lado. - É sério! - bufei. - Eu sinto falta de quando minha vida era fácil e tudo que eu precisava era ser alienada, fútil e meu único problema era decidir qual cor de gravata você usaria pra combinar com meu vestido… Ninguém me disse que crescer era tão ruim.
  - Foi uma época boa, né? - sorriu. - Mas nós tínhamos que crescer um dia, . Todos nós. E a vida é assim e você tá se dando muito bem.
  - Tô, , de verdade? - me virei pra ele. - Eu não faço ideia do que eu quero fazer da minha vida, eu não tenho planos. Nenhum. Você sabe que quer ser um jogador, a sabe que quer seguir com a moda, até o Wallace se descobriu. E eu? Tudo que inventei fazer deu errado e eu nem sei se era realmente o que eu queria pra minha vida!
   riu de novo. Estava amando saber que ele achava graça na minha desgraça.
  - , é normal nós termos inseguranças com o nosso futuro, nem todo mundo nasce certo do que quer fazer. A gente descobre no caminho, poxa.
  - O meu caminho tá beeeem embaçado então, porque eu não consigo enxergar nada. E geralmente quando eu enxergo é a Rachel me provocando e eu só pioro a situação.
  - E você vai desistir por causa disso?
  - Vou! Eu vou desistir completamente - disse convicta e gargalhou. - O que foi? É verdade, eu aceitei o meu pessimismo e péssima perspectiva de um futuro. Eu tenho 20 anos , a vida não melhora depois disso aqui…
  - Não exagera, , você sabe que não é verdade. Você é inteligente e incrível, você é determinada e quando coloca uma coisa na cabeça vai até o fim. Pode fazer o que quiser da sua vida, não tem nada que possa ficar no seu caminho a não ser você mesma.
  - Se eu sou minha pior inimiga então eu me fodi, porque pior do que eu comigo sou eu contra mim.
   segurou minha mão e me puxou um pouco pra mais perto, me abraçando de lado.
  - A que eu era completamente idiota, cadelizado e apaixonado pegaria a inimiga e botaria ela no chinelo, mostraria quem é a verdadeira e faria tudo do jeitinho dela, cada detalhinho só pra não esquecerem quem é Hudson.
  - E essa aí ainda tinha uma saúde mental impecável e era loira - rebati, riu… novidade. Ele tá achando que eu sou palhaça? - Vamos ser realistas, muita coisa mudou.
  - Mas se mudou pra melhor ou pra pior depende de você - ele sorriu. - Lembra quando eu quebrei o braço jogando e eu achei que nunca mais ia conseguir jogar e você disse que eu era muito burro por pensar nisso, porque isso queria dizer que eu ia aprender a jogar melhor com o meu outro braço e então quanto o quebrado sarasse eu ia ser um monstro que teria dois braços incríveis e então falariam “olha, esse é o que pode jogar com qualquer braço porque ele é muito bom”?
  - Eu falo muita coisa sem pensar,
  - Sim, eu concordo. - Dei um soco em seu braço e ele riu. - A questão é que mesmo vendo o pior das situações, você vê o melhor delas. Você dramatiza tudo e por isso sempre tá preparada pra lidar com isso do seu jeitinho. Então mesmo que agora pareça que tá perdida é só questão de tempo de você descobrir uma forma de dar a volta por cima e mostrar pra vida que a piada tá nela e não em você.
  - Pera, a piada tá em mim ou na minha vida?
  - Não sei… eu também falo muita coisa sem pensar, - dessa vez eu ri.
  Abracei e por um instante levei em consideração as coisas que ele falava. Talvez a situação não fosse tão ruim assim, quer dizer, ok que eu perdi o meu estágio e briguei com meu pai, mas talvez eu possa resolver isso. Existem outros estágios por aí, né? E quem diz que eu preciso continuar fazendo astronomia? Existem tantos cursos por aí… E quem disse que eu preciso de ensino superior? Não, pera, não vamos por esse lado.
  Eu só não posso largar tudo e gastar todo o meu dinheiro por causa disso. Eu preciso levantar a cabeça e dar a volta por cima, fazer o que Elle Woods faria!
  Entrar em Harvard? Talvez, mas metaforicamente…
  - Tô atrapalhando o casalzinho aí? - Ouvi a voz de e levantei a cabeça pra vê-la. Eu ainda estava com a cabeça deitada no ombro de e abraçada com ele no meio da rua.
  Me surpreende ninguém ter falado nada sobre isso ainda.
  - O que você tá fazendo aqui? - resmunguei pra e ela fechou a cara. - Não que eu não estava feliz com sua presença aqui, amiga querida.
  - Eu vim te procurar, seu namorado, o outro, o com o sotaque, sabe? - eu ri. - Enfim, ele foi me procurar preocupado que você sumiu. Eu acho que ele deve estar procurando agora nos presídios pra garantir que você não foi presa por agredir alguém.
  - Isso é culpa sua… eu não era assim quando você era a violenta da nossa relação.
  - O que posso fazer, as coisas mudaram…
  Resmunguei e me levantei. se levantou logo em seguida e me ajudou, catando as várias sacolas do chão. Eu teria que dar um jeito logo com isso aqui, talvez chorar pra minha avó e dizer que estou incapaz de lidar com meus atos porque andam acontecendo muitas coisas e eu estou traumatizada funcione.
  - Eu odeio mudanças, odeio mesmo - respirei fundo. - Será que é tarde demais pra voltar pro começo do ano?
  - E ter que voltar do zero com as Zetas? Por favor, não… tivemos muito trabalho, não precisamos passar por isso de novo.
  Concordei, realmente, nesse caso ela tinha razão.
  - Bom, eu acho que a já está em boas mãos, então eu vou atrás da minha mãe que deve estar ainda escolhendo os terninhos dela - sorriu e eu fui até ele, o abraçando.
  - Obrigada, de verdade.
  - Não precisa agradecer, , você sabe que eu sempre vou estar aqui pra você, não importa o que aconteça. Pra sempre. - fez carinho em meu rosto e terminou apertando de leve meu nariz, eu sorri e beijei sua bochecha. - Até mais, - se despediu da minha amiga.
  - Vá… vá como o vento, pequeno gafanhoto!
  E então foi embora, deixando nós duas sozinhas. Peguei as sacolas no chão e nem me toquei que ainda estava sorrindo. As coisas não estavam tão péssimas assim.
  Dei uma boa olhada pra fachada do Tiffany brilhando em cima de mim e senti a paz preencher o meu espírito. Pode parecer estúpido, mas eu entendia como a Holly Golightly se sentia, como um lugar podia parecer tão perfeito e ter toda essa áurea de paz.
  Talvez fosse por isso que eu amava fazer compras e me sentia em paz quando me sentia em casa nessas lojas.
   tinha me dito que sentia o mesmo quando estava dentro de farmácias.
  - Ratinha, agora que eu comecei a gostar do Ethan não me diga que já tá voltando atrás e vai voltar com o , por favor.
  Eu ri, empurrando minha amiga de leve. Ela me segurou e nós entrelaçamos nossos braços enquanto saímos andando.
  - Você acha que eu seria capaz disso? - fiz careta e arqueou as sobrancelhas. - Não precisa responder…
   foi o meu primeiro amor e mesmo nos tropeções que tivemos, nós crescemos juntos e agora estávamos crescendo separados. Mas o carinho sempre estará ali, não dá pra apagar essa história.
  Mas agora eu estava em um novo momento da minha vida e estava feliz. Então não se preocupem, eu não seria capaz de trocar o Ethan, porque agora era a hora da nossa história e ela era tudo que eu queria.
  - Quer dar uma volta pelos bairros de classe alta e fingir que podemos comprar, enquanto eu ainda posso andar livremente antes da minha vó veja a conta do cartão dela?
  - Nada nos impede de tirar fotos no provador - sorriu e me puxou pelas ruas chiques e bem iluminadas de Los Angeles.

***

  A melhor coisa pra fazer pra se livrar de um castigo: chorar muito, surtar e apelar pro drama exagerado. Funciona? Não, mas eu achei que poderia dar certo.
  Estava deitada na minha cama do meu novo quarto com a Mia, minha única companhia enquanto enquanto eu ficava de castigo. Literalmente, eu só podia ir pra Hearst e da Hearst pra casa até minha avó achar que eu estava mentalmente apta pra interagir com o mundo de novo.
  Pelo menos ela deixou ficar com as roupas, claro, as que ela não “confiscou” até segunda ordem, as que vestiram bem nela eu veria sim, só que nela. Tchau tchau bolsas lindas que ela arrancou de mim.
  Mas eu não estava preocupada com o castigo, até achei que seria uma boa ficar um pouco longe por um tempo. Tirar um tempo pra estudar, pra me focar e descobrir algo em que sou boa, algo novo pra mim. Faria como disse, faria tudo do jeito mais possível.
  E eu sabia que meus amigos continuariam lá por mim, não importa quanto tempo passe. Por muito tempo eu tive medo de ficar pra trás enquanto todos seguissem o rumo de suas vidas, mas eu tinha os melhores amigos do mundo e sei que eles sempre estarão aqui por mim, porque eu sempre estarei aqui por eles.
  Mas eu sentia que estava esquecendo de alguém…
  Me assustei com a figura masculina entrando pela janela do meu quarto, foi um daqueles sustos mudos que parecem um infarto seguido por uma oração.
  O susto passou porque eu conhecia a figura masculina do lado de fora e conhecida muito bem. Eu conhecia tão bem que poderia empurrar pro lado de baixo e não seria condenada por esse crime.
  - O que você tá fazendo aqui? - dei bronca em Ethan, que entrou no meu quarto e derrubou algumas coisas no seu caminho. Rezei pra não fazer muito barulho.
  O importante era manter o silêncio porque se minha avó e minha mãe pegassem o Ethan no meu quarto, o meu castigo ia aumentar e eu ficaria de castigo até a Rihanna lançar seu álbum. Isso aí, imagina meu desespero.
  - O que eu to fazendo aqui, Hudson? - e ele inverteu o papel das brigas. - Você sumiu, lembra? Desapareceu e eu fiquei preocupado pra um caralho sabia?
  - Ahhh, eu sabia que esqueci de alguém… - ri. Eu sou uma cabecinha de vento mesmo, né?
  - É o que, garota? - Cruzou os braços. - A mentiu pra mim, sabia? Ela me mandou pra cidade mágica das patricinhas de Beverly Hills.
  - Eu nunca iria pra lá… muitas loiras, muito rosa, me dá dor de cabeça.
  Ethan arqueou as sobrancelhas, desacreditado do que eu estava falando.
  Ok, eu entendo que estava tirando muito com a cara dele, principalmente depois de sumir e deixar ele preocupado, mas qual é, eu também não conseguia levar muito a sério. Minha vida tá uma bagunça, me resta o humor e piadas.
  - Desculpa, tá? É sério, eu sou louca mas não desiste de mim - fiz bico. - Me perdoa?
  O moreno veio até mim, até ficar bem próximo e me abraçou. Um abraço carinhoso e sem mais nada. As músicas tocavam no quarto e eu me senti mais calma em seus braços do que eu achei que conseguia.
  - Não se esqueça que eu tô aqui pra você, . A hora que precisar, quando precisar. E se não precisar, pode ter o tempo que precisar. - Segurou meu rosto com carinho. - Só não some assim, eu fiquei louco de verdade - riu da sua própria desgraça. Sorri e selei seus lábios.
  - Se serve de consolo, eu vou ficar de castigo por um booom tempo por causa do meu sumiço, então você não é o único que quis me matar quando eu apareci - ri e ele sorriu.
  - Acho que agora o mundo tá fluindo novamente. Você merece esse castigo, dessa vez eu estou do lado da lei.
  - E com castigo você sabe que é sem você, né? - arqueei a sobrancelha. - Tipo, sem namorar até sabe-se lá quando minha vó resolver me liberar.
  Ethan fez careta.
  - E vamos de viver um romance ilegal, eu sempre fui contra a lei mesmo - eu ri e selei nossos lábios mais alguma vez. Ethan segurou firme na minha cintura, com uma pegada de enlouquecer. - Acho que não tem problema quebrar as regras só mais um pouquinho, né?
  - Só se a gente ficar quietinhos - disse, mas soou mais como uma provocação do que outra coisa. Ethan sorriu e foi o sinal verde que ele precisava.
  Me apertou com mais força contra o seu corpo e tomou minha boca em um beijo quente, com uma vontade e uma saudade que só ele tinha, como se fizessem anos que ele não me beijava quando só faziam algumas horas.
  Rapidamente já estávamos deitados em minha cama, ele por cima de mim com seu corpo cobrindo o meu. Suas mãos subiam pelo o meu corpo até o meu rosto, o qual ele segurava com as duas mãos enquanto me beijava passionalmente.
  Corri minhas mãos até a sua camiseta e puxei pra cima, ele soltou meus lábios só para que a camisa passasse pela sua cabeça. Assim que estava devidamente descoberto, voltou pra minha boca. Abracei o seu corpo.
  Milhões de pensamentos invadiam a minha cabeça. O quanto eu gostava disso, o quanto esquecia de qualquer outra coisa quando estávamos assim e quando nada mais importava, nada mais incomodava e nem doía quando estávamos juntos. Eu poderia viver assim para sempre.
  O beijo era intenso, eu estava sem fôlego e as mãos de Ethan eram impacientes, não conseguiam ficar quietas em um canto do meu corpo, sempre procurando outro lado para apertar e acariciar.
  Estava tão gostoso seus toques e beijos que não percebi que já não estávamos mais sozinhos.
  - Ann Hudson! - a voz da minha avó me tirou do transe delicioso que era ser beijada por Ethan e eu o empurrei pra longe, com toda a minha força. Ele caiu do outro lado, direto no chão e o barulho do seu impacto ecoou por todo o quarto e tremeu tudo.
  A mais velha me encarava com um olhar mortífero, levemente incrédula e um pouquinho impressionada pela nossa ousadia.
  - Surpresa? - disse baixinho, vermelha e completamente sem fôlego, tentando fingir uma animação. - O Ethan veio pra jantar!
  Ethan tentou sorrir pra minha avó e passar uma imagem de rapaz correto, mas a falta de camiseta não ajudava a situação e minha avó continuava com a cara de que jantaria os nossos fígados.
  Ela então respirou fundo, balançando a cabeça. Sim, ela estava chocada com a minha cara de pau, mas sejamos realistas, ela não é a única.
  - Vou colocar mais um prato na mesa.

cAPÍTULO 19


  Algumas coisas nunca mudam, mudam, mudam, diz minha música favorita no momento. E é verdade, a maioria das coisas quando se tratam de Hudson nunca mudam. Nunca.
  Eu entrei na loja toda destrambelhada com minhas várias sacolas na mão. Tirei meus óculos escuros do rosto com a maior dificuldade e ajeitei a presilha brilhante nos meus cabelos loiros.
  Sim, loiros. Hudson nasceu pra ser loira, nada além disso.
  - Então, o que a senhorita vai querer? - a mulher ruiva perguntou, com seu sorriso de vendedora chique.
  - Terninhos, quais são os melhores que você tem? - Dessa vez eu sorri, ouvindo a voz familiar da mulher. Andei até ela. Ela abriu um sorriso assim que me viu. - , finalmente você veio!
  - Desculpe a demora, Sra. Hudson… - disse um pouco ofegante. - Fiquei em dúvida sobre qual sapato escolher pra combinar com aquela calça que vi na outra loja.
  A mulher deu uma risadinha. Ela me conhecia bem, ela sabe que não foi dúvida de escolher e sim porque eu parei em outra loja porque outra coisa me chamou atenção e eu precisava comprar.
  Depois que aceitei que eu era viciada em compras e só atingia a verdadeira felicidade depois que gastava uma fortuna com roupas que não usaria, eu me resolvi com Shania e criamos um trato: eu dou minhas roupas velhas pra ela vender, ela me dá o dinheiro e eu gasto todo ele com novas roupas! Ótimo, não?
  Então no fim, eu continuo comprando e ainda ajudo Shania com seu brechó. Isso sim é empreendedorismo.
  Só que dessa vez eu não estava nessa loja para comprar, bem, não era exatamente pra comprar, mesmo que já tenha comprado. Estava lá por causa da Sra. Hudson, ou melhor, .
  Tudo estava girando em torno do casamento do pai do e para isso nós como os melhores amigos do filho do noivo e como parte da família, de alguma forma - mesmo que eu tenha sido chutada das madrinhas, mas tudo bem -, todos nós tínhamos que estar o mais na altura do casamento.
  Então eu fui contratada, e sim, do verbo vou receber dinheiro, pra levar pra ver alguns ternos bonitinhos e deixar ele apresentável pra noite de gala que vai ser o casamento Greene e Campbell.
  - O já vem, ele ficou um pouco ocupado no treino - a mulher sorria de orelha à orelha. - Eu te contei que ele voltou a ser o capitão? - Sim, várias vezes.   Markus saiu do time, acho que foi doping. Descobriram que ele se entupia de algumas drogas pra deixar ele mais forte no campo depois que ele quase colocou em coma um dos seus adversários em um jogo. Foi um escândalo.
  E como a mãe do é meio influente, ela conseguiu abafar fazendo com que voltasse a ser capitão. Claro que isso foi graças a competência do , ele é um ótimo atleta e um capitão incrível. A mãe dele só mexeu uns pauzinhos pra que a Hearst não esquecesse disso.
  - Pena que aquela menina Hanna não valorizou meu menino… - a mulher suspirou. - Por que as garotas não são como você, ?
  Ah, tinha isso também. A Hanna deu no pé.
  Na verdade ela conseguiu uma bolsa em uma faculdade inglesa e claro que ela foi, seria burrice se não fosse. Então, e ela combinaram de tentar o namoro à distância, mas durou uma semana só porque Hanna conheceu um cara de uma banda.
   ficou tristinho por um tempo, mas decidiu que era melhor solteiro e focaria só no time, e quem sabe conseguiria uma bolsa pra jogar no Canadá nos próximos anos.
  E eu como uma ótima melhor amiga fiquei do lado dele esse tempo inteiro, porque ele também ficou comigo quando eu estava mal depois do meu problema com meu pai.
  Então estávamos juntos nessa.
  - Meninas… - apareceu do nada, me assustando. A mãe dele sorria.
   estava vestindo roupas simples, o moletom do time e jeans, além dos tênis normais. Seus cabelos estavam escondidos debaixo do boné que usava e ele sorria. Era um fofo.
  - Bom, vou deixar vocês dois - sua mãe tocou em seu ombro. - Você está em boas mãos meu filho.
  Claro que está, pelo preço que ela tá me pagando eu faço muito mais que o Edward fez pela Vivian.
   se posicionou ao meu lado e colocou as mãos no bolso.
  - Então, por onde começamos?
  Eu sorri. E ele franziu o cenho, um pouco assustado.
  - Tá tudo bem? , você tá me assustando.

***

  Entramos na loja como um tornado. não havia levado a sério quando eu disse que tentaríamos as melhores das melhores até achar uma que eu gostasse.
  Mas nenhuma tinha nada interessante pra mim e a opinião do meu amigo não era relevante, já que por ele qualquer terno serviria. Mas qualquer terno não pagaria o que eu estava recebendo pra isso.
  Assim que entramos, a vendedora nos cumprimentou e eu pedi pra ver os melhores ternos. estava quieto, não havia aberto a boca em momento algum e eu estava começando a ficar louca, porque mesmo que sua opinião não estivesse valendo muito, eu precisava saber o que ele estava achando.
-   Sério, nenhuma opinião? Desde quando você ficou tão quieto? - resmunguei.
  - Você não quer ouvir minha opinião - ele deu os ombros.
  - Ei, não é bem assim… se ela valer o dinheiro que sua mãe tá me pagando pra te vestir pro casamento do Sr. Greene, então pode me dizer - sorri e ele revirou os olhos.
  - Tanto faz.
  - Você precisa aceitar, . Eu sou a conhecedora aqui, esse é meu mundo! - me defendi. - Então me deixe fazer meu trabalho.
  A mulher voltou com vários modelos de terno, vários cortes e de várias cores e marcas diferentes. Tinham bastantes peças interessantes e eu já estava separando quais dar para provar.
  Mas ele se levantou e veio até mim, ele olhou bem pras peças e fez uma careta. Antes que eu abrisse a boca e o mandasse se sentar porque a especialista (eu) estava escolhendo, ele disse:
  - Não gosto do Prada, ele não fica bem no meu corpo e não combina comigo. Eu prefiro esse Dolce & Gabbana, ele vai fazer melhor o serviço.
  Eu fiquei de boca aberta.
  - Você fala fashionês… - disse incrédula.
  - Minha mãe é viciada em terninhos, algo que eu tinha que aprender - ele deu os ombros e pegou o terno escuro da Dolce & Gabbana e foi atrás de um provador.
  Antes que eu pudesse reagir e a ficha cair que não precisava da minha companhia e só aceitou fazer isso pra que eu ganhasse uns trocados, outra coisa que me chamou atenção, na verdade, outra pessoa: Stella Louise.
  A mesma Stella Louise que me entrevistou e depois tirou o estágio de minhas mãos, dando pra qualquer um outro.
  - ? Hudson? - a mulher me chamou e eu assenti, um pouco sem reação. - Sou eu, Stella Louise. Lembra de mim? Da entrevista.
  - Sim, sim, claro que eu lembro - respondi tentando não despejar veneno. O que posso fazer? Eu ainda sentia um pouco de raiva pelo gosto da derrota. - O que você está fazendo por aqui?
  - Ah, eu vim atrás de um terno pro meu sobrinho - ela sorriu. - Sabe, como é, adolescentes e formaturas.
  Assenti.
  - Acho que sim.
  - Eu achei estranho que não tive mais notícias de você depois da entrevista. Fiquei muito triste quando soube que você não aceitou a vaga.
  Arregalei meus olhos. É o que?
  - Espera, eu o quê? Eu não aceitei a vaga?
  A mulher me encarou um pouco confusa.
  - Sim, você não aceitou a vaga, por isso foi repassada para o segundo colocado.
  - Não, não, não - disse um pouco afobada, esquecendo dos modos. - Eu nunca rejeitei vaga nenhuma. A vaga foi anunciada na Hearst e eu não estava lá e sim outra pessoa.
  A mulher ficou sem reação foi um instante e então eu vi a raiva em sua face, depois rapidamente voltou para a face tranquila e um pouco desacreditada e envergonhada.
  - Eu sinto muito … eu não acredito que eles fizeram isso. - suspirou chateada. - A vaga era sua, eu havia preenchido tudo e estava tudo certo, mas aparentemente alguém lá dentro agiu de má fé pelas minhas costas e repassaram a vaga pra outra pessoa.
  Meu queixo caiu pela terceira vez neste dia. Então a vaga era minha? Eu não podia acreditar que alguém havia passado a perna em mim. Que injustiça!
  - Eu fiquei muito chateada quando perdi a vaga - dei os ombros. - Eu queria muito, sabe? Por muito tempo desacreditei do que queria fazer, então fiz uma faculdade só pra contrariar meu pai e comecei a gostar do tema, mas nunca tive oportunidade de nada já que todo mundo só vê como a patricinha que se importa mais com sapatos do que com contas matemáticas.
  A mulher sorriu compreensivamente.
  - Eu te entendo, . Eu também vim de um lar um pouco conturbado, com um pai conservador e que ia contra o que eu acreditava. E também já fui muito desacreditada por não seguir o estereótipo. Por isso que gostei de você e quis te dar a oportunidade de provar seu valor naquele estágio.
  Dei os ombros, chateada.
  - Infelizmente não foi dessa vez, mas não tem problema. Outros virão - sorri triste, mas Stella continuava sorrindo.
  - Muito pelo contrário, você merece mais que um simples estágio, . Vá até meu escritório amanhã, nós faremos uma nova entrevista só que dessa vez, pra ser minha assistente. - ela sorriu e meu queixo caiu pela quarta vez. - Acho que podemos trabalhar muito bem juntas. O que acha?
  Eu queria pular e abraçá-la, mas não podia. Então eu apenas dei a mão pra apertar a dela e dei um pulinhos de alegria, porque no fim eu estava morrendo de felicidade.
  - Combinadíssimo! Eu mal posso esperar!
  A mulher sorriu.
  - Eu tenho que ir embora, mas nos encontramos amanhã, ok? - eu assenti e ela se despediu, indo embora logo em seguida.
  Respirei fundo, sem conseguir esconder a felicidade na minha cara. Finalmente as coisas estavam dando certo para mim. Eu estava muito confiante com essa entrevista e sabia que essa já era minha.
  - E aí, tá bom? - me assustei com a voz de e até esqueci que tinha vindo com ele. Virei para dar uma olhada nele e novamente, meu queixo caiu.
  Sério, o sem o moletom do time e calças folgadas ficava ótimo. E de terno caro? Muito mais que ótimo!
  Ele estava fazendo esse trabalho sair melhor que a encomenda.
  - Tá ótimo. Você realmente não precisava da minha ajuda pra fazer isso - fiz careta.
  - Não, não precisava. Mas se não fosse por isso, nós não passaríamos mais um tempinho juntos e sozinhos.
  Fiz careta. Eu sabia o que estava fazendo, por isso respondi da única forma possível.
  Entreguei a ele a gravata de seda azul bebê, na cor do meu vestido. Assim como fazia em todos os bailes que íamos juntos.
  Ele sorriu e pegou a gravata. Ele sabia o que isso significava.
  Mas não, ele não fazia a mínima ideia…

***
Ethan

  Eu não sou um cara narcisista, mas dessa vez, vestindo um terno caro que eu nem sei como arrumei dinheiro pra pagar, eu era o cara mais gato do mundo. Sério, corria risco até da noiva fraquejar na hora do “aceito” depois de me ver, sem brincadeira.
  Depois que arrumei um estágio, eu abri mão do comunismo e deixei a alma hippie de lado, me tornei o que mais criticava: uma versão masculina da .
  Não que isso seja ruim, mas só mostrou que eu era uma babaca em ficar julgando ela por gostar de gastar, se vestir bem e se importar com bens materiais, porque agora que eu posso ter isso, eu entendo, é ótimo. É uma ótima terapia gastar dinheiro e mais ainda, ter dinheiro pra gastar.
  O capitalismo me conquistou. Não posso negar.
  Por isso nessa noite eu dei meu melhor e me vesti do jeito mais mauricinho rico possível, pra estar à altura da essa noite. Até a gravata azul bebê pra combinar com o vestido da eu coloquei. Vamos ser o casal mais atraente do casamento, isso é fato.
  Toquei a campainha do apartamento da e coloquei a mão nos bolsos, esperando ser recebido. Não demorou muito e a avó dela abriu a porta. A mulher me olhou dos pés à cabeça e deu um sorrisinho.
  Não foi um sorrisinho qualquer, era um sorrisinho que segurava a risada que ela queria dar. Pô, eu me vesti tão bem e ela vai rir da minha cara? Qual é.
  - Pode entrar, Ethan - ela sorriu e deu espaço pra que eu entrasse na casa. - A é louca… - murmurou pra ela mesma.
  Franzi o cenho, mas ignorei. Fui em direção à sala de estar e como o cara esperto que sou, a ficha caiu do motivo pelo qual a mais velha estava rindo da minha cara. O motivo tinha nome e sobrenome, Graham.
   estava sentado no sofá, bebendo chá e batendo papo com a mãe da . Ele estava praticamente tão bem vestido quanto eu e até a gravata azul ele usava. Nesse momento, eu não sabia onde enfiar a minha cara.
  E provavelmente ele também não sabia, porque a cara dele ficou pálida quando me viu. A mãe de tomou um gole do seu chá, com certeza tentando esconder a risada.
  - O que você tá fazendo aqui, Ethan? - perguntou e eu franzi o cenho.
  - Eu sou o namorado da , lembra?
  - Ethan, sente-se - a mãe da interviu, ainda com um sorriso brincalhão no rosto. - Tome uma xícara de chá enquanto espera a ficar pronta.
  - Ah, mas pode ter certeza que vou esperar - respondi, me sentando no sofá. Estava impaciente, queria saber que palhaçada era essa que estava acontecendo.
  A avó de veio para sala e puxou a mãe para irem até a cozinha, aposto que estavam rindo das nossas caras de bestas. Dessa vez nem eu sabia o que dizer, não estava entendendo nada, mas queria rir igual elas.
  O silêncio na sala ficou desconfortável rapidamente.
  - Você tá bem… bem vestido - o disse, desconfortável e deu uma coçada na nuca.
  - Obrigado, eu sei - dei um sorrisinho. - Você também... Gostei da gravata. - apontei pra mesma gravata que a minha.
  Antes que pudesse responder, ouvimos o som da vindo até a sala. Nos levantamos juntos, ao mesmo tempo. As reações eram as mesmas, até o choque e babação assim que vimos a daquele jeito. O vestido delicado em seu corpo, os cabelos loiros caindo em ondas pelo seu corpo e toda a aura delicada, linda e tão cara da .
  Ela sorriu assim que nos viu.
  - Isso não é justo - a repreendi antes que abrisse a boca. - Você não pode usar sua beleza pra sair dessa confusão aqui, mocinha.
   franziu o cenho.
  - Isso mesmo - me acompanhou. - O que tá acontecendo aqui? Por que chamou nós dois como seus acompanhantes?
   sorriu.
  - O Ethan é meu namorado, óbvio que ele seria meu acompanhante! - respondeu como se não fosse nada. Me virei para o e murmurei um “eu disse”, ele fechou a cara. - E você é meu melhor amigo, . Seria deprimente você chegar lá desacompanhado, então os dois vão ser meus acompanhantes!
  Ela sorria como se isso fosse a coisa mais normal do mundo. Deus, o que se passa na cabecinha dessa garota?
  - E se a gente não quiser? - cruzou os braços.
  - Fale por você… - disse baixinho.
  - Por Deus, não é nada demais - ela revirou os olhos. - Eu apenas quis juntar meu melhor amigo e meu namorado, em uma noite divertida, onde vamos andar de limousine e nos divertir em um casamento de gente rica.
  - Limousine? - pareceu interessado.
  - Vão meninos, vai ser divertido. - a mãe da se meteu.
  - Eu achei loucura dela, mas ela disse que queria agradar os dois. - a avó balançou a cabeça em negação. - Vocês jovens e suas maluquices.
   sorriu.
  - Se vocês não quiserem ir, eu vou sozinha… Solta nesse mundinho de meu Deus, com vários homens ricos e filhos de herdeiros…
  - Vamos logo - a interrompi e deu pulinhos de alegria. Ela se enfiou no meio de nós dois, entrelaçando seus braços nos nossos.
  - Vai ser tão divertido! - ela comemorou. - Quem sabe vocês dois não viram melhores amigos depois dessa noite!
  - É, tudo é possível, .
  - E então nós seremos um trisal! Igual eu li no Google!
  Engasguei.

***

  A valsa deu início a entrada dos padrinhos se iniciou e nos momentos em que pus o pé no tapete do corredor central da igreja me surpreendi com o bom gosto de Campbell e Eric com toda a decoração fantástica. Tudo bem que eles tem dinheiro o suficiente para contratar alguém que faça um trabalho esplêndido, mas até gente rica consegue ser brega. Na verdade, eu diria que os ricaços são campeões nesse quesito, pois usam qualquer coisa caríssima e dizem fazer parte da moda. Não, não é toda manga bufante que fica boa em você, pessoa cheia de grana.
  O local do casório era grande e completo de janelas de vidro, dando uma boa visão de jardins imensos do lado de fora. Enquanto dentro a decoração era amarela e branca, repleto de flores delicadas nas mesas e em qualquer lugar que trouxesse a imagem sofisticada e classuda pras imagens do casamento que estariam guardadas em um álbum por anos. Isso se os noivos decidirem queimar as fotos depois do divórcio. Não que eu ache que algo do tipo vá rolar, longe de mim fazer presunções sobre a vida dos outros.
  Encolho a barriga na hora de desfilar lindamente na frente de toda aquela gente de nariz em pé, apesar de me sentir gostosa o suficiente no vestido lilás que estava de acordo com as regras de cores para as madrinhas.
   que estava de braços dados comigo continha um sorriso gigante mostrando todos os seus dentes. Honestamente eu não me lembrava direito da última vez que namorou, só sei que fazia muito tempo. Então faz sentido ele parecer tão orgulhoso de mostrar para todos os seus parentes que finalmente desencalhou.
  Recebi muitos olhares apreciadores de garotos da sua família e alguns assustados das velhinhas sentadas vestindo roupas que pareciam ter mais de cem anos. Acho que elas não entenderam ainda que já permitiram legalmente latinos entrarem no país.
  Troquei sorrisos com meu namorado antes de cada um ir para o seu lado da igreja. Me concentrei no buquê de flores brancas na minha mão até esperar todos os casais de padrinhos e madrinhas entrarem. Precisaria ficar forte pra ouvir todo o discurso do padre, que já ouvi dez mil vezes nos jantares de ensaio. Muito machista, por sinal. Não que eu goste de opinar sobre o gosto dos outros, jamais faria isso. Nem julgar o padre escolhido por alguém.
  Só estou dizendo que se algum dia eu entrar na igreja com , não contrataria aquele cara nem se ele quisesse trabalhar de graça.
  A valsa mudou de tom e se tornou aquela antiga entrada de casamento. É bom manter os padrões, talvez daqui a cinquenta anos as pessoas se envergonhem de ter entrado no casamento ao som de Chris Brown. Menos Jim e Pam, aquele casamento perfeito do início ao fim.
  Tudo correu bem. O casal fez um discurso fofo, vi os olhos de Eric lacrimejarem e Campbell não estava muito longe disso. Queria fazer um comentário sobre como nunca a tinha visto tão emotiva antes, mas darei um desconto porque acontece de ser um dos dias mais importantes da vida dela hoje.
  Wallace se debulhava em lágrimas no ombro de Dick e tentava se conter. Fiz careta pra ele, pra que parasse logo, porque não quero ser a prima do cara passando vergonha. Ele e são melhores amigos de sempre, eu entendo, mas precisamos ter decência aqui.
  Falei isso antes de soltar um espirro gigante pelo tanto de pólen que tinha em mãos. sorri amarelo para atenção que chamei pra mim e passei a fitar o chão assustada rezando pra que a cerimônia acabasse logo.
  Dei um longo e caloroso abraço em quando a vi no salão onde aconteceria a festa uma hora mais tarde. Ela estava chique como uma Hudson dentro de um vestido Chanel amarelo sem mangas. Eu o havia customizado para ela alguns meses ou anos atrás.
  - O vestido da Campbell é simplesmente a cara dela. E ainda tem alguns toques modernos. Nem parece a descrição de barraca de circo que você tinha feito.
  - Tenho mãos de fada. Neste caso, instruções de fada, porque o estilista pediu mais ajuda psicológica pra Helena se decidir logo sobre oque queria do que outra coisa dentro do meu ramo.
  - Neste caso, você arrasou, minha boa senhora - levantou a taça de champanhe para brindarmos.
  - Obrigada, minha boa senhora.
  Assenti e encostamos o cristal com caras de boas chefes da máfia italiana de que sabiam que estavam falando. Quando se tratava de moda e roupas, e eu éramos como Michael Corleone e Fredo. Ou seja qual for o nome do melhor amigo do Corleone. Sempre durmo no início do filme.
  Me senti muito mais animada quando por volta das três da manhã começou a tocar Don't Stop 'Til You Get Enough do senhor Michael Jackson. Talvez tenha algo a ver com a quantidade de champanhes que bebi? Provavelmente. Não mudava o sentimento.
  Todos estavam na pista seguindo alguns passinhos de Eric Greene, que por Deus, era o maior dançarino da festa. Não era só eu que me soltava depois de um porcento de álcool no sangue, isso era certeza. estava vermelho olhando pros passinhos do pai, mas deixou passar por notar a felicidade em cada passo que ele dava.
  Avisei a minha rodinha de amigos e parceiros que ia até o banheiro e fui dançando e pulando pelos cantos, assustada com meu nível de serotonina tão alto.
  - Oi, quem está aí? Pode dar uma mãozinha?
  Foi o pedido que ouvi depois de terminar de lavar as mãos. Segui a voz e encontrei uma cabine maior no toalete (nome chique para banheiro, pra quem nao sabe) e encontrei algo parecido com aquela barraca de circo branca sendo esmagada com duas mulheres dentro do recinto.
  Campbell estava sentada no vaso tentando fazer xixi enquanto sua madrinha número um tentava segurar seu vestido gigantesco. Me prontifiquei a ajudar, aquilo ali era um caso sério. Não poder fazer xixi por barreiras fashion? Ultraje.
  - Claro - segurei a outra ponta da calça e ergui. Olhei para cima esperando Campbell se concentrar e fazer o que tinha que fazer. Trocamos um olhar sem graça e ela sorriu envergonhada.
  - A festa tá boa, não está?
  - Ótima!
  Larguei seu vestido quando Campbell pediu passagem para lavar as mãos e retocar o batom.
  - Obrigada meninas, não conseguiria ter passado da porta se não fosse por vocês.
  - Imagina - disse a sua amiga. - No meu segundo casamento eu tive a péssima ideia de um vestido estilo cinderela, sabe? Tivemos que contratar um serviço específico para portas de corredores maiores para no fim esquecermos da porta principal do toalete. Enfim, acontece.
  A madrinha mandou beijos para a amiga e disse que foi um prazer me conhecer. Dei tchau pra ela que estava apressada, dizendo estar de olho no terceiro casamento que parecia estar a espera dela lá fora.
  - Lindsay gosta de casamentos, bastante. - Campbell riu e voltou a ficar animada instantaneamente. - É o dia mais feliz da minha vida, .
  Segurou minhas duas mãos e sorriu. Me surpreendi com seu toque e a confiança que parecia ter em mim.
  - Foi uma cerimônia linda. E geralmente sou bem crítica com cerimônias. - sorri. Claro que não ia reclamar do padre agora, só num futuro em que estivesse mais confortável com minha sogra postiça.
  - Obrigada. Eric e eu trabalhamos muito para que tudo acontecesse do jeito que a gente sempre sonhou. - uma batida nova soou das caixas de som e Campbell iluminou. - Vamos, adoro essa!
  Me puxou pelo braço e cuidei pra não cair do meu salto quinze.

***

  - Obrigado por me fazer companhia, não me sinto tão deprimido assim - disse, enquanto nós dançamos a música lenta na pista.
  - Mas não é a minha companhia que você queria essa noite, né?
  Eu sabia que sentia falta da Hannah, ele podia estar fingindo bem e até flertando comigo pra passar o tempo, mas não era a mesma coisa. Ele amava Hannah.
  E que melhor amiga eu seria se não ficasse do lado dele nesse momento? Mas eu sou mais que uma melhor amiga, eu sou a . E a tem sempre o que quer.
  - Você sabe que eu sinto falta dela… Mas talvez tenha sido melhor assim, quer dizer, eu queria que ela soubesse que eu queria ir atrás dela em Londres, queria estar perto dela e estava fazendo acontecer… Eu posso não ser o cara de uma banda e canta pior que bêbado em karaokê, mas poxa, eu a amo de verdade.
  Eu sorri.
  - Eu também te amo, .
   franziu o cenho.
  - Também te amo , mas por que você tá com a voz igual a da Hannah?
  Revirei os olhos.
  - Não fui eu quem disse isso…
   arregalou os olhos e olhou pra trás. Lá estava a amada dele, parada com um sorriso no rosto e o brilho no olhar. Ele olhou pra mim de novo, espantado.
  - Você fez isso? O que você é?
  - Eu sou a , bobinho. Agora vá viver seu sonho londrino com sua amada!
  O soltei e ele correu até Hannah, abraçando-a e repetindo aquelas lindas cenas de filme onde o casal de mocinhos se abraça, se beija e faz todo o tipo de demonstração de afeto em público.
  Sorri orgulhosa do meu trabalho.
  - Você até arrumou um vestido pra ela na cor do seu, só pra ele usar a gravata combinando… - Ethan disse, ele também estava impressionado. - O Diabo trabalha duro, mas a Hudson trabalha mais duro ainda.
  - Shhh, não fala essa palavra feia - sorri e ele me abraçou. Então começamos a dançar juntos.
  - Estou orgulhoso de você. Você fez dois marmanjos de trouxas e juntou um casal, você é realmente fora de série.
  - Eu sou ótima, eu sei!
  Ethan sorriu e beijou minha testa.
  Eu estava feliz, tinha feito a coisa certa e no fim, estava feliz, Hannah estava feliz, Ethan estava feliz. Todo mundo estava feliz! Como devia sempre ser.
  - Isso quer dizer que não seremos mais um trisal?
  Eu ri.
  - Por quê? Estava começando a gostar da ideia?
  Ele sorriu.
  - Uma ideia completamente excitante que até me aterrorizou.

***

  A festa continuava rolando e ainda haviam uns casais na pista, dançando músicas bonitinhas. Eu estava no bar, assistindo e Hannah dançando juntos. Me senti orgulhosa de ter trazido ela pra cá, mandado a mensagem certa chamando-a pra ficar com .
  Mas algo estava em minha cabeça ainda, ele dizendo que iria para Londres com ela, que estava planejando isso até. Não sei porquê, mas isso me deu um frio no estômago de imaginar.
   indo embora? Meu melhor amigo indo embora com a namorada dele?
  - Se eu não te conhecesse, diria que está com ciúmes, ratinha - chamou minha atenção e se sentou ao meu lado. - Mas não é possível, já que você trouxe a Hannah pra ficar com o .
  - Não to com ciúmes - me defendi. - Só pensativa.
  - Tá se arrependendo? - me olhou com cara feia e eu revirei os olhos.
  - Não, mas é esquisito - dei os ombros. - Eu e o estávamos destinados a ficar juntos, desde crianças. Ele era apaixonado por mim, ele fez de tudo pra ficar comigo e me conquistar.
  - E o que tem de mal nisso? Você foi o primeiro amor dele e ele foi o seu.
  - Mas não parece… - foquei meu olhar pro rapaz dançando, com o sorriso no rosto enquanto girava a sua namorada nos braços. - Eu nunca fiz por ele o que ele fez por mim, enquanto ele me dava todo o amor dele, eu acho que nunca retribuí da mesma forma. Eu sempre o vi como meu melhor amigo, como o cara que fazia tudo por mim. E eu nunca fiz tudo por ele… Ele foi capaz de abrir mão de estudar fora, de ir atrás do seu sonho pra ficar comigo e no fim, eu nem estou com ele!
  - , você não precisa se colocar nessa posição. Vocês dois são jovens e você só mostrou que nem todo primeiro amor é o amor pra sua vida.
  - Mas e se eu tivesse feito diferente? E se eu tivesse sido uma melhor namorada e tivesse incentivado ele a ir embora, igual você fez com o ? E se eu tivesse sido menos egoísta e valorizado mais o carinho dele por mim? Eu não teria quase o perdido, como quase aconteceu.
  - Não exija maturidade de você mesma em uma situação difícil como essa que aconteceu faz muito tempo. Do que adianta pensar nisso agora? Ele tá feliz com a Hannah e você com o Ethan - ela fez uma careta assustada.- A não ser que você não esteja feliz e está levando essa conversa pra outro caminho…
  - Não - eu ri. - Eu amo o Ethan, o amo de verdade e quero ficar com ele por quanto tempo ele me aguentar, juro. Mas eu também amo o , muito. E demorou bastante tempo pra perceber que eu amava ele da mesma forma que ele me amou por tantos anos, mas não foi correspondido na mesma intensidade. Eu amo ele como meu melhor amigo e como o amor da minha vida, o meu primeiro amor, mas não o amor pra minha vida, porque nosso tempo passou e nós não vamos mais ficar juntos. Não por agora.
  - Ratinha, amiga… - ela tocou minha mão, tentando me consolar. Acho que eu nunca havia sido tão honesta sobre meus sentimentos em relação ao antes, nem com a .
  - Por isso eu trouxe a Hannah - sorri, limpando a lágrima que escorreu e levantando o meu humor. - Eles vão ser felizes juntos e eu o amo o suficiente pra ver ele ser feliz com outra pessoa, assim como ele me ama o suficiente pra querer que eu seja feliz com o Ethan, mesmo que no coração dele eu ainda tenha um espaço enorme lá, assim como ele tem no meu.
  - Então por que você tá tristinha?
  - Porque eu percebi que as coisas não vão mais ser como eram antes. Não vão ter mais bailes com a gravata dele combinando com meu vestido, não vão ter mais surtos do meu pai porque ele odeia o e a família dele, não vai mais ter as noites de filme clichês que assistimos quando eu estava deprimida e nem eu forçando ele assistir Rupauls pra torcer contra a drag que eu menos gosto. Porque essas coisas eram só nossas, não tem como colocar outra pessoa no lugar. E isso me deixa nostálgica, mas não triste, porque nós estamos felizes.
  Eu prendi o em mim durante muitos anos, fiz eles viver em função de mim e esperar pelo momento que eu estivesse pronta pra ele. A questão é que eu sempre estive pronta pra ele, mas não sabia disso. E tá tudo bem, não é o fim do mundo.
  Perder um primeiro amor dói, dói como perder um ente querido. Mas não é o fim da vida, não é o fim do amor, é apenas um momento triste que cicatriza e abre espaço para algo maior.
  E lá estava meu algo maior, dançando com Dick sem se importar se estavam achando esqusito. Ethan era o amor para a vida vida, era o cara que eu escolhi para ser meu primeiro. E eu o amava, sempre o amarei, assim como amo o . Sempre fui muito sortuda, tive os melhores amores que poderia pedir. E estava feliz com isso.
  - Que tal pararmos de choramingar por homens e roubarmos uma garrafa de champanhe e bebermos escondidas? Afinal, nossos dois primeiros amores vão se mandar! - disse, mantendo o humor, mas sabia que tinha algo ali.
  Me inclinei no balcão do bar e arranquei de lá duas garrafas de champanhe. Escondi as duas em meu vestido.
  - Duas? - franziu o cenho.
  - Uma pra cada… a gente merece!
   riu e se levantou. A noite seria longa!

***

  - Nunca o vi tão feliz. Só espero que dê certo - diz depois de me dar um beijo singelo na bochecha que me arrepiou inteira. Estava esperando logo a hora de chegar no apartamento dele e abusar daquele corpinho que ficava bom demais dentro de um terno e ainda melhor sem ele.
  - Tecnicamente já deu. - encolhi os ombros enquanto me sentava em seu colo.
  A festa já estava mais calma, perto do fim. alguns casais dançavam uma música lenta abraçados na pista. e Ethan assim como Dick e Wallace eram alguns deles. Felizmente, Rachel e Britt não estavam na listinha, até porque mais cedo vi uma cena maravilhosa de Britt confiantemente declinando o pedido da querida ex namorada de conversarem, pois segundo minha amiga, não havia mais nada para conversar, já que não tinha mais nada acontecendo entre as duas.
  Fiquei orgulhosa.
  - Como assim? - curioso, fez careta. sorri, passando meus braços ao redor de seu pescoço para lhe dar um abraço, descansando no que parecia ser o melhor lugar do mundo.
  - O relacionamento deu certo o suficiente pra eles entrarem na igreja de véu e gravata prontos pra um dizer sim para o outro. - endireitei as costas para não deixar todo meu peso em cima dele e passei a brincar com sua gravata, sentindo seus olhos em mim. - Não precisa ser pra sempre pra dar certo. o importante é que em algum momento deu e agora os dois estão felizes e juntos.
   ficou sério por alguns instantes.
  - Então você não acredita que vá durar muitos anos?
  - E precisa? - ri do seu dom natural de romantizar tudo. Até mesmo um casamento, onde já se viu?
  - Claro que sim - parecia indignado, mas não aumentou a voz. Seus braços continuavam a abraçar minha cintura e queria uma resposta séria. - Se é tão bom assim o que eles possuem, por que iriam terminar?
  - Porque a vida não é um conto de fadas? - brinquei.
  E o drama a seguir fazia parecer que levou um tiro e não testemunhei. Ele ficou sem palavras e se levantou me colocando sentada onde antes ele estava, me deixando sozinha e saiu bufando. Me levantei indo atrás dele.
  - , qual é? O que foi que eu disse agora?
  - Nada . Você nunca diz nada - e esse é o problema, esperei ele terminar. Poderia revirar os olhos para todo esse drama, mas sei que ele tem pensamentos diferentes dos meus, mais sentimentais, e aprendi a respeitar isso desde o período S.A. Só amizade.
  Atravessamos o salão e ele abriu a porta indo para o jardim, fiz questão de segui-lo até lá fora. Não ia deixar uma noite tão boa terminar com uma discussão estúpida.
  - , pra que esse drama? Eu estava falando deles, não de nós dois.
  - Mas deixou claro suas ideias sobre um relacionamento, não foi? Você sabe que esse é um tópico sensível demais agora .
  - Sim, eu sei, você vai pro Japão e estamos a beira de um colapso por tentar um relacionamento à distância. - revirei os olhos.
  - É isso mesmo. A gente tá tentando aproveitar o máximo possível nos últimos dias, só que…
  - Só que o que?
  - Não é o bastante.
  - Eu não sou o bastante pra você?
  - O que? - Ele se virou, segurando meu rosto como uma pena. - Alguma vez já te deixei sem confiança sobre o que sinto por você?
  Nem que eu passasse anos e anos pensando sobre algum momento em que não me fez se sentir querida, seja na amizade ou dos dias em que ficamos juntos, eu seria capaz de duvidar sobre qualquer sentimento seu por mim. Neguei com a cabeça.
  - Espera… - uma dúvida surgiu para mim desta vez. - Você não se sente confiante?
  Me soltou, olhando para os próprios pés. Bingo?
  - , qual é… Sei que não sou a namorada perfeita e nem ótima com declarações ou coisas do tipo, mas você sabe que eu sou uma pessoa decidida. E quando eu quero alguma coisa, eu quero. E no momento tudo que eu quero é você.
  - E se algum dia acordar e decidir que não quer mais? Eu não vou estar aqui pra te beijar e implorar pra mudar de ideia.- riu sem sentir graça. - Vou estar a milhares de quilômetros ocupado demais lidando com robôs enquanto minha namorada se esquece de mim.
  Fale sobre situações impossíveis.
  Ele colocou as mãos dentro do bolso da calça como sempre fazia quando parava pra pensar. Tinha o olhar cabisbaixo e triste. Passei os braços por seu tronco, o abraçando com força e sentindo seu cheiro que aprendi a amar mais que tudo.
  - Eu não sabia que você se sentia desse jeito.- retribuiu meu abraço, deixando um beijo no topo da minha cabeça. - Como podemos melhorar isso? Eu deixo você me chamar de amor. Mas somente quando estivermos sozinhos, por favor, pode me chamar até de chuchuzinho, ou o que você preferir.
  Ele soltou uma risada enquanto me esmagava contra o seu corpo em seus braços.
  - Que tal bebezinha? Amoreco? - Enchia meu rosto de beijinhos, sugerindo um apelido pior que o outro. - Vida? Marrentinha?
  - Chega, chega, não consigo respirar - gargalhava no meio daquele ataque de estalados na minha bochecha e ele não me deixava escapar do seu abraço.
  - Tudo bem… - se acalmou e notei um sorriso mais calmo no seu rosto. Precisávamos ter uma conversa melhor sobre o que fazer, mas aquele não era o momento. era o dia do pai dele e da campbell. - Vamos voltar, você tá me devendo uma dança lenta.
  Assenti e caminhamos devagar de volta ao salão da festa. antes de passarmos pela porta de vidro, me pressionou contra uma parede de pedras com flores vermelhas decorando. o jardim de fora possuía várias tonalidades, diferente dos entretons amarelados de dentro.
  Não tive tempo de pensar direito quando kai me beijou. só me deixei levar pelo momento. Ele tinha gosto de champanhe e deixava meu corpo quente com os movimentos da sua língua sem incertezas sobre o que fazer comigo. Ele me conhecia direito, ele me tinha em suas mãos e não fazia ideia. Se soubesse, não viria com conversas sobre ainda não ter confiança o suficiente pra algum dia pensar que eu teria coragem de não querer mais ficar com ele.
  A vida não é um conto de fadas, sempre acreditei nisso, mas eu também não me envolvo com alguém que eu não achasse que merece tudo de mim.
  Sua boca era maravilhosa como sempre e seus braços acariciavam todo meu corpo com calma, como se me impedindo de fugir, como se em alguma realidade alternativa a dança lenta de Wallace e fossem mais interessantes do que ficar beijando meu namorado aqui fora.
  Mesmo antes de ficarmos juntos eu percebia o quanto era alto, meu tipo ideal. Eu estava de salto e ele continuava alguns centímetros mais alto que eu. Fazendo com que me impulsione para cima, encostando nossas virilhas quentes. Suas mãos subiram das minhas coxas até meu pescoço, onde me arrepiei incontroladamente. soltei um gemido na sua boca e sorri, o vendo tão sem fôlego quando eu.
   tinha o olhar perdido para minha boca inchada e vi seu braço contornando ao meu lado, até a parede, onde ele retirou uma das flores vermelhas e me deu. Apertei os olhos para seu, romântico demais, e evitei suspirar, lhe dando mais um beijo rápido.
  - Festa. Dança lenta. - repeti as palavras que ele me disse antes, relembrando-o o que iríamos fazer a seguir.
  - Isso. - ele balançou a cabeça, quebrando nossa bolha particular pro mundo real.
  Ao voltarmos pelo caminho, pensei em como aquela fora basicamente nosso primeiro resquício de dr. Sempre via nos filmes isso acontecendo e como era idiota quando pontuavam isso, o casal estava em uma fase muito melosa e a briga era minuscula.
  Mesmo pensando nisso, me recusava a falar em voz alta.
  - Ei, espera, adivinha? - nos parou de repente.
  - O que foi?
  - É a nossa primeira briga! - abriu um sorriso gigantesco e mole.

***

  Sempre me orgulhei por ser um cara bastante confiante. Não sei quando isso mudou.
  Ok, talvez eu saiba.
  Mas não é essa a questão desse caos rolando na minha cabeça. Minhas pernas não conseguiam parar um segundo sequer porque o nervosismo tomava conta de mim. Era a decisão certa, certo? Certo.
  Por isso falei com pelo telefone antes de ligar o carro e ir até a casa de buscar ela para a inauguração da sua antiga casa de irmandade. Tínhamos combinado isso fazia algum tempo, teria alguns comes e bebes e pessoas importantes pra mim lá, era a despedida perfeita, afinal, minha viagem para o Japão aconteceria hoje a noite.
  Bom, aconteceria. No passado. Porque decidi não ir mais. , diferente de mim, não achou que isso fosse o fim dos meus problemas de falta de confiança ou indecisão, bem longe disso.
  - Você tá maluco? - gritou no meu ouvido pelo aparelho.
  - Tudo bem… acho que você não gostou muito da minha ideia - resmunguei.
  - Eu não gosto de sopa de tomate, . Não gosto de colocar um tênis quando minha meia ainda está molhada. Não gosto de provas surpresa quando não estudei o assunto. Eu odiei sua ideia.
  - Ouch. Tanto assim?
  - Tanto assim. Sempre considerei você o mais inteligente entre todos nós, por que tá fazendo essa burrada?
  - Espera aí, não foi você que dispensou um curso por causa de uma garota há poucos meses atrás? É por isso que quero conversar com você, um pouco de apoio seria bom aqui.
  - E é exatamente por isso que sei que é uma ideia idiota. Onde está a garota por quem eu troquei uma das maiores oportunidades da minha vida? Isso mesmo, com outro cara. E nem a culpo, porque tudo deu errado entre nós, não ia funcionar. Mas quer saber? Talvez se eu tivesse ido, e eu estaríamos juntos até hoje.
  - Você quer voltar com ? - indaguei curioso. - Acabou de levar um pé da Hannah.
  - Não mude de assunto, caro amigo, não é disso que estamos falando. E não, não quero voltar com . Só estou dizendo pra essa sua cabeça tonta e insegura, que escolher ficar com a garota, não é garantia o suficiente de que vocês vão ficar juntos pra sempre.
  - Já é um começo. Ficar longe dela em um início de relacionamento também não garante que não. Estamos há poucos meses juntos, . Você teve praticamente sua infância e adolescência toda ao lado da .
  - Então seu problema é ficar longe dela tão cedo? Acha que não tiveram tempo o suficiente para aproveitarem juntos e agora o universo fez uma piada idiota querendo separar o casalzinho?
  - Bom… - O que poderia dizer? - Sim, é isso, basicamente.
  - Vai ter que arriscar então. A dor, a saudade, vai ter que existir. É um sacrifício de ambos os lados, . Como acha que ela vai se sentir se você escolher ficar?
  Culpada, muito culpada.
  - Isso não importa agora. posso falar com ela, dizer que foi uma decisão minha, porque realmente foi, assim como você decidiu ficar. Você se arrependeu?
  - É claro que não, só não quero ver meu amigo passando pelas mesmas desilusões que eu.
  - Eu sou grandinho , posso arcar com minhas consequências. - principalmente se ela estiver ao meu lado enquanto isso acontece.
  Ouço suspirar.
  - Sua despedida era hoje. Já contou à que desistiu de ir?
  - Acabo de entrar no carro, estou indo pra lá agora contar pra ela. Nos vemos no campus?
  - Sim senhor. Boa sorte.
  - Obrigado. Vou precisar.

***

  - Oie - senti seu perfume, o que foi o suficiente pra acender um frio no meu estômago e me deixar mais certo da minha decisão. O Japão não fazia com que eu me sentisse assim. Era só medo e nervosismo quando se tratava do Japão. - Eu vou só pegar minha bolsa, senta aí e espera um pouco. Pai, não mate ele, por favor. Apenas me dêem cinco minutos.
  Me deu um beijo na bochecha e saiu pela porta da frente indo até sua casa - sendo vizinha do restaurante Davi 's.
  A encarada mortal que ele me dava enquanto separava o troco na caixa registradora me fez pensar se ele cumpriria a promessa à ela.
  Me sentei em uma das banquetas a sua frente. Poderia ter esperado no carro, mas acho que se ficaria pela cidade mesmo, precisaria ser um pouco mais corajoso de enfrentar meu sogro.
  - Então… - fiz uma tentativa constrangida de jogar um papo fora.
  - Então… Vai embora hoje? - deu um sorriso feliz. claro que ele ficaria feliz. seu maior inimigo estava viajando pra fora do país hoje. Estava…
  - Sabe como é né? - desconversei, encolhendo os ombros.
  Sr. Sanchez fechou a cara.
  - Não sei. Sou imigrante, mas não tenho grana pra ficar viajando o país todo garoto. que careta é essa?
  - É que, você sabe como é... - já estava repetindo palavras, engoli o sapo e soltei o papo de uma vez. - a vida dá algumas reviravoltas. acontecem algumas coisas que não esperamos, e então, enfim, as outras coisas parecem mais vitais na nossa vida do que as outras coisas. tá entendendo o que tô falando?
  A sobrancelha grossa e o bigode revirado do Sr. Sanchez dizia que ele não estava compreendendo nada.
  - Fala logo antes que ela volte - ele disse, e foi o suficiente para me trazer a coragem que faltava.
  - Não vou mais para o Japão - me encolhi em modo semi fetal. Não sei por que achei que o Sr. Sanchez correria atrás de mim outra vez com sua espingarda, mas achei.
  Me surpreendi quando ouvi sua voz mais compreensiva me chamando de novo.
  - Engraçado, me disse que era tipo uma super oportunidade na sua vida e blá blá blá, como dizem os jovens. Aconteceu alguma coisa com o seu pai?
  Abri a boca ainda mais chocado por ele se preocupar com minha família em uma hora dessa. Tossi.
  - Não, Sr. Sanchez. Com meu pai tá tudo bem, e com minha família está tudo ótimo. Na verdade, as coisas já estavam todas prontas. Minha viagem era essa noite, já me despedi dele, já me despedi da minha irmãzinha Lexi, as malas estão prontas e passagem comprada…
  Ele bufou.
  - Bom saber que a primeira classe não tem problemas da vida real. Então porque esse drama de não viajar agora?
  Apertei os olhos e sorri sem graça pra ele, sanchez desistiu de uma resposta até que parece ter notado o envio.
  - Oh garoto, me diz que isso não tem nada a ver com a minha filha.
  - E tem algum motivo mais importante para me fazer não ir? - queria ter dito que aquilo foi um xeque mate, porque sei que a coisa mais importante da vida dele é . mas ele não parecia ter levado dessa forma.
  - Ela já sabe?
  - Não… decidi essa manhã. e sinto muito senhor, mas de nada ia adiantar tentar me convencer do contrário. sei que quer me ver muito longe daqui. só que nao parece o certo. não agora, não nessas condições - não queria dar uma de pirado ali, ele não tinha noção do que eu estava falando com condições porque não sabia como estava minha cabeça psicologicamente falando sobre minha relação com . basicamente, estava frágil. - Já falei com alex mais cedo, ele tentou me convencer do contrário também, disse que é uma estupidez sem tamanho e que nao vai adiantar de nada ter longe ou perto, porque relacionamentos não são para sempre.
  - Não acredito que vou dizer isso, porém, está certo.
  Dei um sorriso fraco.
  - É, eu sei. E também diz que a vida não é um conto de fadas, só que não fui criado desse jeito senhor, não é da minha personalidade, e não posso mudá-la agora.
  Ele parou de falar por uns instantes e me fitou. abriu a boca, puxou ar e soltou a pergunta séria:
  - Qual sua razão para ficar?
  - Eu acabei de falar que…
  - Não. A razão de verdade, . Você viveu muitos anos da sua vida sem minha filha e não iria morrer por ficar mais um tempo separado. Do jeito que conheço aquela ali, nunca ficou tão caidinha por um namoradinho. É duro admitir, mas eu a conheço, e você também, era amigo dela antes de começarem toda essa bagunça. Então me diga de verdade, qual é o problema?
  O problema…
  Eu não quero ir embora. Eu não tenho um motivo grande o suficiente para ir embora. Sequer lembro direito quais eram meus objetivos. Sempre fui um ótimo aluno, melhor da turma e favorito dos professores. Enfiava minha cabeça nos trabalhos do colégio e criava meios dentro de projetos eletrônicos que faziam eu me desligar pra vida. Isso é tudo que conheço. claro que sempre me diverti com meus amigos, só que meu objetivo era esse, crescer e melhorar a vida acadêmica para conseguir uma vida melhor. além do mais, sempre vivi minha vida sozinho, e sinto que com … Eu não estou sozinho mais. Tenho alguém pra me agarrar, alguém que eu confio de verdade, e não é só um amigo. É alguém que quero levar pro meu futuro, que posso e devo fazer de tudo pra ser merecedor desse futuro que quero viver com ela.
  - Você perdeu a mãe muito jovem, não é ?
  Meu coração apertou com a súbita mudança de assuntos.
  - Sim senhor. Ainda era criança, antes de conhecer .
  - Compreendo. Aliás, não sei a dor que você sentiu, longe disso, minha mãe fará 200 anos e ainda vai morar na minha casa, mas perdi meu pai cedo e posso entender o sentimento revirado que você vive.
  - Se o senhor sozinho entende, consegue me explicar?
  Ele soltou uma risada fraca, cruzando os braços sob o balcão impecavelmente limpo.
  - Além de viver uma crise adolescente normal, você está com dificuldade de sair do ninho que criou aqui. Com seus amigos, sua irmãzinha, sua vida comum, e agora juntou tudo isso em uma bola gigante de neve que pareceu se embaralhar na sua cabeça e colocou como motivo principal.
  - Não é isso - me defendi e nos defendi. - Eu quero ficar por ela. De verdade.
  - Ah, eu acredito. Com certeza acredito. Aquela criaturinha encanta qualquer um que não tenha levado alguns socos e pontapés dela. E até mesmo alguns que já levaram. Mas você não imagina o quanto seria bom, não só pra você, mas para a sua relação com ela também?
  - O que quer dizer com isso?
  - Bom, você vem aqui e me diz que quer ser o melhor homem possível pra minha filha. Quer começar isso abandonando sua carreira? - esse foi o maior tapa na cara que já levei sem uso das mãos, na vida. - Sem contar que, a culpa que ela sentiria por fazer você desistir dos seus sonhos seria gigantesca. também prioriza o trabalho, . Você sabe disso. Eu sei que você está com medo, mas é um passo de cada vez. Você não vai perdê-la, só vai ter um caminho mais distante que ajudará vocês a encontrarem maior confiança nesse relacionamento. Enquanto, é claro, um se esforça para ser melhor um para o outro.
  Cocei a nuca, fugindo de seus olhos. Estava começando a ficar sem argumentos.
  - É que… Eu não quero perder isso que tenho com ela.- tentei meu último artifício. - É novo e sinto que não vou conseguir outra vez. Não é uma peça que fabrico na engenharia da computação. Não é um robô que vou ajudar a construir no Japão.
  - E não vai perder. Qual é, o humor dela tá um saco a semana toda. Você quer desistir de ir. E os dois são jovens cabeças duras que sempre souberam separar os deveres de sentimentos, e agora parece que esqueceram que não é uma perda, é só um caminho mais longo. Telefones ainda existem. Você pode viajar pra cá e visitar ela, passar alguns dias, mensagens também, bem diferente da minha época que precisava trocar bilhetes na sala de aula e depois esperar um dia todinho pra obter alguma resposta.
  - Prontinho - apareceu iluminando todo o ambiente com sua presença. Infelizmente eu ainda estava conectado com as palavras do Sr. Sanchez e ela percebeu. - Pai… A espingarda? Sério? Outra vez?
  - Sem armas por hoje anjinho. - deu um beijo na testa da filha. - Pense sobre o que vai fazer , confio na sua decisão.
  E deu um tapinha no meu ombro antes nós dois sairmos em direção ao campus.

***

  A hora da verdade chegou, era a hora da inauguração das Zetas. Tudo estava pronto, a casa estava linda e faltava uns minutos para o churrasco/festa de inauguração começar.
  - E se ninguém se inscrever? - Sabrina estava nervosa.
  - Por favor, nós somos as melhores do campus. - respondi.
  - Alguém acordou com o espírito do narcisismo hoje. - Morgana rebateu.
  - Espíritos? Eu devo trazer o aspirador? - Britt estava alerta.
  - Mas é verdade, que outra casa teve uma história de derrota, superação, derrota e humilhação, superação de novo? Nenhuma. Então. Nós merecemos tudo isso, isso é nosso por direito! Nós sofremos mais que Jesus Cristo! Pelo amor de Deus!
  As meninas riram, mas entenderam o que eu quis dizer. Nós merecemos todo o reconhecimento e a glória. Esperamos muito por esse momento e finalmente, finalmente, teríamos. As Zetas passaram anos e anos sendo excluídas, invisíveis e irrelevantes no campus. Tão invisíveis que quase foram fechadas pra valer! Isso não é justo, nós merecemos mais que isso. Por isso, quando a hora foi dada, nós estávamos prontas pra inaugurar essa nova fase, esse novo ciclo, onde nós seríamos as maiorais no campus.
  - Estão prontas pra isso?

***

  O nosso quintal estava cheio, todo mundo estava lá pra prestigiar as Zetas. Quase o campus inteiro parou pra ver a inauguração da nova Zeta e as calouras já estavam correndo para se inscrever para a seletiva do próximo ano. Teríamos meninas muito mais que suficientes pra continuar com a casa no auge e quem sabe, ano que vem, ganhar os joguinhos anuais da Hearst.
  - Que orgulho de vocês! - disse , tentando controlar a emoção. - Quando eu pisei aqui pela primeira vez parecia cenário de filme de terror barato, mas agora… Isso aqui… Vocês conseguiram! - ela sorriu para as meninas.
  - Nós conseguimos, - Abby disse. - Graças a você e a , vocês acreditaram em nós quando ninguém mais acreditou. Vocês estiveram conosco durante todo esse tempo, lutando e defendendo a casa. Você até foi expulsa por causa disso… - senti o pesar em seu tom, mas tocou em seu ombro, consolando-a. - Isso foram vocês duas. Tudo isso. E nós somos gratas a vocês!
  Sim, eu estava chorando que nem uma cadelinha.
  - Eu sei que nós somos incríveis, mas isso aqui… Vocês são minha família - disse, antes de desabar em lágrimas. As meninas me abraçaram, incluindo a Morgana que agora estava mais suportável.
  Eu me sentia orgulhosa e contente demais em ter feito isso aqui dar certo no final das contas. Elas tinham razão, eu e lutamos demais e nossa amizade quase foi pro ralo, mas esse é o lado bom de uma boa história de superação, voltamos mais fortes que nunca.
  Quando entramos nas Zetas, uma era viciada em compras, dependente e confusa, e a outra briguenta e perdida, mas lutar pelas Zetas fez com que nós duas nos conhecêssemos novamente, e descobrimos quem somos de verdade. Eu não sou a mesma que era quando pisei aqui pela primeira vez e muito menos a é a mesma.
  Elas dizem que nós salvamos a Zetas e a reerguemos do zero, mas a Zeta nos reergueu também e nos salvaram.
  Me salvou do meu pai, dos meus medos, da minha dependência. E eu serei eternamente grata à tudo que elas fizeram por mim. Então sim, as Zetas eram a minha família e eu as amarei pra sempre.

***

  O dia estava com o sol perfeito, não a ponto de nos deixar torrando ou com o nariz congelado. Perfeito, para um dia quase perfeito.
  A lista das Zetas estava completa e parei no topo das escadas repensando sobre o convite de Campbell para voltar à universidade. Foi completamente injusta aquela expulsão, eu achava. Por uma cola ridicula que nem se concretizou. Com certeza Sanchez tinha feito coisas muito piores antes que resultaram em uma expulsão bem mais justa. Agora eu pensava o que faria no meu futuro, voltaria para a Hearst ou não?
  Seria um saco ter que passar por tudo aquilo sem estar na turma com meus melhores amigos, de fato. Talvez ainda nos esbarramos, mas não seria a mesma coisa, tenho certeza. Sem falar nos futuros diferentes que alguns de nós teríamos. Com focando na universidade e … bom e indo embora do país sem participar da própria cerimônia de formatura. Esse era o tanto de privilégio que ele recebia e o quanto a empresa chatona do Japão estava precisando dele.
  - Já arrumou todas as suas coisas? - perguntou para que vinha em minha direção, se sentando ao meu lado do banco de praça no quintal das Zetas. Em baixo de uma árvore gigante e bonita.
  - Sim senhora. As malas estão no carro, passaporte no porta luvas e dei tchau pra todo mundo.
  - Tanto faz, vamos todos nos despedir no aeroporto de qualquer forma - dei risada.
  - Ok então! Wallace vai passar em casa antes e eu vou dar uma volta com Ethan, nos encontramos lá às sete e meia?
  Afirmamos com a cabeça e a loirinha sumiu do nosso rastro, saltitando para um Ethan com cara de sono do lado do seu carro “zero bala”, como ele costumava falar. A coisa mais hetero que já ouvi na vida.
   estava estranho. Senti isso a tarde toda. Fazia sentido porque logo nossas vidas tomariam um rumo diferente, a dele bem mais que a minha, mas ele estava apagado e pálido desde a conversa com o meu pai naquela manhã, quando foi me buscar no David’s.
  - Desembucha - me afastei para olhar em seus olhos. Conversas sérias tinham que ser assim. Dica pra vida, se ele não olhar nos seus olhos durante uma conversa, nem insista.
  - An? - pareceu acordar de um transe.
  - An - imitei como uma idiota. - Você está petrificado o dia todo. Desde que falou com meu pai. Me diz o que houve.
  Não precisei insistir muito. Acho que era algo que ele estava querendo me dizer o dia todo, pois seus ombros ficaram mais aliviados do que o de Ron Weasley quando foi escolhido pelo chapéu seletor para ficar na Grifinória.
  - Eu tinha decidido não viajar mais.
  Por mil e um motivos, era pra essa frase soar como uma bomba. Mas tive paciência e fui compreensiva.
  - O que? - gritei. - Que diabos . Não ir não é uma opção.
  Ele fez careta, como se fosse apanhar, se afastou e colocou a cabeça entre os joelhos, mexendo nos cabelos, pensativo.
  Na verdade, era sim. Foi. É.Era até eu falar com o seu pai. Agora não sei mais - bufou.
  - Hum - contemplei. - Quer dizer que é por isso que você está tão tenso desde que ficou sozinho com meu pai? Pensei que ele tinha ameaçado tirar sua vida ou algo do tipo, como sempre.
  - Sem ameaças, ele só teve uma conversa franca comigo. Sobre o que eu sacrificaria e como isso seria bom pra nós dois.
  - Nós dois? Pensei que já tínhamos deixado isso um pouco claro no casamento do seu pai.
  - É , eu sei disso, mas avisa pro meu cérebro que gosta de pregar peças comigo e repensar cenas péssimas mil vezes antes de eu dormir toda noite como é simples tomar uma decisão dessas.
  Ouch. Sentei mais perto dele e acariciei seu ombro em uma massagem.
  - E o que o meu pai disse?
  - Falou que se eu quero ser a melhor pessoa possível pra você, não posso desistir de ser uma pessoa por mim mesmo, algo assim.
  Assenti, olhando para o chão.
  - Cariño, eu não me importo se você sabe construir robôs ou não, ou se é dono de uma empresa ou dono de uma pequena oficina de carros.
  Só queria que ele fosse bom por si só, e porque ele quer. Não porque achasse que eu mereço o melhor. Queria que ele entendesse o quanto é especial pra mim.
  Pena que Deus nem minha mãe não me deram um manual de como se expressar quando se nasce introvertida.
   fez careta.
  - Então você quer que eu fique?
  - Na verdade, eu quero que você perceba o quanto quer ir. Meu pai pode ter te falado coisas muito importantes que te fez refletir e tudo bem, até faz sentido essa história de querer ser o melhor pra mim porque quero ser melhor pra você também, mas eu saquei a parte mais importante disso tudo que fez você se sentir mais relaxado com a ideia de seguir em frente.
  Olhou para mim outra vez, pegando minha mão de seu ombro e deu um beijo nela, entrelaçando nossos dedos.
  - E o que foi? Me ilumine, Sanchez.
  - Uma conversa com um adulto - expliquei. - Um adulto lelé da cuca, mas mesmo assim, meu pai é bom nessas coisas.
  - Em incentivos? Como um bom psicólogo?
  - Em dizer que tá tudo bem. - sorri docemente perdida em lembranças de minha família sendo sempre prestativa nos meus piores momentos. - Abuelita também é assim. Meses atrás ela me deu um sermão sobre eu querer sempre apressar minha vida e tentar carregar o mundo nas mãos. E acho que ela tá certa. Claro que depois ela riu de mim e apostamos 10 dólares que eu nunca me formaria, e pode até demorar mais do que o esperado, mas vou tomar esse dinheiro dela.
  Ele dá uma risada e envolve meu corpo com o seu braço. Coloco meu nariz no seu pescoço enquanto tomamos aquele banho de pôr do sol.
  - Talvez você tenha razão.
  Fiz careta sentando ereta.
  - Sempre tenho razão.
  - Volta aqui - me puxou ao seu lado outra vez. - Eu não tive essa conversa com o meu pai. Ele não me disse que tudo estaria me esperando quando eu voltasse ou que sentiria minha falta, até porque não moramos juntos e não temos uma relação próxima. Acho que faltou isso para eu entender que preciso sair do ninho que construí aqui na cidade.
  - Muito bem, aprendemos e evoluímos muito hoje - disse como uma professora.
  - E sabe como fica mais fácil saber que se não fosse pelas circunstâncias, eu iria sem pensar duas vezes para o Japão?
  - Como?
  - Porque se você fosse comigo, eu não teria o que pensar. Estaria dentro daquele avião o mais cedo possível pensando como seria ter você só pra mim em um continente diferente.
  Quase fiquei corada. Quase. Culpo a intensidade de seu olhar ao falar isso. Ainda não me acostumei.
  Depois de ficar calada por uma eternidade e sentir que ele iria debochar de mim a qualquer segundo por obter uma reação daquelas em mim, lhe perguntei, finalmente.
  - Qual é o veredito?
  - Não faça mais apostas sobre beijar seus amigos no réveillon com sua avó - pediu.
  - Prometo que não.
  - Vai estar aqui quando eu voltar? - perguntou.
  - Mais gostosa do que nunca.
  - Se eu pagar sua passagem, você me visita?
  - Não teria recursos pra ir de outra forma - encolhi os ombros.
  - Vai me ligar e mandar mensagem todo dia? - choramingou.
  - Facetime de madrugada quando quiser, amor. Você usa sua mão, eu uso meu vibrador. Seremos felizes. - pisquei pra ele.
   deu uma gargalhada gostosa e me beijou apaixonado.
  Por fim, disse simplesmente:
  - O veredito final é o seguinte: eu amo você.

***

  Eu e Ethan estávamos no nosso lugar especial, deitados no capô do seu carro novo e assistindo o sol se pôr. A coisa mais hippie possível, só faltava aplaudir. Mas acho que Ethan estava se segurando pra isso.
  - Hoje foi um dia especial, vocês realmente mandaram bem na inauguração. Ano que vem a Zeta vai estar cheia, né? - ele disse casualmente, eu assenti. Não conseguia tirar meu sorriso do rosto.
  - Sim, estou tão orgulhosa. As Zetas agora serão lendas, não mais urbanas.
  Ele riu.
  - Esse ano foi muito louco, quem diria que eu e você estaríamos juntos, assistindo o pôr-do-sol e conversando sobre a sua casa de fraternidade que até uns meses atrás estava caindo aos pedaços.
  - Esse ano foi uma loucura mesmo - sorri. - Eu me tornei independente, saí de casa, me desprendi financeiramente do meu pai, arrumei um novo namorado que até tempos atrás me odiava e salvei minha casa da irmandade… Acho que vou trancar a faculdade e fugir de Los Angeles. - disse séria e Ethan riu. Riu não, gargalhou.
  Mas de verdade, foi um ano cheio de reviravoltas, eu preciso de um tempo! Quero um próximo ano normal, só focando em estudos, festas de fraternidades, garotos gostosos e praia, sol e roupas caras.
  E Ethan, claro. Quero levar Ethan comigo nas minhas próximas aventuras e loucuras, porque eu sou a Hudson e sejamos realistas, eu não conseguiria viver uma vida monótona e parada. Ficaria louca!
  - Bom, pelo menos você agora tem um namorado gostoso, cheiroso, que se veste bem e tem um carro zero bala e rápido - sorriu, se gabando. Fiz careta.
  - Eu gostava do Ethan hippie, com o carro velho e as roupas bregas - fiz bico. - Mas esse Ethan 2.0 é bom pra levar nas festas chiques… vou deixar todas as herdeiras e as mães de herdeiras com inveja!
  Ethan riu.
  - Isso , me use como um prêmio. Me exiba pras mãezonas de alta classe e suas filhas! Pode me usar, eu deixo.
  Eu ri e belisquei seu braço. Não queria apenas usar o Ethan, eu o amava. Do meu jeitinho meio louco, mas eu amava.
  - Será que seu pai ainda me odeia? - perguntou pensativo. - Bom, sua mãe e sua avó me amam, sua avó odeia seu pai, então talvez eu tenha uma vantagem? - franziu o cenho.
  - Por que quer saber? - perguntei confusa. - Meu pai está na era clean dele, limpando a imagem. Tá mandando flores quase todos os dias pra mim e pra minha mãe, levando ela pra jantar em lugares chiques e tentando me mimar também. Até minha avó! Ele nos levou pra comer camarão em alto mar! Então bom, acho que agora vocês podem virar melhores amigos.
  - Ótimo! Agora meu objetivo é fazer meu sogrão feliz e me adorar, porque ele vai ter que me aguentar por muitos e muitos anos - sorriu e se virou pra mim.
  - Muitos anos? - fiz careta.
  - Por que , já quer me chutar? - fingiu uma ofensa. - Eu sabia que só queria usar meu corpinho sarado. Vocês garotas de Beverly Hills são todas iguais…
  Eu ri.
  - Claro que não, bobinho! Mas nós vamos ficar juntos até eu chegar nos 50 e ficar muito rica, então aí eu obviamente vou te chutar e ficar com um garotão de 20 anos e ser uma rica, linda, loira Milf.
  Ethan engasgou, até se sentou, ajeitando a postura.
  - Você é realmente a mulher da minha vida, .
  Sorri.
  Era por isso que amava o Ethan, ele entendia as minhas loucuras e mesmo que eu não estivesse falando realmente sério sobre trocá-lo algum dia, ele não se importava. Nós éramos jovens e viveríamos nosso amor, sem pensar daqui 20 ou 30 anos, afinal, qual é a graça de prever o futuro e antecipar as coisas?
  Nós éramos um casal imprevisível. Diferentes demais um do outro, até nos odiamos por um tempo e por isso que dávamos certo. Porque nós não sabemos o que acontecerá daqui 5, 10, 20 anos, mas nós sabemos de uma coisa: sempre estaremos juntos. E é isso que importa.
  Ethan sorriu para mim e juntou seu corpo no meu, me abraçando. Beijou meus lábios demoradamente, enquanto acariciava meus cabelos. Sorri entre o beijo, sentindo aquela sensação de paz me abraçando naquele momento. Queria viver para sempre ali, naquela cena. Nos braços de Ethan e com nenhuma preocupação em minha cabeça, só vivendo o momento e esse amor.
  - Eu te amo, Hudson - ele sussurrou, com seus lábios no meu.
  - Eu também te amo, Ethan Mason.

***

  - Não se preocupe, vamos cuidar bem do seu apartamento - Wallace fungou, com lágrimas nos olhos.
  - É, seremos o casal mais limpinho da cidade, você vai ver. Seguiremos o seu legado do álcool em gel, meu amigo! - Dick e eu trocamos um abraço e sorri para os dois.
  Estavam todos os meus amigos lá, todos eles se debulhando em lágrimas e senti que deixei uma marca de felicidade ali, contente com isso.
  Claro que apenas uma pessoa não estava chorando. E tentava ficar afastada, fechada dos outros. Sorrindo calmamente.
  Um baque quase me fez cair no piso ilustrado do aeroporto por perder as forças na perna. tinha se jogado no meu colo e me apertou com força, estalando minhas costas.
  - Vou sentir tanta sua falta, irmãozinho. Papai, também, é claro. Disse que se precisar de alguma coisa, é só ligar pra ele! - sorriu iluminada e agradeci.
  - Sentirei saudades também, tampinha - fiz um carinho na sua cabeça, como um cachorrinho e ela fez bico por ter bagunçado o cabelo dela. Ethan bufou ao lado pelo comentário do pai. Ele precisa aceitar que todos os pais dos meus amigos me amam, é um dom natural meu.
  Trocamos um toque com as mãos e um pequeno abraço de lado.
  - Faça ela sofrer. Sei seu nome e seu endereço - disse amigavelmente em um sussurro no ouvido de Ethan, me afastei e sorri educado. Seus olhos arregalaram um pouco e ele assentiu.
  A chamada para o embarque soou próximo aos portões e fiquei um pouco mais nervoso. As malas já estavam despachadas e meus amigos estavam somente me fazendo companhia até chegar a hora. Chega a hora. Que nome dramático para um evento dramático.
  - Oi - me aproximei de fininho de , a rocha em forma de gente. A abracei com força e ficamos ali por um tempo, apenas sentindo um ao outro. Ela era mais alta do que a grande maioria das garotas, tinha um porte elegante e esbelto, mesmo assim, naquele momento eu a tratava como uma bonequinha de pano. Ficava minúscula ao lado do meu corpo e parecia querer se afundar dentro de mim.
  Ela estava mais calada que o normal. Desde que fui sincero com meus sentimentos no jardim das Zetas.
  Sorriu quando tirou o rosto da minha blusa branca. Ainda sem lágrimas. Qual é, estou fazendo um esforço máximo aqui pra não chorar e ela nada?
  - Não vou chorar, , desiste.
  - Lê pensamentos agora? - ela riu.
  - Apenas os seus.
  Bufei rindo pra sua careta de espertinha.
  - Abraço em grupo! - Wallace gritou no aeroporto e de repente nosso pequeno ninho do amor virou um gang bang brutal com milhares de braços nos apertando.
  - Eu amo vocês! - Britt gritou.
  - Eu também amo todos vocês! - chorou.
  - Amo… muito… - fungou Dick. - Vamos sentir sua falta cara!
  E me puxou de novo pra um abraço mais forte. Eu estava dividido entre gargalhar e chorar com aquela cena. Era algo que ficaria marcado em minha memória durante todo o voo, com certeza, e me lembraria que teria sempre amigos incríveis me esperando do outro lado do mundo.

***

  - Amiga, tá tudo certo? - perguntou .
  - Claro, por que? - me fiz de desentendida.
  - Ah, sei lá. O seu namorado está viajando por um ano fora e você parece estar nem aí - dei um soco em seu braço. - Ai cachorra pra que isso?
  - É lógico que tô ligando, inferno.
  - Ué, então tá toda travada igual uma pata choca por que quer?
  - Pata choca é tua mãe . É que… aconteceu uma coisa. - segurei seu braço permitindo os outros irem mais à frente, nos deixando sozinhas atrás ainda na entrada do portão do aeroporto. - disse aquelas palavrinhas mágicas.
  - Desculpa, por favor, com licença e obrigado? - fez careta. Honestamente, eu sentia que estava falando com Britt naquele momento.
  - Não mulher. Aquela outra palavra, que começa com A. - ergui as sobrancelhas, em uma expressão preocupadíssima.
  - Amarelinha? - questionou e levantei meu braço para lhe dar mais um soco e ela recuou gargalhando. - Ok, monstra. Amor, já entendi. E daí?
  - E daí? E daí… - balbucilhei. - E daí não é?
  Como eu queria finalizar aquela sentença? Só Deus sabe.
  - Ora… tá com medinho de lidar com sentimentos expostos ? Passa amanhã pra ver se eu fico com pena. Spoiler: não vou estar com pena.
  - Ele foi tão sincero. Pareceu sincero ao menos. Da outra vez ele soltou sem querer, lembra? Ele não queria falar. E agora disse com o peito estufado, tendo certeza do que queria dizer, e eu não disse de volta ! Eu não respondi que amava ele!
  - E não me surpreende. Você fala que me ama uma vez a cada dez anos quando está bêbada.
  Era exatamente isso que eu tinha pensado quando ele me falou!
  - Exatamente!
  - E pra que todo esse drama agora? Vida que segue . Se você não falou que ama ele, ele com certeza entendeu que você não o ama, ué. E também, ele já foi embora, então você perdeu sua chance de se declarar, ora que pena - bocejou desinteressada. - Ele vai fazer uma viagem bem longa pro Japão lidando com milhares de pensamentos negativos sobre como a namorada dele sequer consegue dizer que o ama de volta. A não ser, é claro, que você consiga encontrar ele no embarque.
  Olhou para o relógio em seu pulso.
  - Você tem cinco minutos.
  Sorriu como o Coringa na Piada Mortal.
  Desgraçada. Cachorra. Mal comida. Estou te matando em pensamentos, Hudson.
  Eu não vou fazer cena de aeroporto. Eu não sou dessas. Não vou fazer cena de aeroporto.
  Rosnei para antes de dar a volta e sair correndo para o local de embarque ouvindo a gargalhada maléfica da loira atrás de mim. Quando foi que eu e ela nos tornamos a mesma pessoa?
  Felizmente estava usando um converse e não salto alto, então consegui fazer valer a pena aqueles cinco minutos de corrida. Fazia tanto tempo que sequer levantava a bunda do sofá pra passear com meu cachorro que quando avistei a pista de embarque pelos vidros já estava com falta de ar. Parei uns segundos pra respirar e voltei com força total.
  Daqui a cinco anos iremos rir muito disso, porque agora eu só queria me bater por estar correndo atrás de um cara no aeroporto.
  Eu estou fazendo cena no aeroporto! Miura Sanchez Vega correndo no aeroporto! Esperaria isso de , mas eu? Jamais.
  As coisas que faço por esse moleque… Argh.
  Parei na distância de segurança - aquela em que a segurança é onde não tenho dinheiro pra pagar passagem e passar pelo detector de drogas e metais -, e comecei a procurar por aquela cabeça alta e loira.
  Balancei os braços quando avistei seu boné do time de hóquei da Hearst. A praga estava com fones de ouvido, então me esforcei dando alguns pulinhos ridículos enquanto acenava as mãos.
  - ! - Antes dele mostrar seus documentos uma última vez, um senhor atrás dele na fila apontou em minha direção e trocamos um olhar.
  E o desgraçado sorriu vitorioso.
  É sério, eu odeio homens.
  Cruzei os braços já irritada quando seu andar confiante se aproximou de mim.
  - Esqueceu de alguma coisa, amor? Mudou de ideia e quer vir comigo? Ainda tem espaço na mochila.
  - Quer saber? Esquece, pode ir, não vale a pena - reclamei.
  Ele gargalhou e ficou perdido, por uns segundos sem saber como agir. Quando ameaçou se virar de verdade, eu pedi pra ele esperar.
  - Eu quero te dizer uma coisa.
   olhou para os lados, achando que eu esperava alguma coisa cair do céu pela minha demora.
  - Tá tudo bem? - franziu a testa, guardando o celular no bolso de trás. - Aconteceu alguma coisa durante os dez minutos em que nos separamos?
  - Aconteceu. Eu tomei coragem, me abri pra , xinguei aquela cara de fuinha, corri mais do que corri em dois meses, quase caí da escada rolante e finalmente tô aqui.
  - fala logo, tô ficando preocupado. - tentou se aproximar, mas coloquei as mãos em seu peitoral, afastando ele pra tentar focar no meu objetivo.
  - É que eu nunca falei pra ninguém antes, tá? É idiota, eu acho isso ridiculo. Não falei nem pras minhas amigas e se falei, estava bêbada. Nem pra minha família. muito menos pra um cara, pelo amor de Deus, olhai o que você fez comigo.
  - Amor? - a voz da mulher no autofalante estava querendo interromper nosso momento, mas me perdi totalmente em sentimentos quando ele disse aquela palavrinha com aquele sorriso esperançoso de como se estivesse entendendo tudo.
  - Eu também te amo. - soltei alto e em bom som, com clareza e perfeita dicção. Uau, estava orgulhosa de mim.
  Por que eu nunca falei aquilo antes? Sério? Valeria a pena só por ver a expressão de seu rosto. Eu achei que ele iria sorrir quando eu me declarasse assim pela primeira vez. Mas eu estava errada. Ele não sorriu. parecia tonto.
  - É sério? - olhou ao redor. - Isso é real? Você acabou de dizer isso mesmo ou eu tô alucinando e ainda nem mudei de ares? Já entrei no avião e tô sonhando?
  Mantive a postura de durona. Sou fodona.
  - É isso mesmo que você ouviu. Eu amo você , pra caramba, lide com isso. - empinei o nariz.
  Ele quebrou a distância entre nós e me beijou. Tive que me concentrar ali, caramba. Suas mãos segurando meu pescoço com firmeza enquanto sua língua se deliciava com meu sabor foi um choque gigante para quem em dois segundos atrás estava tentando manter a pose.
  Pose essa que quebrou completamente quando ele parou o beijo e me deu um beijo delicado no queixo.
  - Eu quero lidar com isso . Por favor, me ame. - gargalhou. - Você tá tremendo.
  Olhou para minhas mãos e realmente, que situação Sanchez, você está tremendo.
  - - minha voz ficou melosa. Oh Deus, se ele pedisse eu poderia latir agora.
  Vou fingir que isso nunca passou pela minha cabeça.
  - Você está chorando. - ele se assustou. Limpei aquele liquido esquisito da minha bochecha e voltei a abraça-lo pra esconder meu rosto de tamanha humilhação.
  Ele estava tentando me agarrar pra sempre e rir da minha vergonha.
  - Tá feliz Greene? Que bela porcaria.
  Nos abraçamos o que pareceu uma eternidade. Fiquei quieta ouvindo os batimentos do seu coração até a voz da desgraçada da cachorra da mulher do som do aeroporto chamar pelos passageiros outra vez.
  - Eu vou sentir tanta sua falta - sussurrei contra seu pescoço. Queria ser mais alta pra sussurrar no ouvido e ser sei lá, sexy.
  - Eu também - mordeu leve meu lábio antes de dar outro beijo.
  - Não me troca por uma gueixa japonesa - pedi.
  - Jamais - sorriu com os olhos fechados, nossas testas coladas.
  - Me liga todos os dias.
  - Até durante o banho e você querer me bloquear.
  - Por favor. E finge que eu não chorei na sua despedida amanhã quando me ligar. Fala pra todos no chat de grupo que fui super madura e legal.
  - Tá maluca? Vou dizer pra todo mundo que nunca tive intenção maldosa alguma com você. Você quem me agarrou. Chegou aqui chorando e berrando que me ama.
  Ri, me lembrando de palavras parecidas que ele havia me dito depois do nosso primeiro beijo, no ano novo.
  - Então sinto muito, cabrón, mas terei que te matar.

Epílogo


  Contive minha vontade de dar algumas batidas no microfone e perguntar “Is this still on?”, como Britney faria.
  Meu coração poderia sair da boca a qualquer momento, mas contive toda aquela ansiedade maluca e olhei para minha família na plateia. Papai chorando enquanto segurava o cachorro de David. Agora adolescente e chato.
  Mamãe, como uma dama, sorria encantada pra todo aquele acontecimento milagroso.
  Sim, um milagre: Miura Sanchez-Vega se formando!
  Quem diria? Minha família com certeza não.
  - Quando a Campbell me chamou pra fazer o discurso de fim de ano da turma de formandos eu pensei que ela tinha ficado louca, é sério. Eu? Eu já fui expulsa desse lugar. - tem coisa mais estranha que ouvir a própria voz no microfone ou em um áudio? Como é que cantores devem se sentir? - Então ela me lembrou que eu voltei pra cá e me reergui, me formando como uma das melhores alunas da classe e todo aquele papo de superação, que acabei aceitando.
  Ouvi algumas risadas do público. Uau, sou uma comediante nata.
  - Sei que todos vocês estão metade bêbados e metade de ressaca das comemorações de ontem a noite na minha amada Zeta, então serei breve. Brincadeira, pais. Não me matem.
  Observei um loiro gato de terno caminhar pela grama verde até se aproximar e se sentar no lugar vazio ao lado do meu pai. Sorri vendo os dois se cumprimentarem como velhos amigos. Ou seja, papai o abraçou sem vergonha alguma.
  - A primeira vez que fui bolsista na Hearst, eu tentei entrar na universidade com dois empregos, vendia roupas de dia, vendia comida de noite e vendia testes de tarde no banheiro ao lado do auditório. Tô brincando Campbell, calma. O que quero dizer é, como uma pessoa super ultra mais experiente que todos vocês, só digo uma coisa: parem de ser doidos. Mesmo quando tudo tá parecendo perdido, fiquem calmos. A vida vai se resolver por si só. Minha abuelita costumava dizer que os jovens querem segurar o mundo pelas mãos e acabam sonhando demais sem viver a vida real.
  Tranquei a respiração ao citar o nome dela.
  - A questão é que crescemos demais nestes quatro anos, desde o primeiro passo na grande universidade da Hearst, que intimida todo mundo com o gigante Atlas parado como uma estátua no meio da grama acolhedora. E a gente cresceu tanto, porque fomos corajosos o suficiente de entrarmos aqui receptivos a viver tudo. Mudamos muito em quatro anos quando estamos de braços abertos. Por exemplo, eu lembro bem que pelo menos 90% da turma era hétero no primeiro semestre. E agora vejam só, todo mundo é gay. Pais, não me matem por esse discurso, estou apenas brincando. Ou não.
  Alguns amigos da minha turma ficaram vermelhos e outros riram exageradamente. Forçados.
  - Cinco anos atrás eu achava que sucesso era ter dois empregos e me matar no colegio pra conseguir o minimo de aprovação da minha família e até amigos, pra no fim, me deitar uma cama e me sentir infeliz e cansada, desaprovando tudo que fiz. Hoje, vejo que a história é bem diferente do que contam. A vida é mais que isso. A vida é sobre ser grandioso por saber que daqui em diante vai ser ainda pior. E melhor. Porque vamos enfrentar novos desafios na vida real com a sorte de ter o aval da escolha. A escolha de sermos pessoas melhores.
  Campbell estava emocionada. Acho que ela não acreditava que eu seria capaz de bolar um texto minimamente bonito.
  - A vida é sobre abraçar as diferenças, porque dentro delas você pode encontrar seu lar. A vida é sobre fazer o bem, e se fazer não seja possível aquela hora, seja o bem para outra pessoa que esteja precisando. A vida é sobre seguir suas próprias escolhas com empatia e honestidade, contribuindo com amor aqueles que te abraçam no caminho.
  Encontrei , Britt, Wallace, Dick, Ethan, Hannah, , as meninas da Zeta e todo o resto em cima do muro para me observarem melhor, carregando balões gigantescos com meu nome estampado neles. Sorri com os olhos marejados. Droga de suor lacrimal.
  - Sabe, minha abuelita estava certa. Adolescentes são afobados demais. Certo dia nós duas até fizemos uma aposta porque ela acha que eu nunca iria me formar. Me sinto culpada por não ter pelo menos me formado dois anos mais cedo. Agora, só posso esperar até um dia ver sua carinha lá no céu, pedindo meus quinze dólares e desejando que ela tenha um sorriso orgulhoso no rosto.
  Ouvi um “owwwwnnn” do público e achei que tava tudo muito meloso para o meu gosto. Mais umas palavrinhas e era hora de finalizar.
  - Então turma da Hearst de 2025, parabéns! Se não lembrarem de nada do que disse daqui uns anos, eu culpo vocês por estarem de ressaca em um dia tão importante.
  Palmas, palmas, palmas, de pé, vitória. I Am The Best de 2NE1 começa a tocar. Papai e alguns tios meus que também estavam ali tiraram a camiseta e cada um continha uma letra do meu nome escrito em tinta presa no peitoral cabeludo deles.
  E os alunos se levantam para pegar seus canudos. Acabou esse inferno!

Meses depois

  - É sério, eu amo você. Você é o amor da minha vida. Por que você tá me ignorando? Eu faço de tudo por você, limpo o chão que você come, literalmente, me arrasto aos seus pés, as regras dessa casa são criadas perante seus gostos. Por favor, para de me ignorar!
  Os dois olhos de jabuticaba se viraram para a janela estilo vintage branca. Bufei irritada.
  - Ainda espero o dia que você me trate assim - apareceu reclamando na sala e se jogou no sofá, suado, assim como eu.
  Estávamos enfrentando um longo dia de mudança em Los Angeles. Finalmente encontramos uma casa perfeita para nós dois, e Pucca, que desde que voltou do Japão, ainda vivia junto conosco no apartamento dele.
  Obviamente eu não ia ser bancada por um cara pelo resto da vida, então decidimos encontrar um bom meio termo. Pucca não gostou tanto da ideia, já que perdeu seu canto preferido de roer os dentes na quina de um móvel da cozinha.
  - Você é o amor da minha vida. Mas não é tão peludinho e fofinho quanto o Pucca, entende? - tentei soar razoável.
  - Eu posso ser - sorriu malicioso e me apertou com seu corpo no sofá. Gargalhei tentando empurrá-lo.
  - Credo, que nojo. Pare de se depilar e te chuto pra fora, vivo só com o cachorro.
  Pucca, pra quem não está lembrando, era de David. Mas depois que David virou um adolescente chato, introvertido que só ouve pop da Coreia e da China, decidi que adotaria um gato pra ele e quando saí de casa pra morar com , trouxe Pucca comigo, que não pensou duas vezes em aceitar minha oferta, já que sempre fui a favorita dele lá em casa.
  Nada contra gatos, já que também adotei um depois que fiquei uma temporada cuidando da gatinha de quando ela viajou para o Canadá e adivinhem só? Me apaixonei também.
  Agora é só eu e neste apartamento. Junto com Pucca, Haruto, nosso gatinho, nossa cacatua Michael e nosso peixinho Sushi. Acontece que depois que me demiti da Marc Fontaine e comecei minha própria marca chamada Miura investida pela própria Cadenza, precisei armar um zoológico em casa para me cercar de bichinhos e felicidade. E também, não se importava, amava todos eles tanto quanto eu, até achava que deveriamos aumentar a família logo pra um bichinho mais exótico e esquisito chamado criança humana que deveria de alguma forma nascer da minha barriga. Ainda não estou completamente convencida dessa ideia, mas veremos no futuro.
  Abby virou minha sócia administradora da marca Miura enquanto Morgana focava mais na equipe de marketing. Estávamos crescendo bastante no mercado, principalmente pela dona gostosona ter um ótimo olho pra moda e novas tendências. Obviamente, meu grande charme e personalidade me arranjaram ótimos contratos com uma empresa mixuruca chamada Marc Fontaine e investimentos de uma loirinha peituda dona de uma holding de negócios.
  Pucca se enfiou no nosso meio, querendo atenção como uma criança pequena e começou a lamber nossos rostos.
  - Eca - fez careta, procurando por alguma coisa em cima da estante branca, provavelmente álcool em gel. Eu ri sozinha. Esse costume nunca iria passar, para minha sorte.
  Ter um noivo cheiroso, gostoso, romântico e bom de cama era uma das minhas maiores felicidades da vida. Ah, sim. Noivo.
  Por onde começo?
  Bom, depois que ele foi pro Japão, não durou uma semana até ele voltar pra Los Angeles e ficarmos matando a saudade em sua casa completamente absortos da realidade. Juro, seu pai nem sabia que ele tinha voltado pra cidade. Começando nessa bizarrice de dependência um do outro, prometemos melhorar. Aí ele me pediu em casamento.
  Surtei e terminamos.
  Por uma semana.
  Fiz uma surpresa para o bonito e fui até o Japão depois de me demitir e tocar o foda-se pra Los Angeles. Fiquei 3 meses no Japão e até hoje só sei falar konnichiwa e não vou mentir, foram os melhores meses da minha vida. achou o mesmo, porque comprou o anel definitivo de noivado.
  Naquele tempo no Japão, me senti a Scarlett e ele era meu Bill Murray. Enquanto ele trabalhava, eu passava o dia todo desenhando vestidos e visitando lugares diversos e jardins paradisíacos do país. Descobri que meu sobrenome Miura, de alguma forma, é asiático, e daí foi o suficiente para mexer os pauzinhos e começar a organizar tudo para abrir minha marca.
  O trabalho de também foi um sucesso. Ele fez vários amigos na empresa que mantém contato até hoje e tenho muitas lembranças felizes dele usando um kimono. Como o planejado, o senhor Ren, dono da empresa Riko, abriu um escritório na filial do ocidente e o bonitão loiro em cima de mim era o encarregado das coisas ali.
  Depois que os três meses de felicidade se acabaram, encontramos em comum acordo que depois que essa fase de muito trabalho da nossa vida encerrasse, aí sim, eu pensaria em aceitar um anel dele. Mesmo querendo muito, muito mesmo, colocar aquele diamante rosa no meu anelar. E fez muita tortura me mostrando aquela pecinha delicada e perfeita por muito tempo até suspirar e guardar de novo na caixinha, prometendo que quando eu me formasse, ele me pediria em casamento.
  Voltei energizada para Los Angeles, desenhei minhas peças e consegui ajuda das minhas amigas que se tornaram sócias. Me matriculei na unidade fashion da Hearst e um dois anos depois virei a presidente das Zetas. Não foi difícil conseguir com que o Sr. Brown, meu antigo chefe, convencesse Eric Greene a dar uma olhada nas minhas peças para um impulsionamento de vendas em suas lojas, por assim dizer.
  Tá, o cara é literalmente o meu sogro, mas nunca na minha vida pediria algo assim para o . Até mostrei as peças anonimamente, por meio da Morgana. As peças eram tão boas que nem a cara ranzinza dela assustou Eric.
  Candeza é claro morreu de ciúmes quando soube do meu acordo e me chamou para uma temporada em Nova Iorque. Como não sou um clichê ambulante, só às vezes, mandei ela pastar, mas além de comprar minhas peças, também fazemos alguns trabalhos juntos para sua revista. E construímos uma grande e doida amizade onde com ela comecei observar o mundo da alta costura presencial, participando de grandes desfiles em outros países. Foi ali que cravei o meu sonho. Ah, Candeza também era ótima de boca, se é que me entendem, uma noitada de bar em Paris com ela vale por 15 dias em Vegas. Não que eu já tenha ido pra Vegas.
  Bom, ainda não.
  - Já pensou em Vegas? - perguntei curiosa.
  - Vegas? Sério? - seus olhos brilharam.
  - Não sei, acabou de passar pela minha mente.
  E quando enfim, me pediu em casamento em uma festa maravilhosa que aconteceu na praia ao lado da minha casa no dia em que me formei, ajoelhando e tudo, eu disse sim. Foi um dos dias mais felizes da minha vida. A abuelita não estava lá pra ver, mas sei que ela se orgulharia de mim por ter fisgado o cara gostoso do ano novo.
  - Por favor! Pode ser, ! Já disse que caso aqui mesmo, na sala de casa com você. No lixão, se for possível, em qualquer lugar, mas por favor, decide logo - implorou com a voz afetada.
  Ri e passei a aba do seu boné para trás, lhe dando um beijo com um acesso mais fácil.
  - Tem que ser o lugar perfeito - fiz bico, dramaticamente.
  Ele mordeu meu bico.
  - Qualquer lugar que tenha você é perfeito.
  - Eu sei, eu sei - revirei os olhos. Tanto galanteio diário desse aí… - Mas precisa ser perfeito.
  - De verdade? Pensa em algo que você queira muito, algum desejo interno seu, eu vou acatar madame, não importa onde seja. De baixo do mar? Ótimo. Quer casar na lua? Ligo pra nasa agora.
  Gargalhei o vendo pegar o celular e o abracei, pensando melhor.
  Dick e Wallace tiveram seu final feliz em uma cerimônia tranquila na nossa Vila Vincenzo mesmo. E eu achei incrível Wallace ter mantido nossa cultura no dia mais especial da sua vida, mesmo estando em um país diferente. O que me fazia pensar nos meus pais, que também tiveram um casamento simples, mas…
  - Espera - me sentei em um pulo e caiu no chão ao meu lado.
  - Ai.
  Pucca lambeu sua cara toda para sarar as feridas imaginárias do tombo. Não liguei, estava pensando em um bem maior, meu casamento!
  - Meus pais!
  - O que tem eles? - tirou o boné procurando algum galo. Tirei seu boné o colocando na minha cabeça e aproveitei que o grande gostoso estava deitado no chão e me sentei nas suas coxas.
  - Onde eles casaram - sorri travessa. - Não é óbvio? Por que não pensei nisso antes?
  Agarrei seu rosto e o beijei, tentando ignorar as latidas de Pucca.
  - E onde eles casaram? - olhou pra mim parecendo bêbado. Passei a mão em seu abdome com delicadeza e firmeza, observando suas reações.
  - Em uma igreja na cidade de Veracruz, onde eu nasci. É uma ilha maravilhosa, . Vamos nos casar lá - sorri e fechei a distância o beijando outra vez.
  Ouvi seu gemido rouco contra minha boca e suas mãos passearam pelo meu corpo me puxando mais contra seu corpo duro.
  De repente, ele me empurrou para que pudesse sentar.
  - Pera aí, deixa meu cérebro funcionar outra vez. Você decidiu?
  - Sim! - sorri imensamente.
  - A gente vai casar? - gargalhou incrédulo.
  - Exato!
  - Seis meses depois e você finalmente decidiu ! AH! A gente vai casar! - comemorei junto com ele, Pucca latia tão alto quando gritava e acordou nossa cacatua Michael que apareceu voando participando da festa também. Precisei correr para fechar as janelas antes que ela sumisse pelo quintal como fazia toda vez que encontrava uma brecha, a safada.
   continuava pulando com Pucca no colo e imitava seus uivos. É isso, senhoras e senhores. Casaria com um lunático, em breve. Na igrejinha da cidade onde nasci, mantendo minhas raízes no coração entrelaçados com o amor da minha vida.

***

  - , os investidores de Nova York não param de ligar! - Ana disse, aflita, enquanto andava ao meu lado na rua segurando suas compras.
  - Relaxa, Ana, eles podem esperar mais umas horinhas. Eles não vão a lugar nenhum - pisquei pra ela. - Mas as botas cano longo que eu comprei pra você, sim, elas vão para a França! - dei pulinhos de alegria.
  - França? Oh Deus, eu nunca fui à França… - suas bochechas coraram.
  Dei os ombros.
  - Estamos no Canadá, é quase a mesma coisa! - brinquei e Ana ficou pasma. Ela leva Geografia muito a sério.
  Muitas coisas mudaram durante os últimos cinco anos, tipo, muitas mesmo. Mas no fim, nada mudou, porque eu continuava a mesma. Quer dizer, não tão a mesma assim…
  Eu agora estava na versão 2.0 Fodona.
   Hudson não era mais a mesma patricinha viciada em compras que vivia nas rédeas do pai controlador, com medo do seu futuro e com medo de ficar para trás quando todos seus amigos crescessem. Porque Hudson cresceu e cresceu muito.
  Sem querer me gabar, mas eu tive o melhor glow up que qualquer pessoa esperaria. Inclusive eu mesma.
  Muita coisa aconteceu depois que foi embora, talvez tenha sido um choque de realidade para todo mundo buscar mais de nossas vidas. Eu comecei trabalhando como assistente da Stella Louise e ela acabou me ensinando muitas coisas, inclusive sobre o ramo dos negócios. E foi nessa brincadeira que eu percebi que podia juntar minhas duas paixões e fazer dar certo: dinheiro e números. Por que eu nunca tinha pensado nisso antes?
  Então larguei a Astronomia e foquei em Economia, fiz cursos sobre empreendedorismo, gestão de negócios e tudo que pudesse me deixar mais profissional nessa bagaça. E foi o que aconteceu.
  Nesse meio tempo, meu pai, finalmente, percebeu que nós éramos mais importantes que a Igreja e que os homens que ele seguia, respeitava e se espelhava. Percebeu que tinha duas mulheres incríveis ao seu lado e que mesmo com todo seu jeito difícil, não abriram mão dele. Então ele mudou.
  E mudou pra muito melhor.
  Me aceitou do jeito que sou e investiu em mim, me deu espaço pra crescer e me tornar a mulher que sou hoje. Uma empresária, mas não qualquer empresária, uma empresária na lista das mais ricas com menos de 30 anos. Sem querer me gabar, claro.
  Tudo começou com um pequeno estágio nos negócios dele, mas nós brigamos porque eu já estava me sentindo a chefe de todos lá e subiu à cabeça muito rápido. Fui demitida. Fiquei desesperada, chorei muito, disse que meu pai me odiava e liguei pro no Japão dizendo que estava de malas prontas e ia morar com ele.
  Mas , como o ótimo irmão de coração que é, me deu um super discurso motivacional dizendo que era melhor mesmo não dar certo com meu pai, porque isso poderia me incentivar a ir atrás do meu próprio negócio e fazer meu nome, não pelo o do meu pai.
  Então foi o que fiz. Comecei a pesquisar, investir e juntar dinheiro pra montar meu próprio negócio. Minha própria empresa. Tive ajuda, claro, de Stella Louise que foi minha grande mentora, minha mãe e minha avó que eram minhas ídolas e meu pai. Além dos meus amigos, claro, sempre estando ao meu lado.
  Fiz meu nome, alguns investimentos deram certos e outros errados, quase fali, chorei de novo e liguei pro dizendo que dessa vez era sério e eu ia pro Japão, jurava por Deus e pela mortinha.
  Eu não fui, fiquei com medo que a morresse e então nunca mais jurei por ninguém mortinho.
  Então depois de muito esforço incansável e estudos, pesquisas, investimentos e reuniões com velhos de terno que estavam mais interessados no meu decote que nas minhas ideias, eu consegui, obtive sucesso e minha holding explodiu mundialmente. E como sou muito ambiciosa e enxerida, fui me enfiando em várias áreas possíveis, para ter meu nome em cada lugar que coubesse.
  No ramo dos negócios, economia, na moda, na culinária, até no entretenimento e na Hearst também, já que eu investia na faculdade que me trouxe os melhores anos da minha vida, minhas melhores amigas e as Zetas, minha eterna família.
  Uma businesswoman de respeito, igual a Beyoncé.
  Contratei Ana como minha braço direito, levava ela para todos os lugares possíveis comigo. Eis que no final ela se tornou uma grande parceira pra fazer compras juntas em vários lugares do mundo. Além de ser muito competente e dedicada, fazendo com que a LHudson se tornasse uma das maiores.
  O velho da Amazon que se preparasse, eu ia dominar ele também.
  - O Ethan ligou também - Ana disse, tentando segurar a risadinha.
  - O que foi dessa vez? - perguntei desinteressada e então parei, no meio da rua. - A Mia tá bem? - coloquei a mão no peito, como uma mãe preocupada que sou.
  Tudo que faço é pela minha filha felina, Mia. Ela é a gata mais mimada que existe, eu consegui fazer ela aparecer em uma revista no Top 5 As gatas mais influentes do Instagram.
  Mia faz até comercial de ração! Ela só veste Miura! Essa gata é mais relevante que muitos…
  - Não - ela riu. Eu já estava quase tendo um passamento no meio da rua. - Ele quer saber se vocês vão jantar esse final de semana. Ele quer cozinhar camarões - sorriu.
  Era engraçado como Ethan gostava de passar recados pela Ana e não, não era porque eu não o respondia. Eu mandava mensagens por ele quando qualquer coisa acontecia. Mas ele fazia isso porque sabia que falando pra Ana, ela cancelava qualquer reunião que eu tivesse no dia ou qualquer compromisso, só pra eu sair com ele.
  Ela seria capaz de planejar meu casamento sem que eu saiba, só com a ajuda do Ethan pra me arrastarem pro altar.
  Para as curiosas, Ethan havia se tornado meu sócio. Coincidentemente ele tem o mesmo gosto por dinheiro, números e negócios como eu e por isso, sabia que era o certo tê-lo ao meu lado nesse negócio. Mas claro, cada um com suas coisas, Ethan tem seus negócios e os eu os meus. Nunca misturaria amor com trabalho, nunca que isso daria certo.
  E de uma forma boa, Ethan se tornou mais que meu sócio e namorado, ele se tornou meu melhor amigo, meu parceiro, muito mais que o cara que eu namorava e dormia junto. Ele era uma parte de mim, da minha vida e da minha história. Ele sempre estaria comigo e nós sempre estaríamos juntos.
  Mas nós éramos livres. Éramos dois adultos maduros que tinham o direito de ir e vir, viver nossas vidas sem drama, sem dor de cabeça, sem cobranças e pressão. Até porque, nem sempre estávamos na mesma cidade ou até no mesmo país, então nós vivíamos esse tipo de romance moderno em que cada um tem sua liberdade, sua vida e quando estávamos juntos… era especial. Era diferente.
  A de cinco anos atrás, com certeza teria se casado com o Ethan se ele tivesse pedido e viveria o romance dos sonhos, o casamento em um lugar podre de chique, com um vestido que vale mais que uma casa própria e coberta de jóias. Como uma princesa.
  Mas, eu nunca teria crescido se tivesse feito isso. Por mais que eu e Ethan nos amássemos e nos amamos muito, nenhum dos dois quer viver preso. Principalmente agora em que eu estou no auge da minha carreira e o Ethan também não tá pra trás.
  Ele trabalha com a bolsa de valores e investe em praticamente todas as companhias de carro mundialmente. Quase um Lobo de Wall Street, só que sem problema com drogas pesadas e a Margot Robbie, infelizmente.
  E eu gostava disso. Eu gostava de saber que Ethan estava tão grande quanto eu e conquistando o mundo, porque ele merecia isso. Nós crescemos muito durante esses cinco anos e nossa relação se tornou muito maior que um título, um anel de brilhantes e um felizes para sempre.
  Mas nos nossos finais de semana, quando ficávamos juntos, éramos a e o Ethan de 20 anos novamente, nos nossos dates depois das aulas. Nada havia mudado, porque os nossos sentimentos continuavam os mesmos.
  - Depois eu ligo pra ele e digo que vou jantar sim com ele no final de semana - sorri. Ana se segurou pra não dar pulinhos de alegria. Como eu disse, ela shippava demais.
  - E inclusive, você precisa marcar o jantar com e , não esquece!
  - É muito difícil de ser tão requisitada socialmente - suspirei. Ana riu de mim.
  E se a pergunta principal agora é: o que estamos fazendo em Toronto? Eu respondo.
  Já não bastava investir em tantas coisas e em áreas diferentes, só tinha um que eu ainda não investi ainda e queria muito tentar: esporte.
  Queria investir na área do esporte. Era um salto arriscado, todo mundo dizia, mas eu não ligava. Eu já investi em coisas mais difíceis, tive que lutar contra caras engravatados que não acreditavam em mim e ir em eventos onde eu era só um pedaço de carne para um bando de velhos tarados. Juram mesmo que Hudson não vai conseguir o que ela quer, né?
  Estará na minha futura autobiografia, no documentário fechado com o New York Times para 2030 certeza: O que Hudson não consegue?
  Por isso viajei a Toronto.
  Não só pra fazer compras, claro, isso é a minha prioridade e por isso arrastei Ana comigo. Mas também pra uma reunião com quem investirei. Não sei muito bem sobre ele, Ana que estava tratando de tudo e disse que eu só precisava chegar em Toronto, usar meu poder de persuasão e talvez um pouco de terror psicológico e pronto, consegui mais um.
  - , nós precisamos ir para o hotel deixar isso aqui - Ana balançou as compras. - E depois nos arrumarmos pra reunião.
  - Tudo bem, vamos… - disse, mas então parei, algo mais importante chamou minha atenção. Eu congelei, soltei minhas sacolas e fiquei petrificada, sem reação.
  A vitrine da loja cara. A bolsa de couro falso branco, com detalhes em ouro rosé. Era linda e assim que a vi ouvi as harpas do Paraíso tocando. Sim, era um sinal divino. Deus me trouxe até essa bolsa.
  E tinham sapatos combinando… Meu Deus.
  Eu estava colada na vitrine, ouvindo a harmonia das harpas e vendo os anjos dançando por cima da bolsa. Ela me chamava, cantarolando, “Venha , me leve pra casa… E leve os sapatos, não esqueça”
  Eu poderia usar essa bolsa na formatura da … ou talvez, no meu jantar com o Presidente.
  - Eu te amo, bolsa de couro falso branco com detalhes em ouro rosé e com sapatos combinando. Eu te amo muito - sussurrei pra vitrine, desenhando um coração no vidro.
  - Se você quer, é só entrar e comprar, senhorita Top 5 mulheres mais ricas e influentes com menos de 30 anos - ouvi a voz familiar ao fundo, misturada com as harpas divinas que tocavam, me arrepiei, Mas não me virei, estava concentrada na bolsa.
  - Deus? - olhei pro céu.
  Eu sabia que Ele trouxe essa bolsa pra mim, mas se Ele já estava falando comigo é um sinal claro de que a) eu preciso dessa bolsa ou b) estou ficando louca e preciso de férias.
  Ouvi uma risada alta e me assustei, agora Ele estava rindo da minha cara? Não, não pode ser… Não era Deus.
  Me virei para ver quem estava rindo de mim e lá estava o meliante, não era qualquer pessoa. Sempre tinha que ser ele, sempre tinha que ser o .
  Eu realmente não esperava por isso. Não esperava vê-lo. Faziam anos que não via .
   havia conseguido uma bolsa em Londres e se mudou com Hannah, eles ficaram juntos por um tempo e fez seu nome no hóquei universitário londrino. Então, conseguiu uma bolsa no Canadá, a mesma que conseguiu no fim do colegial e abriu mão por minha causa… só que dessa vez ele aceitou.
  Se formou em Toronto sendo o capitão, craque e orgulho canadense no hóquei e saiu da universidade direto pra um time profissional. Atingiu o auge da sua carreira, sendo o jogador mais jovem e mais bem pago. Faz comerciais, publicidades, entrevistas e tem até sua figura em miniatura. É o herói das e dos pequenos garotos que querem ser igual a ele, um craque no hóquei.
  Ele se tornou o que sempre nasceu pra ser: uma estrela. E um super herói.
  Mas durante toda essa sua ascensão, acabamos perdendo um pouco do contato e não nos víamos muito. O que era esquisito, já que éramos inseparáveis. Às vezes me pegava lembrando dele, da nossa amizade, sentia falta, mas algumas coisas são pra ser e talvez nos afastarmos tenha sido o certo.
  - Nossa, você não mudou nada… - disse baixo, quase um murmúrio. - Quer dizer, agora você é uma empresária fodona e importante. Me sinto até ameaçado - brincou.
  Eu ri.
  - Você por outro lado… - não parecia mais um adolescente. Ele parecia um homem, porte de atleta e com certeza mais bonito que na televisão ou nos photoshoots.
  Revê-lo assim era esquisito. Era como se o tempo tivesse passado, mas estando cara a cara de novo, ainda éramos os dois adolescentes de 16 anos que iam para os bailes da escola juntos e juravam que se amariam para sempre.
  - Eu como bastante carne - ele sorriu, mas levou o dedo indicador pra boca. - Mas não conta pra Britt, ela me mataria.
  Eu revirei os olhos de brincadeira.
  - O que estão fazendo perdidas por Toronto? - perguntou. Ana não tinha reação, acho que estava um pouco intimidada com a figura masculina que se tornou.
  Ou ela estava me escondendo alguma coisa, porque parecia muito estranha.
  - Compras, não tá vendo? - respondi e ele sorriu.
  - Achei que tinha largado essa vida, … que decepção - brincou e eu revirei os olhos.
  - Eu estou ajudando essas lojas, estou botando a comida na mesa de todas as funcionárias sempre que eu passo por uma loja. Eu deveria ser uma santa, A Santa das Comissões.
   gargalhou.
   Voltei minhas atenções para aquela peça angelical que estava na vitrine. Suspirando, eu estava completamente apaixonada por essa bolsa.
  - O que temos aí? - ele perguntou, ficando ao meu lado e encarando curioso a vitrine.
  - É um pedaço do céu, … Isso foi feito pelas mãos de um anjo, eu tenho certeza - suspirei. - Deus colocou essa bolsa em meu caminho, com o sapato combinando!
   se virou pra mim, com um sorriso no rosto.
  - Eu compro pra você.
  Arqueei as sobrancelhas.
  - , eu posso comprar essa bolsa… Dinheiro pra mim não é problema.
  Ele deu os ombros.
  - Considere um presente, pela nossa nova parceria, pela nossa amizade e pelo nosso reencontro - sorriu.
  Franzi o cenho.
  - Que nossa nova parceria? Nós somos parceiros de algo que eu não to sabendo? - cruzei os braços. ficou sem reação por um minuto, olhou para a Ana e coçou a nuca.
  Se eu conhecesse bem o , agora ele bem que queria uma barrinha de chocolate no bolso porque ele estava nervoso. E Ana também estava nervosa. Os dois estavam me escondendo alguma coisa.
  Então, logicamente, juntei 2+2.
  O motivo de eu ter vindo pra Toronto é porque eu tinha uma reunião com um atleta que queria que eu investisse em seu time. Só que Ana foi quem negociou tudo, eu apenas viria para reunião conversar com ele.
  Ana foi quem incentivou tudo, ela disse que eu precisava investir nesse time, que ia ser maravilhoso pra mim e eu não me arrependeria de vir para Toronto.
  Agora entendo o que ela quis dizer.
  - O atleta do time que eu vou investir é o , não é Ana? - perguntei pra ela. Ela ficou mais pálida que morador de casa assombrada.
  - , não me demite, pelo amor de Deus. Eu achei que seria legal fazer vocês dois se reencontrarem depois de anos… - seus olhos brilharam.
  Depois disso tenho quase certeza que a Ana escreve uma fanfic sobre mim, e Ethan.
  - Se serve de consolo, eu não sabia que você não sabia - deu os ombros. Eu o fuzilei com o olhar. Ele deu três passos pra trás.
  - Claro que não sabia, . O gostosão, atleta, influente, rico e filantrópico nunca sabe nada - cruzei os braços.
  - Você me acha gostosão? - deu um sorrisinho.
  Arquei as sobrancelhas. , literalmente, quase com dois metros de altura, correu atrás da Ana para se proteger.
  - Vocês tão pedindo, eu vou… eu vou mesmo. Vocês tão pedindo!
  - Ela é assim mesmo normalmente? - sussurrou pra Ana.
  - Acho que só na sua presença - sussurrou de volta. - Ou talvez ela não tenha tomado café da manhã. Você sabe como ela fica quando não toma café da manhã.
  Os dois riram de mim e eu bufei. Desisto desses dois, por que meu Deus, eu vim pra Toronto?
  Poderia estar agora fazendo loucuras com o meu (sem definição, título), Ethan e não perdendo meu tempo com o meu ex-namorado gostosão que tá mais gostoso que deveria para não ser uma tentação!
  - - ele saiu de trás da Ana, recobrando sua dignidade. - Se eu te comprar a bolsa, você não demite a Ana, não me agride fisicamente ou psicologicamente e assina comigo?
  Olhei para Ana que assentia com a cabeça, praticamente implorando pra que eu dissesse sim e para que ainda tinha o olhar de cachorrinho que caiu da mudança. Desde criança ele era assim, saco!
  - Se levar os sapatos também, eu não demito a Ana e assino com você.
  - E sobre me agredir? - franziu o cenho.
  - Isso eu não posso prometer, vai depender da minha animosidade.
  Ele deu os ombros.
  - Tá de bom tamanho pra mim - sorriu. - Vamos, milady. - piscou pra mim e foi em direção à entrada da loja.
  Assisti entrando na loja e voltei para anos atrás, no meu primeiro ano na Hearst quando ele me comprou uma bolsa depois de perder uma aposta. Lembrei daquele ano maravilhoso em que eu tive minha vida virada do avesso, mas que me trouxe pra esse momento que estou hoje.
  Bateu a nostalgia. A época boba em que eu não sabia do que seria minha vida, quem eu amaria e se minhas amizades durariam. Se eu teria comigo pra sempre ou se depois do término nós nunca mais seríamos os mesmos.
  Eu tinha 15 anos novamente, correndo pelas lojas caras de Los Angeles com ao meu lado pra escolhermos o melhor terno e vestido para nossos bailes. E voltei para a noite em que o entreguei nos braços de Hannah, no casamento do pai de .
  Na noite quando percebi que nós não seríamos mais os mesmos e nada duraria pra sempre. Mas eu estava feliz, porque eu o amava.
  - Você vem? - perguntou, parado na porta à minha espera.
  Sorri.
  Talvez eu esteja errada, talvez as coisas não tenham mudado tanto assim. Talvez amizades e primeiros amores sejam realmente eternos.

EL FIN



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