Atlas

Escrito por Carmen Tadeo | Revisado por Luba

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Prólogo


  Em alguma casa de classe alta em Beverly Hills.
  As luzes brilhando nos candelabros caros grudados nos tetos em cada cômodo da casa eram a melhor parte da noite. Elas e o champanhe caro – e delicioso – que ficava em minha taça por menos de dois minutos cada vez que chegava outra bandeja. Claro que quando ninguém me irritava ou puxava algum assunto tedioso sobre minha família conseguia durar mais minutos.
  Era apenas um jantar beneficente entre pessoas “importantes” de Los Angeles e como meu pai era um dos religiosos mais respeitados do ramo e contribuía com quase tudo na sociedade, sempre aparecíamos nesses jantares. Por mais tediosos que fossem.
  Virei-me e fui atrás de um espelho – que por incrível que pareça haviam muitos nessa casa, que me indicava que ou a pessoa era muito egocêntrica, ou os espelhos deixavam a casa mais estilosa - para verificar a minha situação. Estava tudo bem até então, a maquiagem com os olhos cheios de glitter ainda estava no lugar, a boca com um leve batom rosa quase igual a minha cor natural estava também no lugar.
  Já meu vestido era um desastre. Por mais bem feito que fosse, era longo e sem decote algum, já que meu pai morreria se a sua filha saísse mostrando o que Deus lhe deu – e muito. A única vantagem era que mostrava minhas costas, mas para meu pai nenhum homem se interessaria pelas minhas costas.
  Dei mais uma checada no espelho, penteando meus fios loiros soltos com os dedos, percebendo a pontinha do meu nariz um pouco mais avermelhada. Encarei a minha taça. Aquilo não era tão forte para me deixar bêbada tão fácil assim. Dei os ombros, ignorando e voltei a andar pelo salão.
  Peguei mais uma taça quando o garçom passou com a bandeja e tomei o primeiro gole, agradecendo o Santo Álcool. Para meu pai, usar decote estava fora de cogitação, mas beber antes dos vinte e um anos era normal. E quem seria eu para julgar?
  Avistei meu pai conversando com um grupo de amigos, mas também com os filhos desses amigos, senti o que aquilo significava e então bebi mais um gole, me preparando para a batalha.
  A verdade era que ele tentava me casar com um dos filhos dos amigos dele desde que eu tinha dez anos de idade. Linhagem de sucesso, já ouviram falar? Se eu casar com um homem importante e influente, terei um legado para passar e então a família Hudson continuará mais poderosa ainda.
  Agora, se eu casar com um homem que amo e não for metade do que meu pai quer, a linhagem de sucesso será corrompida e a família Hudson vai morrer no esquecimento. Agora reflitam, o que era mais importante pra ele?
  Enfiei-me na roda dos amigos e a maioria dos filhos desses amigos eram jovens, bonitos, bem vestidos, com classe e completamente charmosos. Alguns até sensuais demais que com certeza eu ficaria. O sonho de qualquer garota que nem eu – a não ser as que adoram se envolver com os problemáticos. Um deles em especial não tirava os olhos de mim. Ele tinha cabelos pretos em um bem feito topete, olhos castanhos vívidos que não tirava de mim. A boca colada no copo de alguma bebida que tomava. Deu um sorriso de canto para mim e eu apenas retribuí disfarçadamente, enquanto bebericava meu champanhe.
  - Essa é minha filha, Hudson. – Meu pai me apresentou para todos no círculo.
  Os senhores e os rapazes me cumprimentaram com apertos de mão. Até mesmo o mais gato deles, que não tirava os olhos de mim. Juro que quando nossas mãos se tocaram eu pude sentir uma energia surreal.
  Ok, se fosse para casar com um deles, com esse rosto, valeria toda a infelicidade.
  - Essa é a ingrata? – Um dos amigos riu e o bando de homens desocupados o acompanharam. Inclusive meu próprio pai.
  Arqueei minhas sobrancelhas e o encarei.
  - É assim que o senhor anda me apresentando pelos cantos, papai? – Sorri falsamente e ele engoliu seco.
  - Bom, você não me deu escolhas, querida. – Retribuiu o sorriso e eu quase taquei minha taça em sua cara. – Quer dizer, você está renegando toda a educação e amor a Deus fazendo uma faculdade para desacreditar mais ainda, – disse forte, como se estivesse completamente indignado com esse fato. – Você está perdida minha filha. – Rolei os olhos.
  O problema do meu pai era seu fanatismo religioso. Não era a crença, porque cresci nesse mundo e nem por isso sou tão cabeça fechada quanto ele. Seu jeito um pouco extremista, levemente machista – que sumia quando minha mãe o colocava em seu devido lugar – e até mesmo intolerante, era apenas a má formação que tinha. Sua cabeça era fechada desde sempre e não abriria tão cedo.
  Os seus parceiros mal entendiam o que estava acontecendo e o silêncio constrangedor dominou. Ninguém tinha nenhuma merda para dizer? Estranho. Nenhuma piada idiota e machista? Acho que os ricos de hoje em dia estão perdendo o jeito…
  - Pai, supera. É só uma faculdade.
  - Não, não é. É muito mais que... – Interrompi.
  - Tá bom pai. Vou ir com a mamãe. – Tomei o resto do meu champanhe, deixando a taça em sua mão e saí andando, deixando ele seus pensamentos antiquados para trás.
  Andei pelo salão, sentindo os olhares quentes do moreno em minhas costas. Talvez fosse melhor assim só ter essa parte descoberta, o deixaria realmente com vontade de mais. Papai não havia se enganado escolhendo meu look.
  Pena que foi minha mãe quem o escolheu.
  Falando nela, ela e mais algumas amigas estavam juntas em uma mesa do lado de fora, conversando com pessoas importantes e influências do mundo da moda. Junto com elas, estava uma mãe de um amigo em comum, . Estranhei sua falta. Fui até minha mãe, surpreendendo-a com um beijo na bochecha e ouvir sua gargalhada, já valeu a pena sair de perto de meu pai.
  - Minha filhinha. – Puxou uma cadeira para que eu sentasse ao seu lado e assim fiz, me sentando. – Pessoal, essa é minha filha e , você já conhece o pessoal.
  Sorri, cumprimentando todas. Ela me apresentou para uns donos e donas de lojas importantes pela cidade que não prestei atenção no nome, porque só me focava no olhar do moreno no outro lado da sala.
  Encarei o pai de , levemente curiosa para saber do meu amigo que provavelmente seria um ótimo escape para mim daqui.
  - Senhor Greene. O não veio?
  Ele balançou a cabeça em negação, e vi que a sua companheira apertou seu braço levemente.
  - Ficou com os amigos, acho. Não sei o que ele foi fazer, só não achou muito “a praia” dele isso daqui. – Deu os ombros. – Quem sou eu para forçá-lo?
  Encarei minha mãe um pouco perplexa e levemente irritada, já que tive que passar horas ouvindo o sermão de “ir nesses lugares faz bem, seu amigo estará lá e você não ficará sozinha, agora se arrume”. A mulher apenas deu os ombros, sem resposta.
  Tirei meu celular da bolsinha que estava em meu ombro e procurei um número específico. Pessoas teriam que me ouvir.
  : Onde você tá? Muito obrigada pela força, você me paga. Beijos.
  : Mandar beijos no final da frase não vai te fazer mais ameaçadora, pequena. Segue em frente.
  : Você me deixou sozinha aqui, que amigão.
  : Desculpa se eu não tenho um pai extremista maluco que me levaria pelos cabelos.
  : Sabe da ? Viu ela?
  : É... Não.

  Rolei os olhos. Esses dois…
  : Isso não vai ficar assim, me aguarde.
  : HAHAHA Pode vir.

  Bloqueei o celular e o guardei.
  Levantei da mesa, me despedindo das mulheres e voltei a dar mais algumas voltas pelo salão. Conforme entrei novamente na maior sala, me perdi pelos candelabros e voltei para o espelho, verificado se ainda estava tudo no lugar. E estava mesmo.
  - Com licença? – O garçom me chamou. Virei para ele, arqueando a minha sobrancelha.
  - Sim?
  - Um cavalheiro me mandou lhe entregar isso... – Deu então em minha mão um copo de alguma bebida diferente e um papelzinho. A bebida reconheci, sendo a mesma que o moreno maravilhoso estava bebendo. E o papelzinho, esperei para ler.
  - Muito obrigada. – Sorri para o rapaz que saiu.
  Bebi a bebida em um primeiro gole e a sentir queimar minha garganta, me fazendo tossir. Mas ninguém notou. A bebida era com certeza mais forte que meu champanhe e muito melhor também, muito mais gostosa e que provavelmente me deixaria muito mais bêbada.
  Ele era dos bons…
  Continuei bebericando o líquido até que terminasse, então abri o bilhetinho em minha mão. Sorri com a letra não tão perfeita, mas o aroma masculino e delicioso que o papel tinha.

“Me encontre naquele lugar... Você sabe onde. Estarei te esperando.
Nicolas”.
  Sorri da forma mais maliciosa possível, dobrando o papelzinho e guardando-o em minha bolsa. Tomei o último gole da bebida e a deixei em uma das mesinhas que estavam espalhadas pelo salão.
  Subi as escadas disfarçadamente para o nosso lugar de encontro. Que eu sabia muito bem onde era: a suíte principal.
  Quando você é rico e faz uma festa dessas, as pessoas nunca chegam perto das suítes principais por respeito e porque jamais a deixariam entrar. Era o lugar que mais dava sopa durante recepções assim.
  E eu sabia muito bem, já que várias vezes eu e – minha melhor amiga – nos escondíamos nesse banheiro para beber loucamente e trazer alguns rapazes para aproveitar. Afinal, rapazes ricos beijam muito bem.
  E a pegada de um milhão de dólares…
  Abri a porta do quarto, fechando-a atrás de mim. A decoração chique em tons pastéis e dourados era simples para quem ganhava mais de cinco zeros todo mês. Fui então até a portinha fechada da suíte, dando uma leve batidinha.
  Ao ouvir o “pode entrar”, naquela voz grossa e sensual que conseguiu mexer comigo de formas impressionantes, a abri.
  O moreno estava escorado no balcão da pia, sem terno e com a gravata um pouco afrouxada, alguns botões abertos e um sorriso completamente malicioso nos lábios. E os cabelos... aqueles malditos cabelos negros permaneciam intactos. E eu os bagunçaria.
  Em um simples e rápido movimento, eu já estava em seu colo e depois sentada no balcão com ele em minhas pernas. Seus lábios devorando os meus no maior desejo, suas mãos passeando pela lateral de meu corpo, enquanto minhas mãos puxavam seu cabelo.
  - Você é muito gostosa, – murmurou, com seus lábios grudados nos meus. Afrouxou de vez sua gravata, tirando-a. Foi desabotoando a sua camisa social, até que a abriu por inteiro. Babei naquele corpo.
  Peitoral liso e bem definido, algumas gomas de seu quase tanquinho estavam exibidos para mim. Seus braços grandes e fortes agora nus, ao redor de meu corpo e se pressionando contra mim. Era puro calor, era puro desejo.
  E óbvio que jamais chegaríamos aos finalmentes.
  Enquanto beijava meu pescoço e murmurava algo baixo, enquanto eu arranhava seus braços fortes, pude sentir algo mais “animadinho” em seu corpo. Animadinho demais pro meu gosto.
  Eu precisaria de uma distração para sair desse banheiro antes que passássemos do limite e eu começasse a faculdade de uma forma totalmente diferente.
  Então fui salva pelo gongo. Literalmente.
  A música que tocou em meu celular assustou nós dois, fazendo com que Nicolas se afastasse confuso, procurando o que chamava a nossa atenção.
  Tirei o mesmo de minha bolsa e ao ler o nome de na tela, sabia que o moreno delicioso teria que ficar para depois.
  : Cadê você? Vem pra cá.
  SOS FEMININO. SOS FE-MI-NI-NO.
  Ah e o Wallace tá aqui.
  : Eu estava ficando com um cara muito gostoso, mas se for tão urgente assim…
  : Não é tanto assim... aproveita o boy, amiga.
  : NÃO. Tô indo, me espera aí.
  : Não precisa amiga...
  : Já tô chegando.

  Guardei o meu celular, agora só precisava arrumar uma desculpa convincente para me livrar do moreno.
  - Poxa, sabe o que é? Minha melhor amiga me mandou uma mensagem e deu uma merda, nossa outra amiga teve crise de diabetes e tá quase morrendo, ela me mandou ir pra anotar as últimas palavras pra moribunda... – Dei os ombros. O cara não pegou, não de início, mas acabou caindo.
  Homens…
  - Tudo bem, então. Poxa. É uma a pena.
  Dei pulinhos mentalmente.
  - Sim, uma pena. Me liga qualquer coisa, beijos! – Saí da suíte o mais rápido possível, mas parei na porta ao ouvi-lo me chamar.
  - Não tenho seu número!
  Merda.
  Virei para ele com um sorrisinho qualquer e voltei, tirando da minha bolsa meu batom. Peguei em seu braço e escrevi meu número delicadamente em sua pele, para que não esquecesse.
  - Me liga. – Pisquei, dando um selinho breve em seus lábios e saindo do banheiro. Deixando um moreno delicioso na vontade de mim.
  Desci as escadas com rapidez, digitando para uma outra certa pessoa que seria minha carona e meu salva-vidas.
  : Eu tô saindo da casa agora, vem me buscar. Vou te passar o endereço.
  : Agora não dá, tô com uma garota. Foi mal.
  Mentira dele.
  Rolei os olhos.
  : Manda ela ir pra casa e vem me buscar. Tô te esperando.
  : Tá bom... Mas você me deve uma.
  : Te pagarei devidamente quando vir me buscar, beijos.
  Corri até a mesa de meus pais, que estavam sentados conversando sobre algo nem um pouco interessante. Claro que havia me checado antes de descer para ter certeza e que não havia me bagunçado toda, consegui arrumar o máximo que pude e de qualquer forma, ninguém se importou com meu estado.
  - Pai, mãe, eu preciso sair. – Os avisei. Meu pai me encarou nem um pouco convencido.
  - O que vai fazer na rua essa hora, garota?
  - Ué, não é óbvio? – Eles negaram com a cabeça. – Eu vou à Igreja, orar. – Sorri mostrando todos meus dentes.
  E é assim que eu faço as coisas.

***

  Vila Lorenzo
  Continuei tomando o champanhe direto da garrafa e parecia ser a coisa mais deliciosa que eu já coloquei na boca. Levemente amargo, suave e extremamente gelado, uma delícia. Eu só bebia em situações importantes, como o meu aniversário, aniversário de algum amigo, datas comemorativas, aniversário do gato da minha amiga, dia do macarrão e comemorações em geral. E naquele champanhe eu percebi o tanto de tempo que eu não colocava uma gota de álcool na língua pela falta de folga que todo o ano de 2017 me proporcionou.
  Finalmente minha cabeça estava livre, sem trabalhos, sem pratos pra lavar no restaurante dos meus pais, sem velhos bêbados para atender, seja para entregar comida no David’s ou as moças de nariz em pé na loja de roupas que me prendia do meio do dia até tarde da noite.
  E essas comemorações... Sempre fui uma garota muito festeira, meus ex-namorados costumavam dizer que eu tinha um carregador natural de bateria pra esse tipo de coisa, pois costumava dançar a noite inteira, e agora, tudo se intensificava porque não era uma diversão comum, era a passagem do ano novo!
  Minha vila sempre foi um local aconchegante que adolescentes passavam na frente pra tirar fotos hipster na parede carmesim e colocavam em seus Instagram. Mas agora estava completamente maravilhosa com a quantidade de luzes e bandeirinhas picotadas que decoravam todo o ambiente, a lua parecia fazer parte da nossa vila, combinando seu encantamento com milhares de estrelas no céu que estavam ansiosas para a queima de fogos assim como eu.
  Ok, geralmente eu não era uma pessoa muito animada, mas eu gostava muito de beber champanhe e poder dançar loucamente ao redor da minha família. E dos vizinhos. Por mais chatos que eles fossem.
  Desci da cadeira em que estava rebolando com uma das minhas priminhas e corri para a mesa no meio do pátio. Tinham apenas alguns petiscos e a comida principal viria somente meia noite e um, em ponto. Era tudo muito, muito simples, mas era feito com amor.
  Avistei com meu primo Wallace e dei um tchauzinho em sua direção. Ele era apenas mais uma prova que mesmo você sendo um filhinho de papai com cinco dígitos na sua conta sem precisar trabalhar, você ainda preferia passar seu ano novo em meio as pessoas reais dentro de uma vila mexicana no canto de L.A.
  Não, eu não estava sendo preconceituosa com gente rica, até porque sonho ser um deles logo, seja casando com um velho rico ou jogando na mega sena, entretanto eu tinha esse negócio dentro de mim que às vezes se torna difícil formar algumas palavras sem soarem grosseiras demais. Mas eu estava trabalhando nisso, juro.
  Caminhei até o muro branco de pedras me sentando em cima dele comendo um pãozinho na chapa e avistei um rebuliço de crianças em um dos cantos, era difícil perceber com a quantidade de gente no “evento”, mas lá estava meu irmão David. A peste que deu origem ao nome do restaurante e vinha infernizando minha vida desde o seu nascimento. Que fazia dez ou onze anos.
  Ele estava vestido de Homem-Aranha sem a máscara, batendo loucamente com o seu bastão contra uma piñata colorida, ele tinha essa cara de cachorro louco e eu ficava cada dia mais chocada com o tanto de ódio que seu coração guardava para o mundo.
  Esquisito.
  - O bicho já está morto, capivara, – gritei para ele, fazendo seus amigos rirem.
  Ele cerrou seus olhos para mim.
  - Não te perguntei nada, despeitada.
  Abri a boca, ofendida. Ele sabia muito bem o que despeitada significava, uma pessoa sem escrúpulos ou algo assim, mas eu também sabia muito bem que ele estava direcionando esse bullying diretamente para minha falta de peitos.
  Aproximei-me dele e enfiei meu pão na sua goela abaixo para que ele aprendesse a calar a boca.
  - Cariño, não chame seu irmão de capivara, – minha mãe disse carregando uma cesta com mais pães. Retirou o pão da boca dele e colocou com os outros, sim, ela ia reaproveitar aquilo.
  - E você David, deveria ter alguns hobbies para acalmar essa sua raiva. – Meu pai chegou balançando seus quadris cheios de pneuzinhos com a música.
  - É verdade, a tia da vizinha da minha irmã disse que há várias coisas que podem te ajudar a extravasar seu ódio, – minha mãe comentou para o meu irmão, que parecia querer dormir. A tia da vizinha da irmã dela não era... sua mãe?
  - Como maconha, por exemplo, talvez esteja na hora de você experimentar, – meu pai disse, tapado.
  Minha mãe bateu nele com uma baguete e reviramos os olhos juntas.
  Meu pai era um cara maravilhoso sim, ótimo pai, e também uma pessoa complicada. Às vezes ele não tinha noção do que saía da sua boca ou apenas tinha preguiça de pensar antes de falar.
  O Senhor Sanchez estava usando uma camiseta verde menta com os sapatos da mesma cor. Tudo ficava muito belo em um senhor de cinquenta anos com cabelos pretos e um bigode dos anos 60. Sem ironia. Haha. No dia do feriado de São Patrício ele usou roupas brancas, se é que me entendem.
  Os deixei para trás no que seria uma discussão interminável e fui atrás da minha abuelita.
  Dona Maria Consuelo Sanchez-Vega era bisavó do meu pai, tinha cem ou cento e dois anos, ninguém tinha certeza. Passava o dia todo na frente da nossa casa em uma cadeira de rodas e às vezes se mantinha completamente consciente e lúcida do que estava acontecendo ao seu redor, e nas outras vezes ela simplesmente... dormia. Dormia o dia todo.
  David era o encarregado de trazer todas as suas refeições e Wallace, meu primo da mesma idade que eu e meu amigão, era o encarregado de fazer ela falar pra caramba, era como o psicólogo dela.
  Mas minha abuelita tinha esse problema... Todos acreditavam que aos poucos ela estava se esquecendo das pessoas. Toda vez que meu irmão caçula trazia um prato pra ela, ela o chamava de algum nome diferente, como Miguel ou capivara, deixando ele furioso e eu rindo de sua cara, é claro.
  Todavia parecia que era da nossa família ter esse gene levemente ruim, sangue azul, já que ela já tinha me contado quando eu era pequena que inventou toda essa parada de esquecimento quando descobriu que tinha que pagar as faturas de cartão de crédito, assim as contas iam pra cada um de seus filhos se virarem. Como meu pai era o seu bisneto favorito e lhe dava café, almoço e jantar, ele estava livre.
  Essa palhaçada durava até os cem ou cento e dois anos porque segundo a mesma, se fazia de esquecida pra não ter que aturar gente insuportável. Quando eu era criança eu achava aquilo fascinante e esperava poder fazer o mesmo, mas não deu certo e eu teria que aguentar a humanidade por mais um tempo. Não dava pra perguntar onde eu estava ou qual era o meu nome toda vez que meu pai me mandava lavar a louça.
  Observei a velhinha sorrir para os mocinhos que jogavam bola na vila e passar uma boa olhada pelo corpo de . Ele estava rodeado de garotas, a maioria eram minhas primas em algum grau que eu não tinha tempo para decorar e o tratavam como o rei americano de olhinhos azuis toda vez que ele aparecia aqui.
   e eu éramos amigos há muito tempo, mas ele era mesmo melhor amigo do meu primo, e toda vez que a situação estava ruim com o seu pai ele preferia passar a temporada conosco. Eu não tinha opinião sobre isso, até gostava da sua companhia, mas Wallace achava tudo muito lindo, tudo muito cheiroso no convidar, até o seu amigo boa pinta chegar e tirar o resto da atenção que ele não tinha das garotas e trazer pra cima dele. E apenas sorria galanteador, flertando com todas, afinal ele tinha essa reputação a zelar.
  Se eu era conhecida como a vadia, ele era conhecido como o galinha.
  Minha abuelita piscou na direção do loiro e ele sorriu sem dentes pra ela, levemente vermelho.
  - , você já está namorando outra vez? – ela me perguntou com sua voz grossa.
  Sorri para a cena de Wallace emburrado por não estar ganhando atenção. Ele deveria estar xingando todas as garotas mentalmente, até porque ele era um desses caras que achava que todas elas deviam algo pra ele só porque ele estava fazendo o mínimo em ser educado com elas.
  - Não. – Dei de ombros. Meu último namorado, um motoqueiro chamado Miguel, tinha sido esquecido no segundo ano do colegial. Assim como o time de vôlei.
  Ela bufou.
  - Pare de estudar e volte a namorar. Deus não te deu esse corpinho pra ser usado à toa.
  Não é porque não estou namorando que não estou me divertindo com esse corpinho que Deus me deu, abuelita.
  - Os que eu queria de verdade estão tudo velho, moram em Hollywood ou são casados. Prefiro o fundo do poço a ter que ficar com um dos garotos da minha antiga escola outra vez, o que provavelmente serão os mesmos que estarão na faculdade, abuela.
  - Ora, niña, eu estou sentindo cheiro de carne nova nessa vila e hummmm... é delicioso. – Ela fechou os olhos apontando com o nariz e olhei naquela mesma direção. ? – Te pago 10 dólares se você chamar aquele rapaz para sair.
  Debochei.
  - Aquilo não é um rapaz, aquilo é o , ele é meu amigo, – falei pegando um refrigerante que uma das minhas primas ofereceu em uma bandeja.
  Eu nunca tinha ao menos imaginado algum dia ter algo com ele. Ele era gostoso pra caralho? Com certeza. Mas não era o meu tipo. Não tinha mais que trinta anos ou ficha na polícia. Ele parecia ter uma vida correta demais, bonzinho demais, um cara de vinte e três anos comum que papa todas as garotinhas que dessem o mínimo de bola pra ele.
  E para o momento checar prós e contras de , eu colocaria em número 1 da lista a sua forma de vestir. Sempre com jeans que apertavam a sua coxa e bunda da maneira correta e camisetas cheirosas de marca, crédito para o carregamento de roupas das lojas do seu pai. Ele era o playboy og.
  - Seus pais eram amigos até que sua mãe chegou grávida na minha casa. – Eu ri. – Aquilo é um branquelo que tá com muita saúde, isso sim, e você precisa desencalhar.
  - Ok, primeiro temos que parar de se referir a ele como um objeto de prazer, mesmo que no fim ele seja isso mesmo. – Rimos cuspindo o veneno e balancei a cabeça. Eu tinha que me controlar. – E segundo, abuela, qual parte do prefiro morrer encalhada a dar trela pra qualquer um a senhora não compreendeu? Quer que eu repita dessa vez mais alto?
  Comecei a falar de uma forma que parecia baleiês e ela levantou o dedo do meio para mim. Velhinhas são tão carinhosas.
  Ela suspirou.
  - Ora, vamos, niña, desde que você começou a estudar pra ganhar essa bolsa esqueceu do que é viver de verdade e... – Coloquei as mãos na cabeça olhando para o céu pra não ter que ouvir aquele discurso outra vez. O primeiro fora com os meus amigos.
  - Abuela – eu ri –, tenta outro cara.
  - Você acha que ele é muita areia pro seu caminhãozinho, é? – provocou.
  Ah, até parece, Dona Consuelo.
  - Ninguém – empinei meu nariz – ninguém é muita areia pro meu caminhão, meu caminhão grande. Eu aguento muita areia, ok? – ok eu soei muito infantil, e ela estava rindo de mim, e quem ligava. Eu não. – Mas eu acho que ele tem um crush na ou algo assim. E se fosse pra ter acontecido já tinha faz tempo.
  Levou um tempo para ela aprender no passado que crush não era crochê e superamos isso. Ela então bufou, voltando com os olhos de predadora para a multidão.
  - Tudo bem, e que tal aquele garoto? – Apontou inocentemente e revirei os olhos para ver o coitado. Era Wallace. Cuspi meu refrigerante.
  - Vovó, ele é meu primo! – gritei indignada e ela deu de ombros.
  Chegava uma idade no ser humano que ele estava simplesmente nem aí.

***

  A meia noite chegou, os abraços em todos os meus parentes pareciam intermináveis, a bateria de fogos sambava no céu com as cores deslumbrantes e quase derramei uma lágrima por estar viva mais um ano com a minha família ao meu lado, todos com saúde. Esse era um daqueles momentos que eu preferia me trancar no quarto do que demonstrar um coração mole por baixo de tanta casca dura. Wallace costumava me chamar de marshmallow.
  O último foguete foi engraçado, somente som, a explosão sem cores.
  - Está vindo a prestação, – comentei com minha mãe e ela riu.
  - Droga de Walmart. – Meu pai chutou a bateria de fogos achando que já tinha acabado e instantaneamente aquilo explodiu perto dele. Levamos um susto e corremos para socorrê-lo.
  Ao final, ele estava bem. Tipo, explodiu há pelo menos dez metros de distância. E meu pai teria outra história de ano novo que contaria para o resto da vida como “a noite em que ele quase morreu”. Ps. Por chutar uma bateria de fogos que explodiu a dez metros de distância. Essa parte eu contaria.

***

  - Eu não consegui dar um beijo na meia noite, – reclamou colocando mais uma garrafa no saco de lixo preto.
  A festa chegou ao fim e apenas alguns de nós continuamos lá para limpar toda a bagunça. E eu estava de pernas cruzadas no paralelepípedo vendo os homens limparem enquanto eu tomava meu champanhe deliciosamente gelado em uma taça de... plástico rosa.
  Wallace gargalhou do outro lado da vila enquanto varria o chão.
  - O que aconteceu com suas tietes? – perguntei sentindo o vento quente da noite passear pela minha perna desnuda.
  - O seu querido primo me prendeu no guarda roupa da casa dele quando o relógio deu meia noite. Elas acharam que eu tinha saído com outra garota e bom... você sabe o resto.
  Ah qual é, eu sabia que minha família era ruim, mas isso era caso grave.
  - Wallace – gritei pra ele –, você é retardado ou só finge?
  - Ei isso é uma mentira, você escorregou e a porta emperrou. – Tentou se defender apontando a vassoura pra mim.
  - Escorreguei com seu pé me chutando pra dentro e emperrou com a chave que você girou na fechadura, – exclamou sarcasticamente.
  - Será que as duas mocinhas podem calar a boca que eu estou tentando dormir? – minha abuelita gritou do nada e me assustei junto com os garotos.
  - Desculpe, Dona Consuelo, – eles disseram em um uníssono e o pescoço dela caiu em um sono profundo outra vez.
  - Isso é um completo desastre, – ele continuou a gemer. – Só não te bato porque sou contra a violência, Wallace.
  Ou porque ele certamente apanharia, até mesmo de Wallace. Aquele corpo sarado não vinha de treinar boxe, com toda certeza.
  - Por que isso é tão importante, ? – Quis saber.
  Ele deu de ombros e respondeu, amigável.
  - Eu sou um cara supersticioso . Começar o ano beijando dá sorte todo o resto dele. Eu não fiz isso ano passado e bem, foi uma verdadeira droga. – Nem me fale.
  Coloquei o meu champanhe de lado prestando atenção nele. era mais alto que eu, tinha o cabelo cor de areia e olhos azuis piscina. O cara era gato demais e sempre que saíamos os seis, nosso grupo todo junto, ele chamava a atenção não somente pela aparência, que ajudava é claro, mas pela presença que ele tinha.
  Era um dos pouquíssimos e raríssimos caras que não insistiam em te levar pra cama só porque você virou amiga dele, te tratava como uma princesa só por ser sua amiga e era desse jeito educado com todo mundo. Minha própria mãe ficava toda dengosa quando falava com . Se todo esse sermão dele tinha uma finalidade e fosse o que eu estivesse pensando, eu com certeza poderia ajudá-lo com isso.
  Amigo é pra essas coisas.
  - AH, CLARO, – meu primo gritou passando pano na mesa de madeira. Era uma verdadeira dona de casa. – Tadinho do filhinho de papai que tem várias ninfetinhas correndo atrás dele da faculdade até a padaria.
  Revirei os olhos.
  - Wallace, cala a boca. – Ele rosnou pra mim e foi pra dentro de sua casa outra vez, provavelmente trazer um polidor porque aquele cara tinha tanta mania de limpeza quanto o seu amiguinho playboy.
  Amiguinho esse que me virei para sua direção, trazendo a minha melhor cara de sedutora. Minha abuela estaria orgulhosa.
  - Talvez eu possa ajudar a resolver o seu problema, cariño. – Sorri predadora indo em sua direção e ele deu alguns passos para trás.
  - ... – ele alertou sorrindo abertamente. – Não faça nada que não consiga lidar depois.
  - Eu posso lidar com tudo que você me oferecer, – sussurrei quando estávamos já próximos e ele engoliu seco. Isso era comum. Era engraçado flertar com . Mesmo ele sendo um nerd só em segredo, o que teve mais namoradas e o mais festeiro do nosso grupo, ele ainda conseguia ficar tímido com qualquer sugestão minha, e todas elas eram apenas brincadeiras inocentes da minha parte. Eu devia ter puxado isso da Dona Consuelo, que flertava aos quatro cantos sem vergonha alguma.
  - Se você estava reclamando tanto assim só porque queria um beijo meu, ... Era só pedir. – Apoiei-me com um braço esticado na parede da minha casa, estávamos no meio de um espaço livre entre onde eu morava e o lar do vizinho.
  Ele parecia estar criando coragem mentalmente e passou o olhar pelo meu corpo, como eu costumava a fazer com o seu quando ele não estava olhando. Eu quase ri porque todo seu drama era realmente para eu lhe dar um simples beijo.
  - Podemos tentar, não é? Afinal, não seria a primeira vez... – comentou e fiquei curiosa.
  - Não seria? – Levantei a sobrancelha.
  - Bom... Não. Fomos o primeiro beijo um do outro, não se lembra? – Coçou a nuca e senti uma pequena dor em seus olhos. Ai, droga.
  - Você não foi o meu primeiro beijo, eu acho que... – Tentei me lembrar.
  - Você disse que nunca tinha beijado um garoto antes e – opa.
  - Espera aí, você tá falando daquele dia em que caímos na garrafa – dei um passo em sua direção -, com sete minutos no céu – senti sua respiração perto de mim e coloquei minhas mãos em seus ombros, ele imediatamente segurou minha cintura. – Fomos os dois para o armário, ficou bem quente lá dentro, a gente estava nervoso e... – Estávamos tão próximos que eu sentia seu nariz no meu. – E então você me deu um selinho por meio segundo e ficou com medo que eu estivesse grávida?
  Gargalhei e ele revirou os olhos.
  - Perdão se garotos de doze anos não tinham muita experiência nesse ramo na minha época. – Dramatizou. E por um segundo ele me colocou contra a parede e sua mão estava ao lado do meu rosto.
  - Eu disse que nunca tinha beijado um garoto antes, – Sorri de leve. Ele ficou surpreso.
  - Então seu primeiro beijo foi com…
  - A ? Sim. Dois anos antes.
  - Uau. – Ele sorriu e eu acompanhei seu sorriso balançando a cabeça. Meninos…
  - ? – Ele tinha desistido ou…
  - Eu prometo que beijo muito melhor agora. – Fez carinho na minha bochecha com a ponta do nariz gelado e eu senti algo estranho.
  - Teve anos de prática, né? – Fui sugestiva.
  Ele sorriu de lado dando de ombros, sem timidez dessa vez, apenas, encantador... Sua beleza de uma forma simples que parecia ser assim, desse jeito, que ele conquistava todas as outras garotas.
  - Ok, – falei meio esganiçada.
  - Ok, – ele imitou meu tom.
  - Não vai ser estranho. – No momento em que me liguei daquilo, passei a falar sobre aquilo. – Somos amigos.
  Por favor, efeito do champanhe, não vá embora, eu preciso de você.
  - É claro, isso é só uma ajudinha de uma amiga que quer que o seu amigo tenha um ano maravilhoso.
  - Exato. – Olhei para os seus lábios e lambi os meus. Sua visão imediatamente foi para minha boca e coloquei minha mão em sua cintura, o puxando para mais perto de mim.
  - Exato. – fechou os olhos e acabou com a distância entre nós.
  No início foi lento, foi gostoso. Sua mão foi parar na minha nuca e parecia que ele era velho amigo do meu longo cabelo, ele massageava toda aquela área enquanto sua boca trabalhava na minha como um profissional.
  Meu coração disparou e abri os olhos por um segundo percebendo o que estava acontecendo ali. Meu Deus. Ele gemeu no beijo quando posicionamos nossas línguas ao mesmo tempo e elas dançaram, travaram uma batalha ou o caralho a quatro que diziam hoje em dia. Mas que foi bom, foi. Foi delicioso.
  Eu poderia entender toda a droga da superstição de ter um ano maravilhoso agora. Assim, com aquela mão grande e masculina passeando pela minha perna até puxar minha coxa para cima, onde ele fez leves movimentos para frente.
  Arranhei seu pescoço de leve e ele trouxe o beijo para baixo, me fazendo arfar em busca de ar. Eu estava pegando fogo. voltou para o meu lábio e mordeu com leveza, mas puxou com força.
  - Gostinho de cidra, – ele murmurou.
  - Champanhe. – Sorri o corrigindo.
  Meu estômago se contraiu quando senti que meu peito e o seu abdômen estavam quase em uma junção. E eu queria mais, eu queria tirar sua camisa, arranhar os músculos das suas costas, lamber a covinha do seu rosto do lado direito e lhe perguntar as preces porque diabos a gente nunca tinha tentado nada disso antes.
  E então a voz da capivara infernal nos interrompeu.
  - Eu disse, pai! Ela tá pendurada em pescoço de macho! – ele gargalhou como um diabinho e empurrei para longe, assustada.
  Arregalei os olhos percebendo que meu pai testemunhou o crime, e toda raiva que ele possuía dentro de si parecia ter se voltado para a veia na sua testa. Até o seu bigode estava tremendo.
  E meu primo também estava ali, completamente abismado.
  - Que merda é essa, ? Isso é praticamente incesto, que nojo.
  - Nunca assistiu Game of Thrones? – sorriu de lado sem muita força pra sustentar a piada porque estava com medo do que meu pai poderia fazer. Ele só não sabia que meu pai também tinha visto a série.
  - O que diabos você estava fazendo com o meu anjinho? – meu pai gritou.
  - Não, senhor, eu não estava fazendo nada que…
  - Eu vou te matar. – Ah, ele iria sim. Matar com a ponta molhada do pano de louça que ele tinha em mãos, pra completar o look do avental rosa.
   era ágil e tentava argumentar enquanto fazia uma dança entre tentar fugir do meu pai e do meu irmão, que estava se metendo no meio não sei porque.
  - Senhor Sanchez vamos ser racionais aqui e... – Se ele continuasse correndo pela vila mais um pouco meu pai já estaria cansado demais para alcançá-lo.
  - Acerta logo esse marmanjo, Sanchez, – uma vizinha gordinha gritou da janela do segundo andar.
  - Quer minha espingarda emprestada? – um velho careca berrou e eu tinha quase certeza que ele era um dos meus tios.
  - Acerte a jugular, – minha abuelita gritou da sua cadeira de rodas, levantando as mãos torcendo como em um torneio.
  A repreendi com um olhar feio. Não era essa a mulher que ia me pagar 10 dólares pra sair com o cara que pode ter a jugular acertada agora?
  - Vão dormir, não tem nada de interessante aqui, – gritei para os fofoqueiros de plantão que me lincharam.
  Meu pai sentou em uma cadeira com a respiração falhando e tomou a deixa para se aproximar.
  - Senhor Sanchez, eu sinto muito, não tenho nenhuma intenção maldosa com sua filha... Na verdade, ela que me agarrou. – Ele olhou inocentemente pra mim e piscou no final.
  - É o que, cabrón? – Cerrei meus olhos com raiva e corri atrás dele.
   gargalhou indo para a parte escura da vila, até que pulou o muro e fui obrigada a ir atrás.
  - Eu sinto muito, mas vou ter que te matar, – gritei quando estava no topo do muro.
  Ouvi um “não” vindo do meu pai, que estava morrendo na cadeira. Morrendo de cansaço. Agora ele era tão ameaçador quanto meu irmão batendo em um boneco de papel vestido de homem aranha.
  - Venha se tem coragem, chica! – gritou, abusando da sorte me chamando desse jeito.
  Senti o cheiro de água salgada no segundo em que coloquei meus pés no chão.
  Chão este que era feito de inúmeras pedras em um caminho liso até a areia da praia. A paisagem do mar que dava vista para a janela do meu quarto era apenas mais uma das inúmeras razões para eu amar esse lugar.
  Alcancei facilmente graças ao meu físico de ex-líder de torcida e ele me abraçou por trás. Gargalhamos enquanto eu me esperneava para me libertar e caímos contra a areia fofinha.
  Ele parou sua risada fazendo carinho no meu queixo e fiquei séria olhando para os seus olhos, completamente perdida naquela nova sensação que me dava medo.
   me beijou outra vez, um selinho molhado que intensifiquei porque eu queria mais. Eu iria pra sempre querer mais?
  Notei luzes novas vindo do céu estrelado e apontei para ele ver. Era o foguete, o que tinha soado somente a explosão. Mas agora ele subia, apenas as luzes vermelhas e prateadas tornando formas belíssimas, sem estourar.
  - Ele está vindo em prestações. – Ele sorriu enquanto eu sentia seus dedos fazendo um carinho gostoso no meu quadril. – E é assim que se inicia um ano novo digno, meu bem.
   voltou a me beijar e puxei ele para mais perto de mim. Até que senti minha bunda tremer.
  - Epa, pera aí. – Ele se afastou com cuidado e alcancei meu celular que parecia uma tábua de carne do bolso do meu short.
  19 mensagens de me ameaçando de morte ou “pior”, fim de amizade, por não ter lhe desejado feliz ano novo às 00:01.
  : Feliz ano novo, ratinha! Xx
  : Vai se foder você e seu apelido.
  Pra você também. <3
  : <3

  A respondi, e agora tudo que restava era desejar para que essa felicidade não estivesse sendo apenas momentânea. Que os jogos comecem, digo, 2018.

Capítulo 01


  O sol brilhava como nunca, era um daqueles dias que eram tão lindos, mas tão lindos que pareciam ter saído de um sonho. Ou de um filme Hollywoodiano. Só que dessa vez não era nada disso, era a realidade.
  Uma realidade ensolarada como sempre ficava em Los Angeles. O clima quente e gostoso era uma das melhores coisas dessa cidade. Ela não nos deixava desanimar de forma alguma.
  Quando vamos todos dormir, L.A. permanece acordada.
  - Conseguimos, cariño. – Minha melhor amiga me abraçou, encarando o campus cheio de possibilidades que nos esperavam. Sim, , conseguimos.
  Depois de quatro anos de esforço e todo aquele tédio que era o colegial, finalmente chegamos aonde queríamos.
  O ápice de liberdade que teríamos. Sem pais no nosso pé, a chance de conhecer pessoas tão iguais a nós e ao mesmo tempo tão diferentes. Na faculdade você podia ser o que quisesse, afinal, eram as milhões de experiências que nos esperavam que a tornava tão especial.
  Acima de tudo a liberdade... era muito saborosa.
  Estávamos, finalmente, na Faculdade Hearst, e de verdade, não havia nada que eu havia odiado no campus. O verde, as construções que por mais antigas que fossem, eram magnificas com suas influências gregas. Talvez fosse o sol de Los Angeles que deixasse tudo mais vivo.
  E sempre havia espalhados pelo campus um grupo de estudantes, ou hippies, ou garotas, ou garotos olhando as garotas, isso apenas deixava as coisas mais interessantes por aqui. E também havia o grupo de garotos olhando para mim e para latina ao meu lado. Óbvio que percebemos e resolvemos retribuir o charme. Levantei os meus óculos escuros apenas para dar uma piscadinha disfarçada para um deles.
  Para o que mais chamou minha atenção, claro.
  E era isso que me deixava mais animada com toda essa nova experiência, a diversidade em cada espaço. Não era que nem no colegial em que ou se era das cheerleaders ou dos jogadores, aqui você poderia ser da forma que quisesse e era incentivado a isso.
  - Para de piscar, ele tá olhando pra mim. – bufou. A morena também estava jogando charme para o grupo de garotos que não tirava os olhos de nós.
  - Cai fora, você nem gosta de garotos da nossa idade. – Rangi.
  - Nem você.
  Dei os ombros.
  - Mas para passar o tempo vale a pena…
  - Antes do jantar, vem os aperitivos, – completou e nos entreolhamos, dando uma risadinha e voltando a andar.
  Teríamos muito tempo para os garotos depois. Primeiro iríamos atrás de conhecer mais o campus.
  Fomos interrompidas pela buzina que nos fez pular de susto, logo ficamos surdas pelo som da música alta – que tenho certeza que era a música tema do The Breakfast Club. O carro acinzentado passou por nós e os três garotos gritaram chamando nossa atenção e assoviando.
  Dois deles saíram pela janela, um de cabelos pretos e camiseta cinza e um com um cabelo rastafári, esbanjando estilo. Eles saíram do carro meio que dançando e tocando uma bateria no ar e guitarra seguindo os acordes da música. Quando tentaram se aproximar, ambas respondemos mostrando nossos dedos.
  - Garotos... – respirou fundo.
  - Não crescem mesmo, né? – Dei os ombros.
  - Depois daremos um jeito neles. Agora vamos aproveitar! – Minha amiga agarrou meu braço, cruzando com o dela e saímos andando. – O que você quer ser esse ano? Hippie ou uma riquinha gostosa da irmandade mais popular?
  Tirei um tempo, como se estivesse pensando na resposta.
  - Hippie? Ew. – Fiz a voz mais autêntica e retirada de algum filme em que a garota era especial demais para se adequar aos padrões. – Que tal as diferentes, sozinhas, sonhadoras e tímidas demais que sempre acabam se apaixonando pelo cara errado? – Fiz bico e riu.
  - Não uso óculos e odeio coque frouxo. Quebra a ponta do cabelo. – Continuamos andando, mas parou do nada. – E eu adoro usar minissaia, então, não.
  - Gostosonas então?
   encarou meus seios por alguns segundos, como se analisasse esperando encontrar algo por trás do meu decote. Mas sua expressão acabou mudando para algo mais surpreso. Assustei-me.
  - Você botou silicone nas férias? – Encarou-me desconfiada.
  - Não. Você botou? – Negou com a cabeça.
  - É sério. – E em um movimento súbito, tocou meus seios com suas duas mãos em público. Tentei conter a risada, encarando as pessoas ao nosso redor esperando que nenhuma delas estivesse prestando atenção nessa cena.
  - , estamos em público. – Ri.
  - É sério, garota. Estão maiores. – Apalpava meus seios esperando a resposta fosse dada com teu tato. – O que aconteceu com seus seios no verão?
  Respirei fundo, derrotada.
  - Eu engordei uns quilos no verão.
  - Graças a Deus.
  Tirou as mãos dos meus seios e eu encarei meus gêmeos tristonha. Estava tão claro assim? Talvez fosse o decote.
  De todas coisas que podia ter pedido à Deus, receber meus gêmeos saudáveis e naturais havia sido a melhor e pior coisa na minha vida. Adorava quando as pessoas prestavam atenção aos meus exemplares de Lindsay Lohan, mas odiava quando só olhavam para eles.
  Eu era muito mais que seios maravilhosos, delicados e feitos à mão por Deus. Sério.
  - Então gostosonas da irmandade popular está fora de questão... – a morena continuou.
  - Podemos ser as bad girls.
   gargalhou.
  - Também conhecido como adolescente sem causa? E eu lá tenho cara que bate em pessoas e faz bullying grátis? – Parei de andar para encarar minha amiga, que se sentiu falsamente ofendida. – Eu não faço bullying grátis. – Rolou os olhos. – Eu só não tenho paciência com essa gente que decide pegar no meu pé todo o ano. – Deu os ombros.
  - Então não sei o que seremos esse ano.
  - Perguntaremos pra Brittany depois, então.
  - Se você quiser ser um unicórnio...
  - Desisto. Vamos ser nós mesmas. – A morena suspirou derrotada.
  - Isso é tão chato. – Bufei com ela e saímos dando mais uma volta pelo campus. A terceira no mesmo dia.
  Por incrível que pareça, era minha melhor amiga. Lance de BFF e tudo mais, sabe? Mesmo com nossas realidades totalmente diferentes, ela de uma vila latina em Los Angeles, viciada em moda e com um temperamento completamente único, e eu, bom... Eu era uma princesinha, que vivia em um bairro de classe alta, com problemas de competitividade. Aquela que você pode contar pra fazer merdas, porque na manhã seguinte estará na Igreja fazendo a melhor pose de princesinha comportada. Talvez fosse mesmo o amor pela moda que fizera nós sermos tão próximas.
  Na verdade, havia mais coisas na nossa história.
  Viramos amigas aos cinco, nos conhecendo na Igreja que era basicamente do meu pai, já que ele não saía de lá e a maioria do nosso dinheiro ia mais para ela do que para nossa casa. Éramos ambas banguelas e crianças demais para nos importar com nossas classes sociais. Desde então crescemos juntas, mesmo nessa realidade totalmente diferente.
  Sempre considerei o Senhor Sanchez, pai de , como meu segundo pai. Secretamente, como meu único pai. Não por maldade, mas porque com ele as coisas eram tão mais simples, engraçadas e leves. E com meu pai era sempre... extremo. Desde criança considerei a família de minha amiga a minha família também. Cresci fingindo que minha mãe era irmã da mãe de , então éramos parentes em algum grau. O grau da imaginação, minha amiga dizia.
  E parti o coração de todos aos meus oito anos quando tiveram que me explicar que não éramos parentes e eu me negava acreditar. Cresci, “amadureci” e entendi que não era porque não éramos parente de sangue, que na verdade não éramos uma família.
  Família são laços. Sanguíneos ou não.
  No colegial, consegui convencer minha mãe a me colocarem no mesmo colégio que . Óbvio que os primeiros meses foram um inferno, já que eu sempre estudei em uma Escola Católica e não havia preparação nenhuma para o mundo real, mas com ao meu lado me defendendo – literalmente – e até entrando em brigas com qualquer um que encostasse o dedo em mim, tudo ficou mais fácil.
  Eu estava muito esperançosa pela liberdade, mesmo sabendo que não faria nenhum milagre em minha vida. Mas viver sozinha, longe dos meus pais, já seria um alívio para atingir os lentos passos de uma futura independência.
  Pelo menos não teria que cozinhar, o que era um ótimo início.
  E se cuidasse das roupas sujas me ajudaria muito também... A Brittany poderia cuidar de arrumar o dormitório, limpeza e tudo mais. E eu... descubro o que fazer depois.

***

  Depois de guardar nossas coisas em nosso dormitório, voltamos para dar mais uma volta pelo campus. Agora do lado de dentro dos prédios, já que passamos a maior parte da manhã andando pelo lado de fora conhecendo cada centímetro. Até tiramos fotos do lado de uma estátua no meio do pátio gigantesco e quase em cima dela, pena que um segurança apareceu fazendo com que a gente saísse correndo.
  O lado bom de ser novata é que as pessoas encarregadas de te dar um puxão de orelha ainda não sabiam o seu nome.
  Podíamos ouvir os caras falando felizes sobre os jogos anuais, sobre as competições de fraternidades e irmandades, as festas, as iniciações e tudo isso que marcava o início do ano letivo.
  Parei na frente de um quadro de matérias extracurriculares, li cada uma, já que algumas me interessavam. E tudo que envolvesse mais aprendizado e alguma chance de um trabalho era aceitável. Eu precisava me manter o máximo ocupada para evitar precisar dos meus pais para alguma coisa.
  Tirei meu celular do bolso da minha calça jeans e anotei alguns números, junto com algumas informações nele – porque estamos no século 21 – e o guardei. estava parada do meu lado mexendo em seu colar delicado e dourado. Ela usava um diferente por dia. Notei que ela me esperou, mas não anotou seu nome.
  - Matérias extracurriculares são boas pra nota, amiga, – avisei e a morena deu os ombros.
  - Hora extra no meu trabalho é bom pra minhas dívidas. Agora vamos achar os meninos. – Segurou minha mão e me puxou para fora.
  Saímos do prédio e passamos pelo pátio. Paramos quando o rapaz de skate passou por nós. Ele se virou e deu um sorrisinho para mim. Levantei a minha câmera e tirei uma foto daquele momento, o vendo dar meia-volta para onde estávamos.
  - Ele tá de skate agora? – me encarou confusa e eu dei os ombros.
  - Skate é o lance dele agora.
  - Achei que era surf.
  - Sim, nas férias só.
  - Seu namorado vai ficar bem tedioso depois dos trinta.
  Bati em seu braço sem força e me virei para ela, chocada com a forma que ela falou de .
  - Ele não é meu namorado. – Rolei os olhos e riu.
  - Avisa isso pra ele. – Deu a língua e eu dei o dedo.
   não era meu namorado, era meu melhor amigo. Óbvio que já namoramos no colegial, mas assim que as amizades se formam, né? Ele já tinha me superado depois que me chutou antes do meu aniversário. Eu acho.
  A questão era que eu não tinha mais nenhum sentimento por Graham e jamais teria novamente. Juro por De... Não, não juro por nada.
  - Ei meninas. – chegou com o skate em mãos e um sorriso. Eu apenas levantei a mão em um aceno, porque minha boca estava ocupada roendo minha unha de nervoso.
  O termo “pedaço de mal caminho” era muito apropriado para o rapaz, de verdade. Quando o conheci, ele mal tinha saído das fraldas. Quem diria que um garotinho remelento se transformaria no rapaz dos sonhos eróticos de várias garotas – e garotos.
  Principalmente todas tinham fetiche em um rapaz com um bom coração e boa aparência. Bad boys abusivos, insensíveis e instáveis aqui não.
   passou a mão pelos cabelos pretos, penteando-os para trás e seus olhos azulados como o céu de Los Angeles em um dia sem nuvens vidrados em mim. Respirei fundo, prestando atenção em seus músculos do braço se apertarem contra a camiseta cinza com alguma estampa de uma de suas bandas favorita.
  - , estávamos falando de você agora, acredita? – sorriu e o rapaz também. Puta merda.
  - Sério. Coisas boas, né?
  - Claro, cariño. Achamos que não o veríamos mais, né, ? – Cutucou-me e eu assenti.
  - Por que não? – Ele cerrou os olhos.
  - Porque você ia se mudar, lembra? – disse e ele assentiu, se recordando. – Você nunca explicou o porquê resolveu ficar aqui e vir para Hearst.
  - Gosto de Los Angeles. – Deu os ombros. – Adoro o calor e o que seriam de vocês sem mim? – Sorriu e gargalhou.
  - Vai nessa. – Ele riu junto e eu continuava roendo a minha unha. – Você viu o ? E Wallace? – perguntou sem rodeio e meu olhar se entreolhou com o de , tentamos esconder a risadinha com a pergunta de .
  - Acho que ele tá no apê.
  - Hum... – Tentou se fazer de desentendida, mas já havíamos captado tudo.
  - Garotas! – A voz de Wallace chamou nossa atenção, o rapaz se posicionou ao lado de .
  - Wallace! – deu um gritinho agudo e me assustei porque geralmente sua voz era calma e meio rouca. Ela abraçou o menino com força, enquanto ele resmungava pedindo para soltar. – Que foi? O embaracei? – Sorriu maldosamente com aquilo e ele rolou os olhos. Eles tinham aquela relação estranha de primos que são amigos de verdade, mas viviam se bicando. Principalmente quando a família deles estava presente.
  - Não vai me abraçar também, ? – perguntou como se estivesse impaciente, mas no fundo ele adorava quando eu e o bajulávamos.
  - Eu não. – Dei os ombros. – Você ainda tá me devendo trinta pilas.
  - Eu disse que vou pagar. – Rolou os olhos.
  - No segundo ano. – Cruzei os braços e nossos outros dois amigos riram.
  - A gente é tão primo. – suspirou.
  Quando fiz o tal gesto, os olhos dos dois rapazes – e o de – pararam em mim novamente, pela segunda vez no dia.
  - Puta merda. – Os dois rapazes disseram em uníssono e estranhei, tentando entender para onde encaravam. Óbvio. Meu busto. Bufei alto e descruzei os braços, mas tentando esconder o sorrisinho que apareceu ao notar como reagiam perto de bons seios.
  Ter seios fartos e essa reação de garotos era o carma que eu carregava desde meus quinze anos.
  Enquanto umas tinham pouco – isso mesmo, -, outras tinham muito.
  - Então . – Wallace se aproximou do outro. – Vamos fazer aquele lance lá? – O rapaz assentiu.
  - Que lance? – quis saber, porque havíamos ouvido de qualquer forma. Eles não eram tão discretos assim.
  - Nada... – tentou se esquivar da pergunta, ficando levemente corado.
  - Agora eu quero saber. – Sorri para o rapaz.
  E ele ficou rígido. Era assim que eu conseguia arrancar coisas dele desde o primeiro ano do colegial.
  - É... Bom... Vamos... Lá... Sabe? – Gaguejava, coçando a nuca e levemente agitado. Arqueei a sobrancelha, me divertindo com a cena.
  - Nós vamos ver as garotas da irmandade. Agora estão tomando sol, sabia? Aqui na Hearst as gatinhas adoram pegar um bom bronzeado. – Wallace disse de uma vez, sem vergonha alguma na cara, dando um enorme sorriso de orelha à orelha. E quase enfiou a cabeça dentro de um buraco no chão.
   levou a mão à boca, tentando conter a gargalhada que queria sair de sua boca ao ver a reação do moreno.
  - Sério? – Cruzei os braços, arqueando as sobrancelhas. não sabia onde enfiar a cara e a ficha de Wallace ainda não havia caído.
  - Fodeu. – disse baixo.
  Wallace então se tocou no que disse e o olhar dele se cruzou com o do moreno, os dois assentiram para algo que pensaram juntos e então saíram juntos na maior velocidade possível.
  Antes de ir, e mesmo sabendo que provavelmente eu seria capaz de esmurrar , ele se virou para mim, acenando em despedida e com um sorrisinho. E naquele momento toda a raiva passou.
  Fiz o sinal da cruz logo em seguida, para afastar todos os pensamentos indecentes que cercavam minha cabeça.
  - Por que vocês só não se pegam de uma vez? – falou arrastada como se fosse a resposta para todos os meus problemas. – Qual é a graça de ver ele que nem um bobo pra cima de você?
  - Dá certo na hora da conquista. – Dei os ombros.
  - A não ser que você já tenha dado uns amassos nele. – Abri a boca em choque e riu, sem entender. – O quê? Você pensou a mesma coisa.
  - Mas você disse!
  - Aproveita, a vida é curta menina, vai que vocês morrem amanhã!
  - Credo. – Repeti o sinal da cruz, afastando essa praga que me jogou. Não quero morrer sem antes de aproveitar mais um pouco com o jogador de hóquei mais lindo de todos.
  Minha relação com era diferente das demais que já tive com outros caras. Nos conhecemos na primeira série, na Escola Católica. Os pais de também eram religiosos, não tanto quanto os meus que faziam isso de uma forma muito mais extremista.
  As primeiras memórias que tenho com ele são dos intervalos entre as aulas, quando ele dividiu comigo seu sanduíche de pasta de amendoim e eu dividi meu muffin de chocolate favorito. Até as memórias do colegial onde eu, e Brittany éramos suas únicas companhias femininas, já que ele era tímido demais para se aproximar de outras garotas, mesmo sendo do time de futebol ou até do time de hóquei.
  E mesmo com várias garotinhas tentando levá-lo para o Baile de Formatura, querendo ser suas rainhas se ele fosse o rei. Mas toda vez que alguma se aproximava, ele gaguejava e no fim ficava sozinho.
  Enquanto namorávamos eu quis acreditar que ele era tímido apenas porque era secretamente apaixonado por mim e não queria se aproximar de mais nenhuma garota. Ainda penso isso, só não em voz alta.
  Depois de um tempo aprendi a gostar de várias coisas dele. Desde o seu gosto louco por HQs e heróis da Marvel – principalmente o Tony Stark. O seu tique nervoso que o fazia comer besteiras descontroladamente quando ficava nervoso, ansioso ou preocupado. Ele era especial.
  Tinha um coração gigante combinando com seus 1,90m de altura e porte atlético.
  Poderia ser qualquer um daqueles babacas que aproveitam o corpo ou as habilidades atléticas para pegar qualquer uma e depois nem ligar no dia seguinte. Principalmente a religiosa virgem.
   passou três anos tentando descobrir um defeito nele e mesmo com alguns, ela era a que mais apoiava o nosso namoro. Mesmo depois que terminamos. Se não fosse por ela, talvez as amizades teriam desmanchado.
  Ela era minha melhor amiga, Brittany era sua amiga antes de eu conhecê-la, ela sempre teve uma relação de irmãos com , Wallace é seu primo e é melhor amigo de Wallace, logo, nosso amigo também. Era como um efeito borboleta pra um laço forte que construímos por anos.
  Como já havia dito, eram laços assim que definiam a minha verdadeira família.
  Passamos para o lado da “feira” que acontecia nesse primeiro dia. Haviam várias barraquinhas espalhadas pelo campus, todas com um pouco de algo. Grupos, clubes, fraternidades e irmandades, era o melhor momento para se inscrever.
  Mas não era por isso que estávamos lá.
  Brittany estava atrás de uma barraquinha extremamente colorida, com vários desenhos de unicórnios e outras coisas fofas. A garota abriu um sorriso enorme ao nos ver e junto com ela havia uma outra garota com lindos cabelos ruivos, porém tímida demais com nossa presença.
  - Meninas! – Brittany deu um gritinho, dando pulinhos e sem sair de trás de sua barraquinha. – Não acredito que vieram.
  - Você chamou. – sorriu, abraçando-a mesmo com a barraca entre elas.
  - Uau, ! Onde comprou esse macacão? – Sorriu, elogiando a roupa da morena.
  Imitei o gesto, abraçando a loirinha também, que cheirava a marshmallow e giz de cera.
  A garota me encarou dos pés à cabeça, estranhando algo em mim... de novo não.
  - Nossa , seus peitos estão enormes!
  Rolei os olhos derrotada.
  Brittany era a mais diferente do grupo. Vivia em seu próprio mundo, numa realidade só dela. Mas era uma das pessoas mais doces e gentis de todas. Ela completava nosso time. Por isso éramos um tipo de Unholy Trinity. Só que preferíamos ser chamadas de Poison Ivies.
  - Meninas, essa é Abby! – Apresentou a ruiva. – Ela faz alguma faculdade que envolve números e ovelhas, eu acho. – Deu os ombros.
  - Olá. – A ruiva sorriu tímida e a cumprimentamos, apertando sua mão.
  - O que você disse que precisava de nós? Pelo telefone era algo completamente urgente.
  - Ah sim. Eu vim convidá-las para a Zeta Beta Iota! – Ela deu pulinhos animados, nos entregando um folhetinho e dois milk-shakes de arco-íris. A Zeta Beta Iota era a irmandade que Britt era presidente, mas não era tão famosa assim... – Sejam bem-vindas, estão aceitas!
   e eu nos entreolhamos, meio assustadas.
  - Britt... – tentei começar com calma, não queria magoar o coraçãozinho da loirinha. Era como quebrar o coração de uma criança, no final ficaríamos nos sentindo horríveis.
  - Não queremos fazer parte de nenhuma irmandade agora, amiga. – continuou. – Não precisamos disso. Não precisamos de mais amigos e muito menos queremos dividir uma casa com cem meninas e um banheiro. Não dá. – Rimos, achando até cômico Britt achar que iríamos aceitar.
  Os olhinhos de Brittany perderam o brilho, dando espaço para uma expressão tristonha que partiu meu coração. Respirei fundo, ouvindo a ruiva consolá-la dizendo “eu avisei”.
  - Nós vamos pensar! – disse no impulso, não suportando aquela cena tão melancólica. E os olhinhos da loirinha brilharam felizes.
  - Sério? – Deu gritinhos e pulinhos de alegria. Já me encarava com fogos nos olhos, mais tarde me xingaria de tudo quanto era nome, mas por um momento eu estava com a consciência leve.
  Tomei um gole do meu milk-shake – muito bom por sinal – sorrindo tranquila para aquilo. Não iríamos necessariamente entrar na irmandade de Britt, mas acertarmos em pensar que isso a deixaria feliz até que arrumássemos uma desculpa melhor para dizer não.
  Com o tempo ela esqueceria... ela sempre esquece.

***

  - Tá bom, mãe, vou me cuidar. – Respirei fundo, tentando acalmar minha mãe, que não aceitava seu filho longe dela. – Sim mãe, o Wallace tá comigo.
  - Fala aí, Sra. G! – gritou do outro lado do quarto.
  - Sim mãe, vou tomar conta dele sim. Não, não vou deixar que me levem para o mal caminho. E sim, eu a vi. – Sentei na minha cama. – Vou mandar um beijo pra ela sim.
  E passamos mais alguns minutos conversando e ela chorando, tentando me convencer a voltar para casa e esquecer de morar no campus. Mães...
  Ao desligar, me deitei em minha cama, relaxando pela primeira vez naquele dia. Era realmente muito cansativo ficar andando de um lado para o outro, ficar de olho em garotas – apenas por causa de Wallace – e depois ficar uma hora tentando acalmar a mãe.
  - Cara. – Wallace me chamou, tacando algo em mim e taquei de volta, me levantando.
  - O quê?
  - Diz a verdade, você largou a bolsa pra fora do país só pra ficar aqui e perto da , né? – Ignorei. – Fala sério, , qual é? Todo mundo sabe que você ainda tá caidinho pela loirinha.
  - Do que isso importa agora? Já tô aqui e vou permanecer. Se minha mãe surta comigo morando no campus, que fica há menos de uma hora de casa, imagina comigo em outro país?
  - Aham, é a mamãezinha o motivo... Aham. – Deu uma risada e taquei nele a bola de basquete jogada ao lado de minha cama. – Relaxa, cara. Apoio totalmente o casal, eu e a já estamos concorrendo para padrinhos dos primeiros filhos, ok? Se der pro ou pra Brittany, acabou a amizade.
  Gargalhei.
  - E você? Quando vai me dar sobrinhos? – debochei e Wallace respirou fundo.
  - Tô off pra relacionamentos, cara. Afinal, quem precisa de namorada quando se tem e como melhores amigas? – Verdade.
  Quer dizer…
  As duas e Brittany eram as melhores amigas que todo mundo queria ter. Sempre pra cima, animadas, até nos momentos mais doidos das três, valia a pena. Companheiras de verdade. Não precisamos de namoradas quando tínhamos elas e nas noites em que batesse a carência, faria questão de nos xingar em espanhol mandando pensar mais com a cabeça de cima do que com a de baixo.
  Tudo bem que ela falava isso porque ela não passava pelos mesmos perrengues que nós com o trabalho de ter um encontro para uma sexta à noite, mas a sua intenção era boa.
  De qualquer forma, ter ao lado era muito melhor que ter uma namorada. Porque bom... era a . E eu trocaria qualquer garota no mundo para ficar só com ela.
  As batidas na porta chamaram minha atenção e me levantei para ver quem era. O loiro sorriu abertamente e fizemos um toquinho com as mãos.
  O rapaz só botou a cabeça para dentro do quarto e viu se nós dois estávamos fazendo algo.
  - Graças a Deus não peguei vocês em um momento íntimo ou constrangedor, – suspirou levantando as mãos ao céu.
  - E quando foi que isso aconteceu? – me defendi. – Tirando aquela vez... – fraquejei.
  - O que você quer, assediador de primas? – Wallace reclamou se levantando. Eles não estavam brigados, mas ele traria o incidente do ano novo sempre que pudesse.
  - Era exatamente isso que eu tinha em mente – sorriu malandro. – Sua prima.
  Wallace cerrou os olhos.
  - Bora, elas estão esperando, – falou largado e foi embora.
  Logo nos aprontávamos para ir atrás delas e agora sim o dia começava de verdade.

***

  Os meninos estavam em uma das mesas ao ar livre e fomos até eles. Aproveitamos para conhecer mais alguns dos clubes e salas, até ganhamos pirulitos grátis de algum de um professor. E por mais fofo e gentil que o senhor fosse, eu não queria entrar no time de vôlei. Passo longe.
  Fomos até os meninos e eu me sentei ao lado de , que encarou curioso meu decote, mas como ele me via pelada desde que eu usava fraldas, pouco se importou. Entre os garotos ele era o mais... Maduro, eu poderia dizer, e também não ligava pros meus peitos porque já tinha visto demais na vida.
  E lá estava , que ficou “contente” em me ter perto dele. e Brittany se sentaram junto com Wallace.
  - Então, gostaram do campus, novatos? – perguntou tomando as rédeas. Ele era o mais velho de nós e já estava aqui fazia um tempinho. Estava no último ano para ser mais exata.
  Um dos únicos motivos que o atraiu para o nosso grupo havia sido porque a minha mãe e o pai dele tem negócios a ver com uma rede de lojas, isso nos tornou amigos e me fez introduzi-lo no grupo. E agora não sai mais.
  Era a maior bagunça de qualquer forma. estava no último ano, Wallace e Britt estavam no segundo ano e eu, e estávamos no primeiro ano. Mas todos ainda tínhamos a maturidade de adolescentes de 15 anos sim. Tirando talvez o casalzinho 20, quando ele não estava lutando contra o seu ciúme de uma menina que não era sua namorada, e nos seus momentos de brigas aleatórias.
  - Eu adorei. Principalmente algumas coisas por aí. – Meu olhar se cruzou com de e nós sorrimos juntas. Coisas de garotas permanecem entre garotas…
  - Que coisa? – perguntou curioso e levemente enciumado, porque já havia conseguido decifrar quando eu e falávamos de cara em algum tipo de Código Morse nosso. Ele apertou minha cintura com um pouco de pegada e eu me virei para ele, com um sorriso mais indecente nos lábios.
  - Te digo no particular depois, gatinho. – Pisquei e ele sorriu de canto.
  Mas não éramos um casal, tá? Éramos melhores amigos.
  - Eu não gostei da primeira vez que vi tudo isso. – Brittany falou emburrada.
  - Por que não, Britt?
  - Achei que teria rosa, mas só tem cores chatas. – Fez bico e assentimos seriamente como se fosse um problema real.
  Porque para ela era.
  - E as festas? – foi direito ao ponto.
  - Ah sim. – sorriu e tirou do bolso um folheto. – Hoje de noite tem as festas das fraternidades e irmandades. É um ótimo momento de entrar, conhecer as pessoas e ver se quer fazer parte de alguma delas. Mas tem um probleminha…
  - Sem bebidas? – Fiz bico.
  - Não. Isso nunca falta. – Riu. – É que entrar nas fraternidades mais “famosas” não é tão fácil. Eles ficam mais exigentes a cada ano, então não prometo que vocês vão conseguir chegar nelas.
  Abriu o folheto dando o nome de duas: Alpha Beta Gamma e Delta Lamba Phi.
  - As Alpha são as “princesinhas” do campus. Todas que estão nela tem alguma influência. Pais importantes, mães importantes, alguém importante na família. E não, nem todas são o estereótipo de garotas mimadas e frescas, muitas são gente boa e muito inteligentes. Mas algumas... bom, dessas vocês fiquem longe. – deu um tempo, respirando fundo depois de falar tudo de uma vez. – Principalmente você, . – Apontou para a morena que rolou os olhos. Por experiência própria, e garotas superficiais nunca se davam bem. O que era estranho porque na cabeça dessas meninas, era a superficial.
  Não tinha interesse nas princesinhas do campus. Queríamos a parte boa e não dor de cabeça. Já não basta ter que aturar durante todo o colegial as meninas com os egos maiores que seus cérebros. Na faculdade, o lance seria outro.
  - E os Lamba são os garotos. A maioria são os atletas, mas tem muitos caras bem inteligentes lá dentro.
  - O fato de que você tem que elogiar todos eles me dá sono – bocejou. Ele não se abalou piscando um olho pra ela.
  - Óbvio que os rapazes são muito mais exigentes que as garotas, então eles sim estão mais pertos dos estereótipos que elas. Por isso, não confiem muito. Fiquem longe de alguns. – Respirou fundo novamente. – Principalmente você, . – Apontou para mim e eu abri a boca chocada.
  - Eu? – Cruzei os braços.
  - Por favor, amiga. Não vamos entrar nessa, – disse impaciente. – Todos aqui sabemos que você é imã de caras babacas e com ego maiores que seus... você sabe. Sem ofensas , você é uma exceção.
  Rolei os olhos.
  - O que posso fazer? Sempre me interessei no vestiário masculino que no feminino. – Dei os ombros e senti ficar tenso atrás de mim.
  Ok, eu tive problema com alguns jogadores durante o colegial, mas que garota não teve? O problema era que não queria chegar nos finalmente com eles, então deixava-os agitados e fugia, causando muitas crises de fúria neles. Mas o problema não era meu se eles achavam que beijar significava transar.
  - E você não pode nos botar lá dentro? – tentou sugerir e ele balançou a cabeça.
  - Ainda não. Mas quem sabe até de noite consiga.
  - Essa noite eu vou pegar fogo, que se preparem as universitárias! – Wallace passou as mãos em seu rastafári, como se tentasse fazer um charme.
  - Wallace, a tia Rita já não mandou você voltar para o cabelo natural? Eu sou uma daquelas amigas que apoia totalmente cada decisão que meus amigos tomarem, mas neste caso eu estou com a sua mãe. Não é porque seu irmão ficou gostoso com o esse cabelo que você também iria ficar.
  - , foda-se você e seu curso de cabeleireiro.
  - Você não disse que estava off pra relacionamentos? – estranhou e o outro deu os ombros.
  - E daí? Isso não me impede de dar uns pegas nas universitárias, né? Aproveitarem um pouco dessa barra de chocolate aqui.
  Nós cinco encaramos Wallace com nossos maiores olhares de desaprovação depois da frase completamente inapropriada.
  - Quer dizer... Bom... – Gaguejou. – Se elas quiserem, claro. Só se elas quiserem.
  - Christian Grey teria inveja de você. – deu uns tapinhas em suas costas.
  Nós seis continuamos conversando sobre nossas vontades e coisas que queríamos aproveitar esse ano. Sempre fomos muito unidos durante todo o colegial e ainda seriamos conforme os anos passassem.
  Desde as broncas que dávamos em Wallace por sua cabeça um pouco errada, até para os momentos em que precisávamos acreditar em coisas que para nós não existiam para tentar entender Brittany.
  Quando precisávamos segurar para que ela não quebrasse a cara de alguma pessoa que mexesse com nós. Ou quando eu e íamos usando salto alto em um jogo de hóquei de porque não sabíamos que roupa se usava nessas ocasiões sem perder o estilo. Éramos muito nós e nenhum squad seria igual.
  - Que merda. – se queixou e nós o encaramos preocupados. – Galera, esquecemos das aulas. – Se levantou preocupado e acabamos o acompanhando. Todos menos . Esperamos ela fazer qualquer movimentação.
  - Tudo bem, já tô indo. – Rendeu se levantando.
  - Você vai levar os estudos a sério este ano, , ou eu vou te matar.
  Ameacei e estava sendo séria, já foi o bastante eu perdoá-la pelo seu sumiço e praticamente indiferença com nosso grupo maravilhoso no último ano do colegial.
  - Eu levo os estudos a sério desde que coloquei uma saia plissada, muito obrigada. Só tô tentando evitar pensar no descaso que vai ser esse ano.
  Ah minha amiga, sempre tão positiva. Ou realista, como ela preferia dizer.

***

  Era hora da nossa aula e eu estava um pouco nervosa com isso. Sempre odiei primeiros dias, demorava um pouco para me acostumar com as coisas novas.
  Nos sentamos uma do lado da outra, para que fosse mais fácil passar as colas – palavras da . E a primeira aula seria de História, o que para nós era algo que já sabíamos muito bem. Passamos anos estudando isso.
  Um homem na faixa dos trinta ou quarenta anos entrou na sala. Ele era normal, cabelos em um tom loiro escuro um pouco cacheados, alto e vestia uma camisa social, calça jeans escura e um sapato social.
  Escreveu seu nome no quadro “Mr. Johnson”, em uma letra não tão delicada, mas legível.
  O professor se virou para a sala, dando uma boa olhada para todos nós. Até que chegou em mim e sua olhada foi um pouco... demais. Percebi as encaradas e abaixei a cabeça, olhei para os lados, tentando desviar o olhar que estava me deixando desconfortável.
  Foram breves segundos, mas para mim foram algumas eternidades. E ninguém havia percebido, só , que o encarava com um pouco de desprezo pela atitude.
  Mas tê-la ao meu lado era mais seguro, porque me sentia protegida com minha melhor amiga graduada em barraco.
  Sua aula não havia sido tão complexa, ele estava mais explicando sobre o que nos ensinaria esse ano e como cada um desses temas se juntavam com o curso que cada um havia escolhido.
  Ele falava bem, explicava e era firme. Um professor jovem, até divertido. De vez em quando fazia alguma piadinha com um dos garotos da sala que o perguntava algo. Não era tão assustador assim.
  A não ser pela secada monstra que deu em mim.
  Mas como tudo que é ruim sempre pode piorar, durante a aula enquanto prestava atenção em algo que o professor explicava, meu celular tocou. A música Say A Little Pray tocou indicando que era minha mãe e eu gelei. O desliguei rapidamente, em pânico com a vergonha que aquilo me proporcionaria.
  Alguns dos alunos davam risadinhas e logo os fuzilou com o olhar.
  - Perderam algo aqui? – quis saber.
  Eles se calaram.
  - Senhorita... Hudson? – A demora que fez para dizer meu sobrenome me assustou, era como se fosse o colegial e eu estivesse me preparando para ficar o dia todo no castigo. – Acho que a senhorita não foi apresentada às regras sobre celular. Você fica depois da aula, teremos uma conversinha sobre isso. – A palavra “conversinha” havia despertado o pânico em mim. Era meu primeiro dia e eu já me fodi por causa da minha mãe.
  Já estava pensando em como voltar para casa derrotada e dizer que fui expulsa por culpa da Senhora Hudson. Provavelmente meu pai abriria um champanhe por causa disso e pagaria uma viagem para onde minha mãe quisesse ir de recompensa.
  E a aula passou correndo. Quando o sinal tocou indicando o final, todos os alunos se levantaram. Menos eu... E .
  Minha melhor amiga havia se negado a sair e me deixar sozinha com o professor, mas ele a expulsou da sala na maior cara de pau, dizendo que a conversa era comigo e não com ela, “então... cai fora”. Ok, ele não disse “cai fora”, mas soou como.
  E ela foi, me olhando a todo momento e dizendo que me esperava do lado de fora.
  Então ficamos e eu e o Mr. Johnson sozinhos.
  - Senhorita Hudson, pode ficar tranquila. Não irei puni-la pelo o que fez. Acredito que não foi de propósito.
  - Me desculpe mesmo, minha mãe me ligou e não teve como desligar... – tentei justificar, mas ele me cortou.
  - Tudo bem. Conheço seus pais, frequento a Igreja que vocês frequentam, por isso te reconheci logo que a vi. – Sorriu e eu cortei o contato visual. – Você é bem religiosa mesmo. – Senti seus dedos no crucifixo em meu pescoço, não quis acreditar que na verdade ele só queria tirar uma casquinha. Então soltou e eu dei um passo disfarçado para trás.
  Estranho…
  - Conhece meus pais? Nossa, que mundinho pequeno. – Cocei minha nuca, tentando aceitar logo minha punição e sair correndo dessa sala.
  - Fica tranquila. Só peço que diminua o volume da próxima vez ou apenas bote para vibrar, para não atrapalhar a minha aula e seus colegas. Sei que por ser filha de Hudson você seria... especial. Educada, inteligente, não tem porquê castigá-la por um errinho qualquer, né? – Riu e eu apenas assenti.
  - Aham…
  - Bom, espero te ver na próxima aula e sem interrupções, certo? – Riu novamente, tocando meu braço descoberto, apenas um leve toque, mas pude senti-lo querer ir mais fundo. Dei uma risadinha falsa. – Pode ir. – Sorriu novamente e eu assenti.
  - Vou ligar pra minha mãe antes que ela ache que fui possuída e nesse momento já estou vomitando verde e girando a cabeça. – Ele gargalhou da minha piada e eu segurei forte meu celular, saindo de lá o mais depressa possível.
  Óbvio que estava lá do outro lado da porta me encarando preocupada, checando para ver se havia algum ferimento ou trauma, mas eu estava bem.
  - Ele fez algo? – Neguei com a cabeça. – E aí?
  - Eu acho que ele tá apaixonado pelo meu pai.

***

  O dia estava acabando e com a noite se aproximando, logo teríamos que nos arrumar para as festas. Depois de um dia cansativo de aulas que nem todas fiquei perto de meus amigos, encontrei pelo pátio e corri para contar novidades.
  - Consegui um trabalho! – Dei pulinhos e minha amiga encarou desconfiada. – Um trabalho mesmo, na biblioteca, acredita?
  - Na verdade não. – Segurou-me, fazendo com que eu parasse de dar meus pulinhos de alegria. – Fala a verdade, o que tá acontecendo? Essa sua fixação por matérias extracurriculares, trabalhos... a ligação da sua mãe. Pode me contando tudo.
  Suspirei alto.
  - É que você sabe como os meus pais são... agora que eu vim para a faculdade, escolhi o curso que meu pai mais odeia no mundo e estou morando aqui, longe das asas e das regras dele, ele tá me punindo como pode. Está cortando todos meus cartões e mesadas, no máximo ele vai pagar a faculdade porque eu prometi continuar indo à Igreja. Então vou trabalhar pra diminuir os custos.
  - E sua mãe?
  - Ela tá me dando dinheiro escondido, claro! – gargalhou. – Você acha que ela ia me deixar passar aperto? Ela é mulher e sabe como eu aprecio o caro. Mas de qualquer forma, quero ser o mais independente possível do meu pai. Da minha mãe tá ok depender, ela não é tão surtada quanto ele.
  Minha amiga me abraçou, me apertando forte.
  - Que orgulho, minha garotinha tá virando uma mulher. Agora posso te extorquir e conseguir roupas de grife! – Me soltou. – Quanto será que seu pai pagaria por um resgate? – Me encarou dos pés à cabeça e eu dei o dedo como resposta.
  Eu amava meus pais, de verdade. Eram os melhores na maioria do tempo, mas meu pai não foi o Pai do Ano durante dezoito anos. Minha mãe sim, mesmo com toda a religião sempre tentou me deixar livre para fazer o que meu coraçãozinho adolescente quisesse, sempre me apoiando.
  Quando escolhi estudar Astronomia, conhecer o espaço e tudo nele, meu pai surtou. Achou que eu estava indo contra tudo que ele tentou me ensinar a vida toda, já minha mãe só me pediu para aprender mais sobre as estrelas e contar a ela, porque sabia que isso jamais mudaria algo em minha religião.
  Meu pai me criou para seguir seus passos. Minha mãe me criou para que eu fosse eu mesma.
  - Vamos nos arrumar para a festa? – perguntou e eu assenti. – Tá tudo liberado hoje? Estoque completo.
  - Vamos nos vestir para matar. Vamos mostrar para essa pequena universidade como é que se festeja. – Fizemos um high five e fomos.
  Com a minha mãe e ao meu lado, não havia pai nenhum para me botar pra baixo.

***

  A noite caía e o campus estava cheio de adolescentes bêbados espalhados pelas casas das fraternidades. Cada um com seus estilos diferentes, com seus grupos e era uma completa diversidade que cobria todo o campus.
   estava usando um cropped de crochê branco estilo ciganinha, mostrando a marquinha de biquíni do seu bronzeado que ela tinha tanto orgulho. Uma calça jeans justíssima azul escura de cintura média e um salto agulha branco. O pulso e pescoço sempre com algumas bijuterias delicadas e douradas para completar o look e o cabelo gigante, iluminado nas pontas encaracoladas, estava solto. Ela tinha um estilo meio vintage e tropical.
  Já eu usava um vestido cinza brilhante e saltos plataforma transparentes. Meus cabelos loiros estavam presos em um rabo de cavalo meio bagunçado com minha franja caindo sobre meu rosto. Usava glitter em meus olhos como sombra e minha boca estava delicada com meu batom rosa nude.
  Brittany usava um vestido com um unicórnio estampando, um all star branco de cano baixo e os cabelos trançados.
  Saímos a procura de bebida, mas na primeira casa que paramos – que era totalmente verde e bem hippie – não havia nada de álcool, mas ótimos docinhos de que nos entupimos.
  - Bem-vindas! – Uma das integrantes se apresentou. – Sou Sunshine, muito prazer. – Nós sorrimos.
  Eu, e Brittany nos entreolhamos, pensando na melhor forma de nos apresentar para quem não tinha álcool.
  - Rachel. – esticou a mão.
  - Monica. – Imitei.
  - Joey. – Brittany fez o mesmo, mas sua resposta fez com que virássemos para ela completamente boquiabertas. Ela realmente não entendia a brincadeira.
  Mas a anfitriã riu, gargalhou e quase caiu no chão. Talvez não tivesse bebida e sim outra coisa nos docinhos... Por isso jogamos todos fora antes que tivéssemos a mesma reação.
  - É engraçado porque... – tentava dizer, com suas gargalhadas a impedindo de terminar a frase. – A Rachel é a loira, a Monica a morena e o Joey é homem! – Gargalhou mais alto ainda e tentamos rir, mas era esquisito demais.
  Nós três nos entreolhamos novamente e saímos de fininho, antes que ela parasse de rir e tivesse mais alguma reação que não fosse tão engraçada assim.
  Passamos por algumas casas, dissemos alguns nomes falsos e não conseguimos uma gota de bebida. Só as casas mais famosas tinham passe livre para trazer bebida e para chegar lá teríamos que passar por muros e entrar de penetra. E não queria começar meu ano assim. E muito menos quebrar meu salto caríssimo.
  Se quiséssemos entrar era melhor esperar até a madrugada chegar, o que seria frustrante.
  - Não quero pular o muro. - Fiz bico.
  - Caguei. Vamos logo. – me puxou para frente e fui, porque estava com mais medo de cair nesses saltos do que pular um muro.
  Pra ela era comum, já que a garota era praticamente um molequinho quando era criança. Enquanto eu pintava minhas unhas, ela estava completamente suja e de boné jogando baseball com os garotos na rua da escola. Quando crescemos ela virou líder de torcida e hoje é obcecada pelos grandes nomes de estilistas.
  No caminho, passamos por uma casa toda escura e aparentemente vazia. Era a mais apagada e vazia de todas, aquilo me partiu o coração por um momento, mas provavelmente não havia ninguém nela. Nem mesmo alguém moraria aí. Brittany pareceu querer dizer algo sobre a casa, mas a ignoramos, mais focadas em ir atrás de bebidas.
  No muro, nós mesmas nos demos impulso para passar do outro lado. E tentei cair na forma menos penetra possível. E conseguimos. Estávamos no paraíso de bebidas e festas de verdade. Com música, pessoas se divertindo de verdade e o mais importante: álcool.
  Entramos na Alpha. Muitas estavam do lado de fora conversando e nenhuma barrou nossa entrada, o que foi bom. Aparentemente estávamos vestidas no padrão delas.
  Fomos direto para a mesa de bebidas, mas não tinha exatamente um bar, o que me frustrou de início. Só uma mesa com um ponche e ao tomá-lo, quase cuspi tudo pela quantidade de álcool que aquilo continha. Só um copo me deixaria bêbada por três dias.
  - Nossa, eles botaram gasolina nisso? – também reclamou.
  - Olá! – Uma das meninas se apresentou. Era ruiva, com cabelos perfeitamente penteados e um vestido que custava a minha mesada. – Sou Debbie. E vocês? – Deu a mão e apertamos.
  - Buffy. – Sorri.
  - Faith. – Acenou com a cara emburrada. Ela preferiria dizer Spike, eu sei.
  Esperamos o terceiro cumprimento, mas não veio. Então nós nos viramos e Brittany havia sumido. Era só o que me faltava.
  - Cadê a Brittany? – me perguntou mais nervosa comigo do que com a situação. Dei os ombros.
  - Como eu vou saber? Quem estava do lado dela era você!
  - Meu Deus do céu, perdemos a Brittany. – Levou as mãos à cabeça, respirando fundo.
  - Quem é Brittany? – A ruiva ainda estava lá vendo a cena e olhei minha amiga.
  - Você não a viu? Ela é loira, com tranças e um vestido de unicórnio.
  A garota negou.
  - Não, mas eu sei quem pode ter visto. – Apontou para uma outra delas, com cabelos castanhos presos em um coque alto. Agradecemos e corremos até ela.
  - Com licença. – a chamou.
  - Sim?
  - Você viu uma garota loira de tranças e com um vestido de unicórnio? – perguntei ignorando o desespero.
  Não podíamos perder Brittany. Da última vez a perdemos em um shopping e quase a achamos afogada na piscina de bolinhas da sessão infantil.
  - Vi sim! – O alívio nos percorreu. - Ela estava indo pra casa dos garotos. – Apontou. – Do outro lado da rua.
  - Muito obrigada, – agradecemos.
  Corremos, saindo da casa das meninas sem pouco nos importar em despedidas. Mas a casa dos garotos era muito mais difícil de se entrar como a das garotas. E isso era um pesadelo.
  - Nomes. – Um rapaz alto, forte e com uma cara não muito amigável perguntou, segurando uma prancheta.
  - Nossa amiga tá aí dentro, precisamos levá-la para o dormitório. – tentou alertá-lo. – Ela tem diabetes, se passar mal não teremos como socorrê-la.
  Latina mentirosa.
  - Nos deixe passar, por favorzinho. – Pedi tentando adoçá-lo. Ele me encarou – bem lá mesmo... -, deu um sorriso meio sujo e voltou pra prancheta.
  - Nomes.
  - Veronica. – começou…
  - Betty. - Terminei.
  O rapaz encarou a prancheta, lendo a folha toda e depois a outra, e a outra. E eu já estava ficando agitada com tudo aquilo. Precisava ir atrás de Brittany e aproveitar para encher a cara no paraíso das bebidas que seria a casa dos garotos. Como sempre.
  Mas ele nos encarou sério.
  - Não estão na lista, portanto...
   rolou os olhos.
  - Escuta aqui... – começou a ficar puta e toda vez que começava assim, seu sotaque latino se sobressaia e se segurava pra não soltar palavrões em espanhol. – Nossa amiga tá aí dentro e vai precisar de nós em breve, então por favor, se não for muito pra você, esqueça essa mierda de prancheta e nos deixe entrar. Ahora!
  Bateu os pés e o cara nem tremeu, permaneceu imóvel.
  - O que podemos fazer pra você nos deixar entrar? Fala logo. – perguntei impaciente e ele nos encarou, dos pés à cabeça. E seu sorriso sujo reapareceu, naquele momento sabia que viria merda e o mataria.
  - Vocês sabem... na faculdade as garotas vão mais a loucura. Me provem que vocês são loucas o bastante para entrarem aqui. – Permanecia com o sorriso sujo e a mão de socar da morena tremia. – Mostrem seus seios.
  - COMO É QUE É?
  - Tá bom... – Respirei fundo, descendo lentamente meu vestido. Mas me segurou antes.
  Ainda bem…
  - Quem você pensa que é? Meu Deus, você é nojento! Quer dizer, você poderia estar lá dentro na casa das meninas vendo as garotas tirando tudo na piscina, fazendo o que garotas sempre fazem sozinhas e você vai perder seu tempo vendo nossos peitinhos sem graça? – Rolou os olhos e o queixo do cara caiu.
  - Meu peitinho não é sem graça... – suspirei decepcionada e quase enfiou o cotovelo em minha barriga, mas desviei.
  - Tá zoando né? Elas não estão fazendo isso.
  - Tire a prova... – Sorri e ele tentou conter a “excitação”.
  - Fiquem aqui. – Ele saiu do posto, atravessando a rua para a casa das meninas. Foi o suficiente para corrermos para o lado de dentro da casa. E era realmente, de Paraíso se tornou o Inferno.
  A casa estava quente, cheia de gente bêbada fazendo merda. Várias mulheres seminuas e homens também. Pegação por todos os cantos e o cheiro de álcool e sexo preenchiam o local. Não acredito que Brittany havia se enfiado lá.
  Mas não me importava, íamos pegando os copos de bebida que víamos pela frente virando-os, apreciando o álcool e um pouco da festa. A Brittany poderia esperar um pouco.
  Não sei se era o ar ou a bebida, mas ignorei a nojeira que o lugar se encontrava e me meti entre os rapazes, pegando mais bebidas no bar e indo atrás da pista de dança, para dançar loucamente. Acabei perdendo no caminho, mas não me importava, porque a música com batida gostosa me fazia rebolar, jogando meus cabelos e passando a mão pelo meu próprio corpo. Sentia meu corpo quente e parecia estar bêbada, mas nem estava.
  - Oi gatinhas – um cara com o cabelo descolorido meio amarelo, estilo surfista, chegou nos cumprimentou e vi que já estava ao meu lado segurando copos para nós. – Meu nome é Dick, e o de vocês? Aposto que são tão lindos quanto os seus rostos. – Sorriu.
  - Quinn. – Dei a mão e ele a beijou, ew.
  - Santana. – Acenou com a cabeça, evitando o contato físico.
  - Qualquer coisa, só procurarem o Dick e eu as darei o melhor. Porque comigo só tem coisa boa. – Sorriu genuinamente, achando que isso faria acontecer algo em nossas calcinhas e foi embora.
   me encarou e entendi o que queria. Rolei os olhos, pegando o copinho na mão dela e virando todo em minha garganta, sentindo-a queimar e o álcool dar efeito.
  - Me deseje sorte. – Dei as costas.
  - Vai com tudo, tigresa.
  Fui meio cambaleante – pelo efeito rápido do álcool em meu organismo – até Dick, que estava escorado na parede e ao me ver, mandou embora todos que estavam por perto.
  - E aí, gatinha. No que posso ser útil? – Sorriu.
  - Quero tirar prova disso que você tem de melhor. – Retribui o sorriso e ele se surpreendeu. Aposto que não estava acostumado com garotas mais diretas como eu e .
  - Vem aqui então. – Segurou em minha mão e me levou até o cantinho mais afastado das pessoas. – Vou te mostrar os benefícios do Dick. – Sorriu e enfiou a boca na minha.
  Beijava sem jeito algum, me lambendo e mordendo meus lábios, quase machucando-os. Sua língua dentro de minha boca parecia que queria me furar, quase pude a sentir em minha garganta. Quase tossi com o gosto de gasolina que tinha sua boca.
  Suas mãos apertavam o meu corpo e era até incômodo a forma em que ele não tinha pegada alguma. Não estava sendo um beijo bom, eu estava traumatizada e até enojada. Talvez fosse o álcool.
  Ao sentir apertar minha bunda, o afastei bruscamente, atuando da melhor forma quase caindo no chão.
  - Nossa, essa bebida me pegou de jeito, hein. – fiz um tom bêbado e cambaleei para longe dele. – Você... é... quente... – disse pausadamente e ele sorriu, senti seu ego me empurrar para longe e saí o mais rápido possível dele.
  Voltei para minha amiga que me aguardava ansiosa, segurando mais copos. Ela me entregou um e eu o virei. Tudo que eu queria era ficar mais bêbada o possível para esquecer isso, de verdade.
  - Ele beija mal.
  - Não brinca, sério? – Assenti. Deu os ombros. – Vou ir lá provar. – Entregou-me os copos e saiu andando.
   seguiu o mesmo caminho que eu até Dick e ele a levou para o mesmo cantinho que me levou. Fez exatamente as mesmas coisas. Contei no relógio do meu pulso quanto tempo ela demoraria para se fingir muito bêbada e voltar.
  Eram 1h25m quando foi, 1h28m ela voltou com uma expressão frustrada e decepcionada, balançando a cabeça.
  - Pior. Beijo. De. Todos.
  - Eu disse.
  - Muito ruim.
  - Desperdício…
  - Vamos dançar. – me puxou para o monte de gente e eu fui junto, me metendo mais perto dos caras.
  A música tocava mais forte e nós duas nos divertíamos, dançando mais para nós mesmas do que para os rapazes que nos cercavam. Mesmo assim, aproveitávamos para provocá-los um pouco, porque as reações eram imperdíveis. Descíamos até o chão e voltávamos, rebolando nossas bundas como naqueles videoclipes.
  Rebolávamos do nosso jeito, ouvindo os caras assobiando atrás de nós e uns até tentando chegar mais perto, roçando seus corpos nos nossos e dançando, mesmo sem nossa permissão. Os ignoramos e voltamos a dançar para nós mesmas.
  Conforme as músicas acabavam, dançamos mais um pouco até cansarmos.
  - Vou procurar o meu primo, – disse ofegante, então me deu as costas e eu fiquei lá, sozinha perdida entre um monte de gente desconhecida e Dick, que não parava de me olhar. E esses caras ainda queriam tirar uma casquinha.
  Virei e saí andando pela casa, procurando algo para fazer. Fui então até o bar e agradeci ao ver um rosto conhecido.
  Era e ele estava lindo usando uma camiseta preta qualquer, a sua jaqueta de time e calça jeans qualquer. Era tão simples e eu queria bagunçá-lo todo. Muito…
  Espera, não.
  Melhores amigos, apenas isso, certo?
  - Com licença. – Tirei seu copo de sua mão e tomei um gole de sua bebida, ele nem se surpreendeu. Cuspi tudo no chão. – É água! – O encarei completamente decepcionada e ele gargalhou.
  - Não posso beber. Estou dirigindo. – Deu os ombros.
  Arqueei as sobrancelhas.
  Como é?
  - Você tá de skate. E mora no campus. – Cruzei os braços e ele deu os ombros novamente, pouco se importando.
  - Segurança em primeiro lugar.
  - Nossa, você é tão careta. – Rolei os olhos e me virei pro barman, pedindo qualquer coisa que tivesse álcool de verdade. Subi no banquinho, virando minha bunda para ele e pedi a bebida, sentia seus olhos em minha pele, mas pouco me importei.
  Voltei para a posição inicial.
  - E aí, como foi seu primeiro dia? – perguntou, mas as únicas coisas que em conseguia me focar naquele momento eram seus lindos olhos castanhos e na bebida deliciosa que haviam me feito.
  - Normal. Estudei como sempre, consegui um emprego, um professor mega esquisito está apaixonado pelo meu pai. Nada demais. – estranhou minha fala e eu dei os ombros, ignorando.
  - E fez amigos? – Gargalhei.
  - Por Deus, não.
  - Essa é minha garota. – Sorriu.
  - Viu Brittany? – mudei de assunto.
  - Ela tinha saído com o Wallace, acho. Foram ver garotas. – Durante esse tempo já estava bebendo outro drink muito bom. Estava com sede. – E , não estava com você?
  - Foi atrás do belo priminho dela, o que significa que foi atrás do tentar rever os assuntos pendentes do ano novo. Ou seja, Me abandonou. – Fiz bico e gargalhou.
  - Vai ter que ficar comigo então. – Sorriu de canto, tentando permanecer charmoso, mas sua timidez era adorável. Principalmente quando se tratava de mim. Éramos íntimos e mesmo assim ficava desse jeito.
- E tem coisa melhor? – Sorri. me abraçou de canto e pude sentir seu aroma, quase o beijei naquele momento. Íamos nos beijar, de verdade. Era o certo, já estava tudo planejado. Então fomos interrompidos.
  - Você! – O guarda que havia enganado mais cedo apareceu e eu me assustei, ele vinha em minha direção com raiva. – Vou te tirar daqui a força. – Antes que ele pudesse reagir, joguei meu drink todo em sua cara, molhando-o.
  - Te vejo mais tarde. – Dei um beijinho na bochecha de e saí correndo o mais rápido possível, atrás de , Brittany, Wallace, ou qualquer um que pudesse me proteger desse brutamontes.
  Óbvio que nem precisava correr, estava lá. E ele agiu por conta própria para me proteger.
  Queria ter ficado para protegê-lo também.

***

   saiu correndo como um jato, fugindo de um dos caras da fraternidade. Nem perguntei o que havia feito, mas coisa boa não era, já que o cara estava vermelho de raiva.
  Mas claro que não o deixaria alcançá-la.
  - Qual é, deixa ela em paz, – alertei, fazendo-o parar no meio do caminho.
  - Como é, novato? – Ele parecia furioso e eu estava pouco me fodendo pra ele.
  - Deixa. Ela. Em. Paz.
  - Vem fazer, seu merda. – Tentou me socar, mas desviei, retribuindo o soco que o acertou, então o próximo dele me acertou também. E começou…
  Fui para cima dele, socando-o e ele retribuía, tentando se defender e me atingir também. Logo um grupo de rapazes nos cercou, um monte gritava para briga e nenhum estava aqui para apartar.
  - Não acredito que você tá disposto a morrer por causa de uma vadiazinha daquelas. – Riu e eu o soquei.
  - E quem vai me matar? Você? – O imitei na risada e ele me socou.
  Foram socos em várias partes no corpo. Eu o socava e ele me socava. Quanto mais a briga intensificava, mais pessoas nos cercavam, até que resolveram apartar.
  Os caras do meu time me puxaram para trás e o dele fizeram o mesmo. Não foi uma briga e tanto, estávamos pouco machucados até. Porém havia sido o suficiente para dar o meu recado.
  - Relaxa, . Vamos embora, vamos. – Um dos caras me puxava e eu tentava me soltar.
  - Fica longe dela, ouviu? – Gritei para o outro que apenas retribuiu com o dedo. E eu me soltei, quase voando para cima dele de novo, mas me seguravam.
  - Que merda é essa? – chegou gritando, junto com .
  - É uma festa, burrinha, – Brittany disse aleatoriamente e a fuzilou com o olhar.
  - Esse merda estava atrás da . – Soltei-me e então precisou ser segurada.
  - Por que não enfrenta alguém do seu tamanho? – ela disse e teve que virar o pescoço pra cima pra conseguir ver o rosto dele. Ué. – Pensei que já tínhamos resolvido que você é um idiota lá fora.
  Em um momento ela começou a cutucar o peito dele com as mãos e já revirava os olhos, premeditando que teria que apartar aquilo. E então se meteu no meio.
  - Vincent, elas são legais, dá um tempo, – falou amigavelmente. E o cara parou para escutá-lo.
  - Elas estão aqui de penetra.
   sorriu e balançou a cabeça com pesar e deu uns tapinhas nas costas do grandão.
  - Vincent, 50% do pessoal dessa festa está aqui de penetra, inclusive eu. Um a mais não vai fazer diferença, tá vendo aquilo? – Apontou para um cara que estava no time de futebol. Acho que era o manda-chuva da fraternidade. Ele estava de cueca, dançando contra a estátua de um cachorro branco horrenda enquanto cantava Poker Face. – Aquele é o seu líder, se ele já estava assim e ainda é meia noite, eu acho que o lugar já está pronto pra ser liberado para os novatos, não é mesmo?
  Vincent encolheu os ombros e apontou um dedo na cara de .
  - Beleza, mas não quero cruzar espaço com essas duas essa noite, está bem?
  - Valeu amigo, – agradeceu e tudo estava bem de novo. Até que…
  - Beleza o caralho eu vou te comer na porrada se cruzar caminho comigo, cabrón.
   tinha me ensinado que, em algumas situações, cabrón poderia ser visto com um elogio. Aquela não parecia ser uma delas.
  - Se acalma mulher, – reclamou a puxando pelos braços pra longe de Vincent, que tentava se conter.
  - Eu acho melhor vocês irem embora. – Um dos caras da fraternidade alertou. – Peço desculpas pela atitude do meu amigo, mas vão embora, esfriar a cabeça. Do lado de fora vocês se matam depois.
  - Tudo bem. Essa festa tá morta de qualquer jeito! – disse em seu tom embriagado, tentando se passar como superior.
   rolou os olhos e saiu da casa junto com . Wallace e Brittany a seguiram.
  As pessoas olhavam, fofocavam, riam, outras aplaudiam e xingavam o que estava atrás de . Mais por ter apanhado do que pela atitude que teve em ir atrás da garota.
  O grupo todo foi embora e eu acabei ficando para trás, porque havia algo que havia me deixado na dúvida e não poderia ir embora sem descobrir:
  Onde estava a ?

***

  Estava sentada na escadaria de uma das casas, sem exatamente muito o que fazer. Fugi do cara que havia enganado e acabei ficando longe do grupo, não sabia ao certo onde estavam e o que aconteceu, mas uma coisa descobri: até que a casa das meninas era divertida. E o ponche de gasolina nem estava tão ruim assim para quem já havia bebido.
  Brincava com o copinho vermelho, bêbada demais e com medo para sair andando de volta para os dormitórios, com medo de um dos brutamontes me reconhecer e vir atrás de mim com um machado e tudo. Bem aqueles filmes de terror pesados.
  Percebi a sombra em minha frente e me assustei, já imaginando a pessoa errada, mas levantei a cabeça e vi . Isso me animou. Levantei em um pulo, abraçando-o, feliz por alguém do grupo ainda ter lembrado de mim.
  Mas era o álcool.
  Vi seu rosto com alguns machucados, uns cortes na boca e me desesperei. não era o tipo brigão, nunca havia o visto brigando por motivos bobos, mas um dos únicos motivos em que se metia em briga tinha nome e sobrenome: Hudson, isso mesmo, eu.
  Desde as primeiras séries, bem antes de namorarmos e ainda quando éramos crianças ingênuas ele se metia em brigas por minha causa, para me defender. Me defendia de quem me xingava, roubava meu lanchinho ou meu material. E quando fomos crescendo, os motivos continuavam os mesmos e as brigas mais intensas. Ele nem sempre perdia, mas também nem sempre ganhava. E ganhando ou perdendo, sempre tínhamos os machucados para cuidar.
  E depois vinha a culpa, a culpa de fazê-lo passar por essas coisas. Depois que terminamos achei que havia acabado, mas estava enganada…
  Um dia na faculdade e já havia o feito bater em alguém.
  - Tá tudo bem? – Toquei seus ferimentos e ele resmungou, mas ignorou, com um sorriso e as mãos acariciando minha cintura.
  - Vim te levar pro dormitório. Aceita uma carona? – Senti seu skate batendo em minha perna e hesitei, jamais andaria em um troço desses bêbada e de salto.
  Mas ele me encarava carinhosamente, sorrindo gentilmente e dei os ombros. Valia a pena tentar, né?
  Tirei meus saltos, segurando-os em minha mão. subiu em seu skate e eu fiquei atrás dele, segurando abraçando suas costas para evitar um acidente. E se eu caísse, ele amorteceria minha queda.
  Demos impulso juntos e saímos andando pelo campus em seu skate.
  Eram coisas simples assim que eu sentia falta de quando estávamos juntos e agradecia que permanecemos tendo depois que terminamos. sempre foi meu melhor amigo, bem antes de que percebesse que era completamente apaixonada por ele. E continuava sendo.
  Haviam coisas que nunca mudavam. E mesmo que tentasse esconder, os sentimentos falavam por si próprios.
  Talvez fosse o álcool sim, com certeza.
  Mas eu queria que esse passeio em seu skate jamais acabasse.

***

  Primeiro domingo e cumpri a minha promessa, fui à Igreja naquela manhã. Meu pai pareceu contente em me ver – mesmo fingindo que não – e minha mãe me deu um daqueles abraços que demoraram horas pra me soltar.
  E como tortura boa é aquela que levamos os amigos, fiz questão de trazer pro passeio. Tivemos que nos vestir muito mais recadas e com menos decotes que sempre, mas pelo menos fizemos o certo em vir. Mas o lacinho que usava em minha cabeça me deixava lindinha.
  - , não é aquele professor esquisito? – me mostrou o Mr. Johnson, que estava vindo até nós junto com meu pai. O homem saiu antes de chegar perto, mas sem antes dar uma boa secada em mim. Desviei o olhar rápido.
  - Pai, você é amigo do meu professor? – Estranho…
  - Sou sim. Mr. Johnson é um rapaz e tanto, um prodígio. Você tem sorte em tê-lo como seu professor. Se ele não fosse mais velho que você... – deu uma pausa. E durante essa pausa contei mentalmente quanto tempo demoraria para pegar um avião para o Japão ainda essa noite. – Adoraria tê-lo como meu genro.
  Engasguei com o ar.
  Isola, Senhor.
  Encarei a minha amiga que também se virou para mim, damos os ombros.
  Meu pai também estava apaixonado pelo Mr. Johnson... coitada da minha mãe.
  Meus pais estavam agora conversando com alguns rapazes que se voluntariavam para cuidar de casas, reconstruir e reformar. Tudo de graça. Para nós era algo meio estranho e completamente diferente do que estávamos acostumados, já que nenhuma de nós fazia isso da mesma forma ou com tanta vontade.
  - Por que eles fazem isso? – perguntou, se mostrando curiosa sobre o assunto. Minha mãe então sorriu.
  - Por fé. Às vezes as pessoas fazem coisas boas sem querer nada em troca só pela fé. Ajudar os que mais precisam faz bem para eles e para todos nós, querida.
  - Isso é... Uau. – Minha amiga parecia bastante interessada com aquilo. – Deve ser muito bom quando termina.
  - Maravilhoso. – Minha mãe tocou em seu ombro, sorrindo de orelha a orelha. A senhora se orgulhava disso, uma das coisas que ela mais tinha orgulho de fazer dentro da Igreja: ajudar os outros.
  Não importa se era rico, pobre, religioso ou não. Minha mãe se importava com todo mundo, era pureza demais. Uma bondade verdadeira. Ela era minha inspiração para ser alguém melhor.
  Para ela ninguém era melhor que ninguém... Já meu pai... Ele ia precisar aprender.

***

  Nunca fiquei tão entediado em um final de semana. Por isso jogava e pegava a bolinha quando descia. Indo e voltando na minha mão, bufei.
  Não tinha tido notícia de ninguém do grupo, provavelmente estavam aproveitando o dia, mas na verdade meu foco era apenas em uma pessoa. Só uma delas queria encontrar pra passar o dia junto.
  Minha cabeça não conseguia deixar de pensar na noite após a festa e como as coisas ficaram depois daquilo. Meus machucados já haviam sumido e ela havia feito questão de cuidar de mim todos os dias, me acompanhar pelo campus pra fazer questão que eu não sairia brigando com ninguém.
  Ela não sabia, mas esses gestos me faziam sentir muito por ela.
  - Filho? – Meu pai entrou no quarto, chamando a minha atenção. Larguei a bolinha e o encarei. – Tá tudo bem?
  - Pai... Como faço pra conquistar uma garota?
  Ele me encarou por alguns instantes. Se recordou que já havíamos tido essa conversa. Eu tinha dez anos e queria conquistar.... isso mesmo, a . Naquela época tudo que ela queria era brincar de boneca e ser a Sharpay Evans.
  O seu conselho foi simples: seja você mesmo e faça o que ela quiser. Então vi os três filmes do High School Musical com ela, todas as temporadas de Hannah Montana e quando cortou seu cabelo imitando a peruca da ídola, disse que estavam parecidas – e até estavam. Ela ficava linda usando roupinhas coloridas e cheias de glitter.
  Seu conselho deu tão certo que anos depois já podia chamá-la de minha namorada. Pena que, bom... estraguei tudo.
  - Quer dizer... como faço pra reconquistar uma garota depois que fodi tudo com ela? – reformulei a pergunta e então a expressão do meu velho se suavizou.
  - Olha o vocabulário. – Minha mãe adentrou no quarto, ficando ao lado de meu pai.
  Sempre quis saber como ficaram casados e felizes por tantos anos, sendo que ele era apenas um mecânico humilde e simples, e minha mãe era uma advogada ambiciosa com sonho de se tornar prefeita e, mais pra frente, presidente.
  - É só ser você mesmo, querido. – Minha mãe se sentou na minha cama, tentando me aconselhar da melhor forma.
  - Ah, e sempre é bom comprar chocolates e flores. – Meu pai completou. – E assumir que você estava errado e ela certa. Faça isso SEMPRE! Faça sempre o que ela quiser.
  - Isso mesmo.
  Ah sim, agora entendia o porquê os dois permaneceram casados por tanto tempo... talvez desse certo pra mim também.
  Meu celular vibrou, tocando a música tema de Sharpay – o toque especial de que havia botado em meu celular – e sorri para meus pais. Estava na hora de colocar o meu plano em prática.
  - Onde será que eu encontro uma floricultura aberta a essa hora?

Capítulo 02

Capítulo 2

  Continuei traçando algumas linhas na folha, tentando detalhar ainda mais minha caricatura do Senhor Hanks, que neste momento mantinha a mesma cara de tédio e olhos quase fechados enquanto nos ensinava algumas coisas sobre inclusão e como ela foi adotada através do tempo.
  Nem com memória fotográfica eu conseguiria entender o que ele falava com aquela língua preguiçosa arrastando na boca. E olha que eu mesma tinha um sotaque que as pessoas julgavam difícil entender em alguns momentos.
  Dick estava ao meu lado ainda acordado, o que era um milagre, e sussurrou “talento nato” observando meu desenho. Sussurrei de volta “eu sei”, dando um sorrisinho cínico. Desde que ficamos por um minuto naquela festa no início do ano ele vinha me enchendo o saco em todas as aulas. Em todas elas eu tentava dar alguma patada que mudasse seu comportamento e... nada. Ele era tão sem noção com as garotas quanto meu primo.
  - Então o senhor tem uma descrição mais clara sobre o que é e a importância da inclusão pra que eu possa anotar? – uma garota de óculos perguntou no fundo.
  Dick revirou os olhos ao meu lado.
  - É tudo o que ele explicou até agora burrinha.
  - Calado Dick, ela tá tentando saber se isso vai cair na prova, – murmurei enfadada.
  - Senhorita Vega o que eu disse sobre esses palavreados na minha sala?
  - Que eu não deveria nem abrir a boca na sua aula? – Levantei as sobrancelhas.
  - Exatamente, mas voltando…
  - Ah qual é, esse assunto é tão velho e batido quanto a discussão de brancos versus nativos na Ação de Graças, – um garoto reclamou atrás de mim.
  - Shh – a menina morena da primeira carteira falou, com um pequeno sorriso de deboche que se direcionava ao garoto, mas seus olhos caíam sobre mim. – Alguns podem se sentir ofendidos.
  E aquele ser insuportável se chamava Rachel. Rachel Olive.
  Como eu poderia começar a explicar Rachel Olive... Conhecem aquelas histórias sobre garotas malvadas, loiras, de nariz em pé que tinham tudo o que possuíam sem fazer esforço algum? Isso era tudo que Rachel julgava eu ser.
  Rachel aqui, era a menina virgem que acordava, ia até a cozinha comer uma maçã e vinha pra faculdade vestindo um moletom com o seu coque frouxo jurando ser a coitada mais inocente do mundo só porque não tinha uma bunda do meu tamanho e me pegou pra cristo achando que eu estava realmente interessada em ser a antagonista da sua história.
  E isso não era de hoje, a praga me atormentava desde o colegial. Quando no teste de líderes de torcida ela tinha feito algum tipo de aposta com as amigas e surgiu lá, com a cara de poucos amigos, não queria estar ali e aquilo me irritou. Se não era importante pra ela, era pra mim, e Rachel tinha essa mente programada pra criar estereótipos para qualquer tipo de menina que aparentavam ter um pouco mais de confiança que ela.
  Assim que ela começou a dançar – horrivelmente – e sua carranca virou um sorriso gigantesco, ela pensou que aquilo seria o seu momento de brilhar e eu como capitã a deixaria entrar em nosso time, o que não aconteceu. Somente uma risadinha, uma risadinha e “próximo”, foi o que eu disse. E então uma série de coincidências nos colocavam na mesma situação na escola em lados diferentes.
  Como quando eu comecei a namorar Miguel e em um passe de mágica descubri que ela tinha uma paixão forte por ele que guardava há anos, e parecia ser minha culpa que ela não tinha coragem de abrir a boca e formar cinco palavras pra falar com ele. Eu terminei com Miguel e eles ficaram juntos, e eu estava completamente nem aí…
Ok, chorei por uma semana, é claro, porque realmente gostava dele e da sua companhia, mas bola pra frente.
  E aí ela descobriu que era lésbica. Descobriu que era lésbica quando beijou minha melhor amiga Brittany, a menina mais caminhoneira que meu tio Juan.
  Foi só isso, Brit me falou sobre o beijo em um dos almoços, eu acabei comentando sobre isso pra , mas não foi por maldade, era só uma fofoquinha honesta. De alguma forma isso se espalhou por toda a escola e quem levou a culpa outra vez? Isso mesmo, a Vadia de Ares High.
  Até hoje duvidava com força que o que eu falei para tinha se espalhado por ali inicialmente, ainda mais por ela que só falava com nosso grupo e ninguém mais. Se ela contou pro , ele ia fazer o quê? Espalhar bilhetes por aí sobre algo que ninguém, ninguém, ligava? E sério que ninguém desconfiou que a louca da Brittany poderia ter contado pra todos que beijou Rachel? Qual é, ela contava pra todos de forma alfabética quais remédios a tartaruga do seu irmão tomava quando estava com indigestão.
  E aqui estava Rachel outra vez no meu caminho, já não era mais virgem graças a namorada de longa data e criou confiança o suficiente pra começar a rebater quando a discussão ficava quente de verdade. E como ela tinha esse ranço instalado sobre minha pessoa, achava que estava sendo legal ao querer bancar Cady Heron de vez em quando. E tudo que saía de sua boca apenas aparentava ser bastante infantil pra mim... Ela não tinha coisa melhor pra fazer não?
  - Si era un intento de adularme, vete a la mierda. - Sorri vendo sua cara de quem não entendeu um grão.
  - Senhorita Vega, o que eu disse sobre falar em sua língua materna na minha sala?
  - Que eu não deveria abrir a boca na sua aula. – Bufei amassando o papel na minha mesa. O Senhor Hanks não merecia aquela obra de arte. Eu o fiz mais magro e usando a coleção de verão da queridíssima senhora Beckham e acabo sofrendo toda essa perseguição.
  - Senhorita Olive, vire-se pra frente. Recapitulando, eu vou mandar para vocês um e-mail com um breve resumo apenas porque este é um tema mais complicado e sei que não é natural de qualquer matéria. Agora me digam, alguém tem noção de quando esse sistema foi implantado, visando um acolhimento análogo entre essas crianças? – Dick levantou a mão. – Sim, Dick.
  - Mil novecentos e dezenove? – chutou.
  - Não. Muito bem... Agora uma resposta de alguém que não é um completo retardado? – caminhou seu dedo para as pessoas e o tucano tóxico resolveu responder. Lê-se Rachel.
  - Senhor, eu preciso saber se na prova você vai precisar disso como uma reação positiva ou negativa?
  - Como assim?
  - Bom, há controvérsias, na minha opinião a inclusão atrapalha a sala de aula para algumas crianças.
  - A única coisa que atrapalha, isso em países de terceiro mundo, é a falta de infraestrutura, sua mula. – Alterei-me.
  Ela se virou pra mim um pouco nervosa, mas queria debater.
  - E nestes mesmos países eles deveriam usar a verba pra outra coisa, não é?
  - Você tá fora de si? Além de trazer mais empregos pra segundas professoras em sala de aula isso ajuda a criar caráter descente, coisa que faltou na sua educação.
  - Senhorita Vega o que eu falei sobre julgar o caráter dos outros na minha…
  - Ah qual é, essa jamanta quer dizer que tem controvérsias em inclusão e você vem brigar comigo?
  - Eu tenho um ponto, . Tem escolas especializadas que possuem uma estrutura correta para esses indivíduos e…
  - Cada caso tem seu caso, consequências e seu laudo. E se o laudo permite que a pessoa possa conviver com as outras eu não vejo como isso é ruim pra nossa sociedade ou pra uma escola.
  - É ruim se não tem verba e…
  - Ah va-te lamer el culo de Trump.
  - Senhorita Vega…
  - Que droga , não dá pra ter uma discussão pacífica com você, – Rachel reclamou.
  - Não consigo me conter com gente que se faz de sonsa. – Sorri fechando os olhos.
  - Sonsa é a senhora sua mãe. – Dessa vez me levantei e estava furiosa. Ela queria falar da mamãe?
  - Você lava essa sua boca com alvejante antes de ousar falar da Senhora Sanchez, sua branquela azeda.
  Ela arregalou os olhos e engoliu seco. Se levantou também e mesmo aparentando estar com medo, ela ia revidar. Seu novo projeto de vida era ter coragem, não era? Ou substituir o Inferno na Terra.
  - Garotas, é melhor se sentarem agora... – Senhor Hanks tentou fazer algo. Tentou.
  - Eu falo de quem eu quiser, e mais, talvez se ela tivesse te educado direito, você não agiria todos os dias como uma completa selva... – Ela parou de falar no momento em que avancei pra cima dela.
  Rachel era dessas cachorrinhas que latem, latem, mas quando você manda ver, ela sai correndo de medo. E dá esse gritinho agudo insuportável pedindo socorro para o professor Hanks.
  - ¿Cómo te atreves a hablarme de mi familia? – rugi pra cima dela.
  Pode me xingar o quanto quiser, pode me bater, paus e pedras não vão me quebrar e blá blá blá, eu sou uma estrangeira na terra deles, tive que lidar muito com isso e sei me proteger.
  Mas nunca, em hipótese alguma, nunquinha, abra a boca pra falar um pio contra as pessoas com quem me importo. Pense duas vezes antes de mexer com meus amigos ou minha família.
  A “briga” se estendeu por pouco tempo, a galera já estava toda animada, os garotos do time de futebol vieram pra cima de mim tentando me segurar e ao mesmo tempo tirando uma casquinha, o que me deixou irada. Dick ficou gritando sobre “briga de gatas” e Rachel já soluçava de chorar.
  Fraca.

***

  E aquele choro ridículo convenceu, dado a circunstância que somente eu estava na sala da orientadora. Minha bochecha queimava de vermelha, só por dentro, nunca deixaria transparecer a vergonha que eu tinha de me meter em briga nessa idade, na faculdade... Eu queria brigar comigo mesma pra parar de ser tão idiota por me deixar levar com qualquer provocação.
  Estava sentada com minha bolsa Vuitton e Alaia no colo, era uma imitação é claro, mas comprei com meu suado dinheiro e ficava maravilhosa, seja pra sair em alguma festa ou pra andar pela escola com a camurça em estampa de leopardo. Até mesmo a reitora Campbell já tinha passado por mim uma vez e encarou um pouco minha bolsa.
  Reitora esta que não estava presente no momento. Ela não tinha tempo pra lidar com situações tão inúteis quanto essa. E lá estava a Orientadora Diane. Eu a chamava de Didi depois de sermos praticamente amigas pelo tanto de vezes que em que eu apareci ali em menos de um ano. E ela fazia questão de eu ficar por mais tempo para eu meramente ficar experimentando seus chás. Eu suspeitava que Didi também usava minha presença pra não ter que ir tão cedo até a sala da reitora pegar mais papeis de matrículas e fraternidades para atualizar seja o que for que tivesse pra ser atualizado.
  - ... – Didi suspirou com decepção e meu coração partiu. Ela sempre foi muito gentil comigo e desde que comecei a trabalhar em um segundo emprego ela continuava a acreditar que eu daria conta de tudo. Mas era difícil.
  - Ela quem começou e... – Parei sabendo que soava idiotamente infantil outra vez. – Me desculpe.
  - , você era uma aluna exemplar no começo do ano, suas notas eram ótimas, você passou em primeiro lugar na nossa bolsa, mas desde que começou a faltar algumas aulas vem tudo decaindo. Eu estou guardando seu caso para a Professora Campbell avistar por último apenas pra te dar mais um tempo para se desenrolar, o que fica ainda mais difícil porque você falta aula demais e quando vem, acaba se metendo em briga.
  - Eu só não gosto de ver injustiça.
  - Aquilo era apenas um debate saudável, , você tem que aprender a controlar seus nervos. Talvez fosse melhor se você desistisse de um dos empregos, não é benéfico pra uma garota de dezoito anos…
  - Não Didi, você sabe que não dá... desde que minha família sofreu aquele arrombamento lá em casa ano passado tá sendo difícil ter uma renda extra. Nem pra caridade a gente tá conseguindo doar. Eu preciso do dinheiro pra pagar meus empréstimos estudantis e…
  - Tudo bem, eu entendo.
  Há algum tempo meu pai tinha se metido em um esquema de pirâmides que acabou falindo o nosso restaurante no centro e tivemos que recomeçar do zero, abrindo ele novamente, dessa vez no primeiro andar da nossa casa na vila.
Flashback on.
  Minha família toda estava dormindo, eram apenas duas da madrugada e meu pai chamou todos nós até a sala para ver algo surpreendente.
  - Olhem isso – ele tinha ao seu lado um cofre grande e preto. Ele abriu como em um show de mágica e não havia nada dentro.
  Cocei os olhos com sono.
  - O que é isso? – minha mãe bocejou.
  - Nossa família foi roubada, – ele disse misterioso, como se não fosse culpa dele.
  Passei o resto da noite tentando parar minha mãe, que estava querendo matá-lo com um pau de amassar macarrão.
Flashback off.

  Não gosto de flashbacks longos. A questão é que obviamente nossa família nunca teve um cofre e ele achou que aquilo poderia nos enganar, como se alguns ladrões tivessem entrado lá e... Enfim.
  - De qualquer forma eu estou apta a aceitar qualquer outro conselho. Não posso perder essa bolsa, Didi, você sabe o quanto é importante para os meus pais.
  Sim, meus pais, não pra mim, pelo menos não para o curso que deveria fazer para manter o orgulho deles sobre mim. E ela notou isso, ela já tinha percebido que eu me esforçava demais pra fazer algo que eu nem ao menos tinha prazer em fazer.
  - Seus pontos adicionais por participar do time de vôlei e das líderes de torcida acrescentavam muito no seu histórico, sabia? Pode tentar voltar para o time dessa vez no nosso colégio, temos um time de futebol que ganha quase tanto destaque quanto o hóquei. Você poderia tentar entrar em alguma irmandade também, mesmo na metade do ano algumas meninas estão tentando salvar suas casas pela baixa demanda. As mais famosas e com mais álcool sempre tem toda a atenção – bufou. – Fora isso, tente repor toda a matéria, está bem? Sua última prova – viu a tela de seu computador – teve uma nota boa, não ótima. E você tem uma memória boa. Apenas estude mais.
  Eu já estudava no meu horário de lanche, no balcão do restaurante, no banco do Uber – o trabalho pagava essa mordomia pra mim – e atrás da vitrine da loja de roupas quando meu patrão não estava vendo. Mas tudo bem, não há esforço o bastante para algo que precisamos alcançar sem outra opção.
  Uma irmandade poderia até ser uma opção, dessa forma eu iria morar a alguns passos do campus e ter aquela parada de trabalhos filantrópicos que me ajudavam no currículo e histórico estudantil. Sem falar que as garotas no fim do dia se uniam pra estudarem e blá, blá, blá.
  - Vou tentar, – falei me levantando. Quando cheguei na porta ouvi sua voz calma e compreensiva.
  - Eu sei que vai.
  Passei pelo corredor antigo e chique avistando Vicky, a secretária de cabelos cor de cereja e pele morena. Ela era um pouco avoada para o trabalho, mas era um doce. Tinha pelo menos vinte e cinco anos.
  - E aí , foi a Olive outra vez? – Sorriu arrumando sua mesa que chegava até a altura do meu peito.
  - Como sempre. Às vezes acho que aquela garota mantém uma paixão secreta por mim, porque não é possível... - me queixei.
  - Bom, poderia ser... – Ela deu uma piscadinha e eu ri lisonjeada. – A dona Diane me mandou um e-mail solicitando um tutor para você.
  - O quê? – fiquei chocada. – Eu não preciso de um tutor.
  Ela deu de ombros.
  - Acho que poderia te ajudar, sabe, se ele tiver o conteúdo que você não consegue pegar com suas faltas. E não faz bico, , qualquer outra instituição já teria chutado sua bunda, sorte sua que Didi puxa seu saco.
  - Sorte a minha – cerrei os olhos. – O que eu preciso fazer? – olhei para os seus papéis esperando que ela me desse algo.
  - Nada. Eu vou primeiro ver se nossa lista está liberada e encontro alguém que esteja disposto a te aconselhar ou ensinar, sei lá.
  - Preciso voltar aqui?
  - Eu reviso sua grade horária e te chamo se ele tiver medo de ir atrás de você. – Ela riu. Haha.
  - Isso é intriga da oposição, o pessoal dessa faculdade é louco.
  - O pessoal dessa faculdade foi para o colegial junto com você e já tem indícios da peste que você é, menina.
  - Meu pai me chama de anjinho, sabia? – Sorri inocente.
  - Seu pai é louco.
  Mostrei a língua pra ela, indo embora.
  - Até mais, .
  - Até mais, Vicky.

***

  - E então fui parar na mesa da orientadora, que quase me deu chibatadas ordenando que eu entrasse em uma casa de irmandade para que melhorasse meu GPA. – Suspirei falsamente para Brittany. Estávamos as duas no horário do almoço, o resto do pessoal estava só Deus sabe onde e eu estava tentando aos poucos amaciá-la para fazer o pedido final.
  - Eu nunca fui parar na orientação, como é lá?
  - Como a sala da sua casa, na verdade, tudo limpinho e tem bastante chá. – Dei de ombros.
  - Parece fantástico.
  - Não tem unicórnios lá Brit – sorri e isso apagou sua áurea, - mas... – Abri minha bolsa resgatando um papel onde eu tinha feito um desenho pra ela. – Eu trouxe isso pra você, que tal?
  - Meu Deus... – Ela respirou rapidamente com seus olhos contemplando cada centímetro do desenho. É isso, ela está no papo. E modéstia parte eu tinha dado o máximo de mim na cara daquele cavalo branco com chifre, até meus lápis coloridos eu usei, tudo na aula do professor tarado.
  Retirei o desenho de sua mão e ela fez bico.
  - Eu preciso de um favor antes.
  - Qualquer coisa.
  - Me aceita na sua irmandade? Por favor, por favor, por favor.
  Ela apertou os olhos e puxou o desenho da minha mão com força.
  - Eu não tinha convidado você e sua amiguinha peituda meses atrás?
  - Sim, mas…
  - E o que vocês fizeram mesmo?
  - A gente fez gestos que não deveríamos ter feito e…
  - Vocês riram! Na minha cara! “Não precisamos disso Brittany já temos amigos o suficiente”. – Imitou uma voz de bebê.
  - Brit – peguei seu rosto com as duas mãos e fiz ela olhar pra mim. – Por favor.
  Ela bufou.
  - Não use seu feitiço latino pra mim, mocinha. – Sorri abertamente, quase fofa e ela bateu com a testa na mesa. – Tanto faz, a gente tá precisando de pessoas mesmo.
  - Estão? – Sorri mais ainda.
  - Bem... sim. Eu estava até pensando em chamar você e outra vez. Nossa casa está quase sendo fechada pelo conselho já que…
  Levantei um dedo.
  - Não se preocupe, nós vamos dar um jeito em tudo.
  Eu pensei que seria fácil. Pensei.

***

  Tossi fortemente quando passei pela porta.
  - Me diz que esse é só o depósito…
  - É uma honra apresentar a sede da Zeta Beta Iota – Brittany sorriu como uma criança.
  Era uma boa casa, não dava pra negar. Infelizmente as portas estavam quebradas, o chão completamente manchado pela sujeira do tempo, o teto tinha muitas, muitas teias de aranha, o sofá parecia ter custado 50 centavos em um bazar velho e o resto dos móveis eram inexistentes.
  Não tinha tinta, não tinha estilo ou cor, não tinha vida e isso dificultava muito as garotas conseguirem a última integrante que precisávamos para convencer a reitora Campbell a não fechar completamente aquela casa. Sem falar que tinha uma falha no meu contrato: eu precisava estar envolvida em alguma organização da faculdade. Mas isso eu poderia deixar para depois.
  Uma menina estava sentada no sofá, lendo, tinha a pele muito pálida e olhos muito escuros, olhava para mim como se eu fosse um ET. A encarei por alguns segundos fingindo avançar nela. Ela se assustou e voltou a ler.
  - Essa é Morgana. – Ela não fez questão de voltar a olhar pra mim e observei outras garotas saindo de um quarto.
  - Ana – Brit apontou pra cada uma enquanto dizia seus nomes. Ana tinha cabelos ruivos e sardenta. – Sandra e Sabrina – as duas eram supreendentemente idênticas e usavam as mesmas roupas, tinham o mesmo cabelo Black Power e usavam os mesmos óculos. Uma sorriu pra mim, a outra se trancou no quarto.
  Meu coração doía pela falta de bom senso daquelas meninas na hora de se vestir.
  - Muito prazer. – A ruiva me direcionou a mão junto com Sandra ou Sabrina e cumprimentei as duas.
  - – mostrei meus dentes no meu melhor sorriso de vendedora da Marc Fontaine. Lugar que eu já deveria estar, agora atrasada, mas meu lindo chefe tinha que entender que eu tinha algumas prioridades e aquela loja era como cárcere privado.
  O cara me devia mais horas do que eu devia dinheiro.
  - Sandra, – a morena disse. Ok a Sandra era simpática e Sabrina era uma versão minha quando eu tinha 12 anos. Me trancava no quarto para não ter que receber visitas. – Minhas amigas me chamam de S... Se eu tivesse qualquer amiga. Mas agora eu tenho, vocês são minhas amigas né? – disse ansiosa.
  Levantei uma sobrancelha estranhando aquilo tudo e me virei para Brittany.
  - Você já conheceu a Abby, ela estava no stand comigo…
  - Diz que é pegadinha.
  - Como assim?
  - Brit, pelo amor de Meryl Streep, como é que vamos dar um jeito nisso tudo em uma semana? Primeiro precisamos achar uma última garota, depois dar um jeito nessas garotas, pra então tentar dar um jeito nessa casa pra ver se alguém gostaria de passar ao menos três metros perto daqui sem medo de ser um set de filme de terror.
  Perdi todo meu ar naquele desabafo.
  - Não é legal? Temos muito trabalho pra fazer. E agora minha melhor amiga está aqui comigo! – Brit deu alguns pulinhos de felicidade e suspirei derrotada. Onde eu tinha me metido, Senhor?
  - Ok – tentei organizar meus pensamentos e tive uma ideia. – Eu vou voltar, com a garota faltando, e vamos sentar com todas aqui ao mesmo tempo e vamos reviver esse negócio. Eu preciso do meu GPA alto até o fim desse semestre e eu vou fazer de tudo pra que isso aconteça, entendeu? – falei e soou como uma ameaça. Uma ameaça pra mim mesma?
  - Sim senhora, – elas disseram.
  - Eu vou trabalhar. Nos encontramos de noite…
  - Na casa dos garotos da Lambda! – ela gritou quando eu estava na porta.
  E ainda tinha encontro na casa dos garotos da Lamba. Por que eu insistia em sair de casa de salto alto? Porque ele tem o fundo vermelho, minha mente respondeu.

***

  Aquele tinha sido um dia muito cheio. Eu estava completamente exausto, mas assim que falei com Vicky na recepção uma parte de mim se reacendeu e meu humor se revigorou. Senti meu celular apitar no bolso.
   alterou o nome da conversa para “Acima de nós só Deus e os helicópteros da polícia.”
  : Você não deveria estar trabalhando?
  : Você não deveria estar orando?
  : Touché.
  Wallace: Galera, qual a resposta da questão 1 da prova de Sociologia?
  : Você não está fazendo essa prova tipo... agora?
  document.write(Kai): Tu desligarás o celular na sala de aula. Salmo 25.
  : Aqui não é Google.
  Wallace: Grossa.
  : Vaca :)
  Wallace: Ninguém sabe?
  : Qual a pergunta?
  Wallace: Então, meu chocolatinho branco, é a importância da abrangência de modo igual para educação para surdos no nosso estado.
  : Isso nem faz sentido.
  : Eu mencionei Daredevil.
  : Meu título foi “Ouvimos as coisas com o coração”.
  Brittany: 239jskas.
  : Muito bem Brittany.
  Brittany: Eu fiz uma relação entre o signo libra e a linguagem libras.
  : Errôooo.
  Wallace: Vou colocar que precisamos de mais legendas para surdos no cinema.
  : E o que isso tem a ver com educação?
  Wallace: Foda-se a educação.
  : A questão mais fácil era a última, sobre surdez.
  : E errei.
  Wallace: Como uma CDF que nem você erra uma pergunta dessas?
  : Tinha um gatinho na sala e... bem…
  : Eu estava ocupada pensando em garotos.
  : Alô .
  : Espero que o professor corrija uma bem lixo antes de ver a minha.
  : Pra amenizar.
  : A bem lixo vai ser a sua.
  : ò.ó
  : Como assim surdez termina com Z?

  Eu estava preparado para sair do meu carro e entrar na Marc Fontaine quando recebi uma mensagem dela, dessa vez no privado.
  : Eu ainda estou querendo fazer picadinho de você. Se tiver coragem de se redimir traga um café preto e forte.
  E eu como um verdadeiro trouxa, fui atrás desse café, refazendo todo meu caminho.
  Nosso Ano Novo tinha sido perfeito. Mesmo que no mesmo dia de manhã eu tivesse tido uma briga horrível com o meu pai, deu pra salvar o dia quando fui para a Vila Lorenzo. As pessoas lá eram normais, tinham garra e não ficavam se queixando por qualquer coisa, eu gostava de pessoas assim, diretas. E lá eles conseguiam fazer tudo isso e acharem tempo pra extravasar em uma festa incrível de fim de ano.
  Até agradeci Wallace mais tarde pela brincadeirinha idiota de me trancar no armário, afinal consegui ter uma desculpa estúpida que me rendeu um beijo incrível.
  Eu sei que era uma pessoa ocupada, eu era um dos únicos que a compreendia em nosso grupo quando ela faltava varias vezes dizendo que tinha outro compromisso e na verdade ia pra casa dormir porque estava cansada demais de ter que lidar com o mundo.
  Mas depois daquele beijo ela simplesmente me ignorou completamente. Fui tolo de achar que em um passe de mágica ela teria descoberto alguma coisa por mim que não iria embora tão cedo e poderíamos pelo menos tentar ter alguma coisa.
  Mas foi só uma ficada. Uma ficada. Senti o gosto de amargo na boca.
  E estava tudo bem, superei, e ela não iria sequer mencionar o que aconteceu aquela noite. Eu poderia lidar com aquilo. E aqui estava seu querido amigo lhe trazendo seu café da manhã preferido em uma sacola que definitivamente não era da Starbucks.
  Saí do carro pela segunda vez na frente da Marc Fontaine aquele dia e avistei a estrutura moderna. Quatro andares com tons de branco e madeira decorativa. O grande e orgulhoso nome estava no topo em um material prata e a quantidade enorme de vidros da vitrine lhe davam uma aparência mais ampla e limpa. Era a maior do comercio de Los Angeles e também a mais importante. Alguns famosos faziam compras aqui em busca de qualquer coisa que Marc Fontaine tenha desenhado.
  Meu pai, Stefano Greene, era seu sócio, o empresário de costas dura que batalhou para manter o nome dessa empresa se erguendo cada vez mais. Contratos ali e aqui com nomes famosos fizeram tudo render ainda na época em que meu bisavô liderava as coisas com vigor.
  E como o nepotismo reinava naquela empresa, o que o futuro me aguardava... Já dá pra ter uma noção. E eu não tinha uma resposta feliz perante a isso.
  Passei pela porta de vidro retirando meu wayfarer preto, o colocando na gola da minha camiseta e avistei a morena atrás do caixa. Já era tarde da noite e ela deveria estar terminando de fazer as contas, já que a clientela era baixa essa hora.
   estava deslumbrante. Trabalhar na alta sociedade coincidia que você precisava usar essas roupas de cetim dignas de primeira dama. E em essas roupas apenas a faziam parecer... Sensual. O salto alto com o macacão de seda preto que abraçava suas curvas latinas lhe deixava com aparência de mais velha, uma mulher completa e decidida, o que não estava muito longe do que realmente era.
  Ela estava arrumando as joias no balcão cristalizado quando percebeu minha presença. Na hora seu olhar calmo passou a ficar intenso.
  - É melhor você ter uma boa desculpa pra não ter aparecido no jantar ontem.
  Dei de ombros.
  - Você não estava lá – sorri galanteador e ela olhou pra mim entediada. Suspirei. – Problemas pra resolver. E você também não estava lá, então, não coloque toda a culpa em mim.
  Ela estava se referindo a noite da pizza na casa da Brittany, onde iríamos discutir sobre a festa surpresa para o aniversário de .
  - Eu não marquei presença – olhou para a minha mão. – O que você tem aí? Parece bem maior que um café.
  Sorri notando sua cara tentando disfarçar o interesse.
  - Eu não sei se você merece. – Fiz charme.
  - Eu estou trabalhando na loja do seu querido pai faz quatro horas, em pé, , nesse salto abençoado por Lindsay Lohan. Eu mereço. – Ela fez bico, revirei os olhos.
  - Donuts e café preto. A melhor mistura de doce e…
  - Doce e amargo que eu poderia encontrar. – Ela abriu um sorriso perfeito. – Obrigada, cariño.
  Era isso, eu era um completo babaca. Uma palavrinha e ela me deixava de joelhos. E nem tinha ideia disso. Era tão simples com qualquer outra garota, tão simples flertar, jogar seus joguinhos e deixar elas jogarem os seus, os toques eram contemplados, mas nada muito profundo. Simplesmente simples. Mas quando ela sorria, quando ela flertava, apenas de brincadeira, ou me tocava como minha amiga, eu já agia como um bobo.
  O champanhe tinha me ajudado muito no Ano Novo no aspecto da coragem.
  \lembro como se fosse ontem quando a conheci. e eu costumávamos ser vizinhos de rua e ela vinha com Brittany sempre brincar na minha casinha da árvore. Quando eu tinha nove anos trouxe essa nova amiga, fiquei com ciúmes no início porque ela parecia ser melhor que eu em tudo que eu amava, como jogar vídeo game e futebol. Ela era praticamente um menininho naquela época, um menininho que eu nunca entendi metade das palavras já que tudo saia muito espanhol.
  E ela odiava quando falávamos isso, porque dizia que era completamente normal uma garota gostar de futebol e esse tipo de coisa, naturalizado por garotos. Eu também achava isso, mas era uma forma que encontrávamos de irritá-la. Era bom demais irritar ela até ela começar a falar espanhol loucamente.
  Nunca fomos tão próximos, era uma amizade boa e verdadeira, que mantínhamos com todo nosso pessoal. Quando ela nos apresentou seu primo Wallace eu vi nele alguém que entendia minhas piadas como ela fazia, mas eu não ficava nervoso perto dele. Longe de mim ter qualquer coisa por aquele idiota…
  De qualquer forma, tudo piorou quando ela começou a frequentar nossa escola. Se eu tinha qualquer chance de tê-la como melhor amiga, elas foram arruinadas quando todos os seus gostos se voltaram para qualquer coisa artística. Desde criança ela desenhava muito bem, caricaturas realísticas que ela mesma achava idiotas, feitas apenas pra receber elogios, e também caricaturas engraçadas com traços divinos. Tudo então se voltou para a moda. Começou a desenhar roupas sem parar, enquanto se dava bem na aula de artes, na aula de pintura, na turma de vôlei, e capitã das lideres de torcida.
  Ela era a mais popular das garotas, os meus amigos que eram quatro anos mais velhos que ela, queriam sair com ela, namorá-la, a “latina gostosa do nono ano”. Aquilo só me deixava puto, porque ela era minha amiga primeiro. A conheci antes deles e de repente ela tinha a atenção de todos.
  A garota tinha um fogo natural que fazia as pessoas ou amá-la ou odiá-la. Não devo mentir que o maior ódio vinha da população feminina da escola, claramente inveja do que ela tinha, da confiança e da beleza delicada, o que não era bom. tinha esse jeito de criar amizade facilmente com os garotos, mas eu sabia que ela nunca, jamais, iria trocar a companhia de um garoto pelas mulheres da sua vida.
  Quando saí do colegial por ser quatro anos mais velho que nosso grupo, descobri que as coisas iam de mal a pior quando vinha contar que sua querida amiga dava mais atenção às piruetas e bebidas do que a ela. No final de tudo ela tentou se redimir, saiu desses times não por serem ruins para ela, mas porque ela estava se focando na parte de estudar para a bolsa na Hearst. E ela conseguiu. Primeiro lugar. E eu era o único que sabia.
  Hoje em dia mantinhamos nossa amizade apesar de tudo, apesar do beijo que só eu parecia lembrar, e tentava me esforçar para não deixar ela na mão quando precisava de alguma coisa.
  Não era uma friendzone porque eu já tinha aceitado o fato de que não olhava pra mim da forma que eu olhava pra ela, então em hipótese nenhuma consideraria ser um daqueles caras que fazem de tudo pela amiga esperando algo em troca.
  Eu tinha muitas amigas, na maioria das vezes preferia a companhia delas do que de um bando de brutamontes, e fazia de tudo para não deixar elas na mão, Brit e faziam parte da minha infância e vida tanto quanto , mas era a morena que tinha se envolvido comigo romanticamente e eu levaria um tempo pra tentar apagar aquele sentimento. De qualquer forma não iria destruir o nosso laço por isso. Ela não tinha culpa de não sentir.
  - Adivinhe só? – falei animado cruzando os braços no balcão.
  - Seu pai vai casar outra vez? – disse somente interessada no seu doce e café e fiquei chocado.
  - Sim, mas não era sobre isso que eu ia falar.
  - Vai? Uau, meu gerente tá realmente um pé no saco essa semana. E sempre que seu pai arranja outra esposa ele meio que... fica um pouco mais devagar pra aceitar sugestões dos subordinados. Ou ao menos responder seus e-mails com precisão.
  - Ele nem responde o filho dele com precisão – debochei da desgraça e ela olhou pra mim com compaixão. Não, eu não queria aquilo dela. – Enfim, não vamos entrar aí. Eu falei com Vicky esta manhã e ela disse que Miura Sanchez-Vega está precisando de um tutor.
  Ela arregalou os olhos lambendo o dedo que tinha cobertura de donut. Eu queria ser o seu dedo.
  - A forma que você falou meu nome certinho foi a coisa mais fofa do mundo, mas... Não vai rolar.
  - O quê? – franzi a testa. – Por quê?
  - Eu não vou conseguir tempo pra isso, . Tenho o turno no restaurante e aqui. Meu terceiro turno é dormir.
  - Ah qual é... Isso era antes de você descobrir que eu seria o seu tutor.
  - Desde quando você é tutor? – perguntou colocando um donut perto de mim para que eu pegasse um pedaço.
  Mordi seu dedo de leve junto com boa parte da cobertura e ela fez careta pra mim. Dei de ombros, mastigando.
  - Desde que virei o primeiro da turma.
  - E isso foi...?
  - No primeiro ano.
  Ela revirou os olhos.
  - Gente inteligente cansa minha beleza.
  - – eu ri. –, vamos lá, você não é uma aluna difícil, é decidida e seria muito mais simples que os nerds espinhentos com quem preciso trabalhar. E seria uma ótima visão pra eu começar o dia – olhei para o seu corpo descaradamente, em brincadeira, e ela mostrou o dedo do meio. Ai. - Eu estou te fazendo um favor aqui, ok? Você que tem que me implorar por isso.
  - Mas como vamos encontrar o horário certo?
  - Eu vou dar um jeito, eu posso sempre vir aqui quando eu estiver livre ou vou para o restaurante dos seus pais, você sabe disso.
  - Mas…
  - Mas nada, qualquer palavra depois do “mas” não conta. Eu posso até mesmo pegar a matéria com o pra te ajudar a repor os dias em que você faz serão.
  Ela suspirou, olhou pra baixo levemente envergonhada e senti meu coração tremer.
  - Eu não mereço você.
  - Não, não merece. – Dei de ombros. – Só que não posso evitar ser perfeito, meu bem. Mas ei, é pra isso que servem os amigos, não é?
  - Tão modesto…
  Ela riu e subiu o balcão de vidro uma perna de cada vez, antes de me dar um abraço apertado. Gargalhei quando ela quase caiu para o outro lado. E devolvi seu abraço lhe dando equilíbrio. Logo ela estava em pânico.
  - Me tire daqui, meu Deus, se meu chefe vê isso ele me mata. Vou acabar quebrando o vidro com minha gordice.
  Puxei ela pela cintura colocando no chão a minha frente.
  - Só sua bunda é gorda, e eu não tenho problema com isso. – Sorri galanteador e ela ficou vermelha de novo.
  - Cállate, moleque! – Riu dando um tapa em meu braço e levantei as mãos em rendição.
   - Vai de noite na Lambda? – perguntei quando ela terminou de fechar seu caixa. Fiquei o resto da noite ali, conversamos sobre os estudos, tudo e nada. A conversa fluía entre nós.
  - Você não vai? A nossa reunião da “Operação aniversário da ratinha” vai ser lá. Graças a você não ter aparecido ontem, é claro.
  - Eu não sabia disso, ninguém me avisou, mas eu vou. Quer uma carona? – Ela nunca nega uma carona.
  - Posso dirigir? – Eu faço favores e ela só me dá condições.
  - Claro. E outra vez, você também não foi na reunião de ontem, meu bem, não coloque a culpa em mim.
  - Tanto faz.

***

  - É SIMPLESMENTE A SOLUÇÃO PARA TODOS OS NOSSOS PROBLEMAS, – gritei eufórica quando encontrei Brit molhando seus pés na piscina da casa da Lambda, a fraternidade dos garotos.
  Era uma sexta à noite, alguns estavam bebendo lá dentro e não havia som, apenas algumas visitas e os meninos estavam jogando basquete no quintal da frente. Eu estava acompanhando tudo e todo corpo sarado sem blusa quando uma garota passou me entregando o folder que eu agora balançava na cara de Brit.
  - Todos? Tipo, finalmente a fome no mundo vai acabar e vampiros vão existir de verdade? – perguntou encantada.
  - Quase tão bom quanto isso – meu antigo crush no Edward de Crepúsculo não ignorou suas palavras. – Mas podemos ter uma chance de não fecharem a Zeta!
  - Oba – bateu palmas. – O que é isso?
  Entreguei o papel em suas mãos. Os joguinhos anuais da Hearst.
  - Oba, – ela disse depois de ler o papel e perguntou outra vez. – O que é isso?
  - Joguinhos anuais da Hearst, rúbia. Essa é nossa passagem pra popularizar a Zeta, colocar essas garotas no mapa. É um evento que sempre traz muita, tipo muita galera, muitos torcedores em uma sessão de joguinhos atléticos e uma prova final. Não só isso como recebemos uma verba da escola pra utilizarmos com a casa, se vencermos é claro.
  - Isso é genial. – Ela sorriu e fiquei orgulhosa por ter pensado naquilo.
  - O que minhas gatinhas estão aprontando? – chegou com Wallace e cansados atrás dele. Todos estavam suados e sem camiseta, usando apenas tênis esportivo e short que ia até o joelho.
  Brit tampou os olhos imediatamente.
  - Vocês estão pelados, que isso, – reclamou.
  - Fica quieta, – sussurrei só pra ela ouvir e eles riram colocando a camiseta. Que droga.
   estava usando uma regata da Hurley lisa e preta, deixando seus bíceps mais visíveis. O cabelo estava um pouco suado e suas bochechas levemente rosadas do basquete que eles estavam jogando no meio da rua com os caras. Eu poderia só ficar ali... olhando. O que só aumentaria o seu ego, então evitei olhar pra qualquer região com músculos em seu corpo.
  - Temos que organizar as coisas pra festa da , – comentou bebendo uma garrafa de água e se sentou ao lado de Brit.
  - Eu tenho uma ideia – falou direto da espreguiçadeira. – Que tal uma festa temática?
  Brittany estava pronta para falar animada e levantei um dedo pra ela.
  - Sem unicórnios. Louca. – Ela se emburrou e me perdoou um segundo depois.
  - Eu estava pensando em algo mais... Eu não sei, é uma daquelas meninas que escuta música indie e usa coroa de flores, não é? Poderíamos tentar uma festa em uma floresta.
  - O que é música indie? – questionou.
  - Música indiana, – Brit respondeu como a senhora da verdade e eu ri de leve.
  - Ah tá. – Ele assentiu.
  - Boa ideia, cabrón, – Meu primo falou pra antes de se jogar na piscina e nos molhar.
  - Muito obrigada, Wallace, era disso que eu precisava. – Sorri pra ele. É claro que ele tinha que fazer o som da trilha sonora de tubarão e... me puxar pra piscina junto com ele.
  Emergi da água tirando meu cabelo da cara.
  - Se meu celular estivesse no bolso eu ligava pro meu tio já encomendar o seu caixão. – Joguei água nele antes de começar a tirar minha calça jeans. Ele podia mostrar seu peito pra todo mundo sem julgamentos, então eu poderia ficar de lingerie. Era nova e bonita.
  - Que dia é o aniversário dela? – Brit perguntou.
  - Sete, – respondi.
  - Então vamos fazer a festa no dia seis.
  - Por...? – quis saber.
  - Tem que ser surpresa, – Brit disse com obviedade.
  - Mas qual vai ser o conceito? – virou para .
  - Elfos lutando no espaço sideral com coroas de flores que soltam brilho e vodca cada vez que falam a palavra foder. – Ele tinha descrito o sonho mais sujo de .
  - Não entendi – Wallace franziu o cenho.
  - O conceito é não entender. Acabei de entender isso, – assegurei.
  Continuei nadando naquela piscina deliciosa que a fraternidade deles tinha e depois de um tempo os outros dois garotos entraram nela, puxando Brittany a força. Minutos boiando ali e ela chamou minha atenção.
  - ... Por que você brigou outra vez com a Rach? – Sua voz estava chateada e fiquei de pé na piscina, colocando meus cotovelos na borda olhando pra ela sem saber direito o que dizer.
  - Se meteu em briga de novo, ? – falou um pouco triste.
  - Ah, para – pedi um pouco emotiva – odeio quando vocês fazem essas caras de decepção pra mim. Vai , me defende, você vive brigando por aí.
  - Eu sempre tenho boas razões. – Encolheu os ombros.
  - Firmeza irmão, vou lembrar disso – cerrei os olhos. – Foi só uma briga boba no meio da aula, desacordo de opiniões, aí ela xingou minha família e…
  - Uh... – chupou o ar. – A garota é corajosa.
  - A piranha queria é confete – deixei escapar demais e Brit olhou brava pra mim. – Perdão.
  - Eu estou do seu lado, priminha – Wallace nadou até mim colocando seu braço em meu ombro. – Me lembro muito bem do meu tio Sanchez dizendo que se nós apanhássemos na rua, íamos pra casa só pra apanhar de novo. O negócio é que precisamos revidar. Argh.
  Sua última palavra veio com uma exposição de músculos, eu acho que ele estava forçando, mas não apareceu nada de qualquer forma.
  - , promete pra mim que vai parar com essa baboseira, por favor, – ela implorou com seus olhinhos inocentes e eu não tinha como lutar contra isso.
  - Tudo bem... – ela sorriu. – Se ela parar – murmurei baixo e ela escutou.
  - É sério! – gritou.
  - Ah, que saco, Brit, tanta gente nesse mundo e você namorando justamente aquela... tucana.
  - A gente não escolhe quem ama... – sorriu vermelha.
  - Claro que escolhe – cortei seu clima. – Meu primo tá solteiro, pega ele.
  - Opa... – disse sedutor vindo na direção dela.
  - Não!
  - Ah... – voltou de fininho. – Tem o também, sabe.
  O garoto levantou uma sobrancelha, sorrindo achando graça daquilo tudo. E eu fiquei dura.
  - Não, o não. – Cortei séria. Percebi que estava olhando demais pra ele quando ao mesmo tempo os quatro viraram pra mim. Encontre uma saída, rápido. – Ele tem um relacionamento com Jesus, e Jesus Cristo somente.
   e Wallace fizeram essa cara de “você não me engana”, rindo longamente com cara de malicia.
  - Calem a boca, – disse levemente constrangida e subi a escada da piscina, querendo ir embora antes que meu rosto ficasse vermelho na frente deles.
  - gargalhou saindo da piscina. – Pera aí.
  Corri para o armário ao lado da casa para pegar uma toalha e fiquei me secando até sentir uma presença atrás de mim. Ele pegou minha toalha e começou a secar minhas costas, como uma leve massagem, tentei reprimir qualquer reação.
   se aproximou do meu ouvido e sussurrou me provocando.
  - Tem ciúmes de mim, meu bem?
  - O quê? – O que era pra soar firme e forte saiu esganiçado. Ele riu me virando rápido pra frente dele e secou meu rosto, minha bochecha e meu pescoço. Eu mal conseguia olhar pra ele. Por que ele tinha que ser tão lindo? – Nunca.
  Tentei manter minha cara fechada. Mordi meu lábio e desviei meu rosto, meio que sorrindo. Ele suspirou baixo e me deu um leve beijo na testa, que me arrepiou por dentro.
  - Sabe que não precisa ter, – falou antes de me dar um abraço gentil. Eu o apertei com meus braços mais em baixo, minha testa em seu peitoral nu.
  Se ele tivesse uma namorada, iria ser difícil, porque depois daquele maldito beijo eu não conseguia não ter pensamentos impróprios com ele toda noite. Mas ele não tendo uma namorada... Era apenas pior, porque doía o quanto eu não conseguia segurar meus sentimentos ao lado dele sem poder fazer algo.
  E eu precisava me manter focada. Nos meus estudos, no meu trabalho e agora na minha fraternidade.
  Soquei de leve seu tanquinho mordendo minha boca outra vez e ele olhou pra ela com um fio de esperança que precisei cortar no mesmo segundo.
  - É, mas eu não tenho. – Mostrei a língua.
  Ele nem se abalou. Droga. Apenas sorriu de lado mostrando sua covinha única, sabendo que eu estava mentindo, ou ele agia assim somente porque era confiante demais. E isso também era ruim pra mim. Todos os caras com que eu fiquei eram mais velhos que ele, e nem tentava a metade pra fazer eu sentir o que sentia com eles. Agia como um homem com a idade de um garoto.
  O problema é que se ele podia ser assim, tão apaixonante... Eu sei que poderia ser pior. E estes nossos pequenos joguinhos não iriam acabar tão rápido.
  Saí em busca das minhas roupas e o resto do pessoal saiu da piscina. Wallace vivia na casa da fraternidade por já estar no segundo ano e como era novato ainda estava no campus.
  - Preciso de uma carona, – o moreno falou pra .
  - Eu também, – Brit repetiu.
  - Eu dirijo. – Sorri pegando a chave de seu bolso ouvindo alguns protestos.
  Segunda era dia de inscrição e... Arranjar nossa última garota Zeta. E eu tinha certeza de quem seria.

Capítulo 03


  - Surpresa! – tirou as mãos de meus olhos, me mostrando a surpresa que tanto havia esperado. Então eu gritei, não de alegria, mas de medo.
  Eu estava na casa das Zeta – mas lê-se set de filme de terror – e me arrependi amargamente de ter aceito a ideia de minha amiga de virarmos garotas da casa. Jamais me arrependi de algo tanto na vida.
  - BEM-VINDA A ZETA, ! – Brittany gritou dando pulinhos desesperados, como se fosse uma festa surpresa pra mim. Mas. Não. Era.
  - Estão zoando né? – Olhei para à procura de alguma pegadinha, alguma risadinha e o tão esperado “é mentira, sua tonta” que ela diria. Ajeitei meus cabelos esperando Ashton Kutcher saindo de algum lugar e estarmos em alguma pegadinha da MTV. Mas não veio e se não veio era por quê…
  Meu pesadelo só estava começando.
  - Morgana. – Apontou para a mais pálida. – Ana. – Para a ruiva sardenta. – Sandra e Sabrina. – E para as garotas gêmeas de Black Power. Respirei fundo, era muita informação.
  Minha respiração estava descontrolada. Era muita gente morta e sem vida nessa casa, jamais havia pisado em um lugar tão baixo astral assim.
  - Eu vou ter um ADP! – Sentia meu coração palpitando, a falta de ar me atingindo e minhas pernas fraquejando. me ajudou a sentar no sofá que parecia que ia se abrir com meu peso. Uma das meninas me deu um saco de papel e eu respirei nele, tentando me controlar. – Eu vou enfartar. Vou morrer.
  - Que morrer o que. – A latina rolou os olhos. – Se você morrer, vamos ficar com uma garota a menos, então para de drama.
  Levantei o dedo em resposta.
  - Pra isso você tá bem, né?
  - Estou traumatizada! – respondi arrastada.
  - Caguei, é só uma casa. Pra quem frequentava o vestiário masculino…
  Abri a boca em total choque.
  - EU JAMAIS FREQUENTEI O VESTIÁRIO MASCULINO! – arqueou a sobrancelha. – Só uma vez. E você estava junto!
  Mentira, foram muitas vezes…
  - Sem provas, sem credibilidade.
  Rolei os olhos.
  - Elas fazem isso sempre? – Ouvi uma das meninas falarem baixinho apenas para Brittany, porém como a casa era tão vazia, ecoava qualquer coisa.
   e eu nos viramos para a garota, que levantou os braços dando um passo para trás.
  - Foi mal.
  - Então... você vai entrar, ? – Foi a vez de Brittany tentar me convencer, apelando para o meu coração mole quando se tratava dela. Porque era sempre a loirinha que me fazia me sentir em uma realidade completamente diferente quando eu estava na merda.
  Não conseguia me sentir bem quando a decepcionava. E o que seria aguentar uma casa caindo aos pedaços e meninas completamente apagadas? Isso com o tempo se resolve, certo?
  - Tudo bem. – Respirei fundo, derrotada.
  Brittany e deram pulinhos alegres, me abraçando da forma mais fofa possível e amassando minha roupa. As empurrei, me levantando em seguida. Não estava no humor para abraços. Palhaçada.... Só elas para me meterem nessas roubadas.
  - Ótimo! – A loirinha continuou com seus pulinhos. – Agora estamos oficialmente funcionando! Agora posso transformá-las em unicórnios e depois ser presidente de Las Vegas! – Os olhinhos da garota brilhavam, imaginando o nosso futuro. Só não sabia como explicar isso pra ela…
  Todas as meninas da Zeta estavam contentes por essa notícia, não a de Brittany se candidatar para presidente de Vegas, mas sim a de finalmente a casa poder funcionar. E por um momento, senti um certo sentimento por isso.
  Essas meninas não eram gente ruim, de forma alguma, eram apenas meninas excluídas, “esquisitas” demais para as demais. Até as pessoas que se consideram “diferentes” para os padrões, excluem as “esquisitas”. Gostam de culpar apenas as populares, mas todos nós temos dentro de nós o bichinho da intolerância.
  E se eu pudesse, tiraria elas dessa bolha. As mostraria que poderiam andar no campus e ser consideradas “normais”, porque já eram. Só não tinham o mesmo gosto que nós mesmas.
  Não deixaria. Dependendo de mim, as Zetas seriam respeitadas pelo o que eram, nem que eu fizesse todos as engolirem. E quando me comprometo em algo, não termino até que seja trabalho feito.
  E trabalho bem-sucedido.
  Há vantagens em ser uma competidora compulsiva.

***

  A madrugada caía e estávamos nos preparando para dormir. Ainda não estava acostumada em dormir em um quarto com um buraco na porta, mas isso era o de menos. Era um sacrifício bom.
  - Você acha que isso vai dar certo? – perguntou , enquanto penteava seus longos cabelos castanhos ainda molhados. Ela dizia que se tentasse penteá-los quando secos, virava uma vassoura.
  - Não. – Dei os ombros. – Mas não custa nada tentar, certo?
  - Elas vão entrar na linha, nem que seja na marra.
  - Conto com isso.
  Nos preparamos para deitar, então algumas batidinhas na porta e viramos para a entrada. Brittany usava uma fantasia de Supergirl com um chifre de unicórnio colorido. Ela nos encarava sorridente.
  - Já é Halloween? – debochou e a garota nem entendeu.
  - Poderiam vir para o porão comigo, por favor?
  - Para quê? – desconfiei.
  - É segredo. – Nos puxou pelas mãos. – Venham logo para a iniciação de vocês, vamos. Vão adorar o segredo.
  Eu e a morena nos entreolhamos, dando os ombros. Essa era a Brittany, senhoras e senhores.
  Fomos até o porão, que estava escuro e empoeirado. Tossi, quase engolindo a quantidade considerável de poeira que saía. As outras meninas estavam enfileiradas e nós ficamos no meio, agachadas.
  Não estávamos com medo, já que se tratava de Brittany, de qualquer forma a nossa iniciação seria a coisa mais Brittany possível. Então estávamos tranquilas.
  - A iniciação de vocês vai ser simples: vou dar cinco perguntas, se vocês acertarem as cinco vocês serão Irmãs Zeta. Se errarem…
  - Se erramos o que acontece? – Encarei a loirinha um pouco assustada.
  - Entram do mesmo jeito. – Deu os ombros.
  - Mas que mer…
  - Shhhh. – Calei .
  - Primeira pergunta: em que ano foi lançado o primeiro álbum de Britney Spears?
  Nós duas rolamos os olhos.
  - 1999.
  - Segunda pergunta: Qual é o nome do meio de Britney Spears?
  - Ela tem nome do meio? – falou baixinho.
  - Jean.
  - Terceira pergunta: Qual é o primeiro single do álbum In The Zone?
  - Me Against The Music.
  - Quarta pergunta: Quais são as datas dos aniversários dos dois filhos de Britney?
  Puta que pariu…
  - Tá zoando, né? – rolou os olhos.
  - Respondam! – deu um gritinho nada assustador.
  - O Sean em... – pensei. – 14 de Setembro de 2005? E o outro…
  - O Jayden... 12 de Setembro de 2006. – me completou.
  - Como você sabia disso? – sussurrei, confusa esperando que Brittany não ouvisse.
  - Tô com o Google aberto no celular. – Sussurrou de volta, mais cautelosa ainda.
  - Graças a Deus.
  - Última pergunta: Por que Kevin Federline é um lixo de ser humano?
  - Porque ele magoou a Britney, claro, – respondemos juntas e Brittany pulou de alegria, ligando o som atrás dela e botando, isso mesmo, Britney para tocar.
  A única razão de sabermos tanto da Miss American Dream – não apenas por amarmos ela, pelo menos eu – era porque Brittany era a fã número 1 da estrela, vivia falando dela. A loirinha não entendia de muuuuuitas coisas, mas de Britney Spears ela era nota A+.
  - Pronto? Podemos dormir? – reclamou . Percebi o cansaço de minha amiga e Brittany também, então assentiu, abraçando nós duas com força.
  - Até amanhã, Irmãs Zeta! – Deu dois beijinhos em nossas bochechas e fomos para o quarto.
  Talvez de alguma forma não fosse tão ruim assim entrar em uma irmandade tão diferente... talvez com o tempo possamos fazê-las se sentirem em família e nós também.
  Sabíamos que entrar na casa delas no meio do ano seria uma coisa completamente absurda, assustadora até. Nós estávamos invadindo seu espaço, suas amizades e seus círculos. Mas para salvar essa casa, elas precisariam confiar em nós e nós nelas.
  Faríamos isso valer a pena, afinal, eu e ? Nós éramos fodas para caralho.

***
  A noite não havia sido tão ruim, minhas costas não estavam doendo tanto e tudo parecia bom até demais. Eu estava me sentindo a própria Cher Horowitz de 2018, poderosa e tudo mais.
  - Orgulhosa. – me elogiou, enquanto se arrumava para sair também. – Nem parece que tem que se vestir que nem uma puritana brega quando tá com seu pai.
  Dei a língua.
  Usava uma saia plissada xadrez vermelha com preto, um cropped preto de malha felpuda e uma bota de cano alto da mesma cor.
  Enquanto minha amiga se maquiava, eu arrumava minha bolsa para sairmos. Percebi meu celular vibrar em minha cama, indicando uma mensagem. Estranhei, já havia conversado com os meninos sobre nos encontrar na hora do almoço.
  Abri a mensagem.
Número Desconhecido: Ei, Senhorita Hudson. Espero que a senhorita esteja tendo uma recuperação boa, mal posso esperar para que volte às minhas aulas. Sentindo sua falta. Melhoras. Sr. Johnson :)
  Virei-me para , um pouco preocupada.   - , você passou meu número para o professor Johnson? – Ela se virou para mim desconfiada, sem nem entender o sentido disso.
  - Cariño, eu mal vou para a aula dele e quando vou, ele mal fala comigo. Como eu passaria seu número para ele? – Deu uma risada, sem entender a gravidade que isso havia tomado.
  - Ele acabou de me mandar uma mensagem... – A entreguei meu celular e ela leu, tendo a mesma reação que eu há segundos atrás. – Como isso é possível?
  - Nenhum do grupo passou seu número pra ele?
  - Por que passariam? , e Wallace mal conhecem o cara. Brittany estudou com ele, porém ela mal sabe o número dela de cabeça.
  - ... esse cara é maluco.
  - É por isso que eu tô doente há dois meses. – Dei os ombros e riu, entendendo e compartilhando do meu pesar.
  Havia quase dois meses que mal pisava nas aulas do Sr. Johnson por simplesmente pouca vontade. Não que ele fosse um professor ruim, já que era considerado pelos alunos o MELHOR professor da Hearst, mas para mim... bom.
  Não aguentava ele me secando, tentando me fazer ficar mais depois do fim da aula para “conversinhas sobre suas notas”, sendo que minhas notas eram boas o suficiente para ele ignorar minha existência. Até as notas de que ficaram uma merda ele pouco se importou, era comigo o negócio.
  Aos poucos ele havia se tornado um pouco... inconveniente e invasivo. Jamais havia me mandado uma mensagem desse tipo, mas até no Instagram já havia o encontrado.
  Eu achava normal, não tinha problema nenhum com professores modernos que usam redes sociais para se aproximar dos alunos. Mas realmente, um professor que posta fotos sem camisa e também versículos da Bíblia ou quotes históricos e fazia questão de curtir todas minhas fotos e comentar com o emoji de olhinhos apaixonados era bizarro.
  E meu pai não dava folga. Ficava falando do homem TODA VEZ que saíamos juntos. Era “Sr. Johnson aquilo... Sr. Johnson sei lá o que mais”. “Como o Sr. Johnson era um homem íntegro e honesto, bom demais e com certeza seria um ótimo genro. Muito melhor que o palerma que você namorou”. Isso mesmo, ele falava bem assim de .
  Meu pai havia problemas de percepção. Mas não me importava, jamais daria qualquer trela para um professor. Não era essa trama que me interessava quando assistia Pretty Little Liars.
  Sacaram a referência? Boa noite pessoal.
  O campus estava vazio, só com um grupo de estudantes espalhados, mas não tanta gente. Era até melhor assim, porque a maioria dos grupos, – principalmente de homens – presentes não parava de dar espiadas em minhas pernas e de minha amiga latina.
  E tínhamos três amigos ciumentos que só de pensar alguém nos cobiçando... era bom segurar o , porque se não alguém ficaria com um olho roxo.
  E não seria ele.
  - Senhoritas. – sorriu, vindo até nós. – Não tá faltando uma de vocês? – Apontou para mim e depois para , então apontou para o nada que ficava sem Brittany.
  - Ela tinha alguns problemas da irmandade para resolver.
  - Então vamos? Tô com fome. – Wallace choramingou.
  - Você tá sempre com fome, gordo. – O garoto rolou os olhos com a resposta da latina e se defendeu.
  - Não sou gordo, tenho ossos largos.
  - Vamos, porque eu também tô com fome. – deu as mãos para mim e eu a segurei. Ele pegou minha bolsa também, em um ato de cavalheirismo, mas também porque estava tentando compensar.
  - Não adianta, . Se você não pagar o que deve não vou amolecer. – Mesmo de mãos dadas, me posicionei rígida.
  - Perdeu no pôquer de novo, irmão? – debochou. – Quanto dessa vez?
  - Cinquentinha. – riu do fracasso de .
  - E uma Louis Vuitton. – Fiz bico e gargalhou, beijando minha bochecha e dando uma leve mordidinha na minha mandíbula em forma de carícia. E arrepiou... embaixo.
  Eu tinha problema com apostas, porque eu sempre ganhava e as pessoas sempre me davam calote, então eu virava uma fera esfomeada por meus dólares que faziam falta.
  Evitei qualquer tipo de contato visual. estava usando um dos seus bonés de time virado para trás e seus cabelos negros bagunçados. Nem com toda terapia possível eu seria capaz de resistir a isso.
  - Vocês e esses seus vícios por homens... – Wallace reclamou. – É Luís Vintão, é Christiano Sei Lá, Prata, Versado, Fenda e por aí vai.... – Ouvia o coração de quebrar a cada nome errado que o rapaz dizia. – Meu vício é outro... É Cindy, é Emily, Carol, Louise, Kristen e por aí vai.... – Deu uma gargalhada e todos paramos.
  - O que disse? – Virei para ele e então a ficha caiu. Ele olhou para os lados, tentando arrumar uma fuga, mas já estava cercado.
  - Falei merda? – Assentimos. – Foi mal. Mal Wallace, mal garoto! – Se repreendeu.
  - Assim fica melhor. – agradeceu e voltamos a andar.
  - Quais são suas primeiras aulas? – nos perguntou.
  - Hist... – Eu e dissemos juntas, mas nos encaramos. Não diríamos aos caras sobre o jeito esquisito do professor, mas se pudéssemos evitar pisar na aula dele... faríamos.
  - Então , que tal darmos uma volta? – Sorri mais falsamente possível. – Você pode aproveitar e pagar o que me deve. Por favorzinho. – Selei nossos lábios, como força de convencimento.
  O moreno gargalhou, apertando carinhosamente a minha cintura. Cede, por favor, por favor, por favor…
  - Tá bem. Mas tenho que voltar antes do treino, ok? – Assenti, dando pulinhos de alegria.
  Minha relação com havia melhorado muito desde que nós resolvemos. Éramos melhores amigos? Éramos. Podíamos dar uns beijinhos de vez em quando? Podíamos.
  Um dia depois dele socar um jogador apenas para me defender, ele veio com flores e bombons, disse que estava errado e eu sempre certa. Óbvio que eu sabia que era algum conselho de seu pai. Uma vez sua mãe havia me ligado dizendo para pegar leve com , porque ele só falava de High School Musical e sonhava com Hannah Montana.
  Tudo para me conquistar…
  E quando ele começou a repetir tudo isso agora, percebi que talvez, mesmo com ele tendo vacilado feio comigo, o passado deveria permanecer no passado. Óbvio que não havíamos voltado e muito menos estávamos perto disso. Estávamos nos resolvendo aos poucos…
   havia conseguido convencer a levá-la para fora do campus, apenas para faltarmos à aula. Sabíamos que era errado, principalmente na condição em que ela se encontrava precisando de notas, mas era pior ainda ter que aguentar aquele professor…
  Em alguns riscos, valem a pena as consequências.
  E no fim, ambas sairíamos com novas Louis Vuitton.

***

  Já estava no campus de novo, à tarde e com uma bolsa novinha. Não havia sido fácil convencer a pagar a aposta. Principalmente quando se gasta praticamente toda a mesada no processo. Mas cobrei os cinquentinha no preço da bolsa. Eu sei, quase uma Madre Teresa.
  Estava na biblioteca, trabalhando, fazendo dever de casa e ao mesmo tempo – por incrível que pareça – assistindo a última temporada de Game Of Thrones, já que Wallace como o ótimo amigo que era havia assistido à temporada toda sozinho sem me esperar. E para piorar, todas as manhãs me mandava um pequeno spoiler. Era quase uma tortura.
  Não era difícil fazer tudo ao mesmo tempo. No intervalo de algum episódio, eu dava uma verificada no dever e quando algum aluno aparecia – o que era frequente -, pausava a série e o atendia. Tinha o dia todo e mais cinco episódios para terminar.
  Mas tive que pausar, porque uma latina e um playboy estavam parados no meu balcão, me encarando suspeitosamente. Aparentemente a garota com fones de ouvidos, lápis na boca e cabelos loiros delicadamente jogados para o lado era o que viam quando chegavam.
  Por isso a biblioteca estava cheia!
  - Puta que pariu. – disse alto.
  - Shhh. – Dei bronca.
  - Isso aqui tá cheio! – disse baixo, mas se forçou para expressar sua surpresa. – Eu tô aqui há quatro anos e nunca vi isso aqui tão cheio…
  - Cheio de jogadores de futebol e rapazes. – A morena completou.
  - Nem percebi. – E realmente não havia. Meu foco estava mais no dever e na série do que nos rapazes que enchiam as mesas da biblioteca.
  - Bibliotecária sexy é uma das fantasias eróticas mais frequentes nos caras, sabia? – O loiro disse com sabedoria e sorri, aproveitando o momento para dar uma alfinetadinha no casalzinho que não se assume.
  - E , o que prefere? Bibliotecária sexy, balconista sexy ou vendedora sexy? – Sorri, vendo seu olhar se perder e me fuzilando com o olhar. Levei a mão à boca, para não gargalhar alto. – Disse tudo, amigão.
  Eu estava trabalhando na biblioteca desde o meu segundo dia e de forma impressionante, todos os dias enchia de gente. No começo eu achei que era alguma coisa a ver com os estudos, porque pessoas estudam na universidade. Evitei inflar meu ego acreditando que era por minha causa que isso enchia.
  Mas quem eu estava enganando?
  A maioria nem se importava com os estudos.
  - Podemos tratar do que viemos tratar, por favor? – a morena perguntou impaciente, de bracinhos cruzados e tudo mais.
  - O que vieram tratar?
  - As meninas da Zeta, claro!
  - E precisava trazer o junto?
  - A sombra sempre vem. – Rimos juntas.
  - Ei! – O garoto levantou as mãos e eu levei meu indicador à minha boca, gesticulando silêncio.
  - Sem ofensas. – Dei os ombros.
  - Enfim. – se sentou no banquinho na frente do balcão. – Nós precisamos ter uma ideia boa para ajudar as meninas, certo? Temos os joguinhos anuais, então a melhor opção é inscrevê-las. Vamos fazer isso mais tarde, vai comigo? – Assenti.
  - Tá, mas ainda precisamos arrumar uma forma de ajeitar a casa. Ninguém vai levar elas a sério dessa forma.
  - Só se ganharmos.
  - E como ganharíamos assim? Elas mal abrem a boca.
  - A Brittany pode tentar algo, certo? – se intrometeu.
  - Esperamos, né. Mas o problema é que para ela estava tudo certo, agora que temos meninas suficientes para que a casa não seja fechada, pra ela tá tudo ótimo – explicou.
  - Pra ela é tudo simples. – Dei os ombros. – Uma lata de tinta colorida e pronto, tudo concluído. Mas precisamos reconstruir a casa, tem muita coisa quebrada. E móveis, reforma e tudo mais que precisamos custa muito, muito dinheiro.
  - Eu posso ajudar... – começou.
  - Não! – se prontificou a retirar a ideia da cabeça dele. – Nem o dinheiro do pai da aceitamos, quem dirá o seu? – Rolou os olhos. – Precisamos nos juntar e conseguir fazer as coisas juntas, sem dinheiro de familiares ou amigos. Por isso os jogos são bons.
  - Eles dão uma boa verba pra casa, né? – Assentimos.
  - E como faremos isso então? Como ganharemos? – Respirei fundo.
  - Não sei, mas para dar ganhar, faço pacto até com o Diabo…
  Então eu tive uma ideia.

***

  Não era o suor, o cansaço, as dores na perna e nos músculos depois de um treino puxado, já havia acostumado com isso. Havia um motivo maior para me fazer comer duas barrinhas de chocolate de uma vez e sentir meu estômago roncar, implorar para uma pizza grande e gordurosa.
  Markus Harrison era o motivo.
  Um babaca que tinha um rei na barriga, se sentia uma estrela prodígio do hóquei, o melhor do time e todas essas merdas que ele tentava nos fazer engolir. E de fato, ele era. Era medíocre, invejoso, fraco e nem um pouco focado. Se importava mais em fazer graça para o público do que fazer pontos para o time.
  Mas era óbvio que o treinador não pensava dessa forma. Não sei o que mudou, não sei quanto o fez mudar, mas de certa forma, havia sido mais do que eu poderia contribuir. E quem sairia perdendo? Isso mesmo.
  Era isso que me deixava nervoso e muito ansioso. Me ralar, me doar e me matar para que o time vença, tenha um bom progresso e sempre avance mais, mas não era o bastante. Não quando nem mesmo o treinador contava com isso.
  E então o homem entrou, segurando a sua prancheta e apito. Todo o time ainda estava reunido na arquibancada, esperando seu discurso para finalmente irmos para o vestiário. E a demora me torturava.
  - Bom, devo dizer que vocês me impressionam. De formas boas e de formas ruins. – Começou. – Não esqueçam que aqui dentro, cada um de vocês tem uma responsabilidade, uma responsabilidade que deve ser levada a sério dentro e fora do gelo. Desde de passar o disco até fazer o ponto, ou defender, impedindo que o outro time faça o ponto. E qual é a responsabilidade do capitão? – Puta que pariu, agora fodeu. – A do capitão é liderar o grupo, é ensinar e inspirá-los, não os deixar desanimar e muito menos se frustrar. Às vezes nos frustramos com algumas coisas e nos decepcionamos. E eu estou realmente, profundamente decepcionado com você, Graham. – Rolei os olhos mentalmente. – Você quebrou a confiança desse time e infelizmente, não dá para ser capitão assim. Não espero que entenda, espero que respeite e obedeça apenas. – E assim decretou o que havia enrolando há semanas para fazer. – Harrison, não me decepcione. Estamos contando com você. – Apontou para o babaca, que comemorou. – Acabamos por aqui. Podem ir.
  Ele saiu, dando as costas para todos nós. Jogou a bomba e vazou, como se não fosse nada. Como se ele não tivesse jogado todo o time na merda por causa de uma derrota.
  A. Porra. De. UMA. Derrota.
  Desde que o ano começou, desde que eu assumi a liderança do time, jamais havíamos perdido. Só uma vez, apenas uma vez. Quase um ano de vitórias e eu falhei uma vez e me fodi.
  Eu sei que, para uns, uma derrota era o bastante, mas não para o treinador. Ele me conhecia, confiava em mim e me respeitava. Até que um passarinho foi contar para ele sobre minha briga nos Lambda, que por algum milagre não havia nem ouvido durante meses.
  E esse passarinho era o mesmo que se vangloriava sobre o novo título. Além de babaca insuportável, agora era o capitão babaca insuportável.
  Parabéns Markus, o titio tá orgulhoso de você, mané.
Levantei e meus companheiros se levantaram comigo, um pouco preocupados com a minha reação sobre isso. Apenas me virei para o ruivo, que comemorava com seus companheiros – que por alguma semelhança ou coincidência vivem no banco de reservas.
  - Tô pouco me fodendo pra você, Markus. – Sorri. – E por favor, foda com o time logo. Quero recuperar meu título antes do fim do ano.
  Fui direto para o vestiário, ouvindo-o protestar atrás de mim. Na realidade, eu só ouvia vários mimimi vindo da boca dele. Havia conseguido criar um tipo de tolerância à sua babaquice.
  Depois de uma boa chuveirada fria para refrescar a cabeça, estava no vestiário me vestindo, tentando pensar em coisas boas e manter a paz mental, enquanto ouvia o insuportável ainda enchendo o saco. Não havia folga.
  Mas o som mudou, para alguns gemidos, gritos surpresos e assobios. De início não entendi, então depois suspeitei que fosse alguma namorada de algum jogador que veio fazer uma visita. E era quase isso.
  Só que muito, muito, muito pior. Pra mim, claro.
   apareceu, com os olhos tampados com a mão, muito ofegante e perdida no vestiário. Os olhos dos rapazes corriam pelo corpo da garota e eu queria socar um a um. Corri até ela, segurando-a e tentando tampá-la.
  Ela não estava aqui para se mostrar. Se estivesse, não estaria tampando os olhos. Para , não tem graça nada que ela não possa ver a reação dos outros. Assim que seu ego funciona.
  - , o que você tá fazendo aqui?
  - Eu... Ui, tá quente aqui né. – Se abanou com a outra mão, respirando fundo. – Então, eu preciso falar contigo.
  Ri.
  - Não era mais fácil mandar uma mensagem, amor?
  Não dava para ver, mas tinha certeza que ela rolou os olhos com minha resposta.
  - Achei que pessoalmente seria mais dramático. – Sorriu. – Então, será que podemos?
  A levei até à sala do treinador, que estava destrancada e por sorte, vazia. Ao fechar a porta atrás de mim, destampou os olhos a primeira coisa que foi ver foi meu peitoral nu, pela falta de camisa.
  Suas bochechas ficaram levemente coradas, mas tinha um sorrisinho malicioso nos lábios e mordiscava a unha, tentando esconder o sorrisinho.
  Sorri de volta e me vesti, colocando a camiseta azul escuro, ouvindo-a protestar e fazer bico.
  - Então, o que quer conversar, amor?
  Adorava chamá-la de amor. Por quê? Porque ela odiava. Se sentia muito em um clichê romântico dos anos 90. Ou um livro brega de romance classe C. Do que a chamaria? De ratinha como ? E nem sei de onde ela tirou isso. Amor era o melhor que um cara bruto, rude, bad boy e insensível como eu poderia chegar.
  Afinal, ela era a única garota no mundo que havia derretido esse meu coração em gelo puro. Oh,
  Mentira.
  Eu era um bobão, não servia nem para bad boy de filme merda. Talvez só pelo meu excesso de raiva... e isso a também tinha e nem por isso faríamos um par romântico. Segue o baile.
  - Eu preciso de sua ajuda. – Abriu um sorrisão. Ah se ela soubesse que não precisava de metade disso…
  - Pode falar.
  - Então, eu e entramos na irmandade da Brit, mas é basicamente uma coisa bem... apagada. Precisamos de ajuda pra trazê-la aos holofotes e conseguir ganhar os jogos anuais. E, bom, você é o capitão do time, pode usar sua influência e esse seu charme pra fazer as pessoas colocarem a Zeta nas festas e eventos sociais da Hearst. E caso digam não, você pode bater neles até dizerem sim. – Sorriu novamente, então depois deu uma risadinha adorável. – Mentira, não faça isso. A parte de ameaça vamos deixar com a .
  - Eu jamais diria não a você, loirinha. Ajudo sim, claro. – Sorri, indo para mais perto dela para que eu pudesse tocá-la e tê-la pertinho de mim, coladinha em mim.
  - Bom... você já disse uma vez. Lembra? No baile?
  Rolei os olhos.
  - Qual é. Você queria me fazer usar uma gravata roxa florescente horrível.
  Ela arqueou as sobrancelhas, me empurrando para trás. E lá vem…
  - Licença, foi mal aí. Mas essa gravata horrível combinava com meu vestido, que era a coisa mais linda de todas.
  - Nisso eu concordo, ele moldava seu corpo e te deixava muito gos... – Mal percebia meu sorriso malicioso nos lábios ao imaginar como ela ficava naquele vestido e o que fizemos depois em meu carro. Mas parei de imaginar, quando ela socou meu braço com força. – Ai, porra!
  - Vai ajudar mesmo então? Posso ir? – Ficou impaciente. E adorável, eu sei.
  - Vou ajudar. Infelizmente não sou mais o capitão do time... – Sua expressão mudou para algo mais triste, ela sabia como eu amava esse posto. – Sim, foi o Markus. Mas tudo bem, logo eu retomo meu posto.
  - Você quer que eu bata nele? – disse, na voz mais sensível e adorável de todas, com um biquinho lindo que eu queria encher de beijos. E o fiz, selei nossos lábios rapidamente, acariciando suas bochechas.
  - Você anda agressiva demais, amor. O que tá acontecendo? – Sorri de canto.
  - O Wallace... Sabe, de todas as pessoas que eu confiava, como ele pôde me apunhalar de tal forma? – Suspirou tristonha.
  - Ele te deu um spoiler de GOT? – Segurei o riso.
  - Não, de Stranger Things! – choramingou e eu a abracei, consolando-a.
  Confesso que eu também assisti Stranger Things sem ela. E como punição, ela me deixou uma semana de molho, mal falava comigo. Mas toda noite me mandava fotos perigosas demais e que levariam seu pai para um hospital caso visse. E poderiam me levar para um hospital também, se ficasse só nas fotos.
  Por isso agora seguimos o esquema que criou:
   nos obriga a ver tal série, então vemos todos juntos. Se algum de nós assiste tudo sem o outro, lê-se Wallace, podemos aguentar reclamando até que ela termine a série, para que possa esfregar na cara do furão, lê-se novamente Wallace, que desviou dos spoilers.
  Era muito meiga.
  Ficamos juntos mais um pouquinho e eu sabia que havia algo que ela estava me escondendo, mas para não a sufocar, não perguntaria. Havia coisas que era melhor eu não saber…
  - Prometo fazer tudo ao meu alcance para ajudar as Zeta, conta comigo. – Sorri.
  - Muito obrigada, meu capitão. – Retribuiu o sorriso, dando um beijo na minha bochecha como despedida. Foi até a porta, se virou para mim e deu uma piscadinha. Tirou de sabe-se lá onde seus óculos escuros e os colocou. Então saiu desfilando para sua plateia.
  Ouvi o escândalo dos caras e fui atrás, antes que alguém tentasse arrancar pedaço da minha garota.
  Ela havia ido embora na velocidade da luz e os caras me encaravam, dando risadinhas e eu os ignorei.
  - Tirem os olhos, bando de abutres.
  Markus podia até ter arrancado o título das minhas mãos, mas havia algo que ele e nem ninguém jamais me tiraria.
  Para ela, eu ainda o seu capitão.
  E isso pra mim era o bastante.

***

  Finalmente havíamos nos candidatado para os jogos anuais. A visibilidade seria um ótimo prêmio caso ganhássemos e de bônus ainda teríamos o dinheiro para conseguir reconstruir toda a casa. Essa era uma das coisas que nos davam força para conseguirmos passar por isso.
  Mas também era muito triste. Quando nos inscrevemos, a garota – da Alpha – que nos atendeu, mal sabia quem era Zeta Beta Iota, era quase como se elas não existissem. E isso partiu meu coração, já que não havia credibilidade nenhuma nesse nome. Será que não tinha nenhum legado? Será que não tinha nada para nos orgulharmos?
  - Nós vamos vencer essa coisa, . Pode acreditar, – disse firme. Ela era a mais convicta que passaríamos por isso, porque ela precisava disso. Ela precisava das Zeta tanto quanto elas precisavam de nós.
  - Agora é oficial. Zeta Beta Iota é uma casa e vai concorrer. Isso ninguém tira da gente, amiga. – Sorri. Não me sentia vitoriosa ainda e muito menos confiante, mas era uma luta que passaríamos juntas.
  Enquanto estávamos passando pelos corredores do prédio, a Orientadora Diane parou em nossa frente. Respirei fundo, já pensando no que fez e como teria que defendê-la na frente de todos.
  Mas estava enganada.
  - , poderia falar com você em minha sala, por favor? – Estranhei, mas assenti.
  Pedi para que fosse direto para a casa ou fosse fazer o que tivesse que fazer, porque realmente não sabia quanto tempo demoraríamos nessa conversa.
  Nunca havia sido chamada pela Orientadora, a não ser que fosse para falar de ou me parabenizar por algo que fiz. Mas não dessa forma. Ela parecia preocupada.
  Entrei em sua sala, me sentando na cadeira à frente da sua mesa. Ela se sentou na de trás de sua mesa e sorriu para mim.
  - Precisamos falar algo sério,
  Desesperei-me.
  - O que aconteceu? É algo com as minhas notas? Eu fiz algo errado?
  Mas a mulher tentou me acalmar.
  - Fica tranquila, suas notas estão impecáveis, por sinal. O professor do curso de fotografia só te elogia e sua colaboração com a biblioteca é admirável. Nunca vi tantos alunos que fugiam indo todos os dias até a biblioteca. – Corei, me orgulhava em saber que todos frequentavam a biblioteca e muito mais o porquê disso. Só que ouvir da boca de outros, principalmente de alguém respeitável como Diane, me deixava tímida.
  - O que aconteceu então? Pode falar, por favor. – Já havia ficado preocupada. Se não eram minhas notas, era algo pior. E se fosse algo pior? E se fosse minha visitinha no vestiário masculino?
  Não posso ser expulsa. Eu sou um prodígio.
  - , há uma confusão muito suspeita em uma de suas matérias... – Ih, lá vem. – Você não anda frequentando regularmente as aulas de História do Sr. Johnson, mas mesmo assim, suas notas estão na média. O que anda acontecendo? Ele veio se queixar que você mal frequenta a aula dele, aparece nas avaliações e depois some de novo.
  - Ele disse? – Engoli seco.
  Eu sabia que cedo ou tarde isso cairia em meu colo, mas não sabia como reagir a isso. Como contar para alguém o que esse professor anda fazendo?
  - Aconteceu algo? O Sr. Johnson fez algo?
  Sim.
  - Não.
  Mas ela não acreditou.
  - Repito a pergunta: Você tem certeza absoluta de que Sr. Johnson não fez nada para te acuar? Se fez, pode falar.
  Fez. Além de me mandar mensagens esquisitas mesmo sem que eu tenha passado meu número para ele.
  - Tenho. Ele não fez nada.
  Covarde.
  - Bom, tudo bem então. – Levantei, pronta para ir embora. – , espera um pouco. – Parei na porta.
  - O quê?
  - Saiba que se quiser me contar algo, a qualquer hora, minha porta estará aberta para você, ok? Sempre. Estarei aqui para te ouvir.
  - Tá. – Então saí.
  Não sei porque me calei. Por mais que me assustasse um pouco as atitudes que ele tinha, eu não levava à sério. Ele era um professor de renome, uma carreira toda e ele não jogaria fora. Para mim, ele era apenas um patético homem de meia idade interessado por uma novinha que jamais terá. Apenas isso.
  E ele jamais faria algo contra mim, não porque fosse alguém bom, mas porque ele sabe que caso se meta comigo, estará se botando em um enorme perigo. Jamais deixaria isso barato.
  As fotos? Apago. As mensagens? Ignoro. Mas se encostar um dedo em mim, eu destruo esse homem.

***

  Era o primeiro jantar de todas nós na Zeta. Havíamos pedido comida chinesa, pizza e tudo que cada uma gostava.
  Estávamos reunidas em nosso sofá velho, com uma mesinha de centro feita de caixas e comendo em pratos plásticos com talheres de plástico também. Éramos orgulhosas demais para aceitar ajuda financeira de nossos pais? Sim. Nada que fosse dado de esmola seria bem utilizado. Queríamos ajudas sinceras e não porque imploramos por isso.
  - Um brinde a nós! – propus e nós brindamos com nossos refrigerantes.
  - Eu quero brindar ao nosso futuro! – começou. – Porque agora, estamos realmente começando. Os jogos estão aí e nós iremos conseguir, mesmo que tenhamos que nos sufocar e fazer de tudo, nós faremos! Não vamos desistir e muito menos deixar o que falam de nós ou como nos veem atrapalhar isso, ok? Mais do nunca, estaremos unidas e nos ajudaremos.
  - Isso mesmo – continuei. – Juntas nós vamos dar vida pra essa casa, vamos calar a boca de todos que acham que podem ignorar nosso nome e não respeitam a história da Zeta.
  - Que história? – Morgana criticou, rolando os olhos. – Somos um bando de excluídas, desajustadas e bagunçadas. Realmente, vamos ganhar sim, o título de Retardadas da Hearst. – Gargalhou falsamente, despejando todo seu veneno e descrença.
  A fuzilei com o olhar.
  - São atitudes que nem a sua que enfraquecem, querida. – Sorri falsamente. – Se você não acredita em nós mesmas, então quem acreditará? Se você quer uma história, vá pesquisar, a biblioteca tá aberta pra isso. E se não tivermos uma história, faremos uma, juntas e não com essa palhaçada de desacreditar.
  - Você acabou de entrar, não sabe de nada. – Bufou.
  - Chica... – se controlou.
  - E? Eu entrei agora. Entenda, eu não perco meu tempo com perdedoras. E se estou aqui, é porque vocês são vencedoras. Aceita ou cai fora.
  Sei que poderia estar falando um monte de baboseira, mas meu sangue competitivo não aceitava isso. Eu daria tudo que pudesse para vencermos esses jogos e não aceito segundo lugar, quero ganhar. Quero o primeiro. Quero dar isso a elas.
  Mas isso jamais dará certo se as garotas seguirem a linha de pensamento de Morgana, de que perdedoras morrem perdedoras. Não é bem assim. Perdedores se tornam vencedores e vencedores se tornam perdedores, conforme o jogo vira e as regras mudam. Para permanecer no topo, se deve lutar por isso e não abrir mão porque já não está lá.
  Podia até não entender de muitas coisas, mas uma eu entendia muito bem: nada era fácil. Nem para quem já tinha tudo fácil. Porque cedo ou tarde a vida cobra e se tem que lutar com as próprias mãos.
  E eu já escolhi com quem lutar. As Zeta não seriam humilhadas. E se forem, serão exaltadas no final.
  Depois do jantar, eu e fomos para nosso quarto. E eu estava um pouco agitada demais, comendo tudo de uma vez os bombons de chocolate com recheio de marshmallow que havia me comprado mais cedo.
  Adorava os mimos que me dava.
  Mas algo me afligia, estava me deixando elétrica. E não, não era sobre meu probleminha com o Sr. Johnson, era algo diferente. Algo que eu jamais havia tido contato antes. Pelo menos não em 3D.
  Respirei fundo, tentando me conter.
  - Nossa, cariño, tá bem? Acho que anda pegando as manias do teu namorado. – A morena gargalhou e rolei os olhos como resposta.
  - Amiga... eu... Nem sei como dizer isso.
  - Nossa, . O que foi? – se sentou em minha cama, agora realmente preocupada. Segurou minha mão e me encarou, bem profundamente em meus olhos. – Me conta, você pode me contar tudo.
  - , eu... – respirei fundo. – Nossa, não sei... Eu vi... – Fechei os olhos, contei até dez me controlando e então me firmei. – Eu que acho vi um... Deus... Eu acho que vi um pênis.
  E minha amiga deu os ombros, compreendendo minha dor.
  - Tá.

Capítulo 04


  - Sejam todos bem-vindos a quadragésima edição dos Jogos Anuais da Hearst! – Uma explosão de gritos e euforia foi a resposta para o treinador do time de futebol.
  Parece que nós estávamos um pouco atrasadas quando entramos no campo. Eu sabia que esses jogos eram famosos, mas não tinha ideia de que ia ter tanta gente torcendo. Olhei para a cara das garotas atrás de mim e elas estavam com os olhos assustados pro público.
  Entramos pela abertura que geralmente os jogadores entravam, as arquibancadas estavam completamente cheias de pessoas de todas as idades, era como o dia da família na escola no Ensino Médio, mas com alguns adolescentes bêbados e irados fazendo gestos ridículos com uma pintura na barriga saliente com as iniciais H.E.A.R.S.T. Fiquei petrificada quando encontrei alguns caras com essa descrição perfeita no primeiro andar da escadaria e a letra S era o meu pai.
  - Ei anjinho! – ele gritou em minha direção e coloquei a mão no rosto fingindo que não estava o vendo. Meu Deus. Só consegui me lembrar das inúmeras vezes em que ele se meteu em briga com outros pais nos jogos de baseball do meu irmão. Se ele continuasse bebendo com aqueles caras vivendo seu sonho americano de entrar em uma fraternidade, eu continuaria bem.
  Notei a Reitora Campbell com alguns professores reconhecíveis e outros não, em uma bancada com uma faixa escrito “juízes” na frente. A Dona Didi estava lá, em um já esperado terninho rosa, sorrindo para o seu marido que apresentava o torneio. A Reitora estava séria, como sempre. Única expressão que já a vi fazendo na vida foi quando viu minha bolsa de camurça, e quando percebeu que era falsa voltou a cara de morta.
  Eu não a conhecia muito bem, mas sabia que ela era muito nova e muito bonita também pra ficar sempre daquele jeito... Meio que, um zumbi.
  O treinador Spencer voltou a falar. Diferente da professora ele estava bem animado. Tinha uma alma jovem assim como Didi.
  - Agora vamos conhecer os competidores desse ano, – falou no microfone gerando todo o rebuliço outra vez. Apontou para um time com casacos vermelho e amarelo. – Theta Delta Xi!
  A maioria dos rapazes gritaram. Eles tinham uma boa torcida. Sua equipe era formada por seis caras que cheiravam a creme de whey e um magricelo que parecia estar com vergonha, sorrindo para todo mundo.
  - Kappa Kappa Mu! – falou o outro nome apontando para o time de garotas ao nosso lado e todas pareciam ter a mesma cara. Meninas morenas usando moletom e legging com cara de sonsas. Ah, Rachel estava lá. E tinha um pombo na mesa da senhora Campbell. Também tinham torcida. Na verdade, era uma torcida muito forte.
  - Psi Omega Kappa! – Muitos gritos. Todos nerds vestidos de azul fazendo pose de malhação.
  - Beta Eta Theta! - Todos brancos que achavam que eram negros, tipo a cantora Halsey. Torcida dividida.
  - Sigma Phi Sigma! – Tudo poc. Torcida gigante.
  - E finalmente, – ele apontou para a nossa direção e me preparei para o holofote, as meninas sorriram de leve, estava pronta para dar autógrafos. Era nossa hora. – As meninas da Zeta Beta Iota!
  Esperamos nossa torcida gigantesca e começou a fazer um tchauzinho de miss até que eu percebi o fracasso e coloquei sua mão para baixo.
  Cri. Cri. Cri.
  Nada.
  Minto. Meu pai gritou por nós.
  - É isso aí meu anjinho! Desce e arrasa!
  Virei de costas da platéia morrendo de vergonha e falei para :
  - Ele é seu pai agora, pode levar.
  Ela riu. Riu porque realmente achava que ele era um cara engraçado. Meu Deus.
  Lidamos com tamanha discrepância entre torcida e falta de popularidade como adultas e tentei ignorar Brittany fazendo Sandra parar de chorar.
  A atenção se voltou outra vez para o treinador Spencer.
  - Vamos para nossa primeira prova: Escalpe. – Um uivo longo saiu da boca do povo que assistia. – Escalpo é como os índios norte-americanos chamavam o couro cabeludo arrancado ainda com os cabelos, arrancar o escalpo foi um costume inserido na cultura americana pelos mexicanos bandoleiros…
  Ah, legal a aula da história sobre meus antepassados, treinador Spencer. Bom timing.
  Eu só queria vencer aquela droga logo ganhar a grana e dar o fora dali. Não necessariamente nessa ordem, ia levar um tempo pra que acontecesse. tinha a mesma cara que eu, a cara de “vamos fazer essa merda e ir pra casa que tô com série atrasada pra atualizar”.
  Todos os times ficaram em um canto do campo revestido de grama sintética e ganhamos camisetas de cores primárias diferentes. A nossa era verde, remetia a Poison Ivies. Cor da Sonserina. Legal. Sempre tive um tombo pelo Malfoy. Não me pergunte se era o pai ou o filho.
  Pelo o que entendi era um anagrama simples, nós éramos cavaleiros em batalhas, cada um de nós tinha um escalpe, que na verdade era um lenço, preso sem amarrar no passador de nossas calças, aquele lugar onde vai o cinto, ou preso entre o cós. Assim que a sirene soasse correríamos como um bando de babuínos bobocas balbuciando em bando no meio do campo, tentando arrancar o lenço da bunda do outro. A equipe que tivesse os sete lenços primeiro teria que correr até o sino na frente da bancada dos juízes e tocá-lo.
  Havia um quadro de madeira grande para escrita de giz com os nomes das casas participantes e elas iriam ficar colocadas na numeração conforme o time que venceria por primeiro.
  - ... – Sandra me chamou puxando minha camisa e olhei para sua cara de quem queria vomitar. – Será que vamos conseguir?
  - Não, não, não, Sandra, nem pense em pensar em desistir agora. Se dependerem de mim ganhamos no primeiro minuto da partida pelo meu tempo de treinamento em correr atrás de sapatos em liquidação.
  - Não deve ser muito difícil – Brit tentou amenizar.
  - Você já participou de uma liquidação no meio de Los Angeles com aquele bando de noivas e mulheres de políticos com cartão platina pra gastar à vontade? É muito difícil – bufei.
  - Não era isso que eu... – voltou a falar e a cortei.
  - Garotas vamos lá, ninguém vai morder vocês, é só correr e pegar a porcaria do lenço.
  - Isso, peguem a maior quantidade que conseguirem. Quem alcançar sete escalpes primeiro, toca o sino, – liderou.
  - Na verdade... – Ana ia falar e a silenciamos para poder ouvir o treinador.
  - Conhecem as regras, sem golpes ou pancadas. A equipe que não cumprir isso vai ser imediatamente desclassificada, temos muitos olhos observando seus movimentos hoje. O objetivo é as fraternidades e irmandades conseguirem sete escalpes. Assim que o último sino tocar, faremos as contagens, cada lenço tem uma identificação, a equipe que ficar em último estará fora. – Em um segundo ele ficou em silêncio. – QUE COMECEM OS JOGOS DE 2018!
  A galera foi a loucura, era um evento formado pelos alunos que tomou proporções gigantes. O som de um rock pesado começou a tocar usando o som da escola que normalmente era usado para as líderes de torcida no meio tempo e a sirene soou nos dando liberdade para se movimentar.
  Ia ser moleza.
  Eu tinha anos de treinamento de vôlei e muita flexibilidade no corpo, conseguiria driblar todo aquele pessoal sem que ninguém visse quem os pegou. já tinha abandonado a personalidade do médico e virou o monstro, ela estava feroz, corria como uma gazela louca tentando roubar o lenço de todo o pessoal e acabou deixando alguns caras sem camiseta.
  Sandra tinha se escondido atrás de um cara grandão e sua irmã estava gritando com ela.
  - Pegue os lenços, cacete!
  Uma armada de caras surgiu na frente de Ana e ela respirou fundo, pegando pressão e coragem.
  - Pelo meu sofá novo! – ela gritou correndo na direção deles e os garotos fizeram uma carranca dando alguns passos para o lado. Ela passou reto.
  Brit não corria, ela pulava. E no processo de tentar pegar alguns lenços arrancou a calça de algumas pessoas. Nosso grupo tinha algum problema com roupas.
  Abby estava atrás dela copiando todos os seus movimentos.
  A desgraçada da Morgana nem fazia esforço, quando berrei para que ela se mexesse ela tentou correr, dando dois passos antes de cair com a cara no chão.
  Era um desastre.
  O jogo se prolongou. O pessoal não parava de gritar e torcer, chamando nossa atenção e nos distraindo um pouco. Notei uma diferença drástica para as outras equipes quando um dos caras chamou o amigo para me contornar.
  A Kappa Kappa Mu, do tucano tóxico, foi o primeiro grupo a tocar o sino. E então a Theta Delta Xi.
  Tínhamos que mudar de estratégia logo.
  Peguei pelo pescoço vendo a cara de diaba e disse rápido algumas palavras, ela acenou e voltou a correr.
  Já sentia meu pulmão doer e esqueci que minha vida de atleta tinha vindo antes de me tornar uma completa sedentária que só comia e estudava. Meu trabalho era ficar em pé.
  A loirinha se aproximou do cara que eu tinha lhe falado e deu um sorrisinho sapeca fingindo que tinha pegado seu lenço. Ele ficou procurando como um trouxa e antes de se tocar que ela não tinha pegado, eu peguei.
  Demos um high five procurando outro alvo.
  Os nerds da Psi Omega Kappa tocaram o sino. Eu estava cada vez mais nervosa ou com raiva, meu coração não se decidia, ou eu só teria um ataque cardíaco mesmo. Tá feliz pelo DNA ruim, pai?
  A Sigma Phi Sigma foram os penúltimos e estávamos apenas nós e o fandom da Halsey no campo. Os garotos tinham cara de quem fumava uma Maria Júlia o dia todo, mas quando colocaram os pés no gramado foram possuídos pelo espírito de Usain Bolt.
  Tentei conter a vergonha alheia com os seus dreads que vinham até o chão e camisetas da mesma marca que Kanye West usava.
  Ficamos correndo loucamente pelo campo como patetas por pelo menos trinta minutos e o pessoal da arquibancada não calava a boca por um segundo. Ou eles estavam muito bêbados ou realmente se importavam com nossas fraternidades e irmandades buscando uma melhor infraestrutura e um lar melhor.
  Puff. Claro que estavam bêbados.
  E então do nada, DO NADA, um dos caras do time dele tocou o sino.
  Fique completamente perdida porque eu tinha três lenços em mão, tinha mais três e continuava com o seu original. Quem contou aquela merda? Brittany?
  Assim que o último sino foi tocado a torcida foi a loucura mais uma vez, as líderes apareceram dançando e sorrindo, e meu sangue borbulhava.
  Então era isso? Tínhamos uma luz no meio do túnel, estávamos no início daquele corredor escuro, e Deus achava engraçado brincar com isso, tirando o osso da nossa boca depois que já tínhamos provado dele.
  - Vamos verificar todos os lenços agora, mas pessoal, saibam que todos venceram apenas por participar. – Ele sorriu no início e no fim olhou para nós com pesar.
  Eu não queria pena, eu queria arrancar o pescoço de alguém.
  Lá estava o nosso nome fora do quadro de classificações.
  - Qual é, ruivinha, sabíamos que isso ia acontecer, esse grupo é uma vergonha. – Ouvi um cara falar para Abby ao meu lado, eu estava nem aí se eles se conheciam. Que merda ele achava que estava falando sobre a minha Zeta?
  Ignorei tendo seu famoso ADP precisando ser amparada pela equipe de médicos de emergência e Sandra chorando.
  - Vergonha é andar na rua com essa sua cara feia. – Virei pra ele e Brittany já estava no nosso meio. Seus amigos bombados também apareceram.
  - Ninguém te chamou na conversa.
  - Não peço pra ser convidada em uma discussão. Quando eu falo você só fecha a matraca e escuta.
  Ele parecia estar chocado que eu ia mesmo comprar uma briga com ele. Sim, eu ia mesmo comprar uma briga com ele.
  - Garota, fica quieta…
  E formou-se o rebuliço. As meninas nos rodearam, acordou rapidamente dos braços do paramédico pra causar intriga do meu lado e os juízes já estavam percebendo e querendo chamar nossa atenção.
  - Você acha que tá onde? No jardim de infância pra apontar pro coleguinha e rir quando ele não consegue algo?
  - E você acha que somos todos selvagens igual você, ? – disse a última palavra com asco.
  - Uh, ele sabe meu nome, que medinho. – Revirei os olhos.
  - Não atravesse meu caminho, sua vadiazinha, alguns de nós nos importamos em estar aqui de verdade.
  - Em primeiro lugar: e eu com isso, meu filho? Em segundo: do que você me chamou? – Eu sorri desacreditada.
  - Vadiazinha. Além de vadia é surda?
  Alguns uivos me atiçaram na raiva e parti pra cima dele tentando fincar minha unha na sua cara feia, mas algum merdinha estava me segurando por trás.
  - Eu vou te matar seu lixo…
  Ele era tipo, muito, muito irado. Queria vir pra frente, mas sabia que não podia ou o pessoal da diretoria não somente expulsava ele como ia direto pra cadeia. Eu não estava nem aí. A partir do momento que ele me chamou de vadia quando a coisa mais baixa que fiz foi chamá-lo de feio, sabia que não era boa pessoa.
  - Eu tô me segurando pra não te agredir, cacete – berrei tentando me soltar dos braços. Eu estava cansada, acabada, xoxa, com sede, sono e raiva.
  - Na verdade estão te segurando, miga. – apontou.
  - Sorte ajuda quem não atrapalha. – Cerrei os olhos pra ela.
  - Gente – a voz no microfone falou e ignoramos. – Pessoal? – Ele continuou e quase consegui arranhar o rosto dele com minha unha de quarenta dólares. – ME ESCUTEM PORRA!
  Paramos imediatamente com medo daquela voz grossa no microfone berrando com um megafone. No microfone.
  - Obrigado pela atenção. – Se recompôs. – Seguinte, houve uma falha nos resultados, eles foram alterados, aparentemente um competidor da fraternidade Beta Eta Theta ouviu sobre a competição de hoje por terceiros e conseguiu comprar um lenço com antecipação. O mesmo estava sem marca d’água então o seu grupo é, por decisão dos jurados, banido definitivamente desta competição. Parabéns garotas da Zeta, vocês estão de volta ao jogo!
  A sensação que tomou conta de mim quase me fez lacrimejar de tanta felicidade. A gente estava de volta ao jogo!!! Cacete!!!
  Eu e as meninas nos abraçamos pulando juntas e comemorando com vigor nossa vitória. Nada mais importava.
  Mas os meninos da Beta Eta Theta não aceitaram muito bem, tiraram a camiseta, rugiram para a Reitora e Dona Didi estava assustada.
  - Vocês nos odeiam porque somos negros!
  Só que... eles eram brancos. Bem brancos. Com dreads.
  E o treinador Spencer que era de fato, negro, não gostou nada daquele comentário. Pudemos ouvir o sussurro com o microfone longe da boca para um cara grandão atrás de si “tire esses branquelos da minha frente”, e o cara foi atrás deles. O treinador Spencer voltou a sorrir e acenar do palco. Tudo numa boa.
  Percebi que o cara que estava me segurando pra apartar a briga e roçando em mim como um doente mentecapto era o professor que vinha tarando por algum tempo. Senti um gosto ruim na garganta e tentei ignorar aquilo, abraçando a felicidade por estar de volta na competição.
  Obrigada, Deus, a brincadeirinha foi sem graça, aquela de tirar o osso da boca, mas valeu a pena.
  A galera da arquibancada desceu as escadas, a maioria, e estavam levantando os amigos vencedores da primeira etapa dos jogos. Eu estava sorrindo um pouco eufórica quando vi que tinha apenas um cara nas escadarias sendo carregado por um policial.
  Meu pai.
  Completamente bêbado, a tintura na sua cara já estava saindo e ele estava sem camisa agora, deixando aparecer o seu peito cabeludo que dava inveja a um lobisomem. Ele tentava resistir a prisão.
  - Isso aqui não é a América? Pensei que estávamos em um país livre, – falava embolado e birrento. Ele me avistou e sorriu abertamente. – Ei anjinho, bom jogo, bela tacada. – Tampei meu rosto com as mãos.
  Meu Deus.

***

  : Vamos nos encontrar no meu apartamento depois da primeira fase nos joguinhos certo? Sinto muito não poder ir :/
  : Blz.
  : Você vem?
  : Ss.
  : Me responde direito.
  : Tá.
  : Se eu ainda não tiver chegado ou não ouvir a campainha, pode pegar a chave debaixo do tapete na porta. Tenho um colega de quarto, ele é idiota, mas inofensivo.
  : Ok, ?
  : Ss.
  : Odeio você.

  Toquei a campainha dez vezes em menos de um segundo recebendo um loiro de cara amassada mostrando algumas tatuagens belíssimas no seu corpo belíssimo.
  - Uau. Eu voltei no tempo? – Não falei nada e entrei largando minhas coisas no chão do seu apartamento. – Claro, pode entrar.
  Ele estava se referindo a minha roupa do jogo dessa tarde de sábado. Eu estava usando uma camiseta qualquer com aquele treco verde por cima que tem abertura dos lados para os braços que todas as escolas têm. Um short que parecia de jogador de futebol e uma chuteira. Sim, uma chuteira.
  Meu cabelo estava da metade para cima amarrado no alto e sentia minhas bochechas ainda avermelhadas. Essa era a minha cara na infância toda. Mas eu tinha certeza que meu cabelo não era assim tão brilhante. E minhas sobrancelhas eram quase fechadas.
  - Acredita que depois do jogo a Dona Didi me chamou no canto pra conversar? Ela falou que o negócio da escalpe comprada não foi a única penalidade. Aparentemente nosso time tinha se saído uma verdadeira em dar um exemplo de irmandade, já que e eu jogamos praticamente juntas quando na verdade era pra nos ajudarmos para que cada uma das sete participantes pegasse um lenço. Ou seja, se aqueles garotos não tivessem sido pegos com uma penalidade maior que a nossa, estaríamos fora.
  - Escalpe? – perguntou tentando compreender qualquer coisa que eu tinha dito.
  - Ah , que se foda, não vou explicar. Não é importante. O que importa é que vencemos a primeira etapa. – Levantei minha mão com um punho em sinal de vitória.
  - Eu disse que vocês venceriam, – falou abrindo a porta da geladeira.
  - Não, você falou que estava tudo bem se a gente perdesse. – Tirei aquela camiseta verde colocando dentro da minha mochila, no canto, e recebi no ar uma garrafinha de água.
  Ele encolheu os olhos.
  - Wallace e não paravam de puxar o saco de vocês. Tive que ser um pouco mais realista. Mas agora vocês precisam aprender a jogar melhor juntas como uma irmandade, é isso?
  - Sim – suspirei. – Vai ser difícil conhecer cinco garotas e tomar confiança por elas até a segunda etapa.
  - Pra mim parece ser bem interessante. Me convide quando decidirem fazer uma festa de pijama. – Sorriu malicioso. Haha. - Quando é a segunda etapa?
  - Em uma semana, acho. Não tenho certeza. O prêmio do ano passado foi o mesmo? – perguntei sabendo que ele tinha acompanhado alguns dos jogos.
  - Sim. É parte do dinheiro que alguns alunos conseguem fazendo aquela feira que todos os pais presenciam. A diferença é que essa feira tem mais dedo da escola no meio.
  Assenti. Os joguinhos eram ótimos pra dar visibilidade para fraternidades e irmandades, então fazia sentido ter sido criada pelos próprios alunos.
  - Briguei com um cara no final, – comentei olhando pra baixo. Ele nem se surpreendia mais.
  - Será que você não consegue sossegar o rabo de vez em quando, menina? – brigou meio que brincando. Cruzou os braços na minha frente no balcão e alternei conversando e tomando minha água. – Teve alguma razão importante?
  - Sempre tem uma razão importante. Ele chamou a gente de alguma coisa que não me lembro agora, quando todo o público achou que a gente tinha perdido. Aí você sabe, eu não podia ficar quieta.
  - Você sabe o quê? Seu problema é que você é muito fofa quando fica brava, aí ninguém consegue te colocar no seu lugar ou mandar você calar a boca.
  - Que nada. Sou assustadora.
  Todo mundo me mandava calar a boca. Eu só não calava.
  Hashtag não me Kahlo.
  Ele bufou.
  - Tá bom, um metro e sessenta. A única vez que lembro de você ter apanhado em uma briga que foi além do bate-boca foi no sétimo ano…
  Travei minha mandíbula pensando na cadela defumada.
  -... Leila Mara, – falamos uníssono. Ele terminando sua frase e eu com raiva de não ter terminado de dar uns tapas naquela cara.
  - Eu te falo que sempre tem uma, todo ano tem alguém ou um cara insuportável que fica pegando no meu pé até acertamos as contas antes de pegar as notas.
  - Você sabe o que eu penso disso…
  - Ah claro que o amiguinho do tucano esclerosado ia defender.– Revirei os olhos. Ele riu. – Você vai ver, , quando eu ficar rica e famosa Rachel vai ser minha faxineira.
  - Por que não Leila?
  - Vai ser minha pedicure.
  - Você pensa antes de falar?
  - O que é isso?
  - Um negócio que pessoas que tem vergonha na cara fazem. Devia tentar. - Mostrei a língua. – Se bem que não diz na lata e ele tem esse probleminha de raiva tanto quanto você.
  Dessa vez eu ri.
  - O não briga, ele paga mico.
  - Como assim? – riu entrando no quarto trazendo alguns livros e etc.
  - Ah, qual é, as brigas dele são sempre pela e eles nem estão juntos.
  - Ele está tentando defender a amiga, oras. – Sua voz voltou pra sala.
  - Olha pra mim sem piscar e diz que só a vê como uma amiga. – Ele ficou olhando pra mim por algum tempo e nada saiu. - Exatamente.
  - Ele só não encontrou uma maneira ainda de falar que quer voltar com ela, , deixa o menino.
  - É só ir lá e dizer, caramba.
  - Tem muitas controvérsias.
  - Como o quê, por exemplo? – Quis saber, me sentando no sofá.
  - A mais importante de todas, e se ela não estiver interessada? - olhei óbvia pra ele. – É sério, mesmo que ela às vezes demonstre que goste dele, não é uma carta assinada pelo presidente confirmando que ela gosta só pra dar confiança pra ele se declarar.
  - Mas se ele nunca tentar como é que ela vai saber?
  - Ela poderia demonstrar mais. é um cara tímido, teria que não somente lidar que nunca vai ter ela como namorada como ia arruinar completamente a amizade deles.
  - Iria arruinar só se eles quisessem, dá pra passar uma borracha se a amizade vale tanto a pena assim.
  - Por isso é melhor ele nem falar nada e esperar que, sei lá, o destino faça alguma coisa, – falou ignorando meu último comentário.
  - Esperar que um milagre caia do céu? – Aquilo era ridículo.
  - Ou que ela faça alguma coisa. Só porque ele é o cara ele não precisa tomar iniciativa, se ela falasse qualquer coisa que o desse esperança, ele se sentiria confiante o bastante pra dizer alguma coisa pra ela, enquanto isso, a companhia já vale a pena. E as vezes nem é o bastante…
  - Ah, qual é, , estamos falando da mesma pessoa? – gargalhei. – Mais óbvia que a ?
  - Por que você tem que ser tão complicada? Tenta ver os demais pontos de vista, , nem todo mundo é abençoado com a confiança que você tem.
  - Você que tá levando a sério a discussão. Só me dá nos nervos que ele não faz alguma coisa quando claramente largou até um curso mega importante pra ficar com ela.
  - Você é muito fofoqueira – balançou a cabeça. –, ele largou? – perguntou interessado.
  - Bebê, você é minha amiga de fofoca, nem vem.
  E era verdade, sempre que eu estava com minhas amigas ou minha família do lado feminino, rendia alguma conversa legal e interessante. Sempre que eu estava com algum menino, a conversa guiava para o lado negro da força e falávamos da vida de todo mundo.
  Meu pai era o pior com certeza. Todo dia suas conversas começavam com um “Querida, você sabia que...”
Flashback on
  O Senhor Sanchez estava fritando frangos na cozinha do restaurante quando apareci para lhe entregar outro pedido.
  - Querida, você sabia que o filho da Marinete, nossa cliente de quarta-feira, foi pego usando drogas na esquina de um motel?
  Olhei chocada.
  - Ele é segurança de um hotel. E era maconha pai. Ele tem receita... pra dor... porque tem câncer.
  Ele bufou.
  - Inventam cada desculpa hoje em dia.
Flashback off
document.write(Alex) apareceu no início do ano lá na minha vila querendo um conselho que prestasse. Já que você diria algo como “Carreira primeiro, que se foda o resto” e Wallace diria “Peitos primeiro, que se foda o resto”.
  Ele pareceu indignado.
  - Eu nunca diria isso... Eu celebro o amor e as coisas lindas que ele traz e…
  - Eu disse pra ele ir porque poderia ser uma oportunidade única na vida.
  - ... porra. Alguém que concorda comigo! – Eu sorri e demos um high five.
  Olhei pra tudo aquilo espalhado no seu tapete branco felpudo e suspirei vendo minhas roupas. Eu estava tão cansada. Mas ok, estude... foi o que Didi disse.
  - Posso tomar um banho primeiro? Preciso acordar e ficar mais animada.
  - Claro, meu bem. Não tenho mais nada pra fazer nesse sábado à noite então... E não é sarcasmo. Eu ia passar a madrugada em claro terminando alguns projetos – ele riu da própria desgraça. – Vou fazer alguma coisa pra você comer. Tem toalha na bancada. O banheiro é na primeira porta do mini corredor à esquerda.
  Agradeci e peguei minha mochila andando pelo seu apartamento. Eu tinha uma paixão forte por toda aquela decoração branca com janelas gigantes que faziam entrar um sol danado por ser no topo do prédio. era tão simples como pessoa que me fazia esquecer que tinha nascido em um berço de ouro.
  Eu sei que parecia que eu já tinha estado ali muitas vezes, mas não. Eu era apenas acomodada. E fiquei um pouco retraída procurando as coisas de primeira mão, mas achei as toalhas e sua banheira de porcelana maravilhosa. Pensei nas vezes que eu poderia vir ali, encher de produtos caros para ficar completamente cheia de espuma e beber champanhe enquanto eu ouvia Prince só pra fingir que eu meu nome não estava sujo até por dever dinheiro por comprar calcinha.
  O apartamento era todo organizado, o que era bem estranho pra ser um de rapaz solteiro, mesmo contratando alguém que limpasse o lugar. Mas tinha mania de limpeza com tudo ao seu redor, o que apenas fazia sentido. Era difícil ver ele vestindo alguma camiseta ou calça que não estivesse passada diretamente da lavanderia mais cara do bairro.
  Olhei-me no espelho e estava um bagaço.
  Era engraçado que, pra muita gente, já no colegial eu era um puta clichê de garota com o nariz em pé, que roubava o namorado de todo mundo, confiante demais que provavelmente já tinha feito alguma cirurgia pra consertar algum defeito do rosto.
  Mas era só eu... Se Deus quis que eu fosse a protagonista de tudo que me dispusesse a fazer, problema Dele.
  Eu era comum. Olhos castanhos, pele morena, o corpo levemente atlético, minha bunda era legal, não vou mencionar meus peitos porque eles não existem... E eu gostava de mim. Tinha minhas inseguranças como qualquer outra garota, mas eu decidia as deixar de lado porque de outra forma elas só tomariam meu tempo sendo que não precisavam ser as protagonistas da minha vida.
  Um tempo atrás eu tive um papo cabeça com minha avó, despejei várias coisas sobre como todos me incomodavam por eu ter cabelo curto, me vestir como um garotinho e viver na rua jogando futebol.
  Ela me disse que aquilo só era um problema pra mim porque eu ainda não tinha conta pra pagar. Era meio verdade.
   De qualquer forma, eu só vivi minha vida sem me importar com que os outros diziam, menos os meus pais, é claro, eu cortava uma mão por eles e qualquer opinião deles importava pra mim, já que os admirava imensamente. Eles só queriam ver minha felicidade.
  Então vivi, joguei futebol, brinquei na lama, troquei tudo pelo computador e amizades virtuais, troquei tudo por um celular, troquei tudo por meus amigos e virei uma garota feminina demais que mandava as tias se foderem quando assumiam que minhas mudanças tinham algo a ver com algum menino. Aquilo só tinha algo a ver comigo mesma, eu não era a porra de uma boneca, sou um ser humano com uma língua afiada que passa por momentos e mais momentos e não ligava a mínima para o que os outros pensavam. Eu poderia ser emo, geek, nerd ou puta. Todas essas versões de mim eram importantes pra minha história por formar que pessoa eu era hoje e poderia ser amanhã.
  Isso era o tanto que uma pessoa conseguia pensar no meio de um banho. Um banho maravilhoso dentro de um chuveiro (eu não poderia gastar tanto tempo com a banheira) com um jato maravilhoso.
  Encontrei a toalha dentro do armário e me enrolei. Abri seu armário pra dar uma fuçada e me diverti com aquilo. Passei um desodorante sem cheiro pra não ficar com aquele perfume de , que mesmo que amasse nele, era muito forte pra mim. Gostava de algo mais cítrico.
  Enchi minha mão com o creme que tinha ali para pentear e banhei meus cabelos naquele hidratante de gente rica. Minhas mechas chegavam até minha cintura e mesmo querendo raspar pelo saco que era cuidar daquilo, nem e nem minha mãe deixavam. O que restava era cuidar e prender sempre que podia. Da última vez que tentei cortar, a cabeleireira conseguiu me convencer a apenas fazer um banho de sol nele. Valeu a pena porque eu estava mais gata.
  Decidi sair do banheiro e um jato de vapor veio para a casa quando abri a porta. Ainda estava de toalha e teria que pedir uma roupa pra ele. Fiz cara de diaba só em imaginar se teria alguma reação pela minha quase nudez.
  No que achei que iria surpreender, acabei levando um susto. Gritei para a cabeça amarela que estava deitada no sofá, tentando me cobrir melhor.
  - Dick? – berrei exasperada quando ele se virou para mim. – O que você tá fazendo aqui?
  - Santana! – ele gritou feliz da vida e veio em minha direção. Corri para trás do balcão onde estava em frente ao fogão fazendo alguma coisa com um cheiro delicioso.
  - Meu nome não é Santana, cacete. – Ele me chamava disso desde o dia em que ficamos na festa de uma fraternidade qualquer no início do ano. Meu Deus como eu me arrependia daquele dia. – O que diabos você tá fazendo aqui?
   ainda estava sem camisa, usando um avental preto com o típico “Beije o Cozinheiro!”. E ele estava de boas.
  - , este é Dick e Dick, esta é – fez as apresentações tampando a comida e se virando pra nós. –, mas acho que vocês já se conhecem? – apertou os olhos para nós em dúvida.
  - Tenho algumas aulas com ele, mas isso não vem ao caso, – falei rapidamente. – O que ele faz aqui?
  - Ele é meu colega de quarto. – Encolheu os ombros.
  - Por que você tem um colega de quarto?
  - Porque ele também é meu amigo e precisava de um... quarto.
  - Por que você é amigo dele?
  - Ok... pra essa pergunta eu não tenho uma resposta tão boa.
  Dick tentava acompanhar a conversa, mas só perdeu seu olhar pelo meu corpo e me escondi atrás de .
  - Tira ele daqui, – gemi em sofrimento.
  - – ele riu. – Ele mora aqui, não posso simplesmente tirá-lo. Mas ele já estava de saída, Dick sabe que temos que estudar, certo?
  - Você é muito má comigo, Santana. – Ele suspirou longamente e fiquei furiosa. Eu era má? Ele tentou pegar na minha perseguida naquela porcaria de festa. – Só por isso eu vou ficar.
  - O quê?
  - Dick…
  - Eu vou. Quem sabe você não me conhece melhor e assim podemos repetir o beijo daquele dia, hein? – sorriu pra mim, sujo. – Já posso preparar umas bebidas.
  Eu poderia sair dali e tacar minha mão na cara dele, mas ainda estava de toalha. E ele era tarado. Não, obrigada.
  - Dick – suspirou não saindo da minha frente. Eu estava o abraçando por trás vendo o cara na sua frente com meu corpo escondido e cheirava de leve o seu perfume, mas só de leve, não podia ficar grogue no momento. – O que aconteceu com o código de ir embora quando um dos dois tem visita?
  - Santana nem é visita, é da família…
  - Eu nem falo com você na sala, te orienta, garoto.
  - Ok, então, tem uma moeda? – falou e Dick suspirou alto, pegando uma moeda no bolso colocando em seguida no balcão. – Cara eu ganho, coroa você perde.
   disse e jogou a moeda para o alto. Ele obviamente ganhou.
  - Você sempre ganha nessa droga, – o descolorante barato reclamou e pegou o seu casaco. – Eu volto hoje ainda hein, vai amaciando ela pra mim.
  Filho da puta.
  - Eu odeio homens, – falei emburrada quando ele bateu a porta.
  - Eu também, se eu fosse um... – ele parou pra pensar um pouco. – Eu acabei de dizer isso?
  Acenei.
  - Tá tudo bem, você é muito legal pra ser um homem, – falei compreensiva.
  - Não... Merda, porra, amo peitos, posso morrer na guerra... Sei trocar várias lâmpadas e abrir potes, sabia? – Sorri revirando os olhos.
  - Não podemos mais ser amigos.
  - Bom, , isso é ótimo, já não ia me responsabilizar pelos meus atos com você se esfregando atrás de mim desse jeito. – Curvou o lábio sensualmente e bati em seu braço.
  - Preciso de roupas. Agora.
  - Tão puritana... tsc tsc. – Apontou o dedo para onde deveria ser o seu quarto. – Meu guarda roupa. Faça a festa.
  Levou quarenta e cinco minutos para eu encontrar algo que ficasse legal em mim. Trinta minutos foi apenas eu vendo a marca daquelas blusas e os diferentes modelos que ele tinha.
  Voltei para a cozinha pronta para comer, meu estômago estava dizendo que me odiava por tanta fome e agora eu usava uma das camisas dele do Power Rangers e uma boxer preta. Tentei colocar várias calças, ficavam boas, até mesmo na bunda, já que as calças de garotos são bem largas nessa região, mas a maldita cintura me fez desistir de todas. Deus me livre de uma calça cintura baixa. Minha bunda ficava pra fora.
   estava arrumando o balcão para nós comermos quando me viu e analisou todo meu corpo sorrindo pra si mesmo. Mas não falou nada.
  - , – suspirei.
  - Sim?
  - Sabia que seu closet é do tamanho do meu quarto? – suspirei de novo com a inveja branca. – Quando a gente casar ele vai poder ser meu, já pensou nisso?
  - Esqueceu de avisar o noivo, – ele falou sorrindo arqueando uma sobrancelha. – Vamos casar?
  Bufei brincando.
  - É claro que vamos, isso já está implícito, sabe? e , eu e você, Wallace e o cachorro dele Astolfo. Brit e um unicórnio. Se bem que aquele nariz da Rachel já parece com um chi... – ele me cortou.
  - ! – Uma palavra alta pra eu parar de cuspir veneno.
  - Enfim... Só tô dizendo. Quando isso acontecer, vou querer um closet tão grande quanto o seu de presente de casamento. Você é o cara mais estiloso que conheço, . E vindo de mim, isso é um puta elogio.
  - Eu sou o mais gostoso que você conhece. – Colocou comida nos nossos pratos. E sim, era verdade.
  - A vida era mais fácil quando você era virgem e não vivia de palavras com conotação sexual, sabia? – Colocamos a comida na boca.
  Um segundo.
  Dois.
  Três.
  Cuspimos no prato.
  - Meu bem, o que é isso? – perguntei tomando água.
  - Era pra ser frango, – disse levemente preocupado.
  - Tem certeza? Estava morto quando você fritou? A carne não estava verde?
  Ele pegou nossos pratos jogando tudo no lixo e suspirou olhando para o além. Acho que ele tentava refletir sobre o total desastre que foi aquilo.
  - Vamos pedir uma pizza! – ele falou do nada e gargalhei batendo palmas.
  Assim que desligou o telefone se jogou no sofá. Tanto trabalho para absolutamente nada. Deitei nas costas dele e senti sua pele contra o meu peito subindo e descendo devagar.
  - Eu juro que foi na melhor das intenções, eu não estava tentando te matar.
  - Claro que não, – ri.
  - Mas ei, ser bom na cama ou na cozinha, só dá pra escolher um. – Sorriu malandro e saí de cima dele bufando. Apaga o fogo desse menino, Jesus.

***

  Já passava da meia noite e ela tinha mandado uma mensagem para os pais dizendo que estaria logo em casa. O estudo não foi tão puxado porque ela tinha uma boa memória, só precisava se concentrar e estava tudo bem. O mais chato foi fazer anotações que acabei fazendo também pra tudo ir mais rápido.
  Descobri que suas faltas vinham devido ao gerente da Marc Fontaine pedir para que ela fizesse hora extra mais vezes e não tinha como ela negar ou estaria na rua. Era uma loja bem procurada e ela só tinha conseguido com que vissem seu extenso currículo porque eu mandei diretamente para o meu pai.
  Estávamos jogando vídeo game sentados no tapete da sala e meu corpo automaticamente tentava a tocar a todo momento. Seja quando eu pegava uma pizza que estava na caixa ao seu lado ou simplesmente porque... não conseguia me controlar.
  - Duvido. – Ela gargalhou. Sorri de volta colocando um pedaço de pizza na boca.
  - É sério. Depois Brit saiu por aí espalhando que foi expulsa da autoescola antes de poder fazer o exame psicodélico.
  - Isso é tão Brittany. Eu amo aquela garota. – Respirou longamente se deitando no tapete. – E eu disse que você era minha amiga de fofoca, .
  Fui promovido de amigo à amiga. Que bom. Pelo menos ela beijava as amigas dela.
  - Ora, ora o que temos aqui... – Ela estava olhando em direção a estante brilhante que tinha algumas elevações mais baixas. Em cima de uma encontrou uma foto de baile de formatura. O Homecoming da turma dela.
  - Eu amava esse vestido. – Fez cara de choro.
  - O que aconteceu com ele?
  - Meu pai roubou para fins artísticos. Não pergunte.
  - Não vou.
  Vi a foto e ri dos nossos penteados. Era dois mil e... quinze? Não fazia muito tempo, estávamos o nosso grupo de seis na foto, todos os garotos tinham o mesmo penteado com as laterais raspadas no zero e a parte de cima com um topete gigante. Lembrei-me da trabalheira que dava pra fazer aquele treco e me perguntei porque ninguém disse que fazia a gente parecer o pássaro louco daquele episódio do Pica-Pau.
  As meninas estavam lindas e cada uma tinha um vestido florido diferente.
  - Essas tiaras são um terror para a moda. – Observei que as três usavam iguais e era de plástico, numa cor lisa com um laço.
   e ainda namoravam nessa época e foram juntos. Eu acabei convidando . Ambos estávamos solteiros e ela ficou se achando para as outras meninas porque tinha levado alguém mais velho para o baile. Nunca tinha rido tanto em uma noite. As meninas ficaram bêbadas pra valer pela primeira vez na vida delas e não tínhamos hora pra voltar, fomos diretos pra praia atrás da vila de . Eu amava aquele lugar.
  - Esse dia foi épico, – falei me espreguiçando.
  - Foi mesmo. – Sorriu tão puramente que me contive pra não fazer nada idiota. – Tá vendo isso aqui?
  Apontou para a foto e vi. Em seu pulso. O corsage. Virei meu olhar para baixo e ela guardou a foto.
  - Sempre achei incrível você ter me dado algo dela pra usar naquela noite, sabia? – Ficou em seus joelhos olhando ternamente para mim.
  Dei de ombros.
  - Ela era incrível mesmo.
  Minha mãe. Câncer. Eu tinha doze anos. Época difícil.
  - Eu sei o quanto você odeia entrar nesse assunto e sinto muito fazer essa pergunta, mas... E o seu pai?
  Eu tinha falado pra ela que eles iam se casar quando levei café da manhã há algumas semanas em seu trabalho. O que ela não sabia é que a Reitora Campbell era sua noiva. Era seu quarto casamento desde que minha mãe se foi e desde o primeiro eu não lidava bem com aquilo.
  Quando iniciei na faculdade pra fazer Engenharia da Computação, nossa comunicação foi totalmente para o brejo e minha única razão de voltar para aquela casa, às vezes, era pra saber como minha irmã pequena estava.
   ainda estava esperando uma resposta.
  - Ele tá bem, eu acho.
  - E a esposa dele? Já conheceu ou falou com ela, tipo, de verdade? – Ela sabia que eu preferia evitar essas coisas, esperando que acabasse logo. Era uma esperança ridícula e infantil que eu tentava evitar, por isso nem os visitava mais.
  - Já conheci, mas não conversei de verdade desde que marcaram casamento. – Era verdade, conheci quando ela me enchia o saco na sua sala na faculdade.
  - Faz quanto tempo que você não vai visitá-lo?
  - Sinceramente? A última vez que fui lá, foi para entregar seu currículo.
  - ! – ela gritou. Eu gostava disso. Eu gostava quando ela se preocupava comigo.
  - ! – a imitei. - Ele parou de se preocupar com meus estudos entre outras coisas quando viu que eu estava bem o suficiente sozinho no primeiro ano. E tá tudo bem, sério, eu sei que sua família zela por estar sempre unida e tal, e eu amo isso, mas na minha não dá.
  Ela olhou pra mim com aquele olhar de “eu não vou esquecer esse assunto tão cedo, mas vou te deixar passar agora só porque você me ajudou a noite toda e comprou pizza pra mim”.
  - Tá. E esse negócio de tutor hein? Como conseguiu isso? Quanto eu tenho que te pagar depois de sair daqui?
  Meu humor mudou para melhor, e fui direto para o túnel do tempo.
  - No primeiro ano eu estava um caco nas matérias, primeiro ano morando sozinho... Descobri as festas das fraternidades e toda aquela bebida sem ter medo do meu pai me dar um peteleco e um sermão no dia seguinte.
  - Pera aí, não acredito que você já fez parte um dia daquela tabela do clichê sendo não somente um cara rico, mas também um bad boy? – disse provocativa.
  - Não me orgulho disso, – estava sendo sincero. Mesmo que ela parecesse gostar daqui. - Um dia tivemos prova, eu acabei respondendo questões depois que o sinal já tinha batido e quis entregar a folha mesmo assim. O professor não queria deixar e perguntei se ele tinha alguma ideia de qual era o meu nome e de quem eu era... De uma forma bem egocêntrica.
  - E o que ele disse?
  - Que não me conhecia e que meu status ou grana não fazia qualquer diferença para ele.
  - E? – ansiosa.
  - E eu disse graças a Deus, e misturei as provas em sua carteira. Se ele não sabia quem eu era não poderia descontar meu ponto, né?
  Ela gargalhou.
  - Por um momento pensei mesmo que você teria um momento babaca na vida.
  - Isso durou até a próxima aula. Ele ainda lembrava o meu rosto e me mandou direto para a Reitora Campbell – senti o amargo na garganta. – Ela achava que eu não tinha mais jeito e me levou para a Didi, dizem que ela é mais casca dura que a Professora.
  - O quê? Eu nunca nem passei pela senhora Campbell, fui direto para a Didi.
  - Vou fingir surpresa se isso te deixar melhor. – Ela mostrou a língua pra mim e eu queria chupá-la. Sempre assim. – Enfim, você sabe como é Didi, pode ser durona no início, mas depois fizemos uma espécie estranha de amizade onde eu só a admirava e ela acreditou em mim... Fazia questão de sempre mostrar minhas aquisições pra que eu tivesse força de conquistar mais delas. Ela que me ajudou a falar com o meu pai sobre seguir meu curso e abandonar de vez qualquer ligação com a Marc Fontaine.
  - Eu queria ter coragem de dizer para os meus pais que medicina não é minha praia... – perdeu seu entusiasmo.
  - Medicina? Sério? Você? – Alterei-me. - Quando você quebrou a perna naquela pirâmide das líderes de torcida mal teve coragem de entrar no hospital pra não ter que ver as fotos explícitas dentro de um consultório.
  - Eu sei, mas eles mencionaram tanto sobre isso ao decorrer da minha vida que, sei lá, só achei que era certo. Mama knows best, não é? – sorriu amarelo.
  - Não , você sabe o melhor para sua vida. E você é perfeita pra área de artes, seus desenhos são incríveis, principalmente os voltados para moda. Eu já vi suas criações e as roupas que você faz depois. Marc Fontaine estaria com inveja.
  - Obrigada, – disse sincera, envergonhada. – Mas você sabe como são os pais…
  - Seus pais entenderiam. Você só está deixando o espírito de Madre Tereza aparecer pra não precisar falar com eles, e uma vez na vida deixar eles decepcionados de verdade, mas isso faz parte. Não existe filho perfeito. E eles sabem disso. Na verdade, acho que é isso que fazem os filhos perfeitos.
  Aquilo era um assunto muito delicado pra ela, então ela fez questão de mudar totalmente o rumo dele, voltando um pouco.
  - E no fim Didi fez você virar um tutor quando descobriu que você era bom demais pra estar na turma só pra ser um CDF?
  Segui sua rota.
  - Basicamente isso. Desde então marco aulas com alunos juniores pra ajudar no que posso. Tenho uma conta no site dos professores que me dá acesso a coisas que você nem teria ideia... – Balancei a cabeça como se tivesse a resposta para tudo. Eu tinha. Era 42.
  - O quê? – perguntou animada.
  - Desculpe. Restrito demais. Exige muita confiança.
  - Eu sou muito confiante. – Emburrou.
  - Pra mim sim. Para o sistema, não.
  Ela se levantou dizendo que iria buscar alguma coisa pra beber e deitei minhas costas tensas no sofá macio.
  - Eu tô tão cansado com os negócios do meu trabalho ultimamente que tô vivendo sedento pelo feriado de sexta-feira.
  - Ah meu bem, nem me fale. – Ela voltou com duas garrafas e me deu uma, voltando para o chão. Eu gostava do quanto ela se sentia bem dentro da minha casa, era seu primeiro dia ali e já estava à vontade. Tomou um banho que me daria boas memórias dela de toalha e pegava qualquer coisa em qualquer lugar quando queria.
  Já estávamos ali a muito tempo e nossos assuntos iam e voltavam, sobre sua família, minha família, nosso passado na escola, memórias que nunca voltariam, gargalhávamos a noite toda e evitávamos chegar no meio de qualquer lembrança muito escura.
   - Eu queria demais ir nesse festival, mas você sabe, gente pobre coloca música pra ouvir no chuveiro, canta fazendo o xampu de microfone e diz que tá no palco! – Ela riu.
  Eu estava sentado no tapete agora e ela deitada, seu pé nas minhas mãos enquanto eu fazia uma massagem. Nesse momento eu já estava começando a sentir algo lá embaixo, e tentava me conter. O que era difícil com cada gemido que ela dava quando eu encostava um nervo sensível. E eu não conseguia parar de tocar nesses lugares só pra ter sua reação gostosa.
  - Que horas são? – perguntei e ela checou em seu celular.
  - Meu Deus, uma da manhã, minha mãe me mata – suspirou. – Mas isso aqui está tão bom.
  Eu ri.
  - É só dizer pra ela que você tá aqui comigo que ela te perdoa.
  - Eu riria se não fosse verdade. As mulheres da minha família tem um fraco por você, – comentou descontraída.
  - As? – Levantei uma sobrancelha. Esperança?
  - Sim. Minha avó – claro que não. – Ela ia me pagar 10 dólares no ano novo se eu chamasse você pra sair.
  - Você claramente não ganhou esses dez dólares. Uma pena, eu seria um bom investimento, – suspirei dramático e apertei seu pé recebendo um gemido longo em troca. Eu ri pra disfarçar minha excitação.
  - Claro que você seria, meu bem, eu é que não seria um bom investimento pra você, – riu pra si mesma.
  - O quê? – sorri, achando o comentário esquisito.
  - Essa conversa é meio estranha. – Sentou um pouco desconfortável. Seus olhos não estavam mais sorrindo. - Mas qual é , sua última ex-namorada era modelo de biquíni.
  - E? – Esperei uma boa resposta.
  - E nada…
  Larguei o seu pé e ela se sentou ereta. Agora eu queria falar sério.
  - O que te faz pensar que de alguma forma eu acharia que minha ex-namorada, modelo de biquíni, seria melhor que você?
  - Primeiro que você a amava romanticamente, – debochou um pouco, como se fosse óbvio. – Claro que esse não é ponto…
  - , qual é, você acha mesmo que eu não me interessaria por uma garota como você? – Ela estava tão errada.
  - Eu não sei, – ficou sem palavras. – isso não é sério, só uma aposta boba da minha avó.
  - , se você sentisse algo por mim, me diria, não é?
  Ela ficou muda. E eu senti minha respiração parar até que ela voltou a falar.
  - , não é isso, eu só…
  - Eu só tô tentando fazer você entender que, eu te digo diariamente que você é um porre, você é chata e não tem ligação da boca com o cérebro porque fala o que vem à cabeça. E tudo isso faz você uma pessoa única e diferente. Nunca deixe alguém te dizer que é melhor que você, porque não é, .
  - Eu não acho que eu seja pior que todos , só estávamos fazendo uma comparação com sua ex, e qual é, eu mal tenho peito – ela riu e era verdadeiro, balancei a cabeça pra sua palhaçada. – Só acho que em um padrão Greene, eu não estou na lista.
  - Ah, você acha?
  - Eu tenho certeza – ela riu. - , eu não sou seu tipo.
  Gargalhei. Meu coração estava acelerado por estarmos tão próximos e eu não sabia se estava rindo da desgraça da situação ou porque ela não fazia ideia do que estava falando.
  - Eu acho que você é o tipo de todo mundo. Sério. Olha pra mim. – Coloquei suas pernas em cima das minhas e puxei ela pra perto. Segurei seu rosto e olhei para os seus olhos. Estávamos sérios. Seus olhos estavam brilhando. Suas mãos estavam em seu colo. – Você é mais do que sua aparência. Não me entenda mal, seu cabelo vive cheiroso, sua pele vive macia, seus traços são delicados e pra mim você é tipo, exemplo da perfeição... – ela riu levemente e olhou pra baixo, mordendo os lábios. Eu estava agindo como um bobo apaixonado e acho que depois daquela noite, estávamos fodidos pra sempre. Minhas duas mãos estavam prestando atenção nela. Eu fazia carinho na sua nuca e em seu cabelo, a cada palavra eu encontrava alguma parte de sua pele para tocar. A mandíbula, o pescoço, a nuca, os lábios... – e o seu corpo? ... – suspirei olhando para baixo. Por um momento desci minha mão, seu olhar me seguiu, apenas com o polegar, fiz uma linha, do meio do queixo, aterrissando por cada centímetro dela, chegando ao seu decote – é lindo. – eu olhei pra ela. Olhei para os seios. Eu sabia que tinha desejo em meu olhar e queria que ela soubesse disso. Que eu a desejava. Mais que uma amiga. Minha mão desceu para sua barriga e ela contraiu, olhando para mim com receio, mas querendo mais. Minha mão esquerda continuava em seu queixo, fazendo carinho, fazendo com que ela olhasse para onde eu quisesse que ela olhasse. E então alcancei suas pernas. Lisas, bronzeadas, deliciosas. Meus dedos passaram pelo lado de dentro da sua coxa e meu toque era mais leve que uma pena. Por um segundo pensei que iria enlouquecer, naquele segundo em que ela fechou os olhos, que ela sentiu o mesmo que eu. Travamos o olhar e a puxei para cima de mim. Ela coçou suas unhas contra a parte de trás da minha cabeça com os olhos ainda meio fechados, sentindo meu toque. Ela agora estava no meu colo. Seu ponto mais sensível e desejado por mim, estava contra o meu mais duro, que mais ansiava por ela. Senti ela suspirar contra os meus lábios e apertei a carne da sua bunda, ela fez um movimento, um rebolado, que me fez engolir seco e desejar que ela estivesse rebolando por completo em cima de mim. Sem roupas. Nossa boca estava tão próxima. Tão próxima. – E sabe o que é o melhor, meu bem? Tudo por fora de você é incrível, todos param pra te ver quando você entra em algum lugar, com seu estilo tropical irradiando beleza. Toda mulher. Mas é melhor estar com você. Estar ao redor de você. Conviver contigo faz o meu dia mais feliz. Quem vê você brigando por aí ou somente briga com você, não tem ideia do quanto sua personalidade é incrível, o quanto seu jeito me encanta. Eles se culpariam todos os dias se soubessem o que estão perdendo.
  Era isso. Tão perto. Seus olhos estavam... cheios de sentimento. Eu conseguia ouvir seu coração batendo, no mesmo ritmo que o meu. Poderia saltar do peito e eu não me importaria. Não me importaria porque ela estava ali, no meu colo, me abraçando, olhando para a minha boca com paixão. Paixão. Finalmente.
  Aquele beijo que eu almejava e sentia tanta saudade... raiva por ela ter me privado da sua boca. Aquele beijo que nunca veio.

Hey Fonsi
Qué pasa Demi?
  O que diabos?
  Ela deu um riso estranho e saiu do meu colo. Tremendo.
  Não, não e não, volta, eu quero te beijar, eu quero aquele calor de novo, que droga.
Tengo en esta historia algo que confesar
Ya entendí muy bien qué fue lo que pasó
  No momento em que fui brigar com ela pra voltar a prestar atenção em mim, alguém começou a bater na porta enlouquecidamente. Bufei abaixando a camisa caminhando furiosamente até lá. Que droga.
  Quando abri a porta vi o panaca do Dick, completamente bêbado com alguns pintos desenhados na cara com caneta. Nem era pinto o genital, mas sim o animal.
  - Oi bonitão! – Ele sorriu me abraçando e o empurrei até o sofá capengando. – Oi bonitão! – falou pra que estava falando no telefone. Ela levantou o dedo do meio e foi para a cozinha.
  - Nada pai, só uma ratazana morrendo. – Ouvi sua voz diminuir.
  - Pardi a chaver – falou antes de dormir. Perdeu a chave?
  Fui rápido para a cozinha e vi que ela já tinha pegado suas coisas e estava amarrando o tênis apressada.
  - Não quer que eu te leve? – tentei amenizar. Interromperam nosso beijo, mas ela não ia ignorar aquilo, né?
  - Não precisa, meu pai está vindo me pegar. – Ah não. Ela nunca negava uma carona.
  - Quer que eu vá com você até lá embaixo? – diga que sim. Você não gosta de homens, , principalmente no meio da rua de madrugada, e algum pode aparecer, eu posso te acompanhar.
  - Tô bem, obrigada. Até mais. – Ela não somente negou meu convite como pensou se me daria um abraço ou não. Ela ficou vermelha. Ela estava com vergonha. Ela foi embora.
  Que merda eu tinha feito?
  Estávamos muito fodidos. Bufei mexendo no cabelo pensando no que poderia fazer para contornar toda aquela situação. A merda é que eu nunca poderia pensar com a cabeça de cima quando ela tinha acordado a de baixo e ficado linda pra caralho toda vermelhinha.
  Mas nós nunca tínhamos nos despedido sem ela xingar ou me abraçar ou me dar um tapa. Eu tinha quebrado ? Que tipo de era aquela?
  Meu Deus.

***

  - Ei despeitada. Papai tá chamando para o café.
  Já era a manhã de domingo e eu tinha ficado a noite inteira acordada pensando no que porra aconteceu naquela madrugada.
  Eu não amava meu melhor amigo. Eu não tinha sentimentos fortes pelo meu melhor amigo. Ele só tinha sido fofo e a mini não estava acordada pegando fogo porque roçou nele aquela noite. Aquilo tudo era imaginação da minha cabeça. Eu não o amava. Nem perto. Eu não repensei em tudo que ele já fez por mim na madrugada, eu nunca faria aquilo só pra aumentar a minha paranoia. Não.
  Meu celular apitou pela milésima vez aquela manhã e decidi ler.
  : GENTEEEEEEEEEEEEE.
  Wallace: Parabéns meninas pela vitória!!!!!! Insira aqui mais exclamação!!!
  : Aeeeeeee. Gatinhas campeãs!
  Brittany: Parabéns! Felicidades e muitos anos de vida!
  Brittany: Ah. Desculpa eu não li direito. Parabéns meninas. Pra nós meninas!
  : Não fizeram mais do que a obrigação.
  : Ninguém perguntou , ninguém liga, morre.
  : Obrigada anjos, amo vocês!
  : OK.
  : GENTE ME ESCUTA ATENÇÃO.
  : morreu?
  : Ela estava com o ontem à noite.
  Wallace: O QUE VOCÊ FEZ COM MINHA PRIMA SEU LANNISTER NOJENTO?
  : Meu bebê tá morto…
  Brittany: Por que ? Por quê? Signos propensos a serem assassinos são Peixes. Eu esperava isso de , mas de você??? Libriano? NÃOOOOO.
  : ò.ó
  : O que eu fiz foi comprar seis ingressos pro festival de música no feriado…
  : eu te amo tanto.
  : Não acredito que inventou a amizade.
  Wallace: Dá pra enterrar o corpo. Tá tudo bem. Te perdoamos. Você não é Lannister. É Targaryen.
  Filhos da puta... Me trocaram por alguns ingressos.
  : Filhos da puta…
  : Bom dia amore, deleta o histórico, nada acontece.
  Brittany: Feijoada.
  : Ei meu bem, seu desejo é uma ordem! Só espero que quando formos, não sejamos interrompidos... (:
  A, B, L, W: HMMMMMMMMMMMMMMMMMMMM.
  : Morram. Deletem meu número. Tô menstruada. Amo vocês. Só um pouco. Que se foda.
  : Adeus. Kkkkkkkkkkkkkkkk.
   saiu do grupo.

  Comprar ingresso um dia depois que a gente pede ingresso não é sinal de amor. Isso é gente rica querendo comprar gente pobre.
  Eu tô completamente nem aí para S. Greene e suas roupas estilosas, seu cheiro maravilhoso, seu vício em tecnologia, em filmes antigos, aquele corpo sarado, tão inteligente... E quando ele sorri…
  Saí da cama rapidamente ficando um pouco tonta em seguida e abri todas as minhas gavetas. Finalmente encontrei uma vela e acendi na frente da imagem da Santa.
  Uma foto de Demi Lovato. Ela tinha me ajudado ontem à noite e iria me ajudar agora.
  Então meus pensamentos se tornaram um mantra.
  Eu não estava apaixonada pelo meu melhor amigo.
  Não estava.
  Nem um pouco.
  Nem pelo seu cabelo bagunçado e loiro maravilhoso e a forma como se comportava como se não ligasse para as coisas e…
  Me ajuda Demi.

Capítulo 05


7h00am

  Finalmente um refresco! Depois de todo o estudo, a tentativa de arrumar as Zeta e ainda focar nas nossas vidas pessoais, havia chegado o momento que nós – principalmente e eu – aguardamos: o festival.
  Esperamos que nem duas doidas o dia para que finalmente pudéssemos nos divertir sem hora para voltar. Seriam mais de vinte e quatro horas em um deserto de Los Angeles, ouvindo as melhores músicas eletrônicas e dançando até o sol se pôr.
  Um dia sem precisar pensar nas meninas da Zeta, sem professores tarados e sem notas. Sem pais extremistas ou bobos demais, sem se importar com mais nada. Só nós seis.
  Quer dizer, sete. Quase isso.
  Corríamos pela estação de metrô que nos levaria até o festival. Poderíamos ir de carro, mas a possibilidade de sofrermos um acidente já que éramos irresponsáveis demais para dirigir de noite de um lugar deserto até onde morávamos... Preferimos ir de metrô.
  Nós, eu, , Brittany, Wallace, , e... isso mesmo, Dick.
  Não o convidamos, ele apenas se meteu no grupo e se achou importante demais para entrar. E como éramos educadas, resolvemos deixá-lo vir conosco, mas claro que não o aguentaríamos lá.
  Além do mais, ele nem havia comprado o ingresso, tentaria extorquir para entrar. Então a nossa latina favorita teve uma ideia que seria muito mais eficaz.
  Quando o rapaz tentou entrar no metrô, o barrou. Empurrando para a pista novamente. “Sem dinheiro, sem festival” ela disse, impedindo que ele entrasse. Então a porta fechou com só seis de nós dentro. Um segundo antes de a porta fechar e ele estava do lado de fora. E um Dick nos ofendendo de tudo quanto era nome batendo na janela.
  Óbvio que cedo ou tarde precisaríamos dele para algo, mas até agora não nos arrependemos. Era só um festival, teria muitos outros para ele ir – se pagasse, claro.
  - Tudo bem mãe, vai ficar tudo bem. É só uma noite, – conversava com minha mãe, arrumando uma justificativa qualquer para que meu pai não suspeitasse para onde eu estava indo. – Voltarei do Acampamento com mais fé ainda, quem sabe mude de curso também.
  Ouvi meu pai celebrar do outro lado da linha e depois sair. Minha mãe desligou o viva voz e deu uma risadinha do outro lado.
  - Se você encontrar algum famoso, pega um autógrafo para mim, ok? Principalmente aquele DJ Eluk. Adoro ele. – Sim senhoras e senhores, minha mãe amava música eletrônica. Ela adorava festejar, mesmo que meu pai odiasse tudo isso.
  Ela desligou e eu guardei meu celular, me arrumando no metrô, que não estava cheio. Por sorte. Mas haviam muitos grupinhos também que o pegaram para ir até o festival, então de qualquer forma, todos iríamos ao mesmo lugar.
  Brittany, como a florzinha que era, estava andando pelos bancos conversando com desconhecidos e tentando saber seus signos, lendo seus mapas mentalmente, já que ela sabia muito disso. Eu mesma ficava chocada quando ela lia o meu.
   simpatizava com todos os capricornianos.
   e Wallace estavam de boa, o moreno dando uma olhada para as outras garotas no metrô, e o olhar do loiro perdido em seu celular. Ele parecia sério e sedutor assim, como se estivesse fazendo algo importante, mas eu apostaria 10 dólares que estava apenas jogando Candy Crush.
   estava preocupado e demonstrava isso coçando sua nuca ou olhando para os lados um pouco apreensivo. A forma que roía as unhas ou comia alguma barrinha de cereal que trouxe no bolso já entregavam que ele ainda não estava tão confortável.
  Ele havia mentido para os pais – algo que NUNCA fazia – para sairmos juntos hoje. Sua desculpa foi uma meia verdade, para os pais ele estava na casa de Wallace estudando, já que suas notas deram uma despencada desde que começou a tentar desbancar o babaca do time e recuperar seu posto de capitão.
  De certa forma era para os dois estarem estudando, mas Wallace achou que seria melhor festejar um dia todo. “Quem precisa estudar? São contatos que nos levam pra frente” foi sua justificava, se não me engano.
  Já eu não conseguia conter minha animação. Nunca havia ido à um festival antes, seria algo totalmente diferente e, mais do que todos, eu queria que fosse memorável. Uma daquelas memórias que só esses meus cinco amigos conseguem me proporcionar. Dessa vez não seria diferente.
  Ajeitei meu slip dress rosa bebê, tentando manter meus gêmeos bem-comportados dentro dele. Era um vestido curto e usava com uma jaqueta jeans amarrada em minha cintura. Usava um tênis da Converse graciosamente retirados da coleção da minha diva Miley Cyrus. O rosinha brilhante, com uma plataforma e que provavelmente foderia meus pés, mas com estilo. Alguns acessórios – pulseiras e anéis – dourados completavam o look. Meus cabelos loiros estavam soltos e naturais. Minha maquiagem era só glitter com algumas estrelinhas ao redor dos meus olhos.
   trajava outra das suas blusas crochês, rosa pastel, com os ombros a mostra e babados na altura do decote. Um short extremamente curto e florido com alguns toques do mesmo rosa. O cabelo quase até a bunda naturalmente ondulado, brinco de pérola que usava sempre e maquiagem simples, delineador de gatinho com glitter forte na região do iluminador e clavícula, dando um estilo animado para o festival.
  Brittany era de longe a mais animada com o traje colorido e várias mechas coloridas que conseguiu fazer com algum tipo de papel que derretia na água quente... Criativa.
  Os meninos... bom, os meninos estavam bem... normais. usava apenas uma camiseta lisa branca, uma bermuda jeans que chegava aos seus joelhos e um tênis normal com umas meias coloridinhas, muito a cara dele. Também usava um boné com a aba virada para trás, com uns fios rebeldes saindo pela abertura.
   era um playboy estiloso, calça jeans e blusa de manga curta pretas, simples, mas eu tinha certeza que aquela simplicidade custou mais que um salário mínimo. Principalmente o seu tênis impecavelmente branco. O cabelo meio bagunçado para cima que apenas parecia que ele acordou desse jeito e veio. Chamava a atenção de algumas meninas novas no metrô, ele era um pouco menor que , mas meu irmãozinho era um cara grande, então era natural. Sem falar do seu olhar de "foda-se" pra tudo e ao mesmo tempo educado. Meninas tendiam a gostar desse tipo de cara confiante demais.
  Já Wallace... bom... Ele usava uma regata de time de basquete, shorts jeans e tênis, correntes de ouro – mas lê-se nem a pau – e outros acessórios que seguiam esse estilo. Uns óculos escuros enormes e seus cabelos graças a Deus não estavam mais com o penteado rastafári horrível que não combinava com ele, mas sim seus normais e simples cabelos afro.
  Quase um rapper.
  E ele realmente se sentia o Kanye West.
  O objetivo do dia era simples, apenas nos divertir o máximo que poderíamos e não cansar. Quem sabe tietar alguns dos DJs famosos e conseguir um contatinho para sermos convidadas para festas de gente importante. Claro que esse objetivo era apenas meu e de , mas enquanto o resto do grupo só pensava em se divertir, estávamos garantindo nossos futuros.
  Eu estava encostada em uma das barras de ferro do vagão, me sentia entediada e sabia que até o deserto demoraria um pouco para chegarmos. Me girei na barra, tentando perder o tédio e se juntou a mim quando a chamei.
  - Vamos nos aquecer, – brinquei.
  Brittany se aproximou e enquanto segurávamos na barra de ferro, fingíamos que aquilo era um pole, de um pole dance improvisado. Cantarolávamos baixinho a letra de Gimme More da Miss American Dream, enquanto girávamos pela barra, fazendo nossas melhores caras de strippers.
   andou alguns passos até o fundo do metrô e se sentou pela vergonha alheia. Fingindo que não nos conhecia, tsc tsc.
  Continuei repetindo alguns movimentos e logo nós duas estávamos performando Gimme More naquela barra. Os meninos – não só os nossos amigos – tinham os olhos em nós, observando nossa falta de vergonha ao fazer aquilo em um metrô.
  Ignorávamos, já que provavelmente faríamos pior no festival. O que era dar uma dançadinha em um metrô? Puff.
  Batíamos os cabelos, girando pela barra e cantarolando a letra que sabíamos de cor, imaginando a música no fundo das nossas mentes, junto com as luzes piscando, uma boate incrível, uma plateia animada e um pole de verdade.
  Gargalhávamos enquanto isso, sentindo a tensão se esvair de nós, ficando espaço apenas para a diversão que nós duas nos proporcionávamos juntas.
  E com o tempo, paramos de dançar, recebendo uns aplausos tímidos de algumas pessoas que assistiram nossa performance, outras preferiram ignorar o que viram. Tipo o pessoal que estava pronto para ir trabalhar e olhando irritados pras loucas do metrô. Essas pessoas estão na minha lista.
  E na de Brittany, principalmente quando ela virar presidente de Vegas.
  Voltamos para os rapazes, que estavam sentados e conversando algo sobre heróis de HQs. Segundo eles, se Thor, Hulk, Capitão América e Iron Man lutarem um contra o outro, qual deles sairia vivo? Bom, não o Capitão América, começaremos por ele.
  Em uma escala de Capitão América à 100, quem era o mais forte?
  Brincadeirinha.
  - Viúva Negra, claro. – se intrometeu, se sentando ao lado dos meninos. Eu me sentei ao lado de , mantendo um pouquinho de distância. Senti um de seus braços passar por de trás de mim e sua mão pousar em um de meus ombros. Virei para ele e o mesmo respondeu com um sorrisinho, voltando sua atenção para a conversa.
  - Ela nem foi convidada... – Wallace rolou os olhos.
  - E? Ela entra e mete o pau, então vai embora e pronto. Ou pode pegar o mjölnir porque, ao contrário de vocês, ela é digna. – deu os ombros, firmemente defendendo sua heroína favorita.
  Mas o primo não aceitou muito bem a resposta.
  - Qual é. Ela nem tem um filme solo. – Cruzou os braços com um sorrisinho vitorioso. – Nessa luta só entra os com filme solo, ok?
  - As histórias dela nas HQs são mais interessantes que qualquer outro herói. Principalmente as cenas de interrogatório – sorriu se alargando no banco.
  - Ela carrega os Avirgens nas costas, – disse brincalhão, dando uma piscadela para . Nesse assunto eles eram bffs.
  - E na verdade... já estão desenvolvendo o filme dela. – Dei os ombros e a expressão do rapaz mudou.
  - Sério?
  - Uhum.
  - Nossa, vai ser irado! – Então teve outra reação completamente contraditória com a primeira que teve. Mas por ser o Wallace, perdoávamos. Ele só tinha dez anos.
  - Agora vai ser irado, né? – A morena ainda fuzilava o primo com os olhos, pronta para atacá-lo a qualquer momento.
  Brittany voltou a ler a mão de estranhos, os meninos – e – agora debatiam profundamente sobre alguma coisa envolvendo séries ou filmes, ou HQs ou Marvel, porque era só isso que sabiam fazer. E me dar spoilers, isso eles sabiam fazer muito bem.
  Fiquei eufórica no momento em que a voz surgiu dos autofalantes informando a próxima parada. Nós seis uivamos animados com expectativa lá no céu.
  - Valeu Jarvis, – disse feliz pra voz da tecnologia inimaginável Intel.
  Eu estava ansiosa, porque mesmo acostumada com festas, nunca tinha ido longe demais de casa. Principalmente para um festival que envolveria muito mais coisas do que apenas uma festinha de adolescentes. E isso para mim era muito novo.
  Surpreendia-me como o mundo era grande e divertido quando meu pai não tentava me trancar dentro de uma caixinha segura. Tinham muitas coisas para eu descobrir, conhecer e experimentar. E não pararia, não agora.
  Entediada, me divertia bagunçando os cabelos de . Brincando com os fios espetados para cima, na tentativa de um topete relapso, sem muito esforço de deixar penteado. Ele ria baixo, ainda tocando delicadamente meu ombro enquanto permanecia focado na conversa.
  - Acho que tá na hora de cortar o cabelo, – alertei, enquanto permanecia brincando com os cabelos de .
  - Nah. Vou deixar crescer.
  - Você me odeia tanto assim?
  Gargalhou.
  Ele pegou o boné que havia deixado ao seu lado e colocou na cabeça, cobrindo os cabelos escuros. Deu dois tapinhas leves em meu ombro e tirou o braço de trás de mim, se ajeitando no assento.
  Aproveitei o momento para alfinetá-lo um pouco.
  - E aí, mais tranquilo agora? Mentir pros pais... isso nunca é fácil – debochei. – Começamos assim, mentindo para os pais para ir em festivais e quando nos damos conta... já estamos em uma gangue.
  E riu.
  - Você acha que eu ficaria bem em uma gangue? – Assenti.
  - Com a sua altura você pode até conseguir um apelido. Tipo... O Arranha-Céu, A Girafa Sombria.
  - E as tatuagens... não esqueça das tatuagens.
  - As correntes de ouro e os dentes também. Muito couro e você vai precisar raspar os cabelos, – completei.
  - Eu já tenho o gene. Posso conseguir uma grana batendo em pessoas pra defender a honra da minha gangue.
  Dessa vez eu ri.
  - Ok The Rock, vamos com calma.
  Rimos juntos e voltou sua atenção para , que agora queria argumentar sobre um videogame.
  Essa era a vantagem de ter como melhor amigo, havia uma vibe inexplicável que nos permitia falar besteiras sem sentido e nem menos nos importarmos com isso. Eram coisas idiotas que só nós entendíamos, nossas próprias piadas internas. Por isso que com ele nunca faltava assunto ou boas gargalhadas.
  E eu gostava disso.
  Mexi no meu celular, lendo as minhas mensagens e respondendo os pendentes, só para ter certeza que as meninas da Zeta estavam vivas sem mim e . Então meu celular vibrou com uma nova.
  Tio Sanchez: BOM DIA SOBRINHA, TENHA UM ÓTIMO DIA (:
  : Bom dia, tio <3
  Tio Sanchez: VC VIU A MINHA FILHA?? Ñ A VEJO DESDE... ONTEM À NOITE... ESTOU MUITO PREOCUPADO!!!
  Sim, parecia estranho uma pessoa apenas digitar em CapsLock, mas tio Sanchez respondia essa dúvida apenas com “não estou gritando, eu sou míope”, mas não era.
  : Sim tio, ela tá comigo.
  Tio Sanchez: NO ACAMPAMENTO???
  : Não, no festival.
  Tio Sanchez: QUE FESTIVAL?!?!?!?!

  - , porque seu pai acha que você tá no Acampamento comigo? – Cerrei os olhos.
  - Porque eu disse que estaria.
  - E por que você disse isso?
  - Porque ele iria querer vir junto. – Suspirou alto. – É um festival, tem tudo que ele mais ama: música eletrônica, bebidas e gente doida fazendo doidice. E a Lorde, ele ama a Lorde.
  - De jeito nenhum que o Senhor Sanchez iria querer vir junto. – gargalhou. Ele não estava muito acostumado com as peripécias do mais velho.
  - Demi Lovato, Future Now Tour, 2016... – relembrei.
  - Era pro nos levar, mas ele tinha prova e não deu. Meu pai foi conosco, não quis voltar, ficou no show. Não sabia música nenhuma, mas chorou em Skyscraper…
  - E depois do show tentou de tudo para conseguir um autógrafo da Demi. Ele foi levado sem camisa por policiais.
  - Mas ele conseguiu. Demi Lovato autografou seu peitoral.
  O queixo de estava caído e de quebra o de também, pouca gente sabia dessa história. Por mais adorável que o tio Sanchez fosse, ele realmente nos deixava em situações embaraçosas.
  - Conta mais, – pediu.
  - Lady Gaga, The Born This Way Ball, 2012. – Comecei. – Além de precisar levar a arrastada, o Sr. Sanchez foi junto conosco.
  - Meu pai se pintou TODO para o show. – Rolou os olhos com a recordação. – Ele era mais Little Monster que a própria .
  - Ele conseguiu subir no palco pra cantar com a Gaga.
  - Foi horrível.
  - Assustador.
  - Traumatizante.
  Agora sim entendi o porquê na verdade estava no Acampamento comigo e jamais iria nesse Festival. Seria embaraçoso demais ver o mais velho no palco cantando com algum DJ. Principalmente se fosse a música que ele fez especialmente para o Obama…
  : Ela tá no Acampamento comigo sim, tio. É o festival do Acampamento, onde cantamos muito e oramos também.
  Tio Sanchez: ATÁ!!! AMÉM ENTÃO SOBRINHA!!!! XAU BJS SE CUIDA

  Passamos o resto do caminho relembrando as humilhações que o pai de já nos fez passar, porque além de humilhantes, eram realmente muito engraçadas.
  Talvez fosse legal se ele estivesse conosco.
  Ou melhor não.
  Porque ele realmente ama a Lorde... ama até demais. Talvez ele fosse a Lorde.
  Mas essa é uma teoria pra outro dia.

***
08h15am

  Finalmente estávamos no deserto. Estava mais calor do que esperávamos, com o sol mais brilhante no céu. E por mais vazio que parecia, após os portões do festival havia uma cidade inteira. Milhares de pessoas espalhadas, várias barracas em pontos estratégicos. E mais para frente, um palco enorme com uma plateia já se amontoando.
  Agora só precisávamos passar pelos portões.
  E nem foi tão difícil assim.
  Entregamos nossos ingressos e identidades, claro que falsas. Menos a de , já que ele era o único com mais de vinte e um no círculo.
  Não era uma coisa fenomenal, mas tinha sim algum sentido para a minha ID falsa ter o nome de Lindsay, a de como Paris e a de Brittany como Britney, era algo que não precisava ser explicado.
  E adivinhem o nome falso de Wallace. Isso mesmo, Kanye. Já usou um nome qualquer, como Logan ou algo do tipo. Ele era careta e sem graça, mas tinha um bom coração e era gato, então estava perdoado.
  Passamos pelos portões e lá estávamos. Por mais cedo que fosse, já haviam bastantes pessoas circulando pelo festival, até algumas pessoas “importantes” e outras realmente importantes.
  - Vamos ser groupies agora ou mais tarde? – perguntou e eu dei os ombros.
  - Mais tarde. Agora vamos enganar uns paparazzis. – Dei uma risadinha e nós seis colocamos óculos escuros, tentando nos misturar no espaço e tentar ser confundidos com famosos. Quem sabe até conseguíssemos uma foto ou duas.
  Já havia algumas músicas tocando pelas enormes caixas de som, mas nenhum show importante ainda. Nos separamos pelo festival e eu fui direto para a área de alimentação. Era cedo e meu estômago roncava.
  - Quer algo? – A atendente sorriu.
  - Um cachorro-quente, por favor. Bem completo. Pode exagerar.
  Um rapaz se juntou a mim. Na faixa dos vinte e poucos anos, alto e com cabelos compridos. Ele me olhava de canto, com um sorrisinho. O ignorei, já que não havia ido para o festival para esses fins, a não ser que fosse com algum DJ realmente importante.
  - Aposto que pediu uma saladinha, né? – tentou puxar papo, mas foi ignorado com sucesso. – Claro né, se não for uma saladinha, como vai manter esse corpinho... uau.
  Olhei para ele, com franzindo as minhas sobrancelhas e um pouco confusa com isso. Olhei para os lados, tentando entender se ele falava comigo ou com algum ser presente naquele local.
  - Tá falando comigo?
  - E quem mais séria, gatinha?
  Dei os ombros.
  - Não sei. Com alguém que tivesse pedido sua opinião, por exemplo.
  Ele fez um barulho de tiro, apontando para sua própria cabeça e sussurrando um “Headshot” e rindo, rindo como se alguma coisa daquilo fosse engraçada.
  Tá bem…
  - Aqui. – A atendente me chamou a atenção, entregando meu cachorro-quente que parecia ser um café da manhã e almoço, tudo de uma vez.
  - Obrigada. – Dei as notas pagando pelo lanche e dei a primeira mordida, me lambuzando inteira e sentindo meu estômago agradecer pela existência de tamanha preciosidade culinária.
  - Nossa... – Ele ainda estava aqui? Mereço. – Não acredito que vai comer... isso…
  - Por que não? – Franzi as sobrancelhas.
  - Porque você é tão... uau. E comendo um troço desses... Nem cabe, gata, nem cabe.
  Oi?
  - É você quem tá pagando?
  - Não…
  - Então não enche o saco. Eu hein.
  Ele fechou a cara, um pouco mais atingido dessa vez. Não que me importasse em alguma coisa isso.
  - , esse babaca tá te incomodando? – Ouvi a voz de , mais grave e sua postura mais rígida, pronto para o ataque. Mas seus olhos estavam entre o cara e meu cachorro-quente.
  A postura do gentil jovem que falava mais do que era perguntado mudou rapidamente. Ele já sabia que em uma briga não conseguiria vencer o . Nem toda bomba e batata doce, horas na academia e fotos no Instagram o ajudariam nessa.
  - Está sim, mas como eu quero aproveitar esse festival até o fim, vamos sair daqui. – Sorri para o rapaz. – E ainda te dou um pedaço do meu cachorro-quente, que tal?
  Deu os ombros, mas ainda se manteve em alerta, tentando intimidar o que já estava quase se mijando.
  - Claro, amor. Vamos. – E então saímos de perto do maluco que fala sozinho sobre o que os outros devem comer. Eu hein.
  Era cada doido…
  Voltamos para o grupo e já estava dançando junto com Brittany, mesmo sem ter nada além de uma musiquinha qualquer tocando. Wallace estava paquerando algumas garotas e se concentrava na sua cerveja enquanto às vezes jogava uns olhares na morena dançando animadamente. Ele tentava disfarçar, já que tinha esse negócio de "não dou moral pra ninguém" – palavras dele mesmo -, e era um dos poucos caras que realmente evitava olhar pras garotas dançando ou algo assim. E olha que a desgraçada tinha um rebolado tipo Rihanna.
  Ao me ver, a latina rolou os olhos.
  - Já tá comendo, ? – Balançou a cabeça em reprovação. – Opa, é cachorro-quente? – Sorriu e veio até mim roubar um pedaço.
  - Como se come um cachorro-quente? – Brittany pareceu extremamente ofendida. – Vocês são esse tipo de monstro?
  - Não, Brit. Não é um cachorro-quente, é só o nome. – tentou explicar. – É só pão, linguiça e um monte de condimentos. Nada de cachorro.
  - Nada de cachorro? – perguntou um pouco surpresa e assentimos. – Então quero um pedaço.
  E veio roubar.
  - Você não é vegana? – estragou.
  - E pão é carne? – Rolou os olhos.
  Depois de devidamente alimentadas, ainda na espera de algum DJ útil para nos fazer dançar descontroladamente, as caixas de som começaram a tocar uma versão remixada de Pump Up The Jam. Empurrei para longe e me juntei à minhas amigas.
  Essa eu dançaria.
  E no mesmo minuto que a batida tocava, eu e minhas amigas dançávamos descontroladamente como fazíamos sempre, sem qualquer ritmo ou coreografia. Batíamos nossas cinturas uma na da outra, enquanto balançávamos nossas cabeças de um lado para o outro.
  Wallace também dançava, era o único de nós com algum compasso e também o único que arriscava passos de dança para agradar as meninas.
  Gritávamos para ele, incentivado a ir mais ainda. E ele rodopiava, fazia passos completamente rápidos, com seus pés indo e voltando, se cruzando e continuando sem nem ao menos perder o ritmo.
  Só de o ver girando de tal forma, meu estômago quase trouxe de volta o cachorro-quente que comi.
  A cada música nova que tocava, dançávamos juntas, conhecendo mais músicas que nunca havíamos ouvido falar. Mas queríamos mais, queríamos os DJs e muito mais.
  Mas era o bastante até então.
  - Com licença. – Um homem com uma câmera se intrometeu.
  - Sim?
  - Posso tirar uma foto de vocês? – nos empurrou, tomando a atenção só para ela. A empurrei e fiquei na frente. Brittany ficou entre nós duas antes que acabássemos nos matando para ver quem ficava com o foco principal.
  Os meninos se posicionaram atrás de nós, mas de uma forma nos segurávamos para que nem eu ou saíssemos no tapa para a foto.
  O que já havia acontecido outras vezes…
  - Sorriam. – Sorrimos e então o homem tirou a foto, depois mais uma e mais uma. Conforme trocava para a próxima foto, fazíamos poses diferentes e ele fotografava.
  Ele deu uma olhada em sua câmera para ver o resultado e sorriu contente para nós.
  - Ficou ótimo. Obrigado. – Despediu-se, deixando nós para trás e a esperança de aparecer em algum lugar muito importante e relevante.
  - Será que vamos aparecer na Vogue? – sonhei. – “As mais bem vestidas de Los Angeles”. Imagina? – Dei pulinhos.
  - Se eu aparecer na Vogue, eu largo a faculdade, – disse firme. – Fodam-se os estudos, vou desfilar em Paris!
  - E eu viro a presidente de Las Vegas! – Os olhinhos de Brit ainda brilhavam com esse sonho distante.
  - Ok, primeiro vamos esperar as fotos saírem, que tal? – Wallace jogou um balde de água fria em nós. Então nós três nos viramos para os garotos.
  - Vamos deixá-los sozinhos? – propus.
  - Vamos. – concordou e nós três demos as mãos, saindo de perto dos garotos, que argumentavam e vinham atrás de nós.
  Saímos correndo pelo espaço tentando evitá-los. Bem infantilmente, mas gastou nosso tempo e um pouco de energia até que algo acontecesse.
  Agora era o fim do anonimato... Nós três seríamos famosas.
  Faculdade, vá se foder.
  Mentira, por favor, não.

***
12h45pm

  Já era tarde e havia começado alguns shows. Não o que queríamos ver, mas era o bastante até então.
  Estávamos mais perto do palco, ouvindo e cantando algumas músicas remixadas que amávamos. Enquanto isso, dançávamos e aproveitávamos os efeitos que cada DJ tinha de especial para seus shows. A batida tremia o chão e nossa pele estava em uma vibe completamente diferente e fora da terra.
  Nós estávamos nos ombros dos garotos. Eu no de , no de e sim, Brittany no de Wallace, por incrível que pareça.
  Nós gritávamos para cada DJ que entrava, dançando em cima dos garotos e tentando não derrubar as bebidas que arrumávamos. Não estávamos bêbadas, estava cedo para isso ainda. Mas estava gostoso.
  Batíamos cabelo, gritando mais alto a letra das músicas que tocavam.
  Descemos dos ombros dos caras para dançar no chão. E por incrível que pareça, os três rapazes estavam se divertindo.
   já estava suado de tanto dançar as suas músicas favoritas no ritmo eletrônico e me girar pelos cantos. também, por mais que fosse o mais playboy de nós, arriscava uns passos que consistia em um copo de cerveja na mão, a outra mão para o alto e balançava a cintura muito sexualmente. Palavras de : "Detesto homem que rebola, mas com esse aí gasto uns três dias direto". E Wallace... todos já sabem onde estava.
  Havia algo suspeito acontecendo, e por mais que ficassem juntos, ou com ela montada em cima dele, não havia os vistos conversando profundamente. Eles trocavam algumas palavras, mas não era mais aquele grude que eles sempre pareciam estar.
  Óbvio que ela já havia me contado o que aconteceu, porque éramos melhores amigas. Não me deu detalhes, porque ela achava muito gostoso e ele era um irmão pra mim, então não precisava o imaginar dessa forma. Mas que rolou um clima, rolou, e ela acabou fugindo.
  Eu estava nessa também. Eu e éramos melhores amigos e só isso, mesmo que rolasse um clima de vez em quando, éramos só amigos.
  Ficava ofendida quando alguém sugeria algo diferente disso.
  Nós duas aproveitamos um tempo para tomar um ar, já que estava enchendo de pessoas e ambas odiávamos pessoas esbarrando em nós. Era muito... argh.
  Sentamos na grama, aproveitando um pouquinho do sol do meio-dia, e aproveitamos para repassar os protetores solares e bronzeadores.
  - Tá tudo bem, né? – perguntei para a morena, enquanto passava em suas costas.
  - Tudo ótimo, cariño. Tô me divertindo horrores, nunca esperei que fosse uma vibe tão boa.
  - Não é? – Animei. – Tirando o chato da saladinha mais cedo, tá tudo muito bom. Não quero ir embora.
  Deitei na grama e minha amiga me acompanhou. Ficamos encarando o sol atrás das lentes de nossos óculos. Até que então uma sombra nos atrapalhou.
  - Quem é o filho de uma pu... – A morena quase terminou, mas quando vimos os dois rapazes usando roupas caras e que cheiravam a riquezas, poupou as palavras.
  - Quem são vocês? – perguntei desconfiava.
  - Josh e Ian. – Um com cabelos platinados sorriu. – E vocês, quem são?
  - Lindsay, – respondi.
  - Paris. – respondeu sem muita força de vontade.
  - Lindos nomes, – o outro de cabelos pretos disse, sorrindo para nós com muita força.
  - O que querem? – a latina se expressou com mais força.
  O platinado sorriu.
  - Bem... nós as vimos sozinhas aqui e pensamos se vocês querem ir para a área VIP conosco, sabe... podemos nos conhecer melhor e... – O interrompi.
  - Passo.
  - Como? – O moreno se chocou.
  - Não ouviu não? – ralhou. – Ela disse “passo”.
  - Mas por quê? Nós podemos nos divertir tanto lá... – O platinado deu uma risadinha e nós duas rolamos os olhos.
  Era cada coisa que éramos obrigadas a passar…
  - Então... – A morena tentou relembrar o nome do platinado.
  - Josh.
  - Então Josh, nós já estamos nos divertindo aqui. Não percebeu? Não queremos ir para sua área VIP se aqui em baixo podemos nos divertir muito mais e ainda curtir o ótimo show. – se levantou e me puxou para cima. – E além do mais, não queremos os conhecer melhor.
  O queixo dos dois caíram, muito sem reação e levemente putos com nossas respostas.
  Talvez tivéssemos sido muito duras com eles? Talvez. Só talvez. Mas depois de uma certa idade parece que sentíamos cheiro de problema quando ele se aproximava, e era tão difícil assim perceber que duas garotas não estão afim de te dar atenção quando estão deitadas tomando sol curtindo a vibe? E com certeza não levantaríamos dali pra trocar bebida grátis por alguns beijos duvidosos.

***
23h50pm

  Finalmente, após de horas esperando, anunciaram o show do DJ Eluk. E a alegria era contagiante. Porque ele era muito mais gostoso quanto ficava há alguns metros de nós. Um pedação de mal caminho.
  E havia sido uma tortura aguentar um dia todo por esse show, de verdade. Foi preciso muito café, lanches gordurosos, força de vontade e muito, mas muito, muito álcool mesmo. Nem sabia qual era mais o meu nome.
  Mas o de Eluk com todas as letras.
  Quando subiu no palco, nós três estávamos nos ombros dos rapazes, berrando para o homem desesperadamente. Óbvio que muitas outras nos imitavam, gritando até mais alto que nós, mas éramos as mais bonitas. Até apareceríamos na Vogue.
  - Gostoso! – berrei.
  - Me engravida! – me acompanhou.
  - Fofinho! – Brittany disse fora de contexto e nós duas nos viramos para ela, que deu os ombros. – Me pega que nem uma vadia, seu gostoso da porra! – berrou, indo mais longe ainda.
  - Relaxa, loirinha. Relaxa. – A morena a acalmou.
  Claro que ele pouco se fodeu para nós, afinal, éramos só mais umas num mar de garotas – e garotos – desesperadas para ter um pedacinho do DJ. Mas nenhuma delas eram tão inteligentes e nem haviam bolado um plano infalível como nós três.
  A música tocava forte e os efeitos especiais que ele usava ficavam óbvios com a noite, iluminando todo o festival. Fumaças e um show de luzes impressionantes.
  Eu berrava com toda força, batendo os cabelos em cima dos ombros de que curtia do lado de baixo. Batia palmas e cantarolava desesperada a letra das músicas que ele tocava. As suas e as remixadas.
  E depois de um tempo, desci dos ombros cansados do meu amigo e fiquei no chão, dançando com ele. Nós dançávamos da forma mais idiota possível e engraçada também, se muito se importar com os outros nos cercando.
  - Minha vez! – Brit gritou, colocando seu chifre de unicórnio que soltava luzes coloridas no escuro. Nós seis formamos uma roda ao redor dela, então a loirinha começou a arrasar na pista.
  Literalmente.
  Sua coreografia começou com uma expressão corporal, como se fosse uma bailarina e expressasse sua arte com o corpo. Dançando classicamente, até que a batida aumentou e ela surtou. Dançava desajeitadamente, batendo os braços e as pernas, balançando a cabeça e fazendo caretas dignas de um videoclipe da Sia.
  - É isso aí garota! – incentivei. – Mostra como se faz!
  - Vai Brittany, vai Brittany. Manda ver. Desce Brittany, vai Brittany. – cantarolava no melhor bebedês.
  A loirinha descia até o chão e subia, desengonçada demais e de forma cômica. Mas ela não dançava para seduzir, dançava para expressar seus sentimentos conforme sua arte corporal.
  Era sempre o que ela dizia quando dançava.
  - Minha vez agora. – Wallace tirou Brittany do meio, assumindo seu lugar.
  O rapaz dançava da melhor forma possível, era o único com essa habilidade entre nós. Dançava como mais cedo, girando e dando algumas piruetas, arrastando os pés e cruzando-os, dando giros que me deixavam tonta só de ver.
  Até arriscou um moonwalk imitando Michael Jackson enquanto a música não tinha nada a ver com esse seu ritmo.
  - Vai Michael, – debochou e o rapaz nem ligou, descendo e subindo, rodopiando os pés pelo círculo.
  - Cai fora. – o expulsou. Junto com , os dois se posicionaram no meio e dançaram da forma mais... robótica possível.
  Nem era engraçado e muito menos impressionante, mas não os julgávamos. Nem todos nasceram com o dom da dança como o resto de nós quatro.
  - Ai chega, isso tá horrível. – expulsou os dois, que saíram reclamando. Ela me puxou até o centro e com a música sendo gritada pelos autofalantes, o DJ gritava e mandava mais energia.
  Arriscamos alguns passos enquanto a música ainda estava mais lenta, nos preparando. Então a música foi aumentando e aumentando, a batida foi se intensificando até que o DJ deu um grito.
  Nós duas começamos a rebolar, dando um daqueles twerk que Miley Cyrus não fazia mais. Mas nós que tínhamos bunda – ou quase isso – fazíamos por ela.
  Rebolávamos nossos quadris, dançando juntas e a cada vez que a música se intensificava, mais rebolávamos e batíamos cabelo. Já sentindo o cansaço me atingir, mas os gritinhos de incentivo vindo os outros quatro me animavam.
  Nós seis nos juntamos, continuando dançando todos juntos da forma que cada um sabia. E a cada vez que se aproximava de , ela não conseguia se conter senão flertar com ele até perceber que estava indo longe demais e corria para o outro lado, covarde pra caramba, deixando ele com cara de tonto.
  Ela foi até Wallace dançar com ele e o loiro saiu emburrado, indo atrás de algo para beber.
  Eu fiquei com e nós dançávamos juntinhos, perto até demais. Não que isso me incomodasse.
  - Eu nem disse o quanto você tá linda hoje, sabia?
  Sorri.
  - Ótimo, continue assim.
   estava hilário ainda usando seus óculos escuros, mesmo tendo anoitecido. Mal se importava com isso, ele se sentia na moda.
  Nós dançávamos de frente para o outro de nossa forma mais idiota possível. Imitando robôs ou qualquer passo fora do compasso que tentávamos fazer. Até passos mais sensuais tentávamos, mas no fim terminávamos em risadas.
  Então a batida da música foi mudando para algo mais... lento, só que sem deixar as batidas eletrônicas sumirem.
   deu a mão para mim, para que pudéssemos dançar juntos. Hesitei de início, mas uma dança não mataria ninguém, certo?
  Suas mãos tocaram minha cintura com delicadeza, mas sem força. Eu sabia que ele não queria me prender, ele estava indo devagar comigo, se mantendo cauteloso. As minhas mãos foram ao redor de seu pescoço, também sem ficarmos muitos grudados.
  Dançávamos sem qualquer tipo de contato visual profundo, mas estávamos lá. Eu com medo de pensar e ele com medo de fazer algo que pudesse me assustar e cortar aquele momento.
  A real é que eu nem sabia o que eu estava fazendo.
  Estava há um ano desde que terminamos dizendo todos os dias que éramos melhores amigos e apenas isso. Eu queria ser mais e ele também, só que algo em mim ainda não estava pronto para isso. E eu ouvia esse algo, porque sabia que estava certo.
  Errei muito, cedi bastante e várias vezes pequei, ficando com ele e fazendo mais do que eu devia. No fim, eu me sentia culpada por dar esperanças que ainda não estava pronta para dar.
  Tudo que eu precisava era de tempo. Tempo para poder ver como via antes de terminarmos. Tempo para acreditar que dessa vez não terminaria desolada como da última vez. E pelo lado bom, ele respeitava esse meu tempo, mesmo não conseguindo ficar longe.
  E eu não conseguia evitar certas carícias ou demonstrações que tínhamos, era impossível não estar perto dele, não tocar ele ou fazer qualquer carinho bobo que eu gostava de fazer. Só não ia mais longe, tentava manter minha cabeça no controle pra não acabar magoando ele. Com calma tudo se resolveria, certo?
   continuaria sendo meu melhor amigo, eu continuaria amando ele e ele me amando. Nada mudaria. Eu só precisava evitar deixar que meus impulsos falassem mais alto e eu acabasse me entregando para ele sem ter certeza que seria certo dar mais uma chance para nós.
  Era muito complicado de entender, de explicar e até de viver isso. Me deixava exausta ter que ser tão cautelosa, já que eu sou tão coração que se eu pudesse já teria esquecido tudo de ruim que passamos. Só que eu não podia fazer isso e nem devia.
  Só seria capaz de ficar com ele de verdade no momento que eu superasse tudo de ruim que passamos e pudesse confiar nele de novo.
  Por um momento, nossos olhares se encontraram enquanto dançávamos juntos. Um daqueles silenciosos e desconfortáveis momentos, em que ninguém fala nada e só ficam se encarando, mas dizemos tudo com o olhar.
   deu um sorrisinho meio triste e essa foi minha deixa. Estava passando dos limites.
  O soltei e me afastei, precisava de ar. Minha cabeça já doía e meu peito também.
  A pior parte de tudo isso, era que nem eu mesma sabia ao certo como isso acabaria.
  Procurei por uma de minhas amigas por perto, com a música tocando forte e minha cabeça já doendo, um pouco tonta. Precisava de ar, mas nenhuma delas estava a minha disposição.
  Brittany estava ocupada rebolando dura imitando os caras enquanto Wallace imitava nós dançando twerk, só que dessa vez rebolando sua bunda contra Brittany.
  Já estava perdida entre as pessoas, cantarolando e dançando Can’t Touch This alheia de tudo que estava acontecendo. Ela estava muito louca.
   Não a culpava.
  A música que o DJ Eluk tocava começou a diminuir e sua voz saía com mais clareza pelo seu microfone.
  - Muito obrigado por essa noite maravilhosa e por esse show incrível! – Despediu-se do público e nós já sabíamos o que aquilo indicava. correu até mim, com um sorrisinho nos lábios.
  - Vamos?
  - Só se for agora!
  Ela agarrou meu braço e nós nos seguramos firme, passando por todos os grupos de pessoas desesperados demais.
  Era hora de botar nosso plano em prática.
  Passamos por todo o festival, mais precisamente para trás do palco. Lá havia uma portinha que indicava os bastidores. E era exatamente lá que precisávamos entrar.
  Nós duas nos arrumamos antes, ajeitando nossos cabelos bagunçados e nossas roupas amassadas. Conferimos para ter certeza se nós duas estávamos realmente maravilhosas demais para continuar.
  E estávamos.
  Fomos até o segurança, tentando parecer menos bêbadas possível. Óbvio que ele não engoliu facilmente, mas tínhamos um sorrisinho nos lábios prontinhas para enganá-lo.
  Ele nos encarou, dos pés à cabeça.
  - Nomes?
  - Não estamos na lista... – tentei amenizar o fato mais importante. – Mas poderemos estar. – Dei uma risadinha.
  - Por favor, caiam fora.
  - Mas nós precisamos muito entrar…
  - E por quê?
  Nós duas nos entreolhamos. Não achamos que chegaríamos tão longe.
  Mayday. Mayday.
  - Ele esqueceu o... fone dele. – deu a primeira desculpa que se passou pela sua cabeça e eu precisei prender a risada.
  - E cadê o fone? – O segurança cruzou os braços.
  Fodeu.
  - Que fones? – perguntou confusa.
  - Meu Deus, nós estamos tãaaao bêbadas. – Cambaleei, tentando convencê-lo com a nossa atuação. Mas o homem de pedra nem se movia. – Nos desculpe. – Sorri, puxando para longe dele antes que fossemos presas.
  - Nós precisamos entrar nessa sala, de qualquer forma! – Bateu os pés.
  - E nós vamos.
  - Como?
  Sorri.
  Corremos novamente até os meninos e eu fui até , com um sorrisinho na boca. Ao me ver, ele deu um passo para trás.
  - Nem fodendo.
  - Por favor, arruma uma briga para nós entrarmos nos bastidores. – Fiz bico e seu queixo caiu.
  - Quê? Mas nem fodendo. Não vou arrumar briga nenhuma.
  - Por favorzinho... – Continuei fazendo bico e ele negou.
  - Vai sim. O te ajuda. – empurrou o loiro para o amigo, que não gostou nada disso.
  - Eu? Como assim? De jeito nenhum.
  - Se a situação fosse inversa eu entraria em uma briga pra vocês! – argumentou.
  - Isso por que você arranja briga sem alguém precisar pedir – riu provocando.
  - Larguem de ser chatos, é a nossa chance de conseguir conhecer um DJ famoso. – cruzou os braços. – A culpa é sua, , se você tivesse comprado os ingressos com direito aos bastidores, não estaríamos passando por isso.
  O loiro rolou os olhos.
  - E comprar os ingressos já não foi o bastante?
  - NÃO! – Nós duas gritamos juntas e os dois rapazes bufaram.
  - Esperaremos vocês no carro. Se vocês não chegarem logo, vamos deixá-las sozinhas aqui. - mantinha a cara fechada, mas sabíamos que eles nos ajudariam.
  Agradecemos da maneira mais dócil possível e saímos correndo, não sem antes vê-lo puxando briga com algum cara aleatório.
  Corremos de volta para o segurança que permanecia com a cara fechada.
  - O quê? – nem esboçou uma reação.
  - UMA BRIGA! – escandalizou. – Tá tendo uma briga, meu Deus, muito sangue e violência.
  - Onde?
  - Na pista.
  Rolou os olhos.
  - Esses adolescentes... – e saiu do posto, ordenando que outro segurança aparecesse e ficasse em seu lugar.
  Fomos rápidas o bastante para passarmos pela portinha que nos levaria até os bastidores. E entramos.
  Era a uma estrutura simples nem um pouco luxuosa. Havia algumas portas indicando os camarins. E nós fomos correndo até uma: a do DJ Eluk.
  E no mesmo tempo que chegamos em sua porta, ela se abriu e ele saiu. Vestindo a mesma roupa do show, só com uma toalha branca em seus ombros e um pouco suado.
  Ele se assustou ao ver nós duas, mas logo deu um sorrisinho às duas jovens belas que sorriam sedutoramente para ele.
  - Estavam me esperando? – fez piada e nós rimos, sem ter a menor graça.
  - A vida toda... – Meus olhos brilharam e cotovelou minha barriga.
  E ele riu.
  - Em que posso ajudá-las? Querem uma foto? Autógrafo? Posso saber o nome de vocês?
  Muitas perguntas.
  - Sou . – A morena se apresentou pela primeira vez com seu nome verdadeiro.
  - E eu . – A imitei, usando meu nome verdadeiro. – E sim, nós quere... – fui interrompida.
  - Ei, vocês duas! Penetras! – O segurança corria até nós e quase saímos correndo desesperadas para longe dali, se Eluk não tivesse se posto em nossa frente.
  Nosso herói…
  - Ei, deixem elas. São só fãs, não estão fazendo mal algum.
  O segurança rolou os olhos e deu os ombros.
  - Que se foda então.
  E saiu, deixando nós duas a sós com o homem maravilhoso, grande, musculoso e sorridente, que havia nos defendido. Estava apaixonada já.
  - Então, e , é um prazer conhecê-las. – Ele abraçou a morena como cumprimento e a mesma se derreteu em seus braços. E chegou minha vez, eu grudei no cara e não queria soltar, apenas soltei por educação, mas só depois de tirar uma casquinha.
  - Você é muito mais gostoso pessoalmente, – disse sem pensar.
  - ! – A morena me encarou chocada.
  - Quê? Você pensou a mesma coisa. – Rolei os olhos.
  - Mas você disse! Na frente do gostoso, digo, do cara.
  O homem gargalhava em nossa frente e nem estávamos fazendo de propósito, era apenas uma coisa que sempre fazíamos. Pelo menos ele havia gostado.
  - Gostei de vocês. As duas estão sozinhas aqui? Querem ficar mais um pouco?
  - Mas com certeza! – Demos pulinhos e entramos em seu camarim junto com ele.
  Óbvio que não fizemos nada demais, até porque ele não parecia ser esse tipo de cara. O que era um pouco triste. Apenas ficamos conversando e aproveitando um pouco dos luxos de conhecer gente famosa. E conhecemos mais ele, que além de muito gostoso, era muito inteligente.
  Enquanto estávamos sentadas no sofá do camarim de Eluk e ele contava histórias de sua carreira, principalmente de fãs até mais malucas que nós, meu celular e de vibrou.
  : Onde vocês estão? Estamos no carro esperando.
  : Cadê vocês, porra? Venham logo.
  Wallace: Não digam que foram presas…
  Brittany: Eu estou com saudades :(
  : Apareçam logo ou iremos embora sem vocês.
  : Tchau. Boa viagem para vocês.
  : Nos vemos em Hearst, beijossss.
  : Paz, porra.

  - Então, querem fazer alguma coisa? Querem dar uma volta? – Eluk sorriu e nós duas nos derretemos.
  A noite seria longa e com esse homem…
  Melhor noite de todas.

***
01h00am

  Sim, fomos arrastadas para fora do festival. E não estávamos felizes por isso.
  Quando nós duas e Eluk estávamos finalmente saindo para fazer algo a três, e apareceram como dois doidos e nos puxaram para fora, sem nem ao menos conseguir nos despedir apropriadamente do DJ.
  Felizmente conseguimos algumas selfies e um número pessoal.
  Estávamos no carro que havia alugado para ficarmos enquanto estivéssemos na área e ele era o que conduzia, afinal, era o único que não estava passado de bêbado.
  A rádio tocava a playlist de Britney Spears que eles botaram na tentativa de nos desemburrar. Mas seria um processo lento que precisaria mais que a Princesa do Pop.
  Quando a playlist chegou em From the Bottom of My Broken Heart, nós três fizemos um coro. Estávamos muito abaladas com o fim da nossa noite.
  - Qual é, era só um DJ. Larguem de ser dramáticas, – reclamou.
  - Cállate! berrou e ficou melancólica outra vez, cantando. – Mamãe estou apaixonada por um DJ, mamãe por favor não chore ele não usa pen drive…
  Então nós seis começamos a discutir sobre a atitude dos rapazes de ter nos arrancado dos braços do Eluk sem ao menos olharmos para trás... foi muito triste.
  Esperava que ele não estivesse magoado com nós duas.
  A gritaria começou, alguns xingamentos – principalmente em espanhol – foram ditos e enquanto Brittany cantava com toda a forma as músicas da diva para esquecer a briga, por um minuto nos distraímos e um barulho nos assustou.
  - Atropelamos algo?
  - Puta que pariu.
   freou rápido e nós seis saímos do carro em desespero, para ter certeza que não havíamos matado ninguém.
  Mas era pior que isso.
  O gatinho estava deitado no chão, completamente sem reação e eu entrei em pânico. Jamais havia presenciado isso. Éramos assassinos!
  - O que vamos fazer? Nós matamos esse gato? – Chorei e me estapeou.
  - Não matamos ninguém, fica calma. Só levarmos ele para o veterinário 24hrs aqui perto. Ele vai ficar vivo.
  Então o gato latiu.
  - Mas que porra é essa?
  - É um gato mutante! – Brittany berrou, saindo correndo de perto do animalzinho.
  - E o que seria um gato mutante? – arqueou as sobrancelhas curioso.
  - Uma gata fêmea que se apaixonou por um cachorro, mas o amor deles era impossível demais para ser aceito aos olhos de outros animais. Então ela foi embora, grávida de seus filhotes. E quando os seus filhotes nasceram, eles foram chamados de mutantes pelos colegas animais, porque latiam como cachorro, só que tinham a aparência de um gato. – Uma lágrima escorreu dos olhos de Brittany ao contar a história.
  - Uau.
  - Eu tô emocionada de verdade. – Respirei fundo, afetada pela história.
  - Continuando…
  - O que faremos com ele?
  - Não podemos sujar o carro com sangue, – reclamou.
  - Larga de ser... você. – rolou os olhos. – Vamos, eu sei o caminho.
  Os meninos pegaram o animal e levaram até o carro. Voltamos correndo para nossos assentos e deu partida, dirigindo até o veterinário enquanto o guiava.
  Enquanto isso o bichinho agonizava de dor nos braços de .
   dirigia na maior velocidade que podia, mesmo assim respeitando os limites e as regras no volante. rolava os olhos a cada vez que ele era totalmente certinho, mesmo em uma situação dessa.
  Ao chegarmos na clínica veterinária que tinha as luzes acesas, estacionou e nós seis saímos no desespero, enquanto o cachorro ainda gemia baixo nos braços do rapaz.
  - SOCORRO! AJUDA, AJUDA! – berrei, entrando na clínica e as recepcionistas me encararam preocupadas. Atrás de mim entrou com o cachorro nos braços e então elas chamaram um veterinário.
  - O que houve? – Um homem na faixa dos cinquenta anos saiu de uma das portas, usando um jaleco muito branco e uma expressão preocupada.
  - Nós atropelamos o gato mutante, – Brittany disse aleatoriamente e o homem assentiu. Enfermeiras o tiraram dos braços de e foram todos até a sala para examiná-lo.
  - Fiquem aqui, ok? – assentimos e ele entrou em uma das salas onde levaram o cachorro.
  Sentei em uma das cadeiras na recepção, esperando por novidades. Minhas pernas doíam e tudo que eu queria era ir dormir.
   se sentou ao meu lado e eu deitei minha cabeça em seu ombro, tentando relaxar um pouco. Havíamos feito tantas coisas em um dia só e nem estávamos acostumadas com essas correrias.
  Depois de uns minutos esperando por alguma notícia, o doutor saiu de sua sala e nos levantamos desesperadas, indo até ele.
  - Então, o cachorrinho vai ficar bem?
  - Bem... não é nada tão grave. Mas ele vai ter que passar por uma cirurgia e…
  Nem dei tempo.
  - Nããooooooo! – Joguei-me no chão em pratos, fazendo a melhor cena de drama da noite. Tendo até o veterinário me amparando.
  - Deixa ela doutor, ela é dramática e louca. Nem dá bola, – explicou.
  - Vai ficar tudo bem. Já pedimos pra ligar para os donos dele e logo eles chegam. A cirurgia não é muito complicada, fiquem tranquilas.
  - Graças a Deus. – Aliviei-me.
  Voltamos para os bancos e fiquei mais relaxada agora que sabia que o bichinho estava bem e tinha donos, sem culpa.
  - Meninas! – Brit apareceu dando pulinhos. – Nós somos famosas!
  - Como? – Os olhos de brilharam.
  A loirinha nos entregou o seu celular e nossa foto tirada mais cedo estava aparecendo em uma matéria especial da Billboard sobre o festival. Nosso queixo caiu, mesmo sendo apenas três anônimas, nossa foto estava em um site famoso.
  - Eu vou muito largar a faculdade depois disso. – A morena comemorou.
  - Isso ficou muito bom! – comemorei.
  Por pouco tempo.
  Meu celular começou a vibrar e o tirei o meu bolso. Encarei a tela e o nome do meu pai no visor.
  - Alô? – atendi.
  - QUE PALHAÇADA É ESSA ANN HUDSON? – ele estava bem puto. – ACAMPAMENTO COISA NENHUMA, NÉ? QUEM A SENHORITA PENSA QUE É PRA ENGANAR SEU PAI? VOLTA PRA CASA AGORA, OU EU VOU TE BUSCAR A FORÇA.
  - Pai…
  - ONDE JÁ SE VIU? MINHA FILHA POSANDO POR AÍ EM FESTIVAL DO DEMÔNIO. ISSO É CULPA DESSES SEUS AMIGOS NÉ? APOSTO QUE FOI AQUELA ENDEMONIADA DA QUE…
  Desliguei na cara dele.
  - Seu pai surtou? – segurava a risada e eu assenti, gargalhando em seguida.
  Já estava acostumada com os surtos do meu velho, mais um não faria mal algum. O bom era que dessa vez nem ele iria matar minha vibe.
  Pai: QUEM VOCÊ PENSA QUE É PRA DESLIGAR NA MINHA CARA, ANN HUDSON? VOCÊ ME PAGA! ESPERA SÓ QUANDO VOCÊ VOLTAR. ESPERA SÓ!
  : Número errado. Tente de novo mais tarde.

  - Bom, agora eu sou sem-teto. – Dei os ombros. Porque não era uma realidade distante. Da forma que meu pai reagia à essas coisas, capaz sim de me expulsar de casa apenas por ter usado um vestido decotado e comparecido à um festival.
  - Relaxa, se for expulsa eu te ofereço teto. – Brit sorriu. – A não ser que você queira ficar com a ... eu até prefiro.
  Rolei os olhos.
  - Sou tão ruim assim?
  - Claro que não. – As duas me abraçaram, mas as empurrei.
  - Saiam, falsas. – Dei a língua.
  Só tinha algo em minha cabeça que eu não conseguia entender…
  Como meu pai sabia o que era Billboard?

***
03h00am

  Passamos a madrugada esperando notícias do cachorro e até que seu dono aparecesse. Óbvio que apareceu e era um homem lindo, com sorte, ele ficou tão agradecido e comovido comigo que me passou seu número.
  Dia de sorte.
  Depois daquilo, sugeriu para que terminássemos a noite em um bar que um estilista famoso de nome difícil havia entrado e disse que tinha os melhores drinks. Mas acho que ele havia errado o endereço.
  Não era um bar chique, muito menos de classe como todos os que pessoas famosas vão. Era um bar simples, rústico e cheio de homens enormes. Porém muito simpáticos.
  Usamos as nossas identidades falsas para conseguir bebidas – menos – e de fato, as bebidas eram muito boas. Um pouco mais fortes do que esperávamos, mas muito boas. Valia até a pena vir aqui mais vezes.
  Enquanto eu enchia a cara com algum drink que tinha uma boa quantidade de álcool, conheci Robbie, um motoqueiro com uma tatuagem enorme de uma cobra que se enrolava em todo seu braço.
  Ele me contou um pouco sobre sua vida. Sobre ser divorciado, não ter filhos e muito menos querer crianças. Não agora. Ele ainda se sentia jovem demais para isso. Contou que tinha descendência italiana e que sabia cozinhar massas como ninguém.
  Óbvio que a cada cinco minutos na conversa ele tentava jogar um flerte para mim, mas eu apenas respondia com “uhum, vamos marcar”. E iríamos? Jamais.
  Olhava para os lados, procurando pelos meus amigos e até então nenhum deles fazia nada. Apenas sentada no colo de um motoqueiro e conversando mais “intimamente” com ele. não tirava os olhos dela, mal esperava para a hora que o loiro iria arrumar briga com o motoqueiro.
  Espera, não. Era o . Sem brigas. Talvez ele pague ao motoqueiro para deixar em paz. Ele explodia com ciúme, mas não dava o braço a torcer expondo qualquer reação.
  Mas sim estava a ponto a esganar o tatuado perto de mim, que não tirava os olhos de minhas pernas. A sorte dos dois – e azar do tatuado – era que eu estava tão exausta, bêbada e esgotada, que nem estava pensando nele nesses fins.
  Queria outra coisa agora.
  Mais um drink.
  Levantei e deixei o tatuado falando sozinho, voltei para os meus amigos e me sentei ao lado de , pedindo mais uma bebida para mim.
  Brit e Wallace debatiam sobre algo que eu estava com preguiça demais para ouvir, mas parecia muito interessante, já que a loirinha estava revoltada – algo que jamais acontecia.
  - Cansou do motoqueiro, é? – puxou papo, já debochando de mim.
  - Não enche.
  - Te encher é o que sei fazer melhor, amor. – Sorriu para mim e eu continuei de cara fechada, só esperando pela minha bebida.
  Tomei um gole da minha bebida e depois mais um, depois mais um e mais um.
  Até que a terminei.
   apareceu, descabelada e com uma expressão cansada e frustrada.
  - Vamos embora? Isso aqui tá um porre.
  - Agora você quer ir embora, né? – riu, mas a garota apenas respondeu com o dedo do meio.
   mal conseguia ficar em pé e quando pisei no chão, percebi que também mal conseguia. Havíamos bebido demais para um dia só e provavelmente demais para uma semana.
  Nós duas nos seguramos, uma dando apoio para a outra. Com medo de cair e quebrar um dente ou pagar um mico maior.
  Os garotos pagaram pelas bebidas e nós saímos do bar, sentindo os olhos dos motoqueiros em nós.
  Do lado de fora, um desejo para se realizar.
  Uma fileira cheia de motos, completamente bem estacionadas e organizadas. Era uma das poucas vezes que vi isso e queria registrar esse momento. Estava tão arrumadinho, valeria uma foto.
  - Vamos tirar uma foto com as motos! – sugeri e foi a primeira a topar. Depois Brit e Wallace. se encarregou de tirar as fotos e veio atrás, ficando junto conosco.
  Posamos. As meninas na frente e fazendo as poses mais femme fatale possível. Os meninos atrás, fazendo suas poses de machões.
  - Digam X. – Sorriu e tirou a foto.
  Mudamos de pose e ele tirou mais uma. E depois mais uma.
  - Tá ótimo. Agora vamos, – pediu.
  - Nah. – negou. – Vamos tirar uma em cima da moto.
  - Oba! – Brit comemorou. – Sempre quis subir em uma dessas desde que eu tinha 3 anos e me chamava Elliot.
  Nós três subimos em uma moto para fazer graça e os meninos cautelosos demais, se posicionaram longe de nós.
  - Desçam daí, vai dar merda isso. – Wallace alertou, mas ignoramos.
  - Tira logo essa merda, – mandei e posicionou a câmera.
  Tirou a foto.
  E quando descemos da moto, escorreguei e as duas cederam ao chão comigo. Mas não foi só isso, as motos também cederam e foram caindo. Uma por uma, como um dominó.
  O som que alertou que as motos haviam caído acabou chamando a atenção dos motoqueiros, que saíram do bar completamente furiosos.
  Enquanto os meninos saíram correndo com medo de morrer, eu e gargalhávamos sem parar, até que nossas barrigas doessem. Choramos de tanto rir daquela cena. E vendo que poderíamos ser as primeiras vítimas, e nos pegaram e saíram correndo conosco em seus ombros.
  Correram até o carro e nos jogaram lá dentro, dando partida da forma mais rápida possível enquanto os motoqueiros vinham atrás de nós, com suas motos rápidas.
  - NÓS VAMOS MORRER, PUTA QUE PARIU. – Wallace se desesperou.
  - NÓS NÃO VAMOS MORRER, WALLACE, CALA A PORRA DA BOCA. – E também.
  Eu e continuávamos gargalhando, para nós aquilo era tão engraçado que não conseguíamos parar de rir.
  - DO QUE VOCÊS ESTÃO RINDO, PORRA?
  - Caiu…
  - Que nem dominó. – deu um gritinho, rindo mais alto ainda.
  - Puff, caiu tudo. – Gargalhei.
  - Vocês são loucas. – rolou os olhos.
  - VAMOS PRA CASA POR FAVOR, EU QUERO A MINHA MÃE. – Wallace chorava e mudou o caminho.
  Estacionou na garagem da estação e saiu do carro em um pulo. Correndo para o lado de dentro enquanto ouvíamos os motores das motos mais perto de nós.
  - Corre, caralho. – Os garotos puxaram nossos braços, para que fossemos mais rápido ainda.
  - Pra cá, – Wallace sussurrou, nos empurrando para dentro do banheiro masculino.
  Ele trancou a porta e nos escondemos cada um em cada cabine. E sim, era um pesadelo.
  O fedor, sujeira e toda podridão que havia naquele banheiro masculino. Depois que chegasse em casa – ou na casa de Brit – tomaria uns trinta banhos, só para tirar toda essa inhaca.
  Esperamos alguns minutos, contando no relógio para ver se eles nos deixariam em paz. E deixaram.
  Os meninos saíram primeiro, tendo certeza que a barra estava limpa para nós. Então em seguida nós saímos, olhando toda a estação vazia.
   nos liderou até a pista para ter certeza se poderíamos pegar um metrô para irmos para casa.
  - Então, senhor... O metrô já saiu faz tempo. – A mulher deu os ombros. – Agora só amanhã cedo, a partir das sete da manhã. – Sorriu.
   chutou a parede e gemeu de dor. Eu e voltamos a gargalhar após de tudo isso que passamos em menos de uma hora.
  - Melhor. Rave. Ever, – nós dissemos juntas, gargalhando alto.
  E então Brittany vomitou nos sapatos de um estranho.

***
04h00am

  Finalmente havíamos chegado no hotel que havia conseguido a hospedagem, mas de fato, era a melhor coisa da noite. O hotel era um palácio belo para os meus olhos cansados e bêbados.
  Todo em tons esverdeados e dourado, com pitadas de branco e preto, tinha muitas coisas que lembravam construções mais antigas, coisas mais clássicas, porém com alguns toques modernos que deixava o lugar mais especial.
  Nós seis nos escoramos no balcão de mármore escuro, enquanto a recepcionista nos encarava sem muita reação. Alguém não havia tido um bom dia, com certeza. Não como o nosso.
  Estávamos um caco. Bêbados demais, cansados, com nossas pernas doendo e ainda um pouco traumatizados pelo incidente do cachorro e do bar de mais cedo. Porém tudo que queríamos era uma cama para deitarmos e descansarmos em paz. Era só isso que precisávamos depois de um dia como esse.
  - Reserva? – A mulher disse sem ânimo.
  - Greene.
  - Três suítes de casal... – mas foi interrompida.
  - Não, não, não. Pera aí. – protestou instantaneamente sóbria. – Como assim três quartos? Nada disso. Duas suítes de casal já estão ótimas. Cancela a terceira, agora! – Bateu os pés cansados.
  - Como assim? Como vamos nos dividir em apenas dois quartos? – Wallace rolou os olhos.
  - Sim. – E o acompanhou. – Muito melhor separar os casais e…
  - Nem pensar! – berrei. – Que merda é essa? De forma alguma nós vamos dormir com vocês, estão pensando o quê? Ou são duas suítes, ou vamos dormir em outro lugar.
  - E como vamos dividir isso, hein, gênias? – Wallace cruzou os braços e nós demos os ombros.
  - As meninas dormem em um quarto e os meninos em outro, oras.
  - Nem a pau... – reclamou e nem o deixou terminar.
  - Ou é assim, ou gastou dinheiro à toa. Não vamos dormir com vocês.
   coçou as têmporas, um pouco irritado.
  - Tudo bem. Duas suítes. – Pediu para a recepcionista.
  - Quartos ao lado, senhor?
  - Tanto faz.
  Não entendia onde, como e por que eles imaginaram que dividiríamos os quartos por casais. Era apenas uma tentativa escrota e falha de tentar ficar sozinhos conosco? Porque foi horrível.
  Fomos direto para os quartos. Éramos vizinhos, os dos meninos era o 67C e o nosso 69B.
  Destrancamos a porta usando o cartão que recebemos, a única coisa que queríamos era entrar logo nele.
  - Então, qualquer coi... – foi calado, com a porta se fechando em sua frente antes que falasse algo. Não queríamos saber deles, queríamos aproveitar a noite de luxo pelo menos uma vez antes de voltar para a realidade.
  E foi muito bom.
  O quarto era lindíssimo. A cor bege misturada com o dourado e os detalhes dos móveis em tons pastéis. A televisão enorme na parede e a cama maravilhosamente grande e macia. Eu já estava acostumada com essas coisas, mas já as outras duas…
  Vi se emocionar com tamanho luxo. E a única coisa que Brittany fez foi tirar os sapatos e começar a pular na cama, óbvio que eu e a acompanhamos. Pulamos juntas naquele colchão macio e delicioso, dando gritinhos de alegria enquanto isso.
  - Caralho, tem um minibar aqui. – desceu da cama, correndo para a pequena geladeira e abrindo-a, vasculhando e tirando as bebidas que haviam dentro.
  - Isso é caro pra caralho, melhor nem chegarmos perto. – Tentei alertá-la, mas deu os ombros.
  - Quem é que tá pagando mesmo?
  - O .
  - Então não só podemos, como devemos aproveitar cada pedacinho desse lugar. – Sorriu maldosa, enquanto saboreava os chocolatinhos e bebidas caras.
  Brittany berrou do banheiro e corremos até lá. O belo espaço branco e dourado, completamente limpo e organizado não havia nada de errado. Então percebemos o que a loirinha viu e começamos a gritar junto.
  Uma banheira enorme.
  - Vamos? – Brit sugeriu, com os olhinhos brilhando.
  - Mas é claro! – gritamos em uníssono e demos pulinhos.
  - Vou preparar o banho! – a loirinha se prontificou.
  - Enquanto ela prepara o banho, , pede serviço de quarto. Vocês estão com fome? Porque eu tô.
  Assenti, indo até o telefone e ligando para o número do serviço de quarto. Abri o cardápio e vi cada opção, mas todas tinham zeros demais para pagar depois. Respirei fundo.
  - Isso aqui é muito caro, será que podemos fazer isso? – Senti um pesar em fazer arcar com todos nossos gastos, mas me encarava com reprovação.
  - Repito: quem é que tá pagando?
  - .
  - Então devemos fazer isso. Ele jamais iria aceitar que suas melhores amigas passem fome, certo? – Sorriu.
  Dei os ombros.
  - Então, queremos... Umas três pizzas e... muitos sundaes. – Salivei só de imaginar a quantidade de gordura e açúcar que saborearíamos em apenas uma refeição. – Isso... 69B. Obrigada.
  Desliguei o telefone.
  Brittany voltou para nós, apenas de lingerie e com um sorriso animado no rosto.
  - O banho tá pronto, vamos? – Deu pulinhos e nós acompanhamos. Tiramos sapatos e roupas, ficando apenas de lingerie.
  A campainha tocou e estranhamos, já que não fazia nem dois minutos que eu havia pedido o serviço de quarto, mas como gente rica é sempre prestativa, não me surpreenderia já terem feito nosso pedido.
  Corri animada para abrir a porta e a abri toda de uma vez, ignorando se algum funcionário nos visse apenas de lingerie. Mas não era nenhum funcionário, era pior.
  Em minha frente tinha um , um e um Wallace boquiabertos, com visão privilegiada de nós duas – eu e – seminuas, em um quarto, sozinhas. E como a cabeça de homem sempre é pervertida…
  - É... Então... É... – engasgava, completamente ofegante.
  - Vocês vão vir para a banheira ou não? – Brittany berrou, indo até e a loirinha estava completamente molhada e cheia de espuma. – A água tá uma delícia!
  E essa frase saiu obscena demais na cabeça desses três marmanjos que não paravam de babar em nossos corpos.
  - Puta que pariu, eu tô no paraíso. – Wallace sussurrou, mas eu consegui ouvir.
  - Deus me perdoa por tais pensamentos... – E orou baixinho.
  - Então... Pelo amor... – fechou os olhos.
  - O que vocês querem? – perguntei impaciente.
  - Nós... trocar... de quarto... urgentemente... – gaguejava, implorando por algo que nenhum deles teria, principalmente agora depois dessa cena patética.
  - Não. Boa noite. – Sorri e fechei a porta em suas caras, enquanto argumentavam e choramingavam.
  Nós três nos entreolhamos e gargalhamos, bêbadas demais para nos importar se aquilo era errado demais.
  - Então meninas, – disse alto, para que eles ouvissem atrás da porta. – Vamos para a banheira ou não?
  E eles gemeram do outro lado.
  - Nossa, tô sedenta pra ensaboar sua bunda, . – Brinquei.
  E eles gemeram.
  - Posso usar seus seios como travesseiro, ? – pediu Brit.
  E eles gemeram mais um pouco.
  - Vamos, a água tá uma delícia e a noite é uma criança. – continuou. – Já pedimos o fondue e os morangos.
  Gemeram mais ainda.
  - Vamos dar um jeito neles? – sussurrei e as duas assentiram.
  Abri a porta novamente e os três estavam agachados no chão, ouvindo tudinho que dizíamos. Eles se levantaram em um pulo ao me ver na porta.
  - Então, nós resolvemos reconsiderar.
  - Sério? – se animou um pouco demais.
  - Claro! – veio por trás de mim. – Nós não podemos deixá-los dormir assim, precisamos refrescar um pouco a cabeça de vocês.
  - Oh, por favor. – sorriu contente.
  Então a morena tirou de suas costas o balde de gelo que estava no minibar, tacando a água gelada nos três patetas em nossa frente. Eles berraram, agora refrescados demais e prontos para dormir.
  - Boa noite, pervertidos. – E fechei a porta novamente.
  Demos mais uma daquelas gargalhadas e agora tínhamos mais uma história inacreditável para contar. Mais uma noite memorável que só nós tínhamos.
  Fomos à um festival, arrumamos briga, nos apaixonamos pelo DJ, partimos o coração do DJ, passamos a madrugada em um veterinário, depois quase morremos na mão de motoqueiros enfurecidos e terminamos mostrando para os rapazes como nós mulheres respondendo à meninos.
  Muitas histórias para contar... E só foi a primeira noite de muitas que ainda virão.
  - Agora... será que podemos ir para a banheira ou não?
  E eles gemeram pela última vez.

Capítulo 06 - Parte 1


  : Está me ignorando?
  : Nunca (:
  Ele me enviou uma foto. Um print screen da tela, ele conversando com a minha agora ex melhor amiga.
  : está me ignorando?
  : Sim.

  Apertei os olhos pra toda aquela traição e mandei uma mensagem para a ratinha.
  : , vai se foder (:
  : <3

  Voltei para a outra conversa.
  : (:
  : Não posso responder agora. Muito ocupada. Entrando em um túnel... Shhhhhuuaaaa barulhos de chiado.
  : Eu acho que isso não funciona com mensagens.

  - Senhorita Vega, celulares desligados em momento de explicação.
  O professor careca disse bravo e guardei antes de dar uma piscadela em sua direção. Ele engoliu seco e tossiu um pouco antes de voltamos a segui-lo, atravessando a rua, toda a turma, diretamente para um apartamento perto do campus que aparentemente serviria para o experimento da sua aula.
  Já falei que Hearst é uma faculdade de muito prestígio em Los Angeles? Pois é. Se não fosse, pessoas como Greene e Hudson não estudariam aqui e eu não teria me matado de estudar por um ano para conseguir uma bolsa estudantil. Meu primo tinha uma ajuda pelo time de hóquei.
  Uma das peculiaridades eram algumas aulas que os professores faziam, diferentes, tentando mostrar que na prática aprendemos com mais facilidade que na teoria. E enquanto a Reitora e a faculdade tivessem verba (ironia) para os professores aproveitarem, eles nos fariam ter que aguentar adolescentes babões por horas e nos forçar a virar amigos não somente dentro, mas fora da sala, enquanto aprendíamos sobre índios e George Washington.
  Era um estudo inteligente. Tínhamos duas escolhas, estar aqui e encenar ou entregar um projeto de trinta folhas com todas as regras possíveis de formatação que eu não tinha saco ou tempo para reproduzir.
  Tudo vinha da aula da história da socialização e como nosso comportamento bruto tinha vindo bem antes da luta da ação de graças. Nas situações mais baixas demonstrávamos o nosso pior ou o melhor e ele tomaria nota disso de uma forma pessoal, estudando nossas atitudes em uma realidade alternativa.
  Um bom exemplo disso era como Rick era um santo do pau oco na primeira temporada de The Walking Dead e acabou virando tudo que julgava Shane ser na mesma temporada. O problema era que a mentalidade de Shane estava presa na sétima temporada enquanto o resto do pessoal estava preso nos anos iniciais. O que não justificava Shane ser o babaca que tentou estuprar a Lori, mas vocês entenderam.
  Eu tentei apresentar esse exemplo para o professor e ele nem ligou. Os alunos teriam entendido de primeira, isso eu tinha certeza. Ou melhor, poderíamos apenas assistir o Senhor das Moscas e fazer um debate, poderia ser até o livro, eu aguentava, mas não... Fazer alunos passarem fome por um dia é a melhor decisão do careca.
  De qualquer forma aqueles pontos extras salvariam minha pele e fechariam definitivamente minha entrada para a Zeta. Eu já tinha falado com meus pais sobre não poder ir para o restaurante fazer meu turno, já tinha levado um esporro do meu chefe na Marc Fontaine, e agora estava preparada pra aguentar uma prova de resistência dentro de um apartamento coberto por plásticos e câmeras, até que alguém do meu time resolvesse ser inteligente o suficiente pra descobrir como sair dali.
  Eu iria deitar em uma das camas, descansar de todo o quase coma alcoólico que me enfiei no fim de semana e esperar que o mundo girasse ao meu redor.
  O local que entramos estava completamente vazio, mas tinham muitos, muitos plásticos, guardando alguma pintura nova.
  - O estabelecimento está passando por uma reforma e foi um belo gesto meu amigo emprestar para que pudéssemos fazer nossa pesquisa social, – o professor disse andando rapidamente entre os corredores sem cor e tínhamos que correr atrás dele. – Essas câmeras? Vão notar que terão muitas delas em todos os cômodos, vocês serão monitorados a todo instante.
  - Monitorados por quem? – Dick perguntou. Ah, sim, ele também estava ali.
  - Alunos seniores.
  - E por que não professores? – quis saber.
  - Temos mais o que fazer. – Curto e grosso. Como se eu também não tivesse... – Um aluno da turma informatizada da faculdade foi quem instalou essas câmeras e mais deles estão a caminho para fazer parte do estudo.
  Ficamos no meio de uma sala esperando os seniores até que uma garota apareceu com uma sacola gigante. Abriu e distribuiu pijamas para nós.
  - Que isso? Um campo de concentração? – alguém perguntou.
  - Vistam, – o professor falou ríspido e tratei de colocar logo aquilo. Obviamente eu consegui administrar aquela roupa de modo que eu não parecesse tão... presidiária. Era um conjunto de malha simples e listrado, branco e preto. E eu não conseguia ver uma manga em uma blusa que já queria dobrar.
  Mais alguns rapazes e garotas mais velhos, os seniores, entraram e a menina das roupas entregou outro conjunto para eles. Eles continuaram com a própria calça jeans escura que usavam e colocaram uma blusa de malha simples como nós, porém a deles tinha a famosa estampa camuflada de exército.
  Não sei se estava gostando da rota que aquilo estava tomando.
  Fiquei parada em um canto escuro com dor de cabeça e braços cruzados. Meu fim de semana tinha sido épico, mas ainda tinha resquícios da minha desilusão com Eluk e veias pulsando na minha mente para dar e vender.
  - Seniores serão os guardas, juniores os prisioneiros, – o careca falou o que todos já esperavam. – Vamos às regras. Terá um tempo exato para o sono. Qualquer forma de abuso físico não será permitida. Prisioneiros poderão ingerir somente um certo número de calorias por dia.
  Suspirei alto antes de soltar um comentário inocente.
  - O que é isso? Algum tipo de novo reality show da MTV que vai estrear? Não lembro de ter me inscrito. Só uma vez, mas era em De Férias Com O Ex.
  Algumas meninas riram do meu lado e ele já estava carrancudo.
  - O que eu disse sobre abrir a boca na minha aula, Vega?
  - Não abrir? – perguntei. Ele acenou. E nem era o professor Hanks.
  Outra movimentação pela porta da frente e fiquei levemente nervosa, tentando me esconder atrás das meninas.
  - Tudo certo com a conexão, professor, – falou educadamente com o careca assim que entrou. Revirei os olhos. Tão puxa saco. E é claro que o destino o colocaria ali. Gostoso pra cacete em uma blusa igual camuflada verde escura.
  - Certo, – o careca disse. Nem parecia que queria me bater segundos atrás. – Todos já ouviram as regras. Mais uma coisa – ele pegou uma caixa de papelão que estava jogada por ali e entregou na mão do loiro –, nada de celulares, tablets, fones de ouvido, rádios de pilha, mp3, mp20 ou qualquer merda que vocês jovens usem hoje em dia. Ouviu isso, senhorita Vega?
  Bufei quando o olhar dos dois vieram pra cima de mim e deu uma risadinha irônica ao me notar ali. Ele passou por todos os alunos, recebendo seus objetos eletrônicos até que parou na minha frente.
  - Um túnel, é? – Queria uma explicação? Aqui não.
  - Sim, direto para o Inferno.
  Ele suspirou fechado um pouco os olhos. Dramático.
  - Adoro começar o dia sabendo que vou passar várias horas preso com uma latina gostosa.
  - Também adoro. – Sorri.
  - Não sou latino. – Estranhou.
  - Nem gostoso.
  O careca prestou atenção na gente, estávamos conversando baixo e ele chegou dando alguns tapinhas nas costas do prodígio.
  - Se certifique de que ela não tem nada escondido, está bem, Greene?
  - Sim senhor, – se prontificou e me emburrei. Ele não ia passar a mão no meu corpinho.
  - Sabia, senhor professor – eu não me lembrava do nome dele –, que quem estava me mandando mensagens àquela hora era seu menino de ouro aqui? – Sorri esperta e ele bufou.
  - não se mete com as meninas juniores. Muito menos meninas como você, . – Olhei chocada pro fodido velho. E o fodido novo riu. Alguém chamou a atenção do careca e ele olhou para lá, enquanto eu me livrava de mais algumas coisas que tinha no meu corpo, direto para caixa. Como fone de ouvido e carregador. Eles tinham avisado antes que não poderíamos usar eletrônicos, então me preparei…
  - Já vamos começar, – o professor falou ainda agarrado no .
  - Vai mesmo, velho nojento dos infernos... – murmurei.
  - O que disse, ? – Olhou atento para mim.
  - Que não vejo a hora de começar. – Sorri animadamente e corri para trás das garotas. Protegida.
  Agora o careca estava no meio, nossos aparelhos com os seniores do outro lado. Ele levantou uma placa para que somente nós, os prisioneiros, lêssemos.
  - Essa é a informação que os guardas querem de vocês. – Li rapidamente tudo e meu cérebro já estava encucado. Era um endereço aleatório. – Se não aguentarem e quiserem que todo experimento acabe imediatamente, apenas revelem para os guardas. Assim poderão ir pra casa.
  - Ou eu posso bater meus sapatinhos de rubi três vezes, – comentei e fui ignorada. Palhaça da turma em ascensão, prazer.
  O professor se virou para o nosso adversário.
  - Guardas, uma bomba vai explodir em 24 horas. Descubram o endereço até este exato horário. Se não conseguirem, prisioneiros vencem. Do contrário e eles conseguirem manter o endereço até amanhã, às 9 horas em ponto – se virou para nós. –, a vitória é de vocês.
  Ok. Compreensível. Ele se virou para sair tão rápido quanto entrou e deixou a última regra no ar.
  - Qualquer alarme falso será desconsiderado pelo time que me chamou e automaticamente o lado adversário será o vencedor.
  - Tchau, querido. – Mandei um aceno que ele fez questão outra vez de ignorar.
  Um garoto se aproximou de nós e já não gostei, tinha cara de babaca.
  - Quero todos os prisioneiros dentro de suas celas, agora! – falou autoritário e me segurei pra não mandar ir se foder naquele momento. Tinha que guardar voz para as próximas vinte e quatro horas.

9h00am

  Quando entramos na suposta cela não tinha nada de especial ou novo que já não tínhamos visto. Na verdade, não tinha nada. Um quarto com duas beliches e uma janela com grade.
  - Eu vou ficar aqui enquanto os outros distribuem os horários certos, – uma menina/guarda falou se sentando em um banco dentro da nossa cela, estávamos em pouca quantidade então acho que um dava pro gasto apenas um cuidando de nós enquanto outras cinco cabeças de vento tentavam pensar.
  - Sinta-se em casa. – Sorri e ela riu. Joguei minha mochila em qualquer lugar e subi para o segundo andar do beliche me espreguiçando antes de relaxar. Notei uma sensação de estar sendo observada e abri os olhos.
  - Não vai nos ajudar a ter uma ideia? – Enzo perguntou indignado.
  - Na verdade ela não precisa ajudar em algo... É só a gente manter a boca fechada e não contar o endereço, oras, – uma menina falou, seu nome era Valentina.
  Quem eu estava querendo enganar? Eu mal comparecia naquela aula, não sabia o nome do professor e muito menos dos alunos, que também estavam capengando na nota. Só decidi que a partir daquele momento chamaria todos eles de Enzos e Valentinas.

10h15am

  Outro guarda entrou. Fingiu que era o poderoso chefão e fez uma sessão de perguntas para Valentina 2. Quando ele achou que estava pegando pesado, mas mais parecia uma borboleta delicada, ela acabou gritando fingida e ele ficou com medo de ter machucado ela, ou seus sentimentos, porque afinal nem tinha encostado na menina.
  Ele saiu com medo indo atrás de outro guarda. Rimos muito. Ficamos sem jantar.

15h00pm

  Um fodido que se achava o rei do mundo entrou e confiscou nossos colchões. Armei um barraco fenomenal e acredito que até consegui inventar alguns palavrões novos para o dicionário espanhol. Fiquei orgulhosa de mim mesma.
  Os guardas ficaram putos, o pessoal do meu time disse que não tinham nada a ver com minha loucura e somente eu fiquei sem jantar. Tramei minha vingança por algum tempo. Não funcionou. Fiquei com preguiça.

19h00pm

  - Como é triste o meu viver – cantei melancolicamente – graaaaaande é a minha mágoa…
   entrou naquele humor largado e confiante e se sentou no banquinho dos guardas. Algumas meninas se sentaram eretas colocando o peito pra cima e minha cabeça, que estava na bunda de uma Valentina que servia como travesseiro, foi parar no chão. Palhaçada.
  - Ai, – gemi massageando o local do meu futuro galo e choraminguei mais alto. - Eu quero fazer xixi.
  - Pode ir – Valentina disse –, mas isso consiste em ter que dar o endereço e eu teria que te matar.
  Bufei.
  - Vaca sem coração. – Suspirei e notei que estava sendo o burro do Shrek na viagem até tão, tão distante. Qualquer pessoa ali a qualquer segundo poderia me dar um tiro e eu não ficaria surpresa.
  - Ei brô – Dick acordou de seu sono sentado e fez um toque com . –, preparado para a derrota?
  A cara de foi no chão e gargalhei. Ele olhou feio pra mim.
  - Não é a primeira vez que estamos em um processo acadêmico desses, Dick – sorriu de lado. – Certamente não vai ser a primeira que você irá vencer.
  - Já ganhei aquele do cemitério, – se defendeu.
  - Isso porque eu estava do seu lado do time. – Ergueu a sobrancelha.
  - Sei não... - Dick começou. – Aprendemos muitas lições quando somos derrotados.
  - Então você deve ser um gênio, – o cortou.
  - Essa doeu em mim – ri, pegando uma caneta marcando em minha pele uma sessão de números. – 1, Dick 0.
  - Uma caneta? – Olhou interessado. – Nenhum guarda viu que você estava com um objeto não listado?
  Bufei para o loiro.
  - Nenhum guarda viu que você blá blá blá, – fiz voz manhosa. - Claro que não. Eu deveria ter mantido meu celular, esses guardas são muito fracos pra revistar de verdade. Enzo 5 quase chorou quando passou a mão perto da minha bunda e eu disse que poderia denunciá-lo para o professor.
  - Isso é muito, muito malvado, mesmo pra você. E quem é Enzo 5?
  - Ah, sei lá , não tenho todas as respostas do mundo. – O pessoal acompanhava nossa conversa interessado. Já que não tinha televisão. – E olha só o que eu fiz, – falei sorrindo e levantei a manga da minha blusa. – Isso aí, ninguém pode mexer comigo agora.
  Eu era uma artista nata, todos sabiam disso, mas agora eu tinha certeza que poderia seguir carreira como tatuadora.
  O desenho com a caneta nos músculos enormes do meu braço esquerdo mostrava os traços belíssimos de uma âncora embaixo de um unicórnio usando uma faixa de miss com a palavra mãe. Eu era oficialmente uma prisioneira. Uma perigosa.
  - Meu Deus – olhou pra minha obra de arte sem saber o que dizer e adotou uma feição tristonha. –, você está bem ? Há quanto tempo não deixam você comer alguma coisa?
  Apertei meus olhos para o engraçadinho.
  - Há muito tempo – Valentina reclamou –, pelo menos a comida calaria a boca dela.
  Belisquei seu braço e ela me deu um tapinha. Já éramos melhores amigas, assim. Um dia eu descobriria o nome real dela. Enquanto isso a bunda dela era boa para travesseiro.
  - Eu não sei, , eu estou sofrendo, saudade de casa, nem avisei minha avó, ninguém poderá pagar minha fiança, – fiz meu teatro no melhor sotaque country que existia em mim. – Você poderia trazer um baralho de cartas e alguns cigarros de palha pra mim, amigão?
  Ele continuou olhando pros meus olhos com aquela cara de “o que eu vou fazer com essa menina, meu pai do céu”.
  - Sim eu posso te arranjar qualquer coisa... – sorri esperançosa - ... Se me contar o endereço.
  Coloquei minha cara no chão. Literalmente. Espertinho.
  - Você sabe o que, meu bem... – Levantei e sentei ao lado de Dick, colocando um braço ao redor do seu amigo. Isso , olhe feio, sinta ciúmes. Tô nem aí. – Nós vamos vencer. Ninguém aqui vai abrir a boca pra qualquer coisa. Vocês são frouxos demais pra conseguirem algo com nosso time.
  - Será? – seguiu meu tom. – Se eu estivesse no seu time, começaria a me preocupar com você, já está fraca demais e poderia desistir e entregar todos jogando no ralo as horas que passaram aqui.
  - Eu nunca deduraria meu povo. – Estufei o peito.
  - Não diria isso de uma forma tão confiante. Você é muito emotiva, acertando no ponto e no momento certo, você acabaria cedendo, apenas porque está com raiva demais ou de saco cheio de estar aqui. Aos poucos pode arranjar inimizades aqui dentro e vai querer se vingar de alguma forma e... – Se arrumou na sua cadeira parando de me encarar, eu olhava brava pra ele. –, e sabemos o final da história.
  Fiquei quieta. Iria falar o quê? Que era mentira? Que eu não ficava com raiva fácil e poderia colocar tudo a perder? Por isso eu fui direto pro colchão dormir, de boca fechada eu seria melhor do que tentando desvendar o caso.
   - Olha, ela ficou quieta, – um Enzo disse feliz.
  - Calado. – Não veio de mim, veio de , bravo. Sorri para Enzo mostrando a língua e quando me virei para a cara séria de , desviei o olhar. Gente sem senso de humor…
  Depois de um tempo ele se levantou para sair, acabou seu turno.

21h00pm

  Dividiram as pessoas do nosso quarto com mais algum plano mirabolante dos guardas. E estava aqui de novo enchendo o saco.
  Estávamos jogando xadrez, Dick tentava entender metade do jogo e o resto do pessoal dormia em somente uma cama que foi liberada. Um colchão. Tortura.
  - Quem ganhar, ganha o quê? – o oxigenado perguntou.
  - Fora a boa nota? – falei movimentando uma peça.
  - Sim. Poderíamos ganhar algo mais divertido. Nem sei por que está aqui.
  - Porque eu estou testando novas fiações e instalações pra aula de engenharia elétrica e isso ajuda um pouco…
  Ele ia continuar com um sermão do seu lado nerd florescendo e bocejei alto. olhou feio pra mim.
  - Não, por favor, continue.
  - Não quero incomodá-la. – Arqueou a sobrancelha sedutoramente e moveu outra peça. Percebi que não importava quanto tempo passássemos juntos agora, se não estivéssemos a sós ele não tocaria no assunto... Assunto nós.
  Encolhi os ombros.
  - Só tô cansada. E Dick está certo, sabe? Além das notas, a gente deveria fazer esse jogo ficar mais apimentado.
  - É disso que estou falando. – Dick levantou as mãos. – Vamos fazer uma aposta. e eu contra .
  - Eu não quero uma parceria com você. – Franzi o cenho.
  - Ah, menina, vamos lá, estamos no mesmo time de prisioneiros.
  - Tá com medo ? – sorriu. – Xeque.
  Eu ri.
  - Eu não tenho medo, não sei o que é isso. – Movimentei uma peça tirando o seu xeque. Sai pra lá.
  Dick sorriu.
  - Agora sim ganhou meu respeito.
  - E o que eu faço com isso? Enfio no…
  - Então o que vai ser? – me cortou. Ele não gostava quando eu falava palavrões. Gente com etiqueta cansava minha beleza.
  - O que você quer, meu bom homem? – Dick lhe deu a primeira palavra.
  - Se eu ganhar... – pensou por um tempo e olhou pra mim malicioso. – Eu quero ver sua tatuagem.
  Gargalhei. Frouxo. Em um segundo levantei minha blusa e lá estava, logo abaixo do meu mamilo esquerdo. Um arco íris em cima de uma frase delicada que eu mesma tinha escrito para o tatuador. “How deep is your love”.
  Os dois engoliram seco e abaixei sem me abalar. Na verdade, eles estavam abalados.
  - Você pode fazer melhor, – debochei e ele não levou na maldade. Afinal, ele tinha acabado de ver meu peito. Tinha outras coisas pra se preocupar.
  - Eu também quero ver sua tatuagem, – Dick disse devagar como se não tivesse acabado de ver. Lerdo. Dei um tapa na cabeça dele e ele riu infantil. – Aquilo era um piercing?
  - Sim. – Encolhi os ombros.
  - Ok... – suspirou e quando voltou a falar sua voz estava mais rouca. – Um book fotográfico, seu, de nudes, – declarou, e mais soava como uma pergunta.
  - Não – eu ri.
  - Valeu a pena tentar... Eu não consigo pensar em nada bom agora.
  - Eu sim. – Sorri marota. – Se eu ganhar, vocês dois terão que fazer uma passagem nua no meio de uma das festas da Zeta.
  - O QUÊ?! – gritaram inconformados. Notaram o barulho que fizeram e abaixaram o tom. – Por que isso?
  - Precisamos de visibilidade. Não estou interessada nos corpitchos de vocês, juro. Mas isso daria muito o que falar, não é? Dick, você já está acostumado a levar patada da vida que nem eu, se for pra sala da Dona Didi vai superar, e você , puff, nem vai sofrer penitência.
   respirou fundo, pensando naquilo.
  - Ok, – concordaram e apertei a mãos dos dois com força. Dick se tocou de uma coisa.
  - Não estávamos no mesmo time?
  - Se eu ganhar, vocês vão pagar o pato, – falei óbvia.
  - Mas se você ganhar, significa que Dick também ganha. – olhou confuso.
  - Não, meu bem... Vocês vão saber quando eu ganhar.
  Outro guarda entrou anunciando que era seu horário. Minha barriga estava roncando alto e bufei.
  - Volto outra hora, – falou baixo e já estava no seu modo melhor amigo preocupado. Ele podia até tentar, mas se alguns guardas soubessem que ele já tinha até me dado algumas barrinhas de cereais escondido, ele estaria fora. Eu queria ganhar aquilo justamente.
  - Traz uma gaita, – berrei acordando o pessoal da cela. Recebi algumas vaias e palavrões.
  Eu só estava tentando ser uma prisioneira fodona, poxa.

23h00pm

  Enzo 3 acabou de ser jogado de volta para a cela e estava com a cabeça molhada. De suor. Os guardas ainda não estavam tentando afogar a gente pra pegar uma resposta. Ainda.
  - Esse foi o pior, com certeza, aquele cara... Michael? É um babaca. Acha mesmo que tem qualquer liderança sobre nós e mesmo que não tenha abuso físico, estão fazendo um jogo psicológico. Eu estava quase fazendo xixi nas calças e ele não me deixou usar o banheiro. Tive que mijar na frente dos guardas dentro de um balde. Mas não abri a boca.
  Os guardas estavam agindo como babacas e não era novidade.
  - Isso é ridículo, vamos falar logo esse endereço e recuperar nota com outras chances, – Valentina 2 exclamou.
  Franzi o cenho. Qual é, só mais uma madrugada e ganhamos. De qualquer forma Valentina 2 tinha um pouco de razão. Estávamos em equipe e se alguém não estivesse aguentando e quisesse falar, não deveria ser linchado pelos demais, afinal, eu esperava não ser linchada se isso acabasse escapando sem eu querer. E da minha boca.
  Enzo 3 suspirou e se sentou no colchão que liberaram pra ele.
  - Eu já estou bem. Não vamos acabar com tudo agora, falta pouco. E além do mais, eu nem me lembro da porcaria do endereço. – Riu.
  - Dois, – Dick disse.
  E uma sequência de pessoas se puseram a falar que também não se lembravam.
  - Número 58 da West Boulevard, Vanice, – murmurei sem muita importância.
  - Não... – Valentina franziu o cenho. – Número 48 da West Vanice, em Boulevard.
  - Você quer discutir comigo? Sério? – Arqueei uma sobrancelha.
  - Não, mas... Eu me lembro – tentou pensar e suspirou. –, acho.
  - Olha, eu sei que não sou a melhor da turma, mas tenho uma memória boa, ok? Atingi a pontuação máxima no teste de lógica e confie em mim, é a 58 da West Boulevard de Vanice. - Todos suspiraram sem vida e fiquei insegura de ter liberado o endereço. – Qual é, gente, como o Enzo 3 aqui disse, falta pouco, não desistam agora.
  Alguns acenaram, alguns assentiram, alguns se viraram para dormir e o menino que havia acabado de chegar ficou duvidoso.
  - Quem é Enzo 3?

3h00am

  - Acorda, – uma voz doce sussurrou pra mim e senti um carinho de leve no meu braço. Eu estava agora de volta no beliche do segundo andar, cortesia do meu loirinho preferido que tinha conseguido lutar pelos meus direitos de dormir melhor. Quando abri os olhos, vi aquele olhar me cobrir.
  Bocejei e ele sorriu de leve esperando que eu me levantasse.
  - Que foi? – sussurrei pra não acordar o pessoal.
  - Os guardas estão dormindo. Vem, vamos dar uma volta.
  - Vai infringir as leis? Você é capaz disso? - Abri a boca em um “o” chocado.
  - Vem logo – revirou os olhos e soltei um gritinho leve quando ele me pegou pelo quadril de cima da cama.

***

  - Não estava com fome? – perguntou quando chegamos em uma lanchonete barata. Só gente pobre e feia frequentava o lugar. Então, me senti em casa.
  Passamos por todos os guardas dormindo, era o turno de então tínhamos algum tempo pra voltar. E ele me trouxe aqui, jurando pagar tudo que eu quisesse comer.
   era simplesmente um anjo na vida de todos os seus amigos, ele não somente bancava a gente com tudo como fazia de tudo pra não deixar quem ele se importava na mão. Ele merecia algo por isso. Principalmente depois do choque que levou com a conta do hotel que ficamos após o show.
  - Eu vou querer seis hambúrgueres, um duplo e um sem carne, três porções enormes de batata frita pra levar e um refrigerante de três litros, – falei angelicalmente para a moça no balcão e notei me olhando assustado.
  - Se estava com tanta fome assim, por que não disse antes?
  - Não é pra mim. Eu vou alimentar meu povo, – disse decidida, como Scarlet O’hara faria.
  - Ok... – Ele pagou e fomos pra mesa esperar o lanche.
  - Eu pensei que fosse morrer de desidratação, – falei chupando o canudinho do meu milk-shake. Os hambúrgueres e batatas e refrigerantes já tinham sido devorados, obrigada.
  - Talvez com um ataque cardíaco... – Levantou um ombro.
  - Nem vem com discurso vegano pra cima de mim.
  - Nunca. – Rendeu-se.
  Em um tempo ficamos ali, o restaurante estava levemente cheio, alguns adolescentes e casais da nossa idade ou mais velhos aproveitavam a madrugada.
  - E então? – disse sério. Não... eu não quero essa conversa. Não agora.
  - Então o quê? – perguntei inocente.
  - Então que mal nos vemos desde a noite em meu apartamento, você tem me evitado, eu tenho que mandar suas coisas dos seus estudos por e-mail, você não me atende e quando saímos para um festival você fica bêbada a ponto de sentar no colo de um estranho só pra não precisar estar lúcida ao meu redor.
  Sério que ele ainda lembrava do motoqueiro? Até mesmo eu já tinha esquecido sobre isso.
  - Hm... – analisei. - E então o quê? – ele bufou e bateu de leve na mesa.
  - ... não se faça de sonsa porque você não é. - Gemi frustrada.
  - , o que você quer que eu diga? – Eu realmente não sabia.
  - Ah, não sei... talvez ser verdadeira consigo mesma uma vez na vida e falar que sente algo por mim? – Ele estava bravo. Muito bravo. Era bem sexy na verdade.
  - Quem disse que eu... – Ele apertou a mandíbula e me fuzilou com o olhar. Me calei. Ele segurou minha mão e tive que largar meu milk-shake. Infelizmente. Ou não. Não sei. Santa Demi me ajude.
  - Não fala isso, ... – sua voz estava mole. - Eu mostrei pra você, não mostrei? Que de todas as garotas, em qualquer lugar, modelos de biquíni ou não, você seria a minha escolha. Porque você me faz sentir aquilo. Você me fez falar um monte de baboseira romântica que de alguma forma fez sentido porque você era a inspiração.
  Ah menino…
  - Não, , isso aí é tudo da sua cabeça, são hormônios e... – Ele me interrompeu. De novo. Que faça sempre porque não sabia direito o que falar.
  - Não são hormônios. – Ele riu de leve. É, acho que não tinha como. Talvez se fossem os meus. – E não me trate como um garoto, , eu sei bem o que quero, só falta você se decidir.
  - Decidir o que exatamente? Que eu me lembre, éramos melhores amigos. Você disse que ia ser meu melhor amigo, combinamos indiretamente que íamos ser melhores amigos e não aquele tipo de homem e mulher que não conseguem ficar no mesmo quarto sem deixar que qualquer atração atrapalhasse.
  - Eu não estava no meio dessa decisão, – falou incrédulo. – Você é muito covarde…
  - O quê? – cuspi.
  - Sim. Droga. Me faz gostar de você e depois não tá nem aí pra isso. A gente tem um momento bacana uma vez e você já decide pular do barco.
  - Troca o disco, – bufei.
  - Francamente, minha querida... – bufou. - Você sabe o resto.
  - Eu só quero meu amigo de volta. – Fiz bico. E me lembrei de toda nossa conversa em seu apartamento. O porquê amigos não se declaravam para seus amigos. Era complicado.
  - Esse é o problema, já entramos em uma linha que não tem volta. Não dá pra sair com você por aí, vendo você ficar com outras pessoas, eu não iria aguentar, e também não iria aguentar que fiquemos separados, sem a amizade de sempre. Ainda mais sabendo que sentimos algo um pelo outro que pode ser incrível se for explorado, mas talvez nunca aconteça porque você tem medo de tentar. , eu quero que você entenda que eu nunca, jamais, estaria te cobrando algo como se só porque eu fosse seu amigo e fiz algo por você estaria esperando algum envolvimento. Mas no momento que você olhou pra mim aquela noite, eu sabia... – Ele tentava não aumentar a voz. Tentava se controlar. Seu olhar estava virado para a mesa e depois me fitou. Eu entendia o que ele quis dizer. – Eu sabia que você sentia o mesmo que eu. E agora que tenho certeza, eu não vou você deixar você em paz, garota.
  Por que aquela ameaça soou tão boa?
  Sorri balançando minha cabeça. Ele sorriu de volta, de lado, uma covinha.
  Peguei meu milk-shake e pensei. Pensei no quê?
  - Só me dê um tempo, por favor, – pedi sincera.
  - Tempo pra quê? – Revirou os olhos.
  - Pra eu poder pensar…
  - Pensar no quê?
  - Pensar no que eu deveria pensar.
  Ele acenou, não entendendo, mas entendendo. Eu também achava que não entendia, mas entendi.
  - Sabe, a gente devia só transar e pronto. Tiraria muitas questões do caminho, como meus hormônios, por exemplo.
  Gargalhei e notei ele sorrindo com a minha reação.
  - Quieto.
  Levantei pegando a centena de hambúrgueres da mesa – que ele pagou – e guardei na bolsa, preparada para alimentar meu batalhão. Ainda tinha que ganhar aquela droga. Ouvi ele murmurar antes de sairmos.
  - E é por isso que não fala nada pra . Se ela já é complicada, imagine você.

***
5h00am

  De volta a base, dei os hambúrgueres para meus amigos mantendo a identidade de em segredo para que não acabassem o entregando e acabando com o jogo. De 5 em 5 minutos os guardas tocavam “See You Again” pra que ninguém acabasse dormindo. O pessoal já estava bem puto. Eu estava bem. Só bem. Dormi o dia todo e depois comi a madrugada toda.
  Valentina estava bem irritada. Bem irritada. Não estava acostumada a dormir diretamente em estrados. Ah, status, eles tiraram os colchões outra vez.

6h00am

  Michael foi novamente um babaca. Enzo 3 não quis lhe dar respostas e ele prendeu o garoto em um quartinho escuro. Valentina brigou com ele e ficaram os dois lá presos.
  - Levem algumas camisinhas. – Dick riu safado e dei um tapa em seu braço.
  - Qual é o seu problema? – perguntei e ele deu de ombros.
  - Ninguém sabe quanto tempo eles ficarão lá. Vai que sei lá, precisem repopular o mundo.
  - Com camisinhas? – disse sarcástico.

7h00am

  Tínhamos apenas duas horas para conseguir a porcaria do endereço e parece que não importava o quê, eles não nos diriam. Na noite passada Mike quase conseguiu arrancar a resposta de um garoto, mas como foi de uma maneira bem idiota, fui forçado a fazê-lo parar. Pelo bem dos direitos humanos.
  Eu não poderia perder essa. Não depois de ter pensado em um pagamento perfeito para minha aposta. me agradeceria depois.
  Depois de ter me recuperado do suposto toco que levei na madrugada, coloquei a mente para funcionar. Vários métodos, várias perguntas, e a maioria deles era um poço sem fundo. Sem credibilidade.
  - E se a gente comesse frangos da KFC na frente deles? Qual é, aquele povo tá morrendo de fome, oferecemos um pedaço em troca do endereço, – Pamela, da minha turma, falou e franzi o cenho. Poderia dar certo se eu não tivesse alimentado os prisioneiros indiretamente aquela noite.
  - Robin preferiu mijar no balde na nossa frente do que nos falar. Comida não vai ser um problema pra eles superarem, – Mike falou.
  Suspiramos. Pense, pense, pense.
  O que Oprah faria?

8h45am

  O sono de Valentina parecia estar muito bom. Não tinha nada de interessante ali então fiquei olhando o pessoal dormir. Tudo silencioso. Tudo quieto. Maravilhoso. Estávamos quase lá. Até que um som de piano soou.

It's been a long day without you, my friend
And I'll tell you all about it when I see you again
We've come a long way from where we began
Oh, I'll tell you all about it when I see you again
  Eu ia matar quem escreveu aquela música. Eu ressuscitaria Paul Walker com minhas próprias mãos pra não ter que ouvir aquela merda outra vez.
  - CHEGA, – Valentina gritou. Jogando minha cabeça no chão outra vez retirando sua bunda-travesseiro de baixo de mim.
  - Meu Deus, Valentina, fica calma, estamos quase ganhando... – falei calmamente, jogada no chão como uma cabra.
  - Você – apontou pra mim com ódio –, para de dormir em cima de mim. Minha bunda tá ficando quadrada. E meu nome não é Valentina, cacete! E você – apontou para o guarda que estava com mais sono que nós. –, eu não aguento mais. Eu quero mijar, eu quero dormir em uma superfície macia, eu quero paz.
  - Ela só quer paazzz, – cantei baixinho. Ela ouviu. Ops.
  - Cala a boca, , pelo amor de Deus, eu vou pedir transferência pra não ter que ouvir sua voz outra vez. – Fiz bico. Magoou mamãe.
  - As pessoas tendem a amar minha voz, querida, eu sou cantora. – Mostrei a língua. Cara, ela estava tão puta, e era engraçado.
  Agora entendia porque meus amigos amavam me irritar. A diferença é que se eles não calavam a boca em um minuto, eu fazia eles calarem na marra.
  - Uh, meninas... – o guarda gordinho, o mais amigável deles, começou a falar. – Falta só quinze minutos, calma.
  Ele disse isso porque claramente Valentina estava irritada e louca pra contar o endereço. Vaca.
  - É Valentina... – falei sorrindo como um anjo. - calma.
  - Meu nome não é Valentina. – Ela veio pra cima de mim. Pensei que nossa amizade seria duradoura. Que pena.

8h55am

  O relógio estava na parede entre nossos dois times. Cinco minutos. Cinco minutos para derrota. Nenhum deles abrigou a boca. Silêncio. Paz. Logo acabaria e eu poderia ir pra casa tomar um banho quente.
  Acho que era isso que estava pensando, porque eu não estava pronto para perder.
  No momento em que deu 9 horas, meu time fez a pose, decepção, tristeza, prontos para a derrota. Só que não.
  As pessoas que se conheciam e estavam em times separados se abraçaram, fazia uma dancinha da vitória adorável e fiquei triste por ter que tirar aquilo da sua cara. Robin levantava as mãos para o céu e a garota que parecia ser amiga de estava com cara de alívio, mas receio, como se tivesse acabado de apanhar.
  - É isso, logo o professor vai estar aqui... – comecei.
  - Qual era a porcaria do endereço? – Mike disse com raiva e um pouco sem graça. Sem graça pela quantidade de merda que fez na noite por um simples endereço, talvez?
  Robin, que estava abraçando a amiga, foi o primeiro a se posicionar. Isso, querido, faça isso.
  - Não... – percebeu. E tentou impedir.
  - Número 48 da West Vanice, em Boulevard, – ele falou sorridente. Achando que tinha vencido. Pobre rapaz.
  Então o professor chegou, procurando sobre o veredito final. Repeti o endereço que Robin havia dito e o mais velho apertou minha mão sorrindo.
  - O que tá acontecendo? – Robin quis saber.
  - Eles trocaram o horário de noite, tá na cara. – Um deles suspirou alto.
  Isso aí querida, tanta produção para absolutamente nada. Vencemos.
  O professor sorriu por um tempo e deu uns tapas nas minhas costas em orgulho, até que finalmente falou.
  - Parabéns pela informação errada.
  Fechei a cara.
  - Como assim?
  Ele se virou para os presidiários e disse com convicção.
  - Parabéns, detentos, a vitória é de vocês.
  É o quê?
  A diaba já estava sorrindo vitoriosa, o sorriso de que sabia exatamente o que estava acontecendo e eu ainda estava perdido.
  - Todos aqui esqueceram a merda do endereço, cara, – Dick falou.
  - Sim, mas... – a amiga da começou. – Eu lembrava dele, gente. Eu tinha certeza que não era esse endereço que Robin falou.
  - Até que fez a gente acreditar que era a 58 da West Boulevard – Robin falou sorrindo. – Será que ela errou o endereço?
  - não iria esquecer o endereço, – bufei. – Ela tem memória fotográfica.
  - Tenho? – ela falou depois de um tempo vendo toda a discussão. E sorriu de forma diabólica. – Acho que esqueci.
  Ah, não…
  - Espera um pouco, – ela falou alto pra todos ouvirem, o professor sorria um pouco orgulhoso pra ela. – Isso quer dizer que eles não sabem o endereço de verdade e foram enganados por um truque simples que é falar o endereço errado? – zombou. – E o professor está aqui – apontou pra ele. O time dela estava sorrindo e quase comemorando. Os tapados éramos nós dessa vez. Éramos nós desde o início. – Minha memória é muito boa sim, mas acho que todos nós lembramos da última regra, não é pessoal?
  E então todos eles recitaram, era bonito de se ver, se eu estivesse naquele lado.
  “Qualquer alarme falso será desconsiderado pelo time que chamar o professor até aqui para verificar e automaticamente o lado adversário será o vencedor.”
  O professor olhou em seu relógio.
  - 9 horas e os guardas não souberam o endereço. Uma bomba explodiu, mas vocês ganharam.
  Ela ganhou. Ela disse que saberíamos quando ela ganhasse.
  Dick e eu nos olhamos. Estávamos fodidos.

***

  : Se eu não estivesse me sentindo um completo perdedor agora até que estaria orgulhoso de você.
  : Você já está orgulhoso de mim. Me diga. Eu sou muito inteligente. Eu sou esbelta. Eu sou um gênio. Eu sou Neil deGrasse Tyson da nossa geração.
  : O orgulho evaporou. Narcisista.
  : Tá.
  : Tenho um acordo para lhe propor.
  : Você vai aparecer na festa da Zeta, , não tem outra saída. Mas, quero ouvir o que você iria pedir em troca na nossa aposta.
  : Eu vou aparecer. Não tenho nada pra sentir vergonha, meu bem.
  : Modesto.
  : Já está quente aí? Me diz o que você está vestindo…
  : Não. Diz.
  : Estou usando uma boxer branca, posso mandar foto se quiser. De qualquer forma o que eu queria dizer era outra coisa. Meu pai vai dar um tipo de festa preciso ir pra pelo menos fingir que ele ainda tem contato com o filho e preciso de uma força extra. Todo mundo vai. Mas você sabe que é vital que você vá.
  : Tudo bem. E você sabe mesmo como cortar um clima leve.
  : Isso porque você não precisa conviver com você.
  : O que ia pedir na aposta?
  : Um desejo muito antigo, meu e de .
  : O quê? O.o
  : Que você e reencenassem seu primeiro beijo.
   Greene bloqueado.

***

  Já era tarde da noite quando cheguei na Zeta e encontrei uma loira peituda da irmandade tomando sorvete (um pote gigantesco) e assistindo alguma série de comédia. As luzes do quarto e cozinha estavam acesas mais no fundo e notei que provavelmente todas estavam ali.
  - Que tá acontecendo aqui? – perguntei me referindo ao seu estado de calamidade. Eu tinha passado vinte e quatro horas na prisão e ela que estava desgastada.
  - Ah, então quer dizer que a madame tá viva, – reclamou.
  - Eu estava na cadeia. Te mandei mensagem avisando.
  - Não recebi nada...
  - Por acaso lembrou de carregar o celular?
  - Também não…
  Rolei os olhos.
  - Que clima jururu é esse, mulher? Tá querendo combinar com a decoração da casa?
  - Desilusão amorosa.
  - ? – perguntei não entendendo.
  - E lá eu tenho cara de sofrer por marmanjo de faculdade? – brigou. Até que voltou pra voz chorosa e gemeu triste. – Eu quero o Eluk.
  Suspirei entendendo sua dor e me sentei ao seu lado. Nos aconchegamos no sofá e roubei seu sorvete.
  - Eu te entendo mais que qualquer um. O problema é que... foi só uma noite, . Nós vamos conseguir superar. Eu prometo.
  - Mas e se ele... se esquecer da gente? E se ele se casar e tiver filhos e nossos sonhos forem criados e despedaçados no mesmo dia em que saímos na capa da Billboard?
  - No meio da revista. Online.
  - Que seja. – Rolou os olhos.
  - A gente vai conseguir sobreviver. Somos fortes. Ele nem é tão bom DJ assim…
  - É – encolheu os ombros. – E tem uma voz meio infantil, né?
  - Sim... parece que está saindo da puberdade.
  De repente uma propaganda surgiu no meio da série, falando sobre a sequência de festivais na nossa área e a passagem de Eluk por LA. Ganimos alto, desoladas.
  - Mas é tão gostoso... – suspiramos triste.
  - Que tá havendo aqui? – Brit surgiu.
  - Desilusão amorosa, – repeti com o sorvete só pra mim e encarando a TV sem ânimo, como minha amiga.
  - Ok…
  A loira então gritou para que todas se unissem na sala. Era hora de bater um papo. Reclamamos quando ela fez questão de desligar a televisão quando meu ex Eluk apareceu em outro comercial. Triste…
  - Gente eu acho que tá na hora de fazermos algo pra mudar tudo isso, – Ana começou.
  - Já falamos sobre isso, não é a ajuda das patricinhas de Beverly Hills que vai fazer a gente conseguir manter nossa casa por mais um ano, – a vadia, ops, Morgana falou.
  - Eu estou apta pra aceitar ajudar, não nego, mas o que elas têm que pode ser útil pra nós? – Sabrina perguntou e pensei. Ana ia responder aquela e eu também queria saber o que tinha em nós que era útil pra elas.
  - Bom... são duas ex líderes de torcida, elas têm alguns amigos dentro das casas mais populares da Hearst e uma delas namora o filho do Marc Fontaine. – Ergui a sobrancelha.
  Aquela era eu? E na verdade, era neto do fundador da Marc Fontaine. Marc Fontaine era um tipo de pseudônimo do estilista que começou tudo. O avô do . Sim o avô do era gay. Não querendo assumir que todos os estilistas masculinos se interessavam pelos da mesma espécie, mas era real e revelado. E era legal saber que ele teve um filho com uma mulher sendo que ele preferia pintos. Na verdade, não é tão legal assim…
  Percebi que todas as meninas olhavam pra mim com expectativa e me perdi.
  - No que estava pensando? – disse Sandra sorrindo.
  - Nada importante. Perguntaram algo?
  - Vamos deixar nossa irmandade nas mãos dessas cabeças de vento? – Morgana gemeu.
  - Cabeça de vento é você que tenta combinar listra com xadrez. – deu a língua. Isso mesmo, muito ofensivo.
  - Eu só... Pensei que pra conquistar o cativo de outras pessoas deveríamos ser... nós mesmas, – Sandra disse baixo e apreensiva.
  - Não tem nada de errado em serem vocês mesmas – balancei a cabeça. –, mas se querem atenção de garotos e garotas, novos membros e aparições nos trabalhos filantrópicos, vocês precisam ser tudo, menos vocês mesmas.
  Eu não tinha certeza se aquilo soou bom ou ruim pela cara apreensiva delas.
  - Falando em trabalho filantrópico – Ana se animou – tenho algumas ideias.
  Todas elas fumegaram revirando os olhos. Ok…
  - Eu fiz uma lista. – Abriu a bolsa com dez mil chaveirinhos e e eu nos encaramos assustadas. Retirou um papel lá de dentro e entregou nas nossas mãos.
- Dia de competição de Magic;
- Traga sua tartaruga;
- Fazendo bolo de frutas com os amigos/vendendo bolo de frutas;
- Traga seus ossos! Vamos fazer uma escavação pela floresta de Hearst.

  - Tem alguma coisa errada com essa lista. – apontou.
  - Tem alguma coisa que não tá errada com essa lista? – Ergui uma sobrancelha.
  A única coisa que eu sei que agradaria três garotos, seria o evento com baralho Magic, mas não havia como , e Wallace pagarem pra entrar em um troço desses.
  - Eu nem sei como ganharíamos dinheiro com a escavação... – Sabrina deu sua opinião.
  - Ah, meninas – Ana sorriu animada –, venderíamos os ossos que encontrarmos…
  - Os ossos? Jura? No meio de uma floresta em Los Angeles? – Ri.
  - Daríamos sorte se encontrássemos algum osso que um cachorro enterrou, – grunhiu.
  - Vocês têm uma ideia melhor? – a bruxa da sala perguntou.
   amassou a lista e jogou na cabeça de Morgana. Olhamos uma pra outra maliciosas e eu sabia que pensávamos na mesma coisa.
  - Corrida de peixes! – Brit gritou.
  Suspiramos alto, bati a mão na testa e balançou a cabeça.
  - Não Brit... Não…

Capítulo 6 - Parte 2


  Era uma manhã de sábado. Dia do tal evento de gente rica e beneficente daquela família louca de e eu estava me preparando psicologicamente pra ir. Na verdade, eu adorava essas festas, era uma maneira que eu tinha pra fingir que era da alta socialite e normalmente estava lá pra tornar a noite mais divertida.
  Mas hoje eu não era uma convidada de . Eu era uma convidada de . Ele estava confiando em mim para ser uma boa amiga no ato de ter que fazer ele engolir todo aquele pessoal com um sorriso no rosto e pelo menos fingir pra mídia que tinha um bom relacionamento com o filho do fundador da Marc Fontaine. Se ele queria, eu iria.
  Estávamos passando por um período estranho na nossa relação, mas eu não iria deixá-lo na mão. Até por ser um assunto tão delicado na vida dele. Aos poucos eu comentava que mesmo ele sendo seu pai, e agora não estavam tão próximos, eu sabia e me lembrava que quando sua mãe estava viva ele e o pai eram melhores amigos.
  Depois que ela faleceu e seu pai começou a passar de casamento em casamento, eles se distanciaram. nunca me falou, mas eu conseguia ver no seu rosto que o problema era ele pensar que seu pai estava apenas substituindo sua mãe. Com algumas talvez pudesse ser, só que ele nunca iria encontrar a felicidade e perdoar seu pai se visse suas novas esposas apenas como inimigas.
  Ele já aceitava que a mãe não iria voltar, afinal fazia muito tempo, apenas não compreendia como deixar o rancor de lado e entender que seu pai também aceitou e decidiu seguir em frente.
  Lustrei mais uma mesa e voltei para a caixa registradora finalmente. A fada madrinha da Cinderela ainda não tinha vindo me visitar e eu estava vestida como empregada. Empregada chique.
  Minto, apenas jeans boyfriend e camiseta de crochê alaranjada. Que eu mesma fiz, com muito orgulho.
  - No que está pensando? – perguntei para minha abuela na sua cadeira perto da porta do restaurante David’s. O próprio David estava em uma das mesas fazendo sua tarefa de casa para que depois eu o levasse até a escola. Meus pais saíram pra pegar mais mercadoria com o fornecedor deles e me deixaram no comando.
  - Não te interessa, – cuspiu.
  - Grossa – bufei.
  - Estou com crises de raiva, , a sua prima Marbella me recomendou alguns jogos de tiro para eu comprar e jogar no Xbox do seu irmão. Ela disse que acalma os nervos. Mas ele não me comprou jogos de tiro. Eu quero meus jogos de tiro.
  Eu ia responder, até que um homem apareceu na porta do restaurante. Era cedo demais e dois dos nossos empregados/primos estavam fazendo a comida ainda para o pico do almoço. Mas não estava aberto.
  Fui até a porta de vidro avisar isso pra ele. Ele era um cara grande, tipo grande pra caramba, careca, negro e muito forte. Encolhi-me um pouco pela sua presença. Dava medo.
  - Abrimos as onze, – falei estranhando sua cara muito séria.
  - Não estou aqui para almoçar. A senhora Guadalupe Sanchez mora neste estabelecimento?
  - Sim – franzi o cenho. –, é minha mãe. Posso saber do que se trata?
  - Ela está? – perguntou sem delongas.
  - Não. Eu estou responsável pelo local, nem ela e nem meu pai estão aqui, posso saber do que se trata?
  Retirou seus óculos escuros e colocou na gola de sua camiseta social.
  - Meu nome é Everest Day e sou o diretor do colégio do que devo presumir ser o seu irmão, o senhor David Sanchez-Vega. – Assim que essas palavras saíram de sua boca meu sangue esquentou. Eu tinha feito muita merda no colegial, mas não a ponto de trazer o diretor para a minha casa, porra David.
  - O que ele fez dessa vez? – perguntei impaciente. Antes de ele responder, dei uma leve olhada para trás. Ele estava se escondendo atrás da cadeira de rodas da minha abuela. Eu ia matar aquele menino.
  - Aqui – ele me entregou alguns envelopes em branco. – Descobrimos que seu irmão vem falsificando a assinatura de seus pais nas notas pra não perceberem que na realidade, seu irmão vem cabulando aula há algum tempo. Faria mais sentido se ele sumisse nas primeiras ou últimas aulas, mas de alguma forma ele sempre está bem o bastante para sumir e retornar algum tempo depois para as aulas de futebol.
  Respirei profundamente.
  - Eu sinto muito por isso Senhor Day e prometo que ele vai se comportar daqui pra frente.
  - Espero que fale para os seus pais sobre isso senhorita... – falei meu nome. – . Uma correção familiar não é o suficiente, e se eles estão ausentes na vida do menino, eu preciso tomar providências o mais rápido possível, – disse duramente. A sua voz era tão grossa que eu sentia o chão tremer. Ok, não literalmente. De qualquer forma, acabei ficando mal. Meus pais eram ótimos pais e não mereciam ser julgados por culpa do meu irmão retardado.
  - Amanhã eles estarão cedo na sua porta, com o David junto.
  - Assim espero. – Acenou com a cabeça e partiu.
  Contei até dez antes de me virar. Meu irmão gritou como uma garotinha.
  - Eu vou te matar. – Saí correndo atrás dele e ele bagunçava as cadeiras para que eu me embasbacasse no trajeto.
  - Eu não sei do que ele estava falando... – Era cômico ver ele com medo.
  - Você é um mentirosinho da peste, sua capivara maluca. – Pulei diretamente em cima de uma mesa e consegui pegar antes que ele fizesse uma nova curva. Joguei ele contra o chão e rolamos um pouco pela madeira. O segurei com força para que não escapasse e ele rosnava em meus braços.
  - Sai de cima de mim sua gorda, você vai me matar. – Socava o chão loucamente e lambeu meu braço.
  - Que nojo, você pode ser contagioso. – Fiz cara de desgosto e peguei aquele esqueleto com cabelo sem deixar escapar e o prendi em uma das cadeiras de bebê que o restaurante tinha. Sim, aquele tampinha cabia em uma deles.
  - Me deixa em paz. – Tentava lutar.
  - Fica quieto, pelo amor de Deus, não posso te matar aqui, temos testemunhas.
  - Se você me matar eu conto pros meus pais. – Mostrou a língua.
  - Se você contar eu mostro suas notas – ele ficou com medo. – Ah, quem estou enganando, vou mostrar de qualquer forma.
  Sorri cínica e ele voltou a agir como uma vaca louca.
  Então eu gritei. Gritei, gritei e gritei. Como uma maluca. Histérica. Todos os meus primos estavam olhando através da porta do restaurante (não todos, mas uma porcentagem), meus primos da cozinha viam o barraco através da janelinha e minha abuela continuava com sua cara de tédio.
  E David parou. Olhou para mim como se eu fosse um et e finalmente o cabrón estava mais relaxado.
  - Deu de crise? – perguntei e ele bufou, exatamente como eu fazia e virou a cara. – Agora me diz, por que está matando aula?
  - Porque eu não gosto daquele lugar.
  - Como assim? – Ele tentava manter a calma. Melhor. Ou eu voltaria a gritar até ele se tocar de que eu sempre venceria.
  - Ah , por que você quer saber? Você nem pode brigar comigo porque faz a mesma coisa.
  Eu estava furiosa com aquela acusação, mas tinha um pouco de razão afinal. Se a irmã mais velha fazia, por que ele não poderia, né?
  - David, você sabe que eu trabalho em dois lugares pra ajudar nossa família caramba, estamos nos reerguendo ainda do furo que aconteceu no ano passado.
  Ele franziu o cenho e ainda não olhava pra mim, estava mais calmo e sentimental.
  - David... – comecei. –, fala pra mim o que aconteceu.
  - Nada – suspirou –, eu só não gosto daquele lugar.
  - Isso não faz sentido, você sempre curtiu ir pra escola, você é um ótimo aluno e tem energia pra gastar em todas as aulas. Sem falar que estava há alguns minutos fazendo tarefa. Eu mesma adorava aquela escola, minha vida foi inteira lá. – Ele continuou quieto. Suspirei perdendo a paciência. – David... Papai disse que quem mente fica estéril.
  - Não, não fica. Papai é louco. – Fez careta.
  - Quem liga? Nós também somos. – Peguei seu queixo pequeno e o virei pra mim. – Fala. Prometo que não vou ficar brava com você.
  - Eu arrumei briga com um garoto. – Credo, era como uma versão minha masculina e mais nova. Não tão nova.
  - Posso saber por quê?
  - Ela disse uma coisa, – murmurou.
  - Ela? – Arqueei a sobrancelha.
  - A irmã dele – suspirou. – Ela disse que estudava com você e você era uma vadia, aí ela contou pra ele e ele espalhou pra escola toda que você era uma vadia e eles ficavam zombando de mim e acabei batendo nele.
  ...
  - Eu estou muito feliz que você tenha contado isso pra mim, David. É muito bom dizer a verdade e agora você não vai ficar estéril.
  - Tá. – Revirou os olhos. Levantou os braços da cadeirinha de bebê e perguntou: - Posso ir agora?
  - Claro. Outra coisa, você sabe o nome da irmã dele?
  - Não tenho certeza – encolheu os ombros, já no chão. – Algo como... Leila Mara.
  Leila Mara.

***

  - Mejor aun, cierra la boca! – falei antes de puxar aquele cabelo horrível.
  Ela empurrou minhas costas contra o muro amarelo da escola e arfei rapidamente, antes de empurrá-la para o chão.
  - Fala minha língua, sua desgraçada! – Leila Mara disse antes de tentar me arranhar. Eu me defendi. Eu estava mais forte, Leila Mara. Dessa vez eu tenho minha revanche.
  - Nhoc, nhoc, nhoc! – gritei.
  - O quê? – Tive um segundo pra ver sua expressão incompreendida.
  - Tô falando sua língua de porca!
  Vários uivos foram soltos ao nosso redor. Vários. E sabem de quem vinham? De todas as crianças de 7 a 14 anos que frequentavam aquela escola. Foi minha primeira escola. Onde eu conheci aquela ruivinha nojenta e tinha apanhado de leve na frente dos meus amigos. E cá estava eu, cinco anos depois, tendo minha revanche. Finalmente!
  Leila Mara foi a mesma garota que mencionou no apartamento, a única que tinha conseguido me dar um bom trato e isso me revigorou para aquele embate.
  Trocamos tapas e chutes, foi um barraco gigantesco até pararmos as duas na sala da direção. Onde as duas levamos mais tapas, socos e chutes, só que dessa vez de Everest, e foram todos com palavras. Sobre o quanto éramos irresponsáveis e blá, blá, blá. Pelo menos agora ele sabia o pivô de todas as faltas de meu irmão e iria reconsiderar que o problema da criação de David não eram meus pais, e sim eu.
  No momento em que voltei para o restaurante, totalmente quebrada, meus pais arfaram com medo.
  - O que aconteceu, meu anjinho? – Meu pai chegou perto de mim com rapidez trazendo gelo. Na verdade, era carne congelada, mas enfim…
  Suspirei longa e profundamente.
  - Precisamos comprar jogos de tiro.

***

  Depois do mico que passei (e pequena vitória na vida) levando meu irmão para a escola, comecei a pensar no que vestiria. Minha abuela e minha mãe estavam no quarto, tentando me ajudar com a decisão que nunca chegava.
  - Esse? – Mostrei para elas. Era roxo. Eu odiava vestidos de cor roxa.
  - Lindo. – Minha mãe sorriu.
  - Parece seu olho agora, – abuela zombou. Nada que dois quilos de reboco na cara não resolvessem.
  - Que tal esse? – Branco. Branco era lindo. Combinava com meu bronzeado.
  - Lindo, – mamãe repetiu. Como das outras trinta e sete vezes. Dessa vez já cansada. Coitada.
  - Parece o pus que saiu da espinha da sua prima Hilda essa semana.
  Ah, qual é. Que nojo.
  - Abuela, sai daqui, – falei.
  - Quem você acha que é pra me mandar fazer alguma coisa? – gritou comigo. E continuou gritando e gritando. Tudo em espanhol. Fiquei com cara de tédio, minha mãe estava quase dormindo em pé até que meu pai apareceu em uma cueca horrível de unicórnio que tinha ganhado de Brit quando ela participou de um amigo oculto na minha família e retirou minha abuela do meu quarto com seus sinais de protestos. Em um segundo o som parou. E voltou. Dessa vez pela janela. Ele a tinha trancado do lado de fora.
  - Hoje em dia vocês fedelhos já nascem olhando pra trás querendo saber de onde veio, na minha época isso não existia e... – Fechei a janela.
  - Uau. – Minha mãe respirou fundo.
  - Sim, – eu ri.
  - E então? Será que é um encontro? – perguntou ansiosa.
  - Lamento informar. – Encolhi os ombros.
  - Tudo bem... – sorriu. – De qualquer forma, é bom ver você se divertindo de vez em quando…
  A última vez que tinha saído pra valer foi pelo menos há um mês, no festival. Eu tinha que sair pelo menos uma vez por mês pra durar. Eram 15 o número de dias que minha mãe não me perguntava porque eu não saia mais.
  - Eu ainda saio, mãe. – Mostrei a língua. Estava de toalha me maquiando na frente da minha penteadeira. Meu quarto era simples, alguns achavam que tinham cores exageradas. Minha parede era carmim, com algumas samambaias espalhadas pelo teto e decorações diversas com móveis vintage e branco. – Hoje vamos pra um tipo de baile beneficente que o pai de vai conceber.
  - Gente chique então?
  - Gente chique então.
  Ela estava deitada na minha cama olhando para o teto com estrelinhas que brilhavam no escuro.
  - Que tal... Algo fatal? – Sorriu arteira e eu ri levantando uma sobrancelha. Queria saber sua opinião, qualquer uma era bem-vinda, principalmente daquela deusa em forma de gente. Eu? Puxa saco da mamãe? Nunca.
  - Conte-me suas ideias, mujer.
  - Bom... Você sabe que esse povo vai sempre chique nesses lugares, certo? Vestidos longos, todas simples, sem uma cor que dê destaque pra valer, a maioria sem um bronzeado maravilhoso que você tem.
  - Acho que sim... – Franzi o cenho.
  - Vá com algo que mostre seu corpo, que mostre seu lindo rosto. Este aqui. – Levantou e me mostrou o vestido, era simples, levemente elegante. Se mamãe falou, tá falado.
  Ficamos mais um tempo ali nos aprontando. Eu tinha alguns cursos estéticos na manga como cabelo e maquiagem que ajudavam demais na nossa transformação. Depois que fiquei pronta passei a trabalhar em mamãe. Ela era minha cara, ou eu era a cara dela, porém tinha os olhos verdes e o cabelo era vermelho vinho de tinta.
  Nessa noite em especial ela ia sair com as amigas pra se divertir e meu pai tinha prometido ficar a madrugada jogando com meu irmão jogos de tiro. E com minha avó. Então logo ela já estaria dentro de casa, sem preocupações.
  Após ficarmos prontas acabei tendo que fazer um book de fotos dela em todos os lugares do meu quarto e nos olhamos no espelho por um momento. Ela usava um vestido verde da cor de seus olhos e meu salto agulha branco. Uma rainha mesmo.
  E eu estava... simplesmente gostosa. Mas com cara de rica. Não rica, rica, mas rica em um nível advogada fodona que fazia os homens comerem na palma da mão dela, e cá entre nós, isso era meio verdade.
  A parte mais sensual da minha roupa sem dúvidas era a meia calça preta de fio 20, que deixava minhas pernas surreais. Um salto preto de agulha dourada meia pata. Vestido tomara que caia com decote coração profundo, não tão acentuado, mas mostrava o ponto exato de curvas. Alisei o cabelo e amarrei com bastante volume quase no topo da cabeça. Maquiagem leve, brincos brilhantes e batom vermelho forte para destacar.
   - É isso. – Fizemos caretas pro espelho, como “nada mal”. E demos um high five.
  Antes que eu mandasse uma mensagem para vir me buscar minha mãe chamou minha atenção.
  - , não se meta em brigas, mande mensagens avisando se sair de lá e de onde vai estar, não saia de perto de e dos pais dela, se sair, não saia de perto de ou do seu primo. Eu confio em você, você sabe disso, mas não faça burradas, – avisou. Meu pai não era ruim, minha mãe era. Eu puxei isso dela.
  - E acima de tudo, não engravidar – terminei por ela – já sei mãe... Tenho 19, sabia?
  - É querida, mas criança que faz criança…
  - Não é mais criança. Ainda bem que não fiz nenhuma. Eu nunca nem fiquei bêbada em uma saidinha mãe, puff – revirei os olhos – eu que cuido daquele pessoal louco.
  - Sei…
  - Beleza, não engravidar e não bater. Só vou ficar drogada e bêbada. – Ela sorriu suspirando.
  - Isso pode. Muito bem.

***

  - FREEEEEEEEEDOMMMMMMMMMM, FREEDOMMMMM, YOU’VE GOTTA GIVE FOR WHAT YOU TAKE, – cantei alegremente com meus cabelos ao vento na abertura da limusine de . Sim, a maldita tinha até isso. Senti um tapa na bunda e voltei para o assento ao seu lado.
  - Estamos chegando, desnorteada.
  - Deixa eu fingir que sou rica, cacete. Pra você já não tem mais graça.
   estava usando um elegante vestido longo justo – que delineava suas curvas -, de cor nude puxado para o rosa, com um decote profundo que marcava os seus famigerados "gêmeos" – que poderia causar um ataque cardíaco de seu pai, se fosse essa a intenção – e alças finas. Só esse vestido custava tudo que eu juntar um ano todo. A loira tinha seus cabelos soltos, caindo sob seu busto com um penteado ondulado. Mal usava maquiagem, só com os cílios bem chamativos e os lábios em um tom rosado.
  Soube que seus pais já estariam nos esperando lá dentro. Ou apenas a esperando já que eles levemente me odiavam. De qualquer forma ela estava, como o esperado, gostosa, com o peitão quase dando oi para o mundo.
  Sabe aquele leve nervosismo na barriga que você sente antes de ir pra um local infestado de gente que você não conhece?
  Eu não tinha isso.
  Eu estava animada, pronta pra ver todo aquele povo, pronta pra beber, me apresentar, ver cara nova e desarmar meu modo vadia pra ser educada com todos e ter uma noite maravilhosa. Sim, eu era grossa, mas também já me chamaram de carismática e cativante.
  - Acabaram de me mandar uma mensagem dizendo que já estão lá dentro, nos esperando na porta, – comentou e concordei.
  - Onde que estamos indo mesmo?
  - O evento vai ser na casa principal do aqui em Los Angeles. Gente falsa com roupa bonita – encolheu os ombros. – Estamos em casa, amiga.
  Sorri pra ela, maliciosa.
  Ok. Poderia lidar facilmente. Até que saí do carro, o sol estava começando a se pôr, e quando vi aquela casa fiquei chocada.
  Lembra daquele frio no estômago?
  Ainda não estava lá, eu queria era experimentar a vida de rica por um dia. Puxei minha amiga pela mão e rapidamente subimos as escadas procurando pelos meninos. Seria uma noite e tanto.

***

  Eu estava usando um navy suit sem gravata com um converse branco, bem legal. Emprestei um Armani para Wallace. E usava um no mesmo modelo.
  Estávamos os três no meu apartamento esperando uma mensagem das garotas, que estavam indo para a House Fontaine conosco. Juntar a galera foi a melhor ideia que eu tive pra conseguir passar por aquilo. E finalmente a morena já não estava me ignorando, era um sinal de que agora era tudo ou nada.
  O som eletrônico surgiu da televisão, bem alto. Minha cara estava séria, assim como de nossos amigos. Aquela situação era delicada e precisávamos prestar atenção pra quebrar o recorde no Guitar Hero.
  Eu estava na guitarra, na bateria e Wallace, como sempre, no vocal. Ele dava o máximo de si.
  Era agora.

Ma ma ma ma
  Wallace começou acertando as notas mais profundas. Sem um pingo de afinação.
Ma ma ma ma
  Concentrei-me nos botões. Era nossa hora de brilhar.
I wanna hold 'em like they do in Texas plays
Fold 'em, let 'em, hit me, raise it baby stay with me (I love it)
Love Game intuition play the cards with spades to start
And after he's been hooked I'll play the one that's on his heart
   tinha a face descontraída, ambos clicávamos e batíamos na tecla no momento correto. Era como nosso sonho destruído de banda de escola finalmente dando certo.
  Wallace fechava os olhos, cantava com emoção todas as notas, fazia movimentos extras com as mãos e tirava do peito a diva pop que existia dentro de si.
  E então... O refrão.
  Ele gritou.
  Como uma gazela flamejante.
Can't read my
Can't read my
No he can't read my poker face
(She's got me like nobody)
Can't read my
Can't read my
No he can't read my poker face
(She is gonna let nobody)
  O celular de começou a tocar no meio e bufamos, tendo que pausar o jogo. Era uma perda mesmo…
  Em alguns segundos desligou.
  - As meninas já estão indo, vamos? – perguntou se levantando.
  - Bora.
  Wallace sofreu um pouco ao se despedir do microfone. Mas ele poderia voltar quando quisesse. Aquele ali era seu lugar…

***

  Já estávamos na casa do meu pai e fiquei repensando por alguns instantes se aquilo valeria pena. Pra não mentir, só resolvi pensar em dar uma chance para voltar a falar com ele por causa de . Não somente porque ela insistia sempre nisso, mas toda vez que eu via a relação que ela tinha com sua família eu tinha essa pontada no peito esperando que tivesse o mesmo.
  Eu queria alguém do meu lado, alguém que se importasse comigo. Mesmo sendo solitário agora, sempre fui um cara extremamente familiar, adorava churrascos de domingo e ter pessoas com quem beber e conversar. E meu sonho era simples, me formar, ficar com alguém, e me aventurar. Com alguém específico. E a história ficava cada vez mais complicada e melodramática quando eu a via outra e outra vez sabendo que ainda não era nossa chance. Ainda não era nossa vez.
  Travei a mandíbula quando a vi. Uma cena cliché pra caramba. Eu estava no topo da escada da House Fontaine, era ridículo não? Uma casa com um nome. E estava lá, sorridente, animada, pronta pra qualquer embate na sua frente.
  Quando ela olhou pra mim foi o ápice da perdição. Eu estava tão fodido, tão fodido com meus sentimentos por ela. Eu só queria acabar com toda essa palhaçada, beijá-la sem parar por horas, ouvir sua voz rouca gemer meu nome a noite toda só pra acordar com seus olhos castanhos ao meu lado e poder chamá-la de minha.
  Maldita latina. Eu me sentia o Frollo cantando com os demônios sobre um feitiço que a cigana colocou nele e no final era só uma ereção.
  E enquanto todos os meus desejos com ela não se realizavam, eu só reprimia. Voltando para minha casca de quem não se importava.
  Não era apenas eu que estava babando por aqui, pois tinha seu queixo caído pela visão de usando o tal vestido que ela chamava de “melhor investimento em meses”. Já eu não havia gostado tanto assim, não gostava da minha irmãzinha mostrando pele demais atraindo olhares de uns velhos ricos a procura de carne fresca.
  - Olha só as minhas princesas... – Wallace foi o primeiro a falar quando elas chegaram até nós. Por um segundo pensei que falhei com todas as lições de cavalheirismo que consegui com minha mãe quando não as ajudei a subir todos os degraus de salto. Bom…
  As duas rodopiaram na mão de Wallace querendo ver todo o corpo.
  - Estrela de cinema na premiere do seu filme e... – falou para e se virou para - ...Empresária sexy!
  Elas sorriram.
  - CHEGUEI! – Era Brittany.
   rodopiou ela para ver suas roupas e tirou uma rápida conclusão.
  - Abajur de glitter. – Ela sorriu e concordou. Sabem aquele filme velho “Um Natal Brilhante”? Brit poderia ser protagonista daquele filme com este vestido, afinal, era tanto brilho que poderia ser avistada no espaço.
  Acenamos para os pais dela, uma senhora extremamente carinhosa e um senhor que estava sempre usando chapéu, e ela se voltou para nós.
  - Chamei Rachel, ela não quis vir... – Deu um sorriso de lado, meio triste. Eu nunca iria entender a relação delas. Eu era amigo de Rachel e ela era uma pessoa meio... comum demais pra conseguir balancear as coisas.
  - Que pena – mostrou seu bico sexy, bem falsa –, quem vai limpar o chão do evento agora?
  - Eu faço questão de ser sua companhia essa noite, meu ouro branco. – Wallace sorriu galanteador.
  - E eu te projeto dele, – garanti. Ela riu.
  - Tá tudo bem. Ouvi dizer que tem uma cama elástica aqui hoje, é verdade? – eu concordei, era para as crianças, e seu olhar brilhou. – Eu vou até lá, alguém quer ir também?
   e Wallace deram um grito animado querendo ir. fuzilou o moreno com o olhar e ele voltou sem pestanejar.
  - Tá tudo muito bom, muito bem, mas tô preparada pra pegar algumas bebidas – se prontificou. - Alguém me acompanha?
  Dessa vez e eu demos um grito animado. A última vez que eu tinha bebido minimamente tinha sido no festival de música eletrônica e aquele tinha sido um dos dias mais... impactantes da minha vida.
   e imediatamente se grudaram e fui o primeiro a chegar no bar, pedindo o favorito de cada um. Eu era um amigo prestativo.
  Fiquei em pé com sentada em um banco de madeira a minha frente e senti ela ficar acomodada em meu peito com suas costas, tocando levemente sua mão na minha. Sorri para o gesto, aos poucos tudo estava voltando ao normal.
  - Brit ficou realmente triste por Rachel não ter vindo – fez uma cara triste. – Odeio quando aquela coisa fica triste. Não é justo, sabe? Pessoas boas demais não deveriam sofrer.
  Encolhi os ombros.
  - Os pais dela não estão tão bravos com ela quanto no início do namoro. Talvez tenha sido por outro motivo... – opinei.
  - Ouvi dizer que ela estava com catapora, – comentou.
  - E só por isso não veio? – franziu o cenho. – Qual a diferença? A cara dela já é toda fodida, ninguém ia perceber.
  Contive meu riso prestando atenção no salão.
  - , você tem noção que cada vez que você faz uma piada que por consequência acabo rindo, é mais dez Ave Marias na minha receita com o pastor mais tarde? – a fulminou com o olhar. tinha um olhar psicopata que às vezes dava medo.
  - Você tem noção que Deus colocou todos esses defeitos nessas pessoas, e as colocou no meu caminho justamente pra eu poder comentar? – Deu uma piscadela para a amiga e recebemos nossos drinks.
  A noite poderia ser por si só insuportável, mas com aquelas companhias seria no mínimo, interessante.

***

  - Você sabia que eu nunca tinha te visto dançar assim antes? – comentei.
  - Isso porque não sei dançar, – disse sorrindo.
  Foi modesto, já que arriscava uns passos de cada vez naquela música elegante com instrumentos ao vivo. Ele estava com a mão na minha cintura, e ela não se movia, nem pra cima nem pra baixo, eu deixaria ir mais pra baixo se não estivéssemos no meio de uma sala cheia de gente importante dançando jazz ao vivo, com o seu pai em algum canto do local.
  - Já encontrou sua irmãzinha? – perguntei. Fazia muito tempo que eu não a via, Kylie tinha apenas cinco anos e veio do primeiro casamento do Sr. Greene. Primeiro, depois da mãe de .
  - Ela foi a razão principal pra eu vir aqui, mas descobri que ela está passando um tempo com a mãe, que foi viajar pra outra cidade. Minha próxima aposta seria Ação de Graças... – queixou-se um pouco triste.
  - E quando vai ser o casamento?
  - Em dezembro. – Franzi o cenho.
  - Isso tá muito perto. – Ele assentiu. – Você vai, certo?
  - Acreditaria se eu dissesse que não estou com vontade? – sorriu sarcástico. Rolei os olhos.
  - Comida e bebida grátis, isso já um motivo pra aparecer. Vocês ricos tornam as coisas tão complicadas. – Suspirei. Ele riu.
  - Eu sou complicado? – Levantou as sobrancelhas e sorri de leve quando ele aumentou a pressão do seu aperto na minha cintura. – Tenho uma pergunta pra você
  - Manda bala.
  - Já pensou? – Ele mantinha o rosto calmo, todavia queria uma resposta boa.
  - Pensei no quê? – Fingi e ele já ia ter um ataque, até que ri. – Só tô brincando.
  - E então? – perguntou com expectativa.
  - E então que tenho dezenas de projetos pra terminar, centenas de provas para estudar, estou devendo horas para o meu chefe que é meu pai, não tenho uma noite boa faz dois meses, minha abuela está me ignorando porque me meti em briga que não devia e minha irmandade não para de se matar quando não estamos olhando, é como lidar com crianças.
  Ele assentiu, suspirando e compreendendo. Eu não tinha tempo pra pensar.
  - E você está aqui de qualquer forma, porque eu pedi. – Beijou minha testa. Por enquanto, ele não insistiria.
  Encolhi os ombros sorrindo de leve e deitei minha cabeça em seu peito ouvindo seu coração calmo.
  Apesar de tudo, meio que estávamos juntos, não romanticamente, porém tínhamos um ao outro. E a companhia dele ficava no meio de qualquer decisão que eu tomasse, já que de alguma forma eu não o perderia assim.
  Eu poderia dizer sim, vamos ficar juntos, vamos arriscar e no meio do caminho dar tudo errado e perder meu amigo, ou eu poderia ficar assim, numa boa, dançando e curtindo a amizade, em um limbo de resposta tendo certeza que não o perderia. Infelizmente, lhe traria esperanças de algo que talvez eu nunca tivesse coragem pra admitir.
  Seu dedo acariciou minhas costas nuas, com um toque de malícia nele e sorri tentando desvendar o que ele estava tentando fazer.
  - Você tem noção do quanto tá gostosa nessa roupa? – sussurrou no meu ouvido e apertei meu olhar em sua direção. Eu não era uma garota baixinha, e no salto tínhamos quase a mesma altura.
  - Sim, – falei honesta.
  - É claro que sabe – riu baixo. Senti sua respiração batendo contra meu rosto. Estávamos bem próximos. Colados. - Os caras estão babando em cima de você e as esposas olhando feio em sua direção…
  - Não posso evitar. – Suspirei dramaticamente e ele ficou mais sério, me puxando e diminuindo os passos de dança. Ele beijou minha bochecha, foi leve. E então meu pescoço. Depositou uma mordida suave ali. Sempre à espreita se tinha alguém de olho na gente. Mordi o lábio contendo reações diversas e ergui uma sobrancelha em sua visão. – O que você acha que tá fazendo?
  - Persuadindo você – seu semblante estava divertido e sedutor. - Achou que eu ia desistir assim tão fácil? – riu cafajeste. – Eu disse que não ia te deixar em paz até você ceder, .
  O negócio ficava sério quando ele me chamava pelo meu nome e não apelido. Soltei o ar lento pela boca, moldando minha vista para atrás de seu ombro. Aquele terno o deixava com uma aparência mais madura, masculino, e desde que o vi na entrada daquela porta sabia que seria uma noite interessante por ter que lidar com essa nova fase da nossa amizade.
  Ele não estava fazendo nada de mais. Sério. Somente dançava comigo, devagar, moldando nossos corpos, tocando cada centímetro da minha pele nua, mas só a pele que era consideravelmente própria para hora e local, fazendo com que minha mente me traísse e chorasse querendo que ele procurasse por mais. Chegasse em locais mais perigosos.
  O problema é que aquele era o . Eu era trouxa por aquele cara desde, sei lá, sempre. Então o nada de mais que ele fazia contra o meu corpo se tornava uma explosão de sensações só porque ele era o meu melhor amigo e eu sentia uma atração inimaginável pelo garoto. Tudo piorava porque ele sentia o mesmo, ou pior, e estava deixando tudo muito explícito no meu ouvido.
  Mais alguns beijos perdidos e ele parou. Quando fui perguntar o motivo, ele pegou minha mão e me puxou entre a multidão. Paramos em um local mais escuro, em um corredor de piso extremamente brilhante e branco, com algumas fotos gigantes moldadas na parede.
  - Eu não faria isso se eu fosse você, – falei sorrindo quando percebi que ele só estava tentando ter um momento a sós comigo pra me provocar ainda mais.
  - Ainda bem que não sou você, então. – Olhou-me intensamente e deslizou um toque de suas mãos ásperas pela minha clavícula.
  - Isso vai acabar de um jeito péssimo, porque eu vou conseguir me controlar, já você... – Fiz cara de óbvia.
  - Será mesmo que consegue? Eu já sei que você gosta de mim. Me acha atraente e deve sonhar comigo de noite, entrando no seu quarto e fazendo você sentir coisas inexplicáveis... – ri um pouco. Afetada. Ele falava baixo para somente eu escutar, uma mão estava na parede atrás de mim e a outra trazia meu quadril para perto do seu. – Quanto será você aguentaria? Até pedir por favor. Por favor para que eu destrua suas inibições e satisfaça seus desejos.
  Wow. Ok. Palavras com tanta sagacidade me faziam criar um fascínio para poder jogar tudo pra cima e descobrir tudo de bom que ele poderia me oferecer.
  E em alguma parte, ele estava certo. Eu já pensei sobre isso. Como seria dormir com ele. Transar com . Uma parte da minha imaginação dizia que seria uma passagem sem volta para o deslumbramento e outra parte me fazia perder total raciocínio e ir pra cima dele como uma maluca com tesão.
  Sorri maldosa e puxei ele pra mais perto. Eu não era uma pessoa acanhada, nunca fui. E se ele achava que poderia me deixar no alto de um encantamento pela minha atração por ele, ele estava certo. Mas dois poderiam jogar esse jogo.
  - Quando eu penso sobre isso, você é quem pede desesperadamente por mais – seu olhar ficou escuro. – E talvez você tenha razão, sabe, sobre aquela teoria anterior. Se fossemos logo pra cama todo o tesão sairia do meio do caminho pra qualquer decisão pertinente. - Ele bufou e riu um pouco.
  - E tirar a graça da diversão? , é dessa forma que eu mantenho você pensando em mim. Você pode tentar me esquecer, mas não pode. Porque eu vou sempre estar lá, nos seus pensamentos mais sórdidos. Não sou mais o amigo que você quer brincar. Sou o amigo que você quer foder.
  - Droga... – disse baixinho e ele sorriu quando perdi a concentração por um instante. O que restava de mim queria saber apenas de seus lábios. E ele pensava no mesmo. Só que, como no início, ele ainda tinha controle de tudo. – Que isso, ? Nossas preliminares?
  - Ah, meu bem, você não vai precisar perguntar quando chegarmos lá. Isso aqui é apenas um aperitivo.
  Então ele lambeu meu lábio inferior, vagarosamente, e quase enlouqueci pelo gosto da sua boca na minha. Fiquei frustrada quando ele simplesmente não me beijou.
  Quando tentei avançar, ele segurou meu rabo de cavalo para trás com força e voltou para beijos longos, com a língua, diretamente para o meu pescoço sensível agora exposto. Provavelmente ficaria uma marca ali. E ele parecia estar mais exasperado que eu. Queria, mas não iria, apenas pra me deixar na vontade em um jogo sujo me fazendo pedir por mais, ou por qualquer migalha que ele me desse. Por um momento sorri um pouco atônita por aquela versão de que eu nunca tinha conhecido, mas que estava prestes a se tornar a minha favorita.
  - Você adora ficar assim comigo, não é? – Acariciava completamente meu corpo e senti que poderia entrar em combustão a qualquer segundo. – Eu sou o melhor amigo – disse com aversão – que deixa você assim, excitada, pronta pra qualquer coisa que eu possa te dar.
  Eu só queria beijá-lo. E ele não me deixava sequer chegar perto. Não sabia se ficava com raiva ou desejo.
  – O pior é pensar que isso é tudo culpa sua... – riu sem vontade – se não fosse por você, aproveitaríamos cada momento que estamos com nossos amigos pra fugir e se perder. Um no corpo do outro.
  - Podemos fazer isso agora – quase sorri tentando retirar algum resquício de pena da sua pele pra me jogar em uma cama logo e me tirar daquela tortura deliciosa. Ele sorriu de lado, um sorriso pequeno, olhou pra minha boca e pensei que era agora. Era a hora. se aproximou, sua testa encostou na minha, meus olhos fecharam e respirei longamente, me preparando para o beijo que nunca veio.
  - Eu sinto tanta falta da sua boca. – Olhou para os meus lábios com desejo. – Do seu beijo. – Desenhou meu contorno com os dedos e me perdi outra vez no seu toque. Lambi devagar o local onde ele estava adorando com os olhos e percebi que doía nele tentar se controlar para aquilo.
  - Minha boca é linda? Deveria sentir o gosto dela então, é ainda melhor. – Sorri fraquinho. Vamos . Vamos.
  - Eu me lembro. – Chupou um pouco o lábio inferior e ansiei por mais. – Maldito ano novo. Pensei que um beijo faria tudo melhor, e no fim apenas me destruiu, me fazendo lembrar daquela droga pelo resto dos meus dias. Me mantém são nas noites solitárias. - Sorriu safado. Fechou os olhos com prazer e fez um carinho do seu nariz na minha bochecha. Só me beija. Pelo amor de Deus. – Mas não vou beijar você.
  Droga.
  - Posso saber por quê? – Franzi o cenho quando ele ainda fez questão de se afastar um pouco.
  - Eu nem deveria estar encostando em você, . Eu tenho regras restritas sobre isso. Porém tinha que fazer você se lembrar.
  - Lembrar do quê?
  - Lembrar do que está perdendo e do que não pode ter por sua culpa. Talvez isso te ajude a arranjar um tempo para pensar. – Beijou inocentemente minha bochecha e saiu. Saiu. Simplesmente saiu me deixando com cara de tacho.
  Que filho da puta.
  Bufei indo direto para um banheiro conferir se ainda havia algum resto de dignidade na minha cara.

***

  - É diferente, , – falei enquanto reaplicávamos nossos batons no espelho do banheiro.
  - Diferente como? Me explica. – Tínhamos, por alguma maneira, chegado ao assunto e lhe poupei dos detalhes sórdidos do que tinha acontecido minutos antes.
  - Você e gostam um do outro e apenas não ficaram ainda juntos porque você quer sua liberdade e independência, tipo Holly Golightly. Pra mim... eu só não sei se consigo ficar com uma pessoa que é tão importante pra mim e arriscar perder tudo porque eu não tenho tempo de dar tudo de mim pra um relacionamento. Eu não posso entrar de cabeça nisso agora não porque não confio nele, mas porque não confio em mim mesma. E o pior de tudo é, se algo der errado de verdade, eu vou acabar perdendo ele.
  Ela assentiu compreendendo e tinha uma nova feição.
  - Acho que você está meio certa... e eu não ficamos porque quero ser livre. Você sabe como acabou da última vez e eu tenho medo de me magoar – encolheu os ombros sorrindo fraco por admitir aquilo em voz alta. – Eu gosto dele, muito até, mas aprendi a gostar mais de mim. – sorriu. – Pra me sentir segura o suficiente para ficar com ele ou qualquer outra pessoa, eu preciso me descobrir. E isso só vai acontecer quando eu me tornar independente. Agora só resta ele me apoiar ou me deixar.
  Aquilo me deu uma nova forma de pensar sobre o relacionamento deles. Era estranho que quando eu era apenas uma espectadora, tudo parecia mais simples, agora que convivia com algo parecido, se tornava complicado e entendi o quanto eu era ignorante sobre tudo.
  - O negócio comigo é: eu gosto dele – admiti -, eu gosto dele demais e se pudesse largar todas essas inseguranças ridículas eu apenas tentaria. – Ela bufou sem paciência.
  - E por que não tenta logo? Que se dane esse medo todo. Ainda está decidindo se vale a pena arriscar?
  - É complicado.
  - Bom, você não é obrigada a nada, pense o quanto quiser, – disse guardando a maquiagem em sua bolsa. Eu ri um pouco.
  - É o , . Ele não vai esperar por mim pra sempre pra eu decidir se vou tentar algo com ele ou não.
  - Não me leve a mal, ele é decidido, mas mesmo que ele pire e te dê algum tipo de ultimato, como pode acabar acontecendo, eu duvido de verdade que adiante de alguma coisa.
  - Como assim?
  - É que... Vocês foram amigos primeiro, descobriram todos os podres um do outro antes dessa atração surgir. Significa que mesmo com os defeitos, vocês gostam um do outro. E esse é o pior tipo de paixão. Aquela que simplesmente não vai embora, e quando nos recusamos a deixar ela florescer... ela dói. Nosso coração dói, ficamos carrancudos e cabeças duras. E vocês são teimosos, mas práticos. Então espero e aposto que no final... Tudo vai se resolver.

***

  Entrei na cozinha da House Fontaine um pouco perdido. tinha me ligado há um minuto dizendo que Brit endoidou e incorporou a entidade no meio da cama elástica.
  A loira estava sentada em cima de um balcão mais afastado dos cozinheiros, seus pais estavam lá, meu pai estava lá, e Wallace estavam lá, uma garotinha irritada estava lá, e Brit estava com cara de bêbada alheia suja de maquiagem e algodão doce.
  - Que diabos aconteceu aqui? – perguntei espantado.
  - Ei, cara – suspirou –, tivemos uma emergência aqui.
  Notei que a mãe de Brit, uma senhora de pelo menos sessenta anos, estava colocando um curativo de adesivo colorido no joelho da filha.
  - Eu sinto muito, Greene, – o pai dela disse para o meu pai, que encarava tudo um pouco acuado e sério – minha filha tem dificuldade de socialização com crianças. – Olhou para a filha abraçando um unicórnio de pelúcia com uma cara muito brava. – Ela tem dificuldades. No geral.
  - Ok... – É pai. Só sorria e acene.
  - O que tá acontecendo aqui? – entrou de mãos dadas com e arregalaram os olhos pra nós.
  - Oi meninas, – os pais de Brit as cumprimentaram e meu pai fez o mesmo.
  - EU QUERO MEU URSINHO! – a menininha que estava entre nós que eu não fazia ideia de quem era gritou pra Brit. A loira apertou mais o unicórnio em seus braços e quando a pequena foi avançar, Wallace a segurou para trás. Foi uma sessão interminável de gritos e pernas para o ar tentando se livrar dele.
  - Alguém pelo amor de Deus pode pelo menos tentar me fazer entender o que aconteceu? – pediu massageando a têmpora.
  - Sim... – meu pai começou, a voz grossa se tornando alta. Ele era um ótimo profissional na empresa, todavia em um meio social, ele não tinha muito jeito. Principalmente falando com adolescentes. – A Senhorita Smith fez parte de algumas desavenças no nosso meio de lazer o que acabou projetando algumas formas de cólera para com a nossa convidada, a Senhorita Lily. – Apontou para a criança.
   e tentavam desvendar o que meu pai tinha dito e rolei os olhos.
  - Brit estava pulando na cama elástica e muito que provavelmente roubou o ursinho da menina e não quer mais devolver. – Houve um uníssono de compreensão.
  - EU VOU CONTAR PRA MINHA MÃE – Lily gritou.
  - Calma mocinha, – Wallace tentou. Não adiantou. Sem jeito com crianças.
  - Britt, devolve o ursinho pra ela... – pediu.
  - Não é um urso! – articulou – é um unicórnio!
  - Poderia ser um porco que a gente não iria ligar menos, – disse de sua forma doce. – Devolve o bicho da garota e vamos embora.
  - Vocês não estão compreendendo! – quase chorou. – Esse unicórnio... tá vendo aqui o olho dele? Tá vendo esse brilho? Se chama tristeza. Se chama desespero. Lembranças de uma memória de guerra. Somente eu posso compreender sua angústia, pentear seus cabelos de poliéster roxo e lhe dar dicas de como superar, viver em uma sociedade sem normas e leis para aqueles da sua espécie. Ele é forçado a viver com esta menina, que acha que pode comprá-lo e jogá-lo dentro de uma piscina de bolinhas sem consideração pelo seu coração colorido e cheio de amor. Ela escolheu ele, ele não a escolheu. Chamá-lo de urso é apenas o início para uma vida cheia de palavras não proferidas e desconsolo doméstico. Chamá-lo de unicórnio lhe dá chances, lhe dá uma escolha. Isso não é um urso. Isso é um unicórnio. Unicórnio é resistência.
  Todos olhávamos para ela de uma forma que... eu nem sabia como explicar. Aquela era Brittany.
  - Brit – comecei vendo que todos estavam estáticos, até Lily –, saímos agora pra comprar outro pra você se você devolver pra Lily o unicórnio dela.
  Instantaneamente toda sua feição triste se tornou um sorriso gigantesco e ela jogou a pelúcia em qualquer lugar. ajuntou e aproximou da menina, que ainda olhava estática para Brit. Ela apenas levantou a mão em recuso.
  - Pode ficar, nem quero mais. – Empinou o nariz, arrumou seu vestido rosa claro e saiu, como uma dama.
   voltou para a loira e tentou entregar o urso que também foi recusado.
  - Me prometeram um urso novo eu quero um urso novo!!!
  - Jesus... – meu pai falou desconexo.
  - Bom, então vamos lá – Wallace puxou a loira da bancada e empurrou os cinco para a porta de saída. Alguém também não estava mais aguentando aquela festa que mais parecia um funeral. – Até mais Senhor e Senhora Smith.
  E gargalhou da própria piada. A piada que fazia há mais de dez anos.
  - Tchau tio, tia. – acenou. Brit nem ligou pro que tinha atrás dela.
  - Tchau pra vocês, tchau sogrinho. – piscou para o meu pai. Ergui uma sobrancelha pra ela, e ela sumiu da minha vista. Nada contra chamando meu pai de sogro, muito pelo contrário, só queria receber um memorando antes. Mas obviamente ela só estava zoando com a minha cara.
  Então estávamos os dois ali, os pais de Brit sumiram atrás de vinho.
  - Está se relacionando com a Senhorita Vega? – perguntou tentando esconder o interesse. Encolhi os ombros. Era estranho, fazia tempo que não tínhamos uma conversa sobre minha vida.
  - Sinceramente? Nem eu sei. – Ele sorriu um pouco.
  - Ela é uma boa garota – assenti. Ele a conhecia desde criança e provavelmente já esperava isso. Um silêncio pesado surgiu e apontei para a porta. Tinha que ir.
  - Tenho que comprar um urso agora... – me movi no mesmo lugar.
  - Tudo bem... – Assentiu. Se aproximou aos poucos e acho que o aconteceu a seguir foi uma tentativa de abraço. – Até mais, filho.
  Olhei pra ele um pouco perdido e movi a cabeça pra cima e pra baixo. Logo estava no quintal de casa encontrando meus amigos que me esperavam.
  - Vem logo, jaboti, – gritou e me desvencilhei de qualquer pensamento.

***

  Hollywood Park era simplesmente o melhor lugar de toda LA. E fazia tanto tempo que não vínhamos aqui em grupo, então foi impossível não entrar quando chegamos perto.
  Estávamos andando a algum tempo pelas ruas sem destino, sempre alguém olhava pra gente com estranheza pelas roupas de gala não combinando com o ambiente. já tinha largado seus saltos faz tempo e andava com o tênis de enquanto ele levava o seu sapato em mãos. Wallace foi o primeiro a reclamar de cansaço, como sempre, e Brit estava feliz da vida com seus novos ursinhos. Dois unicórnios gigantes que ela mal conseguia carregar.
  Sair da loja de brinquedos com ela é que foi a tarefa difícil.
10 minutos antes.
  - Eu não quero sair pelo amor de Deus eu quero viver aqui pra sempre me deixem em paz, – chorou se agarrando no pivô da porta da loja. Alguns seguranças já estavam ao nosso redor tentando acalmar o problema.
  - Que mico – riu. E saiu. – Tchau.
  - Brittany Smith, eu vou jogar um tamanco nessa sua cara pela vergonha que tá me fazendo passar, – brigou.
  - Vem – colocou segurou a loira e a colocou contra o seu ombro. Wallace e eu tentamos fazer com que ela não pulasse dali. As mães da loja tampavam os olhos dos filhos pra nem pensarem em refazer toda aquela cena. Um segurança já estava chamando reforços. Pica-Pau chamava Tio Sam.
Agora.   Passamos pela porta com sininho e larguei em um dos bancos da sorveteria. Eu estava a levando faz algum tempo no meu cangote, afinal se recusava a tirar o salto e também ficar sem o mesmo e com o sapato e com dor. Deu pra entender?
  Sentamos no banco de plástico vermelho, o local parecia ter saído de um filme dos anos 80 e era exatamente o mesmo que eu lembrava de quando vinha aqui com eles quando ainda éramos crianças.
  I Want To Break Free começou a tocar vindo do decote de e ela bufou antes de atender o celular. A garçonete chegou, era uma mulher de pelo menos cinquenta anos, cabelo preto desbotado e pele enrugada.
  - Vão pedir agora? – falou entediada.
  - Sim... Janet – li o nome bordado no seu uniforme. - Seis milk-shakes – decidi. - Morango - pra mim – chocolate - pra – menta com chocolate - pra - creme - pra Wallace – confetes - pra Brit, - e flocos. - Pra .
  Ela anotou tudo e sumiu. Era uma noite agradável, um pouco quente, e tinha muitos grupos de amigos por ali e um casal de velhinhos atrás da gente. A senhora parecia estar procurando o que comer por horas.
  - Eu falei pra você que não ia hoje. – se explicava ao telefone. - Você estava me devendo horas e eu disse que ia pegar o sábado livre. – Rolou os olhos. - Ah, deixei uma carta na sua mesa... Problema não é meu se você nunca vê a mesa. Sim... Zoey disse que não pode ir amanhã por que o carro dela quebrou... Por que não vai de ônibus? Ela não tem um. – Riu da piada horrível. - Ok, perdão.
  Suspirei alto pegando o telefone de sua mão. É sério que ele ligava em um sábado de noite pra encher a cabeça dela com nada? Se eu conhecesse bem o Sr. Brown, ele estava somente solitário e procurando alguém pra incomodar.
  - Tá tudo bem, eu resolvo isso. – Levantei os dedos pra que ela não se preocupasse. Aproximei o aparelho do ouvido e suspirei pensando no que falar. Apenas chiei como ela tinha feito comigo, só que por mensagem, e desliguei. Viu? Tudo resolvido. Bem rápido.
  - Você tá doido? – perguntou boquiaberta.
  - Depois converso com ele, – disse com desinteresse.
  Eu odiava bancar o Draco Malfoy e dizer que meu pai tinha contatos, mas o Sr. Brown era um empregado dele, então…
  Alguns minutos depois e Janet apareceu com nossos pedidos. Brittany estava no meio de uma história longa que ela não parava de rir no meio fazendo com que eu tivesse me perdido já na primeira frase. A velhinha atrás da gente ainda não tinha escolhido seu pedido.
  - Então ele virou pra mim e falou... e daí? E eu falei é óbvio que estou certa afinal golfinhos são apenas tubarões gays. – Assentimos estáticos. Até que Brit riu e rimos também. Se essa era a reação esperada... Ela parou. Respirou. E pensou. – Tem uma boa chance de isso ter sido um sonho.
  - Eu tive um sonho essa noite, – comentou rindo, prestando atenção no seu milk-shake.
  Todos ficamos com expectativa de uma nova história que nunca veio.
  - Conta logo, – Wallace pediu.
  - Não posso, – falou como se fosse óbvio e rolamos os olhos.
  - Jura? “Eu tive um sonho... que não posso contar” imagina se Martin Luther King tivesse dito isso? – reclamei.
  - É meio indecente. – Riu baixinho, com suas bochechas corando. Brincava com o canudo só para não nos encarar.
  - Vai logo, ratinha. Não temos a noite toda. – deu bronca.
  Ela respirou fundo tomando coragem.
  - Foi um sonho sexual…
  - Agora tá ficando interessante – tirou a palavra de todas as nossas bocas. Principalmente de . – Conta, ratinha…
   levantou o rosto e sua expressão mudou de tímida para uma mais diabólica e maliciosa.
  - Eu sonhei que perdi a virgindade... – levantou as sobrancelhas com expectativa - ...com Wallace.
  - O quê?! – gritou e acabei gargalhando.
  Como se o ego de Wallace já não estivesse inflado, ela resolveu continuar a falar.
  - Essa não foi a melhor ou pior parte, sei lá, é que eu cheguei lá, tipo, cinco vezes. – Riu extasiada e balancei a cabeça.
   emburrou completamente e Wallace tinha acabado de ver um passarinho verde. Era isso.
  - Cinco vezes na mesma noite com o mesmo cara na virgindade? Agora isso é um sonho, – comentou observando o nada.
  - E se eu dissesse que já fiz isso acontecer? – Wallace se defendeu e todos rimos. Todos. A velhinha atrás de nós deu uma pequena risada fina.
  Aham, Wallace. Aham.
  - É sério, – aborreceu. - Eu sempre deixo minhas garotas muito, muito felizes.
  - Que garotas? Mão esquerda e direita? – sorriu o provocando.
  - Ei... – se contraiu. – Você que não para de pensar em mim. Até sonhou comigo essa noite, oras.
  - Você acredita mesmo nisso, Wallace? – olhou com pena.
  - É claro. – Encolheu os ombros.
  - Pensa bem... você também acreditava que ia ficar menstruado na adolescência, – a prima aconselhou recebendo uma bolinha de guardanapo na cara, que conseguiu alcançar no ar, ainda rindo dele.
  - É praticamente impossível chegar em um orgasmo interno na virgindade – a morena explicou - principalmente se a gente tá perdendo ela com um adolescente.
  - Você chegou? – perguntou pra amiga. Tentando, apenas tentando não soar tão interessada.
  - Claro. – Deu de ombros, chupando o canudo. – Perdi minha virgindade com Miguel.
  As três suspiraram apaixonadamente e , Wallace e eu bufamos fechando a cara. Qualquer pensamento sexual que eu tive com chupando aquele canudinho foi evaporado quando ela mencionou o ex.
  Miguel... Miguel que não se falava de uma forma inglesa demais, se falava em um sotaque espanhol, igual o do próprio cara, que era uma versão maldita do Zorro só que da Califórnia, mais velho que nós e pilotava uma moto gigante. O sonho delas…
  Maldito Miguel. Miguel o perfeitinho... Miguel o merdinha.
  Então Brit resolveu nos dar sua opinião de sexóloga da ocasião.
  - Ela tá certa, Wall – sua voz estava firme e suave como em uma propaganda de camisinhas. - Acho que todas as mulheres já fingiram um orgasmo, é por isso que tenho mais consistência namorando uma garota.
  - Não sei se estou mais assustado por saber que você transa, por estar falando de sexo com dois unicórnios gigantes do seu lado ou por ter chamado Wallace de Wall, – comentou estranhando, mas sério. Ela encolheu os ombros.
  - Unicórnios também copulam. E eu sou um bi-córnio.
  Wallace riu debochado.
  - Mulheres não tem espadas de aço, meu anjo, elas não sabem o que fazem. – Sorriu como um garanhão e olhamos pra ele. Só olhamos, o julgando mentalmente por aquela frase. Demorou um tempo para ele se tocar do quanto foi babaca.
  - Foi ruim né? Desculpa. Eu vou parar de falar.
   tentou amenizar sua dor.
  - Ah, Wall, não precisa ficar tão sentido assim, é normal mulheres não gozarem todas as vezes e principalmente na virgindade…
  - Felizmente todas as minhas parceiras saíram satisfeitas. – Sorri como um perfeito cafajeste.
  Elas olharam pra mim com desdém.
  - E como você sabe disso? – quis saber.
  - Eu apenas sei, – respondi simples.
  - Porque elas... – Brit gesticulou.
  - Sim, porque elas – gesticulei da sua forma engraçada. – Se contorcem, fazem aquela voz... Aquele gemido... Não tinham como fingir comigo. – bufou e não entendi. – O que foi?
  - Toda mulher fingiu um orgasmo pelo menos uma vez na vida e você diz que nunca fingiram com você... é só fazer as contas.
  Todas as meninas concordaram com ela. Até . A virgem .
  - Vocês estão insinuando que... – não precisei completar.
  - Óbvio – disse Brit.
  Dei uma risada gostosa ocupando mais espaço do banco, me sentando pra trás. A velhinha riu de novo. Ainda sem pedidos.
  - Nunca. – Sorri confiante. Elas queriam me matar. Eu estava nem aí. Aquilo não era um caso de egoísmo, era real. – Eu sei diferenciar. Tenho experiência, sabia? Além do mais, não é assim tão fácil…
  Falei sem muita precedência e voltei a prestar atenção no meu milk-shake que já estava acabando. Com certeza pediria mais um. Nossa mesa estava silenciosa. emburrado com o sonho da sua querida , Wallace com olhar de memórias de guerra como o urso/unicórnio de Lily e as meninas... uma delas. A morena. Olhava pra mim. Com uma cara impagável. A cara de “desafio aceito”.
  Então ela fechou os olhos. Começou a respirar profundamente, devagar, e mais rápido, alto, soltando e puxando o ar com força, dava pra ouvir. A respiração se tornou um resquício de voz. Sua boca abriu e se movimentava aos poucos, mostrando às vezes seu sorriso perfeito enquanto arfava com gosto.
  Eu já estava paralisado. Seus gestos começaram a chamar a atenção de alguns marmanjos e eu tentava fuzila-los com o olhar para que tomassem nota de que não tinha nada interessante ali. Mas quem eu estava tentando enganar? Tinha um teatro perfeito de um orgasmo ali na minha frente e eu queria enfiar minha cara debaixo de um chuveiro bem gelado pra aprender a ficar de boca fechada mais vezes.
  Tentei tomar consciência do seu olhar para que ela parasse e soubesse que já tinha vencido e ela nem dava bola. Apenas continuou.
   tampou o rosto com as mãos olhando para a paisagem da rua através da janela. Wallace encarava a prima espavorido e com nojo. Brit tinha esse olhar malicioso sobre a latina e estava completamente vermelha com os olhos mais abertos que já vi na vida. Se ela já estava puta pelo mico que pagou na loja de brinquedos, depois daqui a amizade delas estava arruinada.
  As mãos de começaram a trabalhar em si mesma, isso soou muito errado, mas foram diretamente para o seu cabelo, seu rosto, o pescoço, acariciava os pontos altos dela e o pior aconteceu. Eu sabia que íamos chegar ali. Ela gemeu. Gemeu alto. Em uma sequência repetida de altos e baixos, respirava rápido e forte, a boca abriu e fingiu que queria apertar os lábios carnudos apenas para se controlar. E depois de algum tempo ela parou. Como se tivesse finalmente alcançado o ápice.
  Minha mandíbula estava cerrada e eu estava carrancudo olhando pra ela duro. Nos dois sentidos. Ela sorriu inocentemente pra mim e voltou a chupar seu canudo.
  A lanchonete toda olhava extasiado para nós. levantou uma sobrancelha pra eles e eles voltaram a comer e conversar sobre qualquer coisa pra apagar ou relembrar para sempre daquela cena.
  Janet, que estava atrás da gente, na mesa da senhora idosa de cabelos brancos, com os olhos arregalados, voltou a prestar a atenção na cliente, que finalmente fez o seu pedido.
  - O que a senhora vai querer?
  - O mesmo que ela, – referiu-se a .
  Como eu tinha previsto, a noite poderia até ser insuportável, mas com aquelas pessoas... seria interessante.

Capítulo 07 - Parte 1

Come on girls
Do you believe in love?
Cause I got something to say about it
And it goes something like this

  Oito horas da manhã e meu despertador gritou a primeira música de minha vasta playlist da Madonna. Mas não foi o bastante…
  Oito e dez... Mais cinco minutos fará mal?
  Oito e quinze... Só mais um pouquinho…
  Continuei abraçada carinhosamente em minha almofada peludinha, enquanto sonhava com carneirinhos ou unicórnios.
  Oito e vinte. Peguei meu celular sem muita pressa apenas para ver a hora. Dei um grito e caí da cama, enquanto a próxima música da playlist começava.

Some boys kiss me, some boys hug me
I think they're okay
If they don't give me proper credit, I just walk away
They can beg and they can plead
But they can't see the light, that's right
'Cause the boy with the cold hard cash is always Mister Right

  Levantei desesperada, compreendendo que já estava atrasada. Corri pelo meu quarto e então algo veio em minha cabeça: eu estava na universidade. Não estava mais no colegial para me preocupar com atrasos.
  Eu podia matar a primeira aula e justificar como “problemas na minha irmandade”.
  - Caralho , você é burra – me repreendi.
  Sentei em minha cama, me esparramando por ela em seguida, dando uma bela olhada pelo meu quarto antes de ter que enfrentar o inferno sujo, mofado, empoeirado, maltratado e todos os sinônimos e palavras possíveis para aquela casa.
  Amava meu quarto, era basicamente a única parte da Mansão dos Hudson que eu não trocaria por algo que eu realmente me importasse.
  Era o único lugar que realmente me definia. O único lugar que meu pai não colocou o dedo dele e suas crenças dentro. Por isso era tão apegada a ele.
  As paredes eram em rosa com detalhes em branco. Nas paredes havia quadros e pôsteres bastante coloridos, para dar um maior contraste.
  Os móveis ficavam bem espalhados pelo quarto, como a penteadeira posicionada na parede ao fundo do meu quarto, de frente para a minha cama. Na mesma parede havia uma entrada que levava para o meu closet, barra, suíte – que meu pai projetou apenas para “facilitar minha vida”, como se eu não conseguisse usar um outro banheiro como uma pessoa normal – e eu usava como porta uma cortina de miçangas não inflamáveis e umas luzes. Quem passasse por essa cortina teria um deslumbre em meu closet e suíte.
  Era o lugar favorito de em minha casa, obviamente.
  Minha cama ficava no outro extremo do quarto. A cama Box king Size, cheia de bichos de pelúcia que carreguei desde minha infância.
  Ao lado de minha cama havia uma janela grande e um sofá moldado junto à mesma. Cheio de almofadas. Era geralmente o lugar que eu ficava sentada refletindo sobre as coisas quando precisava de um tempo.
  Meu quarto era tão a minha cara, que sabia que os anos poderiam passar o quanto fosse, mas só aquele cômodo conseguiria captar totalmente quem eu era.
  Ah, e tinha mais uma coisa.
  Minha gatinha, Marie, ronronava, subindo em minha cama e vindo para meu colo a procura de um pouco de carinho. Era a coisa mais linda, peludinha e branquinha como neve. Com um laço na coleira cor-de-rosa em seu pescoço. Basicamente igual à do desenho.
  Se minha mãe não a amasse tanto, eu a sequestraria e levaria para as Zetas.
  Óbvio que provavelmente tomariam ela de mim, já que não permitem animais nas instalações da universidade, mas não custava sonhar, certo? Afinal, Rachel perambulava pelo campus e nem por isso o IBAMA foi chamado.
  Levantei sem muito ânimo e voltei a caminhar pelo meu quarto, me sentando de frente a minha penteadeira. O móvel de madeira clara com delicados detalhes em cor-de-rosa e o enorme espelho em círculo. Minha penteadeira vivia bagunçada com minhas maquiagens e cremes, já que Hudson adorava bagunçar, mas tinha preguiça de limpar.
  Levei um susto ao ver meu reflexo. Meu rosto tinha uma coloração suspeita graças a máscara que acabei usando para dormir. dizia que isso fazia bem para pele, então eu deveria acreditar.
  Lavei meu rosto e tirei um tempo fitando meu próprio reflexo. Não estava em meus melhores dias, mas nada que uma boa maquiagem e um penteado cuidasse disso para mim. Nada melhor que maquiar os problemas e escovar as inseguranças.
  E depois de me maquiar e arrumar meu cabelo, tirei um instante para observar meu reflexo, me admirando. Me sentia linda.
  Com meus brilhantes olhos castanhos chamativos graças ao rímel que usava. Meus lábios carnudos e rosados naturalmente, mas ainda mais com o batom que usava. Minha pele bronzeada – graças ao sol da Califórnia. Meu cabelo caindo sob meu busto em algumas ondas, principalmente nas pontas e com seu tom loiro dourado, com a raiz em meu tom mais natural, cor de mel. Combinava com meu bronzeado.
  E com a admiração, veio uma reflexão:
  Ser “bonita” não mudava muito se sua vida continua regrada e controlada diariamente. Beleza não é mágica ou algo do tipo.
  Mas minha confiança era muito mágica.
  Levantei e saí rodopiando pelo quarto, cantarolando as músicas que tocavam. Passei pela cortina e fui direto ao meu closet, tirei algumas peças, procurando algo bom para usar. Jogava-as no pequeno divã que ficava no meio do closet. Me dirigi ao grande espelho, para dar uma boa checada em mim e escolher o look do dia.
  Me sentia muito gata em meu pijaminha de seda azul bebê. Meu corpo estava em sua melhor forma desde que eu parei de me “importar” com ele. Havia adquirido uns quilinhos a mais nas férias, o que foi muito bom.
  Meus gêmeos não eram mais desproporcionais ao meu corpo e tinha curvas que adorava. Meu corpo estava bem moldado e eu me sentia um mulherão, mesmo só com 1,63cm de altura.
  Não tinha a bunda de , mas a que tinha dava para o gasto, principalmente quando usava jeans justas.
  E quando usava meu uniforme de líder de torcida... Mamma mia.
  Voltei a prestar atenção em minhas roupas e tentei escolher qual combinava mais com a de hoje.
  A “olá, babem em mim e se torturem por não poderem ter” ou a “mais um dia normal, com o Senhor ao meu lado nada me faltará”?
  Dúvida mortal.
  Então optei por escolher qualquer peça de roupa que me deixasse gostosa e combinasse com o scarpin salto agulha com amarração preto que havia reservado para hoje.
  E então finalmente estava pronta.
  Não havia demorado tanto, eu que enrolava pra fazer qualquer coisa mesmo.
  Peguei minha bolsa Versace e saí do meu quarto, já sentindo a falta que me faria não ter ele por uma semana toda.
  Desci as escadas com a minha gatinha no colo, procurando algum sinal de vida em minha casa. Procurei o motorista, mas o carro não estava. Rolei os olhos.
  Eu pago uma fortuna e não consigo ter meu próprio motorista pra me levar.
  Quer dizer, meu pai que paga. Mas ele nem usa.
  Procurei pela minha mãe, e também não havia sinal dela. Achei apenas um recadinho que ela deixou na geladeira. Pelo menos isso.
Levei o motorista comigo para fazer compras pra casa, peça carona para o seu pai. Boa semana filha, qualquer coisa me liga. Te amo.
Xo, mamãe.

  Rolei os olhos de novo.
  Nem fodendo eu pediria carona pro meu pai. Não aguentaria passar o caminho todo ouvindo um sermão sobre minha roupa ou sobre minhas companhias, ou sobre como o meu professor é um anjo na Terra. Nem. Fodendo.
  Eu iria dirigindo.
  Mas então lembrei que não tinha carteira. Maldito teste de direção.
  Eu juro por Deus que eu não vi a velhinha. E eu nem cheguei a atropelá-la, só suas frutas que saíram amassadas... Foi totalmente acidental.
  A culpa foi do meu instrutor que ficava gritando no meu ouvido e me botando pressão. Eu não funciono bem assim. Óbvio que eu acabaria batendo o carro ou coisa do tipo. A sorte dele foi que eu não o joguei do carro.
  Não havia outra opção, eu pagaria um Uber para me levar pra universidade. Porque como eu disse, nem fodendo eu iria com meu pai.
  - Ann? – Falando do Santo Imaculado…
  - Papai. – Sorri. Ele veio em minha direção para me cumprimentar. Ele estava sorridente, até me deu um beijo na testa. E quando viu os meus trajes, nem teve um ataque cardíaco. Ele apenas pegou Marie delicadamente de meus braços e a botou no chão.
  - Eu te levo para a universidade. Vamos. – Permaneceu sorridente e pegou suas chaves, indo em minha frente.
  Olhei para os lados esperando que alguém houvesse presenciado isso. Mas só estava eu parada naquela cozinha.
  Deus, o que o Senhor fez com meu pai?
  Eu não acredito que meu pai morreu e foi substituído.

***
  - Se comporte, ok? – Meu pai me abraçou fortemente. – E tenha uma ótima semana, princesa. – Me soltando em seguida.
  Eu não poderia negar que meu pai era carinhoso – quando queria -, só que havia algo nele que impedia de ser o Pai do Ano todos os dias. Talvez fosse a criação do vovô ou só seu jeito mais recluso de ser, mas no fim do dia, ele ainda era meu pai e eu o amava.
  E eu era sua princesinha, mesmo com os conflitos. Então acreditava quando ele demonstrava o seu afeto por mim com carinhos e palavras doces.
  As coisas entre nós haviam melhorado durante os meses, já que continuava indo à Igreja todos os domingos. Mostrei para ele que minha decisão de curso não mudaria nada em relação à minha religião. Depois de meses ele entendeu.
  Mas cá entre nós, eu estava sentindo falta de ser mimada pelo meu pai de qualquer forma, então disse tudo que ele queria ouvir apenas para devolver minha mesada.
  Queria ser independente? Sim. Negaria dinheiro do meu velho? Jamais.
  O meu trabalho na biblioteca estava me ajudando com pontos e o que rendia financeiramente me ajudava a pagar os custos na universidade. Já a mesada dos meus pais me ajudava a comprar coisinhas que não vivo sem e de quebra comprar umas coisas para as Zeta.
  E por incrível que pareça, eu senti falta das meninas durante o final de semana que passamos separadas. De certa forma, mesmo com todas nossas desavenças, diferenças e conflitos, já estava acostumava a conviver com elas e quebrar cabeça tentando ajudá-las.
  A expressão de meu pai mudou rapidamente ao encarar o moreno passando com seu skate perto de nós. O mesmo, ao notar meu pai, saiu do skate um pouco apressado.
  - Ei senhor Hudson. – A postura de estava rígida, com o skate em mãos e tentando agir o mais sério possível.
  Rolei os olhos.
  - Senhor Graham. Bom dia.
  - Ei . – Acenei para o rapaz, que sorriu, e meu pai me fuzilou com seu olhar. Rolei os olhos de novo.
  Meu pai odiava desde... bom... sempre.
  Nunca houve um motivo sério para isso, porque até antes de namorarmos meu pai preferia me trancar dentro de casa para não me deixar sair com . As coisas foram piorando quando entramos na adolescência e eu o queria como namorado. Isso para o mais velho foi um ultraje.
  Literalmente, meu pai fingiu o melhor ataque cardíaco para me deixar tão preocupada ao ponto de largar o meu até então namorado, para dar atenção ao meu velho doente.
  Mas depois que viu que seu “ataque” não me causou nada e a conta do hospital estava passando dos zeros que o pão duro que meu pai era conseguia pagar, ficou curado milagrosamente.
  Eu não entendia a implicância dele com , mas para falar a verdade meu pai odiava todos meus amigos. Literalmente todos.
  Quer dizer, não.
  Menos o .
  N I N G U É M odiava o . Até meu pai, que odiava todos os seres que se aproximavam de mim, adorava o playboy. Ele me daria de bandeja para se isso significasse que casaríamos e teríamos lindos filhos loiros e abençoados com nossas genéticas – e fortunas.
  Toda vez que me visitava e meu pai estava em casa, os olhinhos cansados do meu velho brilhavam e meu amigo tinha um tratamento de rei. De todos, ele era o único que meu pai até daria a chave do meu quarto se ele pedisse.
  Completamente bizarro.
  Óbvio que nós dois já havíamos aproveitado esse amor incondicional pelo meu amigo para tirar com a cara do meu velho anos atrás.
  Quando eu fiquei mal em matemática no segundo ano, pedi ajuda de para me ensinar o que ele sabia bem. Até um convite para dormir em nossa casa ele recebeu. E aproveitou.
  Durante a noite, enquanto meu pai estava enfiado em seu escritório, saiu dos quartos de hóspedes e foi para o meu para que botássemos o plano em ação.
  Então fizemos o maior escândalo e barulhos sexuais a noite toda, para dar a impressão ao meu pai que estávamos realmente indo bem fundo aquela noite. Quando na verdade estávamos assistindo The Lion King.
  Na manhã seguinte, prontos para sermos decapitados e provavelmente torturado até a morte por ter “tirado” a virgindade da princesinha do Sr. Hudson, tivemos na verdade o contrário disso. Meu pai antes de sair para trabalhar deixou um café da manhã reforçado para nós, já que na cabeça dele havíamos gastado muita energia naquilo…
  Dias depois os dois se reencontraram e meu pai deu um abraço no meu amigo, como se ele tivesse ganhado uma corrida e no fim o maior prêmio de todos.
  Sim, senhoras e senhores, eu fui um troféu.
  Até hoje ele acredita que tirou minha virgindade, mesmo sabendo que não. Coitado... ele ainda espera que a união entre Greene e Hudson venha a partir de nós.
  Mas quem sabe minha mãe canse do meu pai e case com o pai de .
  Minha mãe ainda continua sendo a mais sensata. Ela amava todos meus amigos e também, até porque todas mulheres o amavam. Mas ela também amava e nem surtou quando namoramos anos atrás.
  Felizmente ela nunca se importou com as coisas idiotas que meu velho se importava. Ela já havia se conformado que não colocaria um anel de diamante em meu dedo, mas provavelmente pagaria um para o meu futuro marido – inexistente – colocar no lugar.
  Por isso que mães são superiores…
  Mas falando no Diabo…
   apareceu loirissimo como um raio de sol em uma manhã nublada, fazendo com que os olhos cansados do meu velho brilhassem como as pedras preciosas que eu usava em meus brincos.
  - ! – Acenei para meu amigo que veio até nós, em nossa pequena cena desconfortável.
  - Senhor Hudson – cumprimentou meu pai quebrando o clima chato. – Pessoal – e nos cumprimentou.
  - Senhor Greene! – Meu pai deu um aperto de mão forte como cumprimento em meu amigo, que retribuiu. Meu velho brilhava, ignorando completamente a existência de .
  Por pouco tempo, pois meu pai adorava alfinetar.
  - Como anda a sua mãe, senhor Graham? – A voz grossa do meu pai fez engolir seco.
  - Tá bem... O senhor sabe né, advogando como sempre... – O rapaz abriu um sorriso e meu pai continuou sério.
  Lembrei.
  Lembrei o motivo para meu pai odiar tanto : a mãe dele.
  A Senhora Graham era basicamente tudo que meu pai desprezava completamente: advogada – quando não trabalhava para ele – e política – quando não era o que ele votava.
  Mas na verdade tinha sim um motivo mais profundo para isso.
  Meu pai, como todo extremista, às vezes conseguia ser mais duro que uma porta e completamente ignorante, muitas vezes até intolerante.
  E a mãe de , como uma boa pessoa, de cabeça aberta e justa, uma vez entrou em uma briga com meu pai sobre as merdas que ele dizia na Igreja e justificava como “apenas minha fé” ou “apenas minha opinião”. Ela o processou e ganhou, desde então ele a despreza com todas suas forças.
  Até eu torci para que a Sra. Graham ganhasse e quando ganhou, invés de ficar em casa ouvindo meu pai reclamar, fui comemorar com eles.
  Era difícil viver em um lugar com um homem com uma cabeça com a dele, por isso ele vivia sozinho ou rodeado de gente que pensava igual a ele.
  Mas era o meu pai e eu o amava, porque acima de tudo ele me amava e, mesmo com as falhas frequentes, se eu precisasse dele, ele viria dos quintos para me acudir.
  Não era a culpa de sua religião, era culpa de seu extremismo. Ele não sabia diferenciar as coisas e não sabia quando parar. Mas eu ainda tinha esperanças que sua cabeça mudasse um pouco, afinal, quando todos os seus bens materiais acabarem, só irá sobrar a mim e minha mãe.
  E ele nem era louco de nos perder.
  O clima estava desconfortável com coçando sua nuca; tentando ignorar tudo aquilo; meu pai de braços cruzados, de cara fechada e eu, impaciente demais com aquela cena.
  - Até domingo, pai. – Beijei sua bochecha em despedida. – Cuida bem da mamãe, tá?
  Ele sorriu.
  - Ela que cuida de mim, você sabe. – Sorri para meu velho, abraçando-o e saindo em seguida.
  Puxei e para dentro do campus, porque pior que deixá-los perto do meu pai e na minha presença, era deixá-los sozinhos com meu pai.
  Dentro do campus, ao notar que meu pai já havia ido embora, arrumei o decote da minha blusa, que já era decotada o suficiente e graças a Deus meu pai não me obrigou vestir outra coisa. Tipo uma burca.
  Nós caminhamos juntos pelo campus e tudo estava calmo, era mais uma segunda-feira em que as pessoas estavam de ressaca demais para se preocuparem com outras coisas.
   e conversavam sobre algo idiota demais e que eu pouco me importava.
  Até que um rapaz de longe acenou para . O que não era algo surpreende, já ele praticamente conhecia toda Hearst e todos o adoravam. era como um imã de pessoas, talvez fosse seu charme irresistível. Claro.
  Mas o rapaz que o cumprimentou não era uma pessoa que eu botaria na lista de amigos e muito menos pessoas que eu iria querer por perto.
  Ethan Mason.
  - Ethan Mason? O que ele faz aqui? Achei que tinha sido deportado – disse para , sem muita animação em meu tom. Queria soar indiferente, mas era impossível em sua abominável presença.
  - É. Ele entrou esse ano aqui na Hearst, junto com vocês. Me surpreende não terem o visto antes. O encontrei em umas das festas do campus. Ele é legal. – Já o tom de era animado, afinal, ele adorava todo mundo.
  - Graças a Deus nunca ter trombado com ele por aqui. – Bufei. – Eu o odeio, de verdade. Me dá arrepios só de lembrar. – E me tremi, levantando meu braço e mostrando para meus arrepios. O loiro só riu.
  Ethan Mason era pra mim no colegial o que a Rachel – ou Leila Mara – é para até hoje.
  Nunca existiu um motivo para ele implicar comigo com tanta força desde o colegial. Era basicamente todos os dias, em qualquer aula, em qualquer lugar. Lá estava Ethan me infernizando, caçoando de mim e tentando me tirar do sério.
  Ele era o típico bad boy problemático e insuportável. Rebelde sem causa, mas que fingia ter uma boa o suficiente para justificar suas atitudes babacas e ignorantes.
  Foram quatro anos com ele me enchendo o saco e irritando todos ao meu redor, até que finalmente me formei e agradeci por nunca mais vê-lo. Mas é, parece que a sorte não estava ao meu lado.
  - Não gosto dele também. – deu os ombros.
   também não gostava dele. Talvez porque o cara me provocava e tendia a me defender sempre, como um amável cavalheiro.
  Ou talvez porque dois problemáticos não se dão bem.
  Mas nunca houve nenhum tipo de confronto físico entre eles, só verbal. Então cada um seguia seu caminho e esbravejava o quanto o odiava e queria quebrar sua cara, mesmo nunca o fazendo. Nunca entendi.
  Mas parando para pensar, dentro de mim, pouco me importava se Ethan Mason estava por perto ou não. Não era como se ele fosse minha criptonita ou meu arqui-inimigo. O que aconteceu tinha que ser deixado no colegial e eu acreditava no fundo do meu coração que Ethan tivesse amadurecido. Esperava.
  Milagres acontecem, certo?
  - Vejo vocês mais tarde – se despediu, enquanto se dirigia até um dos prédios e ficamos então só eu e a sós.
  Estava na hora de tirar Ethan da cabeça e focar no cara mais importante para mim.
  Tirei da minha bolsa meu espelhinho e meu batom cor de boca, dando uma retocada.
  - Então... – dizia, focada em minha maquiagem. – Como foi seu final de semana?
  - É... Foi... Bom... – murmurou algo baixo e o encarei pelo canto de meus olhos, notando então sua falta de atenção. Rolei os olhos.
  - Meus olhos então aqui em cima, . – Fechei a cara e ele corou.
  - Foi mal.
  - Então?
  - Eu não fiz nada de mais. Só saí com uma garota das Alpha Beta Gamma – dizia sorridente. Então eu tirei minha arma da bolsa e dei três tiros nele. Saí correndo antes que a polícia me encontrasse, já que eu era muito bonita para ser presa.
  Brincadeirinha…
  - Desde quando você sai com garotas? – Cerrei os olhos para ele, mas ao mesmo tempo tentei soar o máximo foda-se possível para aquilo.
  - Não foi exatamente um enc – o interrompi.
  - Não ligo. – Dei os ombros.
  Paramos na frente da sala para minha primeira aula.
  - Até mais.
  Entrei na sala, dando as costas para ele.
  - Sem beijinho de tchau? – Seu tom era sarcástico. Eu já estava sentada e pouco me fodendo para ele.
  Quer beijinho? Pede pra outra, porra.
  E não, eu não era o tipo ciumenta.

***

  Joguei a caixa em cima da mesa de centro da nossa casa. As meninas a encararam confusas. Então tiraram de lá as roupas que eu trouxe.
  - O que é isso? – Ana perguntou enquanto examinava o que trouxe.
  - É o nosso projetinho para arrecadar dinheiro para a nossa casa, oras.
  - Vamos fazer uma coreografia também e dançar todas a nova da Britney? – Morgana rolou os olhos e eu respirei fundo, contando até dez.
  - A Britney não lançou nenhuma música nova, burrinha – Brittany disse aleatoriamente, balançando a cabeça em reprovação.
  - Nós vamos lavar carros. – se levantou, vindo até mim. – Pelo o que eu vi, nenhuma outra casa vai fazer isso. É a nossa melhor opção para atrair atenção e mostrar que somos maravilhosas.
  - Eu não sei se quero fazer isso... – Sandra se acuou.
  - As outras casas nunca fizeram isso... – a sua gêmea se pronunciou também.
  - Ok, vamos ver. – Apontei para Abby, que sabia basicamente de tudo que acontecia nas outras casas. – O que as Alpha vão fazer? E o que as Kappa vão fazer?
  Essas duas casas eram as nossas maiores “concorrentes”, apesar de que as Alpha eram tão superiores que não havia uma competição.
  - Bom... as Alpha geralmente fazem docinhos caseiros e vendem para o campus. Os bolinhos são um sucesso e os cookies... uma delícia. – Salivei só de imaginar a quantidade de doces. Depois daríamos uma passadinha lá. Então Abby continuou. – Já as Kappa vão fazer uma feira de livros. Vão vender livros para o campus. E por incrível que pareça, muita gente compra.
  A partir disso, nós já tínhamos mais uma noção do que cada casa representava no campus e qual era seus papéis.
  As Alpha eram as “princesinhas” do campus, certo? Eram cheias de classe, organização, bondade, educação e cores pastéis. As mais riquinhas, mas nem um pouco arrogantes e maldosas. Eram doces e respeitosas. Todas queriam fazer parte das Alpha por se sentirem acolhidas no paraíso de cores pastéis e gente fofa.
  Já as Kappa eram... normais. Aquele grupo que não era nem bom e nem mau, era o meio termo. Eram as simples garotas de coque frouxo, viciadas em livros e em Starbucks, que às vezes eram um tanto... intolerantes. A figura de mulheres altas, magras, gostosas, loiras e afins era o que mais desprezavam e não queriam ser.
  Então nós seríamos o oposto das duas coisas.
   era basicamente o que todas as Kappa desprezavam. A mulher confiante, forte, determinada, porém que sabia que era gostosa e desejada. Se mostrava sim para todos que queriam ver. Usava pouca roupa, viciada em moda, sempre bem arrumada, se tivesse festa ela estava lá e se tivesse bebida nem pensava duas vezes. Não tinha medo de mostrar sua sensualidade, de sua força e nem de ficar com rapazes. Não tinha medo de sexo. Era confiante e seu ego era sua melhor arma. Por isso nos olhos dos outros ela era a vadia.
  E eu, bom, eu era o meio termo entre a princesinha e a vadia. Mais conhecida como o lobo vestido na pele de cordeiro. Por trás das minhas roupas caras e comportadas – na maioria das vezes – existia o meu lado mais demoníaco possível. Aquela que tem veneno misturado no sangue e mesmo com toda a pose, era a definição de Trust No Bitch. E nada me acontecia, porque para todos eu era inofensiva. E no fim, depois que fizesse todas as merdas possíveis, ninguém jamais desconfiaria de mim.
  Então era isso que as Zeta seriam.
  Juntando a fama de vadia de com a minha de princesa e misturando com nossos lados mais demoníacos possíveis, transformaríamos a Zeta no que as Kappa odiariam e no que as Alpha adorariam ser amigas.
  E assim, salvaríamos a casa.
  Éramos a junção de cor e glitter, bebida e moda. Há coisa melhor?
  Só precisaríamos dar um jeito nas meninas primeiro. Principalmente na Morgana…
  - E as Zeta? Lavam carros. – Morgana rolou os olhos, bufando alto.
  - Não, bobinha. – Balancei a cabeça. – Corrigindo: as Zeta lavam carros usando pouca roupa, dur.
  - Não vou vestir isso – argumentou contra.
  - Problema seu. – deu os ombros. – Depois não reclama que a sua casa foi fechada.
  Morgana fechou a cara e saiu bufando para o quarto com o resto das meninas.
  Ia ser difícil…
  Depois de alguns minutos esperando-as se arrumarem e depois terem coragem de sair da casa usando o shortinho verde, a blusinha da mesma cor com o símbolo cor-de-rosa cheio de glitter da Zeta e all stars de cano baixo cor-de-rosa.
  - Não sei se vamos conseguir fazer isso... – Abby mordeu o lábio inferior, um pouco intimidada com os olhares que ainda nem chegaram.
  - É... Não temos esse treco natural de sensualidade que vocês possuem... Falta muita... coragem. Ou algo assim. – Sandra abaixou a cabeça triste e sua irmã imitou o gesto.
  Respirei fundo.
  - Meninas, vocês não precisam agir sensualmente. Só precisam ser vocês mesmas, tranquilamente e naturalmente, lavando os carros e se divertindo no processo. Isso que vai atrair atenção. E não um bando de esquisitas se esfregando nos carros.
   Brittany colocou a playlist de Divas Pop e as músicas começaram a tocar pelos alto falantes da casa para atrair atenção e nos divertir.
  Eu e fomos até a entrada da casa, levantando faixas escritas “Lava-Jato das Zeta” e tentando atrair clientes.
  - Venham lavar seus carros com as Zeta! – gritava, dando pulinhos e dançando conforme a música.
  - Prometemos deixar seus carros limpinhos! Porque nós cumprimos promessas. Quer dizer, quase todas... – Rolei os olhos.
  Agora não, garota.
  O carro acinzentado estacionou em frente da nossa casa e comemoramos nosso primeiro cliente. Isso até ele sair do carro.
  Fechamos a cara.
   estava sorridente e tirou seus óculos escuros. Tinha que ser a praga…
  - O que você tá fazendo aqui? – perguntou de seu jeito doce. Às vezes acho que ela nem reparava no seu tom de voz. A forma carismática e fofa dela apenas surgia quando queria vender bolsas no seu trabalho.
  - Ué, vocês não têm um lava-jato? Eu tenho um carro e dinheiro. Serei seu primeiro cliente. E sejamos sinceros, vocês não vão achar um melhor que eu.
  - Seu carro tá limpo. – Cruzei os braços.
  - Claro que tá, eu não sou porco. – Rolei os olhos com sua resposta.
  - Vamos limpar o que então, menino? – Quis saber.
  - Não precisam limpar. É só mostrar e fingir que estão fazendo isso, então vai chamar atenção dos outros e pronto. De nada.
  Mesmo não nos olhando diretamente – já que estava me evitando -, nós duas rolamos os olhos juntas e saímos. Pegando nossas esponjas e panos, jogando para o resto das meninas.
  - Vamos lá meninas, como ensaiamos.
  - Nós não ensaiamos... – Ana disse baixo.
  - Finge, caralho. - Sweet .
  Nos juntamos no carro, mas mal tinha graça limpá-lo, já que estava impecavelmente limpo. Mas na tentativa de limpar o que já estava limpo, as meninas acabaram de soltando mais enquanto brincavam com a espuma.
  Sandra toda vez que tentava subir em cima do carro – não sei o porquê – e toda vez que caia, nós gargalhávamos até nossas barrigas doerem.
  - , o que você tá fazendo? – perguntei, o encarando com o seu celular em mãos e um sorriso no rosto.
  - Eu tô gravando vocês, oras.
  - Por quê?
  - Vocês não querem clientes? Espera só quando verem esse vídeo…
  Dei os ombros, voltando a lavar o carro junto com as meninas.
  - Cuidado com a mangueira. – Ana gargalhava, fingindo ser um homem com a mangueira. Jogamos água pelo carro para tirar todo o resto de espuma que havíamos o enchido.
  Corri para dentro da casa para pegar os panos para secar e a cera para lustrar o carro. Ao voltar, meu queixo caiu ao ver a fila de carros que estava na entrada da nossa casa, só esperando para serem lavados.
  - Puta que pariu.
  - Vamos ficar ricas! – Brittany deu pulinhos alegres, enquanto ia falar com cada um dos donos sobre os preços.
  Era impressionante ver que apenas um vídeo de oito garotas espalhafatosas, usando pouca roupa e lavando um carro chamaria tanta atenção assim para nós. Na verdade, com essa descrição não ficava tão impressionante assim.
  Mas bom, quem se importa, né?
  O sol brilhava, as músicas tocavam e tínhamos carros para lavar até cansarmos. Era exatamente o que precisávamos para ajudar nossa casa, e agora estava acontecendo.
  Meu queixo caiu mais uma vez, ao ver rindo junto com e Wallace, completamente entretidos com a cena.
  - O que você tá fazendo aqui? – Cruzei os braços.
  - Eu trouxe meu carro. – Sorriu igual uma criança quando ganha um doce.
  - Pra isso você usa o carro, né? – Rolei os olhos. – Fiquem quietos aí, fazendo companhia para os outros caras que estão doidinhos para me ver... nos ver lavando seus carros. – Pisquei para e ele continuou sorrindo com um pouco de sarcasmo.
  - Essa é a minha garota, garantindo o seu suado dinheiro. – Dei as costas, voltando para as meninas.
  Eles já haviam terminado o carro de já estavam passando para o próximo da lista. Havia uma boa quantidade de carros, o que nos ajudaria a pagar alguns móveis novos quem sabe para a nossa casa.
  - Estão prontas, meninas? Vamos ter que nos dividir para dar conta dos carros. Mas vai dar tudo certo. Até o fim do dia todos estarão limpos e nós vamos ganhar um monte com isso!
  - Seja o que Deus quiser.
  - Vaaaaaaaaai Zetas! – Brittany deu um pulinho.

***

  O sol ainda brilhava e estava um pouco quente do lado de fora, mas graças a quantidade de água que usávamos para lavar os carros, ficávamos refrescadas.
  Eu e estávamos lavando o carro de um dos jogadores de futebol da universidade. Nós não estávamos conversando direito desde o final de semana, porque algo sério aconteceu…

Flashback on.
  Entrei no apartamento de , segurando umas sacolas e um sorriso revigorante nos lábios. Fazer compras sempre me deixava de bom humor.
  - Onde você estava? – estava de braços cruzados, me fuzilando. Por causa das minhas comprinhas, acabei demorando um pouco mais para chegar na nossa reuniãozinha.
  - Compras, dur. – Levantei as sacolas. Depois as joguei no sofá e me sentei ao lado de minha amiga.
  - E você estava sozinha?
  Engoli seco.
  - Estava... sim... Aham.
  - Não foi o que eu ouvi…
  Merda.
  - , não significou nada pra mim, ok? Foi só umas comprinhas... Eu fui fraca, mas, eu me arrependi.
  - Do que você tá falando, maluca?
  Bati a mão na minha própria testa. Burra, muito burra.
  - E aí, . Como foram as comprinhas com a Rachel? – Brittany saiu do banheiro, sorridente para mim.
  Fodeu.
  - Como é? – Os olhos de estavam arregalados e todos os meninos já se prontificaram a segurá-la.
  - ... Não é o que você tá pensando.
  A morena rolou os olhos.
  - Tá tudo de boa.
  Franzi as sobrancelhas.
  - Sério?
  - Sim. Tô de boa.
5 minutos depois…
  - COMO QUE EU PUDE CONFIAR EM VOCÊ? MEU DEUS, SUA TRAÍRA. DESGRAÇADA! EU NUNCA MAIS QUERO OLHAR PRA SUA CARA. VOCÊ TÁ MORTA PRA MIM, HUDSON. MORTA!
  - , nããããããããããããoooo! – me joguei no chão, chorando descontroladamente implorando o perdão de minha melhor amiga.
  - Relaxa . – a segurava e Wallace também. Enquanto tentava me consolar.
  A morena se soltou e veio pra cima de mim. Dei um berro assustado.
  - BASTA! – Brittany gritou. – Eu quero paz!
Flashback off.

Foi apenas um erro de um dia. Meu vício por sapatos falou mais alto que minha fidelidade por , eu sei. Mas quando Brittany me pediu carinhosamente com seus olhinhos brilhantes para sair com Rachel, eu tive que aceitar.
  Nunca se diz não para Brittany.
  - ... eu sinto muito.
  - Não fale comigo, traíra.
  - , você tem que entender. Não significou nada! – Bati o pé. – Foi só uma tarde juntas. Não foi nada demais!
  - Pra mim foi! – a morena falou mais alto. Engoli seco. – Você sabe o quanto a Rachel me inferniza desde... sempre! Ela tá sempre a postos para arrumar algum conflito comigo, começou a namorar com a Brittany só para me atingir, vive me provocando para que eu perca a cabeça e agora... – sua voz afinou. – agora ela tá... – engoliu o choro, mas seus olhos lacrimejavam. – Agora ela tá roubando você de miiiiiim. – Sua voz ficou mais fina, porque chorava e falava ao mesmo tempo.
  E eu fiquei emocionada demais.
  - O quê? Jamais! – Engoli o meu choro, sentindo minha voz afinar também. – Querida, ninguém jamais vai me roubar de você. Você é... – não consegui terminar. – você é minha melhor... – chorei junto. – eu te amo! – Caí aos prantos e ela também.
  - Eu também te amo! – E nos abraçamos.
  - Meninas? – Brittany se intrometeu, mas não nos soltamos. – Eu gosto de abraços e também amo vocês. – Chorou junto, entrando no abraço junto conosco.
  Nós três choramos juntas. Então nos soltamos.
  - Tchau. – Brit deu as costas, voltando a limpar o carro que estávamos.
  - , eu sei que você a odeia e eu entendo isso. Eu vou respeitar, porque eu... – voltei a afinar minha voz de novo. – eu faço... – inspirei e expirei, inspirei e expirei para segurar o choro. – eu faço qualquer coisa por você! – Chorei novamente.
  - Eu... – minha amiga me imitou. – Eu também faço qualquer coisa por você! – Chorou junto e nos abraçamos novamente, caindo em prantos.
  - ESPEREM! – Brittany berrou, se enfiando entre nós novamente em mais um abraço triplo.
  Nos soltamos novamente, secando nossos olhos e olhamos ao redor. Todos nos encaravam chocados, boquiabertos. Menos nossos três amigos que já estavam acostumados com isso.
  - O quê? – latiu e todos voltaram para seus postos.
  Voltamos a lavar os carros e passamos a tarde toda nisso. A cada carro que saía, outro entrava. Havíamos lavado uma ou duas dezenas de carros durante o dia, perdemos a conta depois do quinto, quando nossos braços começaram a doer.
  Terminamos o último carro e o deixamos impecável, principalmente por se tratar do carro do ser humano mais insuportável de Hearst – depois de Rachel, claro. Markus Harrison.
  Ele apareceu vestindo sua jaqueta do time de hóquei, se sentindo a própria estrela do campus e encarou bem o carro. Ele estava impecável – o carro, não o porco -, nós nos matamos para deixá-lo limpo.
  O ruivo deu um sorrisinho, mais na tentativa de tentar jogar um charme para mim e do que outra coisa.
  - Valeu. Até mais. – Abriu a porta de seu carro, mas o impediu de entrar.
  - Como assim? Não vai pagar? É caloteiro agora?
  - Não, não sou caloteiro. E nem vou pagar também.
  - Posso saber o porquê? – me intrometi.
  - Porque eu não quero. – Deu uma risada e eu segurei o pulso de para que ela não sujasse o carro que acabamos de limpar com o sangue dele.
  - Repete.
  - Garotas, vocês têm que entender uma simples coisa: quem são vocês aqui? Só estão conseguindo ser reconhecidas a partir de agora, vocês não querem perder tudo se metendo comigo, querem? Não esqueçam, eu sou o capitão do time e as pessoas praticamente me amam. Então... – Deu os ombros. – Até mais.
  Entrou no carro e saiu. Segurei para deixá-lo ir. De certa forma ele estava certo, ele tinha um nome e se nos metêssemos com ele, poderia ser o fim da nossa casa.
  A expressão de era de pura fúria, com algumas veias saltando e a ponto de explodir. Já eu mantive minhas sobrancelhas franzidas, olhando para os lados para ver se alguém havia presenciado tamanha ilusão.
  Ele, amado? Será que ele não ouve o que falam dele?
  Talvez devêssemos ensinar uma lição para ele…
  Mas amanhã, estávamos mortas e precisávamos descansar.

***

  Mais um dia e mais um passo para salvar as Zeta. E mais uma caixa que joguei em cima de nossa mesinha de centro.
  - Mais uma caixa? Uau. – Brittany estava impressionada. – O coelhinho das fadas está inspirado.
  Ninguém entendeu.
  - Dessa vez não tem nada com lavar carros e nem nada. Conseguimos uma boa quantia com os carros e vamos conseguir comprar algumas coisas para a casa. Agora vamos para a fase dois: vamos melhorar o estilo de vocês. Se vocês chamam o que vocês têm de estilo, né... sem ofensas. – começou.
  - Eu consegui com minha mãe algumas roupas da loja dela, tem muitas roupas e mais para vir, mas nessa caixa estão a base para vocês se inspirarem e se vestirem melhor – terminei.
  - Ah, pronto, então agora vocês querem nos fazer mudar nossos cabelos e colocar silicone para atrair caras.... – Morgana deu uma risada sarcástica e perdeu a paciência.
  - Não cariño. Nós vamos fazer vocês mudar seus cabelos e colocar silicone para atrair mais de trinta meninas para salvar a casa. – Sorriu para a garota que ficou boquiaberta. – Agora, se você quiser atrair os caras... isso é problema seu.
  Sandra tirou umas roupas da caixa e ficou confusa, encarando tantos tecidos diferentes e pensando nos estilos que poderiam montar com aquilo.
  - Meninas, eu agradeço a ideia... mas isso não combina conosco. Quer dizer, olha pra você. – Apontou para mim. – Você se veste como uma das Alpha, parece uma Barbie e peituda. Suas roupas custam mais que um carro! – Bufou baixo. Isso era mentira, minhas roupas não custavam tanto assim.... Talvez um carro popular. – E já você... – Apontou para . – Você se veste como uma modelo rica, sempre usando roupas que nós jamais usaríamos, mas sempre antenada na moda. E nós... nós somos assim.
  - Sandra, nós não queremos que vocês sejam iguais a nós – a latina começou…
  - Sim, até porque cada um tem seu estilo e forma de se vestir, agir e ser. Vocês não são bonecas para montarmos da forma que queremos e dizer “ou vocês são assim ou estão fora”. – E isso infelizmente acontecia, não na Zeta, mas já ouvi boatos que já aconteceu na Alpha e até na Kappa, dá pra acreditar?
  - Nós só queremos que vocês se vistam com um pouco mais de confiança, de cor, de moda e parem de se vestir como se vocês fossem invisíveis, porque vocês não são. Vocês são lindas e não precisam ter medo de ousar – tentei explicar melhor usando um exemplo que conhecia muito bem: - É como uma nova era de uma diva pop por exemplo, elas gostam de se reinventar do cabelo às roupas apenas pra demonstrar que estão seguindo e tentando um novo caminho. Não é mudança de comportamento ou personalidade, é apenas inovação de uma forma que faça você dar uma repaginada em si mesma. É uma motivação maior. – Militei. Um pouco.
  - Como aquelas transformações de peso ou algo assim... Aumenta a autoestima e te faz ver a vida de outro jeito, certo? - Ana ajudou.
  - E até você, Sabrina. Não precisa se vestir igual sua irmã toda vez. Vocês são gêmeas, mas não são as mesmas - aconselhei. - E principalmente você, Morgana, você pode não gostar de nós, mas não queremos fazer mal, só queremos salvar a casa. E você também. Então será que podemos ficar em paz?
  - Podemos fazer um acordo, é só experimentar... Se não curtirem, podem voltar com seus estilos antigos. Mas eu prometo que vai valer a pena! Vocês são lindas por si só, só estamos aqui pra incentivar a mostrarem a confiança que pode surgir com essa ajudinha extra.
  - Vamos lá, meninas! – Abby se levantou. – Vai ser divertido. E SS, vocês não disseram que acham as duas Beverly Princess lindas e adorariam as dicas delas? – As gêmeas coraram. E eu e nos entreolhamos, contendo a risada com o apelido mais idiota, mas fofo, nível filme de colegial que já recebemos. – Nós podemos fazer isso! Vai ser demais.
  - Então, por onde começamos? – Ana sorriu para nós. – Ah, e será que podemos fazer um flash mob também?
  Demos os ombros.
  Nos sentamos no sofá e as meninas correram para o quarto – até Morgana – levando as caixas. Peguei minha câmera e pegou sua prancheta para anotar, Brit botou a música e nós preparamos.
  De início, elas não sabiam muito bem como se vestir e acabavam misturando várias cores, parecendo um arco-íris ambulante. Brit adorava, mas nós não.
  Abby decidiu optar por vestidos mais longos, mas com decotes que deixavam seu busto mais exposto e vestidos que delineavam as suas curvas. Os vestidos eram sempre coloridos, bem boho chic.
  Ana permanecia na mesma base, mas optando por vestidos mais curtos ou shorts jeans. Evitando usar saltos – já que a mesma dizia ser um desastre neles. Mas também optou por um estilo mais fofo.
  Sandra foi o orgulho de , puxando mais para o seu estilo. Levemente tropical e chique. Sua gêmea seguiu o estilo, mas pela primeira vez usando roupas diferentes da irmã e abrindo mão do mesmo cabelo Black Power para um todo trançado.
  Já Morgana, mesmo demorado tanto para dar o braço a torcer, escolheu roupas mais pretas, porém que moldavam seu corpo e a deixavam uma gótica gostosa.
  Tirei muitas fotos no processo, admirada com a evolução das meninas. Já também estava muito emocionada com esse processo. Orgulhosa das meninas e que finalmente teríamos como mostrar que éramos muito mais do que eles estavam imaginando.
  - Então, agora tá na hora de arrasar…
  E saímos pelo campus mostrando nossos estilos novos, não para atrair olhares dos caras, mas sim das mulheres. Queríamos mostrar que a Zeta era o lugar onde todas tinham um estilo, todas eram uma e todas eram gostosas pra caralho.
  Óbvio que cagaram real para nós.
   bufou, mas já tinha sido vencida pela situação.
  - A vida é um Black Mirror. Vou baixar algum aplicativo de filtros e arrumar as fotos que tiramos. Um feed bonito atrai olhares, infelizmente. Ou felizmente, sei lá.

***

  - e Hannah estão se beijando embaixo de uma árvore – Wallace cantarolou, gargalhando.
  - Cala a boca – rangi.
  - Deixa só a ouvir isso. – o acompanhou na gargalhada e eu rolei os olhos.
   Não havia nada para esconder dela, mas os dois faziam um dramalhão e uma cena desnecessária para qualquer coisa que ouviam.
  Muito fofoqueiros.
  Hannah e eu havíamos saído apenas uma vez, não havia sido exatamente um encontro – mesmo que só tenhamos ido nós dois. Foi apenas um jantar, dois amigos, muitas risadas e uma noite incrível.
  Sim, era bom sair com alguém que não fosse a , já que eu estava acostumado a só sair com ela desde... sempre. Às vezes era bom sair com outra garota. Não seria o amor da minha vida ou coisa do tipo, era só... sair.
  E Hannah era incrível, atraente, inteligente e uma ótima pessoa para conversar, ouvir e ter um momento muito bom junto. Óbvio que sairíamos juntos novamente, mas não queria que fizessem uma situação maior do que era. Éramos apenas amigos. É.
  O único problema era sim o ciúme de , mesmo que não estivéssemos mais juntos, ela não gostava de me ver com outra pessoa, como eu não gostava de vê-la com outro. Mas diferente de mim, ela fazia mesmo assim. Então por que eu não podia sair com uma amiga?
  Me entupia com hambúrguer e batata-frita, porque eram as poucas coisas boas que vendiam na lanchonete do campus.
  - Fica relaxado, . Quem sabe a reage bem. Acredito que no final você não vai quebrar nenhum osso. – Wallace permanecia debochando e rindo, mas eu os ignorei.
  E logo eles pararam também, porque elas chegaram.
  Sempre que as três apareciam uma coisa mudava, o clima ficava mais leve. Talvez por estarmos tão acostumados com elas e suas presenças, era como se nós fossemos novamente os três rejeitados e as três Rainhas do Baile.
  A minha favorita estava deslumbrante até mesmo de onde eu a via. Parecia brilhar em seu vestido branco que moldava seu corpo e o decote que mesmo de longe era impossível não notar. Seus cabelos estavam presos, mas algumas mechas caíam sob seus ombros. Era a mais linda de toda a Hearst, sem dúvidas.
  E que Hannah não me pegue falando isso.
   ria de algo que Brit fazia e segurava as duas amigas, mantendo a pose e rindo conforme a piada ficava mais forte. Mas então as expressões das três mudaram quando o Sr. Johnson passou perto delas.
  Ele deu uma puta secada em , uma que até eu nas mesas mais afastadas pude perceber. Claramente ela ficou desconfortável e se agarrou mais forte na amiga, que a apertou junto, se escondendo – mais precisamente, seu busto.
  Eu não sabia ao certo qual era o lance do professor com ela, até porque ela ainda não havia me contado, mas não era da mesma forma como ela fazia. Não era um dos flertes aleatórios que ela jogava por algum cara qualquer, dessa vez ela se sentia realmente desconfortável, realmente constrangida e ameaçada quando ele a olhava.
  E nunca havia a visto de tal forma, com tanta aversão por alguém que a admirava.
  Isso fez meu sangue subir, e quando meu sangue subia... não queria imaginar o que se passava na cabeça do professor, porque se eu soubesse não sairia bem para nenhum de nós dois.
  Nesse momento, tudo que eu queria era proteger desse homem, cuidar dela e mostrar que ela não precisava ter nenhuma preocupação, porque jamais o deixaria chegar perto dela.
  Fechei meu punho quando o olhar do homem fitou o corpo de por trás, dando um sorriso malicioso.
  Isso não ficaria assim. Ele ia se foder na minha mão se a olhasse assim mais uma vez.

***

  Até agora a casa não parecia mais tão horrenda.
  Depois da aula, conseguiu um tempo para organizar as coisas comigo. Compramos alguns objetos de decoração para casa, para tentar colocar mais cor e chamar atenção.
  Nossa playlist tocava e enquanto dávamos uma limpada em tudo.
  - Tá tudo bem? – me perguntou, se sentando no sofá e eu me joguei junto, descansando minhas pernas.
  - Tá tudo sim, por quê?
  - Não parece. Parece que está escondendo algo, diz aí.
  - Você sabia que o saiu com uma garota das Alpha? – bufei. – Ele diz que não é um encontro, mas acha que me engana.
  - E se for? Qual é o problema? Vocês estão terminados, lembra?
  - E daí? Isso dá permissão para sair com outras? – Rolei os olhos e me encarou com o melhor olhar de “sério amiga?”
  - Com quantos caras você saiu desde que vocês terminaram?
  Tirei um tempo para contar.
  - Nenhum.
  - Tá, vou reformular: com quantos caras você ficou aleatoriamente desde que vocês terminaram.
  Respirei fundo.
  - Pergunta difícil…
   riu.
  - E com quantas ele saiu ou ficou?
  - Não sei.
  - Então, qual é o real problema em que ele saia com outra? Tem que ser sincera.
  - Eu não sei... Eu acho que só tô com um ciúme idiota. – bufei. – Eu não me importo em ver com outras garotas, eu lido bem com isso, porque no fim ele nem fica com elas. Mas dessa vez... ele tá realmente saindo com outra e a chance de que ele a ache mais interessante e fique com ela de vez. Me dá uma pontada no peito. Não gosto disso.
  - Então acho que falta maturidade de ambas as partes. Não adianta você ou ele ficarem de encontros por aí iludindo pessoas se no fim o que sentem um pelo outro é mais forte. Deveriam tentar algo logo ou se afastarem de uma vez. Esse meio termo não vai levar a nada. – Minha amiga tocou meu ombro. – O gosta de você e isso é uma coisa que está clara para nós. Você não é obrigada a voltar com ele só porque ele tá saindo com outra. Mas também não pode monopolizar ele, como se você fosse a única garota que ele pode chegar perto. Cedo ou tarde vocês vão se entender, e se for mesmo pra ser, nenhuma outra garota ficará no caminho.
  Não me sentia mal por sentir ciúmes de , me sentia mal por estar indecisa em ficar com ele ou deixá-lo livre.
  Depois do festival, quando eu tive que encarar meus sentimentos quando estava perto dele, consegui entender que o título de ex-namorado não adiantava muito com ele, porque ele não era nada de ex em minha vida. Então as coisas dentro de mim começaram a ficar mais claras e que talvez devesse engolir esse meu orgulho e me entregar de vez, porque era o e não havia nada de ruim nele.
  Mas ainda assim, eu tinha um gosto amargo em minha boca toda vez que eu relembrava do nosso término. Foi traumático demais para mim, me deixou com muitas dúvidas e incertezas sobre nós. Nunca soube porque ele terminou comigo dias antes do meu aniversário, não soube o que ele fez no verão daquele mesmo ano e como voltou tão... diferente. E muito mais, não sei porque ele preferiu ficar aqui do que estudar fora. Era o sonho dele e mesmo assim ele desistiu tudo. Por quê?
  Eram essas pequenas incertezas que não me deixavam tomar coragem e voltar definitivamente com . E tudo que eu queria era que ele respondesse essas perguntas, mas ele foge disso como o diabo foge da cruz. Ele finge que eu não sei e isso é o que me deixa mais confusa e irritada sobre o que pode estar acontecendo.
  Já fui magoada uma vez, Deus me livre passar por isso de novo.
  Minha amiga notou meu silêncio e tomou minha mão delicadamente, me trazendo à realidade.
  - Ei, ratinha, lembra o que você me disse no banheiro da festa do ? – Neguei com a cabeça. – Que você gosta do , mas que você gosta mais de você. Não esqueça disso. Vocês podem se amar e tudo mais, mas no momento que isso começar a ser prejudicial à sua saúde mental, eu vou ser a primeira a te fazer se afastar.
  Sorri. Era bom saber que a estava comigo e não importava o que acontecesse, isso me dava uma segurança e era o que eu me segurava quando me sentia bagunçada em meus pensamentos indecisos.
  Mudei de assunto.
  - Você sabe quem eu vi hoje pelo campus? – A latina negou com a cabeça. – Ethan Mason, lembra dele?
  Minha amiga tirou uns minutos para pensar então abriu a boca, como se estivesse surpresa.
  - O que ele faz aqui? Achei que ele tinha sido deportado.
  Me exaltei, dando um pulinho.
  - Eu disse exatamente disso!
  - Deportado tipo, pro Inferno. Detesto aquele garoto... – E continuou doce.
  Acalmei-me.
  - Acho que eu deveria conversar com ele, sabe, pelos velhos tempos. – Dei os ombros.
  - Eu achei que vocês se odiassem – disse inocentemente, mas então em seguida sua expressão mudou para algo mais sério e eu fiquei confusa. – Não... Nem fodendo. , fique longe do Ethan!
  - Por que, doida?
  - Porque você só vai atrás dele quando quer fazer ciúmes ao , porque você sabe que eles se odeiam.
  Rolei os olhos.
  - Eu não faço isso…
  - , você é tão óbvia! Você ficou com ele no baile de formatura só porque você e o haviam terminado. O te odiou por isso e foi basicamente o motivo para acharmos que não o veríamos mais.
   estava me dando uma bronca. Por isso não devia ter trazido esse assunto para a nossa roda.
  - Ok, eu fui imatura e lembro muito bem disso. Eu me arrependi bastante de ter feito isso. – nem um pouco. – Mas não quero usar ele e nem nada, eu só quero conversar com ele…
  - Você não percebe, né? – veio pra mais perto. - Você tá com ciúmes do e quer dar o troco, indo atrás do cara que ele mais detesta no mundo. Pra quê? Pra que ele fique com ciúmes e esqueça da outra, então foque a sua atenção completamente para você. , isso é muito errado e você só vai acabar se machucando e machucando outras pessoas.
  - Eu não vou fazer isso. Que merda! – Bati o pé. – Ninguém consegue perceber que eu amadureci e não quero fazer mal a ninguém? – Sentei no sofá cruzando meus braços. Eu estava emburrada.
  - , eu não posso te dizer o que fazer, mas você não vai ter meu apoio nisso. Você sabe que é errado, mas se quiser fazer... é a sua consciência. Você só tem que parar de ser tão... teimosa.
  Meu celular tocou mais uma vez e eu rolei os olhos ao ler o visor. Era a quinta vez desde o final de semana que Sr. Johnson me ligava. Desde que conseguiu meu número, começou uma obsessão insuportável por mim.
  - Não quero atender.
  - Eu atendo. – sorriu e ela pegou o telefone da minha mão, atendendo e colocando-o no viva-voz.
  - Senhorita Hudson?
  - Ela não pode atender essa ligação. – Forçou um sotaque diferente para ele não a reconhecer. Levei minha mão à boca, para me calar.
  - Por quê?
  - Porque ela está morta.
  Ela falou aquilo com tanta calma que até eu acreditei…
  Não consegui segurar minha gargalhada, sentindo minha barriga doer profundamente. Limpei as lágrimas que escorriam.
  Sr. Johnson ficou quieto por um tempo e depois de ouvir um pouco das risadas no fundo, sua voz saiu fria:
  - Bom, então avise para a falecida senhorita Hudson que se ela não me encontrar em minha sala ainda hoje eu a reprovarei. Tenha um bom dia, senhorita Vega. – E desligou na cara de , deixado nós duas de queixo caído e com expressões incrédulas.
  - Ele pode fazer isso? Me reprovar só porque eu estou o evitando? – Encarei minha amiga com preocupação. Mesmo com toda sua perseguição, ele nunca havia sido tão frio e me deixado com tanto medo.
  - Você não voltou para as aulas dele, acho que ele pode sim.
  Respirei fundo imaginando o que teria que aguentar.
  Trabalhei muito para evitar ir em suas aulas, mas manter minhas notas boas. E talvez fosse mais fácil abrir logo a boca e contar como eu me sentia em relação a ele, mas infelizmente seria só a minha palavra contra a dele.
  Meu pai podia ser rico, mas nesse caso nem o dinheiro dele me salvaria caso Mr. Johnson tentasse revidar.
  O silêncio permaneceu por um tempo, até que Ana entrou na casa, passou correndo para o segundo andar e então ouvimos a porta bater. Nos entreolhamos e decidimos subir.
   deu duas batidinhas na porta, mas ao não obter resposta, entrou primeiro e eu a acompanhei.
  Ana estava deitada na cama, com o rosto afogado no travesseiro. Dava pra ouvi-la chorar baixo junto com uns soluços. Meu coração pesou, pesou demais. Sentei ao seu lado e toquei seu ombro delicadamente.
  - Ana, o que houve?
  Ela se virou para nós, com o rosto vermelho de tanto chorar e com as lágrimas escorrendo ainda.
  - Eu... Eu odeio as pessoas dessa merda! – despejou, voltando a soluçar.
  - O que fizeram com você? – A voz de ficou mais firme. Eu sentia que ela explodiria e mataria a pessoa assim que ouvisse o nome.
  - Markus, aquele babaca... Ele me humilhou no refeitório. – continuava soluçando e eu abracei de lado, deitando sua cabeça em meu ombro. – Eu não fiz nada pra ele, eu juro…
  - O que ele fez?
  - Uma piadinha machista idiota, então eu disse pra ele crescer... E... – voltou a soluçar. Então respirou fundo. – Então ele jogou minha bandeja no chão, rindo. Me mandou limpar ou comer no chão mesmo, porque eu era uma porca. – Ela tentou se conter, mas eu sentia seu coraçãozinho doendo mesmo só de falar. – Ele e os amigos dele ficaram fazendo sons de porcos enquanto eu ia embora. Eu me senti um lixo, meninas. – Então ela desabou novamente em meu ombro e eu acariciei seus cabelos levemente.
  - Cariño... – segurou o rosto da menina delicadamente, mas eu notei a irritação em seu corpo pela forma que ela mordeu o próprio lábio. – Eu te prometo que isso não vai ficar assim, ok? Fica tranquila, pode chorar à vontade. Mas eu te juro, ninguém nunca mais vai te humilhar.
  Ana sorriu tristonha e se deitou na cama, respirando fundo e fechando os olhos. Saímos do quarto para deixá-la descansar. Respirei fundo, encarando minha amiga sem saber exatamente como conter a minha raiva.
  - Podemos dar uma lição no Markus? – Sorri maligna para minha amiga, que assentiu.
  - Tudo no seu devido tempo, cariño.

***

  Eu estava tão distraído que não percebi e muito menos o senti vir. O primeiro murro que me deu.
  E depois mais um e depois mais um. Na frente de todos, ela não teve vergonha de sair me batendo.
  - O que foi? O que eu fiz, porra? Para – pedi, enquanto tentava me proteger e desviar de suas mãos e tapas.
  - Se você magoar minha melhor amiga você tá fodido, cabrón. – Me bateu de novo e eu tentei me desviar.
  - Do que você tá falando, mulher?
  - Desse teu lance com essa tal de Hannah. me contou tudo. – Rolei os olhos. Fofoqueiro…
  - NÃO. TEM. LANCE. NENHUM! OK?
  E me bateu.
  - Não grita comigo, viadinho, tá pensando que é quem?
  Me bateu mais uma vez e mais uma.
  - Para, pelo amor de Deus – choraminguei e ela parou. – Não tem nada acontecendo, juro.
  - Acho bom mesmo, porque se você a magoar eu vou arrancar seus sacos e dar para os cachorros da minha vila comer, porque eles adoram salsicha branca. – Me deu mais um tapa e saiu andando.
  Tremi só de pensar nisso.
  Isola.
  Tentei ignorar a cena toda e alguns olhares acompanhados de risadinhas. Saí andando pelo campus, para meu próximo compromisso, mas fui parado pela morena sorridente.
  Merda.
  - Ei Hannah. – Sorri meio intimidado
  - Ei . Eu estava te procurando.
  - E por quê?
  - O Halloween está chegando... Você gosta do Halloween, certo?
  Dei uma risada. Quem não gostava?
  - Claro! Já tirei o pó da minha fantasia de Drácula, ou algum super-herói. Ainda não decidi – brinquei. A morena deu uma adorável gargalhada.
  - Bom, então eu fiz o certo em vir te entregar isso. – Deu em minha mão o folheto de uma tal festa de Halloween que os meninos da Lambda dariam na noite de Halloween. – Espero que você vá. – Piscou para mim. – Te vejo por aí. – E saiu.
  Sorri.
  Olhei para os lados para garantir que nenhum dos meus cinco amigos estivesse de olho em mim.
  Não queria morrer.

***

  Estava indo contra uma vez, mas eu estava tentando provar algo mais para mim do que para ela. Eu havia amadurecido e esperava que Ethan também.
  Não queria passar os meus anos da faculdade tendo guerrinhas estúpidas como Rachel e . Queria acabar com uma idiotice do colegial de uma vez.
  Aproximei-me do rapaz que estava debaixo do capô levantada de seu carro, um Shelby Mustang 1968. Eu mal sabia sobre carros e tudo que sabia era graças e seu pai mecânico. E ambos falavam sobre carros antigos e suas preciosidades.
  Fui chegando mais perto, sem saber ao certo como me apresentar para ele, já que estava tão ocupado mexendo nas peças do carro para prestar atenção em mim.
  - Ei, virgem. – Seu tom tinha uma animação que fazia sobressair seu sotaque inglês, mesmo sem me ver e isso me assustou. Então ele se virou para mim, com um sorrisinho sarcástico no rosto. – Eu senti o adocicado perfume de virgem e já sabia que era você. As coisas não mudaram mesmo. Estou orgulhoso por ter permanecido virgem na universidade, as garotas daqui são uma loucura. – Ele mantinha seu sorriso sarcástico no rosto enquanto fazia suas coisas com o carro.
  - E aí, estrangeiro. Não devia estar na sua terrinha? Seja lá onde ela fique – ataquei na mesma moeda, mas ele ignorou.
  Como assim ignorou?
  - É. Não mais. – Deu os ombros, enquanto continuava mexendo nas peças do carro e ignorando a minha existência. – O que você quer comigo, afinal?
  Saiu novamente, agora se virando para mim com uma expressão mais séria.
  - me contou que você estava por aqui e eu achei que seria legal te cumprimentar, já que faz tempo que não nos vemos. – Ousei trajar meu sorriso mais simpático possível. Eu só usava para pessoas que realmente importavam, principalmente gente com dinheiro o suficiente para me dar uma carreira. – Podemos sair, ir à um bar, clube stripper, beber uma cerveja ou qualquer coisa que seu tipo goste.
  Ethan deveria se sentir lisonjeado.
  - É, da última vez que nos vimos você estava agarrada no meu pescoço. Eu lembro bem. – Seu tom era provocativo e isso me fazia amaldiçoar o sotaque dele, que fazia isso tudo mais malicioso. Deu um sorriso malicioso e eu fechei minha cara, cruzando meus braços e repetindo mantras na minha cabeça pra não matá-lo. Ethan me examinou dos pés à cabeça e sorriu novamente maliciosamente, então desviou o olhar para seu carro. – O que você quer realmente comigo?
  - É, percebi que a maturidade ainda é o que te falta. Não se pode ter tudo, não é mesmo?
  Então sua cara fechou e eu achei que venci. Eu poderia saborear a vitória, pena que ele foi mais rápido que eu.
  - Entendi, entendi porque você está aqui. – Abriu um sorriso falso. – Você está aqui pra me usar para fazer ciúmes ao ! Cara, eu deveria ter sido mais rápido nessa.
  - O quê? – Fingi um choque que nunca existiu. – Eu jamais faria isso.
  Ethan riu.
  - - Odiei a forma que disse meu nome, era como se tivesse aversão a mim. –, as pessoas não vêm a mim para aulas de inglês, pode ter certeza disso. – Sua expressão ficou mais séria. – E o que eu tenho a oferecer não é o que você quer, então, só sobrou uma opção que cabe em que você está acostumada a fazer. – Sorriu sem um pingo de verdade. – Usar as pessoas para atingir o . Principalmente com toda a Hearst comentando que seu namoradinho transou com a garota da Alpha.
  Travei a mandíbula, respirando com um pouco de força e sentindo meu sangue quente correndo pelas minhas veias.
  Ele tinha um sorriso vitorioso nos lábios por ter conseguido me calar e me deixar com a cara no chão. Maldito, ele me conhecia bem.
  Mas eu não o daria esse gostinho.
  - Rumores. É o que você faz bem né? – Me aproximei dele, tentando passar um instinto ameaçador. E quando percebi, já estava perto demais... mas isso não me deteve.
  - Não é o que eu faço de melhor. – Seu sorriso de canto arrepiou meus fios da nuca e mais uma vez seu sotaque mexeu de uma forma que não deveria. Não poderia entregar o jogo agora.
  - Com certeza espalhar rumores por aí é o que faz de melhor. Como quando espalhou que nós transamos depois do baile, o que nós dois sabemos que é mentira.
  Ethan deu os ombros e fechou o capô do carro, me assustei e me afastei, ele deu a volta para ir até sua porta.
  - Não fui eu que espalhou esse. Foi a Rachel. – Então deu uma piscadinha pra mim.
  - Aquela pequena e nariguda vadia – rangi.
  Ethan riu de novo e se escorou em sua porta.
  - Bom, adorável reencontro. Não devemos fazer isso novamente. – e sorriu. – Você não vai me usar para fazer ciúmes em seu namoradinho, Hudson. Não de novo. – ele balançou a cabeça em desaprovação. – Cara, e eu realmente acreditei que a universidade havia te amadurecido... É, me enganei. Uma vez vadia manipuladora e sem coração, sempre uma vadia manipuladora e sem coração.
  Então entrou em seu carro e buzinou para que eu saísse da frente. E foi embora, me deixando para trás, completamente sem palavras.
  Era assim que ele me via? Uma vadia sem coração e manipuladora?
  Bem, ele estava errado. Eu não era a vilã aqui. Nunca usei ele e jamais usei ninguém para fazer mal ao . Todos os caras que eu fiquei quiseram estar comigo por vontade própria, nunca magoei ninguém. Quem sempre terminava magoada era eu.
  Devia ter escutado e ficado longe de Ethan. Ele era problemático demais para mim. Jamais daria para ter uma amizade com um troglodita.
  Pelo menos fiz minha parte e minha consciência estava tranquila.
  Agora eu tinha coisas mais importantes para fazer…

***

  Respirei fundo, fazendo o sinal da cruz antes de entrar na sala do Mr. Johnson, conferindo se meu spray de pimenta e meu apito estavam bem guardados em minha bolsa.
  O homem estava sentado em sua mesa, com a sua atenção completamente focada em seus papéis. Mas ao notar minha presença, seus olhos foram diretamente para mim.
  Mas não exatamente em mim. Seus olhos estavam perdidos em minhas pernas nuas pelo vestido que usava e foi lentamente subindo, ficando uns segundos parados em meus seios e subiu, até meu rosto. Foi então quando sorriu simpaticamente, mas sua máscara de porco combinava mais.
  - Senhorita Hudson, achei que não nos veríamos mais – disse, se levantando e vindo em minha direção. Ele passou por mim e fechou sua porta.
  Senti um frio em minha barriga e fechei os olhos por um momento, tentando controlar a vontade de sair correndo e os calafrios. Ficar sozinha com Mr. Johnson me aterrorizava mais do que assumia.
  - Então, o que o senhor quer conversar? Eu preciso fazer uma coisa e... – tentei ir ao mais rápido ao X da questão, para ir embora de uma vez.
  Mas pela expressão do professor, sabia que ele me alugaria até que estivesse satisfeito de mim.
  - Bom, temos que discutir sua situação. – Seu tom era calmo e paciente, ele tinha total noção do que fazia e isso era o mais nojento. – Você tem notas excelentes, mas nunca frequenta minhas aulas e eu posso te reprovar por isso. E você não quer isso, certo?
  Neguei com a cabeça.
  E ele sorriu novamente.
  - Acho que podemos chegar em um tipo de... acordo... Que tal? – O homem se aproximava de mim aos poucos, até ficar em minha frente. Para enxergar seu rosto eu teria que levantar minha cabeça, mas não queria. Meus olhos estavam presos em meus pés e lá ficariam.
  - Que tipo de acordo? – Ouvi minha voz falhar. Ela estava trêmula e eu cada vez mais aterrorizada.
  - Você pode ser minha ajudante, que tal? – Levantei a cabeça, estranhando o pedido. Já esperava algo mais bárbaro.... – Eu preciso de uma ajudinha de vez em quando e como você é tão... prestativa na biblioteca, adoraria tê-la para mim.
  Era impossível não notar o quão sujas algumas palavras saiam de sua boca, principalmente quando sugeriam algo a mais. E ele sabia que eu entendia. E isso o deixava mais confiante ainda para continuar.
  Eu não tinha opção. Precisava passar de ano e para isso teria que fazer um pacto com o próprio Diabo.
  - Tudo bem. Eu aceito. – Respirei fundo, aliviada por estarmos finalmente no fim disso e para que eu pudesse ir embora.
  Mas não seria tão fácil.
  - Ótimo! – Sorriu. – Começaremos o mais breve possível. – sua mão tocou meu ombro nu e ele acariciou minha pele como se eu tivesse o convidado, mas não fiz. – Faremos uma ótima dupla juntos, eu acredito nisso.
  Tremi, só querendo fugir dali o mais rápido possível.
  - P-posso ir agora? – Minha voz ainda estava falha e então sua mão saiu de mim e o homem caminhou para sua mesa.
  - Pode ir sim. – Sentou. – Só mantenha seu celular ligado, te avisarei quando precisarei dos seus serviços. – Meu estômago se embrulhou com a forma suja que disse e corri para a porta, tremendo e tentando abri-la rapidamente. – Ah, e ? – Virei-me para ele. – Experimente usar mais vestidos assim... eu gosto. Combina com você.
  A última coisa que vi foi o sorriso perverso do meu professor enquanto eu fugia de sua sala o mais rapidamente.
  No corredor os olhos se voltaram para mim e eu me senti suja. Suja não, me senti imunda, emporcalhada, nojenta. E os olhares das pessoas me faziam me sentir completamente imoral demais para estar lá. Abracei meu corpo e saí correndo, passando pelos olhares de reprovação.
  No meio de tantos olhares de reprovação, havia um único olhar reconfortante quando passei por ele, mas não tive tempo para ficar. Precisava me limpar.
  E com a raiva que sentia brotar como uma flor de chamas dentro de mim, minha cabeça se iluminou.
  Precisava extravasar e já sabia como.

***

  Eu sabia que deveria esperar por para então dar o troco em Markus, mas algo em mim queria fazê-lo pagar pelo o que fez para Ana. Algo em mim queimava por dentro, me deixando com uma fúria que nunca senti antes. Só de imaginar a situação que ele a fez passar... Isso me deixava revoltada. E eu não achava que sabia como eu me sentia.
  Quer dizer, até sabia, mas não entendia na mesma forma que eu.
  Não havia conseguido me acalmar depois do que aconteceu com o Mr. Johnson, eu apenas estoquei o nojo dentro de mim para servir de combustível para o que eu queria fazer. A hora dele iria chegar, mas primeiramente eu iria vingar Ana.
  Estava no Uber esperando que me levasse para meu destino, eu só precisava garantir que meu parceiro de crime estivesse onde deveria estar.
  Liguei para o número, mas ninguém atendeu. Mais uma vez apenas na caixa eletrônica.
  - Oi, aqui é o . Não posso atender agora, mas deixo aqui o pensamento do dia: A verdadeira função do homem é viver, não existir. Jack London.
  Rolei os olhos.
  : Alguém viu o ?
  Brittany: Eu o vi sim e você também, hoje cedo. Não lembra?
  : Alguém que não seja a Brittany.
  Wallace: Não sei nada do traíra um e do traíra dois.
  : O que aconteceu, meu bombom?
  : Eles dois estão jogando sem o Wallace KKKKK Na casa do .
  : Obrigada diamante dos meus brincos.
  : O que você quer com o ?
  : Sexo.
  Brittany: O não é gay?
  Wallace: KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK
  : Correção: não estamos jogando. Estamos fodendo gostoso.
  : Crendiospai…
  : Putz.
  : Eu odeio muito vocês.

  Bati na porta e esperei ser atendida. Não demorou para um bagunçado e SÓ de samba-canção me atendesse todo sorridente.
  Ele parou um pouco para me olhar. Eu usava um suéter cropped rosa bebê de malha felpuda, uma saia tubinho denim cintura alta. E eu usava – surpreendentemente – um All Star branco cano baixo.
   deu um sorrisinho, um daqueles elogios sem palavras. Principalmente ele por ter acompanho muito da minha... evolução. Esse sorrisinho era melhor que sua cara emburrada quando me vestia tão sensual quanto a . Era um tipo de proteção de irmão mais velho que obviamente eu tirava sarro.
  - Não acredito, você veio me visitar! – Me abraçou forte, me tirando do chão e depois me girando dentro de sua casa, como uma criancinha. Como eu disse, ele me tratava como uma irmãzinha.
  - Bom... – Segurei nele para voltar para o chão sem levar um tombo, já que eu estava sem salto e ele era um gigante. – Mais ou menos isso. – Dei os ombros e ele rolou os olhos.
  Fui para sua sala, onde estava deitado no tapete jogando videogame completamente focado na televisão e no jogo. Igual uma criança entretida. E também seminu.
  Parei em sua frente, impedindo sua visão.
  - Vai se foder seu... – Parou, ao levantar a cabeça e me ver, então sorriu maroto. – E aí, meu amor. – Se agachou e me puxou para baixo.
  - Vai me trair na minha frente, ? – debochou. – Quando eu contar para o seu pai e desmanchar o casamento, qual será seu castigo?
  Ri.
  - Capaz dele ir atrás de você e te pagar pra casar comigo, só pro não ter chance.
  - E eu tenho chance então? – arqueou as sobrancelhas, dando um sorrisinho.
  - Querem privacidade? – sorriu maroto.
  - Claro. Podemos usar seu quarto, irmão? – O moreno sorriu e deu o dedo.
  - Eu só tenho uma dúvida…
  - Qual?
  - Por que vocês estão seminus? – Cerrei os olhos, desconfiada do que esses dois faziam.
  - Estamos jogando videogame, oras.
  - Pelados?
  - Stripgame. Quem perde tira.
  Respirei fundo. Amém.
  - Ah sim, eu jogo Strip Poker com a de vez em quando também. – Sorri aliviada e os dois me encararam com aquela cara de que eu havia falado demais e mexido com a imaginação deles.
  - Sobre o quarto... então, vamos? – sorriu malicioso.
  - Não vim aqui para isso. – Rolei os olhos.
  - Veio por que, amor?
  - O quanto você quer ferrar o Markus Harrison? – Sorri para o moreno e ele retribuiu.
  - Muito.
  - Então você tem que me levar para assistir o seu treino e depois para um jantar, que tal?

***

  Assisti o treino todo e não havia nada muito interessante, mas toda a testosterona que o jogo tinha era muito impressionante e levemente excitante.
  Esperei acabar e esperei tomar banho, então se arrumar para que pudéssemos sair. E o lugar especial que ele me levou foi, isso mesmo, para a lanchonete do campus.
  Mas porque eu pedi.
  Eu faria com que Markus aprendesse a não mexer mais com as Zeta e o faria deixar de ser tão arrogante assim, não era porque era o capitão do time que era melhor que qualquer um.
   me encarava confuso enquanto eu comia calmamente minha batata frita e bebia meu milk-shake.
  - Você não vai me contar mesmo o que tá planejando, né?
  - Ainda não.
  Continuei comendo minha batata delicadamente.
  - , sobre a Hannah... – Não queria tocar nesse assunto.
  - Não vamos conversar disso agora, tá?
  - Mas…
  - Relaxa.
  Estava tudo planejado. Depois de hoje eu mataria dois coelhos com uma cajadada só. Hannah deixaria de ser um empecilho para minha relação com e de quebra ainda daria um fim no ego insuportável de Markus.
  Mas tudo em seu devido tempo.
  , por mais que tenha seus problemas com raiva, era realmente e completamente bonzinho e não fazia coisas que considerava errado. A não ser que ele entrasse no máximo de raiva e perdesse a cabeça.
  Não queria que ele sujasse as mãos. O payback era meu.
  : Ele tá aqui.
  Vamos enrolar um pouco, faça tudo rápido e faça direito. Não quero que isso volte para mim, ok? Boa sorte.

  Sorri para .
  - Tá na hora. Vamos nessa.

***

  Com a ajudinha das Alpha, deixaríamos Markus ocupado por algum tempinho. E seria o suficiente para que ele abaixasse a guarda e fosse o suficiente para que ele recebesse tudo que plantou.
  Ana e não eram os primeiros que Markus havia ferrado. Ele havia mexido com muita gente e até gente importante do campus. Ele era basicamente odiado por todas as pessoas, só os professores gostavam dele e nós sabíamos o porquê.
  Quando você tem alguém importante pagando seu salário, você engole até o mais filho da puta.
  Parei na frente do carro vermelho de Markus com um sorriso e me encarou, um pouco confuso e quando se tocou, negou com a cabeça.
  - Não vou fazer isso.
  - Não pedi para você fazer. Quem fará tudo sou eu. Relaxa.
  - ... Isso não é uma boa ideia. Ele vai surtar.
  Dei os ombros.
  Estávamos em uma área livre de câmeras e, com a ajuda das Alpha, ninguém saberia que estivemos aqui. E todos os sons seriam abafados pelo barulho normal do campus, que mesmo em um dia de semana normal estava sempre movimentado.
  Tirei de dentro da bolsa que pedi para trazer um taco de hóquei antigo, mas que seria bom o suficiente para que eu fizesse o que queria. Mas , que me olhava com reprovação, estava se afastando.
  - , para. – Segurou meus ombros. – Isso não é certo, se nos pegarem podemos ser expulsos e até presos!
  Rolei os olhos.
  - Mas quem tá com o taco na mão sou eu, ou seja, você tá limpo. Eu só preciso que você fique de guarda pra mim. Qual é. – Encarei fundo os olhos de . – Você me disse que queria foder com o Markus, essa é a nossa oportunidade!
  - Não assim, cara. Não quero ser tão ruim quanto ele é. – Coçou as têmporas. – Eu não vou fazer isso, . E nem você. – subiu em seu skate. – Vamos embora. Agora. – Estendeu a mão para mim, mas eu não a alcancei de propósito.
  - Eu preciso fazer isso, .
  - Tudo bem então. Sinto muito, mas eu não vou fazer parte disso. – Ele foi se afastando aos poucos e senti meus olhos marejarem, mas a raiva dentro de mim foi mais forte.
  - Você vai me abandonar? – Firmei a voz, engolindo o choro.
   nunca virou as costas para mim, não dessa forma. E isso doeu, bem no fundo de mim. Porque eu jamais viraria as costas para ele.
  - Foi mal, . – foi embora, me deixando para trás com um taco na mão e um buraco dentro de mim.
  Já havia me metido em muitas merdas para defender o e ele se meteu em muitas merdas por mim também. Era assim que éramos. Mas vê-lo dando as costas para mim me alertou que talvez não era mais assim que as coisas aconteceriam.
  E isso me deu só mais gás para destruir Markus e extravasar a raiva que eu estava de todos os seres humanos de sexo masculino.
  - É agora.
  Segurei com firmeza o taco. Dei uma batida quebrando os faróis. Esperei que o alarme disparasse, mas não ouve som nenhum. Sorri sombria. Isso era diversão.
  Depois de quebrar todos os faróis, passei para os retrovisores, batendo neles até que quebrassem de vez. Depois passei para os vidros, batendo neles desesperadamente, trincando uns e quebrando outros. Despejei toda a minha raiva dele, do professor e de tudo naquele carro.
  Estava cansada desses homens sempre se achando acima de tudo, acima de qualquer forma de respeito. Depois dando risadinhas e se fingindo de bonzinhos.
  E a sensação de ver dando as costas para mim fazia meu sangue subir, me fazendo bater com mais força na lataria do carro de Markus, despejando tudo dentro de mim.
  Podia estar sendo errada, até mesmo uma criminosa por fazer isso, mas não me importava. Às vezes era bom fazer coisas erradas. Eu não queria nada, eu só queria extravasar minha raiva e fazer com que ele pagasse.
  Subi em cima do capô, batendo nele e no vidro com o taco, pulando nele e chutando, descontando toda a minha raiva. Até que tudo estivesse quebrado e ferrado, ainda não era o bastante, mas valeu a pena.
  - Isso é pela Ana, seu filho da puta! – urrei, enquanto batia naquele carro com todas as minhas forças.
  Senti uma pontada em meu peito lembrando de Ana chorando por causa dele. Os soluços, os olhinhos magoados e então vi tudo vermelho. Esqueci a razão e voltei a bater violentamente com o taco no carro.
  Ninguém magoaria uma irmã minha e sairia impune.
  De repente a sensação de ter sido tratada de forma tão nojenta por Mr. Johnson mais cedo e depois ter sido abandonada por eram coisas de menos, o que me movia era Ana. Era defendê-la, protegê-la e fazer Markus pagar por cada lágrima que escorreu dos olhos dela.
  Foi aí que a senti como uma irmã. Como família.
  Desci do carro e tirei da minha bolsa uma tesoura afiada e passei pela tintura do carro, marcando-o todo. Não descansaria até ver aquele carro tão importante completamente destruído.
  Depois continuei minha fúria, descontando nos pneus. Furei cada um mais de uma vez, só para garantir que não desse pra sair daqui, mas não sabia se estava fazendo certo, só fiz.
  Voltei a bater no carro, chutar, rabiscar com a tesoura e eu tremia de raiva. Ofegante e com umas lágrimas de raiva escorrendo pelo meu rosto.
  Chorava de raiva e não sabia nem exatamente o porquê. Só haviam muitas emoções e muita raiva dentro de mim naquele momento. Mas sabia que o que mais doía em mim era a cena de Ana em minha cabeça.
  Eu odiava tanto o Markus naquele momento.
  E quando percebi, eu estava fora de área, chorando e ainda batendo no carro com o taco, sem parar. Sem me importar caso alguém me visse e eu fosse pega.
  - Hudson? – Ouvi o sotaque familiar atrás de mim, mas isso não me fez parar. Só conseguia ouvir os meus próprios gemidos de ódio, meus soluços e o som do taco batendo no metal. – ? – Ouvi mais uma vez, não respondi.
  Ele então me pegou pelos braços, me fazendo parar bruscamente meus movimentos e me virou de frente a ele. Minha visão estava embaçada pelas lágrimas, mas reconheci seus olhos azuis. Os mesmos que me trouxeram o conforto quando todos me olhavam como se eu fosse uma vadia que acabara que transar com o professor.
  - Ei – me chamou novamente, delicadamente, com preocupação em sua voz. Eu não respondia, só soluçava.
  - Ethan – apenas disse seu nome, entre os soluços e o abracei. O senti desconfortável com o gesto, mas naquele momento não me importei. Continuei agarrada nele, chorando em sua jaqueta.
  - O que você fez, ? – Senti suas mãos em minhas costas, mas logo ele me soltou, mais preocupado. – Precisamos cair fora daqui agora. – Segurou minha mão, mas eu estava congelada. – Vamos, Hudson! – disse com mais firmeza, me puxando.
  Ouvia meu celular tocar dentro da bolsa, a voz de Ethan me chamando e me mandando correr, junto com outras vozes que indicavam que estavam prestes a encontrar meu presentinho para Markus.
  E eu estava completamente perdida.

***

  Não sabia como havia parado no carro de Ethan, mas lá estava, recostada no banco de couro, respirando com mais tranquilidade e já sem as lágrimas desesperadoras escorrendo pelo meu rosto.
  Mas eu estava um bagaço.
  O rosto inchado e vermelho de tanto chorar, os olhos vermelhos e ainda marejados. Meus lábios estavam um pouco machucados com a força que eu os mordia, tentando ignorar o silêncio desconfortável dentro do carro.
  Ethan estava ao meu lado, com sua expressão de indiferença no rosto e um ar tranquilo, como se aquilo não tivesse sido nada.
  - Lá se foi a vadia manipuladora e sem coração – quebrei o silêncio fazendo uma piada sem graça, apenas relembrando do que ele me chamou mais cedo.
  Ethan apenas deu os ombros.
  - Acho que eu estava errado, afinal. – Virou para mim, com um sorriso sarcástico. – Talvez você seja só louca mesmo. – e riu. – Por favor não destrua meu carro.
  Soquei seu braço. E ele deu uma falsa reclamação de dor.
  Ficamos em silêncio por mais uns minutos e eu respirei fundo, levando os fios do meu cabelo bagunçado para trás da orelha, mantendo meu rosto limpo.
  - Por que você fez isso? – dessa vez Ethan quebrou o silêncio.
  Respirei fundo.
  - Markus magoou uma pessoa que eu me importo muito. Eu fiquei com tanta raiva dele que extravasei destruindo o que ele mais gosta. – Um resquício de um sorriso sombrio apareceu em meu lábio. Adoraria vê-lo sofrer pelo carro da mesma forma que Ana sofreu por sua humilhação.
  - Meio radical, não acha? – Dei os ombros. – Mas te entendo. Se machucassem alguém que eu me importo, haveria consequências também.
  Sorri para ele. Era bom ter alguém do meu lado que me entedia.
  - E o ? Ele não deveria estar com você? – Franziu a sobrancelha. – Não me diga que vocês já terminaram... – fez um bico falso. – Cara, essa foi rápida.
  Soquei seu braço novamente e ele riu.
  - não quis fazer parte disso. – Foquei meus olhos no horizonte. – Não posso o culpar. Seria egoísmo demais da minha parte botá-lo nisso, afinal, poderíamos ser expulsos ou presos por causa disso. Pelo menos assim eu pago o pato sozinha. – E então lembrei de algo e levei as mãos à cabeça. – Merda, preciso arrumar uma desculpa caso a reitora venha atrás de mim.
  Ethan estava sorridente e eu estranhei.
  - Eu vou ser seu álibi!
  - Como?
  - É! Se alguém perguntar o que aconteceu para mim ou para você, só dizermos que estávamos juntos a noite toda. – Seu sorriso desapareceu, mas sua expressão era relaxada. Como se não se importasse em ter que mentir ou fazer isso.
  - Por que está me ajudando? – Franzi as sobrancelhas.
  - Porque você eu fui muito babaca muitas vezes com você no colegial e não percebi o quanto você é foda, cara! – E ele sorriu novamente, como uma criança. – Você destruiu um carro sozinha! Um ato de vandalismo puro, cara! Agora você terá a minha proteção, te botarei debaixo de minhas asas.
  Sorri para aquilo. Era um ato anormal para Ethan, principalmente quando se tratava de mim. Jamais esperaria que ele me ajudasse e me protegesse.
  - Obrigada. – Sorri para ele e trocamos contato visual por alguns instantes, sorrindo um para o outro. Até que senti algo estranho dentro de mim, estando tão perto dele e o vendo de forma tão diferente do que havia visto. – Mas ainda te detesto – disse a primeira coisa que se passou pela minha cabeça e voltei para minha posição original.
  Ethan riu sarcástico e ligou o carro.
  - O sentimento é mútuo, princesa.
  Nunca havia me dado bem com Ethan durante todo o colegial, mas agora, pela primeira vez, eu o via como uma pessoa não tão detestável. E eu gostava disso, gostava do que isso poderia se transformar. Estávamos amadurecendo algo que até então era só infantil.
  Mas ainda não o suportava, seu jeito sarcástico e despreocupado. O olhar de indiferença, como se nada valesse a pena sua atenção, mas que mesmo assim – mesmo que jamais admitisse –, parou o que fazia para me ajudar.
  Talvez eu também precisasse abrir a minha cabeça.
  Assisti-lo dirigir concentrado no caminho para me deixar em segurança na Zeta era algo que eu jamais esperaria que ele fizesse. Estava acostumada com o pior dele e agora que me mostrava um lado melhor, conseguia ter uma desconfiança minha, mas ao mesmo tempo, um pingo de esperança.
  Talvez ambos amadurecemos e finalmente deixaríamos as diferenças de lado, virando amigos.
  - Para de me olhar assim, Hudson. – O observei rolar os olhos. – Sério, para. Você tá me assustando. – Ri de sua idiotice e deitei minha cabeça na janela ao meu lado.
  Para isso, ele primeiro deveria deixar de ser adoravelmente detestável

***

  Depois de Ethan me deixar na Zeta, acabei fugindo e deixando minha casa para trás por um instante. Sentia que tinha algo mais importante para fazer naquele momento.
  Um pedido de desculpas.
  Me sentia ansiosa demais por estar na porta de e ensaiava mentalmente o que diria para ele, andando de um lado para o outro e limpando minhas mãos em minha saia assim que elas suavam.
  Respirei fundo e dei duas batidinhas na porta, ficando em uma pose mais descontraída para quando abrisse a porta.
  E ele abriu.
  Um sorriso involuntário saiu dos meus lábios quando vi seu rosto. Os cabelos bagunçados e a roupa meio amassada. Sorri, imaginando que estava dormindo e eu o acordei. Acontecia sempre.
  - ? – Franziu as sobrancelhas, confuso com a minha presença.
  - Eu vim falar com você... Posso? – me convidei para entrar, mas antes mesmo dele abrir a porta, vi a silhueta da tal garota da Alpha que todos estavam comentando que ele estava ficando atrás dele. – Oh. – Dei passos para trás, me arrependendo amargamente de ter ido atrás dele.
   abriu a porta e saiu junto com Hannah. Os dois estavam com uma expressão culpada para mim e ajeitavam suas roupas, tentando parecer menos bagunçados o possível. Mordi meus lábios e fitei meus tênis, tentando evitar o desconforto.
  - Nós estamos indo ao cinema – Hannah disse, para quebrar o silêncio. Mas eu só queria que tudo ficasse quieto. – Sou Hannah, aliás. – Estendeu a mão e eu hesitei, mas então a cumprimentei. Não queria ser esse tipo de garota.
  - . – Sorri falsamente.
  - Tá tudo bem ? – veio até mim preocupado e eu assenti.
  - Vamos? – Hannah grudou no braço de e sorriu angelicalmente para ele, que engoliu seco.
  - Me espera no carro? Já te encontro – combinou com a morena, que sorriu para ele, dando um beijo em sua bochecha e se despedindo de mim. Ela foi saindo do prédio.
  - Uau – sussurrei mais para mim mesma que para qualquer outra coisa. Me sentia uma idiota por estar parada em sua porta enquanto ele se divertia e fazia planos com Hannah.
  E me odiava por me sentir culpada por ter passado a noite amigavelmente com Ethan imaginando o mal que isso causaria para .
  - ... – veio até mim, mas eu não queria ouvir desculpas ou “isso não é um encontro”. estava certa, eu não podia mais me meter nisso, tinha que deixá-lo fazer o que sentia ser certo.
  Tinha que ser madura.
  - Desculpa por ter envolvido naquele lance do Markus... – disse de uma vez, mudando o assunto para o que eu queria falar, assim não estragaria os planos do meu amigo. – Não tinha o direito de te colocar em risco daquela forma. Eu sinto muito, muito mesmo.
  - E mesmo assim você fez. – Seu olhar de desaprovação me machucou. – Você destruiu o carro do Markus.
  Dei os ombros e o encarei com frieza.
  - Eu disse que precisava disso.
   respirou fundo, indicando que estava cansado e já sabia que era uma luta perdida antes mesmo de começar. E isso me machucou mais um pouquinho.
  - Tudo bem... – Ele me abraçou por um instante e eu me apeguei naquele momento, porque sentia que seria o último. Então me soltou, dando um beijo em minha testa.
  - Boa noite para você. – Sorri. – Hannah é uma garota legal, se divirtam. – Afastei-me.
  - Obrigado. – Ele sorriu para mim, um sorriso genuíno e verdadeiro, porque ele não havia entendido que eu estava mentindo. Eu queria que ele tivesse a pior noite da vida dele e que Hannah fosse a pior garota que ele já havia conhecido.
  Mas eu só estava sendo mesquinha, mimada, egoísta e monopolizando ele. E eu queria ser madura, pela primeira vez.
  Respirei fundo quando vi que estava sozinha naquele dormitório e me segurei para não desabar. Era patético demais para mim. Eu sempre estive no controle em minha relação com e dessa vez me sentia tão... perdida.
  O som do meu celular tocando me tirou do pensamento, me fazendo sorrir ao ler o visor. Teria algo pelo menos que ocuparia minha mente no final das contas.
  Wallace: Tô indo pra biblioteca, cadê você?
  CADÊ VOCÊ PORRA? EU TÔ TE ESPERANDO.
  NÃO VAI VIR? ACABOU A AMIZADE.
  , MEU OURO BRANCO, CADÊ VOCÊ? :(
  TE ODEIO MUITO.

  Eu amava o Wallace. Ele jamais me abandonaria.
  : Me atrasei, sorry. Estou indo.
  Me espere todo lindo e cheiroso, ok meu bombom?
  Wallace: Diz que eu sou lindo.
  : É lindo.
  Wallace: Sou lindo.

***

  Passei o resto da minha noite organizando livros. Enquanto Wallace ficava com a parte física do trabalho, eu ficava com a parte digital. Apenas catalogava os livros e conferia se estavam nas estantes ou se haviam sido levados.
  Simples né?
  Havia sido difícil os primeiros dez minutos de trabalho sozinha com Wallace, já que tudo que ele falava tinha a ver com meus seios.
  Depois de uma bela bronca nele, ele parou.
  - Então, quem você acha que vai ficar com o trono em GOT? – perguntou aleatoriamente, enquanto organizada os livros.
  - Eu e entramos em um consenso de que Jon Snow tem que ficar com o trono, mas depois morrer, então a Daenerys fica no lugar dele.
  - É uma boa, vou adotar esse consenso também. Mas no fundo quero que Cersei fique com o trono.
  - Por quê? Achei que você odiava mulheres no poder. – Franzi as sobrancelhas e ele me encarou chocado.
  - Cersei é mulher? – Seu queixo caiu.
  Rolei os olhos.
  Meu celular apitou.
  : Alguém quer ver um vídeo viral?
  : Que vídeo viral?
  Brittany: O que é viral?
  Wallace: Acho que tem a ver com vírus…
  : Calem a boca e apreciem.
   enviou um vídeo.

  Meu queixo caiu quando cliquei no play. Eu mataria muito a .
  O “viral” era apenas um vídeo de uma Hudson no último final de semana, semi bêbada, de pijaminha sexy, rebolando Pony enquanto cantava no fundo junto com a música.
  Era uma das nossas festas do pijama que deveriam permanecer SECRETAS.
  : IF YOU'RE HORNY, LET'S DO IT
  Brittany: RIDE IT, MY PONY
  Wallace: MY SADDLE'S WAITIN'
  : COME AND JUMP ON IT
  : Eu odeio tanto você latina desgraçada.
  : Me chama de pônei, .
  Brittany: EU VOU SER O PÔNEI, SAI.
  : Relaxem gente, ela monta em todo mundo.
  Cavalga sem freios, amiga.
  Wallace: , tô aqui do seu lado. Não esquece.
  : Se isso sair daqui, eu mato vocês.
  , Wallace:
  : O QUE VOCÊS DOIS FIZERAM?
  PUTA QUE PARIU, . VOCÊ É UM VIRAL!!!!!!!!
   saiu do grupo.

  Minha reputação estava mortinha.
  Bati com a cabeça na mesa, choramingando a nuvem de desgraça que pairou sobre mim.
  Mas como tudo que é ruim pode piorar…
  Ethan: Espero que isso melhore seu humor, com certeza melhorou o meu.
  Você criou um viral, parabéns. Estou muito orgulho de você, Pequeno Gafanhoto.
  Ethan enviou um vídeo.

  Era o vídeo de Markus assim que viu o carro destruído e não pude deixar de gargalhar de suas reações.
  Primeiro ele deu um berro agudo e caiu do chão, desesperado. E quando os seguranças vieram, ele começou a dar gritinhos, batendo no peitoral do segurança e batendo os pés, como uma criança quando a mãe se nega a comprar seu doce favorito.
  Depois ele fingiu um desmaio e ninguém amparou. Ficou chorando e berrando, dizendo que estava passando mal e iria morrer se não chamassem ajuda.
  As expressões faciais dele davam ótimos memes e todos achando graça dele fazia ser melhor ainda.
  No fim do vídeo ele é arrastado para fora por enfermeiros e os seguranças, enquanto ele chora e grita por seu carro, como se fosse alguém vivo que estivesse morrido em sua frente. Nem parecia que amanhã já teria um carro novo esperando por ele.
  Penso que, se você tem dinheiro para subornar professores e treinadores, você tem que ter dinheiro para comprar outro quando depois de eu destruir seu antigo.
  A mensagem de Ethan havia me tirado uns sorrisos e havia ignorado o fato de minha reputação ter sido arruinada pelos meus próprios amigos.
  : Obrigada, Mestre.
  Ethan: Ah e eu vi seu vídeo dançando…
Me deixa ser seu pônei?
  : Vai se foder você também.
  Ethan: Dança assim pra mim... vaaaai.
  Ethan Mason bloqueado.

  Finalmente depois de quase uma noite toda – e o fim da minha reputação – havíamos terminado os livros, prontos para pegar as coisas e irmos embora.
  Sabrina passou pela porta, entrando na biblioteca toda sorridente. Usava um novo moletom da Zeta, verde com as letras em rosa com glitter, igual o nosso uniforme para a lavagem de carros.
  - Ei, Sab. O que você tá fazendo aqui?
  Wallace fitava a garota dos pés à cabeça, sorrindo de canto e ela o ignorava completamente.
  Ouch, bem no ego dele.
  - Eu vim te chamar para ir pra casa ver filme conosco. Nós vamos maratonar os clássicos da Disney e disse que você adora. Você pode trazer esse seu amigo se quiser... – Deu os ombros.
  - Não era mais fácil me mandar uma mensagem? – Arquei a sobrancelha.
  - Eu não tenho o seu número e você bloqueou a e a Brittany. – Sorriu tímida. – Ah, e a disse que se você não a desbloquear ela vai furar seus peitos.
  Rolei os olhos.
  - Então, vamos? – Wallace se intrometeu, dando uma risadinha e tentando conquistar a garota que não estava nem aí.
  - Vamos.
  Saí de trás do balcão e fui junto com Sabrina e Wallace, desligando as luzes da biblioteca e trancando-a ao sair.
  Voltamos para nossa casa e já estava completamente exausta. Haviam sido dois dias longos, com a lavagem de carros e a vingança contra Markus.
  Ao pisar na casa, fui recebida com um abraço caloroso de Ana. Ela me apertava com força e eu não pude fazer nada a não ser retribuí-lo.
  - Obrigada – sussurrou para mim e eu sabia do que ela estava falando, sabia bem.
  Nos soltamos e eu adentrei mais na casa, indo até o resto das meninas.
  - , vi seu vídeo. – Morgana tirou sarro. – Pra uma branquela você sabe rebolar. E virar viral. – riu e eu respondi com meu dedo do meio.
  A casa estava mais arrumadinha, com mais cor e um sofá novo mais confortável. E todas estavam sentadas na sala. Ana, Abby, Brit, Morgana, Sandra e . As acompanhamos, nos sentando perto.
  - , você me odeia? – Brit fez bico triste, ela havia levado a sério o meu surto de mais cedo.
  - Claro que não, Brit. – Sorri para a loirinha. – Eu odeio a , ela eu jamais perdoarei. – A morena socou meu braço e eu gemi de dor.
  - Elas não vão repetir o que fizeram na lavagem de carros, né? – Morgana perguntou preocupada, com medo de repetirmos nossa cena chorona de novo.
   a fuzilou com os olhos e a garota rolou os olhos.
  - Meninas, vamos fazer um jogo antes de começarmos?
  - Que jogo? – perguntei interessada.
  - Com quem foi seu primeiro beijo? – Ana perguntou travessa e todas coraram.
  - O meu foi com meu primo Richard. Eu tinha sete anos e ele cinco. – Brit sorria contente. – Eu terminei com ele uma semana depois, nunca daríamos certo... éramos de mundos diferentes.
  - E ele reagiu bem? – Wallace brincou.
  - Não. Ele me desenhou sem cabeça.
  - Ok... – Ana continuou. – E o seu, ? Aposto que foi com o . Vocês dois são tão lindos juntos... – As meninas suspiraram apaixonadas e eu ri baixo, coitadas…
  - Não, não foi com ele. – Ri.
  - Foi com quem então?
  - Vai, . Conta para todos presentes com quem foi seu primeiro beijo. – cutucou minha barriga, segurando a risada.
  Respirei fundo.
  - Foi com a .
  Todas deram gritinhos e risadas. Só o queixo de Wallace estava caído e nós sabíamos o porquê.
  Nojento

Capítulo 07 - Parte II


  Nicolas: Quando vamos nos encontrar de novo?

  Rolei os olhos, bloqueando o celular e afofando a almofada cheia de plumas que enfeitava o sofá.
  Nicolas: É sério. Estou com saudades. Vamos nos encontrar.
  Ignorei novamente, folheando o livro, tentando me focar na matéria. Infelizmente não tinha o dom de memória fotográfica que tinha. Então, infelizmente, teria que estudar para a prova de mais tarde.
  Nicolas: Ei. Me deixa te mostrar o que eu faço de melhor gatinha. Você não vai se arrepender.
  Bufei, me focando em não tacar o celular pela parede. Tentando digitar um “vai se foder”, mas com medo de borrar minhas unhas delicadamente brilhantes, uma gracinha. Adorava me mimar.
  - Olha só, parece que a ratinha voltou pra toca. – O sotaque veio atrás de mim. – Se eu não tivesse com o meu nome todo fodido, eu pagaria uma champanhe pra comemorar a volta dos mortos. – Sentou ao meu lado. – Não tá ocupada demais fazendo umas coisas de menina prodígio? – Rolei os olhos.
  O que se referia era sobre minha tentativa de me ocupar mais do que já estava ocupada. Durante o semestre resolvi fazer algumas matérias extracurriculares para melhorar minhas notas – já perfeitas – e ocupar meu tempo.
  Óbvio que convidei minha amiga para participar, mas ela riu e disse que quando ela criasse um clone seu, primeiro ela o mandaria trabalhar em seu lugar enquanto aproveitava na praia e aí, no décimo quinto clone – que estaria encarregado de brigar com pessoas por ela – procuraria as matérias extracurriculares.
  Uma pena.
  - Deixa de ser exagerada, garota – brinquei. – Como foi o passeio com a mãe da Brittany? Já atingiu o nirvana?
  Rimos.
  As duas saíram para fazer “comprinhas”, alguma coisa a ver com um banho de sal grosso ou ervas especiais que ajudariam sobreviver mais um semestre.
  - O que você tá fazendo, hein? – A morena tentou tirar o celular de minhas mãos. Dei um gritinho, com mais medo de borrar minhas unhas do que perder meu celular. – Calma aí, tigrete.
  - O carinha do Ano Novo não para de me ligar – suspirei e voltei a me concentrar no livro. – São ou mensagens desesperadas ou ligações que eu tenho que recusar.
  - Você vai acabar entrando em combustão se continuar estudando, fazendo as unhas e odiando a raça masculina ao mesmo tempo, ratinha. – sorriu debochada para mim, mas ignorei. Precisava manter minha cabeça ocupada.
  Era difícil ser eu, isso já estava comprovado desde o jardim de infância.
  Além de manter as matérias extracurriculares, estudar como uma condenada para as provas e trabalhos para entregar, eu ainda tinha que perder horas dos meus dias ajudando o professor Johnson.
  Óbvio que quanto mais ocupada eu estava, mais eu conseguia evitar sua presença e ele não podia me castigar, já que eu estava ocupada em assuntos estudantis.
   tentava me convencer todos os dias à levar tudo isso para Didi, mas eu não achava grande coisa. Qual é, não seria grande coisa se eu não me importasse. Né?
  Eu só estava me sobrecarregando de coisas, mas era bom para mim. E em compensação não perdia tempo com meus dramas pessoais e eu aprendia mais sobre responsabilidades.
  Era igualzinho no colegial. Eu era líder de vários clubes e consegui lutar para ser a presidente do Conselho Estudantil. Por isso eu sempre tive as melhores notas em todas as matérias comparadas aos meus amigos. E enquanto isso ainda conseguia ser líder de torcida com a .
  Eu me sentia bem quando estava sobrecarregada e no controle de várias coisas. Talvez eu fosse mesmo uma nerd com uma mania de controle muito grande – e perigosa -, mas o que eu poderia fazer? Tinha o sangue Hudson em minhas veias e os Hudson são vencedores.
  E em compensação, isso estava me evitando de surtar por causa dos últimos acontecimentos em minha dramática vida. E sejamos sinceras, quanto menos eu pensava sobre os últimos dias, menos confusa com tudo eu ficava.
  Para quem se interessasse, a “pegadinha” que fiz contra Markus foi a maior fofoca durante a semana no campus, óbvio que em menos de três dias ele já estava com um carro novo, porém todos ainda riam de sua cara pelo surto que teve quando encontrou seu carro em seu pior estado. Ele virou meme. Ótimos memes.
  E como prometido, a Reitora resolveu fazer uma “investigação” para descobrir quem vandalizou seu carro.
  Surpreendentemente, Ethan manteve sua promessa e foi meu álibi e eu o dele. Óbvio que isso causou um burburinho entre a administração da Hearst. No dia seguinte eu e Ethan ficamos na sala da reitora e ela nos fez repassar nossa história, com perguntas de praxe – como onde estavam; o que fizeram; por quanto tempo. E Ethan foi muito convincente.
  Claro que me fodi de verdade quando a bomba do meu “encontro” com Ethan estourou no colo dos meus amigos e as consequências foram nem um pouco agradáveis. Primeiro tive que aguentar a cara de reprovação de por dias, ainda mais por não ter sido a primeira a saber que passei a noite após meu ato de vandalismo sentada no carro de Ethan. Depois quando contei tudo que aconteceu, ela continuou me odiando, só que menos.
  Também tive que aguentar piadinhas bestas de Wallace e que – mesmo contra a vontade de – adoravam fazer as piadinhas com duplo sentido, sugerindo que eu e Ethan éramos mais que “parceiros do crime”. E em consequência de tudo isso tive que aceitar e aguentar em silêncio os encontros entre e Hannah dobrarem durante as semanas. Mal via o e quando o via, Hannah sempre era uma pauta interessante.
  Já Ethan, não digo que viramos melhores amigos graças a isso porque seria mentira. Nos víamos regularmente, trocávamos mensagens e era bom, mas evitávamos ficar muito juntos, afinal, não fomos amigos durante quatro anos e não estava no melhor momento pra começar. Ainda com o o odiando.
  A vantagem de tudo isso foi que durante a semana minha reputação só ficou manchada com meu infame vídeo, que nem fez muito o barulho que eu esperava. Só uns babacas do time de futebol ou da Lambda fazendo sons de pônei e sugerindo o que a letra da música pedia para mim. Mas passou e passei uma semana sem matar ninguém.
  Foi uma semana produtiva.
  Terminei de grifar as partes importantes da minha matéria – quase uma página completa – com minha marca-texto rosa, quase um convite para passar mais uma noite toda relendo matéria. Bufei só de imaginar. E joguei os livros em cima da mesinha de centro.
  Um deles caiu e pegou, dando uma lida apenas na capa e depois se virando para mim com suas sobrancelhas franzidas.
  - , você não tem Artes Cênicas de matéria. Acho que você não tem Arte alguma na sua grade. Por que tá lendo isso?
  Dei os ombros.
  - Você sabe que eu gosto disso, ué.
  Minha amiga deu um olhar complacente e botou o livro delicadamente na mesinha de centro.
  - Já pensou em mudar de curso, cariño? Com as suas notas você talvez consiga mudar sem precisar acabar mais um semestre. Você deveria tentar. – Sorriu. – Você daria uma ótima atriz, já tem o drama em suas veias. – tirou sarro e eu ri.
  - Amiga, se meu pai quase enfartou quando eu participei da peça do colégio fazendo a Mary Magdalene, imagina se eu realmente estudasse isso?
   deu os ombros.
  - Você tem que parar de pedir a aprovação do seu pai pra tudo, cariño. Vai por mim, os pais não sabem de nada. – Piscou.
  Era uma coisa para se pensar. Eu sempre me senti um peixinho fora d’água que não sabia ao certo o que queria fazer da vida, mas sempre senti que poderia ser uma artista, uma estrela de verdade. Eu amava todos os tipos de arte, principalmente a atuação, talvez fosse por isso que tinha essa satisfação indescritível quando eu era o centro das atenções. E minha maior inspiração era a Audrey Hepburn, não podia ser apenas uma coincidência.
  Quando escolhi meu curso, foi mais para provar para mim mesma – e para os outros – que eu poderia quebrar o padrão de “loira, rica e artista”, me sentia mais inteligente estudando Astronomia, por ser algo que eu entendesse, mas mesmo com minhas impecáveis notas, ainda não sentia que era o meu sonho.
  Eu queria mais.
  A porta se abriu e o resto das Zeta entraram, se espalhando pela nossa agora limpíssima sala de estar. Brittany se sentou ao meu lado, mas deitou a cabeça no colo de e eu senti um leve ciúme com as amiguinhas que não se desgrudavam.
  - E aí, tá tudo bem? – perguntei.
  - Ah, conseguimos conversar com a Reitora – Ana respondeu. – Pelo menos ela não quer fechar mais a nossa casa. O que é bom.
  A Reitora Campbell passou o último final de semana pensando em formas de manter a nossa casa, após as Kappa Kappa Mu reclamarem convictamente de que estávamos denegrindo a imagem impecável da universidade quando limpamos carros usando pouca roupa.
  Sabe de nada.
  Após Rachel argumentar fortemente e eu ser obrigada a segurar para não arrancar os cabelos da garota, a reitora decidiu dar um breve tempo para pensar na melhor forma de não fechar nossa casa, já que passamos no primeiro jogo e cumprimos os requisitos.
  Felizmente o veredito foi ao nosso favor. Mas agora estávamos atentas. Rachel não desistiria até desmanchar nossa casa.
  - Pronto, resolvi seu probleminha. – me devolveu o celular e sorria satisfeita de si mesma.
  Nicolas: Então, vamos nos encontrar?
  : Nem fodendo.

  E bloqueou o número do rapaz, para que ele jamais pudesse encher meu saco novamente. Eu devia ter feito isso antes. Por que não fiz?
  - É a hora! – Sandra apareceu berrando, se jogando no sofá e ligando a televisão em um desespero. Dei um berro, com medo de minhas unhas borrarem.
  - Hoje você tá que tá, . Toma seu remedinho, meu amor. – ria de minha cara e eu nem entendia a graça.
  - Pra que tanto desespero, criatura? – me acalmei.
  - A MTV vai passar um especial com uns videoclipes de boybands, aqueles vídeos antigos que eles gravavam. – Os olhos da garota brilhavam e nós não entendíamos tanto essa euforia.
  - E daí? – não estava animada.
  - E DAÍ? – a garota se exaltou. – Eu não vou nem dizer o que tá se passando pela minha cabeça.
  - Caguei.
  Estávamos todas sentadas no sofá, sem qualquer expectativa, porém já éramos velhas demais para passar vergonha por boybands que nem existiam mais.
  Então começou.
  *NSYNC na tela, com a música Pop e nós estávamos focadas na televisão, assistindo os homens dançando e prestando atenção na letra. Até mesmo .
  Tentávamos disfarçar, não entregar o jogo.
  Mas não dava para negar. Era magnético. Minha cabeça balançava e meus lábios se moviam junto com a letra. Essa eu conhecia bem.
  Saudades infância.
  - Eles dançam mesmo né... – disse sem muita empolgação.
  - Menina, você viu? Virilhas em chamas – Morgana respondeu do nada e nós rimos.
  - Meu Deus, Justin... – Sabrina choramingava.
  - Isso tá muito bom.
  E então o break começou. Muita testosterona, com homens que além que cantam, também dançam. Era o ponto fraco.
  - PUTA QUE PARIU, OLHA A COREOGRAFIA! – Anna gritou.
  - EU SEI! – Sandra concordou.
  - Gente, o que a gente tá fazendo? – ria com vergonha.
  - ELES. ESTÃO. SE. ESFREGANDO. NO. CHÃO! – Brittany gritou, até se sentando no sofá para ficar mais fácil de enxergar.
  Nos rendemos.
  Passamos o último refrão gritando a letra da música, balançando nossas cabeças de um lado para o outro, sem medo do torcicolo, nós éramos corajosas.
  O primeiro clipe acabou e nós ficamos nos encaramos, ainda um pouco chocadas com aquilo.
  - Nós gostávamos disso quando éramos crianças? – respirou fundo.
  - Pois é…
  Mais uns clipes passaram de outras bandas, umas até mais interessantes e outras um pouco menos. Mas os clipes berravam a breguice dos anos 2000 e as suas masculinidades tão exóticas.
  - Isso é muito brega. – escondia o rosto nas palmas de suas mãos, mas mantinha o olho focado na tela.
  - Então desliga a TV.
  - Não dá.
  - Por quê?
  - Tá muito bom.
  - Comercial! – Sandra berrou, enquanto os comerciais desinteressantes passavam.
  - E aí, como estamos até agora? – Abby perguntou.
  - De volta aos anos 90. – tirou sarro.
  - Imagina, o JT ou o JC cantando no seu ouvidinho sobre ser seu namorado, nossa, imagina. – Respirei fundo, me abanando falsamente para minha amiga. A latina só rolou os olhos.
  - , vai com calma, temos crianças no cômodo.
  - Ei! – Brittany fez bico.
  - Alguém quer pipoca? – Sandra ofereceu.
  - EU FAÇO! – berrou, se levantando em um pulo e foi saltitando até a cozinha, enquanto ficávamos esperando voltar dos comerciais.
  Depois de uns minutinhos, voltou com um pote de pipoca cheio e se sentou no sofá conosco.
  - Prontas para mais uma rodada?
  Assentimos.
  E os comerciais acabaram.
  Depois de umas boybands não tão interessantes e o pote de pipoca se esvaziando aos poucos, finalmente uma música que mexeu com nossos interiores.
  Backstreet Boys com All I Have To Give.
  Enchia minha boca de pipoca, conforme observava aqueles homens dançando com as camisas desabotoadas, mostrando o que Deus os deu.
  - Gente…
  - Shhhhhh. – Sabrina deu bronca.
  - ELES ABRIRAM AS CAMISAS, ELES ABRIRAM! – Abby gritou e nós confirmamos dando gritinhos e aplaudindo aquelas beldades.
  - Eles estão dançando com as camisas abertas e de chapéu, isso não faz sentido.
  - E deveria fazer?
  - Você prestou atenção na música? – me encarou.
  - Eu deveria? – Dei os ombros.
  E o clipe acabou com nossos aplausos.
  - Eu nem sei mais o que dizer. - Morgana tomou um gole do seu refrigerante, passando a latinha gelada por seu pescoço.
  - Era uma música romântica... – Anna e Abby concordaram. E eu dei os ombros.
  - Gente, eu só vi abdomens sarados e coreografias sensuais, nada mais.
  - SHHHHHH.– Sandra nos calou, ela estava eufórica.
  - Esse não, pelo amor de Deus. – tampou o rosto com a almofada.
  Quit Playing Games (With My Heart), um clássico.
  - Gente, eles estão sensualizando sem camisa na chuva? – Brittany parecia chocada.
  - Sim.
  - Um close só no tanquinho de um, dá vontade né? – tirei sarro.
  - E que tanquinho. Eu passaria minha língua por ele todo e... – Sabrina se calou quando observou nossos olhares chocados para ela.
  - Gente, eles vão pegar uma pneumonia... – Brittany balançava a cabeça em desaprovação e eu sentia o tom em sua preocupação.
  Nós viramos umas para as outras e imitamos os rapazes no clipe, jogando os cabelos e fazendo as caretas mais dramáticas/sensuais possíveis, enquanto dublávamos a música.
  No final estávamos todas gargalhando.
  E outro comercial…
  - Hora do banheiro! – gritamos juntas e todas nós nos dividimos pela casa.
  Aproveitamos para organizar a sala de estar, já que por algum motivo estávamos mais animadas que antes e entregues para aquele show de nostalgia que sentíamos vergonha.
  Voltamos para os nossos postos, esperando para a próxima boyband que iríamos performar.
  - Isso ficará só aqui né? – Morgana perguntou.
  - Larga de ser chata, estamos em família. – nos entregou controles/escovas/e qualquer objeto para simularmos microfones. – Do início, garotas.
  Demos gritinhos com a introdução de All Rise de Blue, subindo nos móveis, dançando da nossa forma, sem levar a sério.
  Dávamos gritinhos quando cada um dos garotos aparecia, como se fossemos as fãs mais loucas possíveis, mas mal lembrávamos de seus nomes.

One for the money and the free rides
It's two for the lies that you denied
All rise
All rise

  Imitávamos a coreografia que eles faziam na televisão, jogando nossos cabelos e gritando a letra que conhecíamos com força, sem parar.
  - Vai, porra. – Sandra se empolgou.

Three for the calls you've been making
It's four for the times you've been faking
All rise (I'm gonna tell it to your face)
All rise (I rest my case)

  Na parte do rap, nós não sabíamos como cantar, então ficamos balançando nossas mãos e cabeças, simulando como se soubéssemos o que estávamos fazendo, mandando aquele freestyle, mas parecíamos loucas com vontade de fazer xixi.
  - Mais uma vez! – Brittany gritou, indicando mais um refrão e nós repetíamos tudo que eles faziam.
  Terminamos a música posando da forma mais boyband máscula e sensual possível, depois nos encaramos e começamos a gargalhar das nossas piadas internas com tudo aquilo.
  Voltamos pro nossos postos, nos sentindo muito dramáticas quando Sorry Seems To Be The Hardest Word ainda na versão de Blue começou.
  Dávamos nossos gritinhos de fangirls toda vez que um dos rapazes apareciam.
  - Meu Deus, o Lee de cabelo curtinho – Sandra choramingou, contemplando a visão e eu a fuzilei.
  - Sai, ele é meu. – Empurrei ela.
  - Esse é meu. – Brittany mandou um beijo para a televisão quando o Elton John apareceu.
  Nós mantínhamos nossos braços para cima, balançando de um lado para o outro, cantarolando em coro, como se fosse um show e como se estivéssemos realmente emocionadas. Mas nem estávamos.
  - Eu quero um Lee pra mimmmm – choraminguei.
  Cantávamos juntas a letra, umas para as outras. Todas juntas na frente da televisão, como um bando de crianças assistindo seu programa favorito com medo de piscar e perder uma parte importante.
  - COMERCIAL! – Morgana gritou e nós corremos para mais. Nos preparando pra mais um show, porque o público estava sedento.
  Voltamos para a sala quando os comerciais acabaram, já dando início a introdução de uma música que muitas conhecíamos: I Want It That Way.
  - NÃO! – Dessa vez choramingamos em grupo e corremos para o sofá, nos jogando nele.
  Igual na infância.
  Eu, , Brittany ficamos em pé no sofá novo. Morgana e as gêmeas ficaram em pé em uma das poltronas e no chão. E a Anna e Abby na outra poltrona.
  Estávamos todas em postos, gritando a letra da música mais melancólica, que servia para nossos momentos de bad quando essa palavra nem tinha esse sentido.
  Gritávamos a letra, usando controles, escovas e qualquer coisa que tínhamos na casa como microfones, focadas na televisão e dando gritinhos, completamente sem noção alguma.

Tell me why
Ain't nothing but a heartache
Tell me why
Ain't nothing but a mistake
Tell me why
I never want to hear you say
I want it that way

  O refrão nos deixava descabeladas, enquanto dançávamos em cima dos móveis. Era como se todas nós fossemos crianças de novo que acabaram de voltar da aula.
  - NICK CARTER, GOSTOSO, REI, DONO DA MINHA – não consegui terminar.
   me puxou.
  - Não foi ele que bateu na Paris Hilton e estuprou umas garotas?
  - Sério?
  - Sim.
  - NICK CARTER, LIXO, FODIDO DE MERDA. – Dei o dedo para a televisão.
  No último refrão, descemos dos móveis e esperamos o momento certo, quando a música estava perto do fim, corremos para o sofá e nos jogamos nele, todas de uma vez só. E obviamente deu merda.
  O impacto fez o sofá cair para trás e todas nós junto, caindo todas em cima uma da outra.
  - Ai, porra.
  - Caralho, acho que quebrei minha bacia.
  - Ai meu quadril, esfarelou.
  - Meu rimmmm, meu rimmmm.
  - Putz, meu joelho, fodeu.
  E todas nós gargalhamos então, rindo daquela cena que se dissessem no começo do ano que estaríamos passando, eu e riríamos da cara da pessoa, porque jamais esperamos que ficaríamos unidas desse jeito.
  E no fim, tínhamos tanto em comum que era explicável, porque, mesmo com uns problemas, nos dávamos tão bem assim.
  Nos levantamos e arrumamos o sofá, nos sentamos no mesmo e tiramos um minuto para respirar, mas só um, porque logo começou a tocar Bye Bye Bye do nosso amado *NSYNC.
  Nos jogamos na frente da televisão, para poder assistir sem perder um minuto daquele videoclipe que enlouquece a todos e todas.
  - JC gostoso! – eu e Sandra gritamos juntas.
  - O cabelo do Justin. – Brittany gargalhou e acompanhou.
  - Que pecado.
  Prestávamos atenção em todos os movimentos, enquanto eu ficava de queixo caído com tudo aquilo.
  - A coreografia...
  - Olha esses homens…
  - Nossa , para de pensar nisso, por favor.
  - Shhhh.
  - Eu queria ter duas buc... – disse, a cada close que dava apenas do JT e do JC. – Deus me perdoe.
  - Tá perdoada. – riu.
  Então gritamos com todos nossos pulmões da hora, naquela hora em que eles pegam... lá... Até Brittany que ficou vermelha e se escondeu atrás de . Aplaudimos, porque aquilo merecia todas as palmas.
  No último refrão cantarolamos todas juntas, mas sem tirar os olhos da coreografia e dos caras e de tudo que acontecia no clipe. Até que então, a música acabou.
  - Acabou? Poxa – vaiamos juntas.
  Peguei meu celular para conferir o horário e até gargalhei.
  - Ficamos quase uma hora trancadas aqui dentro assistindo videoclipes antigos de boybands que nem sabemos mais se existem... Que auge. – Rimos todas juntas.
  Sentimos a falta de fazer alguma coisa e nós nos entreolhamos, tendo provavelmente a mesma ideia.
  Sabrina aumentou o volume da televisão quando Baby Got Back de Sir Mix A Lot começou a tocar.
  Subimos nos móveis e começamos a rebolar nossas bundas para o nada, cantando desajeitadamente, fazendo um rap digo de branquelas que não tem o ritmo nas veias.
  Rebolávamos nossa bunda para o ar, de uma forma forte que meu quadril até doía. Ele iria esfarelar.
  - Vai, mexe mesmo – Sabrina berrava, rebolando até o chão.
  Até mesmo Morgana, que jamais esperaríamos vê-la rebolando e batendo cabelo, cantando junto com o rapper.

My anaconda don't want none
Unless you've got buns, hun

  Demos nossos melhores twerks alá Nicki Minaj, quando a porta se abriu sem aviso e nós berramos, mas sem conseguir se mover com o choque de ver a Orientadora Diane parada na nossa porta, nos encarando um pouco chocada.
  - Estou atrapalhando? – Ela segurava o riso, enquanto nós tentávamos voltar para nossas posições e ignorar o mico enorme que passamos. – Relaxem meninas, eu também já fui jovem um dia…
  Nós descemos dos móveis e ela se sentou em uma das poltronas. Nós fomos para o sofá e nos ajeitamos, tentando parecer sérias o suficiente depois de sermos pegas de bunda para o ar, literalmente.
  - É muito bom ver que vocês estão se entrosando dessa forma, fico muito contente. Isso mostra que vocês têm um grande futuro pela frente juntas, isso eu posso crer. – Ela sorria genuinamente e isso me dava confiança. Se ela pelo menos acreditava em nós, era muito motivador.
  - Você veio falar sobre os jogos, Didi? – retribuiu um sorriso para a mulher e ela assentiu.
  - Bom, é exatamente sobre isso que vim falar! – seu tom era alegre, contagioso. – Os jogos serão mais tarde, no campo ao ar livre. Espero ver vocês lá. Já que agora a Reitora Campbell está de olho em todos seus passos para ver se vocês estão aptas a continuar abertas. Sorte de vocês que fui eu quem entrou sem bater, imagina se fosse ela... – a mulher gargalhou e nós acabamos acompanhando.
  Só de imaginar a cara de horror da reitora quando visse nossas bundas para o ar, rebolando com uma música desse calão depois que Rachel e suas coleguinhas foram falar que nós não éramos dignas o suficiente para permanecer na universidade, isso seria catastrófico.
  Uma parte era completamente reconfortante: saber que Diane se importava conosco e que a reitora finalmente notou nossa existência, mas ao mesmo tempo era assustador imaginar tanta pressão em cima de nós para saber se continuaríamos ou seríamos mandadas embora.
  - Nós iremos, Didi. E nós só sairemos vencedoras! – nos motivou e a mulher sorria. Ela via uma nova atitude em nós.
  Não eram só as roupas, mas algo estava diferente nessas meninas. Elas estavam confiando mais em si mesmas, acreditando que poderiam surpreender a todos mostrando que são mais do que eles pensam.
  E isso era o que queríamos ver nelas. Queríamos que elas confiassem em nós e confiassem em si mesmas, para nós conseguirmos nos erguer e vencer.
  Iríamos arrasar nesses jogos. Nem que eu tivesse que arranhar alguém.
  Mentira, jamais estragaria minhas unhas dessa forma.

***

  O pátio estava cheio, mas não era isso que atraía nossa atenção. Nem muito menos o titio Sanchez na arquibancada novamente. Era outra coisa.
  Era uma enorme piscina de bolinhas.
  - Meu Deus, voltamos para a quinta série? – Morgana cruzou os braços e, pela primeira vez, quis concordar com ela.
  - Sejam bem-vindos, a segunda parte dos Jogos Anuais da Hearst! – o treinador berrou e todo mundo comemorou, aplaudindo e gritando. Isso me deu um frio na barriga, porque da última vez perdemos. Nessa não podíamos cometer o mesmo erro.
  - Meninas, agora é tudo ou nada – disse, me agarrando nas garotas. Havíamos evoluído tanto desde o primeiro jogo, não queria acabar com tudo agora.
  - Vamos aos competidores dessa fase: - o treinador começou a anunciar as casas que ainda permaneciam jogando. - Kappa Kappa Mu! – e a torcida das meninas que ainda não pareciam contentes em estarem ali foi à loucura.
  Menos o tio Sanchez, ele permanecia berrando e vaiando contra.
  Elas permaneciam usando suas leggings e moletons, umas delas deram uma “checada” em nós, cheia de julgamentos. Franzi as sobrancelhas e dei a mesma checada em nós, não havia nada demais. Só usávamos shorts jeans e a camisetas cinzas de gola V e o símbolo da Zeta em rosa com glitter – igual o uniforme e o moletom.
  Didi sugeriu que usássemos roupas confortáveis e foi isso que fizemos, a culpa não era nossa que até sem tentar éramos estilosas, por favor.
  - Theta Delta Xi! – e a torcida novamente berrou para os caras que pareciam ter mais músculos do que cérebro. Eu não estou morta, tinha uns gatinhos nessa casa e eu adoraria conhecê-los melhor, depois de destruí-los.
  - Psi Omega Kappa! – os nerds berravam para seus líderes. Não me incomodava eles terem mais torcida que provavelmente nós, me incomodava eles tirando sarro de nós, fazendo poses sugestivas.
  - Sigma Phi Sigma! – A última casa entrou, entre os berros e as pessoas torcendo. Eles também aproveitaram para tirar sarro de nós. Principalmente um dos rapazes usando uma gravata borboleta colorida, debochando de nós como se fosse superior.
  - E finalmente, mas não menos importante.... – Nós demos as mãos, em um mini ritual para dar forças e nos fortalecermos. - Zeta Beta Iota! – E nós entramos, mas o melhor, não era só o tio Sanchez que estava torcendo para nós.
  , e Wallace estavam na arquibancada, pintados, gritando por nós. Junto com o time de hóquei, os Lambda e as Alpha. Era uma torcida improvisada, não era tão grande quanto as dos outros, mas isso nos deixava mais confiantes.
  Até a orientadora Didi torcia por nós, tentando fugir dos olhares de reprovação da reitora.
  Nós demos um tchauzinho pra nossa pequena torcida, apenas para esfregar na cara de certos grupos que achavam que estávamos tão caídas assim... Acho que lavar os carros nos ajudou bastante.
  - Bom – o treinador continuou. –, a segunda prova, é uma prova de sorte e de agilidade. Mas o mais importante: trabalho em equipe. – Ótimo treinador, pode vir quente que eu estou fervendo. – Cada uma das casas tem seu próprio painel, com os respectivos escudos e uma plataforma. Nessa plataforma, vocês irão colocar o nome de suas casas, da forma correta. As letras que montam os nomes estão nessa enorme piscina de bolinhas que arrumamos. – Ok, só achar a letra e montar o nome. Moleza.
  - E todos têm que entrar na piscina? – Rachel perguntou e eu já fiquei enojada.
  - Sobre isso, sim e não. Apenas um de cada casa não precisará entrar na piscina, esse é o que vai organizar o nome. De resto, todos os membros revezam para entrar na piscina. Um de cada vez. Após completarem o nome, apertem o botão. – Apontou para o botão que fica ao lado do escudo de cada casa. – Apertado esse botão, todos terão que parar para nós verificarmos se está tudo certo. Os três primeiros que apertarem, passam para a próxima fase.
  Todos se entreolharam, com sangue nos olhos para ganhar essa prova. Seria muito importante passar para a próxima fase e ficar mais perto ainda do prêmio maior. Então nós estávamos dispostas a tudo para vencer, porque sabíamos que eles fariam de tudo também.
  - Importante: só pode entrar um de cada casa na piscina de uma vez, depois troca e passa para o próximo da fila. Não pode machucar, arranhar, atacar ou qualquer coisa violenta com o coleguinha. E estejam cientes de que o nome está certo antes de apertar o botão, porque no momento que o botão for apertado, caso esteja errado, é eliminação, dando a chance para o outro grupo conseguir vencer. Agora, escolham quem vai pra piscina e quem fica nos painéis. Vocês têm cinco minutos.
  Nos juntamos, prontas para começar a orquestrar nosso plano de vitória, mas antes pudemos ouvir um dos caras da Theta entre si.
  - Esse jogo é nosso. Eu mudo esse jogo. – ele parecia convicto de que esse jogo era dele e de seu grupo ganharia. Coitado…
  Foco, .
  - Então, como vai ser? Quem vai ficar aqui? Eu né? – Abby quis tirar vantagem, mas já a encarava com desaprovação.
  - A vai ficar.
  - Por quê?
  - Ela é míope. – As garotas gargalharam, como se estivéssemos contando uma piada completamente engraçada. E então pararam.
  - É sério?
  - Sim. – sorriu e elas deram os ombros derrotadas.
  - Então para a piscina vão: , Brittany, Abby, Morgana, Sabrina, Sandra e Anna? – concordamos. – Então vamos nessa!
  Nós fizemos um toquinho, para dar energia. Respiramos fundo e nos preparamos em fila. Seria uma de cada vez, não teria como errar.
  Só precisávamos entrar uma de cada vez, pegar a letra, sair, dar pra , trocar, pegar, sair, entregar e trocar. Essa seria a ordem, seguiríamos e assim conseguiríamos pelo menos pegar o terceiro lugar. Estávamos empenhadas.
  Eu e cada escolhido das outras casas estávamos diante a piscina, usando aqueles óculos de proteção apenas para garantir que não nos feriríamos. Estávamos à postos.
  - Preparar.
  - Apontar.
  - Vai!
  O treinador gritou e eu me joguei dentro da piscina, cavando entre as bolas desesperadamente a procura de uma das palavras. Qualquer uma do alfabeto ajudaria.
  Um dos rapazes vinha pra cima de mim e eu me esquivava, empurrando-o para longe de minhas letras. Talvez contasse como trapaça, mas eu estava cavando propositalmente e trocando algumas letras de lugar para que pudesse ajudar as meninas do meu time a encontrarem com mais facilidade.
  Peguei um T, só faltava mais três desses.
  Saí da piscina em um pulo, correndo desesperadamente para e a entreguei, passando o “bastão” para a próxima.
  Seguimos assim por alguns minutos, indo de uma em uma até irmos completando as lacunas do nosso nome. Eu estava desesperada, a cada palavra que os outros grupos se aproximavam eu me desesperava, querendo completar mais rápido.
  Meu sangue fervia, eu não aceitaria perder.
  Então o botão foi apertado pela primeira vez. Todas paramos.
  Anna estava na piscina e levantou as mãos para o alto, junto com o resto dos outros.
  Psi Omega Kappa.
  Virei para verificar nosso nome, contente por estarmos perto já. Tinhamos: Z e B t I o. Quase lá.
  - Psi Omega Kappa, tudo correto. Vocês estão na próxima fase! – o treinador gritou e eles comemoraram, debochando de nós novamente, junto com as suas torcidas gritando.
  Merda.
  - Voltando em três.
  - Dois.
  - Um.
  - Já! – Apitou novamente a partida.
  E novamente todos correram e cavaram as letras que faltavam para suas palavras.
  Nossas meninas estavam bem, estavam focadas e com sangue nos olhos. Elas não davam mole e não deixava que os outros roubassem nossas letras, estavam muito focadas em conseguir esse prêmio. E agora com a primeira derrota, só haviam duas chances de vencer e isso nos dava mais gás ainda, mais gás para ganhar.
  Z e t a B t I o t.
  Faltam poucas letras, nós precisávamos nos manter mais focadas.
  A cada entrada na piscina, nós saímos com uma letra e permanecia focada em seu posto, descartando as letras que não eram úteis. Nos dando apoio moral e gritando para que cavássemos onde não havíamos ido ainda. É sério, ela não parava de gritar.
  Falta pouco, muito pouco.
  Então mais uma vez o botão foi tocado. Fraquejei.
  Agora foi a vez das Kappa Kappa Mu.
  - Kappa Kappa Mu, tudo correto. Vocês estão na próxima fase! – o treinador repetiu a frase e elas comemoraram. A Brittany também comemorou, mas Rachel aproveitou para alfinetar , que se segurou para não voar nela. Ela poderia ter uma cabeça explosiva em muitos momentos, mas quando o assunto era competição, ela se mantinha focada. Tinha algo haver com o seu psicológico de atleta.
  Infelizmente havia só mais uma posição e nós não estávamos mais de brincadeira. O aquecimento acabou.
  Encarei as meninas e nos posicionamos.
  Quando o treinador apitou novamente, Morgana voou para a piscina e procurou sedentamente pelas letras que precisava, sem se importar com os outros do lado. Ela só queria ganhar, igual nós.
  E depois foi Sabrina, Sandra, Anna, eu e tudo de novo.
  Z e t a B t a I o t a.
  Faltava apenas UMA letra. Umazinha, uma única.
  Anna estava na piscina, procurando desesperada pelo E que faltava, e dava para ver de longe o quanto ela tremia, o quanto ela estava desesperada com aquilo. Então, sem menos esperarmos, o botão foi apertado.
  - NÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃO! – gritei, me jogando de joelhos no chão, completamente desolada com a derrota. Não, não era possível.
  Faltava UMA letra só, SÓ UMA LETRA.
  - ISSO, PORRA! CARALHO, É ASSIM QUE FAZ! PORRA! – um dos caras da Theta berrava, batendo em seu peitoral e comemorando como um próprio lunático comemoraria.
  Os outros membros riam de nossa cara, junto com algumas da Kappa e o resto dos outros, que debochavam de nós como se fossemos as únicas que estavam perdendo.
  - Calma, . A gente deu nosso melhor. Tudo bem, tá tudo bem. – me abraçou carinhosamente, me consolando e as outras meninas vieram juntas. Demos um abraço conjunto, todas tentando se consolar.
  - Espera só um minuto. – o treinador falou e nós nos soltamos, encarando o homem que estava muito sério. – Acho que temos um problema…
  - Que problema o que, treinador! – O berreiro já estava puto. – Eu apertei o botão, tá tudo certo. Ganhamos! – E berraram de novo.
  - É... Não. – O queixo de todos nós caíram. – O nome de sua casa é Theta Delta Xi, e conforme a sua plataforma está: Theta Delta Xu. Portanto, vocês estão desclassificados.
  - O quê? Não! – e eles começaram a surtar, enquanto nós gritamos desesperadas e nos abraçamos emocionadas, havia mais uma chance. Apenas mais uma chance!
  A nossa fraca torcida comemorava a nossa última chance, junto com o tio Sanchez que já estava bêbado e o segurava, impedindo-o de descer e dar uma porrada em um dos moleques da Theta.
  - Troquem os jogadores – o treinador mandou.
  Era a minha chance. Eu ganharia esse jogo por nós todas.
  Eu estava diante a piscina, me aquecendo, preparada. Nada me pararia. Eu estava sedenta, completamente surtada e fora de mim. Meu surto de competitividade estava no topo, meu corpo tremia e eu suava frio, meu sangue estava fervendo e eu seria capaz de furar olhos com minhas unhas.
  Me virei para a arquibancada mais uma vez e me arrepiei ao ver Ethan Mason entre a multidão, de braços cruzados, mas com os olhos em mim. Odiei a reação que meu corpo teve assim que sentiu seus olhos me fitando e assim que nossos olhares se encontraram, eu esquivei voltando a encarar a piscina.
  Tinha que manter minha cabeça focada no jogo e não em garotos. Depois sim, depois sempre.
  - Recomeçar em três…
  Era a hora.
  - Dois…
  Vencer. Ganhar o dinheiro. Auge da Zeta.
  - Um…
  Por todos os santos de boybands…
  - Já!
  Fodeu.
  - VAI ! – berraram atrás de mim e eu me joguei na piscina, empurrando todos que vinham para cima de mim.
  Cavei e sentia minhas unhas arrastarem no fim da piscina. Eu não deixava ninguém nem se aproximar de mim, porque estava pura fera.
  Ouvi um deles encontrar a última letra e entrei em alerta, cavando ainda mais desesperadamente até achar a letra que faltava. E. Achei!
  Virei para sair da piscina, mas no calor do momento minhas pernas falharam, eu tropecei. Caí de cara no chão.
  - PUTA QUE PARIU.
  - , NÃO.
  - CORRE , CORRE!
  Vi pelo canto do olho um dos da Sigma correndo, então eu me arrastei com a maior rapidez possível, tentando o mais rápido para chegar. Esticando meu braço para que a conseguisse pegar a letra. Parecia uma eternidade de distância e a cada segundo o outro estava mais próximo de sua vitória.
   resgatou a letra de minha mão quando eu já estava jogada no chão do nosso painel. A latina juntou rapidamente a nossa letra e apertou o botão com força algumas vezes, eufórica, sem nem ao menos conferir. Ela só apertou, no impulso.
  - PAREM! – O treinador gritou e todo mundo parou, se calando.
  Eu estava ofegante, jogada no chão, provavelmente com meu rosto todo ensanguentado, descabelada, com grama na boca e minhas unhas quebradas.
  Relaxei meu corpo, afundando minha cara na grama. Havia feito meu trabalho. Morreria em paz.
  - , larga de drama, levanta daí. – me deu o braço e eu levantei, ficando de pé. – Você tá ótima, nem uma unha quebrada, que orgulho.
  Um dos juízes chegou em nosso painel para conferir se estava tudo certo. Eu tremia, as meninas tremiam. Nós estávamos todas abraçadas e confiantes.
  Ele fez um sinal de correto para o treinador e ele sorriu para nós.
  - Zeta Beta Iota, tudo correto. Vocês estão na próxima fase! – o treinador repetiu a frase pela última vez e nós gritamos, nos abraçando com força e dando pulos de alegria. A nossa torcida berrava desesperada, junto com outros que acabaram torcendo por nós de alguma forma, depois de ver o sufoco que passamos para ganhar.
  Nós não nos soltávamos, era muita emoção. As meninas até choravam de emoção, porque foi por muito, muito, muito pouco. E calamos a boca de todos.
  - Theta Delta Xi e Sigma Phi Sigma vocês estão fora da competição. Sinto muito – o treinador disse com pesar, mas sem muita verdade, eles tinham dinheiro suficiente para manter a casa deles.
  - ISSO É UMA IN-JUS-TI-ÇA! – um dos Sigma deu chilique. – VOCÊ É UM EMBUSTE, TREINADOR. UM EMBUSTE! – Ele batia os pés, enquanto os outros tentavam contê-lo. – EU VOU XINGAR MUITO NO TWITTER HOJE, NOSSA. EU ESTOU CAN-SA-DO DE SER PERSEGUIDO. EU VOU ME VINGAR, VOCÊS VÃO VER, CANSEI DE SER BONZINHO.
  Encarávamos aquela cena com as sobrancelhas franzidas e um pouco chocadas com a figura de gravata borboleta que tirou sarro de nós mais cedo, agora tendo o seu próprio ADP.
  O grupo o tirou a força, para não piorar a humilhação.
  Os meninos desceram, junto com nossos torcedores, para comemorar conosco nossa vitória. Abracei meus amigos e dei pulinhos com eles, eu precisava disso naquele momento, depois de tudo que passamos para ajudar essas meninas, essa vitória havia sido muito bem-vinda.
  - Você tá bem? Se machucou? – me tocava, conferindo se meu tombo não havia deixado nenhuma marca.
  - Me pergunte amanhã. – suspirei. – Imagina? Os roxos e marcas que essa merda vai me deixar? Eu quase morri, sabe? – gargalhava, mas não por ser engraçado, e sim porque ele sabia que eu falava sério.
  Era legal quando era só meu melhor amigo. Nossa relação ficava mais leve e eu não me sentia pressionada a nada. Por isso não reclamei de seu toque gentil em meus ombros, enquanto ria da minha desgraça. Junto com nossos amigos que riam e riam da minha tragédia.
  A risada foi cortada quando Hannah saiu de trás de , com seu típico sorriso simpático e – falso – adorável. Ela veio até nós, cumprimentando as meninas e me deixando por último. E então me abraçou como se fossemos amigas de infância.
  - Vocês foram ótimas! Eu estou muito confiante de que vocês vão ganhar isso, sério. – E então abraçou de lado.
  - Eu tive que trazê-la. – Os dois riam de uma piada interna deles. – Tudo que ela falava era como precisava torcer para as Zetas e ver a cara da Rachel quando vocês ganhassem.
  Sorri um pouco desconfortável com aquele grude ao vivo e , ao reparar meu desconforto, se meteu.
  - Todas nós queríamos ver a cara daquela ratazana. – Ficou de cara fechada. – Você fotografou, Hannah? – sorriu a altura e a garota ficou um pouco acuada.
  - Não... eu... deveria? – Suas bochechas coraram e ela tinha um olhar meio assustado.
  - Claro que não.
  Eu e rimos malignas da forma que ela ficou assustadinha e acompanhou, em uma risada desconfortável tentando fazer parecer uma grande piada. Hannah riu junto achando que estávamos brincando.
  Virei para a arquibancada de novo e só vi Ethan levantar um copo em minha direção e eu contive um sorriso. Graças a Deus não tive visão dele quando me estabaquei no chão. Isso deve ter o feito tão feliz.
  Minha melhor amiga me abraçou e eu retribuí o carinho. Só Deus sabia o quanto penávamos para conseguir destaque e finalmente conseguimos. Pela primeira vez, conseguimos.
  - Com licença? – a voz de Brittany chamou nossa atenção, ela havia retirado o microfone das mãos do treinador. – Eu só queria dizer algo que está entalado em minha garganta! – Lá vem... – Ninguém sabe o que nós da Zeta passamos para conseguir chegar onde chegamos, mas eu sempre digo algo a elas, para fazê-las manter a fé em nós mesmas... – seus olhinhos já estavam marejados.
  Ah não.
  - BRITTANY NÃO!
  - Levanta a cabeça unicórnio, se não o chifre cai!
  Putz.

***
Sábado à tarde.

  Finalmente o final de semana, mas era um daqueles finais de semanas que eu tinha o total de zero coisas para fazer. Além de estudar e querer passar a tarde toda dormindo graças ao tempo fechado de Outono.
  Infelizmente, a Zeta havia sido proibida de sair do campus nesse final de semana. Diane disse ser por “motivos acadêmicos”, mas nós sabemos que na verdade era apenas uma forma da Reitora Campbell continuar de olho em nós para ver se sairíamos da linha.
  - E o ? – perguntei ansiosa demais.
  - Está na casa do pai, eu acho. – estava ocupada mexendo na panela, focada demais no que fazia.
  - E o ?
  - É o seu namorado, não o meu.
  Rolei os olhos.
  - Ele não é meu…
  - Tanto faz.
  - E o Wallace?
  - Deve estar enfiado na minha casa, ele não faz mais que isso.
  Nenhum dos nossos amigos estava presente, todos ocupados com alguma coisa e, mais uma vez, e eu não tínhamos nada para fazer.
  - Pronto, agora só botar na geladeira, e ficará pronta daqui umas horas – a morena disse, despejando na massa o que ela havia preparado. Algum doce, eu não sabia ao certo.
  Até agora nosso sábado havia sido regado disso.
  Atualizamos nossas séries, vimos alguns filmes que escolheu, depois ela fez doces. Fez pipoca, bastante pipoca. E ainda estávamos morrendo de tédio.
  O resto da Zeta havia desaparecido. Boatos de que elas estavam na biblioteca, mas eu vivo nesse lugar a semana toda, nos meus dias livres eu quero fazer tudo menos ficar perto de livros.
  Fomos para sala e no mesmo instante as desaparecidas apareceram. Todas sorridentes e rindo, conversando sobre alguma coisa que esqueceram de nos incluir.
  - Onde vocês vão? – perguntou desinteressada, enquanto elas largavam seus livros e pegaram suas bolsas.
  - Vamos pra casa de repouso, fazer uma das nossas visitas mensais. Alegrar os idosos e tal – Anna disse genuinamente, com um sorriso. Eu e minha melhor amiga nos entreolhamos.
  - Ok, nós vamos – disse e correu para pegar sua bolsa e trazer a minha.
  - Espera, não é necessá... – Morgana tentou argumentar contra. Só tentou.
  - A já pegou a bolsa dela, ou seja, não dá mais para voltar atrás. Nós vamos, vocês querendo ou não. – Sorri.

***

  Era tudo tão... branco.
  Os idosos estavam sentados espalhados pela sala de recreação. Uns calados e outros conversando sobre alguma coisa. Outros brigando por causa do carteado, dama ou xadrez.
  - É sempre assim tão... quieto? – encarou para os lados, esperando encontrar pessoas com mais ânimo igual sua bisavó.
  - Eles são velhinhos, você esperava o quê? Vê-los dando seus melhores passos de twerk? – Morgana rolou os olhos e a latina se controlou para não perder tempo com isso.
  - Eles não têm muito o que fazer por aqui. Não recebem visitas frequentemente – Suki, uma das enfermeiras e administradoras, disse enquanto caminhava conosco pela casa, mostrando os cômodos. – Eles só precisam de um pouco de atenção.
  Suki, por sua história, trabalhava na casa de repouso há quase dez anos, desde que seu tio-avô foi internado. Ela, em sua tentativa de ficar mais perto dele, havia se candidatado para ser uma aprendiz, uma ajudante. Acabou pegando gosto e permaneceu.
  Essa casa de repouso era conhecida, minha mãe ajudava com doações mensais. De vez em quando ela e seu grupo da Igreja aparecia, para dar um pouco de atenção aos idosos que vivem na casa.
  Mas eu nunca havia pisado nela.
  Talvez fosse um pouco de egoísmo de minha parte de não ter me importado o suficiente para frequentar um lugar assim, conhecer a história dos idosos e dar um pouco da minha atenção e solidariedade.
  Isso me fez lembrar dos meus avôs e o quanto eu sentia falta deles e o quanto agradecia por ainda tê-los por perto.
  A mãe da minha mãe, Agnes Avelar, tem descendência portuguesa é a maior hippie que eu respeito, tão hippie que por isso o nome de minha mãe é Dália. Dália Avelar Hudson. Minha avó é viúva desde que eu nasci e isso não a impediu de arrumar vários pretendentes durante os anos, ela me diz que em Miami – onde mora – tem milhares de pretendentes e corações partidos por lá, e que caso eu quisesse ela me apresentaria os netos deles. Ótimo não?
  Eu sinto falta dela quase sempre, mas isso se contorna com nossas conversas diárias por Facebook e ligações que duram horas, cheias de conselhos amorosos e conselhos astrais. Ela é meio que minha maior guia espiritual e de graça.
  Já na parte do meu pai, meu avô Grayson Hudson já era um puta empresário quando eu nasci, comandando um império em New York e queria que meu pai fosse também um rei assim que ele passasse a coroa – por isso Victor Hudson, meu avô achava que ficaria poderoso em um outdoor. Já minha avó Tyra Hudson, uma das minhas musas, uma das biólogas mais fodas do país e umas das mulheres mais inteligentes que eu conheço. Ela superou meu avô, sendo mais que “a mulher do empresário multimilionário Grayson Hudson” e eu aspirava isso para mim um dia.
  Ambos são extremamente amorosos comigo e me mimam, como a princesinha que sou, mesmo não sendo a única neta deles. Meu avô me trata como uma bonequinha e me defende contra os exageros religiosos do meu pai – já que meu avô é basicamente mais ateu já que se considera Deus na Terra. E minha avó me ensina a ser uma mulherona da porra. Preciso de algo mais que isso?
  Todos os verões nos reencontramos em Hamptons no palácio dos meus avós e meu passatempo favorito é infernizar meus primos, que mesmo uns que são anos mais velhos que eu e outros não, ainda não aprenderam a resistir à Hudson. O que é meio bizarro ser a fantasia sexual de vários marmanjos, mas ser o inferno alheio é uma de minhas qualidades.
  Continuando…
  Durante nosso tour pela a casa, conhecemos um senhor chamado Jeremiah, ele estava internado há 3 anos, depois que seus filhos acharam que ele era “irritante demais” para conviver com eles.
  Era triste como esses filhos exageravam. Ele era um pouco ranzinza, mas tinha um bom gosto para conversas. Principalmente quando me comparava com alguma atriz hollywoodiana dos anos 50.
  Também conhecemos Olga e Harriete, duas gêmeas que mal se desgrudavam. Eram melhores amigas.
  As duas decidiram conviver na casa de repouso por vontade própria. Cansadas de mesmo já na terceira idade ser obrigadas a ficar tomando conta dos filhos e netos, acreditaram que a casa de repouso era o melhor para tirar férias deles.
  Haviam várias histórias espalhadas, vários idosos que já passaram por muitas coisas e viram muito mais, tinham coisas para ensinar, principalmente para nós adolescentes inconsequentes.
  Mas ainda não sabíamos ao certo como animá-los.
  - As peruas podiam por favor sair da frente? – uma senhora no fundo gritou, quando passamos pela sala de televisão.
  - Perua não – Morgana rangeu.
  - Só sai da frente. – Empurrei ela antes que se metesse em uma briga com alguma das senhorinhas.
  - Então, o que vocês fazem para se divertir por aqui? – se sentou ao lado de Jeremiah e eu me sentei ao lado de Gary, o “melhor amigo” de Jeremiah.
  Aparentemente nos anos 60, eles dividiam uma namorada. Então eles se odiaram por três meses, até que então acabaram virando melhores amigos depois que a mesma mulher trocou eles por outro.
  - Isso mesmo. – O senhor apontou para a televisão, que passava algum documentário sobre peixes.
  - Sério? – O encarei meio desconfiada e ele deus os ombros.
  - Não temos mais idade para sair por aí sem rumo, depois ir para nossa discoteca favorita e cheirar perfume.
  Nossos queixos caíram. Ele novamente deu os ombros suspirando um “é, nós fazíamos isso”.
  - E nós com certeza não temos idade para ficar nesses saltos. – Elma, uma das senhoras, apontou para meus pés e os de . As outras meninas usavam saltos mais baixos. Era algo do nosso novo estilo.
  - Tenho pé de boneca, nasceram naturalmente virados na vertical pra que eu pudesse andar 24h de salto - explicou dando um leve sorriso.
  - E nem ouvem músicas? - Eu quis saber.
  - Mas nós estamos ouvindo música. – A outra senhora apontou para a caixa de som, que saía alguma música velha demais e desanimada demais.
  - Músicas de verdade - conclui.
  - É isso que tem por aqui, querida. – Jeremiah se fechou. – Se vocês querem diversão, então vão para outro lugar.
  - Ai, credo.
  - Vocês não estão mortos.
  - Quase…
  Nos viramos para Morgana, que fechou a cara.
  - E o que vocês sugerem, então?
  - Oras, se vocês não podem ir até as festas.... – comecei.
  - Então traremos as festas até vocês – captou e nós sorrimos.
  Corri até a caixa de som e tirei o dispositivo dele, que era um tipo de iPod mais velho que meus pais. Escolhi a música com cuidado e pluguei o meu celular na caixa de som, aumentando-a.
  A batida começou, as vozes saíam pela caixa de som e atraía a atenção dos mais velhos, que se interessavam.
  Anna e Sabrina correram para as janelas, fechando as cortinas.
  - Eu tenho um aplicativo novo que eu baixei, querem ver? – Brittany disse aleatoriamente.
  - O que ele faz? – Sandra perguntou.
  - Ah, uma vez a tartaruga do meu irmão estava muito deprimida, depois que ela descobriu que a Miley Cyrus na verdade era a Hannah Montana, foi muito triste, eu pude entender já que... – nós a encaramos. – Enfim, eu baixei esse aplicativo e ele foi muito útil. Ele pisca essas luzes muito loucas, tipo em uma balada.
  - E isso é seguro?
  - Claro.
  - Essa tartaruga não morreu com algum tipo de convulsão?
  - Sim, por quê?
  Nos encaramos um pouco preocupadas.
  - Será que devemos?
   deu os ombros.
  - Eles são velhos, não tartarugas. Não vai fazer mal.
  Brittany ligou o aplicativo e apagou as luzes.
  A festa começou.
  Alguns idosos encaravam as adolescentes loucas, dançando pela sala, imitando a coreografia do videoclipe que havíamos assistimos na MTV algum dia desses.
  Nós fomos até eles e os puxamos para dançar, tentando trazer para o centro. Alguns vinham por contra própria, outros estavam hesitantes e preocupados em acabar se machucando.
  Sentei em uma das poltronas só para tirar meus saltos e algumas meninas fizeram o mesmo, para não pisarmos nos pés ou machucar eles. Éramos loucas, mas precisávamos ser cautelosas.
  Então voltamos para nossa pista improvisada.
  Dançávamos com as senhorinhas pela pista, rodando-as. Umas até arriscavam seus melhores rebolados, descendo e subindo. Até invejei, os quadris de umas aos oitenta estavam melhores que os meus aos dezoito.
  Mas ainda dois senhores estavam sentados, de cara fechada. Curiosos para participar, mas preferiam permanecer sentados para manterem as poses de ranzinzas.
  - O que é tudo isso? – Jeremiah permanecia com sua cara fechada.
  Eu e nos entreolhamos.
  - Vamos?
  - Bora.
  Fomos cantarolantes para os senhores. Eu peguei Gary e ficou com o Jeremiah, nós os puxamos para cima, mesmo hesitantes.
  Rodopiamos pela sala, os levando mais para a pista.
  Formamos uma roda na nossa pista de dança improvisada. Até as enfermeiras se juntaram à nós.
  A cada parte da música, chamávamos um dos idosos para ir ao meio e dançar de sua forma desengonçada, engraçada, charmosa, travada, sensual ou qualquer coisa.
  Uns rebolavam, outros só mexiam os braços, as mãos, as cabeças, não importa.
  O que importava era ver os sorrisos e as gargalhadas vindo dos mesmos, encarando seus colegas, rindo, cantando junto, mesmo sem conhecer a músicas. Aplaudindo os outros.
  As meninas se soltavam, dançando com vários e gargalhando, rodopiando por todo o salão.

Let's have a kiki
I wanna have a kiki
Lock the doors tight
Let's have a kiki
(Hunty drop her)
I'm gonna let you have it

  Eu e ou estávamos batendo nossos cabelos igual nas boates com umas das senhoras, que mal cabelos tinham, mas se sentiam as próprias a arrasar em suas perucas.
  Ou estávamos rebolando, descendo até o chão com as outras. Minhas costas travaram uma vez, sim, e uma das senhoras riu da minha cara. Dá pra acreditar?
  E em um momento, nós vimos que nossa missão estava cumprida quando vimos Jeremiah e Gary gargalhando, dançando com suas companheiras, com as outras meninas e até nos puxando para dançarmos com eles.
  - Isso que é vida! – Gary disse, me rodopiando.
  - Vai com calma, velhote – Jeremiah brincou com o amigo e os dois riram.

Let's have a kiki
I wanna have a kiki
Boots, ten, queen
Let's have a kiki
We're gonna serve
And work and turn and h-h-honey

  E no final, acabamos exaustos, aplaudindo a caixa de som que havia nos animado. Nos despedimos e depois nos aplaudiram como se nós merecêssemos isso.
  Não fizemos nada de mais, só fizemos o que fazemos de melhor: não levar nada a sério.
  Tudo que eles precisavam era de um pouquinho de atenção.
  E nós demos nosso melhor para isso.

***
Sábado à noite.

  Estávamos mortas, com nossos pés doendo, mas nossa noite ainda não havia acabado.
  Depois de darmos, segundo os próprios moradores, a “melhor tarde de todas” na casa de repouso, voltamos para as Zeta, para relaxar.
   havia sugerido que fôssemos para alguma balada, aproveitar nossa juventude em nossa melhor forma. Principalmente a latina, que estava aproveitando ao máximo seu dia de folga da família, dos trabalhos e até de uma certa forma, do Wallace.
  Mas as nossas irmãs Zeta não estavam tão convictas de sair para a balada, já que não estavam acostumadas com isso. Tentamos levar elas à algumas festas durante o ano, mas o campus todo nos odiava – graças a péssima propaganda de Rachel contra nós. Só conseguíamos sair bem na Lambda e na Alpha.
  : Meninos, o que vocês vão fazer hoje à noite?
  : Eu tenho que ficar com meu pai... Ele tá me enchendo o saco o dia todo, não aguento mais falar sobre trabalho ou sobre seus casamentos.
  S.O.S.
  Wallace: Chora bebê.
  : Ué, Wallace, não é você que vai ter que passar o final de semana com seus pais porque a titia acha que você está se tornando um gangster insensível que esqueceu como se trata a família?
  : Eu mandei você responder as chamadas dela, mas você disse que era “muito legal pra falar com a mamãe”...
  Wallace: E eu sou!
  : Aham…
  : E o ?
  Wallace: Ele não tá saindo com a menina lá, aquela gatinha?
  Devem ter ido pra festa da casa dela.
  : Cara…
  Wallace: O quê?
  : Cala a boca.
  Brittany: Eu beijei um velhinho hoje.
  , W: QUÊ?
  :
  Brittany: Não significou nada pra mim, sabe.
  : Vocês são loucos.
  - Cariño
? – se sentou ao meu lado, tocando meu ombro com certa gentileza e me encarando profundamente. – Você está bem?
  - Por que não estaria? Eu estou super, super, super superada. – Sorri.
5 minutos depois…
  Voltei para a sala de estar usando um casaco moletom comprido, como um vestido, com a estampa mais infantil e nem um pouco atraente, e me joguei no sofá, deitando e ligando a TV em desenhos animados antigos.
  As meninas estavam se arrumando para sair e, ao me ver daquela forma, me encarou e sua boca se abriu, fechou e abriu de novo. Ela estava toda produzida e eu pude ver a veia em seu pescoço saltar ao me ver desse jeito.
  - ... Ann... Hudson... – disse pausadamente, tentando se acalmar antes de me matar. Não nego que o olhar dela me assustou mais que os últimos filmes demoníacos que assisti. poderia ser o pior demônio. – O que você pensa que tá fazendo?
  Respirei fundo.
  - Eu vou ficar. Meus pés estão me matando... melhor ficar aqui essa noite, sabem, descansando e estudando. – Sorri para minha melhor amiga e Brittany correu para segurá-la.
  - Você vai o quê?
  Ainda tentava manter a calma.
  - Ficar.
  Ela respirou fundo e deu os ombros, repetindo baixinho um mantra pra se acalmar.
  - Louca. Você é louca, .
  Ri de minha amiga e as meninas pegaram suas bolsas, terminando de se arrumar e prontas para sair para a balada. não me dirigiu mais a palavra, provavelmente me odiava porque ter que passar uma noite toda com elas, seria uma tortura.
  - Qualquer coisa, você sabe onde fica a balada, né? – Anna tocou meu ombro com delicadeza e eu assenti, dando um beijinho em sua bochecha e me despedindo dela. Me despedi do resto das meninas também.
  Respirei fundo me vendo sozinha em casa pela primeira vez e fechei meus olhos, curtindo meu momento de paz.
  E então fiquei entediada.
  Provavelmente acabei tirando um cochilo sem perceber, mas quando abri meus olhos já estava em outra posição no sofá e muito entediada.
  Vesti o capuz do meu moletom e calcei minhas pantufas com estampa de unicórnio – presente de Britt – e fui ao quintal.
  Eu queria sair, mas ao mesmo tempo achava que seria melhor ficar em casa. Principalmente com as novas notícias de . Isso havia mexido comigo de uma forma que eu não estava muito pronta, então não sabia como agir. Precisava de um tempo para pensar.
  Sabia que eles dois estavam cada vez mais “amigos” pro meu gosto e não podia me meter, porque ainda não havia aceitado muito bem a imagem minha com Ethan em um carro depois de um momento que explodi com um ápice de adrenalina.
  E ultimamente estava sem forças para brigar, então deixava ele fazer o que era melhor para ele.
  Do quintal, conseguia ouvir uns sons de festa nas casas mais afastadas e pensei comigo mesma se deveria ir. Mas eu não queria ver gente, não queria saber. Afinal, provavelmente estaria na festa com a Hannah e eu não estava pronta.
  Sentei na escadaria na frente de minha casa e fiquei em silêncio, tentando botar meus pensamentos no lugar e tentando não surtar imaginando com Hannah de vez. Estava ficando para trás e isso estava fodendo com a minha cabeça.
  Não sabia mais o que fazer para que ficássemos bem.
  Tirei da cabeça por um momento, quando percebi que não estava sozinha no lado de fora de minha casa. Ele estava lá. E eu preferia estar sozinha do que com a companhia dele.
  Ethan Mason.
  Ele estava afastado, mas sabia que eu estava lá. Por isso se aproximava aos poucos de mim, em silêncio, com as duas mãos no bolso. Não dava para vê-lo direito pela pouca luz, mas sentia que ele me olhava e eu ficava irritada, pensando nos julgamentos que ele estava fazendo.
  Mesmo com a nossa trégua momentânea, Ethan e eu não éramos amigos o suficiente para gostarmos de ficar na companhia um do outro. Talvez se fosse em outro dia, um dia que eu estivesse com meu melhor humor, talvez pudéssemos nos dar bem. Hoje não sairia nada bem disso, nada saudável.
  Não hoje.
  - O que você quer? – quebrei o silêncio. – Você tá me perseguindo, agora?
  Ele riu.
  - Você adoraria isso, né? – Seu tom sarcástico me irritava, ainda mais com seu sotaque arrastado. Tudo nele me irritava. – Eu estava na festa das Alpha, ficou chato e eu saí para dar uma volta. – Foi vindo para mais e mais perto. – É meio deprimente você estar sozinha em um sábado à noite. Se você não tem vida social, quem terá? – e novamente foi sarcástico.
  Eu queria arrancar seus olhos.
  - Não é deprimente. – Dei os ombros. – Eu tô muito bem, se quiser saber – tentei soar indiferente, mas estava morrendo de tédio e querendo companhia.
  Menos a dele.
  - Quer fazer alguma coisa? Ir ao cinema, balada, beber milk-shake ou qualquer coisa que seu tipo goste? – imitou, exatamente o que eu disse em nosso primeiro encontro e cruzou os braços. Eu ri, de cabeça baixa.
  Era tão patético.
  Eu poderia estar em uma balada agora com minha melhor amiga, mas estava sofrendo pelo meu ex-namorado que estava se divertindo com a nova namoradinha. E a única pessoa que estava disposta a me fazer companhia era justamente uma das pessoas que eu mais detestava.
  - Você pode ir com até com pantufas se quiser. Amanhã eu conto para toda a Hearst, sem problemas.
  Respirei fundo.
  - Vou me trocar.
  Mas ele não deixou barato. Só fez um som de reprovação.
  - Poxa, acho que é a primeira vez que eu te vejo tão bem vestida. – Sorriu para mim, um sorriso sarcástico, mas também de que no fundo tivesse achado graça do que disse. E eu respondi com o dedo apenas.
  Seria uma noite adorável…

***

  Ethan havia me levado para um “lugar especial”, mas eu conhecia como “lugar de fumo”. Era um pequeno morro que ficava atrás da praia, um lugar bonito que você conseguia ter uma boa visão da praia e do céu. E também bom para você fumar a vontade, ninguém veria ou se importaria.
  Estávamos sentados no capô de seu carro, em silêncio. Eu tinha um milk-shake grande em minhas mãos e Ethan tinha um copo de refrigerante – talvez batizado? – na dele. Jamais assumiria em voz alta, mas os momentos antes de chegarmos no morro foram os melhores da noite.
  Passamos em um mercadinho que vivia aberto, 24 horas. Entrei com capuz e tudo, não querendo ser reconhecida ao lado dele e ele aproveitou para tirar sarro disso. O atendente então começou a flertar comigo descaradamente e Ethan, como o cavalheiro que era, usou isso para descolar as compras de graça. Saímos com vários pacotes de chips de batata, barras de chocolate e nossas bebidas. E o atendente ficou com o número de Nicolas, para ligar quando se sentisse carente.
  Talvez fosse meio errado o que fizemos, tinha muita maldade nisso, mas foi impossível não gargalhar depois durante o caminho, relembrando dos olhares esperançosos do atendente e o sorriso malicioso de Ethan pensando o mesmo que eu – use sua beleza para ganhar comida grátis.
  Minha visão estava na praia vazia, na noite estrelada e no pacote de Oreo que eu devorava enquanto saboreava meu milk-shake. Tirando o som do mar e das folhas dançando com a brisa noturna, havia o som do tapa que eu dava na mão de Ethan toda vez que ele tentava profanar meus biscoitos.
  Meus olhos às vezes ficavam fechados, ouvindo a música que saía dos alto-falantes de seu carro. Havia sido uma batalha conseguir convencê-lo deixar tocar alguma playlist que tivesse meu tipo de música. Divas pop ou as mais indies.
  Ethan odiava isso e eu sabia, afinal, era óbvio para todos que o conheciam que o rapaz idolatrava rock e o único tipo recente de música que gostava eram os rocks mais alternativos – isso ele me contou, enquanto resmungava enquanto eu estava perdida em alguma música da Demi Lovato ou Billie Eilish.
  Evitava ter contato visual com ele, algo em mim hesitava sobre isso. E quando fiz isso, pude tirar um tempo para naquela luz relembrar dele um ano atrás e agora. Ethan parecia muito mais homem e não um garoto.
  Ele estava diferente de quando nos conhecemos, no primeiro ano do colegial.
  Agora ele tinha os cabelos cortados em um corte moderno, com as laterais mais cortadas e em cima mais “relapso”, com uns fios caindo sob sua testa. A cor de seus cabelos continuava naturalmente em um castanho claro. E ele ainda tinha o mesmo estilo de cara simples, desleixado, básico. Nessa noite usava uma camiseta de alguma banda de rock que ele adorava, jeans, bota, jaqueta jeans escura com forro de lã marrom. Tudo em tons escuros.
  O único acessório que usava e era diferente de quando nos conhecemos era o anel pequeno em seu dedo mindinho da mão direita.
  Odiava o fato dele ser bonito, fazia ser mais difícil detestá-lo por ser um babaca.
  Eu me sentia praticamente nua ao seu lado. Vestindo ainda o meu vestido moletom e sem as pantufas, estava com um tênis branco qualquer que achei no armário.
  Em alguns momentos podia sentir os olhos azuis de Ethan queimar a pele de minhas pernas quando ele me olhava “acidentalmente” enquanto tentava pegar meus biscoitos.
  Não havia arrumado meu cabelo, não havia me maquiado. Só esperava não ver ninguém conhecido essa hora, pois estava um caco.
  - Por que você estava sozinha? – tentou quebrar o gelo.
  - Não estava me sentindo bem.
  - Quer falar sobre isso?
  - Não.
  - Graças a Deus... – seu sussurro foi audível, ele realmente estava aliviado. Ele transpirava indiferença por mim. Me virei para ele e arqueei a sobrancelha. Ele rolou os olhos. - Vai, fala o que tá acontecendo. Não prometo não rir. – Ele deu um sorrisinho e eu rolei os olhos.
  Eu poderia ficar quieta, mas ele havia me pagado um milk-shake e eu adorava falar. Principalmente sobre mim.
  Então contei tudo para ele. Basicamente tudo que estava acontecendo com a minha família e minha tentativa fracassada de ser independente. E junto comentei por cima – e em detalhes – minha relação com .
  Suas reações eram uma cara de tédio, como se ele quisesse estar em outro lugar que lá. E se arrependendo mentalmente por ter pedido para que eu falasse. Mas quando eu terminei, ele respirou fundo e me encarou fixamente.
  - Quer que eu seja sincero? – Assenti, mesmo sem ter pedido nenhum conselho. – Isso é tudo baboseira. – Deu os ombros e eu fiquei a cara.
  - Como?
  - É tudo baboseira, Hudson. – se ajeitou no capô, ficando de frente pra mim. – Cara, se você quer ser independente você não pode depender do seu pai. E se ele ainda te dá mesada, compra as coisas que você quer e te dá tudo, isso não é ser independente.
  - Mas eu tô trabalhando e – Ethan me cortou.
  - Sejamos sinceros, , você nem ganha salário pra trabalhar na biblioteca. – Deu os ombros e eu fechei a cara. – Se você quer ser independente, então você tem que parar de depender da mesada de seus pais e arrumar um emprego de verdade, pra pagar as coisas que você precisa e se sobrar, pagar as coisas que você deseja. E assim você se livrando do dinheiro dos seus pais e se tornando mais responsável financeiramente.
  - Como você sabe tudo isso? – Franzi as sobrancelhas e ele riu.
  - Estudo Economia.
  Bufei baixo. Ele estava certo.
  Se eu quisesse ser realmente independente, eu teria que parar precisar do dinheiro de meus pais para isso e sim arrumar um emprego de verdade, fazer as coisas de verdade. Infelizmente fazer era mais difícil que falar.
  - E com o que você trabalha? – perguntei só por puxar assunto, na verdade não me interessava tanto.
  - Eu tô entre trabalhos, na verdade.
  Senti dentro de mim uma vontadezinha de provocá-lo e ele só havia me dado a abertura pra isso.
  - O que foi? Os americanos não empregam mais estrangeiros? – ri.
  Ethan deu os ombros.
  - É inveja da concorrência. – Sorriu. – Nós ingleses somos bons demais para seus empregos ínferos – disse em um perfeito clássico sotaque inglês, mais puxado que o seu usual.
  E ri de novo. Ethan me acompanhou.
  - E acho que você deveria sim trocar de curso... – continuou. – Você daria uma ótima atriz. – Deu os ombros.
  - Sério? Você acha? – Sorri.
  - Eu e todo os caras do colegial que acreditaram que tinham alguma chance com você. – Riu e eu rolei os olhos. Ótimo Ethan, você fodeu tudo.
  - Isso é perda de tempo... – Levantei bufando, pronta pra ir embora. Não queria isso, não precisava disso. Estava bom até ele foder tudo.
  - Ei, espera. – Segurou meu braço sem força. – Foi mal, não quis ofender. Sério. Eu não tenho tato pra essas coisas, desculpa. De verdade, fica. – Bufei e me sentei de novo no capô.
  Ele voltou para sua posição original, ficando de frente para o mar e seus olhos foram para o infinito.
  Naquele momento, o encarando em silêncio e prestando atenção em qualquer outra coisa, me toquei que ele não falava sobre si mesmo. Talvez porque eu nunca havia perguntado para ele sobre sua vida, suas aspirações e sua vida.
  Eu queria conhecê-lo melhor, já que estava deixando ele aconselhar sobre a minha vida.
  - Como é sua família? – O tirei do seu transe e ele se virou para mim, só arqueando uma de suas sobrancelhas. Sorriu então, tomando um gole de sua bebida.
  - Eu a amo. – me chocou vê-lo com tanta franqueza. Sempre achei que ele era do tipo que odiava sua família e por isso era do jeito que era. – Meu pai é ex-soldado, trabalhou e viajou em várias missões pelo Exército, mas agora está aposentado. Ele é meio duro, mas é amoroso. Sei que ele me ama e sente orgulho de mim.
  - E sua mãe? – Minha voz saía baixa. Me repreendia mentalmente por estar tão interessada. Eu me aproximava dele, para que ele me contasse mais sobre sua vida.
  - Espetacular? A pessoa mais doce que conheço? – Sorriu para mim, encarando fundo os meus olhos. – Ela é Pediatra, adora crianças e cuidar delas. Eu vivi com ela na Inglaterra enquanto meu pai vivia em suas missões estrangeiras. Deve ser por isso que foi uma mãe tão zelosa e amorosa, mesmo com os mimos exagerados. – riu. – Mas ela fez o homem que sou, não posso reclamar. As merdas que fiz estão na minha conta apenas.
  Fui adentrando mais naquele terreno de confiança e honestidade. Da mesma forma que me abri para ele e contei sobre meus problemas, ele estava me deixando saber mais sobre sua família. Nos conhecíamos desde o primeiro ano do colegial e eu nem sabia nada sobre sua família enquanto ele parecia saber tudo sobre a minha.
  - E você tem irmãos? – me sentia mais leve, acreditando que ele não subiria nenhuma muralha de indiferença agora.
  - Tenho um irmão mais velho. O primogênito, prodígio, orgulho da família. Kian. – Ethan estava de frente para mim e a nossa distância era pouca. Ambos olhávamos fundo dentro dos nossos olhos, conversando com intimidade. – Ele tem dois filhos, gêmeos, Crystal e Asher. Acabaram de nascer, fazem poucos meses. – Seus olhos brilharam. – São as coisas mais fofas que tive o prazer de conhecer. – Riu e meu peito aqueceu por um instante. – Ah, e ele é casado, com Matteo, seu esposo.
  Meu queixo caiu e eu coloquei a palma sob boca, rindo e adorando a informação. Quem diria, Ethan Mason tem um irmão gay e casado.
  O pensamento de conhecer sua família que passou pela minha cabeça pareceu muito errado, mas convenci meu cérebro que a partir do momento que nos tornássemos amigos isso seria possível.
  - Seu pai deve ter adorado a novidade. – Ri e Ethan me acompanhou. Senti leveza em sua risada, coisas que não senti durante anos perto dele. Leveza.
  - Nunca o vi ficar tão roxo quando Kian apresentou Matteo para a família – permanecia rindo. – Meu pai poderia ter uma crise do coração naquele momento, mas foi só Matteo citar algo envolvendo guerra, americanos e o quanto odiava o Trump que meu pai virou o apoiador número um desse relacionamento.
  Sorri, imaginando como seria viver com uma família assim. Sem julgamentos, sem extremismo. Apenas família.
  Permanecemos nos encarando por alguns instantes, estava perdida nos olhos dele e me recusava aceitar isso. Queria socá-lo e não gostar dele. Mas entendê-lo melhor me fez vê-lo sem tantos julgamentos e críticas, porque por trás daquele “rebelde sem causa”, tinha um filho e irmão amoroso. Não entendia suas razões para ser do jeito que era e não perguntaria.
  Mas tinha algo que eu adoraria saber.
  - Por que você me odeia? – disse de uma vez e ele respirou fundo.
  - Não te odeio.
  Curto e grosso.
  - Bem, pareceu isso durante os quatro anos do colegial.
  Ele bufou e sua expressão espontânea de minutos atrás, leve e brilhante, sumiu por um instante. Me arrependi por ter perguntado, pois seus olhos me encaravam com um diferente tipo de brilho.
  Era legal forçar Ethan a se importar um pouco ou ter que tirá-lo da sua concha de indiferença. Isso o deixava desconfortável e impaciente.
  - A real? Eu não te odeio e nunca te odiei, . O problema era que você era extremamente irritante, convencida, mimada, manipuladora e egocêntrica. Me irritava ver todos aos seus pés te tratando como uma perfeita entidade só porque era virgem e todos te desejavam. Cara, os corredores abriam como o Mar Vermelho quando você passava com seu uniforme de líder de torcida. – riu e depois me fitou. – Acho que era o uniforme mesmo…
  Sua expressão mudou novamente e lá estava sua leveza. Às vezes queria saber o que se passava em sua cabeça.
  - O uniforme... – Fiquei distante por um momento, lembrando daquela peça de roupa que fez sucesso durante quatro anos. – Eu ficava tão gostosa naquele uniforme.
  - Pode apostar! – O tom animado e um pouco malicioso que saiu de Ethan me fez rir, logo após de socar seu braço. Mas ele não levou a sério, permaneceu com seu sorriso.
  - E bom - continuou –, mesmo nos detestando desde o começo dos tempos, no fim, isso não te impediu de grudar no meu pescoço no baile. Então acredito que te botar no seu lugar, como a garota normal que você é, tenha ajudado. – Sorriu para mim novamente e voltou para a sua posição.
  Eu poderia argumentar sobre isso, mas eu soaria mimada e egocêntrica.
  Ele havia ganhado essa batalha, mas jamais ganharia a guerra.
  - O baile... – Ri para mim ao lembrar daquela noite. – Era pra ser a melhor noite da minha vida. Eu tinha o vestido perfeito, o namorado, os amigos e a noite seria perfeita. Mas deu tudo errado quando me chutou no dia do meu aniversário. – Fitei o céu, tentando não soar como uma idiota pra uma pessoa que adoraria me ver soar assim. – Enfim, eu nem iria ao baile, mas depois de passar em um fórum de fãs da Beyoncé e entrar em um debate, eles disseram que eu deveria me empoderar. Então eu arrumei o vestido, comprei meu próprio corsage e fui ao baile sozinha. – Virei para Ethan. – Me surpreendeu te ver lá.
  Ele riu.
  - Eu nem ia. Só fui para beber e fumar na sala do diretor, um ótimo “vai se foder” para aquele babaca. – Estava sorridente, como uma criança quando prega uma peça e se dá bem.
  - Você estava chapado então quando nós... – Arqueei a sobrancelha e ele riu, negando com a cabeça.
  - Tive que ficar depois... foi frustrante.
  Abri a boca e coloquei a mão sob ela novamente, evitando a risada que ecoava em minha mente. Ele realmente achou que transaríamos aquela noite?
  Isso parecia interessante…
  - Sabe o que é engraçado? – perguntei e ele negou. – A noite do baile seria a noite que eu perderia minha virgindade. Estava tudo perfeito para ser naquela noite, mas depois de ter perdido o namorado e a noite perfeita, só me restou a virgindade e decidi mantê-la. Quase cedi quando nós ficamos, mas não queria me arrepender. – Dei os ombros.
  - Você não iria... – Riu malicioso e eu rolei os olhos.
  - Você tem certeza disso? – Cruzei os braços, com minha melhor expressão de “fala sério, querido”. E sua expressão mudou para algo mais malicioso a que eu estava disposta a resistir.
  - Você ainda tem o vestido e o corsage? – Sorriu de canto e eu dei um tapa em seu braço. Ele riu.
  - Obrigada pela companhia. Você não é tão insuportável assim. Realmente deve ter amadurecido. – Sorri para ele. – E bem que você poderia me ajudar nisso de me tornar independente, trabalhar e isso aí.
  Deu os ombros.
  - É, se eu não tiver nada melhor pra fazer.
  Sorri e ele retribuiu.
  Ele tirou os olhos de mim por um instante, mas eu mantive meus olhos dele. O encarando, da forma mais simples possível. Queria entender em que momento dessa jornada ele deixou de ser o Ethan Babaca, que eu detestava e se transformou em um Ethan legal, suportável e que eu queria ser amiga.
  Percebi um sorriso de canto aparecer em seu rosto e eu entendi o porquê.
  - O que eu disse sobre me encarar, Hudson?
  - Não fazer? – Contive a risada e ele assentiu.
  - É sério, cara! – se exaltou, virando para mim. – Isso está me assustando. – riu junto comigo. – Vai que você está pensando em formas de me torturar por ter um péssimo tato. Você é boa em torturas.
  Ri e soquei seu braço mais uma vez.
  - Hoje estou de bom humor, Mason. – Sorri, tirando do pacote um biscoito Oreo e dando em sua boca para comer, em um ato simples e sem nenhuma maldade. Sem nenhuma intenção. Um gesto que eu fazia quando era criança e dividia minha comida, mas sob meus termos. Ele sorriu depois de mastigar. – Aproveite.
  Aproveitamos mais uns minutos nossos naquele lugar, aproveitando a paisagem e ouvindo as músicas que ele dizia odiar, mas não pulou nenhuma. Até que percebi que estava ficando tarde demais e ele também. Seus olhos se escureceram com o fato.
  Talvez ele não quisesse ir embora. Eu também não queria, mas não seria eu que falaria sobre isso.
  Ethan se levantou do capô, dando uma de indiferente e novamente quis socar e arrancar seus olhos. – Vou te deixar em casa, tudo bem?
  Neguei com a cabeça.
  - Na verdade, você poderia me deixar em outro lugar.
  - O que você quiser, boneca.

***

   tentou se divertir em algumas baladas com as meninas, mas nenhuma delas estava boa o suficiente para ela – segundo o relatório das meninas. Então, depois que pedi gentilmente para Ethan me deixar na melhor boate de Los Angeles, mandei uma mensagem para minha melhor amiga para me encontrar com as meninas lá.
  E elas chegaram desanimadas e com expressões frustradas. Sorri para elas.
   me fitou da cabeça aos pés, me julgando pelo look. Eu havia me produzido para esse momento.
  Usava um vestido de renda rosa clarinho de decote em V e alças finas, um scarpin salto agulha de camurça cor-de-rosa mais chamativo. Meus cabelos estavam penteados e arrumados, fiz uma maquiagem simples e só destaquei meus lábios com um batom vermelho – tudo no carro de Ethan. Mas isso eu não contaria para .
  Estava bom o suficiente pra ela.
  - Bem-vindas ao paraíso – e as empurrei para dentro.
  A boate estava cheia, abafada e barulhenta.
  Segundo , era a melhor boate LGBT da região. E nós adorávamos essas boates, já que não tinha chances de possuir algum macho escroto lá dentro pra nos encher.
  Essas boates tinham as melhores músicas de divas pop e as mais populares, até as mais antigas e gostosas de ouvir. Nós podíamos nos vestir da forma que queríamos e ninguém encheria nosso saco, afinal, tudo era permitido.
  E o melhor ainda: drag queens.
  Eram as melhores pessoas.
  - Meninassss! – Hera – o nome baseado na deusa da maternidade -, uma velha amiga nos recebeu. – Que saudades de vocês! – Ela me abraçou, em seguida abraçou e depois abraçou Brittany.
  - Hera, você não estava na outra boate? Virou amiga da concorrência?
  - Ah, lá estava muito caído. Essa aqui é o futuro, pode apostar.
  Era realmente o futuro.
  A boate era temática, uma coisa bem futurística dos anos 2000. Aquela forma que eles imaginavam como seriam os próximos anos. As roupas de látex, muitos detalhes metálicos, glitter e cores. Era o paraíso.
  E Hera era basicamente a mais vestida a caráter, como a boate sugeria.
  Usava uma peruca amarelada, enorme, com um topete e as pontas lisas, muito longas. Um top de látex preto e uma saia de látex da mesma cor, mas com detalhes metálicos. A bota de cano alto metálica e o salto que a deixava com mais de dois metros de altura.
  Nós conhecemos Hera no segundo ano do colegial, quando nós e o time de líder de torcida da nos apresentou uma boate que Hera trabalhava. Ela era a melhor bargirl, cantora, dançarina e garçonete de todas. Toda vez que Hera entrava, era ovacionada e quando saía, todos pedíamos bis.
  Ela tinha uma energia surreal. Dançava tudo, até música fúnebre. E em um salto enorme, quase um Ser Divino.
  - E quem são essas carnes novas? – Sorriu, chegando perto das nossas irmãs Zeta.
  - Elas são nossas irmãs da fraternidade. – As apresentei uma por uma para Hera. – Ah e se você quiser nos ajudar, dar uma força, uma divulgação e umas aulas de como serem divas igual você, nós aceitamos.
  Hera riu.
  - Meu amor, não dá pra aprender a ser diva. Você nasce sendo.
  - E como vamos saber se essas basics, são divas ou não? – deu um risinho.
  - Isso é fácil. – Fez as meninas ficarem em uma fila, igual soldadas prontas para seu Coronel. Então sorriu. – Se divirtam meninas, sintam-se em casa!
  Suas expressões mudaram de um terror para uma surpresa em poucos segundos, chocadas na reação da nossa amiga. Esperavam alguma prova super elaborada? Sinto muito.
  - Eu quero vê-las liberando a melhor diva dentro de vocês. Quero vê-las desfilando, dançando, batendo essas perucas e mostrando os melhores carões. Entenderam? Liberem as divas ferozes dentro de vocês – continuou. – Essa noite é de vocês, meninas. Se divirtam como nunca fizeram antes.
  - Sério isso? – Morgana rolou os olhos. – Isso aqui, esse lugar, não combina nada com a gente!
  - Escuta aqui, queridinha. Pareço estar brincando? – Hera parou na frente de Morgana, que se tremeu toda. – Dá pra ver que você é a pessimista. A senhorita “tenho uma nuvem negra em cima de mim”. Me deixa só te falar uma coisa: a vida é muito mais que isso e se você não sabe se divertir, então chame um Uber. Eu pago pra você e então você poderá fazer o favor de cair fora do meu estabelecimento.
  Os nossos queixos estavam caídos e Morgana estava mais pálida do que já era, logo se tornou um pimentão de tão vermelha que ficou. Hera apenas sorriu, empurrando as outras meninas para a pista de dança.
  E foi isso que fizemos – com o auxílio de Hera – dançamos junto com as meninas, ensinando nossos melhores rebolados e passos sensuais, tirando gargalhadas quando falhavam. Aos poucos já estávamos soltas, nos divertindo e dançando para nós mesmas. Fantasiadas e perdidas em um monte de gente.
  Dançávamos com os caras que vinham até nós para dançar, soltando as nossas divas dentro de nós. E as meninas, mesmo que de início se sentissem meio intimidadas e envergonhadas com outras pessoas as dando atenção, iam se soltando. Até mesmo Morgana que aos poucos largou a casca dura e fez amizade com outras drags.
  - Tá perdoada. – gritou perto do meu ouvido.
  - Também te amo. – Agarrei minha amiga que me empurrou, dizendo um “não estraga a mercadoria, ratinha”.
  Puxamos as meninas para o bar, porque nossas gargantas estavam secas e dançamos demais, principalmente as meninas que deram seus melhores na pista. Estava impressionada. Pedimos uma bebida. O nome da bebida era Flor de Lotus. O porquê? Não sabemos.
  Brindamos e bebemos o shot cor-de-rosa bebê com uma florzinha em um gole. As meninas fizeram cara feia para nós. Tinha gosto de baunilha com um pouco de suco de limão.
  - Isso não tem álcool? – Anna parecia furiosa.
  - Claro que não. – Sorri.
  - Por que não? – Sabrina se estressou.
  - Não vamos embebedar vocês. Não é para isso que estamos aqui. – rolou os olhos. – Mas calma, a noite é uma criança e temos outros finais de semana para darmos suas melhores ressacas.
  - Meninas... – Sandra chamou nossa atenção.
  - Sim?
  - Esse carinha tá flertando comigo. Pelo olhar... – ela disse em um tom baixinho e misterioso, como se estivesse guardando um segredo.
  E nós rimos.
  - Ele é gay, Sandra.
  - Totalmente gay.
  - 100% gay.
  - Sério? – Ela nos encarou com um olhar triste e nós demos os ombros. Não tínhamos o que fazer sobre isso, era a natureza.
  Então o tal carinha veio em nossa direção. O jeito de andar, a forma com que ele mantinha o olhar focado em Sandra e um sorriso de canto completamente galanteador.
  - Com licença? – sua voz era grossa e Deus me perdoe, mas se a Sandra não quisesse eu queria. – Quer dançar comigo? – Ele segurou na mão de Sandra e ela gemeu alguma coisa, enquanto tremia.
  - Claro... Só... Só... Um minutinho? – deu um risinho tímido e constrangido. Ele deu um sorriso e QUE PUTA SORRISO.
  - Estarei te esperando na pista, ok? – Ele selou os lábios na mão na garota e saiu andando, para a pista.
  Nós nos entreolhamos e começamos a dar gritinhos de alegria, chacoalhando Sandra que também dava gritinhos de emoção.
  - O QUE EU FAÇO?
  - VAI DANÇAR COM ELE, PORRA!
  - MAS E SE ELE QUISER ME BEIJAR?
  - SE VOCÊ QUISER…
  - EU QUERO.
  - ENTÃO BEIJA PORRA.
  - MEU DEUSSSSS.
  - VAI SANDRA.
  - TÔ INDO PORRA, CALMA, NÃO ME APRESSA.
  Então ela se levantou lentamente, sua gêmea checou se a sua maquiagem estava no ponto e mandou ela ir atrás do gato. E ela foi.
  - Elas crescem tão rápido... – fingi uma emoção e riu.
  - Ela se deu bem. Já nós…
  Bufei.
  - Até ela tá beijando na boca e nós nessa seca.
  - Pois é, cariño. Perdemos nosso encanto.
  - Vira essa boca pra lá.
  - Vamos dançar?
  - Vamos.
  E nós fomos para a pista.
  A pista estava cheia e nossos novos amigos dançavam conosco, enquanto Sandra se divertia com o tal rapaz misterioso que teria a sorte de tê-la por essa noite.
  Dançávamos a batida da música que nunca havíamos ouvido, em um idioma não tão conhecidos por nós – talvez só por – e algumas palavras eu conseguia entender, graças a convivência. Mas a batida era tão gostosa, mas tão gostosa que eu não conseguia controlar meus quadris e bunda que rebolavam no ritmo.

Que yo soy mala de verdad
Mala de verdad
Y a ti te gusta la maldad, se te nota

  O resto da noite foi assim, Sandra aproveitou com o carinha. Eu e nos entupimos de bebida alcóolica e dançamos com vários caras gays que se tornaram nossos amigos íntimos. Eu até consegui o número de um que julgo ser bi, então, era só investir.
  As meninas continuaram sendo treinadas por Hera, que as fez suar. E durante a madrugada, elas já estavam um pouco mais divas. O resto nem Deus ajuda.
  Dançamos todas, bebemos, cantamos loucamente as nossas músicas de divas favoritas. Batemos cabelo, pisamos com nossos saltos, brilhamos com nossos glitters e plumas.
  Os idosos estavam certos, não havia nada melhor do que sair e dançar em nossas discotecas favoritas. Isso era muito mais revigorante.
  Não falaria para ninguém, mas a noite havia tornado proporções que eu nem mesma esperaria. Desde o momento que Ethan apareceu, tudo que estava me apagando foram embora e eu ainda não entendia o porquê.
  Ou só não queria aceitar.

***

  O sol estava quase nascendo e nós estávamos jogadas no refeitório da universidade, nos entupindo de hambúrgueres e batatas fritas gordurosas. Ah, e muito milk-shake.
  Nós usávamos óculos escuros que Hera nos deu de brinde pela noite. Éramos basicamente Cyndi Lauper e seu squad em Girls Just Want To Have Fun.
  - Essa noite foi incrível, muito obrigada meninas. – Anna sorria de orelha a orelha.
  - Sim, maravilhosa... – e Sandra suspirava.
  - Não há de quê. Final de semana que vem tem mais. – sorriu e elas já comemoraram, imaginando as nossas próximas aventuras.
  Meu celular vibrou. Estranhei, era muito cedo para isso.
  Wallace: Não acredito que não nos chamaram para sair.
  : Coisa de gente fútil.
  : Vão se foder.
  : Bom dia pra vocês também.
  Wallace: Vocês não leram o tumblr da Rachel?
  : Oi?
  : Wallace, não faz isso…
  Wallace enviou um link.

  Que merda era essa?
  Abri.

ZETAS: DOSSIÊ

  Precisamos dizer porque as Zeta só estão manchando a imagem impecável da Universidade Hearst? Não, porque isso é óbvio.
  Afinal, além de fazerem uma cena ridícula e patética com sua lavagem de carro completamente deplorável, mostrando como esse tipo de mulher consegue ser fútil e desesperada por atenção, agora essas mocinhas passaram dos limites!
  Enquanto todas nós estudamos para as provas ou arrumamos dinheiro e ideias criativas para nossas filantropias, o que elas fazem? Vão para uma boate de mau nome, sabe-se lá onde e o que fazem por lá.
  Abusando claramente de bebidas ilegalmente – já que são menores de idade – e até de drogas!
  Não podemos mais deixar essa casa que um dia fora respeitável manchar mais a história de Hearst. Eu quero um basta! Nós precisamos limpar e jogar fora o lixo fútil, brilhoso e retirado de um filme adolescente horrível. Nós precisamos fechar a Zeta!
  Elas não estão em Mean Girls ou em The Bunny House, elas estão na vida real. E na vida real, há regras a se seguir e respeitar.
  Se você está conosco, assine abaixo a nossa petição para o encerramento da irmandade Zeta Beta Iota. Quanto mais assinaturas, mais poderemos fazer a mudança!
  Vocês estão comigo?

  Puta. Que. Pariu.
  Ela passou de todos os limites. Ela havia conseguido fotos que nem era pra ela ter, informações que nem era pra ter e estava fazendo algo completamente monstruoso.
  - Eu vou matar essa vadia. – tremia com seu celular em mãos.
  As meninas choravam, completamente desoladas e desesperadas. Isso poderia arruinar a Zeta, e no fim nós não fizemos nada de errado.
  Tá, talvez eu e a . Mas que puna à nós e não todas.
  - VIRAM O QUE VOCÊS FIZERAM? – Morgana levantou furiosa, sem conseguir se conter. – VOCÊS DESTRUIRAM A NOSSA CASA! VOCÊS ESTÃO FELIZES?
  Não podíamos culpá-la por se sentir assim, afinal, de uma forma ou outra isso era culpa nossa. Nós tentamos trazê-las pro nosso mundo e acabamos esquecendo que para elas as coisas têm consequências. Porque elas sempre estiveram no mundo real.
  As outras meninas não falavam nada, apenas nos encaravam tristes e tentando se segurar para não desabar em lágrimas.
  - Como que ela conseguiu essas fotos? – Foi a primeira coisa que se passou pela minha cabeça.
  - Eu mandei – Brittany disse chorosa. – Eu só queria mostrar para ela que nós éramos legais... Eu... Eu sinto muito.
  - Sentir muito não conserta a merda que você fez, Britt. – abriu a boca pela primeira vez, agora mais ríspida e séria. – Nós vamos resolver isso, ok? Confiem em nós. Eu e iremos resolver isso.
  E nós realmente iríamos. Só não sabíamos como.
  Esse não seria o fim da Zeta.

***
  Nós não havíamos trocado de roupa, ainda estávamos brilhosas e sujas de glitter, fedendo à alguma bebida. Descabeladas, com as maquiagens desgastadas e agora sem os óculos escuros.
  - Por onde posso começar? – a voz ríspida da Reitora já indicava a falta de paciência. – Quando eu recebi a reclamação da aluna sobre sua casa, eu achei que fosse exagero. Afinal, vocês não fizeram nada de errado, só lavaram carros. Não havia nada nas regras que impedia vocês de fazerem isso. Mas ir à uma boate sabe-se lá onde, no meio da noite, mesmo advertidas a permanecerem no campus... Isso é muito fora dos limites.
  Era isso, não tínhamos como justificar, nós seríamos expulsas. A casa seria fechada. se foderia, eu me foderia e todas as meninas se foderiam. Tudo porque queríamos trazer um pouco de diversão para as meninas.
  - Vocês são menores de idade, não podem ingerir bebidas alcóolicas e muito menos drogas. Não posso puni-las pelo o que fizeram fora da universidade, não é da minha responsabilidade. Mas posso puni-las por descumprirem minha ordem de permanecer dentro do campus. E era o que eu deveria fazer, punir vocês. Mas não vou.
  Nossos queixos caíram.
  - Como é que é?
  - Rachel se excedeu. Escrever um post difamando vocês, despejando ódio e preconceito... isso é muito mais errado. Principalmente quando não se sabem todos os fatos, certo? – Ela deu um sorriso. – Suki, a administradora da casa de repouso nos ligou, logo quando soube desse post, ela confirmou que vocês passaram a tarde lá, com fotos e tudo. E eu devo dizer que é admirável a atitude de trazer mais diversão para os idosos. Acho que poucas pessoas fizeram isso dessa forma em todos meus anos como Reitora. – Então sua expressão fechou de novo. – Mas vocês saíram sem minha permissão da universidade, mas também já entraram em contato comigo sobre isso. Uma tal de Hera... – Eu e tentamos disfarçar nossos sorrisos. – Ela foi muito simpática e explicou que nenhuma de vocês ingeriu qualquer tipo de bebida alcóolica e que estavam lá para fins acadêmicos. Impressionante a vontade de vocês de estudar os tipos de diversidade. Idosos, comunidade LGBT... Parabéns.
  Estávamos sem palavras.
  - Eu contei para elas, meninas, sinto muito. – Diane interferiu, nos olhando com cumplicidade. – Eu a contei sobre a ideia de vocês de tentar mostrar a diversidade, fazendo ela o tema de sua casa. É muito impressionante e admirável ver meninas tão jovens e tão diferentes querendo mostrar que todas são bem-vindas na Zeta e tendo como projetos o apoio aos idosos e a comunidade LGBT. Mal posso esperar para ver quem mais vocês colocarão em suas listas. Ótimo projeto, estou muito orgulhosa.
  - É só o que queremos. – sorriu. – Porque é isso que a Zeta Beta Iota é: diversidade. E nós nos abraçamos, nos amamos como irmãs e enaltecemos as nossas diferenças. Porque no fim, são elas que nos fazem ser quem somos.
  Eita menina conversada…
  A reitora novamente sorriu.
  - Muito bem, estou muito orgulhosa de ver como vocês estão se portando em tentar reerguer a casa. Mas não posso aceitar e apoiar esses tipos de fugas. Vocês serão advertidas e eu espero que não se repita.
  - Nunca mais – disse um pouco eufórica.
  - Podem ir.
  Deus é pai.
  O BEM PREVALECEU!

***

  - Eu achei que seríamos expulsas. – Anna chorava, abraçando as amigas e depois cada móvel de nossa casa.
  - O que foi aquilo? Quer dizer, como a Hera e a Suki souberam desse post? Nós nem sabíamos. – respirei fundo, sentindo minha cabeça doer.
  : Não digam que não fazemos nada por vocês, nossos amores.
  : Foram vocês?
  : De nada.
  : Eu amo vocês.
  Wallace: Não precisa agradecer. Qualquer chance de acabar com a tucana da Rachel, nós apoiamos.
  : Vou até fazer um doce para vocês. Passem mais tarde aqui, estaremos esperando.
  : Claro, se vocês não estiverem ocupados demais saindo com outras (:
  Wallace: Ihhh, fodeu.
  : Todos, menos o , serão bem-vindos.
  : Cansei de vocês, vou voltar a dormir.

  Era impossível tirar o sorriso do meu rosto. Havíamos atingido o fundo do poço e nossos amigos nos tiraram de lá. Por um momento esqueci todas as coisas que fez e me irritaram, mas então esquecer me fez lembrar e novamente estava puta com ele.
  Outra mensagem me fez rir. Da minha desgraça, mas rir.
  Ethan: Bom dia. Se divertiu? Vejo que sim.
  Ethan enviou um vídeo.
  Esse foi repassado para mim direto da fonte, mas como um bom samaritano eu não irei vazá-lo.
  Meu queixo caiu novamente. Como ele conseguiu isso?
  Era um vídeo meu e de dançando Indecente – pesquisei o nome depois, seria meu toque do celular – na balada, gravado por Britt. Mas o foco maior era eu rebolando e depois em . Era ouro puro para pervertidos.
  : Como você conseguiu isso? Eu vou ter que te bater, Ethan?
  Ethan: Hahahaha até parece.
  Rachel me mandou, acho que ela queria uma reação igual a do outro vídeo, mas eu me nego ser esse tipo de pessoa!
  Esse vai ficar no meu acervo pessoal.
  : Obrigada? Ainda não sei se te bato ou te espanco.
  Ethan: Só da próxima vez me chame pra festa, Pequeno Gafanhoto.
  Garanto que a diversão será em dobro ;)

  Me peguei sorrindo pra tela do celular e isso foi demais para mim. Eu deveria estar enojada com sua personalidade pervertida, mas também acreditava que ele não faria nada demais com isso.
  - O que você tá sorrindo aí, ratinha? – tirou meu celular da mão, enquanto eu estava distraída sorrindo pra tela igual uma idiota. Voei para cima dela tentando recuperar meu celular antes que ela lesse algo.
  - DEVOLVE ESSA PORRA. – Fiquei por cima dela, tentando tomar o celular de sua mão enquanto ela tentava ler as mensagens. Achei que ia conseguir impedir.
  Mas ela leu.
  - NÃO. você não fez isso. – Tomei o celular de sua mão já sabendo qual seria sua reação por ler minhas mensagens com Ethan e seu olhar mortal em cima de mim era literalmente meu fim. Ela me mataria, mas fomos impedidas.
  Salva pelo gongo.
  - MENINASSSSSSSS. – Sandra chegou berrando, se jogando entre nós no sofá e ligou a TV na MTV.
  - De novo não…
  Arrastamos todos os móveis da sala. Aumentamos a televisão e nos preparamos para dar nosso melhor.
  Era nossa comemoração, ao recomeço da Zeta. Não iríamos nos separar e mesmo que tentassem nos derrubar, nós permaneceríamos fortes, porque mesmo com os perrengues e com a Morgana, nós permanecíamos unidas.
  Performamos Never Gonna Give You Up do Rick Astley, dançando da forma mais disco possível, voltando para época mais dourada de todas.
  Gritávamos a música com todos nossos pulmões, dançando por toda a sala e cantando umas para as outras.
  Nós não iríamos desistir umas das outras, não iríamos desistir da Zeta, não mais. Ela agora era nossa casa e manteríamos ela. Não importa o que acontecesse.
  Éramos uma família.
  - Prontas? – Sabrina deu a marca.
  - JÁ! – berrou.
  Corremos para o sofá e nos jogamos todas juntas novamente. Ele caiu para trás junto com nós. Caímos umas em cima das outras, gargalhando e gemendo de dor, mas as risadas ficavam mais fortes.
  Nós éramos fúteis, loucas, vazias, vadias, desajustadas, aberrações e o que mais quiserem nos chamar.
  E por sermos assim, arrumaríamos as meninas suficientes para conseguir continuar mantendo a casa, certo?
  Afinal, quem não quer fazer parte de uma verdadeira família?

Capítulo 08


  - E cá estamos, depois de tanta batalha, sangue, suor e lágrimas, o último desafio dos Jogos Anuais da HEARST!
  Uma explosão de gritos eufóricos se espalhou pela multidão sentada na arquibancada de madeira velha. Pessoal, parem de pular aí que logo esse treco velho cai.
  Estávamos em um acampamento infantil para o último joguinho, era a melhor forma de conseguirmos o espaço aberto e próprio na natureza para todas as fases em que passaríamos, sem contar o lago, que para o terror do meu extremamente hidratado cabelo, provavelmente entraríamos ali mais tarde.
  E como nosso querido locutor e treinador do time de futebol disse, finalmente o último desafio, apenas mais três times executando e boom! Direto para a desgraçada e não esperada prova teórica. Me coloca dentro de um carro para testarmos nossa resistência como naqueles programas de reality show, ou levando tiros com arma de tinta, mas não teste minha inteligência cerebral, por favor, porque ela não existe.
  - Teremos oito fases, uma para cada pessoa do grupo - continuava o treinador. - O jogador terá de começar do ponto A, segurando todo tempo o bastão vermelho consigo, vencer o pequeno desafio, encontrar no ponto B seu segundo componente, e continuar assim até o sétimo ponto, onde o último jogador tocará o sino dourado e assim decidindo as duas casas que participarão da prova teórica e por fim vencer os joguinhos!
  Sério, ô povo chato, parem de gritar. Meu cérebro não funcional está tentando pensar aqui sem vomitar com o nervosismo. Eu tinha que manter a cara, porque, por exemplo, Ana, a ruiva, já estava verde nesse momento. Morgana estava no exato tom de pele daquela menina que levou pó branco na cara em As Branquelas. Sandra e Sabrina? Inexistentes. Abby, fora de órbita, provavelmente pensando em K-Pop. , hiperventilando e olhos vermelhos, pronta pra berrar com todo mundo. Meu pai? Na arquibancada.
  Jesus que tenha santa misStefanoórdia dessas pobres cadelinhas.
  Tentei arrumar meu curto e colado short preto, deixando um pouco maior, todas vestíamos a mesma coisa em baixo e a camiseta branca com o brasão das Zeta Beta Iota, uma espécie alternativa de Hera Venenosa dourada e vermelha dentro de um círculo. Obrigada a desenhista do grupo, eu. Lógico que era somente para o dia, o original era um brasão chatão e velho criado antes de eu nascer, provavelmente.


  Enquanto os professores formavam uma pequena reunião, o resto das meninas foram levadas pelos monitores da faculdade em carrinhos de golfe para os outros pontos da prova. Mandei um tchau para elas com a mão e fiz bico, tentando me concentrar. Eu iniciaria no ponto A e não sabia quem ficaria no ponto B.
  O acampamento parecia ficar em uma espécie de ilha, só um lado era formado por um grande lago verde pelo menos, o resto era metade floresta, metade ruas, e era pra lá que ficavam os verdadeiros desafios.
  Existia uma arquibancada aqui e outra no sétimo e último ponto, disso eu sabia. Diane comandava o outro lado enquanto o treinador do time de futebol gritava por aqui.
  - Vai, princesa! Mostra do que você é capaz! - o pai de berrou atrás de um alto-falante. Sorri e acenei pra ele, notando a falta de camisa (como sempre) e todos os nomes de nosso grupo escrito entre os pelos. Bom, acho que ao menos ele tentou, não lembrava de existir uma Beyoncé no nosso grupo, mas e eu tinha certeza que existiam.
  O treinador se aproximou do grande ponto A pintado em uma placa de madeira perto de nós três (Kappa Kappa Mu, Psi Omega Kappa e claro, Zeta) apenas um de cada uma dessas casas estava ali, um ao lado do outro.
  - A primeira tarefa é simples, não se preocupem. Corram o máximo que puderem e não esqueçam do bastão! - Pegou o microfone outra vez, que falhou, o som aumentou mais do que deveria - Atenção! - meu ouvido parou de funcionar um segundo - Sinto muito - riu - no três.
  O treinador fez a contagem regressiva logo após nos entregar o bastão, deveríamos seguir nossa pequena trilha reta e notei que os finalistas eram duas meninas e um garoto da Omega.
  Então ouvimos o tiro - que eu esperava muito que fosse algum tipo de arma com balas falsas somente na intenção de conseguirmos ouvi-la -, e uma fera dentro de mim acendeu.
  Corri diretamente pro ponto B, sem olhar para trás. Em segundos senti minhas coxas sedentárias queimarem e notei três cordas, uma ao lado da outra, com madeiras grandes que pareciam portas escondendo o que tinha atrás dela. Ok, teríamos que subi-la.
  Os dois das outras casas estavam praticamente ao meu lado e o garoto parecia ter dois metros de comprimento, o que era meio injusto, em uma puxada ele estava no topo.
  Segurei a corda com as duas mãos e segui o trajeto, ela possuía alguns nós o que facilitava muito o trabalho e cuidei para não derrubar o bastão. Logo estava no topo e atrás da madeira da corda era na verdade um escorregador, a parte mais legal do meu trajeto fora descer ele, era como o infantil, mas seu tamanho era adulto.
  Ao final, corri para o ponto B e notei que Sandra estava bastante nervosa, esperando.
  - Boa sorte! - gritei e seu sorriso foi meio amarelo, mas seguiu em frente.

Sandra

  Oh meu Deus, o tamanho das pernas do garoto da Omega são gigantes, e ei, até que ele é bem gatinho... Não, Sandra! Concentra! Você consegue!
  A menina da Kappa ficou pra trás e essa teria que ser minha chance. Chegando ao meu desafio, entendi a pergunta sobre se sujar antes dele misturar as garotas do meu grupo, era uma gigantesca caixa de areia em nossa frente e teríamos que achar duas chaves minúsculas dentro dela. Existiam seis.
  Me joguei sem medo no meio de toda aquela areia e iria conseguir! Sim, eu iria! You go Sandra!
  Uma chave! Ok, primeira chave, guarda no bolso, pera, não esquece o bastão. Já estava começando a faltar meu ar de tão eufórica, minhas mãos passeavam por tudo, assim como meus pés, barriga, deitei dentro daquilo e rolei por um segundo, notei a menina da Kappa entrando e estranhando meus movimentos. Tô nem aí, estava ali pra vencer!
  Senti algo gelado na minha mão e gritei, retirei a areia de cima sorrindo, lógico que era a chave! Isso se a chave tivesse um formato de minhoca.
  Meu grito agora era de pavor e a minhoca voou longe da minha mão diretamente para o cabelo do garoto da Omega. Toda sua masculinidade sumiu e ele gritou como uma gazela, jogando areia contra a menina da Kappa.
  Peguei a chave que o garoto deixou cair de fininho e saí da caixa de areia. entregando as duas pequenas chaves, não minhocas, na mão do monitor e corri para o ponto C.
  Agora a menina e o menino estavam atrás das Zeta. Pena.

Ana

  Peguei o bastão com Sandra sorrindo de verdade, notando que ela estava na frente dos outros dois competidores.
  - Corre garota! - Assenti e fui para o próximo desafio.
  Agora era a vez da cabeça do grupo. Havia três quadros médios com imãs de palavras aleatórias grudados ali. Segui rápida para o meu e tomei pouco tempo para entender.
  Pequenas charadas divididas em três partes, algumas palavras soltas nas perguntas e era preciso responder. Muito bem. Eu sabia que seria relacionado à Hearst e aos joguinhos.
  Logo a primeira pergunta era fácil. "Em que ano foram inaugurados os jogos da Hearst? 1967". Deixei os anos 89 e 90 de lado, foram criados junto com a faculdade.
  Juntei os imas para a pergunta e resposta.
  Na segunda levei mais tempo, já que mais palavras estavam embaralhadas, somente o "qual" estava na ordem correta. E prontamente respondi. "Qual o nome do criador dos Jogos? Charles Hearst". No momento que finalizei, os outros dois chegaram ao meu lado construindo suas perguntas e respostas em lousas separadas.
  Última pergunta. "O nome da empresa patrocinadora dos jogos este ano?" uau, essa exigiu o máximo de fofoca que existia em mim. A reitora estava casando com quem? Stefano Greene, pai daquele garoto que anda com e . trabalha onde? Marc Fontaine. O dono? Stefano. A empresa que gerou tudo isso? Varaldi. Logo Stefano e a reitora se conheceram provavelmente no meio desses negócios e o fim vocês sabem...
  Prontinho, garotas, e com alguns segundos de sobra.

Brittany

  Dentro de uma bolha!!!
  Eu estava dentro de uma bolha de plástico gigante pronta para atravessar o lago!
  Era incrível lá dentro. Me sentia um tatu bola, ou um caramujo, ou um caracol, ou um siri, ou uma tartaruga.
  Minhas pernas eram gigantes, por isso as meninas optaram para que euzinha fizesse esse trabalho árduo e também o mais legal.
  Corri para o outro lado do lago, movendo minhas pernas o tanto quanto podia, até que comecei a perder controle dos movimentos e minha bola girava como o próprio demônio da Tasmânia, comigo sendo jogada de um lado para o outro.
  Cheguei no destino final com mais roxos do que tinha minutos atrás. Passei o bastão para Abby no pequeno buraco aberto da bola e gritei boa sorte antes de cair mais uma vez.

Abby

  Brittany e uma garota da Kappa chegaram primeiro, o menino era tão alto que teve problemas em conseguir caber na bolha e não sabia dividir o trabalho de agachar e correr.
  Nesta fase Sabrina estava ao meu lado e minha perna e braço direito estavam amarrados com sua perna e braço esquerdo.
  Precisávamos manter o equilíbrio entre dois ovos em colheres e a bandeira para passar desse desafio. Sabrina era mais alta que eu e foi um pouco difícil passar da metade, o ovo sempre acabavam quebrando e precisávamos voltar tudo.
  Os garotos da Psi Omega foram rápidos dessa vez e estava tudo empatado agora.
  Ao fim da trilha, o monitor do desafio procurou alguma rachadura em nossos ovos e não encontrou nenhum. Vimos Morgana e entregamos o bastão.

Morgana

  Tudo bem, eu sou vegana, tenho muita consideração por animais e tals. Mas isso não quer dizer que sou mestra em lidar com pequenas cabras correndo e pulando dentro do cercado delas. Ainda por cima com o chão coberto de bosta.
  O objetivo é pegar uma pequena chave amarrada na perna de uma cabrinha... Boa sorte, eu.


  Eu juro que mato cada uma do meu time depois que tudo isso acabar. Lógico que nenhuma levantou a mão quando o monitor perguntou quem estaria apto para entrar no lago. Lógico que não.
  Nem era o lago, era uma piscina com a água do lago já transformada em lodo puro. A arquibancada estava ali para aplaudirem meu provável fracasso. Um fedor gigantesco alcançou minhas narinas e percebi Morgana chegando com o bastão, seu rosto e resto estavam cobertos do que parecia ser caca de algum bicho e agradeci ao meu bom senhor ter que entrar naquele lago, e não onde diabos enfiaram Morgana.
  A querida e amável Rachel também entraria naquela piscina. Sério, não é o lugar pra pensar nisso, mas tanto rebuceteio legal em Los Angeles e Brit continua com essa menina... Aiai.
  Enfim, sua falta de inteligência - também sou burra então tenho local de fala e propriedade para criticá-la - a fez tirar o tênis para nadar, mas depois disso teria uma corrida até o sino dourado e, bom, algumas pedras também, então não seria Vega que tiraria o tênis para nadar dessa vez. Tchau tênis.
  Meu cabelo estava amarrado fortemente no topo com uma trança que chegava quase na minha cintura, retirei a camisa das Zeta e continuava com o short preto e uma regata rosa. Tchau hidratação. Tchau short preto e camiseta vagabunda.
  O desafio era: ache todas as peças no fundo da piscina verde podre e suja, monte o quebra cabeça com essas peças e corra para tocar o sino.
  Contei até três, segurei a respiração e pulei na piscina, não sem antes ouvir a arquibancada gritar em animação. Garganta potente a desse povo, viu? Britney Spears inveja. Ok, graças a Deus Brittany não ouve pensamentos, ou eu morreria afogada agora.
  Como eu não era um crocodilo e não conseguia enxergar de baixo da água verde, nem mortinha abriria meus olhos ali, seria na cara e na coragem passando a mão por tudo que é possível em baixo daquela piscina, resgatando pedaços de madeira plastificados.
  De uma só vez consegui resgatar duas peças, levantei para respirar mais um pouco e notei que Rachel entraria logo na água também. O garoto ainda estava na corrida. Puxei o ar e voltei para o fundo, mais algumas peças. Voltando a superfície, deixei parte ao lado da piscina, fora, e tive que devolver algumas, afinal pelas cores pertenciam ao brasão da Omega e da Kappa.
  No meio de todo o mergulho acabei chutando alguém dentro da piscina sem querer e levei algumas mãozadas em lugares obscenos. Quando tentei sair da água, uma mão me puxou de volta. Me soltei daquilo rapidamente e saí com a força do ódio. Um leve arranhão surgiu na minha coxa quando deixei a piscina de vez. Talvez saísse sangue, mas quem liga?
  O garoto baixinho e Rachel estavam em uma eterna luta naquela piscina e percebi um negócio quadrado na bunda de Rachel. Que linda, estava escondendo a peça do amiguinho.
  Não levou um segundo para que eu dedurasse ela para o monitor, ele fez cara feia e mandou ela devolver a peça dele e jogou outra dela na água. Justiça.
  Graças a meus anjinhos da Zeta, eu terminei antes que ambos e rapidamente completei o quebra cabeças.
  O pessoal da arquibancada gritava, tipo, loucamente, ferozes, um bando de animais, meu pai estava lá e acho que ele roubou um carrinho de golfe para fazer aquele trajeto.
  - É com você, meu anjinho! - chamou atenção pelo seu alto-falante e saiu correndo quando um guarda foi atrás dele, estranhei, ignorei, e me preparei para correr.
  Ai minha coxinha, estava doendo pelo machucado na piscina, mas eu faria essa desgraçada funcionar. Você não fica em pé o dia todo naquele restaurante e depois na Marc Fontaine pra nada, !

I've paid my dues
  Corri, corri, corri.
  Meus pulmões queimavam e o garoto da Omega apareceu do meu lado.
  Hoje não, patriarcado.
Time after time
I've done my sentence
But committed no crime
  Me enfiei em sua frente, forçando-o a desacelerar sua corrida, minhas pernas já respingavam a areia e tudo virava lama no meu corpo molhado. Rachel estava bem atrás. Pena.
And bad mistakes
  Sorri como uma maníaca olhando para aquele sino e pulei em direção a ele ao mesmo tempo que o menino da Omega. Meio que nos batemos e caímos cada um para um lado.
I've made a few
  Entramos em uma pequena luta de alcançar o sino, ele tentava me escalar, eu tentava pular em suas costas, a arquibancada parou de gritar e fez careta pra aquela vergonha.
I've had my share of sand kicked in my face
But I've come through
  - Hoje não, cabrón! - Sem querer, meio que querendo, fui tentar puxá-lo e acabei puxando sua calça, revelando uma cuequinha do Ben 10 bem pequena.
  O sino era meu.
We are the champions, my friends
And we'll keep on fighting 'til the end
  Confete, vozes, meu pai apareceu do nada me erguendo em seus ombros e todas as meninas da Zeta estavam lá. Nós vencemos os JOGUINHOS ANUAIS DA HEARST! ZETA BETA IOTA VENCEU! TOMA SEUS FUDIDOS QUE NÃO ACREDITARAM NA GENTE! TOMA!
We are the champions
We are the champions
  Brittany gritava em êxtase, Morgana ainda fedia, Abby girava em uma ciranda com Sandra e Sabrina, Ana não parava de chorar, Ave Maria, loucamente pulou nas costas do treinador e gritou como um bode enfurecido.
  Eu via fogos de artificio, via só fogos, a música no ar, Leonardo DiCaprio e seu Oscar, Daenerys e o trono de Westeros, Jesus poderia estar ali também falando o quanto arrebentamos, que dia meus caros, que dia!
  Vencemos, CACETE!!!!!!!
  Ok, ainda tinha a prova teórica, mas foda-se! Vencemos por agora!
No time for losers
'Cause we are the champions
Of the world

***

  Wallace: GENTE.
  : Apareceu a margarida.
  Wallace: Adivinha só.
  : Não.
  : Fala logo.
  : Vai se foder Wallace.
  Brit: Que margarida?
  : Onde você estava? Sumiu.
  document.write(Skylar): Sua mãe estava completamente desesperada te procurando.
  : Eu estava fazendo bolo.
  : Ficou bom ?
  : Ótimo, se quiserem ainda tem, é de chocolate.
  : Estou indo aí agora!
  : O doceiro não pode nem sentir o cheiro, hein...
  Wallace: PRESTEM ATENÇÃO EM MIM!
  Brit: Hm que diva.
  Wallace: , diz pra minha mãe que eu fui dar uns rolê por aí, pegar umas gatas, entende?
  : Fez corujão.
  : Lógico que fez.
  : Jogou a noite toda, haha, perdedor.
  Wallace: Foda-se vocês. enfim, acabei encontrando Ethan, sabe aquele carinha que veio da Irlanda?
  : Você quis dizer Inglaterra?
  Wallace: Tanto faz.
  : Ele é muito gatinho...
  : Ele não é gay? Sempre que eu passava na sua frente ele nunca olhava pra minha bunda.
  Wallace: GENTE QUE CARALHO.
  : Fala logo, retardado. Dá pra usar as teclas de uma vez só. Se quer espera de um mês, manda a mensagem por pombo correio.
  Wallace: Não sou retardado...
  Wallace: Só estava dizendo que Ethan descolou um desconto pra gente estourar um combo legal de bebida para a festa quarta.
  : Jura que era isso?
  : ¬¬'
  : Depois a gente faz um grupo sem você e acha que está no direito de reclamar...
  : Wallace, a graça de termos amigos ricos é que podemos extorqui-los na hora de pagar as coisas, pensei que você já tivesse entendido.
  : Obrigado pela parte que me toca amigo.
  : Burguês safado não tem local de fala aqui.
  : Valeu hein!
  Brit: Você nem tem dinheiro mais kkkkkkk
  : Morreu o respeito.
  : Ok, tchau pra vocês. Arrumem logo suas fantasias. E Wallace, não, não é uma boa ideia ir com Dick vestidos de Hiroshima e Nagasaki. Até mais!

  Você deve estar se perguntando "ué, que houve depois do Jogo da Hearst?", bom, depois daquela vitória, toda minha vida mudou. Fiquei famosa, tive dois filhos com Tom Hardy e hoje sou uma empresária de sucesso no ramo da moda.
  Então eu acordei e vi que somente o machucado na minha coxa ainda era real e meu senso de humor continuava uma beleza.
  Dias se passaram e eu estava a um fio de começar a cantar "Vai Chegar Sua Vez" da Noiva Cadáver, só que isso espantaria um pouco os clientes extremamente chiques que surgiam ali e pareciam ter aversão ao Dia das Bruxas. Eu sabia disso porque eles já olhavam assustados o suficiente para todas as teias de aranha falsas, abóboras, adesivos de gatos pretos e otras cositas más que eu havia espalhado por toda Marc Fontaine.
  Como sou uma boa lutadora de meus direitos, não aceitei a opressão do Senhor Brown e enchi tudo aquilo ali de enfeites. Talvez, só talvez, eu tiraria apenas no primeiro dia de novembro.
  A ideia era boa, entrar no espirito do outono delicioso que estava chegando, sem contar que as caveiras de mentira que coloquei no local davam um aspecto de que tinha maior clientela.
  Fui impedida de usar fantasias, mas não deixei de colocar um arco com orelhas de gatinho na minha cabeça. E já tinha ideias para um estilo diferente por dia.
  Sim, eu gostava de Halloween. Acho que foi o meu primeiro e verdadeiro amor antes de Juan quando cheguei na América do Norte.
  Qual é, quem não gosta? Você pode se vestir do que quiser, entrar na vibe spooky, sair com seus amigos para coletar doces DE GRAÇA e aterrorizar seus colegas quando tem um tempo livre... Encher casas com papel higiênico me rendeu algumas experiências traumáticas que eu jamais repetiria.
  Isso na infância, é claro. Como adulta eu ainda posso me vestir como personagens, só que dessa vez mais maduros, ou bem vulgar, sem que ninguém falasse algo contra porque era tudo em benefício da festividade. A parte de poder beber a noite toda, fazer merda e depois dizer que não era você porque estava com uma peruca diferente da sua cor verdadeira de cabelo era ótima também.
  Halloween no colegial passa a ser um pouco mais divertido, pois quando criança nos importamos apenas com os doces, e quando chega a adolescência conhecemos os prazeres do álcool. É claro que os doces continuam importantes. Só que nenhum adulto nos dá de graça.
  Por isso no penúltimo 31 de outubro nosso grupo sequestrou algumas crianças para que pegassem doces pra nós em troca de proteção contra os veteranos vestidos de zumbi. Os veteranos faziam parte da nossa laia também, então foi uma boa troca.
  Não reproduzam isso. É feio.
  Depois do açúcar, partimos para uma festa de faculdade com toda a bebida possível - já que festas no meio da cidade eram ridículas e terminavam as duas da manhã - e passei a noite correndo atrás de um Nosferatu. Tenho um crush por criatura das trevas. Não consegui o número do vampirão, mas dei uns beijos no Jack Esqueleto.
  Preciso me vestir de Sally um dia, inclusive...
  E o último Halloween... Ah, este foi uma bela bosta. Passei a noite toda no porão da casa de Wallace assistindo filmes de terror com meus primos. David mijou na cama aquela madrugada...
  Tudo porque eu estava presa no espírito de bolsista e não poderia sair de casa sequer um dia, tinha que estudar como uma condenada ou... ou sei lá. Moraria debaixo da ponte.
  Coloquei a caixa onde eu mantinha os objetos que comprei pra decoração - agora já vazia - no chão, e parei um instante para arrumar meu cabelo. Fiquei um pouco chocada quando notei a presença atrás de mim através do espelho.
  Terno e gravata, um leve sorriso no rosto, mas um pouco... Tímido?
  Stefano Greene. Senhor Greene. Pai de . Um baita coroa bonitão, também conhecido como meu chefe, que está acima de Senhor Brown e me deixando um pouco mais perplexa ainda ao notar que ele queria falar era comigo.
  Entendam, não é porque o empresário está no meio do ramo da moda que significa que ele vá nas lojas de seu domínio. Bem pelo contrário, ele era o chefão que mais cuidava da parte financeira, o estilista de verdade, Marc Fontaine, já estava morto há algum tempo, assim como o pai de Stefano, que fundou o todo o negócio com o amigo. Então era um pouco estranho vê-lo ali. Não só eu achava, já que as meninas que estavam no mesmo expediente que eu olhavam sem conseguirem disfarçar.
  - Boa tarde, senhorita Vega.
  - Senhor Greene... Posso ajudá-lo com alguma coisa? Promoção hoje, por conta da casa. - Sorri divertida. Ele não parecia estar ali pra fazer compras, mas eu não poderia perder essa piada.
  - Não, tudo bem. Vim falar sobre outra coisa. Aqui. - Retirou um envelope grande e branco de seu terno Armani e me entregou. O dono da Marc Fontaine usava Armani. Haha.
  Levei um segundo pra entender do que se tratava.
  - Uau, estou lisonjeada. - Era seu convite de casamento. - Todos os funcionários ganham?
  - Apenas a amiga do meu filho. - Sorriu por um instante até que o vi engolir seco. - Uh, falou sobre isso com você, certo?
  Que ele iria se casar ou que seu pai me convidaria pessoalmente? Acho que ele se referia ao primeiro.
  - Sim, ele mencionou o casamento. Parabéns, senhor! - Sorri firme, o encorajando, já que no interior eu estava querendo matar o . Estava óbvio porque esse convite parou em minhas mãos.
  - Apreciaria muito sua presença, . Sempre foi amiga do meu filho e, como nos últimos meses vocês estão ainda mais próximos, acredito que é a escolha certa. Apareça, tudo bem?
  Tá vendo? Ele não queria que eu aparecesse. Ele precisava. Por quê? Porque aquele branquelinho filho da mãe do filho dele provavelmente não abriu um e-mail sequer ou atendeu às ligações de Stefano para confirmar que iria para o casamento. Não teria como eu ir sozinha, me sentiria deslocada, então seria obrigada a ir com .
  Stefano estava tentando sua última estratégia e meu coração amoleceu um pouco com isso. Ele só queria que o filho fosse em seu casamento, poxa...
  - Pode ter certeza, senhor! Vou levar como se fosse ordens de um chefe. e eu vamos. Há espaço para o resto do pessoal também, certo?
  - Amigos do são meus amigos também. Sinto falta até mesmo das vezes em que vocês sujavam de lama completamente o tapete de na nossa casa.
  Eu gargalhei.
  - Não, você não sente.
  - Não, dessa parte não sinto - deu de ombros sorrindo -, mas vocês sempre foram bons amigos pra ele, como uma família. Serão sempre bem-vindos no que eu puder convidar.
  - Stefano! - Uma voz masculina praticamente gritou. Assim que percebeu o afobamento e como chamou a atenção, tossiu e voltou a falar com mais classe. - Senhor Greene, não sabia que estava aqui. Por que não me chamou logo, Senhorita Sanchez?
  Posso estar louca, mas juro ter visto de relance o Senhor Greene revirar os olhos com a chega do meu chefe. Nisso nós combinávamos.
  - Já estava de saída, Brown. Vim para falar especificamente com a Senhorita Vega, assuntos pessoais, nada demais. Até outra hora. - Acenou com a cabeça e se foi, lançando um sorriso simpático para as meninas que trabalhavam comigo. Stefano era um cara extremamente simpático e bonito, teve a quem puxar.
  Resgatei minha caixa do chão, indo em direção ao deposito para guardá-la, até que fui barrada pela parede humana a minha frente. Senhor Brown ainda estava ali e me olhava desconfiado.
  - Desde quando é tão próxima de Stefano Greene? - perguntou.
  - Ah, me poupe - bufei e continuei meu caminho ouvindo seus passos atrás de mim.
  - Sem delongas, Sanchez, pode falar.
  Ele já sabia que eu era amiga de , agora achava o que, que Stefano Greene estava me pagando como espiã para ficar de olho nele? Outra vez, me poupe.
  - Nossa relação é profissional, senhor, nada mais - respondi simplesmente.
  - Posso te demitir - ameaçou. Ah, coitado.
  - Nunca, sou sua melhor vendedora. - Empinei o nariz.
  - Ameaça não é uma forma muito boa de venda, Sanchez - quase debochou.
  - Sanchez é meu pai, eu sou Vega, e olha só, não é o que meu bônus diz final do mês.
  - Estou de olho em você, Sanchez – disse como um ultimato e se foi.
  Não consegue nem ficar de olho no estoque de roupas danificadas que as meninas estão levando pra casa...
  Voltei para o balcão e recebi alguns olhares maliciosos de Zoey e Serafina, as garotas que trabalhavam comigo.
  - Visita do sogro?
  Dessa vez eu ri. Sonhar mais um sonho impossível... quer dizer, nem tanto assim.
  - Oh não, Zoey, não faça isso. Ela vai se fazer de sonsa mais uma vez - a morena implorou.
  - Sonsa é senhora sua avó, Serafina. - Bem madura.
  - Você tá pegando o cara faz meses e tá querendo que a gente acredite que não? Qual é, o pai dele estava aqui, agora, pra falar com você. Eu não recebi convite algum. E você não foi a funcionária do mês pra ter esse tipo de regalia.
  - Nem temos funcionária do mês – rebati. - Se tivéssemos, eu seria, é claro.
  - Primeiro, vocês duas são idiotas. Segundo que ela não teria motivos pra esconder um namoro com o . Terceiro, ele viveria nessa loja se eles estivessem juntos. Quarto – interrompi.
  - Ok amiga, entendemos seu raciocínio.
  - Eu estava tentando te defender, fedida.
  - Eu não tenho que dar satisfação para o lado opressor do sistema. – Bati o martelo. Simbolicamente.
  - Opressor... - Serafina bufou. - Mas em algo a Zoey está certa, ele sumiu um pouco, mesmo que vocês não estejam casados por agora, ele ainda é seu tutor, não tinha prometido te ajudar ou algo assim?
  - Ele viajou para... San Diego? Algo como passeio estudantil para finalizar seus pontos...
  - Hm, pena. Saudade da vista que ele nos proporcionava aqui – Zoey comentou.
  Olha só uma situação onde víamos que era incrível e possível que colegas poderiam achar seus amigos gostosos bonitos também sem tentar qualquer envolvimento com eles, porque caras bonitos e gostosos não são exclusividade no mundo.
  As meninas sempre faziam piada sobre o quanto ele era bonito, tentando me deixar com ciúmes - às vezes acontecia, não que eu contaria algum dia para o dito cujo, ele ficaria insuportável -, porém eram minhas amigas, sororidade reinava por aqui e elas percebiam que, mesmo eu não estando com ele, eu sentia algo por ele.
  E amigas não pegam boy de amigas, a não ser que o boy não queira nada com a amiga e seja apenas uma ilusão da cabeça dela. Não prenda sua amiguinha, ela pode pegar o boy. Isso são tipo, regras do feminismo. Ok? Ok! E se ela pegar o boy, não volte atrás e encha o saco dela por causa disso. Obrigada.
  - Logo estará de volta, eu acho. - Dei de ombros sem muito interesse, o que ela percebeu.
  - Se isso significa que o caminho está livre... - Zoey disse daquele jeito "estou brincando, mas se você liberar eu me jogo".
  Não falei? Insuportáveis. O ruim de ser conhecida como o zangado dos sete anões é que constantemente as pessoas tentavam te tirar do sério com coisas pequenas que você não poderia demonstrar que realmente te tiraram do sério. Até porque era ridículo mesmo, eu estava trabalhando minha maturidade para a vida.
  Os livros sempre tentam retratar uma terceira pessoa na fase do desenvolvimento do relacionamento, alguém que possa fazer atrasar tudo, como se nós não fossemos loucos dentro da nossa cabeça o suficiente pra ferrar com a possibilidade de um namoro.
  Ignorei seu comentário completamente e acho que ela tomou isso como resposta.

***

  : Aqui! Já consiga acessórios que combinem, meu bem. Xoxo.

  Foto enviada para : check.
  Mãos completamente furadas pelo trabalho que a porra do tutu da fantasia estava dando: check.
  Já era terça-feira e teria que arrumar tudo de última hora para amanhã, faltaria pouco se eu tivesse pelo menos um manequim para usar.
  Pensa em uma pessoa cansada, completamente cansada, mortinha da silva? Miura Sanchez-Vega, prazer.
  Trabalho todos os dias, de manhã, tarde, à noite, faltas nos mesmos para conseguir ter a presença regular na faculdade e logo depois ter que fazer hora extra... Eu estava uma pilha de nervos. Contudo, aquele sábado estava delicioso.
  Somente eu dentro do meu quartinho maravilhoso, costurando, que era uma das coisas que eu mais gostava de fazer, ouvindo música espanhola antiga e sentindo o cheiro do mar através da minha janela. Até a lua cheia estava perfeita.
  Tudo muito calmo até eu começar a ouvir leves estalos na minha parede, do lado de fora. Assim que me aproximei da abertura para entender o que estava acontecendo, ri com o clichê. estava no térreo atrás da minha casa jogando pedrinhas no vidro da minha janela...
  Fiz um sinal para que ele subisse logo e ele foi completamente animado em direção a calefação, parecia uma criança fazendo traquinagem.
  Fazia mais de uma semana que não o via, e no momento que aquele cara grandão colocou os pés em meu quarto e me deu um abraço de urso... eu percebi o quanto estava com saudades suas.
  Me perdi um pouco naquele momento só de sentir o seu cheiro. E ele me esmagou mais um pouco, ele tinha um abraço ótimo, do tipo que acalmava as pessoas. Não que eu precise de calma.
  Assim que me largou, já soltou uma gracinha:
  - Você já considerou limpar seu quarto uma vez na vida?
  - Te orienta garoto, eu limpei ontem – ralhei.
  - Meu Deus... - Ficou chocado. Ah, o toc. Chatão, esse menino.
  - Quer ir embora? A porta é logo ali, se conseguir encontrar através da sujeira. Se não, posso te jogar da janela, garanto que vai ser um pouco mais rápido que a subida – briguei levemente irônica.
  - Incrível como senti falta até de ser ameaçado por você - disse bobo.
  Amoleci. Não deixaria nunca isso transparecer.
  - Que brega, . - Desviei de seu olhar.
  - Ficou vermelhinha – gargalhou. Falhei na missão. - É a primeira vez que vejo isso acontecendo, meu Deus, um marco na história.
  - Deixa de ser idiota. - Ele se sentou na cadeira em frente ao meu computador. - Mas sério, eu não sou tão rica quanto você. Na verdade, nem há comparação entre nossos saldos, porém juro, minha família consegue bancar uma porta.
  Era estranho vê-lo ali. Já tinha me visitado, é claro, mas nunca tínhamos ficado a sós.
  - Qual a graça? Assim é mais perigoso e ninguém sabe que estou aqui, vai ser nosso segredinho... - falou como um criminoso, até que foi interrompido pela gazela gritando do corredor.
  - FIQUE SABENDO QUE JÁ CONTEI PRA TODO MUNDO QUE VOCÊ TÁ NO QUARTO DA MINHA IRMÃ, OK GREENIE.
  - Irmãos caçula. - Dei de ombros rindo de um completamente desolado.
  - Eu tenho uma irmã, você tem um projeto de criatura do mal morando sob o mesmo teto que você.
  - Falando em irmã, vai levar ela para pegar doces? - indaguei interessada.
  - Cinco minutos até chegar ao assunto Halloween, um recorde. - Fazer o que, eu amava. - Mas mesmo querendo não vou poder, serei anfitrião, não é?
  - Pensei que a festa do ano seria de um dos garotos da Lambda – estranhei.
  - Não é mentira. Meu companheiro de quarto é da Lambda - explicou brincando com a tesoura que eu estava usando antes dele chegar.
  - Dick? - Ele assentiu. - Uma casa sem muitos princípios para entrar, então - apontei sem maldade.
  Ele arqueou a sobrancelha e sorriu grande.
  - Olha só quem acha que pode falar algo sobre a fraternidade de alguém, que linda.
  Mostrei a língua pra ele e o chamei com uma mão. - Seja útil. - De prontidão ele se posicionou na minha frente e amarrei o tutu em sua cintura. Ficou pequeno, mas funcionaria.
  - Eu lhe dou o prazer da minha companhia em um sábado à noite e é pra isso que você me usa? Ai - reclamou da primeira alfinetada.
  - Sim, e finja que é acupuntura. - Ele fez um bico de birra, mas permaneceu quieto. - Adivinha quem apareceu no meu trabalho?
  - Um ícone da moda?
  - Quase, abriu algumas lojas. Seu pai.
  - Ai. Isso é novidade? Ai - perguntou sem entender.
  - Bom, apesar de ser a loja dele e eu nunca ter visto ele lá em todos os meus meses de trabalho, ele foi lá pra me ver.
  - Te ver? - dessa vez ficou sério. - O que ele queria com você? Tá tudo bem?
  O larguei por um segundo e alcancei o convite dentro da minha bolsa, ainda não havia aberto.
  - Aqui - entreguei em suas mãos e voltei para a parte traseira da saia -, o casamento do ano!
  - Claro... Eles têm bom gosto. – Abriu o envelope e leu. Estava endereçado para a família Sanchez-Vega. Havia algumas fotos, decorações com pérolas... Chique demais para a minha própria pessoa.
  - É o mínimo. - Pela primeira vez eu avistei o nome da noiva e achei interessante o que li. - Elena Campbell. O mesmo nome da...
  - Reitora? - riu sem graça - Bingo.
  Levou cinco segundos para eu compreender.
  - Sem chance! - deu de ombros. - Seu pai vai casar com a Reitora Campbell? Mas quer saber? Olhando por um lado acho que até combinam, quando nos encontrávamos nos corredores ela fazia questão de sempre verificar se minha bolsa era original. Obviamente todas são falsificadas, e ninguém precisa saber disso. - Ele riu. - É estranho pra você?
  - No início era, mas como mal tenho contato com ela mais, tanto faz – explicou sincero.
  - Que bom, já estava preparada para brigar com você. Quase trinta anos na cara e querendo fazer birra por quem o pai vai casar...
  - No início eu fazia – disse me desafiando.
  - Sem motivos. Se fosse uma má pessoa tudo bem, ela tem problemas com sorriso e tal, mas parece ser uma boa pessoa. Sem falar que é uma mulher foda pra cacete, olha o tamanho do currículo dela, ! Se um dia eu chegar lá, estou feita na vida. E como você disse, mal contato possui com ela... e muito menos com o seu pai.
  Tive que dar essa alfinetada. Literal e figurativamente.
  - Ai!
  Eu entendo, juro que entendo, pais e filhos que por muitas vezes cortam as relações por ser algo tóxico e que não representam nada do que uma família deveria ser. Só que no caso do senhor a minha frente, era pura birra que deveria ter sido finalizada faz tempo, e não piorado com ele.
  - Você vai? - ele perguntou, inocente. Coitado.
  - Nós vamos – declarei, ponto final, era isso. Ele gargalhou. - Qual é, . Ele quer tanto que você vá. Você já foi em outros casamentos, dele, ora.
  - E? Nenhum durou – contrariou, mas insisti.
  - E se dessa vez for pra valer?
  - Nem você acredita nisso - zombou.
  - Finge, caralho - disse grossa, mas teria que apelar para armas mais fortes aqui. - É sério, eu vou ser sua companhia, pra que coisa melhor? Levamos o resto do pessoal se te fazer mais confortável também... Sua irmã vai querer você lá, e principalmente o seu pai, . É família, não espere união deles se você também não faz um pouquinho de esforço, tem que ser recíproco. E olha o senhor Greene... Apelou para vir até mim, como uma forma mais fácil de você talvez aparecer.
  O abracei por trás, tentando ampará-lo, e fiz questão de dar um beijo estratégico em seu pescoço enquanto a minha voz ficava a mais manhosa possível, pedindo por favor. Era ridículo ter que implorar por isso? Sim. Mas acima de tudo eu era sua amiga e estava aqui ao seu lado para ajudar a tomar esse tipo de decisão, mesmo que seja difícil, e talvez no futuro, se finalmente o casamento do senhor Greene der certo, vai poder ter a família unida que ele tanto sonha, mas nunca deixa escapar de seus lábios.
  E eu poderia gritar um “chupa!” na cara dele.
  - Às vezes eu acho que você fez algum curso na adolescência de como tratar com homens. - Suspirou longamente, se dando por vencido.
  Eu ri e compreendi que ele iria. Ganhei. E um fato é, eu não sabia lidar com homens, prefiro um milhão de vezes ter amigas mulheres, mas... Eu sabia lidar com ele.
  A porta do meu quarto se abriu e a cabeça de David apareceu entre a fresta.
  - Quer um batomzinho pra combinar com a sainha, Greene? - tirou sarro da cara de loiro na minha frente, piscando os cílios repetidamente.
  - Haha - riu sarcástico, apertando os olhos. Ele ficou tão gostosinho fazendo essa cara, oh senhor me ajude. Tentei até defendê-lo.
  - David, eu ainda tenho as fotos de você dançando Selena com meu sutiã por pura diversão, tem zero moral de zoar alguém aqui. – O menino fechou a cara assim que terminei de falar e apenas sorriu de leve, sem maldade.
  - Fica quieta, , não sei do que você tá falando, papai chamou vocês para a janta... Onde estão as fotos? Ah, que droga. - Saiu batendo a porta.

***

  Esperamos todos chegarem na mesa em alguns minutos. David trazendo o resto dos talheres, meu pai trazendo minha abuela e minha mãe trazendo a comida. Alguns destes eram meus trabalhos, porém estava ali e eu devia fazer companhia pra visita.
  - Me dá sua calcinha - o loiro falou baixo, me fitando com um sorriso.
  A visita não valia nem cinco reais de pão. Péssimo.
  - Minha família tá no outro cômodo, cala a boca.
  Ele ainda ia me provocar mais um pouco, até que meu pai apareceu com cara de bravo e se sentou balançando um pouco a mesa. Revirei os olhos. O resto da minha família se sentou e começamos a comer. Minha barriguinha sorriu com tudo aquilo. Posso ser magra, mas como como um dragão Valiriano.
  - Aposto que você tem todas as duas vacinas em dia... - Apenas adivinhem de quem surgiu esta frase esquisita com seus olhos de gavião.
  - Bom... Sim... Minha família preza pela própria saúde, acho que como toda outra - respondeu inquietamente educado.
  Meu pai estava deixando nervoso e isso era hilário, mesmo que um pouco tosco, sendo que estava o tratando como um criminoso procurado da lista do FBI. Se ele tivesse uma lâmpada aqui e agora, estaria a jogando na cara do menino, pedindo mais informações nesse tipo de interrogatório caseiro.
  - Ano que vem é ano eleitoral, sua família já tem um voto em mente?
  Ah pronto. Eu já sabia onde isso ia dar...
  - Meu pai provavelmente irá se abster para não ter que enfrentar processos ou a falta de democratização de algumas pessoas radicais contra o nome da empresa dele...
  Então o Senhor Sanchez largou o garfo no prato.
  - Entendi. Eleitor do 66. Típico. - Sabia.
  - 66? - franziu o cenho sem entender, o que era impossível.
  Todos da mesa, tirando meu pai, bufamos.
  - De novo isso, toupeira... - minha abuela reclamou.
  Quem era 66? Um cara que meu pai estava praticamente obcecado e não queria de jeito nenhum ver na presidência. O problema é que era presidência do bairro. Associação de moradores. E esse cara era meu o tio.
  - Não conheço esse partido, senhor – informou tentando achar alguma coerência na conversa.
  - Mas deve conhecer o 77, esse sim. - Este era real? Sim. Tinha coligação? Não. - Soube que eles estão se alinhando, esse ministro Zé ruela da casa branca com o 66.
  Outra vez... meu tio. Presidente do bairro. Únicas pessoas que votavam nisso eram minhas tias. Sem ligações com partidos reais de política. Juro.
  - Qual a veracidade dessa informação, papai? - quis saber até onde ia a loucura.
  - Seu primo me enviou no WhatsApp. Sabe o pior? Eles acham que eu acredito! Logo esses dois se juntam e vão criar novas leis ridículas pra atrasar o país como escola obrigatória para as crianças e velocidades que não podem ser atingidas no trânsito - reclamou. Provando por A + B que acreditava sim em toda aquela baboseira.
  - Hm, senhor... já existem essas duas leis – informou.
  - , meu pai é maluco, só não bater palma - tentei alertá-lo.
  - Não sou maluco, anjinho! É tudo real. E sinto informar, mas está na cara que seu amiguinho faz parte dessa presepada toda, é o fim dos tempos – lamuriou.
  - Então , como está a faculdade? Está gostando da salada? - minha mãe perguntou, ignorando a existência de papai.
  - Sabe o que mais eu recebi? - meu pai aumentou a voz - A intenção de votos do 77. Simplesmente ridículo. Não conheço uma, frisando, não conheço UMA pessoa que vote no 77.
  - Eu tenho uma prima que vota no 77, senhor.
  - Eu não conheço sua prima.
  Suspirei.
  - Pai, será que dá pra parar com as perguntas? É o , você o conhece desde que, sei lá, Britney surtou.
  - 2007 foi um ano difícil para nós dois, , tenha mais respeito - brigou comigo. - E em 2007 esse marmanjo não tinha as intenções horrendas que possui com você hoje.
  - Senhor, eu posso afirmar que não tenho uma intenção ruim sequer com a sua filha – se defendeu.
  - Ah, conta outra, mocinho, eu dizia isso para o pai de Guardalupe antes de despurificar ela. Conheço bem seu jogo. - Assim que meu pai soltou essa frase, engasgou.
  Jesus Cristo.
  - O que é despurificar? - David perguntou inocente. - Se for algo malicioso, não poluam minha mente.
  Ok, nem tão inocente.
  - Isso não é pro seu bico, Miguel - minha abuela ralhou e ele se irritou.
  - Meu nome não é Miguel, vovó, que inferno.
  Essa foi aparentemente uma gota d’água muito grande para meu pai.
  - Miguel! Digo, David! Vá para o seu quarto, sem palavras de baixo calão nessa mesa.
  - Eu posso falar inferno, essa palavra tá na bíblia - resmungou o menino, caminhando até o segundo andar chutando tudo que via pela frente, levando o prato em mãos.
  - Vá você para o quarto, Sanchez - mamãe brigou com ele enquanto trazia um copo de água para , recém desafogado -, assustou o convidado.
  - Eu estou bem, senhora Sanchez. – Sorriu grato bebendo todo o conteúdo do copo. Filho da puta engasga com meu pai falando besteira, mas estava pedindo minha calcinha minutos antes.
  - Ah, não posso falar o que quiser na minha mesa agora? Não é minha casa? Isso aqui é a América, um país livre!
  Meu pai não parava de reclamar, e assim como meu irmão, pegou seu prato, chutou tudo que via pela frente e subiu as escadas para o quarto, obedecendo minha mãe.
  - Está bem mesmo, gracinha? - minha abuela flertou com um completamente vermelho que estava voltando a respirar depois do engasgo.
  Jesus Cristo.

***

  - É sério, eu adoro eles - continuou gargalhando -, não é apesar de serem atrapalhados, é com esse fator que fica melhor.
  - Se começarem a te chamar de filho, você foge sem olhar pra trás - alertei com uma falsa seriedade.
  Estávamos na minha varanda, em frente a porta. Já estava tarde, depois do jantar subimos para terminar as fantasias que finalmente estavam prontas e assistimos um filme ridículo de comédia japonesa. Era ótimo ter a companhia dele em um sábado à noite, principalmente depois de tantos dias sem a gente fazer algo semelhante a isso ou ao menos nos vermos.
  - Tá doida? É aí que me mudo pra cá mesmo. Eu gosto da união que vocês possuem, seu pai me tratando como um serial killer apenas porque estava se sentindo protetor com você... Sem falar da família reunida às oito horas na mesa de jantar. Achei que isso fosse um mito.
  Eu sorria – como uma trouxa – a cada palavra que ele soltava.
  Me lembrei do Ano Novo. Ele passou aqui na Vila Lorenzo porque gostava disso, a bagunça, o pessoal junto, a família toda se divertindo, e mesmo que eu faça piadas com a falta de neurônios daqueles que possuem o mesmo sangue que eu, eu amava tudo aquilo também, era uma maneira de não se sentir sozinha na vida, nunca. Eu sabia que poderia contar com qualquer um deles o momento que eu precisasse.
  - ... - falou manso e tirei minha visão de sua boca. Passei a fitar seu olhar e tinha algo novo ali. - Não faz isso.
  - Não estou fazendo nada - falei inocentemente.
  - Eu não gosto de dar bote errado, sério. - Bagunçou o cabelo um pouco frustrado.
  - Bote errado? - Sorri um pouco divertida.
  - É, bote errado. Se você virar a cara, teremos um problema.
  - Já temos um problema agora – avisei.
  - Tem coragem? Não está com medo dessa vez?
  - Medo?
  - Se acontecer, , de novo, já era. Eu te avisei na casa de meu pai que não iria te deixar em paz, só que a vida não é assim. Eu seria um babaca se continuasse insistindo nisso sem reciprocidade da sua parte e praticamente um cachorrinho. Faz tempo que a gente não se fala e muito menos tocamos em qualquer parte de um assunto que chegue perto se tratando de nós dois. Eu prometi a mim mesmo que ia deixar isso passar até você, você sozinha tomar uma decisão do que fazer, eu já te dei todas as cartas, mas como você mesma disse, não basta apenas um querer.
  Aquilo foi como um chute na minha cara. E era real. Ele não poderia tentar e tentar, levando toco atrás de toco, não era bom para o ego de ninguém e nem para a saúde mental. Eu não estava o enganando, eu só sou um pouco doida da cabeça que realmente não tinha certeza de nada. E a respeito do medo? Parece que era real.
  Mas não importa. Eu não era uma pessoa racional... Simplesmente não dava conta. Ele era o cabeça aqui, e se ele mesmo disse que precisou prometer a si mesmo que não tentaria nada comigo até que houvesse resposta, bom, eu estava me sentindo uma bonequinha de pano sem controle algum, apenas pronta para que ele me usasse e abusasse da forma que quisesse. Porque eu não dava conta, ele estava perto demais, falando sobre a vontade que tinha em me ter, na minha cara, sem piscar ou pestanejar, com seus olhos brilhando e demonstrando o quanto aquele sentimento era real... Que se dane.
  Pelo menos por hoje.
  - Minha abuelita sempre diz que a única forma de acabarmos com o nosso medo é enfrentando ele. Esse aqui é até um pouco fácil - ri de leve, o fitando com ardência, mas falando de forma calma. Era um bom momento -, só estou com medo de ir dormir essa noite sem ter sentido o seu gosto.
  E ele fez exatamente o que eu queria. Suspirou um pouco, deixando seu lado contido para trás e avançou para cima de mim, com calma, porém decidido. Suas mãos grandes se fecharam diretamente ao redor de meu pescoço e guiaram minha cabeça e a inclinando para a sua, já que ele tinha pelo menos vinte centímetros a mais que eu.
  Um selinho em uma bochecha. Um selinho na outra bochecha. E sua boca se fechou contra a minha.
  Logo estávamos perdidos entre as emoções e nossos corpos trabalhavam sozinhos, sua língua sabia como se mover de uma forma gostosa contra a minha boca, massageando cada lugar com maestria, fazendo com que apenas aquela junção nossa fosse capaz de me deixar com as pernas bambas.
   sabia como me beijar. Sabia como me satisfazer.
  Se eu achava que sentia falta da sua presença, foi ridículo descobrir o quanto eu sentia falta do seu beijo.
  Suspirei quando tudo se tornou mais quente, minhas mãos, que estavam em seu pescoço, arranharam de leve suas costas até chegarem no cinto de sua calça, apertando mais sua cintura contra mim, assim nossos pontos mais necessitados se friccionavam com a roupa e deixava tudo mais gostoso.
  Entendam, beijar é um dos atos mais maravilhosos que a natureza já nos forneceu. Seja na troca de carinho com um parente, seja por tesão na balada, mesmo que completamente bêbada. Porém, nada, nunca vai superar o beijo na pessoa que você está apaixonada.
  E eu estava, não tinha como enganar, o que eu estava sentindo agora não era prazer ou carinho de amigo, era muito mais.
  O sentimento eleva tudo, o estômago fica ouriçado, a nuca arrepia, seu corpo fica quente, a garganta trava e cada parte da sua pele que é tocada pela pele dele sofre uma corrente de calafrio que te faz pensar o que é o verdadeiro estado do instinto mais carnal que existe dentro de você. E você só quer explorá-lo ainda mais.
  Uma de suas mãos continuava na minha nuca, virando meu rosto para que nos encaixássemos perfeitamente, e a outra... bom a outra estava na minha cintura, como um abraço, onde ele de vez em quando apertava mais e mais, fazendo que a única vez que eu me locomovesse ali fosse apenas para me apertar mais contra o seu corpo e chocar ainda mais nossos quadris.
  Parei um pouco para respirar/suspirar e ele continuou beijando toda minha cara. Deixei meus lábios abertos inclinados pra ele e de olhos fechados consegui sentir sua respiração rápida e quente, distribuindo uma sequência de beijos e mordidas em toda minha mandíbula e pescoço.
  Me perdi em seu cheiro e acho que foi ali que eu notei que o que mais me deixava como uma patinha tonta era isso. O cheiro dele. Não era o perfume extremamente caro, não era o sabonete importado... Era o seu cheiro. Cheiro de homem gostoso. Cheiro de . Era uma delícia e eu poderia acordar com isso ao meu lado todos os dias apenas pra saber que o meu bom humor estaria garantido nas outras dezesseis horas do dia.
   parou por um segundo e ficamos apenas ali, curtindo o calor um do outro, até que sua língua passou a contornar toda a minha boca, era como se ele desse valor a cada traço meu, beijando todo pedacinho com fervura.
  Estávamos ali a pelo menos cinco minutos e eu não me arrependia, a última vez que eu tinha o beijado fora no Ano Novo, há meses atrás, e embora tivesse sido talvez o melhor encaixe da minha vida, não tinha o sentimento que possuímos hoje. É algo totalmente novo, fazendo com que cada vez que um tentasse se afastar, o outro puxasse para iniciar outro beijo.
  Depois de algum tempo tomei coragem não faço ideia de onde e empurrei o seu peito antes que o instinto animalesco de mais cedo atacasse e eu tirasse a roupa daquele homem ali mesmo e implorasse pra que me... enfim.
  Após mais alguns selinhos roubados e ele se acalmar o tanto quanto conseguia, se dirigiu ao seu carro.
  Antes que ele entrasse, eu tive que ser um pouco mais trouxa ainda:
  - Senti sua falta - deixei escapar.
  E então, só então, eu percebi que ele estava tão perdido quanto eu. O jeito que ele me olhou antes de entrar em seu carro e fechar a porta... eu não tinha certeza se merecia alguém olhando pra mim desse jeito.
  A ficha começou a cair...

***

  Entrei em casa finalmente me acalmando de todo aquele fogo e caminhando diretamente pra cozinha em busca de um copo d’água. No momento em que ia saindo em direção ao meu quarto como uma Santa Imaculada, levei um susto com a silhueta no sofá da sala em meio ao breu que estava tudo aquilo.
  - Quer me matar do coração, cacete? - O vi acender o abajur.
  - Quer conversar sobre esse cara? - Papai estava ali, me esperando, com um olhar matador e pose de poderoso chefão. Nem posso falar que não conseguia o levar a sério, certo? Principalmente com o seu bigode recém aparado para um negócio fino e terrível estilo Gomes da Família Adams.
  - O que você quer ouvir, papai? O cara é o , você já o conhece... - suspirei de preguiça.
  - Estou aqui para abrir seus olhos com as intenções horríveis que ele possui. Pense, menina! Ele é homem, não confie em homens - se exaltou.
  - Você é homem. – Arqueei a sobrancelha.
  - Não confie em mim... - E então apagou o abajur. Ainda dava pra ver sua silhueta e parecia um boneco ventrículo paralisado no escuro.
  - Tudo bem - continuei o fitando com estranheza. - Boa noite, pai.
  - Boa noite, anjinho! Conte àquele cara que conheço todos os policiais da cidade, ok? - Sorriu e se levantou para o segundo andar. Tive a belíssima visão dele coçando a bunda ao subir as escadas.
  Não, você não conhece, papai. Completei mentalmente.

31 de Outubro, quarta-feira.
  Wallace: Web namoro existe de verdade?
  : Kkkkk +1 corninho caiu no papo de web namoro.
  : Lógico que existe.
  : Não para o Wallace.
  : Se ambos tiverem caráter, sim.
  Wallace: E é por isso que todo mundo prefere o a vocês, ratos imundos.
  : Você saiu do mesmo bueiro que a gente, filho.
  Brit: Gente eu não sei se terei coragem de participar dessa festa...
  Brit: E se acabarmos completamente bêbados acordando dentro de uma tumba com desenhos em nossos corpos, velas e uma invocação de feitiço perante nossa alma?
  : Ah Brit, relaxa... Quando foi que isso já aconteceu?
  : Exceto aquela vez.
  Brit: Sei lá, estou com um mau pressentimento.
  Wallace: Se a Brit não for eu não vou.
  : Brit por favor não vai.
  Wallace: -’-
  : Talvez seja só loucura da sua cabeça meu bem.
  : O quê? Olha do que você tá acusando a Brittany... Quem suspeitaria disso?
  : Meu pai disse que é comum ter esse tipo de receio antes do dia das bruxas, Brit.
  : Mas meu pai também acredita que mentiras causam esterilidade masculina, então, fica por sua conta acreditar.
  Brit: Agora estou confiante de que dará tudo certo <3 Obrigada !

  E depois daquela conversa idiota de manhã, eu só conseguia pensar em uma coisa:
  Parabéns, , ficou com ele de novo, brilhou. Essa é a verdadeira definição de se controlar.

Capítulo 09


  Todos amavam o Halloween. A noite em que você bota seu verdadeiro “eu” pra você em forma de fantasia. Quem não gosta? Você pode ser o que e quem quiser por uma noite e ainda ganha doces de graça!
  E claro que nem eu e nem faltaríamos à uma festa temática.
  Não perderíamos a chance de botar nossas melhores fantasias combinando e mostrar para todas e todos que nós estávamos sempre maravilhosas, no Halloween e todos os outros dias do ano.
  E a vantagem era trazer as meninas da Zeta, fazê-las saírem um pouco e conhecerem mais pessoas influentes para aumentar a reputação da casa. Já que não faltava muito para que a nova seleção fosse aberta. Ainda precisávamos de 30 meninas e o tempo estava correndo.
  - Segura! – chamou, me puxando para o elevador. O elevador estava um pouco cheio e ficou ainda mais com todas nós dentro. Mas o pior nem era a quantidade de pessoas, e sim minha fantasia e de . Nossos tutus ocupavam a maior parte do elevador, deixando todo mundo espremido.
  Rachel estava de cara fechada com a nossa presença e Brittany tentando se equilibrar com o topete enorme que usava.
  As duas estavam vestidas em suas versões de Sandy e Danny, de Grease.
  As meninas da Zeta estavam vestidas como queriam, Sandra e Sabrina arriscavam suas melhores representações de Beyoncé e Solange, Ana e Abby estavam fantasiadas de duas cantoras de algum grupo de K-Pop. Eram muito fãs.
  E até deixamos Morgana ir de Morticia Addams.
  Por incrível que pareça, todas estavam muito bem fantasiadas e lindas, seus looks estavam bem feitos e tudo combinando. Nenhuma – nem mesmo a Morgana – estava menos que atrativa.
  Isso ajudaria muito, já que nosso estilo diversificado obviamente chamaria mais atenção das outras garotas.
  - Segura, porra. – Dick entrou esbarrando em todo mundo. E ficou atrás de mim, me olhando e dando risadinhas. Rolei os olhos. Dick estava vestido de surfista, ou era apenas uma roupa que ele usava sempre.
  Acho que ele nem sabia que isso era uma festa a fantasia.
  Junto com Dick, mais umas pessoas entraram e o elevador foi ficando cada vez mais apertado.
  E como na vida tudo que já está uma merda pode piorar…
  - Espera aí! – A voz familiar do homem que eu rezava pra não precisar ver fora da universidade chamou minha atenção e de . Era o nosso adorável professor Johnson.
  Engoli seco.
  Ele estava vestido de Indiana Jones e fora da universidade parecia até um cara comum, mas meu estômago se embrulhava só de estar no mesmo lugar que ele. Nossa, eu havia pegado um asco gigante por esse cara.
  Os olhos dele já foram para cima de mim como dois animais famintos e eu abaixei a cabeça, olhando para qualquer lugar que não fosse para esse homem.
  - O que ele tá fazendo aqui? – sussurrei para , tentando puxar papo sem chamar a atenção de ninguém.
  - O quê? Ele não pode vir em uma festa?
  - Não.
  - Por que ele é professor? – me encarou com um dos olhares dela de reprovação.
  - Porque ele é velho! – disse em um sussurro, mas botei muito entusiasmo, mesmo que ninguém ouvisse.
  - ! – Encarou-me chocada, respondendo no mesmo sussurro entusiasmado.
  - Você pensou a mesma coisa. – Dei os ombros.
  - Mas você disse!
  Ri baixinho.
  O elevador parecia que nem havia saído do lugar. Estávamos indo para a cobertura para a festa, mas mesmo assim parecia que nem havíamos saído da recepção ainda.
  - A mais longa subida de elevador de todas... – Rachel rangeu, rolando os olhos e bufando em seguida.
  - Nem me diga... – eu e dissemos juntas.
  Ficávamos encarando a porta do elevador, enquanto Rachel reclamava de alguma coisa, as meninas da Zeta tentavam se esquivar dos flertes do Dick e o professor louco ficava me devorando com o olhar.
  O som do elevador chegando ao destino e a porta se abrindo foi um alívio em nossos corações.
  - Obrigada Deus – eu e dissemos juntas novamente, saindo do elevador na frente de todo mundo, sem esperar mais um minuto.
  Saímos corredor adentro, indo em direção ao apartamento que já era de nosso conhecimento.
  A porta estava aberta, o som já saía, haviam pessoas pelo corredor já se divertindo. Dentro do apartamento existia um grupo de pessoas misturados pela a casa. Uns cantando no karaokê, outros dançando, outros bebendo, outros flertando e muita pegação.
  Basicamente uma festa da universidade.
  Encontramos parado, com as mãos em sua cintura e dando bronca em algum calouro que esbarrou em alguma coisa que não deveria e bagunçou um pouquinho da organização do meu amigo. Ele levava bem a sério essas coisas.
  Assim que nos notou, deu as costas pro garoto que já estava intimidado pelo rapaz e abriu um sorriso pra nós.
  - Olhem só vocês! – chegou animadinho. Ele estava vestido de Arqueiro Verde e só sua presença já mudou a vibe da latina ao meu lado. – Cisne Branco – apontou pra mim, que usava a fantasia inspirada em um ótimo filme. Eu fazia a boazinha. – E você, Cisne Negro – apontou para a que usava uma roupa similar a minha, só que preta, uma maquiagem bem mais carregada e uma tiara linda. Ela até tinha tentado colocar uma lente vermelha, como a que a Natalie Portman usou no filme, mas só conseguiu um belo inchaço e alergia em troca, com duas horas pingando colírio no próprio olho até ele voltar ao normal.
  Estávamos deslumbrantes. Mas o trabalho que foi nos vestirmos assim, nos maquiar, arrumar o coque de bailarina e todo o resto.... Muito difícil.
  - Meninas – cumprimentou as garotas da Zeta. – Vocês também estão radiantes essa noite, especialmente você, Morgana. – A garota corou. Segurei a risada, são muito vendidas essas meninas. – Vamos entrar? – chamou.
  Mas as meninas atrás de mim estavam hesitantes. Era até compreensível, afinal, era a primeira festa grande e com membros da universidade que elas iam.
  - Gente... eu acho que eu não consigo. – Abby abaixou a cabeça e Sandra a acompanhou, escondendo-se mais atrás de nós.
  Eu e nos entreolhamos. Sabíamos que falar e dar um discurso sobre como daria tudo certo e seria uma ótima festa, tentar tranquilizá-las e tal não daria tão certo.
  Então tivemos uma ideia melhor.
  - , que tal você apresentar o seu apartamento para elas? – sugeriu com um sorriso divertido nos lábios. – Assim você vai as deixando mais confortáveis.
  O loiro nos encarou e depois encarou as meninas. Abriu um enorme sorriso cheio de charme e ofereceu seus dois braços.
  - Claro! Vamos meninas, vou mostrá-las o local.
  Todas foram, até Morgana, só que preferiu não ter contato físico com o nosso amigo, só as seguiu tentando esconder as bochechas coradas.
  Já disse, são muito vendidas. Nossa sorte é que é um cara ótimo e um amigo melhor ainda, então ele faria com que elas ficassem mais confortáveis com o ambiente e o clima de festa, até que elas se soltassem mais conosco.
  Elas se foram e ficamos só eu e na entrada.
  - Vamos? – Ofereci o braço.
  - Pro bar? Bora. – E segurou.
  O lado de dentro ainda estava até mais cheio que o de fora assim que entramos. O apartamento de era grande, mas parecia até uma balada real.
  Os móveis tinham sido retirados e sua sala de estar agora era o canto do karaokê, com uma máquina para isso e um sofá. Sempre tinham várias pessoas nesse canto, umas assistindo e outras dando seus shows.
  Não tinha mais sala de jantar, agora era uma pista de dança com um DJ improvisado. E sua cozinha era o bar, que parecia estar mais cheio que a pista de dança.
  O que as pessoas não fazem por bebidas caras, não é mesmo?
  Empurramos o pessoal que estava ocupando o espaço do bar e fomos direto pro barman. Não nos importavam os caras reclamando, éramos amigas íntimas do anfitrião. De algo tem que valer, né?
  Meus olhos corriam pela festa sem saber exatamente o que ou quem estava tentando encontrar na multidão. Uma parte de mim gostava de ver as fantasias diversificadas dos outros.
  Tinha jogadores, monstros, vilões de filmes, coelhinhas sexys, princesas e muitos heróis. Era época de Avengers, né? Todos estavam se inspirando no filme.
  Avistei de relance , que estava vestido de Iron Man – a fantasia completa, chocada – e Hannah andando pela festa e Hannah estava fantasiada de – esperem por isso – Pepper Potts. Irônico, né? Os dois andavam cumprimentando todos e sendo simpáticos com toda a festa como o Rei e a Rainha do Baile.
  Os filhos da mãe me destronaram.
  No colegial eu era a rainha das festas a fantasia. Vantagens de ser rica, comprava as melhores fantasias ou dava os melhores tecidos e apetrechos pra fazer as fantasias incríveis que ela tinha o dom. Então nós éramos sempre as mais bem vestidas.
   nunca usava uma fantasia completa, nunca. Principalmente se precisava combinar com a minha. Mas as coisas mudam, né?
  - Se ficar olhando demais vai parecer que você se importa... – chamou minha atenção e eu revirei os olhos.
  - Não me importo. – Dei os ombros. – Só acho engraçado que…
  - Ele não usava fantasias com você e agora usa. Supera.
  Fui tomar outro gole da minha bebida e percebi que não tinha mais. Virei pro barman e pedi outra.
  - Relaxa ratinha, você não vai perder o seu título. – Cutucou-me. – Impossível alguém estar melhor que nós duas – sorriu orgulhosa. – Esse foi meu melhor trabalho, de longe.
  - Um brinde a isso.
  Junto com a minha bebida, vieram um Wallace, uma Brittany e um Dick, todos voando em busca de mais álcool.
  Wallace estava muito engraçado vestido de Super Shock, com máscara e tudo.
  - Gostou? – Wallace piscou para mim e eu ri.
  - Vai deixar as garotas bem... chocadas, – fiz a piada mais idiota de todas, mas Brittany riu. Wallace revirou os olhos e se escondeu, fingindo que não me conhecia.
  - Não entendi... – Dick estava fora de si.
  Os três pegaram as suas bebidas, se despedindo de nós e correndo para a pista. cruzou os braços e fechou a cara.
  - NENHUM elogio? Você viu? – bufou.
  Eu ri.
   apareceu, trazendo consigo as meninas da Zeta. Todas estavam rindo, mais soltas de quando chegamos e com os olhos cheios de deslumbre pela festa.
  - Se divertiram? – perguntei.
  - Nunca vi um apartamento tão grande! – Abby se enfiou ao meu lado. – E tão lindo…
  - É, gente rica com seus luxos – Morgana debochou. – Vamos brindar à isso.
  - Dá pra você ser menos chata por uma noite só? – Sabrina se queixou e todas concordamos.
  - Uma noite só não fará mal.
  Morgana revirou os olhos.
  - O que vocês chamam de chata, eu chamo de sinceridade... a verdade mais pura e crua que a sociedade insiste em esconder e…
  - Toma e fica quieta. – deu um copo na mão de Morgana, que franziu o cenho olhando pro copo sem saber o que fazer. – O quê? Bebe logo, inferno.
  - É álcool? – Morgana continuava desconfiada.
  - Claro. Estamos em uma festa.
  - Não podemos beber – Sandra fez bico. – Não temos 21 anos.
  Sorri maliciosa para minhas amigas.
  - Agora vocês têm. – As entreguei as identidades falsas que havíamos descolado com a ajuda de , cada uma tinha a sua. Com nomes sem tanto significado quanto Lindsay, Britney e Paris, mas dava para o gasto.
  Falando nisso…
  - Cadê a Britt? – perguntei pra .
  - Deve estar com a insuportável da Rachel. – Revirou os olhos. – Você acredita que ela proibiu que a Brittany viesse de Daenerys só pra que Britt viesse do jeito que ela queria?
  - Fez chantagem emocional e tudo?
  - Uhum.
  Bufei.
  - Odeio essa tucana radioativa…
  Esperava finalmente o dia em que Brittany se libertasse desse encosto em sua vida que era Rachel. Sejamos realistas, a garota não amava a nossa amiga, se amasse jamais tentaria montá-la do jeito que ela quer.
  E eu faria o que fosse capaz pra tirar a tucana de nossas vidas de uma vez por todas!
  - Bom meninas, esqueçam isso e vão se divertir! – Tentei mudar o clima – Mas com moderação.
  - Só pedimos para que não aceitem bebidas de estranhos, ok? E se algum cara estiver importunando vocês ou vocês se sentirem mal com alguma bebida, comida ou algo, avisem à nós ou ao que eles deixará vocês em segurança na suíte, tudo bem?
  - Sim! – responderam em uníssono.
  Era legal vê-las mais soltas, se sentindo mais animadas e afim de curtir a festa. Sabíamos que era difícil para elas perderem a timidez, mas faríamos o que fosse necessário para que todas aproveitassem suas noites.
  Essa festa não acabaria até que as Zeta a dominasse.

***

  A festa continuava e eu estava dançando com as meninas, depois de ter uma crise riso com o tombo histórico da Sandra. Ela quis fazer graça com o Dick e todo mundo sabe que Dick é mais mole que uma banana. Os dois voaram no chão e depois de Dick tentar imitar seu passo de dança, ela se levantou roxa de vergonha e Dick com seu orgulho ferido.
  Homens... ame ou mate-os.
  Estava escorada no bar bebendo mais um pouco, descansando minhas pernas depois de uma hora dando tutoriais de coreografia para as meninas. Pisaram muito no meu pé e isso seria muito vingado mais tarde.
  Mas também estava aproveitando para assistir a outra performance que me chamara a atenção. De todas as pessoas no mundo, nunca esperei que veria Ethan Mason cantando em um karaokê.
  Mas sejamos sinceras, provavelmente ele estivesse tão chapado que nem estivesse pensando. Um alter ego pós-maconha estava no palco cantando Girls/Girls/Boys de Panic! At The Disco.
  E nem estava tão ruim assim.
  Tinha um grupinho de garotas amontoadas no sofá, assistindo-o cantar e eu ria daquela cena. Ele nem prestava atenção, só cantava lendo a letra no visor e dando um show de bebedês.
  Não negaria que como sua voz saia rouca pelo microfone e quando ele aumentava o tom ela rasgava de uma forma até sensual. E o bebedês se misturava com seu sotaque inglês e dava um charme a mais, então para mim estava agradável. E para o seu fã-clube que assistia sua performance quase pegando fogo.
  Ethan usava uma fantasia de Freddy Krueger, só a roupa e o chapéu. E chamava a atenção mesmo assim.
  E aparentemente eu tinha um problema em ficar encarnado as pessoas, só percebi quando ele reparou que eu estava o assistindo cantar com a minha boca entreaberta, minhas unhas tocando delicadamente meu lábio inferior e meus olhos focados na figura masculina dando seu melhor show. Ele piscou pra mim e eu mudei o foco, minha cabeça pensou no que não deveria e isso poderia acabar com a noite de muitas pessoas.
  Teria que me controlar.
  Dick se aproximou, se sentando ao meu lado e passando seu braço por trás de mim e me dando um gentil abraço de lado.
  - Dick, o que eu disse sobre contato pessoal? – Fuzilei-o com o olhar.
  - Poxa, eu achei que já havíamos passado por isso e estávamos construindo uma amizade real e sincera.
  Arqueei as sobrancelhas.
  - Acho que você esqueceu de me avisar disso.
  - Ei amiga – Dick me cutucou. – Por que o professor não tira os olhos de você?
  Se até o Dick percebeu era porque a situação estava muito, mas muito fora do controle.
  Virei-me para ver o professor, mas sem dar muita pista de que eu estava fazendo isso. Lá estava ele, de pé, bebendo e com o olhar em mim. Parecia que a presença de Dick o irritava, porque sua expressão era um pouco fria demais.
  Isso estava passando dos limites e me irritando.
  Nunca seria aceitável um homem ficar perseguindo uma mulher, isso é doentio. O que eu achava que era uma idiotice inocente, estava se tornando um fardo que eu já estava planejando cortar as asinhas.
  Dick se levantou para sair e a expressão do professor mudou para algo mais... nojento. Então segurei Dick pelo braço.
  - Fica, amigão. – Sorri falsamente para o loiro oxigenado, que sorriu e se sentou comigo, pedindo bebidas.
  - Eu disse que esse seria o começo de uma longa e verdadeira amizade. – Sorria. Quando o barman entregou as bebidas, nós brindamos.
  Gostava do Dick, ele era insuportável na maior parte do tempo, mas ainda tinha um bom coração. E se a presença desse incomodava o Mr. Johnson, então, Dick a partir de hoje seria meu bff.
  - Ei, amiga. Você paga né? Eu esqueci a carteira.
  Ou não.

***

  De todas as torturas que pensei que ia passar na vida... Ouvir Rachel e Brittany cantando You're The One That I Want da pior forma possível era a pior de todas.
  A música havia sido destruída da forma mais cruel que se possa imaginar.
   também estava com as mãos nos ouvidos, tampando para não continuar ouvindo essa crueldade.
  Quando elas terminaram, Rachel nos viu aplaudindo falsamente e saiu do palco emburrada, batendo os pés e indo sei lá para onde. Já Brittany…
  Britt veio até nós, nos puxando pelas mãos para fazer o que observamos todos fazerem, mas nunca que íamos fazer.
  - Nem fodendo.
  - Só uma música vaiii. – Os olhinhos dela brilhavam como de criança.
  - A gente escolhe – alertou. – E eu fico na frente – sorriu, soltando seu alter ego bêbado que chamamos de Rihanna que tinha dentro de si.
  Nós fomos atrás.
   procurou pelo aparelho a música perfeita e entre as 300 versões de Toxic, ela escolheu a que parecia mais sexy e adequada para o momento. A versão mais lenta com um toque de tango. Perfeita.
  Eu e soltamos nossos cabelos, deixando-os cair sensualmente e ouvindo assobios de alguns rapazes. Jogamos a parte dura do tutu longe, a parte que eu não faço ideia o nome, e ficamos somente com a saia simples por baixo e o body com detalhes lindíssimos.
  Britt jogou sua peruca com topetão longe e pude sentir Rachel fuzilando-a com o olhar. olhou com orgulho pra loira, porque apesar de ser a mais lerda do nosso grupo, Britt era sexy como o inferno e sabia usar isso quando queria.
  Foda-se. Hora do show, porra.

Baby, can't you see
I'm calling?
A guy like you
Should wear a warning
It's dangerous
I'm fallin'
  Comecei. Estava meio tímida de início já que haviam vários homens – e professores – tarados os suficientes para pensarem besteira comigo segurando um microfone, mas eu amava essa música, então que se foda.
  A melhor parte foi a cara de choque de todos assim que as notas saiam de minha boca no tom certo. Ok, eu sabia cantar, fiz aulas e tudo mais. Eu achei que o momento em que a Disney precisasse de mim pra ser tipo a nova Hannah Montana viria um dia.
  Claro que estava levemente embriagada, mas mesmo assim minha voz saia de forma notável e clara para que todos ouvissem. As meninas da Zeta me encaravam com o queixo caído e eu acenei pra elas.
  Na nossa frente, se encheu de caras e pessoas para nos assistir. Incluindo as Zetas, que eram nossas maiores fãs. Gritavam e aplaudindo, como se fossemos suas divas.
  Até mesmo Ethan estava entre a multidão, com os braços cruzados e o mesmo sorrisinho malicioso que eu tirei dele quando ficamos no baile um ano atrás. Ele não parecia impressionado com meu vocal, mas algo diferente... Sabia que estava gostando.

There's no escape
I can't wait
I need a hit
Baby, give me it
You're dangerous
I'm lovin' it
  Brittany continuou. Ela nasceu pra fazer isso.
  Cantava com toda uma confiança, até arriscava dançar mesmo vestida de Danny Zuko. Sensualizava mais para sua namorada do que para os outros.
  Pena que ela nem olhava para Brittany, estava mais ocupada criticando tudo que a fazia.
  Continuamos cantando enquanto a sala se enchia, as pessoas paravam para assistir, as outras dançavam. Todos estavam entretidos não só conosco, mas com a festa toda.

With a taste of your lips
I'm on a ride
You're toxic I'm slipping under
With a taste of a poison Paradise
   assumiu. E eu pude ver o queixo de cair, fazer um buraco no chão até outro o lado do mundo. Junto com vários gritos e uivos dos caras, quase explodindo com o poder da latina.
   não era uma cantora profissional e nem nada, mas tinha um rebolado e uma atitude toda vez que ouvia suas músicas favoritas, que compensavam. Ela se sentia muito confiante vendo todos entretidos com seus movimentos. E assim isso fazia que nós nos soltássemos mais.
  E eu tinha certeza que a bebida ajudava em toda essa confiança também.
  Logo estávamos cantando pelo palco improvisado, dançando juntas e imitando o que fizemos a infância toda trancadas em nossos quartos.
  Já estávamos acostumadas a performar Britney Spears pelos cômodos. E isso fazia com que nós nos sentíssemos familiarizadas com tudo aquilo. Já estávamos conectadas, sincronizadas e harmonizadas.

I'm addicted to you
Don't you know that you're toxic?
And I love what you do
Don't you know that you're toxic?
  Eu me sentia gostosa demais nessa fantasia, rebolando e batendo meu cabelo no rosto. Não me importava com nada além da música, estava divertindo demais e eu me soltava cada vez mais.
  Havia um ditado que eu adorava quando as pessoas aumentavam meu ego e sensualizar cantando Britney Spears, vestida de bailarina sexy na frente de vários marmanjos... era meu superpoder.
  As Zetas estavam em baixo gritando por nós, dançando entre elas e rindo. Até Morgana, soltando sua Britney Spears dentro dela.

Intoxicate me now (Ooh)
With your lovin' now (Ooh)
I think I'm ready now
  Dançávamos juntas, grudadas, arriscando nossos melhores rebolados e dando o que a “plateia” pedia.
  Todos que nos assistiam berravam, gritavam, aplaudiam e nos elogiavam, tirando as melhores expressões de ciúmes de .
  O ciúme do era engraçado, isso porque em sua mente ele deveria ficar estressado já que não deveria sentir, então ele virava a cara e fazia um bico não intencional e ficava quieto bebendo e ignorando por algum tempo até ela conseguir acalmar a fera. Era bom que ele não demonstrasse nada mesmo, afinal, eles não tinham nada sério e ele colocava limites em si mesmo para não agir como um babaca total, ainda mais com a senhorita desapegada que odeia ceninha de ciúmes. Se invertêssemos os papéis, ela já teria chutado a bunda de em uma semana e teria o bloqueado em todas as redes sociais.
  Retribuí a piscadinha que recebi mais cedo de uma certa pessoa. E ver sua expressão de indiferença quebrar era minha diversão.

I think I'm ready now
  Dei uma piscadinha pro público quando cantei minha frase favorita na música. E levei o bando de marmanjos a loucura.
  Eu estava fazendo isso pelo meu ego, era assim que eu estava lidando com os últimos acontecimentos em minha vida. Saber que metade do campus adoraria ter um show privado meu em particular fazia valer a pena ver o meu inimigo da adolescência perdido entre os dois mundos.
  Ethan havia até sentado no sofá pra observar mais de perto a apresentação. E o meu ego pulava. Ai, eu amava.
  A pior parte com certeza era o professor babando por uma de suas alunas, mas pior que isso seria ele babando por também. Porque ele não tirava os olhos da morena rebolando e soltando naquele palco.

Intoxicate me now (Ooh)
With your lovin' now (Ooh)
I think I'm ready now
  Eu amava quando nós três ficávamos assim, juntas e fazíamos tudo que nos desse na cabeça. Desde sempre nos soltávamos melhor quando estávamos juntas.
  Por isso éramos melhores amigas que nunca se desgrudavam, porque nós nos completávamos quando estávamos juntas. Virávamos esse tipo de entidade que nos permitia fazer tudo que nós mais queríamos, nossos maiores desejos e maiores vontades. Quebrávamos todos os tipos de vergonhas ou inseguranças.
  Só uma música e eu estava me sentindo a própria Britney Spears, rebolando pelo palco e batendo cabelo, junto com Britt e . Uma já estava tão acostumada com isso que fazia todos os movimentos mais naturalmente possível. E a outra... a outra rebolava como a Rihanna e deixada todo mundo fora de si. E eu? Eu nasci pra fazer isso, pertencia ao palco e era dele que seria.

Ah ah ah ah
  Arrasamos, eu sei.

***
  Percebi que havia me perdido das meninas e estava sozinha na pista dançando com desconhecidos que pareciam mais animados que eu.
  Os deixei lá e decidi ir atrás das meninas, ou de alguém que pudesse me dar um pouco de atenção. Esbarrei em alguém, alguém que usava uma fantasia pesada e um capacete.
  Sim, era .
  - Ei,
  - Gostei da fantasia. – Apontei para o que usava e ele abriu um sorriso verdadeiro.
  - Gostou? Eu gastei toda minha mesada nessa fantasia... Eu me empenhei demais nisso. – Permanecia sorrindo. – E Hannah adorou, ela disse que... – Então parou bruscamente.
  - O quê? – Eu ri do seu constrangimento.
  - Nada…
  Revirei os olhos.
  - Não precisa ter medo de citar o nome dela em minha frente não, . Tá tudo de boa. – Sorri. – Gostei da fantasia dela, de verdade. Vocês fazem um casal muito bonito.
   estava sem reação em minha frente.
  Qual é? Ninguém consegue me imaginar tendo atitudes sinceras e maduras? Por favor, eu sou uma pessoa ótima. Era óbvio que ainda me incomodava um pouco, mas não posso ser tão hipócrita.
  Passei a festa babando no Freddy Krueger inglês, que moral eu tinha pra me queixar que meu ex-namorado estava fazendo parzinho com a nova namoradinha dele? Eu hein…
  Mas o clima acabou ficando meio desconfortável com não sabendo muito bem como engolir isso e eu não queria ter DR com meu ex essa noite, então... sinto muito, amigão.
  - Vou ir procurar as meninas – disse. – Vejo você por aí? – sorri.
  Ele coçou a nuca.
  - Sim... claro. Nos vemos. – Forçou um sorriso.
  Dei as costas e respirei fundo.
  Vamos lá , você é melhor que isso. E sério, eu mereço uma boa vaga no Céu só por ter que aguentar essas coisas…
  Encontrei as meninas, elas estavam com Brittany que saiu da suíte de agora com seus cabelos soltos, a camiseta que usava estava amarrada na altura da sua barriga mostrando-a para o mundo e ela usava um batom vermelho extremamente chamativo, deixando-a fatal.
  - Amiga? Você tá maravilhosa!
  - Eu sei! – Deu pulinhos.
  - Eu ajudei. – sorria orgulhosa. – Mandei aquele Danny embora e trouxe uma Sandy meio Britney para cá. Não é a Daenerys que você queria, mas, espero que tenha gostado.
  - Eu amei! – Britt abraçou e me puxou para o abraço também – Eu amo vocês.
  - Bom, então vamos aproveitar a festa? – Abby chamou e nós demos gritinhos, prontas pra incendiar a pista de dança.
  Essa festa estava saindo melhor que o planejado.

***
  - Meninas... – Dick apareceu vermelho de tanto rir. – Vocês precisam ver isso – e nós fomos.
  E nós gargalhamos também.
  , e Wallace estavam com microfones nas mãos, se preparando para sua hora de brilhar no karaokê.
  - Isso é sério? – gargalhou.
  - Shh. Fiquem quietas e assistam o melhor show da vida de vocês. – piscou para nós e os três fizeram um cumprimento.
  Então a música começou.
  Aquele clichê de comédia romântica que todo mundo já ouviu e já cantou: Can't Take My Eyes Off You.

You're just too good to be true
Can't take my eyes off you
You'd be like heaven to touch
I wanna hold you so much
At long last love has arrived
And I thank God I'm alive
You're just too good to be true
Can't take my eyes off you
   começou e puta que pariu, que bom que ele era gostoso, porque cantando... com certeza não tem isso no seu gene de tudo de bom.
  A única coisa que ele tinha era o ritmo, mas nenhuma afinação. Só que cantava com um charme, como se fosse um daqueles cantores tão sedutores que ninguém liga pro que ele canta, mas já fica extremamente excitada no primeiro “a”.
  Ele estava focado em , que não sabia onde enfiar a cara, mas mesmo se sentindo um pouco com vergonha alheia, não conseguia tirar os olhos dele.
  É isso, estava vermelhinha de vergonha, mas sorrindo e com os olhinhos brilhando pro loiro cantando. A coitada está tão ferrada…
  As meninas da Zeta estavam babando por ele. Suspirando e se abanando. Eu estava achando tudo muito fofo e aterrorizante.

I need you, baby!
And if it's quite alright
I need you, baby
To warm a lonely night
I love you, baby;
Trust in me when I say
  Os três gritavam junto a letra a música, completamente desafinados, mas muito empolgados por estarem fazem isso. Wallace se sentia um rockstar, tentando usar isso para flertar com qualquer garota que assistia.
  Os outros dois também, se sentindo os próprios astros de uma boyband dos anos 2000 que tinham qualquer garota em seus pés. E nós gritávamos juntas a letra da música, como suas groupies em seu show.
  Todas estávamos agarradas, cantando junto e rindo de quando alguma coisa saía diferente do que eles queriam. Mas estava tudo muito fofo, mesmo com a parte completamente vergonhosa.

Oh, pretty baby
Don't bring me down, I pray
Oh, pretty baby
Now that I found you, stay
And let me love you, baby
Let me love you
  Os três estavam muito empolgados. Cantavam com todo o ar de seus pulmões e com toda a força possível, até que a música foi acabando aos poucos.
  Eu e nos entreolhamos, ainda cantando juntas enquanto eles davam seu show.
  - Amiga, eles são péssimos. – Eu ri e minha amiga acompanhou.
  - Ah, mas até que são adoráveis. – Ainda conseguia ver os olhinhos de brilhando pro loiro cantando para ela com todo o coração.
  - Então o playboy tem chance?
   ficou um pouco vermelha.
  - Eu. Não. Dou. Conta – disse em nosso código e eu pisquei para ela. Essa conversa continuaria depois. Provavelmente no banheiro, porque precisaríamos nos refrescar.
  Hannah estava encantadíssima com naquele momento e logo que a música acabou correu para abraçá-lo. Após soltá-la, o moreno se virou para mim um pouco envergonhado e eu apenas sorri, sussurrando um “The Voice”, já tirando sarro da situação.
  E sobre , assim que ele veio até , ela mal deu tempo e foi em direção ao banheiro e ele sorriu contente, pois havia conseguido a reação que queria.
  Geralmente quando você faz uma serenata pra pessoa que gosta espera que ela retribua o carinho e confesse seus sentimentos. Nessa situação, foge pro banheiro e ele acha isso bom. Dois esquisitos.
  Eu não estava dentro da , mas dava para perceber que o mexia com ela de verdade. E todo aquele lance de não poder ficar com ele com certeza aumentava a tensão sexual dentro dela. Sem sombra de dúvida estava muito fodida.
  Sim, era uma merda se apaixonar pelo melhor amigo, amiga. Estive aí, passei por isso.

***
Ethan

  Eu estava passando por uma sessão de tortura que me fizera repensar todos meus pecados cometidos nos últimos anos de minha vida. E talvez se fosse uns meses atrás, essa tortura não seria tão significativa quanto agora.
  Estava sentado no sofá, apreciando a minha cerveja e assistindo – contra a minha vontade, para deixar registrado – duas figuras bizarras cantando alguma música que não dava para saber qual era, já que eles gritavam e não cantavam.
  A única coisa que sabia era que um estava vestido de Lady Gaga e o outro de Madonna. E como eu sabia disso? Hudson, claro.
  Na última semana recebi um memorando com várias informações sobre quem era Lady Gaga e quem era Madonna, qual era a diferença delas e quais eram suas músicas favoritas de cada álbum. E sinceramente, eu não sabia que era tão possível isso.
  Desde que estabelecemos uma trégua e uma amizade, havia me ensinado mais sobre suas cantoras favoritas do que qualquer outra coisa. E por mais agradável que fosse saber mais de seus gostos, eu fazia isso por coesão. Ela realmente me agredia quando eu errava uma pergunta.
  Já apanhei por causa de Demi Grande, Ariana Vato e alguma cantora indie que eu disse que achava sonolenta.
  Fechei meus olhos, tentando ignorar aquela tortura que feria meus ouvidos e tomar coragem para dar uma volta pela festa. Quem sabe ir atrás de e obrigá-la a ouvi-los a cantar para sofrer o mesmo que eu.
  Mas falando no Diabo…
  Senti um aperto em meu nariz e isso me assustou, fazendo abrir os olhos e encarar uma com os cabelos loiros bagunçados pelo seu rosto, um sorriso infantil nos lábios e um pirulito preso nos dentes.
  - Oiiiiiii, Ethannnn – dizia em um tom adorável. Já havia descoberto que bêbada era mais fofa. Uma entidade que tinha provavelmente cinco anos de idade.
  Ela se jogou no sofá, deixando sua cabeça em meu ombro e ao perceber a dupla tenebrosa em minha frente – que estava já na sua terceira música e ninguém os expulsou da festa -, sua postura enrijeceu e seus olhos brilharam com uma expressão de surpresa.
  E então começou a me cutucar.
  - Essa é a Gaga, na era The Fame – apontou para o rapaz de peruca loira e um raio na cara. – Por isso o raio ala David Bowie e o laço de cabelo – me cutucou de novo. – E esse é a Madonna na era Confessions on a Dance Floor – apontou para o outro que usava um maiô que só de imaginar o que apertava doía em mim. – Eles estão simbolizando uma paz entre Gaga e Madonna em suas eras dance-pop – seus olhos brilharam novamente.
  E eu não estava entendendo porra nenhuma.
  - E qual é a diferença? – Fiz de propósito, apenas para ver sua expressão de choque. Era hilária.
  - Se você tivesse lido meu memorando você entenderia. – Deu os ombros.
  - Esqueça o memorando, eles são péssimos! Horríveis! Catastróficos! – enfatizei bastante a última, para que ela entendesse a música que eles acreditavam cantar estava absurdamente ruim.
   rolou os olhos.
  - Eles não estão tão mal assim. – Deu os ombros.
  Tirei o copo da bebida que ela estava segurando, agora tudo me fazia mais sentido.
  - Chega disso aqui para você – Coloquei na mesinha de centro e bufou. – Você tá alucinando.
  - Você é muito idiota, Ethan Mason. Muito. Idiota. – Empurrou-me rindo.
  Ela deu um sorrisinho meigo para mim e então sua expressão mudou drasticamente quando a batida da música tocava pelos alto-falantes espalhados pelo apartamento de .
  - Essa é minha música - seus olhos brilharam. Havia um fato interessante sobre Hudson: todas músicas eram “suas músicas”. – Segura meu pirulito. – Ela me entregou o palitinho branco com o pirulito redondo e vermelho. Então se levantou e correu para pista, alcançando .
  A batida da música aumentava, agora ela tinha uma letra e já estava dançando com sua melhor amiga, batendo os cabelos e rodopiando pela pista enquanto gritava a letra da música. fazia a mesma coisa, tão descontrolada quanto a loira.
  Peguei-me admirando dançar e poderia me punir mentalmente por causa disso na mesma hora, mas era impossível não notar. Ela radiava na pista, dançava, rebolava em uma sincronia perfeita. Ela não se importava com os olhares ou nada mais. Seu sorriso brilhava nos lábios mesmo com fios bagunçados de seu cabelo escondendo-o.
  Havia percebido o brilho que ela irradiava quando assisti seu vídeo dançando Pony, o viral. E desde então havia percebido de forma indireta – e direta – o quanto ela se sentia confortável dessa forma. E isso estava estragando meu juízo, já que não demorava muito tempo apenas observando que as outras coisas faziam menos sentido.
  Ver Laurie dançando podia ser até pior pra minha cabeça que ouvi-la cantando. Cara, eu com certeza teria todos os sonhos e pesadelos possíveis com aquela apresentação. Eu sabia que ela era boa, mas não tão boa assim. E isso estava estragando meu juízo, já que não demorava muito tempo apenas observando Laurie que as outras coisas faziam menos sentido.
  Mas nada de bom saía disso, só uma leve frustração, irritação e um chato desconforto entre as pernas. Tentava evitar, mas ela realmente me atraía.
  Continuava observando-a dançar e ela se virou para mim, mesmo na pista e acenou, apontando para mim e mexendo os lábios formando um “only you”, enquanto as cantoras da música repetiam a mesma coisa. Piscou para mim e rodopiou, voltando a dançar despreocupadamente.
  Cara, ela era boa.
  E quando percebi já estava com seu pirulito na boca.

***

  Eu não havia saído do lugar, ainda estava com minhas pernas esticadas e cruzadas na mesinha de centro, tomando alguma outra bebida que me trouxeram e agora fingindo prestar atenção em uma conversa nada interessante.
  Umas músicas depois que saiu, uma simpática jovem se sentou ao meu lado – Jolene era seu nome – e começou a me contar sobre como a música havia influenciado o seu nome.
  Por mais que eu me forçasse para não prestar atenção, meu cérebro já fazia isso por conta própria. Minha cabeça estava tentando entender quando foi o momento que havia me visto um pouco interessado por demais.
  As coisas haviam mudado em mim ou nela depois da formatura? Ela continuava levemente irritante, mas de uma forma até que adorável. E era interessante, podíamos conversar sobre qualquer coisa que ela faria de uma forma a conversa se tornar cômica com seu jeito leve. E mesmo com minha parede de indiferença e pose, ela havia se tornado uma amiga que alegrava meus sombrios dias de um rebelde sem causa.
  Mas a linha entre amiga e interesse poderia ser bem fina quando se tratava de , já que era extremamente atraente e agora que havia me livrado de todas as implicâncias sem fundamento, ela realmente poderia foder minha vida.
  Só que eu tinha alguns princípios, sim, bizarro. Não transava com amigas, isso era regra. E consegui até bastante amigas para levar pra vida, sem nunca ter me interessado por elas desse jeito e por isso não poderia deixar que minha relação com ficasse perigosa demais.
  Então precisava alertar ao meu amigão que era apenas uma amiga e eu teria que ter autocontrole para esquecer dos pensamentos que no final sempre envolviam muitas transas com a usando seu uniforme de líder de torcida e muita frustração por ser apenas pensamento.
  Um dia conseguiria.
  Algo chamou minha atenção quando vi as pernas usando uma calça preta justa e um salto da mesma cor. Respirei fundo e levantei a cabeça, até dar de cara com uma Rachel me olhando furiosamente e com seus braços cruzados.
  - O que você quer? – bufei.
  - Quero conversar.
  Sorri.
  - Ótimo – levantei. – Rachel, essa é Jolene. Jolene, essa é a Rachel. – apresentei minha nova amiga desinteressante para Rachel e vice versa, me sentando logo em seguida. – Bom papo vocês duas.
  Mas não seria tão fácil.
  - Lá fora. Agora – Rachel ameaçou, me segurando pelo braço e levantando a força. Não, ela não era superforte, eu colaborei, porque eu tinha um pouco de medo dela. Principalmente quando ameaçava.
  Saímos para fora do apartamento de , ficando no corredor que estava mais vazio, só com casais se agarrando e ignorando que todos podiam vê-los.
  - Como você pôde, Ethan? – seus olhos lacrimejavam.
  - Esqueci de te ligar? – arrumei uma desculpa. – Perdi seu número? Foi ótimo e poderemos repetir? – debochei e ela ficou roxa de raiva.
  Eu não tinha medo do perigo.
  - Como você pôde fazer amizade com a Hudson? – bufou. – Você sabe que eu a detesto e aquela amiga rabugenta e insuportável dela, as odeio desde sempre. E você também! – bateu os pés – Como você pode ser amigo dela? Eu achei que nossa amizade era... especial... – e uma lágrima solitária escorreu.
  Sim, por incrível que pareça, eu já fui amigo de Rachel. Quando me mudei para Los Angeles e ela era menos agressiva, narcisista, sociopata e perigosa para a humanidade.
  - Rachel, para com isso. Você tá exagerando…
  - Exagerando? – Fingiu um choque seguido por uma ofensa. – Ethan, elas tiraram a Brittany de mim... elas transformaram meu Danny em uma versão vulgar de alguma coisa que aquele tipo gosta. O que você acha que os outros vão pensar? – Botou a mão no peito.
  - Não tô entendendo…
  - Ethan, meu Deus você é burro?! – Epa, peraê – Eu vim com um Danny, não com uma mulher! Eu não sou lésbica, por Deus! Não quero que eles pensem isso de mim…
  - Mas você namora uma... – Franzi o cenho. Parei e repensei, não sabia nem como continuar isso. – Quer saber, esquece.
  - Eu sei que nossa amizade é especial, Ethan. – Pegou em minha mão, ficando bem perto de mim. – E eu sei como você se sente por mim, por isso eu confio que você tomará a decisão certa.
  - Na verdade eu te acho meio irritante e cha... – Rachel me estapeou. Um belo de um tabefe.
  - Mas que porra! – Levei minha mão para o meu rosto que ardia.
  Viu? Rachel era louca.
  - Se você continuar com essa amizade... – engoliu seco. – Será o fim da nossa. – ela olhou fundo em meus olhos. Mais uma lágrima solitária.
  E corta.
  - Ok, tchau? – Preparei-me para a próxima bofetada que nunca veio. Rachel apenas bateu os pés e sussurrou um “oh” em choque, correndo para dentro da casa furiosamente.
  Alisei meu rosto, ainda um pouco chocado com a ousadia de Rachel. De todos os surtos, um tapa foi a pior coisa que fizera. Ela destruiu minha guarda e nem me deu chance de me defender.
  Não demorou nem um minuto para ouvi-la berrando com alguém.
  Ainda meio confuso com tudo isso, percebi Dick se aproximando com uma expressão de medo no rosto, com um pouco de confusão e a expressão normal do Dick.
  - Cara, a Rachel tá bem? – perguntou. – Ela passou por mim chorando, gritou com quem estava cantando e começou a cantar uma música bem triste…
  Franzi o cenho.
  - Eu... – Pensei melhor. - Será que um dia ela já esteve bem?
  Dick deu os ombros.
  - Mas e você, tá bem? Por que seu rosto tá vermelho?
  - A Rachel me estapeou – contei para o rapaz que riu, não, gargalhou.
  - Por quê?
  - Porque eu sou amigo da – dei os ombros. – Loucura, certo?
  Dick deu os ombros.
  - Um tapa é um preço barato para se pagar pela garota que você ama – riu.
  - Quê? Surtou? – Virei para o meu amigo um pouco irritado. – Eu não amo a , não sinto nada por ela.
  - Uhum – desdenhou. – Claro que não, Ethan.
  - É sério! – exaltei-me – Ela é apenas minha amiga, só isso. E eu te digo mais, se um dia eu gostar de mais do que isso você pode me bater... – e Dick me estapeou.
  Levei minha mão até o rosto novamente, bufando de raiva. O que meu rosto havia feito para o universo hoje, caralho?
  - O que há de errado com vocês? – Acariciei minha pele ardente e Dick deu os ombros, rindo de mim.
  - Mas fique tranquilo, cara. Ela sente o mesmo por você. – Deu dois tapinhas no meu ombro. – Ela estava assistindo você mais cedo e parecia que nada mais no mundo importava…
  Engoli seco.
  Dick era mais burro que uma porta – sem ofensas – mas pela primeira vez eu sentia que ele estava sendo extremamente sensato e sabia disso. Ele falava com certeza e mesmo tendo me estapeado sem motivo, eu estava levando o que ele disse em consideração.
  Mas não, não podia ser verdade. Qual é, o Dick é mais burro que uma porta.
  Ethan Mason não estava a fim de Hudson, isso era certeza. Eu controlo meus sentimentos e pode parecer idiota, mas sabia exatamente o que sentia.
  Mas então por que me senti encorajado e confiante só em imaginar a hipótese de sentir o mesmo?
  Cara, eu estava tão fodido.

***

  Se eu tivesse uma máquina que me levasse de volta ao passado só pra ver o meu eu sofrendo por algo que não ia pra frente, eu diria para ele que as coisas melhorariam. Elas sempre melhoram…
  Por isso que eu sorria como um bobo, parado no bar esperando o barman me entregar a bebida que levaria para Hannah. Havíamos dançado juntos a noite toda e as fantasias eram quentes, ou seja, estávamos morrendo.
  Mas tudo isso valia a pena. Ela me fazia sentir tão bem, era tão bom tê-la ao meu lado com seus carinhos e o jeito fofo que só ela tem. O coração puro, nossa, eu gosto de tudo nela.
  Como não agir como um vendido por ela?
  Mas então, tudo mudou. Assim quando o dia tá lindo e do nada vêm as nuvens de chuva estragar tudo e deixando o clima fechado, sem graça e frio.
  - Barman... suas melhores bebidas. Por minha conta. – Markus gargalhava junto com seus chaveirinhos que ele chamava de amigos.
  Tentei ignorar a presença dele, porque eu já estava em um ponto que só merda sairia disso se ele conseguisse me esgotar.
  - Cara... vocês viram aquelas três mais cedo? – Sua risada suja me levava pra um caminho que eu estava evitando. – A loirinha.... gostosa pra caralho.
  Cala a boca Markus, ou eu o farei engolir seus próprios dentes…
  - Muito né, cara? Eu pegaria a latina. Ela é uma vadia quente, deve ser uma fera na cama... – um dos chaveirinhos falou. Nesse momento eu já havia deixado minha bebida no balcão do bar.
  A merda ia ficar feia.
  - Sinceramente, eu pagaria.... – Markus continuou. – Eu pagaria diretamente pra loirinha só pra ser o primeiro a foder aquela bu... – e não terminou.
  Eu já estava segurando-o pela sua fantasia, arrastando-o pelo balcão do bar. Jogando-o no chão em seguida, socando-o sem parar.
  Os amigos dele nem se mexiam, estavam horrorizados demais. Enquanto Markus apenas tentava se defender, mas meus punhos acertavam seu rosto.
  - PORRA, , PARA COM ISSO! – correu para me segurar, mas eu acabei empurrando-o. – VOCÊ VAI SUJAR MEU CARPETE COM SANGUE CARALHO, CHEGA.
  Continuei socando Markus sem qualquer dó, até que e uns caras do time me seguraram, me puxando e libertando o babaca.
  - Meu carpete, cara. – tentou me acalmar, mas eu estava na mais pura raiva.
  - Você tá tão morto – Markus disse em seu tom mais ameaçador, mas estava ensanguentado demais para levar a sério.
  - Engasgue com seus dentes, filho da puta – xinguei, vermelho de raiva e limpando o sangue em minha fantasia.
  O meu amigo me levou pra seu quarto, pegando algum kit de primeiros socorros ou qualquer coisa que pudesse limpar minhas mãos machucadas.
   já estava acostumado com isso, mesmo que não fosse tão legal essas situações. Já briguei por muitas coisas, nem sempre foi pela . Só que ela não sabe disso.
  E todas as vezes estava lá, pra me acalmar e me ajudar a inventar uma desculpa plausível pra arrumar as merdas que eu faço.
  Esse cara sabe coisas de mim que nem , que foi minha primeira melhor amiga de todas, sabe. Ele era pra mim como era pra .
  Deve ser por isso que nós quatro nos encontrávamos na mesma situação.
  - Cara, por quê? – perguntou, enquanto me ajudava a limpar minhas mãos.
  - Cara, ele disse que pagaria a só pra transar com ela – disse sem rodeios e a expressão de também mudou, agora ele compartilhava o mesmo que eu.
  - Mais um no meu currículo. Espero que dessa vez ele aprenda a lição para que eu não tenha que repetir.
  - Mas isso não é o X da questão aqui, você sabe, certo? – Ficou sério.
  - Como assim? - Franzi o cenho.
  - Você precisa... - Respirou fundo e espremeu os olhos, tentando falar algo que não conseguia. Então soltou o ar de uma vez só em uma só frase. - Porfavornãomebatadepoisdissomaseutotentandodizerquevocêprecisaamadurecer.
  - É o quê? - Arregalei os olhos. Ele suspirou outra vez e soltou.
  - Amadurecer, . Nada justifica esses surtos. Socos e chutes em outros caras que falam dela não é o jeito mais nobre de defender a dama indefesa. Primeiro, porque ela não é. E segundo, como seu amigo, fico preocupado com você. Foi engraçado nas primeiras vezes, mas sei lá, você é velho demais pra perder a cabeça e consequentemente alguns dentes todas as vezes que fazem algo que te irrita.
  - Mas como eu posso aceitar uma coisa dessas calado, cara? Eu não consigo! Eu tenho que ser o que vai defendê-la. É meu dever.
   revirou os olhos.
  - Não viaja, . A é como uma irmã pra mim e nunca precisei surrar ninguém pra proteger ela desses caras babacas e muito menos pra defendê-la, porque não é assim que funcionam as coisas! Isso é atitude de homem das cavernas, irmãozinho. E não, não precisa ficar calado, só não precisa surrar o cara. – Deu os ombros. – Tente usar palavras. Até porque, a mesma resolveria essa situação do jeito dela, fazendo-o se envergonhar e nem precisaria sujar as mãos.
  - Eu sei, mas…
  Ele nem deixou continuar.
  - E você tá com a Hannah agora, . Imagina como ela vai se sentir quando souber disso? Você mesmo já me disse que ela odeia isso, odeia essas brigas e se isso faz mal pra ela, você deveria pensar muito antes de fazer. Ou você perde ela também.
  A ficha caiu. Não havia pensado em Hannah no momento que fiz isso e com certeza dói demais pensar que teria a machucado se Markus tivesse descido a porrada em mim.
  - Cara, eu sou muito burro... – Levei as mãos ao rosto, tentando me esconder da minha vergonha.
  - Relaxa, você vai conseguir resolver isso. Só pensa, ok? Pensa bem.
  Meu amigo estava certo e eu seguiria seu conselho. Amadureceria, não só por Hannah ou , mas por mim. Estava na hora de me tornar um adulto, chega de atitudes infantis.
  - Não custa tentar, né? - sorriu de novo e nós demos um high five. - Vamos lá, Oliver Queen.
  Ele abriu a porta com cortesia.
  - Depois de você Tony Stark.
  Respirei fundo. Eu precisava de uma cerveja.

***

  Havia me perdido das minhas amigas mais uma vez. Que saco, dê asas pra elas que voam sozinhas.
  Pior pra mim, que tenho que ficar procurando-as pelo apartamento feito uma louca.
  Só que deixei a busca de lado assim que vi Ethan saindo do bar com alguma coisa em suas mãos. Ele me viu, então caminhou em minha direção. Prendi o ar e senti o clima ficar mais abafado, mas tentei manter o autocontrole.
  - Perdida? – brincou. Maldito sotaque, me fode toda vez.
  - Acredita? Minhas amigas precisam de GPS. – E ele riu da minha piada. – O que é isso em sua mão? – Apontei e ele tirou uma garrafinha d’água.
  - Só água.
  - Você bebe isso lá de onde você veio? – Franzi o cenho. – Nossa, vocês são um povo avançado mesmo…
  Riu de novo.
  Meus olhos me traíram quando Ethan se movimentou para abrir a garrafa d’água e bebê-la. Meus olhos seguiram o seu corpo e como seus braços ficavam gostosos naquela fantasia. Até a forma que ele bebia água me deixava excitada. Que inferno.
  - Quer um pouco? – Ofereceu a garrafa e eu não senti nenhum duplo sentido em sua voz, mas assenti sem voz para responder.
  Tomei um gole longo da água gelada, esperando que ela refrescasse todo o meu corpo e mente, mas falhei miseravelmente.
  - Faltou a maquiagem – disse aleatoriamente.
  - Como?
  - Sua fantasia. Faltou a maquiagem do Freddy – ri e ele deu os ombros.
  - Cheguei a tentar fazer, mas coça muito. Desisti.
  - Mas ficou muito boa.
  Ethan sorriu.
  - A sua também – e eu mordi meu lábio inferior. –, tá graciosa.
  - Inventou essa palavra é? – brinquei.
  - Sou quase um dicionário – e rimos.
  Meu celular apitou e tirou o clima por um minuto. Peguei ele e revirei os olhos com a mensagem de . Inferno, ela não precisa estar de corpo presente pra quebrar o meu clima.
  : Estamos no banheiro, precisamos de ajuda. Vem rápido, ratinha!!!!!!
  - Compromisso? – Ethan apontou para meu celular e dei os ombros.
  - É, parece que minhas amigas não sabem se limpar sozinhas.

***

  - O que tá acontecendo aqui, inferno? – Entrei no banheiro trancando a porta atrás de mim, como mandou.
  - A Ana bebeu demais... tá passando mal – apontou pra garota jogada no chão, choramingando enquanto ao mesmo tempo ria de alguma coisa.
  - Qual é o problema de vocês? Eu estava tendo a porra de um momento gostoso com o gostoso do Ethan até vocês foderem tudo! – Pisei forte no chão e dei mau jeito, levando um tombo.
  Todas riram, menos eu. Eu estava emburrada.
  - Você prefere dar bola pra um homem que pra uma irmã? – Sabrina fingiu uma ofensa. – Cadê sua sororidade, mulher?
  - Quer apanhar, Sabrina? Só pede que eu te bato.
  Mas ela riu da minha cara.
  - Tá sem credibilidade hein, ratinha.
  Dei a língua.
  - Sério Ana, levanta daí. Para de ser exagerada. – Morgana foi puxar a amiga, mas Ana acabou fazendo mais força e a outra foi pro chão.
  Dessa vez eu ri também.
  - Que auge. Nossa primeira festa grande e vamos terminar todas no banheiro chique do – Sandra resmungou e eu ri.
  - Amiga, pelo menos você não terminaram no chão todas vomitadas. – Apontei pra e ela riu.
  - Esse foi o fim da nossa dignidade.
  - Nunca mais – e rimos.
  - Eu tô bem, ok? – Ana tentou levantar, mas as pernas falharam e ela voltou pro chão. Se sentou e ficou lá, fingindo que quase não caiu de boca no piso.
  - Podemos curtir a festa daqui. – Britt deu os ombros. – Dá pra ouvir a música, pelo menos.
  E ela estava certa. Os alto-falantes caros de davam um bom resultado, mesmo no banheiro dava pra curtir um pouco da festa e ouvir as músicas que tocavam, não na melhor qualidade, mas dava pro gasto.
  Percebemos que a música que tocava estava sendo nosso vício ultimamente. Ouvíamos pra limpar a casa, pra passar o tempo, ou pra qualquer situação porque adorávamos.
  Nos entreolhamos e todas nos levantamos, até Ana com a ajuda de Brittany.
  - 3, 2, 1…
  E começamos.

I started from the bottom and now I'm rich
I got in my bag and I ain't looked back since
  Gritávamos a letra da música enquanto arriscávamos nossos passos de dança, rebolando até o chão e dando nossos melhores twerks ao som da música.
  Cantávamos umas para as outras, gesticulando a cada letra e sentindo as rappers mais fodas do mundo.

I started to say sorry, but fuck that shit
  Batíamos nossos cabelos e nos segurávamos para não ir direto pro chão. Mas a vibe estava uma delícia com o ritmo da música em nossas cabeças e a letra flutuando para fora das nossas bocas.

You started out hatin’, now you love my drip
  Continuaríamos nisso, ainda rebolando e fazendo nossa própria baladinha particular, mas fomos interrompidas com os socos na porta do banheiro, nos assustando e chamando nossa atenção.
  - DÁ PRA SAIR, PORRA? TEM GENTE QUERENDO USAR? – A voz do homem não era reconhecível, mas ele parecia muito puto e apressado pra usar.
  Nós rimos. Temos pena de homem não, eu hein.
  - É UM APARTAMENTO DE GENTE RICA, TEM MAIS DE UM BANHEIRO. SE VIRA, CABRÓN berrou na mesma altura, dando dois tapas na porta pra ver se ele caía fora.
  Nos entreolhamos.
  - Onde paramos?

***
  A festa continuava e todas as meninas estavam espalhadas por um lugar. A Ana já estava melhor e não queria sair da pista de dança de jeito nenhum.
  Percebi que não havia mais visto desde aquela hora, mas já havia chegado ao meu ouvido que ele e Markus haviam se desentendido – lê-se Markus levou uma surra. Queria vê-lo para saber o que aconteceu.
  Estava cansada dessas brigas. Um dia foi legal ter como um defensor que tá sempre cuidando das minhas costas, mas acho que chegou o momento de pormos um fim nisso de uma vez, né?
  O encontrei sentado no bar, com a cara afundada no balcão e vários copinhos ao seu redor.
  Sentei no banquinho ao lado, tocando seus ombros e chamando sua atenção.
  - Tá tudo bem? – perguntei em um tom cauteloso. O moreno levantou o rosto do balcão e passou as mãos pelo rosto, respirando fundo em seguida.
  - Eu fodi tudo com a Hannah, de vez agora – disse tristonho e aquilo partiu meu coração. Ele estava sendo honesto acima de tudo, mesmo sabendo que eu era uma péssima pessoa para tocar nesse assunto. – Ela não quer mais saber de mim porque acha que eu surrei o babaca do Markus porque eu te amo ou alguma coisa do tipo – bufou e afundou o rosto em suas mãos.
  Viu? Essa honestidade só conseguiria arrancar de um bêbado.
  Respirei fundo e segurei delicadamente em sua mão. Ele me fitou fundo e pude sentir que ele estava sofrendo com isso. Engoli todo o orgulho e vaidade pelo bem maior.
  - Ok. , você tá gostando da Hannah? De verdade? – perguntei seriamente e ele assentiu honestamente. – O quanto?
  O moreno respirou fundo para pensar e então deu um sorrisinho triste.
  - Tanto quanto eu gosto do meu travesseiro autografado pelo Robert Downey Jr.
  - Uau, é muito. – Ele assentiu e choramingou.
  Cocei minhas têmporas e voltei para minha posição séria de amiga que aconselha o ex-namorado como conquistar outra garota.
  - Ok, presta atenção. – Levantei sua cabeça e ele me encarou sério. – Você vai chamar um Uber e vai levar a Hannah para a casa, entendeu? – assentiu. – No caminho você vai se explicar e dizer que é um babaca, pedir desculpas umas mil vezes. Conte, é importante – assentiu de novo. – Quando chegar na porta da casa dela, você vai dizer que tá apaixonado por ela e que gosta dela de verdade, pode até falar sobre o travesseiro, é fofo, ela vai gostar – sorriu. – E então se ela pedir alguma prova, ou dê qualquer abertura para que se aproxime, você vai a beijar como nunca beijou ninguém antes. Basicamente como você beijava seu pôster da Scarlett Johansson e então a partir daí você vai saber o que vai fazer – sorri e ele respirou fundo, assentindo um pouco confuso. – E se ela não disser nada você vai pra casa, dorme e procure no Google como resolver essa situação.
  - Por que você tá me ajudando? – perguntou confuso. – E como você sabe que vai dar certo?
  Rolei os olhos.
  - Primeiro, eu sou ótima, adoro ajudar os necessitados e odeio ver gente chorando então, como uma santa, eu sempre estou disposta a ajudar – sorri. – E segundo, vai funcionar porque ela gosta de você, o quanto mais bobão apaixonado você parecer, mais você consegue conquistar a garota.
   abriu um sorriso enorme e me abraçou, um abraço de urso extremamente carinhoso e gostoso. E eu senti algo tão diferente do que eu estava acostumada a sentir. Eu me sentia bem de verdade, comigo e com toda a situação.
  Passei muito tempo monopolizando e o fazendo sofrer que quase perdi meu melhor amigo, que permanecia aí dentro e que estava voltando para a luz. E para vê-lo feliz, tudo valeria a pena.
  - Muito, muito, muito obrigado mesmo – disse, ainda me abraçando. – Não sei como vou recompensar... – se afastou, sorrindo para mim.
  - Você vai receber a lista no seu e-mail – disse formalmente e ele assentiu, porque sabia que eu estava falando sério. – E por favor, não magoe ela. Não quero ter que consolá-la, não gosto dela tanto assim.
   assentiu e me abraçou novamente, me soltando em seguida e correndo atrás de Hannah, já conseguindo convencê-la a ir no mesmo Uber que ele, era um progresso... estava orgulhosa.
  Cruzei os braços e observei essa cena sorrindo, de verdade. Não me sentia irritada ou enciumada, eu me sentia feliz por vê-lo feliz e isso, meus amigos, era maturidade.
  - Nunca achei que viveria para ver essa cena. – veio para meu lado e eu o abracei de lado. Ele retribuiu meu carinho, como sempre fazia, como um irmão mais velho.
  - Eu nunca achei que viveria para fazer isso acontecer. – O encarei e rimos.
  - Vamos, vou te pagar uma bebida – sorriu. – Para a maturidade e a evolução. Quem sabe agora você pode parar de se vestir como a e sim como a garotinha que você é.
  - Nem pensar.
  - Merda.

***

  A noite estava seguindo melhor do que eu esperava... As meninas estavam se divertindo e juro que vi algumas delas ficando com alguns carinhas gatos. E Britt havia deixado Rachel de lado pra se divertir com suas amigas.
   estava sendo um ótimo anfitrião e sumiu algumas vezes com a pela festa. Não perguntei, mas bom, deve estar se divertindo. saiu com a Hannah e se Deus é justo, eles já fizeram as pazes.
  E o Wallace? Eu não vejo ele faz um bom tempo também, ué. Onde ele estava? Eu estava sentindo falta de alguém também, outra pessoa, mas eu não conseguia lembrar quem…
  Nossa, o álcool estava me deixando louca. Chega por hoje, .
  Dei uma volta pela festa, procurando algo pra comer porque a fome bateu e acredito que ninguém lembrou de comprar comida nessa festa... Mereço.
  Meu caminho cruzou com a única pessoa que eu não queria ter esbarrado e junto com isso veio um banho de alguma bebida na minha fantasia. E obviamente fiquei extremamente puta.
  - Que merda? Qual é o seu problema? – explodi pro desconhecido, até que me toquei que a fantasia de Indiana Jones era familiar... Engoli seco.
  - Senhorita Hudson? Me desculpe! Deixe-me ajudá-la. – O homem enfiou a mão em mim, tentando me secar com um pano e eu tirei sua mão de perto.
  - Não precisa, eu tô bem…
  Mas o homem não se convenceu.
  - A senhorita não me parece bem... acho que está bêbada, a festa acabou para você. – Segurou em meu braço de uma forma nada gentil. – Vou te levar para casa, me acompanhe.
  Mas foi interrompido por uma furiosa que me arrancou de perto dele. Junto dela vinha um e acho que pela primeira vez que pude me lembrar, ele estava realmente puto.
  - O que tá rolando aqui? – ele perguntou e seu tom não era tão simpático e contido como sempre.
  - Eu derrubei minha bebida na senhorita Hudson e ela pediu para eu acompanhá-la... Só isso rapaz, não precisa se exaltar…
  Não consegui nem abrir a boca para rebater aquela mentira. Mas meus amigos captam apenas no meu olhar.
  - Vem cariño, vou te ajudar lá na suíte. – me segurou carinhosamente e eu assenti.
  - Senhor... Johnson? – perguntou e o outro assentiu. – Deixe que eu o levo até a saída. Acho que já está tarde, né? – O homem fitava meu amigo com uma fúria nos olhos, mas não rebateu, apenas concordou.
  Os dois saíram e me levou até a suíte de . Deixou-me sentada em sua cama e me encarava, tentando ter certeza que eu estava bem, que ele não havia feito nada grave comigo.
  - Eu tô bem... – Eu ri. – Ele só destruiu a minha fantasia. – Dei os ombros.
  - Maldito filho da puta. Eu passei horas fazendo isso... – bufou. – Se eu pegar ele em minha frente essa noite…
  Eu ria alto. me fitava irritada porque ela falava sério e mesmo assim, eu estava rindo de sua cara.
  Mas a risada parou assim que percebemos que não estávamos sozinhas. Ethan saía do banheiro de com uma expressão impagável de uma confusão no rosto.
   me olhou, depois olhou para o rapaz. Olhou para mim de novo e abriu um sorriso.
  - Cariño, vou estar lá fora... qualquer coisa me chama. – Sorriu e moveu os lábios dizendo um “mama ele” sem som. A baixaria, meu pai.
  Assim que ficamos a sós, eu me levantei e fui até a porta. Ethan veio atrás, mas eu mesma não queria abrir a porta e tampouco ele.
  Não demorou muito pro clima naquele quarto ficar abafado e um lugar pequeno demais para nós dois, mas ninguém estava querendo fugir não, muito pelo contrário.
  Encostei na parede ao lado da porta do quarto e Ethan veio devagar até minha frente. Ele encostou a cabeça ao lado da minha, mas ficando de lado para mim, assim podendo ter uma visão de mim em perfil.
  Eu queria esquecer o que havia acabado de acontecer. Nada aquilo seria importante e muito menos atrapalharia aquele momento que eu estava ansiando sem coragem de falar em voz alta. Nada atrapalharia, eu não deixaria.
  - Ei – Ethan chamou e eu virei para ele, de cenho franzido.
  - O quê?
  Ethan abriu um sorriso.
  - Eu só queria dar mais uma olhada em você.
  E eu explodi. Minha barriga doía da forma em que eu ria. Meu Deus, a breguice do homem chega ao ponto de recitar um filme que ele odiou e eu o coagi a assistir. Ethan ria junto.
  Voltei para a minha posição e contornei meu nariz com o dedo, imitando a Gaga em seu filme.
  A risada foi diminuindo e o clima foi voltando a ficar gostoso como aquele que queríamos. Era tão instantâneo, como só um minuto a sós e o calor nos preenchia, como se as coisas tivessem tão certas.
  - Você não tá muito bêbada, né? – perguntou baixo e eu só queria sentir seu sotaque entrando pelos meus ouvidos e me causando arrepios.
  Dei os ombros.
  - Não o suficiente para esquecer dessa noite. E você? – Virei para ele e Ethan sorriu.
  - Acho que nunca estive tão sóbrio – Rimos.
  Em um movimento, Ethan já estava de frente para mim e não havia mais espaço que nos separava. Suas mãos estavam cada uma de um lado da parede, isso me fez rir mentalmente por ele realmente achar que eu fugiria daquilo.
  Assim que encostou sua testa na minha o ar acabou, sentia todo o meu corpo queimar e meu coração bater acelerado. Ethan parecia tão ofegante quanto eu, mas não demonstrava. A forma que roçava nossos narizes como se pedisse alguma permissão ou um sinal para ir em frente ou para trás.
  - ... – disse meu nome em seu sotaque e isso me fez suspirar, quase como uma súplica para que ele continuasse com isso.
  - Mais uma vez – pedi.
  Ethan sorriu.
  - – e repetiu, forçando mais o seu sotaque e sua voz grossa em rouquidão. Ele abriu os olhos e encarou os meus, respirei fundo. – Não me deixe foder tudo.
  - Você não vai.
  E finalmente nos beijamos, algo que parecia uma eternidade e como se estivéssemos distantes demais. Mas não estávamos mais, estávamos frente a frente e agora era para valer.
  Não havia nada melhor que beijar Ethan Mason. A forma com que sua língua brincava com a minha e como chupava meu lábio inferior, me fazendo suspirar em sua boca. Seu gosto já era o meu ápice de prazer. Não tinha o gosto amargo de álcool, era algo gostoso e excitante, mas indescritível.
  Minhas mãos já trabalhavam em seus cabelos, puxando-os sem força ou apenas acariciando os fios. Mas não me sentia satisfeita, precisava tocá-lo mais e mais, enquanto Ethan apenas abraçava meu corpo e me pressionava contra a parede para que ficássemos mais colados.
  Tinha tanto desejo naquele beijo, tanta vontade e tentos sentimentos envolvidos. Era como se fosse a primeira vez que nos beijávamos de verdade, mas não era, para nenhum de nós, porque nós tínhamos saudade. Nós sentimos falta do beijo do outro, mesmo que não soubéssemos. Mas naquele momento tudo estava explicado.
  Suas mãos subiram para o meu rosto e ele me segurava, como se não quisesse que eu fugisse, como se não quisesse que aquilo acabasse. E eu o imitei, segurando seu rosto para que permanecêssemos naquele momento para sempre.
  Então Ethan gemeu, um gemido frustrado e se afastou bruscamente, me deixando ofegante e desnorteada.
  - O que foi, garoto? Volta pra cá, inferno.
  Contem quantas vezes eu falei inferno só essa noite, meu pai amado.
  Ethan passava as mãos pelos seus cabelos e parecia estar lutando contra ele mesmo. Eu conseguia entender, afinal, esses sentimentos me deixavam maluca também. Mas eu queria tentar, valia a pena.
  - Tá bom – disse com uma voz manhosa e veio, até ficar em minha frente novamente e com nossas testas coladas. Ethan acariciava a minha bochecha, um toque tão gentil e que ficava mais gostoso a cada vez que fazia.
  Selou nossos lábios várias vezes, com delicadeza e sem pressa. Como se quisesse aproveitar aquele momento, cada detalhe. Roçava nossos narizes e a sua outra mão estava afundada em minha cintura, segurando-me nele.
  Minhas mãos subiram para o seu rosto. Acariciava carinhosamente da mesma forma que ele fazia comigo. Seus olhos estavam fechados e estávamos presos naquele transe, sem dizer nada. Só sentindo nossas respirações se cruzarem e curtindo os toques.
  Ethan permanecia selando nossos lábios enquanto ficávamos nesse carinho gostoso, ignorando tudo que acontecia lá fora e isso era tão gostoso. Parecia que o tempo estava parado e nada mais importava.
  O beijo foi ressurgindo de novo e nossos lábios se movimentavam juntos, liberando todos os sentimentos e paixão presos em nós. O beijo eram as coisas que queríamos dizer só que não conseguíamos botar em palavras.
  Era tudo ficando claro, os sentimentos, os desejos e tudo que permanecíamos escondendo de nós mesmos. Não tinha mais o que fingir ou fugir, não tinha mais nada em nosso caminho. Agora era pra valer.
  O beijo se tornava mais intenso a cada instante e o calor de nossos corpos pegava fogo. O seu gosto novamente em meu paladar e eu o saboreava como se fosse o meu sabor favorito no mundo.
  Minhas mãos tinham vida própria e correram para a sua camiseta. Não demorou muito mais para a peça de roupa estar no chão e agora eu sentir seu torso nu em minha pele.
  A boca de Ethan foi direto pro meu pescoço e o ar saiu todo dos meus pulmões em um quase gemido. Porra, a boca dele era gostosa demais.
  - Não é errado fazer isso aqui? É o quarto do – as palavras saíram e eu me arrependi de tê-las dito, porque Ethan parou de me beijar.
  Suas mãos seguram o meu rosto e acariciava minha pele. Seus olhos tinham um olhar tão... apaixonado.
  Ele riu então.
  - É verdade, melhor pararmos então – e selou nossos lábios. – E vão sentir nossa falta logo, então... – Mas continuou selando e logo fomos nos entregando novamente.
  Era difícil lutar. E se não consegue vencê-lo, junte-se a ele.
  - Quer saber? – disse com minha boca grudada na sua. – Foda-se o .
  Ethan riu.
  - Fodam-se todos.
  O prédio pode ser destruído em chamas, mas daquele quarto eu não saio até aproveitar cada pedacinho desse Ethan sem camisa que era todinho meu.
  Esse momento era meu, porra.

***

  - Eu quero BLACKPINK! – Abby bateu o pé.
  - Que nada. Twice muito maior e melhor – Ana retrucou.
  - Loucas. Todas sabem que Red Velvet carrega o K-Pop nas costas – Brittany riu.
  - Loona é igual tudo pra mim.
  - Só dá pra escolher uma música logo? – Morgana perguntou impaciente.
  - Se matem aí, eu não vou cantar mesmo. – deu os ombros.
  Revirei os olhos e empurrei elas, indo até o painel pra escolher a música. Claro que o meu gosto musical superava o delas, então essa escolha tinha que ser minha.
  - Só pra deixar registrado, eu vou ser a Nayeon e a Momo – disse enquanto terminava de escolher a música.
  - Ei, por que você vai ser duas? – Sandra emburrou, cruzando os braços. Ela queria ser o centro das atenções, é isso mesmo?
  - Porque não temos nove meninas – franzi o cenho – e bom, eu sou bonita – sorri.
  - Quero ser duas também. – Emburrou mais ainda e eu dei os ombros.
  - Faz o que tu quiser, mulher, só escolhe logo porque eu quero cantar! – Abby chamou a atenção.
  Escolhi a música e entreguei os microfones pras meninas. apenas nos encarou e deu um sorrisinho.
  - Boa sorte... eu estarei aqui pra rir de vocês mais tarde. – Piscou e foi pro sofá.
  Subimos todas no palco improvisado e nos posicionamos. Claro que faríamos a coreografia, qual era graça de performar sem pelo menos dar uns passos da coreografia?
   tirou o celular para gravar, garantindo que isso ficaria para a posterioridade. estava com um sorriso incentivador nos lábios. Wallace dormindo e Dick não estava entendendo nada.
  Ethan estava junto com , esperando o melhor momento pra rir do mico que passaríamos.
  Eu faria Nayeon e Momo, Abby faria Tzuyu, Britt faria Sana, Morgana Jeongyeon, Ana faria Mina, Sabrina faria Dahyun e Sandra faria Jihyo e Chaeyoung. Com isso seríamos as próprias Twice e performaríamos um hit que quebrou as barreiras do kpop e seria pra sempre o pilar do que o talento proporciona.
  Pode entrar Cheer Up.
  E assim que começou, nós soltamos nossas kpopeiras de dentro de nós e demos o nosso show, imitando a coreografia que a gente conhecia e treinava. E cantando no nosso próprio idioma.
  Porque, claro, coreano não era nosso forte. Nem inglês era o nosso forte, mas com certeza o coreano misturado com o inglês e bebedês não sairia bem.
  Mas estávamos arrasando. Quer dizer, depende pra quem você perguntar.
  E então chegou o refrão, o momento que podemos nos soltar de vez e dar tudo que a plateia – lê-se nossos amigos e uns bêbados jogados – quer. Um show, o show.

Cheer up baby, Cheer up baby
Jom deo himeul lae
Yeojaga swipge mameul jumyeon andwae
Geuraeya niga nal deo johahage doelgeol
  As meninas davam seus shows, cantando a música e batendo seus cabelos. Dançando e mandando beijos pra plateia que não existia.
  Lá estávamos nós, um bando de bêbadas loucas cantando a música com toda a força de nossos pulmões. Errando o coreano, errando o inglês, errando a coreografia e passando o maior mico. Sendo gravadas enquanto nossos próprios amigos tiravam sarro.
  No meio de tudo isso a Sandra podia ser uma nova Beyoncé de tanto show que dava. Morgana era a única delas com qualquer habilidade vocal e Sabrina bateria na própria irmã para ser o main visual do nosso grupo. O que era perda de tempo, pois todo mundo sabe que essa era eu.
  Meu amor, eu sou a main visual, a main vocalist, main dancer, a líder e que fica no centro. E claro, a face do grupo.
  É... nunca seríamos um grupo de kpop na vida.

Taeyeonhage yeongihallae amureochi anke
Naega neol johahaneun mam moreuge
Just get it together
And then baby Cheer up
  Nossa plateia nos encarava com a cara de pânico mais real possível. tentava até parecer entretido, mas estava com medo. e Ethan riam como duas hienas loucas e toda vez que eu virava pra eles pra repreender, o idiota dava os dois positivos como se estivesse achando tudo maravilhoso e não hilário. Eu o odiava.
  Mas quem liga? Estávamos nos divertindo, como nunca. Dando um show sem se importar quem estava assistindo. Sem vergonha, sem medo, sem nada. A melhor festa!
  Com certeza essa festa ficaria nas nossas memórias pra sempre, uma noite que jamais esqueceríamos e toda vez que lembrássemos traria todas as boas sensações daquela noite. Uma noite especial.
  E olha que era só o começo dela ainda... ainda tinha tanta coisa pra acontecer…

PARTE 2

Especial Terronebroso de Dia das Bruxas por e

  - Ei Jim, adorei a fantasia. - Fiz um toquinho com o lateral do time de Hóquei. Ele estava vestido de palhaço.
  A maquiagem na cara dele mostrava um sorriso ao contrário, mas ele pareceu ainda mais triste quando falou:
  - Obrigado cara. Combina com a minha vida amorosa no momento.
  Puxei o ar com pena.
  - Sinto muito.
  Infelizmente Jim era uma vítima nova de traição. Ele conheceu Carrie, sua ex, que também reside na minha turma, quando ainda estava no colegial. Dizem os ventos que eles perderam a virgindade juntos até que de uns tempos pra cá ele começou a ficar desconfiado da amizade super íntima dela com o próprio primo, Jeb. Jim achou que estava louco no início, até pegar os dois no flagra dentro do carro do primo no estacionamento.
  Carrie surtou quando o namorado apareceu e Jim não sabia se chorava ou ria, pedindo que ela tocasse o berrante pra encontrar com ele da próxima vez, já que os chifres estavam tão pesados que ele nem aguentava mais.
  A parte do amante ser primo dela me deixou aflito no início, aí eu entendi suas rotas e tudo ficou claro.
  Sweet home Alabama, baby.

***

  A festa ainda rolava e o pessoal largou o karaokê por um segundo. colocou Phantom of the Opera pra tocar na caixa de som e colocou uma meia roxa na frente do único holofote rodopiante que tinhamos no teto da sala, ao lado do globo. O clima ficou mais sombrio e o pessoal uivou quando Wallace e mais alguns caras da Lambda chegaram com outro combo de bebidas.
  Passei entre os convidados dando oi para cada um deles. Meu apartamento era grande, mas logo a superlotação viria. Lembro de ter convidado pelo menos dez pessoas e pedi para que elas trouxessem o resto, então fazia sentido essa quantidade. Só não me deixava feliz ter que esvaziar o meu quarto de adolescentes quase adultos que faziam questão de começarem suas preliminares na minha cama.
  Primeira tarefa da manhã seria queimar meu lençol.
  Às 2:00h já tinha desistido de tirar o pessoal de lá. Afinal, eu não usaria aquela cama de qualquer forma, isso já estava mais que claro com incrivelmente bêbada se escondendo no armário da cozinha no meio da sua brincadeira de pique-esconde com Dick, então que os outros se divirtam por mim.

***

  Virei um shot de bebida que estava guardado dentro de uma seringa de brinquedo e fui até o lado de Brittany, que estava deitada com os pés no topo do sofá e a cabeça no piso de madeira. Imitei sua postura.
  - O que está fazendo? - perguntei sentindo em um segundo a comida querendo voltar. Não aguentei e me sentei ao seu lado.
  - Pensando.
  - Dessa forma o sangue vai todo pra cabeça e ficamos mais inteligentes! - Ouvi uma voz gritar do outro lado do sofá e percebi que Wallace estava fazendo o mesmo.
  - Vocês precisam ficar inteligentes agora mesmo, no meio da festa?
  - Sim - Wallace respondeu.
  - Desse jeito vamos ter consciência de não beber muito, porque seremos inteligentes, gente inteligente não bebe - Britt completou.
  Balancei a cabeça pensando sobre isso.
  - Tenho algumas ressalvas sobre isso.
  - Você não entende isso porque ainda não está bêbado, playboy.
  - Ok - concordei. - Quanto tempo vocês ainda aguentam?
  - Estou assim faz cinco minutos - Wall informou.
  - Eu dormi três vezes no processo, posso estar prestes a inventar um novo aplicativo ou achar uma maneira de tirar uma foto melhor do buraco negro. Não faço ideia de onde minha mente está - Britt discursou, seus olhos fechando aos poucos.
  - Só precisamos de mais dois minutos e então teremos a cura pra raiva na palma das minhas mões... mões...? Ou mãos.... ??? Você está aí??? Tô perdendo a visão.
  - Parei de sentir minhas pernas desde que chegou aqui.
  - Mais cinco minutos loirinha! - Wall fazia força pra continuar.
  - Quase lá irmão, quase lá, vamos conseguir! - Britt o apoiou.
  - Tenho quase certeza de que a vacina pra raiva já foi inventada faz algum tempo Wallace. - Botei a mão sobre o queixo pensando melhor nisso.
  - O QUÊ? - gritou.
  - TÁ COM VOCÊS! - passou correndo entre nós como um furacão, encostou na perna de Wallace que caiu para o lado e levou Britt para o chão junto com ele.
  - Ai! Maledita! - a loira reclamou caindo no sono em seguida.
  Dick chegou pulando por cima dos corpos de Britt e Wall. Encostou no garoto ao chão rapidamente e saiu pulando como uma gazela, feliz como pinto no lixo, a mesma forma que passou segundos atrás.
  - TÁ COMIGO, TÁ COMIGO, EU PEGO!!!
  E assim passaram as crianças correndo pela casa toda por 40 longos minutos.

***

  A música do momento era Ghostbusters. Eu sei, quase ninguém conhece esta música. Jim fazia passinhos no meio da pista junto com Carrie e Jeb. Sorri e acenei.
  Apenas.
  Logo em seguida os três começaram a se beijar e virei a cara levemente assustado. Quem seria eu pra julgar a não-monogamia? Vai com tudo Jim, seja feliz!

***

  Eram duas e meia da manhã quando estranhei o sumiço de e fui atrás dela, procurando em todos os cômodos. Até mesmo nos armários da cozinha, já que estava brincando de esconder mais cedo junto com os meus amigos extremamente maduros.
  Franzi o cenho quando notei que a porta do meu quarto estava trancada. Suspirei alto e peguei a chave reserva no meu bolso, já tendo em mente que isso aconteceria. Só não esperava que fosse essa a visão que eu teria.
  - QUE ISSO, MEU DEUS, QUE NOJO, GROSSEIRO, RUDE, FEIO, EW. - Tampei meu rosto com o braço e sons azedos continuaram saindo da minha boca.
   ficou vermelha em um segundo e jogou um travesseiro contra mim. Isso era horrível. Sabe quando você tem traumas por pegar seus pais na cama? É tipo isso que eu estava passando agora.
  - Fecha ou entra logo mané - Ethan riu do lado da garota.
  - Ethan! - ela ralhou com a voz estridente batendo nele dessa vez.
  - Fiquem a vontade!
  Fechei a porta outra vez e os tranquei lá dentro.
  - E aí cara, o que tá rolando? Você tá branco, viu algum fantasma? - Dick apareceu do meu lado.
  - Me lembra de queimar os lençois amanhã de manhã - pedi com dor.
  Risadas saíram altas de dentro do quarto e me afastei levando Dick pelo braço comigo.
  - Na verdade, estou pensando em refazer toda a decoração, mudar tudo desde a estrutura. A sala será meu novo quarto e o quarto será... um depósito.

***

  Ao chegar na sala vi , Britt e rebolando eroticamente ao som de Tubular Bells, o mundialmente conhecido tema da menina do Exorcista. Virei a cabeça como um cachorro tentando entender aquilo, mas acabei só suspirando e passando reto. Coisas estranhas acontecem na noite de Halloween.

***

  - Sabe , aquela ideia sua de ir pra fora do país é rídícula, joga no lixo, ninguém quer - Wallace surgiu interrompendo minha dança com e eu não sabia se o matava pela interrupção ou o matava por abrir a boca.
  Graças ao bom Deus, não ouviu nada. Me trocou rapidamente por outro garoto que estava passando na nossa frente, na verdade. Ouch.
  Levei meu melhor amigo rapidamente até o sofá e abaixei minha voz pra que somente ele ouvisse, apesar de que seria difícil com o som alto tocando Zombie.
  Wall soltou seu bolinho em formato de cérebro no meu sofá branco e meu coração apertou. Agora estava manchado de vermelho e suspirei pela milésima vez aquela noite.
  - Não tenho certeza ainda se vou pra Ásia, Wallace. Estou pensando melhor nisso. E por favor, pare de espalhar, que ainda só você sabe.
  - Ásia? Você é estúpido, ? Você tinha falado Japão e agora tá falando em Ásia. Só mostra o quanto ainda não tá certo sobre isso e é uma burrada.
  Revirei os olhos.
  - É você tá certo. - Dei por vencido. Já tentou discutir com bêbado? É perder ou perder. - Só não esquece: não fale sobre isso pra ninguém. Ninguém mais…
  Completou com a voz esganiçada:
  - Ninguém mais sabe blá blá blá só você porque é meu melhor amigo mas a realidade é que estou com medo de apanhar de blá blá. - Sorriu. - Okay. Ah, ela estava me enchendo pra ir no Drive In mais tarde. Não esquece.

***

  3:14 da manhã notei um amontoado na cozinha e percebi que estavam fazendo uma pequena disputa de pegar maçãs dentro da minha pia cheia de água.
  Pra ser sincero, a decoração na cozinha estava nota 10. Teias de aranha espalhadas em todos os cantos, caveiras que acendiam os olhos vermelhos presas no teto e abóboras com velas dentro em cima da mesa.
  - VAI, VAI, VAI, VAI! - a multidão gritava pra garota enfiar a cabeça na água e percebi que já a conhecia. Tive alguns encontros com Érica há alguns anos. Terminamos bem. Não foi nada importante. Ela não estudava na Hearst, então era uma surpresa vê-la ali.
  Mas ei, eu não conhecia pelo menos 10% dessa festa, apenas fingia que conhecia.
  Seus olhos caíram em cima da minha presença e seu sorriso se alargou. Ela sempre foi uma criaturinha animada demais.
  - Oi ! - Acenou em um movimento insistente.
  - Oi! - Sorri de volta pra ela.
  Érica tomou coragem e respirou fundo, mergulhando a cabeça contra as maçãs.
  O pessoal em volta estava animado e começou uma contagem progressiva, o que não entendi muito bem, o objetivo não era retirar as maçãs?
   apareceu me tirando dos meus pensamentos e cocei a nuca pra sua presença. Não sou um cara envergonhado, longe de mim, apenas uma pessoinha conseguia fazer com que eu ficasse em constante timidez e era por puro prazer e risadas dela, mas essa situação aqui era diferente.
  - Oi , posso falar com você? - começou com a voz fina. Assenti. - Olha, eu só espero que saiba que não rolou nada demais entre eu e Ethan e…
  Levantei um dedo pra sua boca.
  - , o que você faz ou não faz na cama não é assunto meu. Eu não vou contar pro seu pai e sinceramente, foi assustador. É como pegar minha irmã fazendo algo do tipo e... - Estremeci.
  Ela concordou e nos afastamos lentamente, cada um indo pro seu caminho.
  - DOIS E CINQUENTA E NOVE. TRÊS MINUTOS - o grito do povo me acordou e quando percebi que estavam fazendo a contagem do tempo da Érica na água, corri até ela assustado e retirei sua cabeça da água.
  A doida estava encharcada e sorria abertamente.
  - Você tá bem? - preocupado.
  - Três maçãs! Comi três maçãs! - Deu pulinhos alegres e me abraçou. Dei um sorriso torto e corri para a sala levemente assustado.

***

  Estava sentado em um banco/baú de piratas no meio da sala esperando as meninas arrumarem tudo para o nosso concurso de fantasias. estava expulsando o cara do karaokê enquanto e Wall arrumavam o tapete verde escuro no meio da sala.
  Me coçava agoniado para arrumar tudo aquilo eu mesmo, mas sabia que se começasse não terminaria hoje, então deixei este trabalho com o pessoal.
   tinha ido embora pra lidar com a namorada e Dick tinha ido atrás de um troféu para o campeão do concurso.
  - Boa noite pessoal! - falou no microfone e o pessoal gritou animado de volta. - Bem vindos ao primeiro Halloween no Apartamento Fontaine, não é a House, mas chega perto. Vocês viram aqueles lençois de algodão egípcio no segundo andar? Uau, achei incrível. E a decoração então, branca, simples e chique... - ela iria continuar pela noite toda até que Wallace jogou nela alguns salgadinhos com formato de barata. - Obrigada Wallace!
  Sorriu amarelo.
  - Ei, gostou da minha fantasia, cara? - Richard, um novato da Hearst e também meu aluno de reforço, apareceu ao meu lado.
  - Maneira, Rich! É o Edward Culleen, certo?
  Ele ficou bravo e retirou as presas de plástico, as jogando no chão.
  - Bill Compton de True Blood!
  Senti-me culpado.
  - Ah, sinto muito. É que você sabe, tem muitos vampiros hoje em dia e…
  Ele bufou.
  - Esquece. - Jogou no chão o óculos aviador idêntico ao do cara de Crepúsculo e se foi.
  Dei de ombros.
  - Com vocês, nosso apresentador, Greene!
  Fui recebido por uma horda de aplausos e cresci por alguns segundos, piscando pras meninas de um lado e fazendo toquinhos com os caras do time.
  - Obrigado ! - Ela sorriu. - Wallace, se não for muito incomodo, por favor.
  Ele levantou o polegar rapidamente e em seguida ligou o som. Rock Me Amadeus, como o combinado.
  - Este ano nossa competição está acirrada, pessoal, mais de trinta incríveis fantasias, feitas em casa ou compradas nas lojas mais bombadas de Los Angeles! A criatividade dessa edição em nosso desfile evoluiu de uma forma deslumbrante. Por exemplo, Vicky, vestida de mesa de pique-nique, com a irmã Linddy, a completando como cesta de guloseimas infestada de formigas!
  Aplaudiram as garotas.
  - E Larry, vestido de Jonah Hill Emo em 21 Jump Street! - Ah, aquela com certeza era a minha fantasia favorita. Tudo ficava melhor porque Larry era praticamente uma cópia exata do Jonah Hill. - Nossas queridinhas amigas da Zeta, fantasiadas de Cisne Branco e Negro…
  Apontei para e que prontamente fizeram suas melhores poses, diretamente do balé clássico e como se tivesse vindo da quebrada. Eu ri e prestei atenção na morena.
  Ela estava mesmo parecida com o personagem da Natalie Portman em Black Swan. O vestido preto com pedrinhas que ela mesmo desenhou, a maquiagem que tinha retocado minutos antes junto com a amiga prontas para o desfile e uma coroa prateada ao topo da cabeça, onde prendia os longos e ondulados cabelos. A perna coberta por somente uma meia fina branca me fez querer chorar e me perguntei por que diabos ela tinha que dificultar tanto minha vida.
  Eu, , dois filhos e um cachorro, só isso, eu não pedia muito.
  O dia que eu tivesse aquela garota só pra mim, eu…
  Percebi que fiquei como um idiota encarando por muito tempo quando Wallace jogou mais uma porção de baratas, dessa vez na minha direção. Agradeci.
  - MUITO BEM. Sistema de votação por escrita, estará aqui em cima desta mesinha, poderão votar até as 4 da manhã. - Mostrei a caixinha para entregar o voto. Fiz alguns movimentos mágicos com a mão em direção à Wallace e ele mudou a música outra vez, o mesmo para Britt e a luz da festa agora estava colorida. - ABRACADABRA! Vamos lá.

***

  - e eu ouvimos um fantasma aqui mais cedo, vai por mim, vai dar certo - Dick sussurrou alto e eufórico com o tabuleiro ouija em mãos.
  Estávamos no closet de que, apesar de grande, era próprio para roupas e somente o dono ali dentro. No momento estávamos eu, , o dono, Dick, Wallace, Brittany e Ethan entretidos com nosso novo brinquedinho que roubamos de um garoto chamado Rich.
  Todos estavam um pouquinho alterados pela bebida e eu não tinha certeza se qualquer espírito que morasse no armário de gostaria de falar com a gente nessas condições, poderia ser rude.
  - Pergunta se vamos passar na prova final da Hearst - Britt mandou.
  Todos colocaram pelo menos uma mão no tabuleiro.
  - Pergunta sobre a minha avó - Wall disse animado.
  - Sua avó tá viva - Dick estranhou.
  - Isso não é tipo um telefone? - meu primo retrucou.
  Toda aquela enrolação me fez pensar se eu realmente teria tempo de convencer todos a irem no Drive In comigo mais tarde. Ainda tínhamos muito o que aproveitar da festa.
  - Pergunta se Glee vai sair logo no catálogo da Netflix - pediu um pouco fora da casinha.
   franziu o cenho pra ela.
  - Isso é um equipamento de última geração, só podemos fazer uma pergunta para o submundo, uma pergunta importante. Tem certeza que quer saber sobre Glee na Netflix?
  - Ei, as três primeiras temporadas valem a pena! - ela se defendeu.
  - Será que alguém já morreu nesse apartamento? - Ethan expôs sua dúvida.
  - Impossível - informou. - É novo.
  - Pode ter morrido no momento da construção, nada é impossível, companheiro. - Dick deu uns tapinhas nas costas do amigo.
  - É verdade, tipo aquele filme, a Casa Monstro - o complementou.
  - Ain, só eu morria de medo desse filme? - Wall deu risadinhas medrosas.
  - Seu viadinho - falei pra ele.
  Ele revirou os olhos.
  - Você só não tinha medo porque é toda machona, .
  - Vou te mostrar o machona. - Ia partir pra cima dele e Ethan me empurrou de volta pro meu lugar.
  "Uhhh" o pessoal zoou a briga.
  - Eu não deixava, - Dick ajudou.
  - CHEGA VOCÊS DOIS! - mandou.
  - É, vamos logo que o Dick tá fedendo - reclamou.
  - Ei eu tomei banho sexta.
  "Ew" um coro seguiu.
  - Atenção vou perguntar! - Ethan ordenou e nos posicionamos. - Fantasma do quarto, você é real?
  Que pergunta idiota. Ri mentalmente.
   Uns segundos se passaram e nada acontecia... até que... BOOM.
  A madeira em cima do tabuleiro se mexeu alguns centímetros pro lado e Britt gritou.
  - EU VOU DESMAIAR DE MEDO!
   bufou.
  - Para , sua desgraçada, foi você que eu sei - levei bronca e gargalhei logo em seguida, sendo vaiada por todos.
  - Prende ela logo. - Wallace tentou passar por cima de Ethan pra segurar meus braços e puxou ele pra trás de volta, Wall acabou empurrando Britt sem querer que fez se deitar no chão e Dick se levantou assustado porque sentiu algo na sua perna e acho que foi o meu cabelo.
  - Outra vez, silêncio! - Ethan ordenou bravo. Blá, blá, blá, chegou agora e quer sentar na janela.
  Wallace segurou meus braços pra trás e Dick perguntou dessa vez:
  - Você é real, fantasminha?
  ...nada acontecia…
  Bocejei…
  E pimba. A madeira se mexeu sem que tivéssemos nossas mãos no tabuleiro.
  "AHHHHHHHHHHHHHHHH"
  Uma cambada de adultos dentro de um armário escuro começaram a gritar como bebezinhos desesperados, um atropelando outro, parecia cego em tiroteio, arranquei o cabelo de alguém sem querer pisando na cabeça da pessoa enquanto alguém me empurrava contra a porta que não queria abrir. Certeza que sairía dessa com pelo menos três hematomas.

***

  - Hora de anunciar o vencedor! - se animou no microfone e o pessoal ainda vivo na festa (quem não desmaiou em algum cômodo por estar bêbado ou sumiu com alguma pessoa pra se dar bem) gritou de volta pra ele. - Meu companheiro matemático já fez a contagem da votação e minha assistente trará o resultado.
  Apontou pra mim e me senti a Scarlett Johansson em The Prestige. Sorri largamente como uma assistente de mágico faria no palco e entrei o envelope pra educadamente.
  Eu não tinha lido quem ganhou, provavelmente se eu lesse o resultado colocaria meu nome no envelope de qualquer forma, mas o companheiro matemático também conhecido como Dick foi quem decretou a vitória.
  - Lembre-se, , não vale tanto a pena assim pra dar a vitória okay? - um garoto da Lambda gargalhou olhando pra nós dois no palco e demorou exatos 10 segundos pra eu me tocar que ele estava se referindo a mim. Como se fosse dar o prêmio por me conhecer. Não vale tanto a pena? Haha.
  - Não foi o que seu pai disse - retruquei.
  "Uhhhhh" o pessoal zombou dele.
  - Sai Rich - disse sério apontando pra cozinha.
  - Mas eu só tava zoando - afinou a voz.
  - Sai - insistiu.
  - Mas…
  - Sai.
  O tal Rich saiu chutando o ar e sorri cretina. Privilégios? Se o dono da festa é meu amigo é porque eu mereci.
  - Muito bem, voltando - retornou ao seu bom humor de animador de festas. - QUEREM QUE EU ABRA?
  - SIM! - o coro respondeu.
  - QUEREM QUE EU ABRA? - repetiu e eu poderia chutá-lo. Me lembra o Harry fazendo a palhaçada pra abrir o ovo que conseguiu no Torneio Tribuxo. - QUEREM QUE EU…
  Arranquei a folha de sua mão.
  - Dá isso aqui. - Rasguei o envelope como uma neandertal e minha animação foi destruída ao ler o nome escrito.
  Rachel Olive.
  Votos por pena eram a única explicação. Sério. Tinha um garoto veterano vestido de Freira Grávida dentro do concurso. Como diabos Rachel vestida de Sandy ganharia algo?
   visualizou o resultado e arregalou os olhos pra mim, não sabendo o que fazer. Ele era amigo dela também, mas…
  - E o vencedor é... - abaixei o microfone de - ...LARRY VESTIDO DE JONAH HILL EMO EM 21 JUMP STREET! PARABÉNS LARRY!
  A comemoração foi estupenda. Wallace tinha juntado centenas de pequenos morcegos de brinquedo colocando dentro de uma arma de estourar glitter e misturou os dois jogando na platéia. A música soou alta e o globo de luz voltou a girar.
  Dei os parabéns para Larry sorrindo automática e ainda estava perdido. Deixei Larry recebendo o presente que Dick fez, era uma sacola com salgadinhos, marshmallows e outras coisas que o garoto tinha encontrado escondido na cozinha de .
  Puxei o braço de até uma abóbora com vela dentro e joguei a carta do resultado em cima do fogo.
  - Você não viu nada, Greene.
  Falei observando o papel queimar. Ele engoliu seco.
  - Não vi nada. Sem testemunhas.
  - Muito bem.
  Encontramos uma garrafa de cidra atrás da televisão e aquele objeto seria o início do terceiro round da nossa festa. Fizemos um brinde, eu com a garrafa, ele com a mão em um punho fingindo que segurava algo. Bebi uns goles e dei a cidra em seguida pra ele, que também virou.
   estava uma gracinha, um pouco suado, extremamente cheiroso e a mão era tão grande que cobria o vidro sozinha. Suspirei vendo ele beber e quando terminou, segurei firmemente seu rosto e dei um simples mas intenso selinho.
  Wallace apareceu gritando ao nosso lado comemorando a festa e o segui dançando, deixando o playboy com a cara mais confusa do que antes.

***

  "Não está tarde pra crianças estarem acordadas?" perguntei.
  "Eu sou quase uma mocinha" disse brava, me lembrava o tom de meu pai. "E você me deve por não ter me levado pra pegar doces hoje. Você sempre me leva."
  "Era impossível, foi mal, tampinha" sincero.
  "Tudo bem, fiquei assistindo desenhos esquisitos de Halloween com a mamãe. Mas então você vai me buscar no balé semana que vem?" Dessa vez eu ri. Ela não desistia facilmente.
  "Vou falar com sua mãe. Não prometo nada." Ela comemorou no telefone e nos despedimos.
  Saí do banheiro onde tinha me trancado pra ouvir sua ligação.
  Voltei pra festa e três garotas vestidas de bruxa se apossaram do aparelho do DJ, mixando alguma música em um órgão. Eu estava me sentindo em uma festa do século 17.
  Aproximei-me dos meus amigos que tinham feito uma rodinha de conversa ao redor do ponche vermelho sangue com dedos de plástico dentro da tigela.
  - Finalmente o pessoal tá indo embora - Wallace bocejou. - Mais tarde vamos na casa dos gritos.
  Lembrei que ainda queria dar uma volta até o Drive In pra ver algum filme de terror antigo que estavam passando, e pra isso acontecer teria que dispensar aquele pessoal logo. Wallace estava certo, alguns estavam indo embora, mas mais da metade da festa ainda estava com a adrenalina a mil e eu tinha certeza que só sumiriam no momento em que a bebida acabasse.
  - Tive que trancar todas as portas pra evitar a criação de uma criança dentro da minha casa - disse olhando pro além, perturbado com o tanto de flagras que fiz. - Pude jurar que encontrei uma camisinha usada no meu banheiro. Apenas dei meia volta e fingi que era um rato.
  - Então o pessoal tá se divertindo - Ethan riu fazendo um high five com Dick.
  - Que coisa mais... hétero - criticou.
  - Admita que foi você, - Britt brincou. Mas bem... ficou vermelha.
  - Eu não fiz nada eu... Quer saber, se estão se divertindo por que estão indo embora? - mudou o rumo do assunto.
  - Porque já é quase cinco horas da manhã de uma quinta? A maioria das pessoas já estão mortas mesmo, só querem achar suas camas agora - Rachel, que também estava na roda, falou.
  - Oi gente, tava ouvindo a conversa de vocês e... - chegou animada com o sorriso de orelha a orelha. Até que notou Rachel e sua expressão se tornou puro horror. - Ew, que nojo, é por isso que as pessoas estão indo embora. Até mais.
  E saiu da roda tão rápido quanto entrou.

***

  4:30. Thriller estourava a caixinha de som. Meus amigos mais próximos estavam completamente alterados pela bebida.
   retirou o pano roxo do holofote, ligou contra uma parede e iniciou a coreografia de Thriller.
  Wallace não sabia mais como falar direito.
  Ethan batia palmas pra e dançava como um escocês enquanto tocava gaita no ritmo de Michael Jackson.
   dançava em cima da mesa ao meu lado com Markus em seu encalço.
  - O que ela tá fazendo? - perguntei a Wallace, me referindo a .
  Ele tinha seus olhos apertados, fazendo força pra enxergar alguma coisa.
  - Ela perdeu uma aposta com Ethan. Agora tá agindo como aquela garota de De Repente 30.
  - Hum - murmurei notando Markus atrás de , enfiando sua cara feia no pescoço dela, e logo estaria beijando, se ela não estivesse pulando de acordo com a música. A garota nem parecia notar a presença dele ali e ele parecia um cachorro atrás de um poste.
  Forcei-me a virar a cara e parecia acanhada na música.
  - O que ela tá esperando? O Matt dela? - ri de leve.
  - Sim, vai Ethan, você é o Mark Rufallo aqui. - Wall empurrou o cara, que largou sua gaita no chão e correu ao lado de tentando copiar seus passos. Pareceu mais a dança do robô.
  - está precisando de um Matt? EU POSSO SER O MATT DELA - gritou, pulando da mesa rápido demais, a deixando um pouco tonta e Markus com cara de tacho caindo pelo peso que ficou apenas em seu lado.
  ) não conseguiu dar dois passos, pois escorregou na gaita de Ethan e caiu um tombo feio no chão.
  Assustado, disparei em sua direção e forcei para que suas costas continuassem eretas. Ela bateu a cabeça, poderia ter uma contusão e definitivamente não poderia dormir. E pelo nível de álcool que ela tinha agora no sangue, se deitasse, era tiro e queda.
  A festa tinha parado alguns segundos por causa do tombo dela e Ethan acendeu a luz da sala.
  - Eu tô bem, me deixa - reclamou sem conseguir abrir o olho e me irritei.
  - Tá bem sim, lógico. Vem. - Peguei no colo e o pessoal saiu da frente enquanto eu a levava até o banheiro. Teria que dar um jeito nisso.
  Coloquei ela em cima da pia com cuidado, fechando a porta que abafou quase completamente o som. Um segundo de paz.
  - Eu tô bem , é sério. - Sua voz estava manhosa e não conseguia se segurar em pé.
  - Eu acredito em você - falei segurando seu rosto, olhando em seus olhos. Minha voz agora era tranquila. - Mas preciso checar tudo pra ter certeza.
  Ela suspirou fazendo bico.
  - Tanto faz.
  Em uma vasilha de vidro na pia havia vários pirulitos com desenhos de olho no plástico, abri um e dei pra ela, que abriu um sorriso imediato.
  Seu tutu já estava perdido em algum lugar do apartamento, agora usava apenas uma sainha preta pequena que também era de balé, eu apenas não sabia o nome, o outro eu tinha certeza que era tutu pois minha irmãzinha Lexi já me fez buscar um do outro lado da cidade para seu recital.
  Ri do estado da sua sapatilha branca, agora suja, e desfiz o laço retirando com calma e massageando seu pé em seguida. Notei seu braço arrepiar e sorri sem que ela percebesse. Eu adorava saber que seu corpo sentia o mesmo que eu sentia quando estava com ela.
  Retirei a coroa de seu cabelo e pedi que ela amarrasse tudo outra vez para facilitar minha vistoria. Ela não parecia estar com dor alguma e isso era bom. pegou o objeto de prata e colocou na minha cabeça.
  - Pronto, uma rainha. - Sorriu chupando o pirulito.
  Fingi notar o novo visual no espelho.
  - Realmente, mais fabulosa do que em você.
  Ela fez um som de ofendida e riu. Retirei a coroa e coloquei na pia. Não tinha remédios úteis de verdade na gaveta, então apenas lhe ofereci algo para o estômago, que evitaria cólicas e ressaca no dia seguinte.
  Observei ela tomando água com a pílula.
  - A melhor opção seria vomitar.
  Ela desdenhou.
  - Vomita você.
  - Não fui eu quem caiu da mesa por ter passado dos limites - disse como um mestre cheio de sabedoria.
  - Não tenho limites. E bebo bastante, mas aguento o tranco, cariño. Aquilo ali na sala foi apenas um desvio de rota.
  - Sim, claro - falei com preguiça.
  Procurei alguns lenços umedecidos que tinha por ali e a ajudei a retirar sua maquiagem preta dos olhos que estava borrada.
  - Turn around look at what you see... In her face, the mirror of your dreams - cantarolou baixinho.
  Joguei os lenços usados no lixeiro sem perceber que seguia sua música.
  - Make believe I'm everywhere, given in the light…
  Ela continuou agora animada.
  - Written on the pages - cantei com ela quase gargalhando. - is the answer to a never ending story..... la la la.
  Ela riu, fechando os olhos e mordendo os lábios vermelhos e inchados pelo lenço que passei. Engoli seco tirando um retrato mental daquela cena.
  - Eu simplesmente amo o fato de que você está sempre ocupada mas suas séries estão sempre em dia - comentei acompanhando a leveza no ar.
  Ela deu de ombros, segurando o pirulito para falar.
  - Tenho minhas prioridades, Greene - Sorriu. Passei a limpar suas sapatilhas com lenços e álcool. Por um segundo ela caiu de bunda dentro do buraco da pia onde escorre a água e gargalhou com o susto que levou. Levei um susto igual e a puxei pelo braço, a colocando sentada no mármore outra vez.
  Voltei para as sapatilhas e tinha o olhar vidrado em cada gesto meu. Minha máscara de Arqueiro Verde já tinha sumido faz tempo, junto com o arco e a blusa com o capuz.
  - O que é? - perguntei pro seu olhar curioso.
  - Nada. - Concentrou-se em morder seu pirulito.
   não julgava minha mania de manter tudo limpo. Era ridículo pensar nisso, mas ela sabia que não era porque eu estava achando que ela precisava de um banho ou algo do tipo, era só algo meu, era natural.
  Sabe quando você trabalha o dia todo, está morto de cansado, não trocou a roupa faz mais de dez horas e não tirou os sapatos que estão matando seus pés aos poucos, aí então chega em casa, entra no banheiro, liga o chuveiro em uma temperatura deliciosamente morna e deixa a água varrer pra longe todas as impurezas do seu corpo que coletaram no dia a dia? Era isso que eu sentia quando organizava o espaço onde eu estava. Conseguia ver com clareza quando as coisas estão ajeitadas.
  Terminei de limpar suas sapatilhas e me posicionei para pôr em seus pés outra vez.
  Aquela imagem, eu nos pés de , cuidando dela como um trouxa, a massageando e colocando ela em primeiro lugar na lista de qualquer outra coisa pra fazer? Bom isso era basicamente Greene desde o maldito beijo no ano novo.

***

  Eu o odeio mais que tudo, é isso.
  A gente passa a vida toda construindo uma reputação de durona pra chegar um cara desses e te atropelar igual um caminhão.
  O mais engraçado é que ele é um trouxa, é isso que ele é, porque não faz a menor ideia do quanto me afeta. Ele apenas pensa que sabe, por exemplo minha pele arrepia quando ele me toca, isso ele consegue ver.
  Mas isso não é nada. Nada comparado ao que meu coração sente e o que minha mente pensa.
  Suspirei alto.
  - Fala logo. - Ele riu e terminou de vestir minhas sapatilhas. Cada mão deu um tapinha nas minhas coxas e dei um pulinho sentada.
  - Eu só... sei lá... é um pensamento bem infantil, mas hipoteticamente, se você e eu tipo assim, hipoteticamente, estivéssemos juntos ou algo do tipo, hipoteticamente, acho que você seria hipoteticamente tipo o melhor namorado do mundo.
  Eu nunca mais bebo na minha vida. Eu não estava somente falando besteira como também estava gaguejando na frente do . E ele ficou vermelho. Meu Deus, era o fundo do poço pra nós dois. Tentei consertar.
  - É porque você sabe, tá sendo todo cuidadoso comigo agora. - Fechei minha boca com o pirulito.
  Ele coçou a nuca sorrindo de lado.
  - Quanto maior a musa maior a inspiração.
  Não pesquei. Poderia ter ficado subitamente sóbria, mas minha mente ainda estava fraca.
  - Não entendi o que você falou, meu bem. Minha cabeça não tá boa não, .
  Ele riu sem sentir graça.
  - Você não bebe muito. Por que fez isso hoje? - Quis saber, parecia sincero.
  Respirei profundamente.
  - Acho que estou um pouco nervosa. - Mordi meu lábio. - A prova final. Estudos na Hearst. Trabalho. As Zetas. Família. Você.
  Sorri um pouco constrangida, encontrando seu olhar.
  - Eu? - Suas sobrancelhas levantaram e a voz saiu fraca em meio ao sorriso. - Eu devo ser a pessoa mais simples que você teve que lidar, . Até porque eu aceito qualquer besteira que você joga pra cima de mim, garota.
  - Simples? - chocada. - , você é o mais difícil.
  Gemi escorregando pro buraco da pia outra vez. Todos os machucados dessa noite seriam esquecidos no dia seguinte e eu teria a cara de pau de perguntar pra mim mesma onde consegui tanta marca roxa na minha pele.
  - Estou tentando facilitar. - Aproximou-se, puxando minha cintura pra cima e coloquei meus joelhos em volta de seu quadril, sem apertar. Era quase um abraço.
  - Isso não é facilitar. - Tomei ar.
  - Se a gente namorasse, sabe, hipoteticamente - gaguejou claramente rindo da minha performance há alguns segundos. - Seria algo a menos pra você lidar.
  Mordi um sorriso e dei um soquinho de leve no seu peito.
  - Não acho isso.
  - Por que, hein? Está vendo outra pessoa? - dramatizou completamente puxando o ar, chocado.
  Fiz um som triste demais com a boca e coloquei as costas da minha mão na testa.
  - Eu não queria te contar isso, Luiz Renato.
  Ele fez cara de bravo. Era a interpretação perfeita das novelas mexicanas da abuelita.
  - Eu não acredito nisso. Como pôde, Maria Socorro?
  - Foi tudo tão rápido, Daniel Felipe - gemi em sofrimento.
  - É o Markus não é? - quase saiu do personagem e morri por dentro. De rir. Eu não acredito que ele trouxe Markus pra conversa. Eu sabia que estava recebendo olhares tortos enquanto dançava com o ruivo na mesa, só não sabia que teria coragem de mencionar isso.
  - Como descobriu? Você está me espionando, Jonathan Byers? - Coloquei as mãos na cintura.
  - Ew. - Fez careta. - Estou mais pra Steve, ok? Olha esse topete, não é fácil construí-lo, é como um edifício, pessoas estudam pra chegar perto de ter esse cabelo.
  Colei meus lábios. Ele estava certo. O topete de era um monumento playboylistico incrível. E ele já tinha me contado passo a passo de como chegar nesse estado. Muito secador e muito creme.
  - Não foi difícil descobrir - continuou com a careta melodramática. - Vocês não sabem manter segredo.
  Cuspiu a última frase em desprezo. Era fofinho com ciúmes, e ele estava tentando ignorar isso. Eu sou amiga dele há muito, muito tempo, então já vi ele namorando outras garotas e posso afirmar que ciúme e não são coisas que combinam, isso porque é um evento raro. Talvez por isso ele era perfeito pra mim.
  Se eu tivesse que lidar com um que surrava um cara por noite só porque respiravam o ar perto da eu provavelmente cometeria um crime de ódio contra ele.
  - Bom, você sabe, é meio difícil resistir a ele - referi-me ao Markus, ironicamente sarcástica. - Quando ele faz piadinhas com arroto no meio da sala é como... um fetiche pra mim.
  Ele conteve a risada.
  - Entendi. Uau, eu mesmo não resistiria, eu acho.
  Dei de ombros.
  - Acabou pra você, Hernandez Augusto. - Era como se a música de suspense mexicana da Maria do Bairro tivesse voltado para o banheiro.
   fez som de derrotado.
  - Você o ama, Guadalupe Carmen?
  Reprimi uma gaitada.
  - Não quero falar sobre isso, Juan Carlos.
  - Me fale a verdade, Camila de La Cruz! - Segurou meu rosto com as duas mãos e o teatro esbanjou em sua aura. - Só assim saberei se tenho que desistir, ou não dormirei uma noite completa outra vez.
  - Eu não quero falar sobre minha vida privada com você, Alejandro Luiz. Não te devo satisfações sobre o que faço ou deixo de fazer! - briguei poderosa.
  - Fale, fale, não guarde segredos de mim. Pense no passado que tivemos juntos, o que poderíamos ter vivido. Você me deve isso, Maria Desaparecida.
  A catástrofe viria a tona. Fechei os olhos com dor.
  - Tudo bem. - Levantei minha mão pedindo que parasse. - Eu o amo.
  - OH, NÃO, NÃO, NÃO PODE SER. NÃAAOOOOO! - a fatalidade, a dor em sua voz... Oh meu pobre Augusto Miguel Hernandez Alejandro Felipe. encenou arrancando seu próprio coração e pegou minhas mãos, o colocando em cima. - Toma, é seu. Sempre foi e sempre será. Guarde-o com carinho.
  Levamos um susto quando a cortina do banheiro se abriu e uma garota vestida de Olívia Palito apareceu do outro lado, com a maquiagem completamente borrada de chorar.
  - Não terminem, não façam isso... O amor de vocês é lindo, eu percebi.
  Em um segundo, e eu nos entreolhamos e explodimos em gargalhadas. A garota ficou completamente perdida. Perdi o ar uns segundos e Greene ficou vermelho, provavelmente de vergonha, pois ela testemunhou tudo.
  Senti meu estômago dar algumas voltas e parei de rir, o teto girou e a pior sensação possível se passou em meu corpo. Em seguida, vomitei todo o álcool da festa na camiseta de .

***

  - pegou Ethan e eu no flagra... no quarto dele - soltou, olhando pro além. Estávamos as duas largadas em um pufe gigante na sala.
  - Coitado - comentei sem vida. Um vômito e uma cena traumatizante.
  - Nem foi pra tanto. - Jogou uma almofada na minha cara. - Não estávamos fazendo nada de mais.
  - Eu sei. Mas é estranho, tipo aquele episódios de KUWTK quando a Kim pega a Kourtney e o Scott transando na sacada do hotel. Tadinha. Estaria tudo bem se não fosse a irmã dela.
  - É, faz sentido - concordou.
  Estava quase caindo de sono quando o assunto chegou.
  - Eu convidei dez pessoas, o resto era com Wallace, e parece que ele deu conta do recado. - vestia agora uma camiseta listrada limpa. Deveria ser um presidiário ou um mímico.
  Já falei que odeio drinks? Cerveja é a única coisa que consigo beber com um sorriso no rosto. E neste momento, só tinha coragem de beber água.
  - Na hora que o sinal bateu para troca de salas entre os novinhos da Hearst eu joguei mais de duzentos folhetos de convite no topo das escadas, acho que todos eles conseguiram resgatar alguns papéis enquanto caíam. Plano de um gênio, eu sei. - Wallace, ou Super Choque, respondeu orgulhoso de si mesmo.
   suspirou alto quando viu um chiclete grudado no seu carpete. Pensou em retirá-lo, mas apenas colocou um garoto que estava desmaiado em sua frente um pouco mais para esquerda e pronto, ele não conseguia mais ver o chiclete.
  - Eu tô um caco - gemi com as mãos em meu estômago. O remédio que me deu era bom, mas não tinha vindo do próprio Jesus então não era um milagre. Eu só conseguia pensar que minha semana estava cheia e aproveitaria cada desculpa pra cancelar qualquer coisa.
  Por exemplo, se amanhã estivesse chovendo seria um bom motivo pra trancar a faculdade.
   continuava gostoso, nada novo. Mas no momento eu estava tentando me esconder dele pelo mico que paguei mais cedo no banheiro.
  De qualquer forma, gostoso ou não, aquele beijo na frente da minha casa nunca foi mencionado.
  O momento em que tivemos na minha casa foi perfeito, não estava ligando pra nada, não tinha serviço e hoje era a festa, passei meu tempo costurando e ganhei um bom beijo no final do dia.
  Aí eu acordei com o despertador insuportável me lembrando que a vida real ainda existia e infelizmente eu tinha que lidar com ela.
  Eu sei que dizem que a vida não é fácil, mas puta que pariu.
  - Vamos fazer alguma coisa - Wallace gemeu antes de sentar no meu colo, arregalei os olhos com o peso, mas não tinha forças para tirá-lo dali. - , minha querida prima, me diga, o que é que te aflige?
  - Deve ser a lua - Britt deduziu.
  - Não sou um lobisomem - comentei sem vida. - Eu estou morta, não estão vendo? Já nasci morta.
  - Sua animação é contagiante, - Rachel surgiu do inferno. Deu uns beijinhos em Britt e sumiu. O bem venceu outra vez.
  - Ok, tive uma ideia. - Britt agora vestida de Daenerys depois que destruiu a obra de arte que fiz nela, gritou. - A Casa dos Gritos tá aberta até as sete da manhã! Podemos ir lá…
  - É, ouvi que tá rolando algumas coisas lá essa semana por causa do dia das bruxas e blá blá blá - comentou.
  - Boa ideia, Brittnerys, pena que minha casa tá cheia de gente e não confio nesse povo sozinho aqui - pontuou.
  - Mostra sua autoridade, garanhão! - Dick deu um soco em seu braço. Eu nem chocava mais com sua fantasia de surfista. - Bota essa galera pra correr.
  - É , mostre sua autoridade. - Wallace levantou do meu colo e foi apoiar Dick.
  O mímico revirou os olhos e puxou os dois com ele. Iguinho, Luizinho e Zezinho.
  Assim que eles se foram, comecei:
  - Meninas, ainda são quatro horas, se a gente dar uma passada naquela casa vai sobrar tempo demais essa noite, no caminho tem o Drive In, sabe... Ele tá aberto, passando filminhos velhos de terror... - Fiz cara de pidona. Desde o início minha ideia era essa, até Brittnerys vir com essa de mansão dos horrores. Infelizmente caí no meio de um grupo que só se importava com filmes para menores de cinco anos e que não rolasse susto, segundo Wallace, assistir filme que dava susto era "coisa de retardado".
  Eu só queria um grupinho que assistisse filmes velhos e horríveis comigo, era pedir demais?
  Desde que passei horas decorando - ainda feliz - a loja de roupas onde eu trabalhava, só conseguia pensar que, queria pegar doces e assistir filmes spooky maravilhosamente velhos.
  Eu estava velha demais para os doces, mas na idade ideal para os filmes.
  As meninas olhavam pra mim sérias e sem coração, sem intenção alguma de ceder. Bufei e esperei os garotos voltarem. Usar olhinhos de cachorro que caiu da mudança não eram efetivos com essas mulheres.

***
  - Eu também odeio acordar cedo, ter que tomar café, banho quando ainda me sinto um zumbi e meu espírito está na cama. É normal tudo isso, . Tudo que vira rotina se torna chato e cansativo, mesmo sua profissão do sonho ou o curso da sua vida.
  Estava caminhando com pela noite escura e quente de Los Angeles.
  - Você? Conta outra, cabrón. Você é tão milimetricamente perfeito na sua vida perfeita que acho que você nem precisa mais do sabonete de manhã, é só passar água que se limpa automaticamente, tipo aquele psicopata americano - gargalhou.
  - Adorei ouvir isso. Mas tô falando sério. Seu problema é estar esgotada, eu acho. Nada que algumas férias e terapia não resolvam.
  Ele me apertou um pouco contra ele e cheirou meu pescoço devagar. Nem tentei controlar o arrepio.
  - Você está cheirosa demais.
  Ele ainda me amava depois de eu vomitar nele. Pra informação de todos, escovei meus dentes mais de três vezes depois do ocorrido.
  - Estou?
  - Aham.
  - E nem estou usando perfume. - Sorri presunçosa. Estava sim.
  - Sei disso, amor. - Piscou pra mim.
  Ok... voltando.
  - Então, férias e terapia, uau, soa tão bem. Sabe o que é engraçado? Estava pensando nisso mais cedo, eu banco a terapeuta de facilmente e ela de verdade acredita que eu sou uma boa pessoa pra tomar decisões da vida dela por ela - ri comigo mesma. - Mal sabe ela o fracasso que eu ando.
  - Deixa de ser boba. - Riu e colocou o braço em meu ombro. Brincamos de acertar os passos, pé esquerdo com esquerdo, direito com direito. - Então me diga, cara donzela, é com férias que você sonha?
  Gemi como em um orgasmo. Pensei que não somente férias, mas também sonho com um orgasmo. Mais precisamente, o cara ao meu lado me dando um.
  - Sim, . É isso mesmo. Férias, sumir dessa cidade por pelo menos cinquenta anos. Eu só preciso de cinco desses anos dormindo e tenho certeza que vou acertar meu sono.
  - E pra onde você gostaria de ir?
  - São tantos lugares, Itália, Japão, Portugal, Holanda…
  - Você é nova. Deus sabe que nunca vi uma garota com tanta garra como você, , então acho que cada sonho que você tem, inclusive essas férias e viagens para fora do país em busca de autoconhecimento à là Irmão do Jorel, um dia podem acontecer pra valer.
  Sorri olhando para os nossos pés.
  - Já te falaram que você é um ótimo amigo, ?
  - Hipoteticamente? - Riu debochado e levou um soquinho meu. - Já sim.
  - Quem foi o doido?
  - Você.

***

  Fechado. Drive In fechado. Única noite do ano em que eu teria alguma paz assistindo a Noiva do Frankenstein em uma tela gigantesca e eu perdi o horário. Olha, sinceramente…
  - Poxa... que pena, não é mesmo? Vamos. – fez um bico falso e deu as costas, deixando o grupo para trás. Traidora…
  Wallace riu da minha cara e zarpamos para a fedorenta Casa dos Gritos. Única coisa com que eu ainda sonhava era encontrar o Professor Lupin e Sirius Black lá dentro.

***

  Eu estava de braços dados com , que parecia ser minha gêmea agora com a mesma maquiagem e só cores diferentes na nossa roupa, a não ser pelo cabelo também, e o resto, ou seja, sem parecer minha gêmea afinal de contas.
  Pensa naquelas ruas de filmes de terror, completamente vazia, com muita, mas tipo, MUITA neblina cobrindo tudo, alguns morcegos voando por ali, corujinhas corujando, gatinhos miando e fuçando latas de lixo. Esse era o local em que estávamos agora.
  Os garotos estavam sambando na rua e falando bobagens, paramos em um posto de gasolina antes e todos compraram mais bebida, só assim esqueceria a bagunça da sua casa e Brittnerys com certeza era a mais doida entre nós.
  Essa menina me preocupava bastante.
  Wallace tinha roubado um ukelele do apartamento de e passou o caminho todo cantando canções como o pica pau fazia em cima do pé de pano.
  "There's a place in France where the naked ladies dance. There's a hole in the wall, where the boys can see it all."
  Musiquinhas idiotas de Wallace Sanchez. E não tínhamos ideia de quem era o violãozinho, já que nunca tinha o visto na vida.
  Mais alguns metros por L. A. e tudo ficou mais legal quando percebemos que as ruas estavam fechadas e os postes apagados, assim teríamos que passar pelo cemitério da cidade para chegar até a Casa dos Gritos. Uma noite comum de domingo.
  - Vamos lá! - Wallace gritou animado com os dois garotos correndo atrás dele.
  E assistir filmes de terror era coisa de louco, né priminho. Olhei para e ela olhou pra mim, respiramos fundo, bebemos um gole da garrafinha transparente e tomamos coragem pra entrar dentro daquilo. Era água, mas eu fingia que era vodka, já que eu nunca mais beberia de novo na vida, palavra de escoteira.
  - Sou muito jovem pra morrer, - choramingou.
  - Vamos passar por isso, amiga, vai dar tudo certo.
  - Juntas até o final... - nos encorajamos.
  - Se Deus quiser…
  - Ele nos acompanhará…
  - Jovens demais... demais…
  - É…
  - Cadê seu crucifixo?
  - Não combinava com o look.
  - Muito bem, oraremos até chegar no outro portão.
  "Oh they don't wear pants in the southern part of France. All the men wear glasses to see their ladies' asses."
  Wallace cantarolava em um couro com os garotos.

***

  - EU OUVI EU JURO QUE OUVI INFERNO. POR QUE VOCÊ NÃO ACREDITA EM MIM, BRANQUELO FEIO?
  - - ele berrou também pegando minha cara com as duas mãos, eu olhava puta da vida pra ele. Ele mal conseguia ficar de pé, eu nem entendia mais suas palavras a este ponto. - Amor da minha vida, entenda, eu acredito em você, mas eu não estou vendo nada, você tá vendo? Você não tá mais vendo também, então quer dizer que sumiu. O que os olhos não veem mais significa que a assombração já voltou pro além e estamos a salvo.
  - Ele está certo , o que o coração não vê, os olhos não sentem. É isso que ele quis dizer - Britt falou ao nosso lado tentando me acalmar.
  Eu tinha visto uma luz atrás da árvore, sabe? Juro que vi. Ninguém acreditava em mim. Minto, acreditava, e logo ela começaria a chorar igual uma ambulância querendo ir pra casa e chamando sua mãe.
  - Cara, pode ser o fantasma do seu armário - Dick disse aflito. - Liberamos ele com a tábua ouija.
  - Iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiihhhhhhhh-hiiiiii ouuuuu-iiihhhh - começou. . Choro agudo, ai meus ouvidos. - Ela viu, , ela viu vamos embora, logo os vultos aparecem outra vez e vão levar a gente e... e... eu não tenho mais força pra aguentar tamanha pressão.
  - Com certeza era sua sombra, ... ou seu pai te observando escondido. – Wall fez uma piadinha, mas a deu um olhar mortífero para ele, fazendo-o engolir seco.
  - SIM, EU VIIIIIIIIIIII! – E chorou mais – Eu sou a vítima mais vulnerável, as loiras sempre são as primeiras a morrer... – e abriu mais o berreiro.
  - E as negras? – Britt pensou alto.
  - Calma meu bombomzinho branco. - Wallace abraçou ela e olhei feio pra ele. Ele se assustou e virou a cara.
  - Eu também vi a luz... eu vi... era um sinal. Wallace, pelo amor de Deus, vamos. - Um som de um galho se quebrando explodiu alto atrás de nós e todos gritamos ao mesmo tempo. Principalmente . De uma forma bem... feminina. Arqueei uma sobrancelha pra ele e ele mudou a cara de assustado pra sério, tossindo fraco.
  - Minha garganta tá seca. - Continuei olhando para ele - Tô um pouco gripado, te falei mais cedo... Me deixa em paz .
  Levantei as mãos em inocência e outro galho quebrou. Dessa vez nos abraçamos todos, Dick, , eu, Wallace, Britt e . Nunca vi engolir o choro tão rápido em toda minha vida.
  Arregalamos o olho para o além esperando – rezando – para que algum gato saísse dali.
  O que saiu foi muito diferente.
  Dois homens, em vestes pretas, como dementadores, mas com uma foice, então só poderia ser a própria morte. Esse ali era o nosso fim e toda minha reza pelo cemitério não adiantou de nada. Era isso.
  Meu Deus eu nem terminei de pagar a parcela do meu celular…
  - Não se aproximem, temos uma arma e não temos medo de usá-la! - Wall posicionou seu violão contra os dois.
  - Não temos não, Wallace deixa de ser mentiroso. - Britt ralhou com ele. - Estes homens podem ser policiais! Vão nos levar para a prisão!
  - Estes homens estão aqui para nos levar para Azkaban - Tremi.
  - Eu fui uma boa garota o ano todo! A não ser aquele dia quando…
  - Ai , ninguém quer saber disso agora... - Dick reclamou.
  A loira abriu a boca como se estivesse mais preocupada com a forma que Dick respondeu do que com toda a situação anterior. Olhou para mim e depois para , como se esperasse algum tipo de defesa nossa... a iludida. Tomou ar e então continuou:
  - O que eu quero dizer é que logo será meu aniversário e realmente não estou pronta pra morrer antes de ganhar uma festa super legal, entendem?
  - 20 é igual 19, amiga. Só muda um ano, fica tranquila - Britt tentou tranquilizá-la.
  - Foi o pior ano da minha vida e agora isso, não aguento mais, estou exausta.
  - O pior ano da sua vida até agora. – deu uns tapinhas em suas costas.
  - E tô muito próxima dos vinte e cinco é tipo um passo pros 40.
  - Não se morrer antes – argumentei.
  Os caras na nossa frente pareciam entediados com o papo e estávamos entretidos, até que eles revelaram outra foice, gigantesca, e gritamos outra vez antes de sairmos correndo. Era isso... meu único trabalho agora era não tropeçar.
  Eles nos pegaram em cinco segundos. , Wallace e Britt caíram pela márvada pinga, Dick correu em direção aos caras de preto e eu e na verdade ficamos paradas abraçadas esperando a morte vir sem luta alguma. Na minha mente nós corremos bonito. Estilo Usain Bolt.
  - SAUDAÇÕES CRIATURAS GROTESCAS E NOJENTAS – o cara de capuz gritou em uma voz grossa.
  - Ei cara cuidado, palavras machucam - Wallace se defendeu.
  - HOJE É NOITE DE LUA CHEIA E HALLOWEEN, ACABAMOS DE ENCONTRAR O SACRIFÍCIO QUE ESTÁVAMOS PROCURANDO!
  Tentei me proteger.
  - Eu não valho um centavo, minha mãe sempre diz isso, meu Deus quem iria me querer como sacrifício? Se eu morrer agora só vou deixar boleto sem pagar pra minha família.
  - Não tem nenhuma virgem pra ser sacrificada aqui, vocês estão entendendo? – tentou se livrar.
  - SILÊNCIO CRIATURAS FEIAS!
  - Amado??? - se levantou. - Olha bem pra mim, eu sou bonita!
  - Calada - um deles disse e a loira revirou os olhos.
  - Calado você, macho opressor. Olha que eu te cancelo, viu.
  - Gente vocês acham que essa lama aqui sai com algum tipo de alvejante? O cara estragou minha camiseta... - essa veio obviamente de .
  Meus colegas e os caras de preto começaram uma discussãozinha e bocejei de leve, notando a máscara de um deles quase cair. O cão lá de baixo levaria seus advogados pra terra com objetos escrito Made in China?
  Retirei a máscara de sua cara e gritei em medo. O garoto era mais feio sem ela do que com.
  - Markus? - Dick perguntou incrédulo.
  Ah tá, era o chatão do time de hóquei que dancei mais cedo na festa. O corno que lava o carro sem pagar. E eu achando que eu era a caloteira…
  - Sai de cima de mim. - empurrou os garotos em uma expressão emputecida e me ajudou a levantar. - Que palhaçada foi essa?
  Haha. Ele ficou sóbrio por causa do medo.
  Os garotos começaram a gargalhar e reviramos os olhos.
  - Foi a situação perfeita, tínhamos que aproveitar - Markus continuava gargalhando até ficar vermelho. Feioso bobão.
  - Tu parecia o mais feio ou o mais lindo, mas feio é a gente fazer feio o que tu tá fazendo - começou, Markus parou de rir e franziu o cenho sem entender. Eu já estava preparada pro surto. - Mas sabe o que tá ai dentro de você, Markus? É o demônio podre! É ELE, SANGUE DE JESUS TEM PODER DEMÔNIO! SAI DELE DEMÔNIO CHEIO DE BICHO PODRE!
  - , amada? - Toquei na minha amiga, mas ela deu mais um passo pra frente de Markus.
  - QUE UMA PESSOA IGUAL VOCÊ FOI DEFECADA! TU FOI DEFECADO! DEFECADO PELO PIOR QUE O DEMÔNIO! Mas Deus é o nosso criador…
  Os meninos se entreolharam, sem saber qual resposta dar e segurando a risada. respirava forte e dava pra sentir o seu ódio.
  - SUUUUJO! Sei que pior que você é quem tira as vidas e muito mais, que sequestram e matam! Tiram pedaço! Entendeu?
  Markus olhava pra como se ela fosse louca e não sabia mais se ria ou se chorava, porque ela falava sério.
  - Você é doida ou…
  Mas foi interrompido pelo discurso de .
  - Se eu não tenho Deus, minha vontade sabe o quê que é? - Abriu os braços. - Te pegar, entendeu, e dar pros porcos comer, e depois as fezes mandar quem te pariu engolir, e antes ainda… estrupar quem é tua família toda e te cortar todo em pedaços... se eu não tenho Deus... e coisa pior! E dar pra toda podridão comer porque tu é pior que toda podridão.
  - Ok chega, você é maluca... - Markus quis sair de perto, mas se meteu na frente. e Wallace correram pra segurar ela.
  O medo que ela não tenha Deus…
  - Tu entende o que tu tá fazendo? Vagabundo sujo, fedorento! Pior que o vírus da AIDS ou doença braba, ridículo.
  - Meu Deus, ! - segurou a loirinha que espumava de ódio. - Calma, tá tudo bem, foi só brincadeira…
  - EU TÔ AQUI FAZENDO O PAPEL DE UMA MÃE! TU NÃO SE METE COM CRIANÇA NÃO!
  - Amiga, acho que você já massacrou ele pro resto da vida…
  E realmente, Markus estava assustado e com os olhos arregalados e com o rosto vermelho. Se não fosse um babaca arrogante e prepotente eu juraria que ele estava envergonhado. Mas com medo da com certeza estava.
  O silêncio prevaleceu por um instante, já estava calma e solta. Markus já não parecia que ia se mijar com medo que realmente fizesse jus às suas palavras.
  - Estamos indo na casa dos gritos, querem ir com a gente? - o amigo dele falou. Ninguém liga pro seu nome então o chamaremos de Enzo.
  Respirei profundamente e deitei na grama outra vez. Pronta pra dormir e dar adeus pro mundo, pro inferno com a Casa dos Gritos.

***

   me arrastava pela cintura até chegarmos na frente da casa monstro patética e entediante. As crianças – Wallace, Dick, e Britt – estavam animadas, junto com os outros dois figurantes.
  Nos separamos em três grupos, e passamos por fim em uma das três portas da entrada.
  Estava com Markus e . O primeiro escolheu a minha porta como se sua vida dependesse disso e o outro veio emburrado, provavelmente pensando em Maria Desaparecida e seu amor por Markus.
  Um castiçal brilhante e dourado chamou minha atenção logo no início, estava na parede, e eu toquei nele. Em um segundo o objeto caiu e um rato passou por cima do meu pé, me fazendo gritar e assustar os garotos, que ficaram bravos.
  - Não toca em nada, por favor - pediu e sorri inocente concordando.
  O corredor era o óbvio e esperado, todo escuro e muito comprido, era impossível alguém morar ali, tinha apenas três corredores e era isso? Tudo bem que havia uma escada para o segundo andar, mas já tínhamos combinado que para todos os casos, não existia um segundo andar. Quanto mais alto, mais próximo do céu, e o céu é mais próximo do quê? Da morte.
  Por incrível que pareça, Markus era cara de pau o suficiente para vir conosco e ainda assim soltar piadinhas básicas sobre as Zeta. Normalmente, eu era a quem ficava puta e já partia pra agressão, mas aqui e com esse cara que não parecia ser flor que se cheire, eu preferia ficar na minha.
  A resposta de para cara palavra de Markus porém era o que me deixava apreensiva, eles não se gostavam e isso era óbvio. Eu só não sabia dizer se era pelo desentendimento que o ruivo tinha com ou era algo pessoal entre eles. Eu apostava no primeiro, ignorando qualquer outra opção.
  Em uma das portas Markus se pôs na minha frente, sorrindo para me proteger. Greene olhou para a direção contrária, tentando ignorar aquilo.
  Andamos mais um pouco, o corredor agora parecia um labirinto inacabável. Vimos alguns morcegos de mentirinha, uma boneca Annabelle deformada que parecia a... cala a boca , sua inútil, cadê a sororidade?
  Até que outra Annabelle surgiu do chão, DO CHÃO, inferno. Ela agarrou minha perna e quase caí me segurando em uma estátua que acabou se mexendo também.
  - Sangue de Jesus tem poder. - segurou o próprio coração, me colocando ereta outra vez. Markus retirou com raiva o capacete da estátua e jogou na Annabelle que tinha acabado de escapar rindo da nossa cara. Gritei furiosa:
  - Vaca!
  Por vezes algumas janelas nas paredes se abriam ao nosso lado com alguma surpresinha macabra e depois da terceira eu já estava apática. O primeiro? Um zumbi. O segundo? Um palhaço? O terceiro? Um palhaço zumbi.
  - Eu não acredito que perdi a porcaria do Drive In. - Pensando nisso e perdendo o foco do que estava a minha frente, uma caveira foi derrubada lá do segundo andar diretamente aos meus pés.
  Dei um grito e pulei para o primeiro abraço que me resgatou. Era Markus. Dei mais um grito de pavor e corri para o lado de , que fez careta.
  - Eu não aguento mais. - Entediada, me segurando em uma corda no teto. Brincando enquanto Markus tentava abrir a outra porta. Aparentemente o brinquedo emperrou e não tinha ninguém para nos salvar. Olhei pra corda onde estava e notei que era própria para enforcamento. Me afastei assustada. - Aguento sim, Deus me livre.
  - ? - uma voz gritou do outro lado da parede.
  Abracei a madeira instantaneamente.
  - É você, ?
  - Sou eu sim! Como você tá? - Simpática.
  - Eu não aguento mais o sofrimento da classe trabalhadora nesse mundo capitalista…
  - Não amiga, eu tô falando tipo na casa, como está o passeio aí do outro lado? - perguntou.
  Sentei no chão colocando o ouvido mais próximo de onde estava sua voz.
  - Tá chatão.
  - Ah aqui também. A gente tá indo pro segundo andar agora, esperando o elevador descer.
  Compreendi.
  - Boa sorte amor, não morra.
  - Não morra também, amo você.
  "Garota promíscua, onde quer que você esteja, eu estou todo sozinho e é você que eu quero".
  "Calado Wallace faz trinta e sete anos que você tá cantando essa música".
  "Eu não tô lembrando de outra"
  "Ah eu tenho uma. Eu levo esses manés à loucura. Faço isso diariamente. Eles me tratam muito bem, eles me compram muitos diamantes. Dolce e Gabbana"
  My Humps? Uau, 2005 promete hein galera.
  Ouvi o elevador deles subindo ao mesmo tempo em que Markus urrou como um babuíno doido por ter conseguido abrir a porta.
   sussurrou pra mim:
  - Acho que é automática e só abre quando o elevador do outro lado sobe, mas vamos deixar ele feliz por um momento.
  - Ele realmente acha que fez algo não é? - deu de ombros.

***

  Duas horas depois, ou quase isso, finalmente chegamos ao fim. Nenhum dos meus colegas estava do outro lado então resolvemos sentar na calçada e esperar pelos benditos.
  O ruivo ficou parado em pé encostado em uma árvore e acendeu um cigarro esperando seu amigo também. Foi realmente estupidez ele nos acompanhar, sério, achava que ia ganhar algo aqui? Nesse passeio ele acabou descobrindo que não.
  Qual é, sou eu, . Posso ser trouxa, mas não tanto. Tenho bom gosto.
  - Com a vergonha que estava essa casa, fiquei surpreso com as Zeta vencendo o último jogo, . Principalmente você - riu idiotamente. Antes que eu pudesse mandá-lo para onde o sol não bate, o respondeu.
  - Pois é, Markus, minha garota é persistente.
  Meu coração parou por alguns segundos. Ele conseguia falar isso depois de eu ter vomitado nele. É lindo demais esse garoto.
   O ruivo fechou a cara e virou-se para .
  - Então, seu queridinho amigo não é mais bem-vindo aqui? - Markus riu. - Notei que ele sumiu do grupinho da alegria.
  - Uau, bons olhos. Tá rosnando a essa hora por que, menino? - falei. Eu mesma já estava bem cansada naquelas sapatilhas de balé.
  - Nada, apenas curiosidade. - Ele não estava curioso. Ele estava provocando, e logo conseguiria.
  Eu nunca tinha visto irritado na vida, apenas resquícios de uma briga onde a coisa parecia ter sido feia. Markus estava irritando a noite toda, e eu definitivamente não queria pagar pra ver até onde a paciência de Greene iria. Ele respondeu sarcástico:
  - está muito bem obrigado, provavelmente em casa agora, dormindo com a namorada e pensando em algumas estratégias de jogo que acabarão com você no próximo oficial. Não que você saiba o que é isso, é claro. Sabe... estratégia?
  Bom agora os dois estavam rosnando, o que eu perdi? Além de caloteiro Markus era também mau caráter?
  Eu só queria que a gente pudesse se gostar como antes no ginásio, eu queria poder fazer um bolo de arco íris e sorrisos e a gente comeria ele e seria muito feliz. É pedir demais?
  O jogador se aproximou de , que levantou ao meu lado e se estranharam de vez, cara a cara, a testosterona pulou no local e logo a festa se tornaria um ringue. Markus assoprou a fumaça de seu cigarro contra o rosto de que, como notei, apertou com força seu próprio punho, aí eu realmente abri a boca um pouco chocada.
  Levantei rapidamente e me enfiei entre os dois.
  - Markus, seu amigo não é menor de idade, ele vai encontrar o caminho pra casa sozinho.
  Ele fitou sem expressão por alguns segundos e virou seu olhar para o meu, eu estava séria agora, um pouco preocupada de verdade, ele sorriu de lado e encostou seu dedo de leve no meu queixo.
  - Estarei no posto, avise ele.
  Jogou o cigarro no chão, pisou em cima e se foi.
  Virei para vendo sua cara completamente frustrada.
  - O que foi isso?
  - Isso o quê? - Se fez. Jura? Não colou por muito tempo. Ele bufou. - Eu estava a um passo de lidar com aquele idiota, só isso.
  - Isso mesmo. Isso não é você , você não briga por qualquer coisa.
  - Não é qualquer coisa, . O idiota tá na sua cola faz um tempo. Sem falar do que acha dele e…
  Ele continuava a falar, mas compreendi seu sentimento. Lembra o que falei lá no início? Mexa comigo, mas não mexa com as pessoas que eu gosto? Pois é.
  - Ei - abracei ele com força de uma forma carinhosa e protetora - você bebeu, ok? Tá aborrecido, ouviu piadinhas ridículas a noite toda vindas dele e creio que agora não era um bom momento pra mexer com você. - Um breve silêncio e acho que ele estava pensando enquanto me abraçava. - Viu, você estava certo, não tem isso de perfeição, todo mundo é humano e tem momentos ruins.
  Ele riu contra meu pescoço e eu sorri pra mim mesma percebendo que o garotão não iria me largar do abraço tão cedo.
  - Engraçado você querendo parar alguma briga. - Empurrei ele de leve.
  - brigar é comum, ok? - falei de mim em terceira pessoa, sim. - Eu nasci pra isso, está no meu sangue. Você brigar eu tenho medo da terra começar a girar da forma contrária.
   revirou os olhos.
  - Uma verdadeira anti-heroína.
  Dei de ombros.
  - Antes de fazer algo eu penso "o que Walter White faria?" e tudo dá certo.
  - Aposto que sim. - Ele voltou a se sentar na calçada e me puxou ao seu lado, ri de leve porque quase caí. Eu não era tão baixinha ao seu lado, mas tinha uma pegada que me fazia parecer uma boneca de pano.
  - Walter White chegaria na hora pra ver a Noiva do Frankenstein no drive in - suspirei.
  - Ainda com isso na cabeça? - sorriu se divertindo.
  - Reclamarei até o próximo Halloween. Mas pra isso você estará aqui, me lembrando de ir até ele antes de fechar.
  Seu olhar ficou triste por um segundo tão pequeno que quase perdi.
  - Espero que sim. Ei, que tal isso aqui. - Retirou o celular de seu bolso e abriu um streaming de vídeos, eu gargalhei com a escolha do filme. Nosferatu. - Não temos aquela outra coisa em preto e branco que você pediu, mas tem essa aqui.
  Olhei para ele como se fosse um daqueles filhotinhos de pinscher, simplesmente o cachorro mais fofo do mundo e o apertei com força. Ouvi até um "ai" sair dele.
  - Você vai me esmagar, garota Hulk. Se eu soubesse que me amaria assim tão fácil tinha te levado no cinema antes.
  - Bom, agora você sabe.
  - Vem, vamos assistir até os bonitos saírem dessa casa.
  Estava um pouco calor, mas me aconcheguei contra seu corpo mesmo assim, nos encostando na árvore.
  - Se não morrerem antes.
  Ah, e sim, pinschers são os cachorros mais bonitos e fofos do mundo, não sei se você sabe. Apesar de eu nunca ter tido um e nem pensava em ter futuramente.
  Eu passei a prestar atenção na telinha e no meio do filme o olhar do mudou para a minha cara por um tempo.
  - ? - Virei pra ele. - Sobre o que falamos mais cedo, eu realmente acho que você deveria priorizar você mesma em sua vida. Eu mesmo não gosto de fazer o que todos esperam. Por exemplo meu pai querendo que eu continue a empresa. Eu não quero aquilo e falei isso com ele, sabe? Posso ajudá-lo a encontrar alguém mais capacitado que eu, mas não vou me tornar alguém que não quero ser só para satisfazer sua expectativa.
  - Por que isso do nada? - Fiquei em dúvida e ele deu de ombros.
  - Pode ser que eu não esteja aqui amanhã pra falar isso. - Dei um soquinho em seu braço.
  - Não fala isso, cabrón. - Ele pegou minha mão e deu um beijo quente nela.
  - Pensa nisso ok? Por que priorizar os desejos dos outros quando a vida é sua?
  Aquilo ficou cravado na minha mente até o final do filme.
  Passamos o resto da noite ali, assistindo o filme junto com o pessoal, conversando, comendo qualquer coisa do posto e esperando o sol nascer. Era um dia de calmaria, e isso até que me assustava.
  Afinal sabemos qual é o ditado.

***
De manhãzinha.

  Chegamos finalmente ao nosso quintal, com uma Britnerys completamente traumatizada depois de sair da Casa dos Horrores. Foi literalmente um horror, muito chata, pior coisa que nos aconteceu.
  Enfim.
  Mas a primeira coisa que notamos era que as paredes e porta de nossa casa estavam pichadas. "Perdedoras" “Porcas” “Vadias” “Sugesmundas” - ok, esse me assustou. Quem não sabe escrever sujismundo? – “Vagabundas” e vários outros elogios.
  - Meu... Deus... eu vou... – estava vermelha, ela explodiria a qualquer momento.
  - Quem é o filho da puta que fez isso? – estava revoltado.
  - Nós sabemos bem quem fez isso, – disse apática. Era óbvio que isso tinha dedo da Rachel e com certeza com ajuda do Markus e dos babacas que seguem esses dois…
  Nós entramos em casa, a porta não estava trancada e momentaneamente já imaginava entrando em um território de terror, o assassino esperando o grupo burro pra matar todos de uma vez.. Mas a casa estava só escura e silenciosa, as meninas estavam dormindo.
   se sentou no sofá, tremendo e tentando controlar os impulsos de seguir o caminho até a casa de Rachel e fazer ela limpar nossas paredes com a própria língua.
  - Vocês estão sentindo esse cheiro? – Wallace perguntou, confuso e nós sentimos. Parecia esterco? Terra? Ou muito lixo?
  - Gente? – Dick chamou baixinho, como se estivesse com medo de acordar algo. – Temos um probleminha aqui…
  - O que foi agora, inferno? – levantou revoltada, indo em direção a cozinha e eu fui atrás. Paramos logo na entrada quando vimos dois porcos de tamanhos monstruosos deitados em nosso chão, em silêncio, dormindo tranquilamente.
  Eu gritei, involuntariamente, não controlei. Só berrei e ao mesmo tempo tampou minha boca.
  Os porcos acordaram e de início não fizeram nada. Eles nos encaravam, nós encarávamos eles. Em silêncio. Tá tudo bem porquinhos... podem voltar a dormir.
  - EI! – Morgana berrou – QUE GRITARIA É ESSA? – Entrou na cozinha sem permissão e berrou mais alto ao ver os porcos.
  Os porcos berraram com o berro de Morgana e levantaram no pique, correndo pela nossa casa em desespero. Todos gritamos junto e fugímos, subindo nos móveis para buscar proteção.
  - Gente, o que tá acontecendo? – Abby e Sabrina desciam as escadas e ao verem os porcos vindo em suas direções, berraram cercadas.
  - NÓS VAMOS MORRER! – Sabrina gritava, chorando desesperada.
  - NÓS NÃO VAMOS MORRER, SÃO SÓ PORCOS – berrava mais alto, me segurando com medo que eles subissem no sofá e nos atacassem.
  - QUE INFERNO, O QUE VOCÊS TRÊS ESTÃO FAZENDO? – berrei pros três meninos. – TIREM ELES DAQUI LOGO! – choraminguei.
   e Dick se entreolharam, Wallace resmungou.
  - No três!
  - Um. Você vai primeiro .
  - Dois. Nós vamos morrer cara, vamos muito.
  - Três. Seja o que Deus quiser!
  Os três desceram da mesa e correram atrás dos porcos, cambaleando e tropeçando em seus próprios pés – malditos bêbados – e assustando mais os bichos. abriu a porta, assoviou e os bichos assustados correram para fora, sem nem pensar duas vezes. Ela trancou a porta e sorriu vitoriosa.
  - Vocês três são um fracasso... – e subiu as escadas. – Limpem essa bagunça. Vou dormir, adeus.
  Muita adrenalina pra uma manhã.

Capítulo 10


  Quando cheguei na Casa das Zeta encontrei um bando de garotas com a expressão cabisbaixa, e eu conseguia entender o porquê, mas não era por isso que eu deixaria esse clima tomar conta de nós.
  Fui até Didi para saber mais informações sobre a prova final e ela acabou dando uma pequena pista de que a procura pelo nosso emblema tinha crescido em uma porcentagem incrivelmente boa desde o ano passado.
  Esse era o objetivo dos Joguinhos, afinal, nossa casa ter um reconhecimento maior, e por fim vencer essa droga pra ter o dinheiro e reformar tudo, alcançando novas irmãs e não precisarmos fechar a casa definitivamente.
  Tudo estava dando certo, as meninas estavam circulando melhor pelo campus, criando mais amizades. A festa de Halloween, por exemplo, foi divertida demais, Sandra conheceu um carinha bem gato que conversou com ela pelo resto da noite, e até Morgana teve seu momento de felicidade no karaokê. Foi uma bomba chegar em casa depois de uma noite legal e ver que mais um velho e entediante trote tinha sido aplicado contra as Zetas.
  Parecia ser um drama desnecessário sim, mas é triste ver um árduo e contínuo trabalho ser despejado na lama dessa forma. Lutar pela confiança e popularidade dessa casa, pra no fim nos desrespeitarem mais uma vez, como sempre.
  Brittany tinha brigado com Rachel depois do trote, deu uma balançada no relacionamento das duas e a loira acabou pedindo um tempo. As gêmeas passavam o dia trancadas no quarto e as demais garotas estudavam para o teste final, sem muito entusiasmo. Era como se a fé tivesse sido perdida ali. E eu estava soando dramática como a .
  Felizmente e finalmente, eu trouxe boas notícias.
  - Markus disse que algumas pessoas não nasceram pra vencer - Britt disse triste sentada no sofá. Eu tinha convocado todas as meninas para a sala.
  - Markus é um idiota. - Todas concordamos com a fala de Morgana.
  - Ele acha que as Zeta não são vencedoras? Bom, nós já vencemos os joguinhos. - Abby estufou o peito e se levantou, nos defendendo de alguma forma atrasada.
  Eu sorri.
  - Abby está certa. E sabem por que vim aqui? Acabei de sair da sala de Didi e bom, ela me disse que há boas notícias para o futuro das Zetas. A meta de meninas procurando por nossa casa está quase sendo ultrapassada.
  Elas sorriram surpresas olhando umas para as outras. ficou preocupada:
  - Mas... se tá subindo assim, precisamos reconstruir essa casa logo, gente. A visão das Zetas precisa mudar. Para melhor, é claro.
  - Isso se a gente vencer a prova desse fim de semana, se não... - Sandra comentou pessimista.
  - Bye bye dinheiro - Sabrina a completou.
  - Ainda temos a herdeira aqui no nosso time - Morgana apontou para .
  - Mesada cortada, privilégios cortados meninas, sinto muito - disse triste, ela queria ajudar dessa forma desde o início. Até mesmo tinha se voluntariado para isso antes.
  - Tá tudo bem - Britt a acalentou. - isso aqui é uma casa de irmãs, ok? É um trabalho que precisamos fazer em equipe.
  - Isso mesmo Britt! - Anna, nossa ruivinha querida, se levantou animada e levantou a mão como uma revolucionária esperançosa. - Única coisa que precisamos focar agora é nos estudos, e então vamos conseguir, eu acredito nos nossos cérebros como acreditei na nossa força física.
  Ela caminhou até a estante da televisão e algumas pipocas caíram do cobertor que a tampava; acho que Anna e Morgana passaram a tarde toda vendo desenho e tomando achocolatado com pipoca.
  - Eu até mesmo já fiz uma lista de possíveis assuntos que cairão na prova, vai ser moleza, eu mesma já sei boa parte disso aqui. Anotem comigo: Linguagens, códigos e suas tecnologias. Língua inglesa, literatura, língua espanhola, artes, educação física e tecnologias da informação e comunicação. Um pouco de sociologia, ciências da natureza, química, física, biologia, ciências humanas, história, geografia, filosofia e meu preferido, é claro, álgebra.
  Anna terminou sua leitura olhando com um sorriso gigantesco para todas as meninas e acho que congelamos nossos rostos completamente.
  - Pessoal? - perguntou assustada e as meninas começaram a gritar em desespero. Morgana saiu correndo do sofá para o quarto e Britt teve uma crise mental de falta de ar.
  - É isso acabou! É o fim das Zetas!
  - Ele estava certo, somos perdedoras…
  - E burras.
  Sandra jogou o balde da pipoca em cima da própria cabeça e continuava a gritar. Sua gêmea explodiu em lágrimas e acabou escorregando em uma almofada, caindo em cima de , que neste momento parecia um gambá se fingindo de morto.
  Revirei os olhos pra cena patética e bati palmas tentando fazer uma mudança de foco ali. Não funcionou até que eu gritasse pedindo que a loucura acabasse.
  - Mais calmas? - Elas pararam, enfim, olhando pra mim assustadas. - Ótimo. Perdedoras? Muito bem. Vou mostrar a vocês o que é ser uma perdedora.

***

  - Onde nós estamos? - Britt sussurrou.
  - Por que tá tudo tão escuro?
  - Quando tá escuro significa que não deveria ter pessoas aqui... Não deveríamos estar aqui,
  - , eu tô com medo, vou ligar pra minha mãe vir me buscar.
  - Ei, eu trabalho aqui, tenho quase certeza disso – informou surpresa.
  - Sim gênia, é a biblioteca.
  - Isso é mais que a biblioteca, isso é a sessão reservada.
  - Mané sessão reservada, Sabrina. Aqui é onde eles guardam as tralhas que ninguém mais quer.
  - Vamos guardar o Markus aqui então.
  Rimos como crianças travessas.
  - Ok meninas, fiquem em silêncio, já é madrugada e tem o guarda passeando por aí. Se abaixem. - Notamos a luz da lanterna brilhar nas paredes escuras e Abby acelerou no processo "abrir a porta com um grampo de cabelo". O YouTube estava ligado no celular de com um tutorial de como fazer isso.
  A maçaneta enfim girou e a imensa porta vermelha se abriu. Entramos rapidamente e a fechamos para que o guarda não nos visse. Assim que balançamos nossas lanternas, percebemos o tamanho do local em que estávamos e abrimos a boca em um choque positivo. Qual é, era legal. Parecia tipo a Torre dos Vingadores versão biblioteca.
  A luz da sala foi acesa e aos poucos as lâmpadas iluminavam tudo, parecendo ainda maior. Havia diversos tipos de bugigangas ali, quadros velhos que pareciam ser caros e famosos, as medalhas que a Hearst venceu por toda uma vida, bolas douradas, livros grandes e empoeirados em milhares de estantes.
  Um carpete vermelho revestia todo o chão do local e segui em frente com as garotas em meu encalço.
  Lá estava, a vidraçaria de troféus.
  - , ainda tô tentando descobrir o que estamos fazendo aqui.
  Franzi a testa vendo que não estava ali. Estranho, eu pesquisei na internet…
  Então percebi que haviam mais delas, mas estavam tampadas com lençóis para não cobrir de poeira. Retirei um lençol e as garotas me acompanhavam, até tentando me impedir.
  - Vai derrubar a estante, sua louca.
  - Calma aí. - Tirei mais um e finalmente o nome das Zeta estava impregnado na parte superior da madeira que servia de estrutura para o vidro perfeitamente limpo. Sorri comigo mesma e prestei atenção nas expressões das meninas.
  Lá estava a mistura de felicidade e surpresa que eu previ.
  - Isso é tão legal. - Os olhos de Sabrina brilhavam.
  - Valeu, . - Morgana sorriu tímida.
  - Que vidro lindo - Britt falou encantada. Acho que ela não entendeu o ponto da coisa.
  De qualquer forma, elas realmente não tinham o que agradecer, eu só estava mostrando o que já estava ali, era uma realidade nossa.
  - Fiz minha pesquisa. A Casa Zeta Beta Iota começou pequena, e vemos que ela é pequena até hoje, fisicamente falando. - Parecia uma caixinha de fósforo, qual é, sem ofensas querida casa. - Mas é uma casa forte. Sempre teve garra, nossas antepassadas já venceram mais de um Joguinho, como podem ver.
  Me virei para os Troféus brilhando completamente orgulhosa. Seis vezes vencedoras, e dizem que sete é o número da perfeição, logo este seria o número que marcaria de vez a volta triunfal do nosso emblema.
  - Olha só, a turma de 86, minha tia estava aqui - Anna apontou animada.
  - E a de 90, uau, elas pareciam duronas. - Sandra fez careta para a foto.
  - Esse espaço aqui. - apontou para um lado vazio e tinha um olhar determinado. - Ele é nosso.
  Olhamos uma para a outra e sorrimos. Já estava no papo.
  - Ei, o que estão fazendo aqui? - a voz masculina disse brava diretamente da porta e nos assustamos. Uh-oh, era o guarda. Saímos correndo em direção contrária no momento em que ele correu até nós.
  Nos separamos em duas e acho que dessa forma os distrairíamos. Ou pelo menos metade de nós sairia viva e imune dali.
  - Eu sabia que ia dar problema - Abby disse nervosa e com falta de ar correndo ao meu lado. – A gente vai morrer.
  - Vem logo. - Puxei a mão dela a abaixando atrás de uma mesa já na biblioteca do primeiro andar. Vimos o restante das meninas no meio daquela escuridão e tentava fazer sinais com a sua mão como uma espiã russa em treinamento, direcionando para que lugar devêssemos ir.
  Arqueei uma sobrancelha entendendo porcaria nenhuma e me levantei com as garotas atrás de mim puxando o restante logo para sair dali.

***

  Explodimos em gargalhadas no segundo em que entramos no carro. As meninas também começaram a rir e Sandra e Sabrina tentavam encontrar um lugar melhor para se sentar, uma delas quase arrancou a cara de Morgana com o pé e a outra ficou espremida em um canto. Carro pequeno, muita gente.
  - Foi demais! - Sandra continuava rindo.
  - Ele nunca vai nos achar - disse Abby - eu sabia que ia dar tudo certo.
  - SABIA ABBY?? - falamos todas juntas sarcasticamente. Abby deu de ombros.
   estava silenciosa e perguntei o que havia de errado, até que ela se pronunciou, parecendo um pouco culpada.
  - Gente eu quero... Por mim e pela , meio que... Pedir desculpas.
  - Eu não fiz nada de errado - estranhei.
  - Calada - fechou a mão em minha direção. - Eu acho que no início nós pegamos muito pesado, fomos idiotas, tentamos mudar muito de vocês e sem necessidade. Ao ver aquelas fotos eu percebi que, não importa o ano ou qual turma da Zeta, todas elas são diferentes e possuem suas habilidades mesmo com suas diferenças, não é um banho de make e lojas que vão fazer nossa casa se tornar a número 1. Somos nós mesmas e somente nós.
  Ok, isso foi bonitinho. Ainda assim eu sou inocente.
  - Tá tudo bem. - Morgana deu um sorriso fraco.
  Anna acompanhou tímida.
  - Graças à animação extra e louca de vocês, ontem eu tive o melhor beijo da minha vida, então…
  Sorrimos instantaneamente como mães orgulhosas para a ruiva.
  - VOCÊ O QUÊ?
  - O nome dele é Leo, é a coisa mais lindinha que eu já vi na minha vida e... - Morgana fechou a cara.
  - Tá bom, menina, não precisamos saber de tudo.
  - Sempre um angelito, Morg - disse falsamente.
  - Eu tento - Morgana fez o som de uma cobra saindo pela boca.
  - Voltando! - cortou. - Era só isso mesmo que queria dizer. Eu e fomos idiotas no início e agora vocês são as melhores amigas que teremos na vida pra sempre e fim. Obrigada por tudo.
  Um couro de "aawwnn" se instalou no ar.
  - Abraço em grupo - Britt gritou e tentou de alguma fazer esse abraço acontecer. Acabei levando um soco de alguém e a bunda de Abby estava no colo da . - Garotas eu juro que quando me tornar a presidente de Los Angeles vocês estarão em número dois na minha lista de propina.
  - Por que dois? - perguntei sem tentar achar lógica na sua frase. Essa era Britt, afinal.
  - Porque o dinheiro do meu salário será exclusivo para a pesquisa e observação para enfim encontrarmos o local onde unicórnios estão escondidos. Mas farei isso eu mesma, afinal não quero os seres humanos os encontrando e os tirando de seu ponto de paz.
  - Ah - Morgana finalizou.

***

  Sabe aquela história de "Oh, tem memória fotográfica, ela aprende rápido então não tem com o que se preocupar, as notas baixas são perante as faltas dela, é claro!"
  Primeiramente, eu nunca ao menos pesquisei sobre isso e não sei se "memória fotográfica" é algo existente e com martelo batido da ciência, logo pode ser apenas que eu tenha uma memória ok e é isso. Por vezes ela funciona só com informações inúteis que eu nunca usaria na vida.
  Segundamente, também tem um alto grau elevado de nervosismo, pelo menos agora ela tinha, com essa história de trabalho em equipe, estudar até morrer e assim vão conseguir o dinheiro pra finalmente reformarem a casa das Zetas e se talvez você errar uma perguntinha cairia tudo nas suas costas porque dessa vez o trabalho é em equipe mas a punição é solo.
  Então agora poderíamos dizer que eu estava fechada para reformas. Amanhã de tarde seria o último teste, e desde que levei as garotas para a sala de troféus no segundo andar da biblioteca, eu não havia parado de estudar.
  Lembrava bastante minha época antecessora à Hearst, quando me fechei completamente para a minha família e amigos, era do trabalho para a casa e da casa para o trabalho, apenas.
  Só que agora era mil vezes pior, porque voltamos à questão de que não é só eu, é nossa casa, caramba, aquelas meninas ficariam eternizadas na minha memória e vida, e elas precisavam vencer essa merda, elas mereciam isso pelo tanto que lutaram. Desculpa outros emblemas espalhados pelo campus, mas vocês já possuem sua casa de dois andares, a nossa está lutando para ter um estofado sem furos de ratos.
  Furos estes que estavam me encarando de volta, enquanto eu tentava de uma forma falha me concentrar melhor no livro que estava lendo. História da Renascença, a luta aqui era não dormir.
  Exatas era meu mundo perfeito, guerras e contos de pessoas que existiram antes de eu sequer pensar em nascer, não.
  Uma batida na porta chamou minha atenção e me levantei para abrir.
  Assustei-me. Era Rachel. Que diabos?
  - A Britt está? - perguntou curta e grossa. Sem nervosismo algum, até parece que não tinha levado um pé na bunda semana passada.
  - Morreu. - Ia fechando a porta até que seu pé se colocou no meio. Bufei. - O que você quer com ela?
  - Ela me chamou. - Arqueei a sobrancelha pronta pra zombar de sua cara quando notei a loira atrás de mim com a feição mista em inocência e medo de apanhar de mim. No fim, só acabei desapontada. Mas fazer o quê? O relacionamento era dela, quem sou eu pra dizer alguma coisa. Os conselhos que eu tinha que dar, já dei. Agora era com ela, apesar de lerda, Brittany era adulta e podia lidar com os próprios problemas.
  Sim, eu estava fazendo um monólogo sobre não me importar, meio que anulando a teoria de que não me importo, mas é por que me importo, bastante. Se Rachel tentasse alguma outra gracinha, seria o fim dela pra valer.
  Britt cortou a tensão da jararaca e da surucucu (lê-se eu e Rachel) se encarando e disse que iria terminar de se arrumar.
  Bati a porta atrás da morena e caminhei até o sofá, voltando a me concentrar no meu livro. Britt e eu ainda tínhamos um café marcado para a tarde, eu ia ajudá-la com algumas matérias e íamos conhecer o novo cachorrinho, ops, namorado da .
  Então provavelmente minha querida amiga com uma namorada horrível iria me esperar direto no ponto de encontro, significa que eu tinha mais algum tempo para tentar entender a matéria sozinha. Ter uma boa memória não adianta porcaria nenhuma se eu não compreendia o que estava lendo. Falhei bastante no letramento.
  - Ainda estudando? - comentou com um leve deboche. - Não acho que vá adiantar de algo.
  - Uau, cinco segundos até você ser grosseira comigo dentro da minha própria casa, uau, mesmo, um recorde.
  - Menti em algo? Qual é, os joguinhos usaram habilidade e mesmo assim vocês passaram apenas com sorte. Acorda pra vida, , não tem jeito de vocês conseguirem ganhar isso, tenta falar para sua namoradinha gastar menos com bronzeador artificial e mais com livros.
  Ela estava se referindo a , provavelmente. No momento seguinte me levantei até a cozinha peguei a primeira peixeira que encontrei na minha frente e degolei Rachel com força.
  Brincadeirinha. Haha.
  Sorri maníaca pra ela com esse pensamento em mente e ela ficou um pouco assustada com a encarada que não tinha fim. Rachel por fim deu uma leve tossida assim que suas bochechas ficaram vermelhas.
  - Não adianta olhar assim pra mim, Sanchez. Você está focando na inimiga errada. O trote foi algo básico, o pior obstáculo para vocês vencerem em uma prova que testa a inteligência está no seu próprio time. Eu a amo, sabe, mas ela é burra como uma porta - finalizou sua frase sorrindo maldosa para Brittany que tinha acabado de voltar. A loira agora vestia um tule em cores de arco íris e uma blusa com glitter, parecendo uma criança feliz e colorida.
  Devolvi seu tchau animado, mas a animação não chegou em mim. Engoli em seco e tentei limpar meus pensamentos chatos. Rachel conseguiu o que queria.

***

  Aqueles momentos finais do filme me assustavam, quando o protagonista regredia ao zero para então surgir uma motivação em sua cabeça com dois lados a seguir. A plateia sabe o óbvio, sabe qual é o certo, mas o personagem nessa etapa já estava cansado da vida como ela era e repensava tudo sobre a mesma. Tudo que ele aprendeu estava certo? E se ele fosse pelo outro caminho, o que aconteceria?
  Tudo que eu queria era vencer esse Jogo de uma vez por todas, não somente por mim, aliás, principalmente por elas. E não, eu não estava tentando jogar essa culpa nas costas das meninas por uma decisão minha que talvez fosse burrada... Como é difícil ser eu.
  Suspirei alto tomando meu café. Meu look do dia era uma calça jeans, camiseta branca e boné preto, simples combinando com a minha alma que não estava se permitindo ser criativa ultimamente.
  Era a vigésima vez que eu tentava explicar para a Brittany sobre direitos trabalhistas que provavelmente cairiam na prova, já que era um assunto bastante debatido na televisão no momento em que estávamos, porém nada entrava naquela cabecinha linda dela.
  E eu nem tinha chegado ainda no meu inferno astral. Só estava esperando que aquela prova não fosse tão difícil de aguentar quanto o final de Game of Thrones. Também estava tentando evitar pensar nisso, muitos traumas seguidos em pouco tempo.
  O celular de Britt apitou e ela sorriu com a mensagem.
  - Ethan está vindo. - Bateu palminhas animada. Ok Britt, fodam-se as leis, já entendi. Se eu fosse professora, morreria de fome. Aprendi hoje que esse não era um dos meus dons. Professores do mundo inteiro, meu respeito a vocês.
  Um garoto alto e cheiroso se aproximou sorridente da nossa mesa e o reconheci. Essa aqui era pra ser só uma apresentação formal e ver se ele passava no nosso teste. No caso, meu teste e de Britt. Então sem companheirismo aqui, sem dentes brancos para nós garoto, você não está encontrando velhas amigas, você está encontrando bandidas perigosas.
  - , Brittany! - o sotaque ficou forte no nome da loira. Muito bem, ele venceu, passou no teste.
  - Sente-se agora tudo que você disser pode ser usado contra você em qualquer momento da nossa vida porque queremos assim e será assim - Britt falou brava e ele se sentou assustado.
  A partir disso notei que ela faria o policial mau.
  - Não precisa ficar com medo, criança. Somos só nós, suas velhas amigas do colegial... - encenei muito bem, meu sotaque ficou até mesmo um pouco sulista, brilhei. Já via o Oscar chegando.
  - Hum, ok... - ele estranhou tudo.
  - Eu tenho uma arma embaixo dessa mesa e não tenho medo de usá-la, não ouse se mover dessa cadeira se as coisas ficarem tensas, entendeu? - Britt ameaçou e ele arregalou os olhos, enquanto eu revirei os meus.
  - São só umas perguntinhas básicas, estamos entre família aqui, praticamente. O namorado da minha amiga é meu irmão - sorri.
  - Eu tenho certeza de que não é dessa forma que funciona a árvore geleologica, - Britt tentou me alertar.
  - Nós não estamos namorando... - o desafiamos a completar aquela frase só com um olhar. - … Ainda. Ok, meninas, podem mandar.
  - Nome completo?
  - Ethan Cassius Mason.
  - Idade?
  - A mesma que a de vocês, sabe... Estudamos juntos.
  - Não seja um espertinho, isso não vai te levar a lugar nenhum.
  - Perdão - quase riu com Brittany. - Vinte anos.
  - Quanto você ganha por mês, vai conseguir bancar as bolsas dela?
  - Acho que ela mesma consegue fazer isso - debateu e nós duas uivamos atentadas.
  - Olha só, quanta personalidade. Mas sabe que as mulheres gostam de ser mimadas de vez em quando, não é? - perguntei.
  - Não preciso de dinheiro pra isso. - Colocou os cotovelos na mesa e sorriu de lado. - Tenho um combo completo aqui comigo, se chama Ethan Mason.
  Gargalhei. Horrível.
  - É um cara familiar? - Britt questionou.
-   Tenho mãe, pai, você sabe, irmãos, o resto e tals - disse simples.
  - Já foi preso? - Opa, agora ele ficou nervoso. - Eu não mentiria se fosse você, Mason.
  - Uma vez ok? - suspirou livrando-se de sua culpa e mentira suja. - Estava roubando camisinhas.
  - Não podemos te prender por isso, meu chapa - Britt disse um pouco desolada. Ele ficou incrédulo. Ignorei os dois.
  - Bebe?
  - Socialmente.
  - Fuma?
  - Diariamente.
  - Tatuagens?
  - Nenhuma.
  - Nem uma do seu tempo na prisão? - Britt brincou e ele riu sarcasticamente.
  - Ok, última pergunta, essa é pra valer, extrema dificuldade. É o maior ponto para se conviver com Hudson e assim, não quero ser desmancha prazeres ou algo do tipo, mas você vai ter que batalhar bastante para chegar aos pés do , porque você sabe, ele é meu melhor amigo e já tem meu dedão positivo desde os primórdios, ele costumava a aprender letras de todas as loiras existentes da Disney Channel só pra impressionar a , sabia disso? E não querendo ser mais chata ainda só que -
  - , ele entendeu, vamos seguir com isso.
  A cara dele era impagável, o ciuminho no ar. Ele gostava bastante dela. Sorri satisfeita.
  - Qual o preferido dela, Valentino ou Armani?
  Ele suou frio, demorou alguns minutos pra responder, intercalou seu olhar nervoso para mim e para Britt, sem saber o que responder, até que sua voz renasceu de uma forma fina e sem confiança alguma.
  - Arr-lentino? - a resposta saiu como uma pergunta.
  Bebi o resto do meu café pelo canudo e só o que restava eram nossas caras julgando o garoto sem pudor algum. Deixei o copo na mesa e soltei meu veredicto.
  - Tanto faz, nem eu sei a diferença entre as duas marcas.
  - É verdade, também não sei, mas acho que prefere Vivaldi - Britt concordou.
  Ele respirou aliviado.
  - Nem ligo pra essas marcas mixurucas. Só sei da Marc Fontaine. Já comprou na Marc Fontaine, Ethan? 10% off essa semana, aproveita e fala pra toda família, estou lá de segunda a sexta, menos hoje que é minha folga pra estudos!
  Levantei e deixei um cartãozinho em sua mão, que o deixou curioso. Viu, sou uma ótima empregada.
  - Bom é isso rapazes - me referi à ainda em cena Policial Britt - tenho que ir, está me esperando para mais uma rodada de estudos.
  - Então é isso que os jovens chamam hoje em dia – Britt debochou e revirei os olhos.
  Dei alguns passos para longe até que ouvi a voz da loira mais uma vez conversando com Ethan.
  - Vamos pedir uma coleta de urina para ter certeza de que você não burlou os resultados. - Voltei correndo para a mesa e retirei o potinho de suas mãos. - Britt, ele já passou. Só avisar a .
  Ele não sabia se ria ou chorava. Voltei a falar:
  - E outra coisa Ethan, você magoa a minha amiga, eu corto seu pinto fora.
  - Não esperava menos de você, - sorriu e pisquei pra ele, finalmente indo embora.

***

  - Estudar, no dicionário, está como "adquirir habilidade ou conhecimento", consistem em uma pessoa com material o suficiente em sua frente, todos cientificamente comprovados como verdadeiros, é claro, e muita vontade pra focar neles, sem ter um cara insuportavelmente chato, porém gostoso, tentando tirar seu foco do que é importante. - Fechei o livro com força sentindo sua respiração na minha nuca, ele ia voltar a me beijar ali e eu perderia a concentração outra vez. Inferno de garoto.
  - Não te chamei aqui pra estudar, meu bem. - distribuiu mais alguns beijinhos pelo meu pescoço e tentou alcançar minha boca, na qual eu virei a tempo.
  Madeira velha é o que faz comida boa? Quadro ruim quebra? Tinha algum ditado bom pra isso aqui, forte igual espinafre? Sei lá.
  Só sei que ele estava tentando me beijar há alguns dias, desde o dia seguinte ao Halloween, e eu não dava brecha. Nada pessoal, mas quando envolvia estudos, a jararaca do passado, e acima de tudo bolsista, surgia, e apesar de tentar ser uma boa amiga e... ficante? Não dava certo por muito tempo.
  - Você não me chamou, eu te chamei, eu que preciso da sua ajuda, se lembra? Ou o sangue foi tudo pra cabeça de baixo e parou de pensar por uns instantes? Sinceramente , minha abuela seria mais útil agora - bufei irritada.
  Ele permaneceu calado sorrindo e olhando pra mim, logo soltaria algum deboche.
  - Você fica tão fofinha brava - riu.
  - É isso, sai do meu quarto, some, não volta mais aqui.
  Ele gargalhou de verdade e jogou os livros pro chão, tomando um cuidado maior com seu laptop ainda aberto e me empurrou pra ficar deitada na cama. Estávamos no meu quarto, tentando estudar, não estava funcionando.
  - Você está demitido - ofeguei sentindo seu calor em cima de mim. Era impossível se mexer? Sim, eu queria sair dali? Pergunta mais tarde.
  - Não pode demitir a ajuda - ele riu, passando sua língua pela minha bochecha e fechei meus olhos.
  - Lógico que posso, se não está ajudando.
  - , eu tenho certeza que você já leu o dicionário de trás pra frente agora - falou sério, a voz contra minha carne. - Não tem mais o que enfiar nessa cabecinha linda, a prova é amanhã, tenta relaxar um pouco. Já faz cinco horas que estamos assim.
  Uma voz infantil tentando ser grossa gritou do primeiro andar.
  - , vem aqui rápido!!! Olha a manobra que fiz!!!
  E fazia cinco horas que David estava gritando para ver qualquer coisa impressionante que ele estava fazendo no vídeo game. Era uma partida contra minha abuela, provavelmente ele finalmente estava vencendo. Finalmente. Minha abuelita era radical, talvez fosse mesmo uma melhor opção do que em cima de mim agora, ela estaria me ensinando.
  Ensinando a como fisgar um marido rico, é claro, é mais ou menos tudo que ela me diz hoje em dia, mas quem liga.
  - Já estou indo, só mais uns minutinhos! - gritou para o meu irmão. David ficava por vezes bastante dividido entre ter ciúmes de aqui e querer chutar sua bunda pra fora do meu quarto, ou ter ele como inspiração e mostrar todas as coisas legais que faz para o meu amigo.
  O olhar de cravou em mim outra vez e senti como se estivesse encrencada.
  - Sabe relaxar, ou isso está fora das suas regras de vida? - Tentou colar sua boca contra a minha outra vez e virei o rosto. - Está brincando comigo, señorita?
  Mordi o lábio sorrindo. Sim eu estava.
  - Não adianta - decretou.
  - Não?
  - Não.
  - Por quê? Você não gosta?
  - Ah, temos um problema... Porque eu simplesmente adoro quando você me provoca. Só que isso me deixa um pouquinho fora de controle também, sabe. E qual o ponto disso? No fim do dia nós dois sabemos que vai chegar a hora em que eu vou te comer.
  - Agora você está apostando demais em si mesmo, cabrón.
  - Estou? - duvidou falso. Sua mão foi do meu rosto para baixo, passou de leve pelos meus seios me fazendo apertar as coxas, forçando seu corpo um pouco mais contra mim.
  Seu polegar deslizou pela barra da minha calcinha, minha respiração era audível e irregular. Ele brincou um pouco com o meu minúsculo pedaço de pano com a minha saia ajudando.
  Era fácil sentir sua ereção dura contra minha perna, então também foi fácil ver o quanto eu estava animada com os seus toques.
   lambeu meu pescoço e traçou um caminho pra baixo, até chegar em meus seios. Ele trabalhou para tirar meu sutiã. Suspirei abrindo os olhos e notei a imagem da Demi no teto do meu quarto. Porém ela não estava julgando, ela estava feliz por mim.
  Qual é Demi, eu tenho prova amanhã.
  "Foda-se" ela respondeu de volta.
  - Foda-se - soltei essa palavra e no segundo que ele olhou pra mim o beijei com força e sem cuidado algum. Toquei cada linha de seus músculos e rapidamente tirei sua camisa.
  A minha camiseta foi parar no chão também, e ele praticamente se sentou na cama, me colocando em seu colo onde rocei sem pudor algum. Seus dentes foram de encontro aos meus seios agora completamente nus e não consegui controlar o gemido com o contato da sua língua na parte mais sensível e dura.
  Minha boca já estava inchada e machucada pelo beijo e nós não conseguíamos parar. me empurrou para baixo outra vez e abriu minhas pernas, bem abertas, eu nem fazia ideia de que era tão elástica assim, então seus dedos estavam na minha calcinha de novo, afastando-a e parei de respirar.
  Uma lambida, e tive que me conter, derretendo na cama com minha própria mão em meus lábios me fazendo calar a boca. O sorriso da Demi lá em cima agora parecia ainda maior, combinava com o meu. E dessa vez ela estava de cabeça pra baixo.
  - Vem logo tomar café menina - minha abuela falou do outro lado da porta. - E destranca essa porta.
  Minha abuela.
  Do outro lado da porta.
  Me contorci como doida na cama tentando sair daquela posição e levantar, no meio do meu silencioso pânico e susto acabei chutando a cara de , e não foi leve.
  - Dios mio, cariño, perdoname. - Sua mão tentava aliviar a dor no seu maxilar e soltei alguns beijinhos em seu rosto pedindo desculpa.
  Ele suspirou olhando pro céu fazendo uma careta.
  - Tá tudo bem. Eu só preciso colocar um gelo aqui e acalmar um negócio aqui... sabe, o de sempre.
  Eu sorri um pouco culpada e o abracei com carinho beijando sua testa algumas vezes e dei um selinho em cima da área afetada. - Pronto, agora vai sarar.
   riu com o meu dengo saindo diretamente não sei de onde e me trancou contra seu corpo, em um abraço de urso, sem querer me soltar.
  - Se veste logo e vai atrás do seu gelo, preciso encontrar minha camisa. - Ele me afastou um pouco e olhou pro meu corpo com desejo, suspirou em tristeza e me abraçou mais uma vez.
  - Treze anos pra ter isso pra mim, . E você tirou o doce da boca do neném muito rápido.
  Fiquei vermelha com seu comentário.
  - Vai logo , eu tenho um pé e não tenho medo de usá-lo.
  - Tudo bem, tudo bem. Tome seu tempo, señorita. - Encontrou e vestiu sua camiseta, me deixando um pouco triste. - Markus teve mais tempo com você na Casa dos Gritos do que eu tive a vida toda.
  Resmungou e quase não o ouvi. Revirei os olhos com tanta força que eles quase não voltaram pro lugar. Não era a primeira vez que ele dava uma indireta sobre isso.
  - Amor, sinceramente, procura um terapeuta - soltei.
  - ! - minha mãe gritou um G5.
  - Já vai - respondi vendo deixar o quarto. Só faltou chutar o chão emburrado como o Chaves fazia. Deitei na cama outra vez e tentei processar o que estava acontecendo ali.
  O olhar dele, ah aquilo eu compreendia demais. Treze anos, ele disse. Eu não gostava de romanticamente no início, mas ele sempre foi gostoso. E era o mais velho da turma, o que meio ajudava ainda mais a história do seu lado. Garotos mais velhos são sexy. Ele tinha onze eu tinha sete, era uau, outro nível.
  Porém na adolescência ele já era um cara gostoso que eu não teria problema algum em dar. Nosso laço foi ficando cada vez mais forte e hoje ele era além de tudo meu melhor amigo,