Asleep

Escrito por Marina | Revisado por Andressa

Tamanho da fonte: |


  - Olá, você ligou para Brock. Por favor, deixe seu recado após o bip.
  Era a milésima vez que o bip soava, mas de alguma forma eu não conseguia controlar meus dedos para que não voltassem a discar o mesmo número, e tentava não pensar em quantas vezes já havia ligado, e o bip soou novamente e o meu celular apagou, depois de horas a bateria havia acabado, joguei o aparelho no sofá bufando, de certa forma, havia sido melhor.
  Andei pelo meu apartamento e fui em direção ao meu quarto, abri a gaveta e peguei uma blusa de moletom vermelha de , possuía seu cheiro, talvez porque eu ainda guardava o seu frasco de perfume e vez ou outra borrifava na peça, de certo modo isso a fazia sentir mais perto dele e a vesti. Dirigi-me até a sacada, respirei fundo e olhei a cidade embaixo, o tempo estava amedrontador, tão escuro que se podia confundir o dia pela noite, por mais que gostasse de dias nublados era depressivo demais pra mim, era obscuro demais. Como se as forças da natureza estivessem sentindo minha dor, como se o céu em tons de cinza, nuvens negras e discretas pinceladas de azul gritasse meu estado interior. Eu deveria estar chorando, mas simplesmente não conseguia mais, não havia aceitado, muito menos compreendido, mas depois de um tempo você percebe que as coisas não vão voltar a ser o que eram, simplesmente me perguntava porque ele havia me deixado, porque ele havia ido embora.
  O dia estava normal, eu estava levando, como sempre. Meu trabalho como fotógrafa tinha certas vantagens como tirar folgas sem precisar dar satisfações a ninguém. E esse era um dia em que eu não trabalharia. Acordei cedo devido à dificuldade em dormir que eu havia adquirido nos últimos dois anos, sentei no sofá procurando algo para distrair, mas a única coisa que encontrei foi programas matinais, fui até a cozinha e peguei um pote de sorvete, uma colher, e voltei a tv, sem perceber comi o pote todo e estava empanturrada, não me importei, sem querer acabei adormecendo.
  Acordei com ?Asleep? dos Smiths tocando na tv, essa música me fazia lembrar de , em um ato involuntário estiquei o braço, peguei o telefone e disquei o número dele, a mensagem de voz ecoava na minha mente, levantei-me do sofá e desliguei a tv, eu sei que não estava agindo como todos agiriam, mas de certa forma meu coração bate fraco a cada menção que a minha mente faz sobre ele. E aquilo doía, muito. Inútil, cada parte de meu apartamento que olhava me trazia alguma memória, o balcão da cozinha onde tive um dos melhores beijos da minha vida com ele, a sacada onde recebi o primeiro "Eu te amo" de , andei pelo apartamento inteiro, era inevitável, cada parte daquele lugar tinha um pouco dele, cada parte daquele lugar tinha uma forte lembrança de , não sabia ao certo se conseguiria deixar esse lugar, mas eu amava mais do que o apartamento, e não gostaria de ficar torturando a mim mesma como estava fazendo há dois anos.
  Uma lágrima solitária rolou por minha bochecha, imediatamente a limpei de meu rosto. Fui para o banheiro e observei meu rosto, olhos inchados e vermelhos, olheiras misturadas às lágrimas. Apenas liguei o chuveiro e deixei a água quente passar por meu corpo, acreditando veemente que toda aquela tortura iria pelo ralo, apoiei minhas mãos na parede e deixei que a água caísse por toda a extensão de minhas costas. Eu precisava esquecer tudo o que estava acontecendo à minha volta, precisava relaxar e não pensar em preocupações, mas era inevitável. Dez e meia, logo eu teria de sair e enfrentar uma coisa a qual eu temia, e muito.
  Coloquei um vestido preto que havia me dado e uma sapatilha, não me sentia bem em usar salto, fui até a sala, o celular ainda estava jogado no sofá, sem bateria, então só me restara meu telefone.
  - Olá, você ligou para Brock. Por favor deixe seu recado após o bip.
  Como era doce o som da voz dele, fazia meu coração bater em um ritmo bom. No momento, aquilo era tudo. Eu sabia que não ouviria aquela voz ao meu lado dizendo eu te amo todos os dias, sabia que não ouviria aquela voz ao pé de meu ouvido, acordando-me suavemente, trazendo-me arrepios, fazendo meu coração acelerar, eu sabia que nunca mais a ouviria. Eu só não queria admitir.
  Algumas batidas na porta me desconcentraram, ouvi uma última vez a mensagem de voz, limpei meu rosto encharcado pelas lágrimas e fui abrir a porta.
   estava diante à porta com um olhar preocupado, ela não disse nada, apenas me abraçou fortemente e eu a agradeci mentalmente, eu precisava muito daquilo. Ficamos um bom tempo ali, eu não queria dizer nada, e entendia isso só com um olhar, apesar de ter se passado dois anos, pra mim, era como se fosse ontem.
  - Vou pegar minha bolsa - disse entre alguns soluços e caminhei para o quarto.
  Assim que voltei, observava meu telefone, senti-me envergonhada por um instante, deveria ter no mínimo cinquenta ligações para o celular de ali.
  - Pode me chamar de infantil - disse sorrindo fraco assim que ela deixou o celular em cima da pequena mesa ao seu lado.
  - Não há problema algum você só querer ouvir a voz dele - ela disse fitando-me.
  Era por isso que era minha melhor amiga, ela me entendia, não me pressionava, bastava algumas palavras e tudo de mais louco em minha vida fazia sentido para ela. Tranquei a porta do apartamento e caminhamos para o elevador.
  - ... - ela disse assim que as portas se fecharam, direcionei-me à ela. - Vai ficar tudo bem - ela segurou minha mão fortemente. - Eu prometo.
  Não tinha como não abraçá-la.
  - está nos esperando no carro - ela disse assim que paramos no saguão, continuamos em silêncio por um bom tempo, assim era melhor, atualmente estava totalmente desorientada com palavras.
  Entramos no carro e partimos, e estavam de mão dadas, senti-me com inveja e de repente queria-os fora do carro, não por minha inveja, e sim para pular no banco da frente e me descontrolar no volante, para desequilibrar-me e derrapar, para rodar toda a extensão da ponte e afundar o carro no rio Colorado, assim como fizera .
  Gostaria de tê-lo convencido a dormir em meu apartamento, que a tempestade não ocorresse, acordar no dia seguinte e senti-lo ao meu lado, gostaria de ainda poder tê-lo.
  - Chegamos, - a voz de interrompera meus pensamentos, olhei para a janela, havíamos chegado ao cemitério, muitos familiares e amigos de estavam lá, eram tantas pessoas, havia passado dois anos desde a morte dele, mas nesse momento pude sentir sua presença, ele nunca estivera tão vivo pra mim, em algum lugar distante ouvi nossa música tocar, eu iria ficar bem.
  Uma brisa suave bateu em meu rosto assim que saí do carro, o céu estava coberto por um manto cinza de carregadas nuvens, peguei uma rosa de uma pequena banca de flores da entrada do cemitério.
  Era apenas uma flor.
  Mas ela era viva, forte e eu sabia que ela jamais iria murchar ou se despedaçar, por mais regras científicas que existissem, eu sabia que ela continuaria viva, robusta e adorável.
  Porque ela representava o meu amor. O meu amor por . Inesquecível.
  Como ele.

Sing me to sleep
Sing me to sleep
I'm tired and I
I want to go to bed
Sing me to sleep
Sing me to sleep
And then leave me alone
Don't try to wake me in the morning
'Cause I will be gone
Don't feel bad for me
I want you to know
Deep in the cell of my heart
I will feel so glad to go
....
I don't want to wake up
On my own anymore
Don't feel bad for me
I want you to know
Deep in the cell of my heart
I really want to go

There is another world
There is a better world
Well, there must be
Well, there must be
Bye bye



Comentários da autora