Apenas Negócios

Escrito por Lizandra Antunes | Revisado por Mah

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  - Com vocês, , a mais nova princesa do pop rock mundiaaaaaaal!!!
  Isso parece um sonho! Minhas músicas como as mais tocadas em todas as rádios do país, contratos publicitários de todos os tipos, quase fechando contrato com a gravadora, o que poderia dar errado? *! ! !* Meu Deus, eles estão chamando meu nome! Tenho que entrar nesse palco agora ou vou ter um piripaque! Ok, , acalme-se, vai dar tudo certo, seu momento cheg...

  - , acorda! A gente tá atrasada pra ir pra escola! – Ma-mas o quê? Ah não, isso só pode ser brincadeira, eu tava sonhando mesmo? Arg, droga!
  - Tá bom, mãe, já tô indo.
  Hoje é um dos dias mais importantes da minha vida. Terei a chance de mostrar minhas composições a um grande músico, Jeff Stinco, guitarrista de uma das minhas bandas favoritas, Simple Plan. Senhor, como estou empolgada! Isso pode mudar minha vida! Depois da escola, eu e o Luke vamos até o estúdio de gravação onde marcamos com ele e mostrarei minhas músicas. Espero que ele goste. Pelo menos isso não é um sonho, aliás, é bem real.

  APÓS A AULA
  - Luke, vamos!
  - Está bem, apressada, já tô indo. – Juro, se o Luke demorar mais um pouco com essas garotas, ele vai sentir quão pesado meu punho pode ser. Tá frio aqui, poxa, esse inverno não está fácil não!
  - VAAAAMOS! – Gritei pra ele.
  - TÁ BOOOOM! – Me respondeu. Vai logo, menino, depois você arranja uma namorada.
  Luke é meu irmão mais velho e, consequentemente, meu melhor amigo. Ele tem 19 anos, mas ainda está no último ano da escola, apenas um ano na minha frente – quem mandou ser repetente? Ele vai comigo hoje no encontro com sir. Stinco.
  - , se você me apressar mais uma vez, faço você ir até o estúdio a pé. – Veio até mim.
  - Tá bom, calei, preciso muito dessa carona, mas juro, se eu chegar atrasada e o Jeff já tiver ido embora, eu mato você!
  - Isso a gente descobre daqui a pouco, agora fica quieta que é melhor. Até mais, meninas, nos falamos amanhã. – Despediu-se de longe de suas “amiguinhas” e fomos. Morro de ciúmes dele – e ele de mim.

  No caminho, pegamos um pouco de trânsito. Fiquei brigando com Luke e volta e meia ele soltava uma das mãos do volante e tampava minha boca. Não o culpo, sou muito chata quando quero. Xinguei tanto esse menino que, por ordem natural, ele deveria estar me odiando. Enfim, demoramos, mas chegamos. Entrei e perguntei ao segurança onde ficava a sala em que o Sr. Stinco se encontrava. Ele me deu as informações e seguimos até lá. Pedi licença e ele me mandou entrar. O lugar era aconchegante (lê-se, quente), lindo, todo equipado com máquinas das mais avançadas gerações, perfeito. Agradabilíssimo, Jeff chegou e nos cumprimentou. Apresentei-lhe meu irmão e ele pediu que nos sentássemos.
  - Então, , o que te trás aqui?
  - Bem, antes de qualquer coisa, eu gostaria de agradecer pela oportunidade que o senhor...
  - Opa, por favor, chame-me de você. – Rimos e eu fiquei meio sem graça pela minha formalidade.
  - Ok. Queria agradecer pela oportunidade que você está me dando. Não sabe como isso está sendo importante pra mim.
  - Eu imagino, é muito bom quando alguém se interessa pelo seu trabalho. – Concordei com a cabeça e sorri. Olhei rapidamente para Luke e ele parecia orgulhoso de mim. – Mas agora me diga. O que você veio me mostrar?
  - Ah sim, claro. Eu tenho algumas músicas e gostaria que você desse uma olhada. – Tirei minha pasta de músicas de dentro da mochila e comecei a separar minhas obras-primas. – Eu escrevo no meu caderno e depois passo pro computador. Aí eu imprimo as letras e, às vezes, eu e Luke conseguimos fazer algumas das melodias. Tenho essas em partituras e essas aqui apenas impressas. – Entreguei-lhe todos os papeis possíveis e fiquei observando-o.
  - Quantos anos você tem mesmo?
  - 16, por quê?
  - Você escreve muito bem para uma garota da sua idade. – O que, garotas de 16 anos não podem escrever coisas legais? – Geralmente estão todas preocupadas demais com namorados, futilidades ou mesmo com tirar notas boas na escola. São poucas como você que ainda se interessam assim pela música ou mesmo que têm esse dom, o verdadeiro dom da composição.
  - Poxa, até assustei agora. Um músico bem-sucedido como você me dizendo uma coisa dessas? Oh God, tô bem mesmo. – Ri de mim mesma e todos me acompanharam.
  - Não estou brincando, , você tem futuro brilhante no mundo musical. Mas se quer um conselho, entenda, não importa quanto dinheiro ou fama você vai conseguir, você tem sempre, SEMPRE tem que ser quem você realmente é. Nunca se deixe levar pela opinião dos outros. Se for pra melhorar, claro, fique atenta, mas se forem críticas sem fundamento, apenas esqueça e bola pra frente. E lembre-se, se confiar em si mesma, na sua música e no talento que tem, você sempre será boa o suficiente para tudo e para todos.
  - Nossa, arrepiei.
  - Mas é pra arrepiar mesmo, garota. Um talento como o seu não se encontra fácil assim, não dá pra deixar passar. Aliás, pensando nisso, quero te fazer uma proposta. Quer abrir um show do Simple Plan? – Gelei e meu coração parou. COMO ASSIM SE EU QUERO ABRIR UM SHOW DE VOCÊS? Fiquei pálida e meu irmão começou a me chamar pra ver se eu voltava do meu mundinho de pensamentos.
  - É-é, cla-ca-claro! – Gaguejando muito, mas beleza. – E-e-eu nem sei direito o que dizer.
  - Não diga nada, cante. Aliás, nem te perguntei, você sabe cantar?
  - Sei sim.
  - Então pronto, nem precisará que alguém cante sua música na abertura do show, você mesma fará isso. Vou falar com o restante da banda, mas tenho certeza que eles adorarão abrir espaço pra uma nova estrela brilhar. Seu momento chegou. – A frase do meu sonho! Bem onde eu acordei, seu momento chegou, que máximo!
  - Jeff Stinco, você está realizando mais do que um sonho meu, está dando vida a novos!
  - É essa minha função, despertar sonhos em jovens especiais como você.
  - Vocês não vão se arrepender, eu prometo.
  - Sei que não. Olha, agora eu tenho mesmo que ir, temos uma coletiva de imprensa, mas vou pedir que deixe seus dados com nosso agente, ele vai cuidar de tudo. Então, minha querida, nos vemos em algumas semanas. – Comecei a chorar e o abracei. A emoção é muito forte, não tem explicação! Era algo quase que impossível, nem nunca pensei nisso, e aí de repente eu venho mostrar meu trabalho e ele me convida para abrir um show? BENDITO SEJA O SONHO DE HOJE DE MANHÃ!
  - Desculpe-me o choro. Muito obrigada, muito obrigada mesmo. Não sei se um dia poderei retribuir de alguma forma. – Separei-me do abraço para poder agradecê-lo olhando-o nos olhos.
  - Está tudo bem. Até breve, . E até uma próxima vez, Luke.
  - Até mais. – Eu e o Lu respondemos juntos. Abracei-o com força, obrigada por me trazer aqui hoje, maninho, você fez toda a diferença.
  O agente deles veio até nós e começou a me fazer uma pancada de perguntas. “Por favor, querida, qual é o seu nome?”. “ ”. “Idade?”. “16 anos” – e por aí foi. Passei todos os meus dados e ele me explicou a data e como tudo vai funcionar. Disse-me que uma limousine irá me buscar no dia do show. Não me aguentei e soltei um gritinho histérico. Luke de deu um tapa e me mandou calar a boca. Ah, vai se ferrar, eu tô animada, feliz, eufórica, sei lá mais o quê, mas eu posso, é o meu momento. Saí da sala abraçada com meu irmão – como eu sou bem menor que ele, é muito bom quando ele coloca o braço por cima dos meus ombros e me abraça forte, mesmo quando é pra bagunçar meu cabelo.
  - Gosto disso – disse.
  - Do que, baixinha? – Dei um tapa em seu peito e nós rimos.
  - Da cumplicidade que nós temos, apesar de você ser um bobão...
  - Hey, bobona você!
  - Não sou não. Que eu saiba, não sou quem fica correndo atrás daquelas garotinhas fúteis e blá blá blá. – Fiz careta e ele tirou o braço de cima de mim, parando em seguida.
  - Elas não são fúteis, são gostosas – ele me olhava indignado. Qual é, tô mentindo? Ok, eu mesma respondo: NÃO!
  - Ah é? Então pronto, vai lá ficar com as suas amiguinhas gostosas e deixa que eu vou ensaiar pro show sozinha. – Dei as costas pra ele e saí andando de braços cruzados.
  - Ahhh, mas não vai mesmo. – Luke correu atrás de mim e me pegou no colo, jogando-me sobre os ombros como se fosse uma sacola de mercado.
  - LUKE, SEU IDIOTA, ME PÕE NO CHÃO! – Ele ria como se tivesse ganhado na loteria. Não sei como, mas ele estava me aguentando e corria comigo pelos corredores do estúdio. Chegamos até a porta e ele me colocou no chão, depois de muitos socos e tapas que levou de mim.
  - Que vergonha! Ah, maninho, você vai ver, vou te aprontar uma que você nunca mais vai esquecer. – Apontei o dedo na cara dele.
  - E você acha mesmo que eu tenho medo de você, pirralha das rimas?
  - Pirralha que tem 16 anos, que você adora e que, graças a essas rimas, vai abrir um show do Simple Plan. Satisfeito ou você quer mais?
  - Ah, cala a boca e vamos embora. - Rimos feito dois manés. Entramos no carro e fomos direto pra casa, não posso mais esperar pra contar a novidade pra minha mãe.
  Chegando, corri até a cozinha, onde minha mãe estava presa no telefone – novidade... Arranquei-o da mão dela e despedi-me de quem quer que fosse. Óbvio, ela brigou comigo e me disse coisas como “Cadê a educação, menina?”. Quase que eu respondi “Foi pastar”, mas ia acabar levando um soco na boca, então preferi ser mais direta. Contei tudo o que tinha acontecido nas últimas horas e a raiva que ela estava da minha má educação passou. Um sorriso maior que a boca se formou em seu rosto e ela me abraçou como nunca. Em seguida, ela pegou o telefone da minha mão. “Hey, cadê a educação?” – retruquei. Ela me mandou ficar quieta, claro, fez “Shhh!” e continuou. Logo descobri que ela estava ligando pro meu pai. Ela gritava ao telefone e era possível perceber que ele também. Engraçado, agora que eles se separaram parecem mais unidos do que nunca. Minha mãe tava pulando com o telefone na mão quando começou a ir em direção ao quarto. Fiquei parada olhando-a ir embora. “Pônei maldito, é você?” – Ri do meu pensamento e subi pro meu quarto, tenho que começar a me preparar, o show é daqui a um mês e quero fazer bonito. Quem sabe isso não pode ser o começo de tudo?

  Tio Jeff vem nos visitar. Assim que ele sair da coletiva de imprensa da banda, virá pra cá. Meus pais estão irritados comigo porque tenho tirado notas ruins e eles têm recebido muitas reclamações da parte dos meus professores com relação ao meu comportamento. Se quer saber, pouco me importa o que qualquer um deles pensa de mim, não faz a menor diferença.
  Acontece que eles querem que eu vá passar um tempo com meu tio, pra ver o trabalho dele e coisas assim. Eles acham que, se eu ficar em tempo integral com alguém com uma vida agitada como a do tio Jeff, vou aprender a ter um pouco mais de responsabilidade. Bobagem, não vai funcionar. O máximo que pode acontecer é que meu tio se canse de mim e me devolva pra cá – para a frustração dos meus “maravilhosos” pais. Sim, sou um aborrecente, um jovem rebelde, não sirvo pra essas de filhinho exemplar, não sou o bonequinho de pano que minha mãe sonhava em brincar. Eu quero é sair pelo mundo, fazer turnês. É, até que por um lado eu vou gostar de passar um tempo com meu tio, poderei ver como é a vida de um astro da música, saber como devo lidar com aquelas pessoas interesseiras que chegam perto de você só pelo seu dinheiro, como conseguir mulheres – essa vai ser a melhor parte –, como dar as melhores festas... Tá ok, talvez isso seja bem útil.
  Meu verdadeiro sonho é tocar guitarra profissionalmente. Quero atrair plateias gigantescas, capazes de encher, no mínimo, dois dos maiores estádios do mundo – acho que, para um início, está bom. Eu e mais três amigos temos uma banda, mas nada que faça realmente alguma diferença, é mais pra gente treinar com nossos instrumentos e pegar nossas próprias manhas. Claro, ganhar meninas faz parte do pacote.

  DUAS HORAS E MEIA DEPOIS
  - Cadê o Jeff? Ele disse que viria direto da coletiva pra cá. – Minha mãe estava inquieta e agoniada, andando de um lado para o outro da sala, tio Jeff estava demorando demais.
  - Calma, Monica, seu irmão disse que vinha pra cá, não disse? Então, espere que daqui a pouco ele chega. – Meu pai tentava acalmá-la. Acho que não vai fazer muito efeito.
  - Edward, não sei como você pode estar tão calmo. Precisamos conversar urgentemente com meu irmão sobre o , é muito importante que ele passe esse meio de inverno com o tio. – Lá vem essa ladainha de novo... Será que ela não cansa de falar como se seu único problema fosse a minha presença aqui?
  - Tá bom, mãe, vamos fazer assim: você para de dar chilique, liga pro tio Jeff e pergunta se aconteceu alguma coisa. Aí ele te explica tudo e você para de me encher a paciência, pode ser? – Sorri sínico. Ela se virou pra mim que nem a menina do exorcista. Tão irada, mas tão irada, que pensei que ela criaria asas e voaria direto com as mãos para o meu pescoço. Meu pai a segurou e olhou torto pra mim. Fiz cara de desdenho e virei para o outro lado. “Meu Deus, o que eu fiz pra merecer isso?” – Ela se perguntava olhando para o teto, indignada.
  - , para o quarto. – Meu pai falou firmemente. “Não enche” – resmunguei e subi.
  Assim que cheguei ao meu quarto, tranquei a porta e me joguei na minha cama. Na escrivaninha ao lado, estava meu celular e meus fones de ouvido. Peguei-os e coloquei no meu rock favorito, no último volume. Virei de barriga pra cima, com as mãos sob a cabeça, e fechei meus olhos. Imaginei tudo o que eu queria conquistar: público, reconhecimento, fama, dinheiro, garotas, contratos... É tudo bom demais pra ser verdade. Percebi que estava perdendo os sentidos, se bem que descansar um pouco agora não tem problema algum.

  Pude ouvir batidas e mais batidas na minha porta. Que diabos estão fazendo aqui? Eu dormi por muito tempo? Olhei no relógio, mais 45 minutos se passaram. Merda, nem pra me deixar descansar um pouco. De repente, ouvi a voz de alguém. Um homem. Meu tio! A essa hora, ele já deve ter falado com meus pais.
  - , abre essa porta, camarada.
  - Caraca, tio, da pra esperar pelo menos eu me localizar no tempo e espaço? – Gritei da cama mesmo. Chacoalhei a cabeça pra ver se conseguia enxergar um palmo na frente do nariz. Fala sério, cara, ser acordado assim ninguém merece! Levantei-me e fui até a porta, destrancando-a. – Que foi, cara, o que eu fiz dessa vez? – Disse meio zonzo ainda.
  - Poxa, , pensei que tivesse morrido aí dentro. – Resmunguei um pouco cocei os olhos. – Não vai me convidar para entrar?
  - E desde quando você precisa de convite para entrar, seu babaca? – Rimos.
  - Olha a boca, garoto. – Fizemos nosso toque e eu gesticulei para que ele entrasse. Nos sentamos na minha cama e ele me olhou. Deixando a brincadeira de lado, agora me olhava sério.
  - Ih, vou repetir a pergunta, o que eu fiz dessa vez?
  - , você sabe o que eu penso sobre essa ideia dos seus pais de te mandarem pra morar comigo nesse penúltimo mês de inverno, né?
  - Ah, tio, você com essa história também?
  - Ué, mas isso diz respeito diretamente a mim!
  - Vai, continua.
  - Então, você tem 17 anos e estaria prestes a terminar o Ensino Médio, se não estivesse pendurado em quase todas as matérias. – Virei os olhos. – Sei que ainda ninguém te perguntou, mas você gostaria de vir morar comigo? Quem sabe assim consigo colocar um pouco de juízo nessa sua cabeça...
  - Oi? Espera, eu ouvi direito? Alguém se importa com a minha opinião, é isso?
  - Cara, não fala assim, seus pais te amam demais. Claro, do jeito deles, mas te amam.
  - É, jeito esse que não é muito normal.
  - Sou obrigado a concordar, mas, convenhamos, você também não colabora, né?
  - Ah, tio, sai fora. Por que eu tenho que ser “bonzinho” quando eles nem ao menos pedem minha opinião pra comprar um mísero prato ou copo? Sabe, coisas insignificantes, mas nem pra isso eles confiam em mim. Cansei de ser tratado como um nada dentro dessa casa. Quer saber? Quero sim, eu quero ir morar com você. – Tio Jeff ficou com um ar de surpresa. Ele me perguntou, não? Então pronto. Quem pergunta quer resposta, não tem nada que ficar surpreso ou reclamar. Ele perguntou e eu respondi, acabou.
  - Você tem certeza, camarada? É um mês morando comigo, você vai ter que se acostumar com essa vida louca que eu levo.
  - Eu sei, tio, mas quero aprender tudo direitinho para, quando eu for tão famoso quanto você, poder fazer as escolhas certas. Eu sei que sou o “garoto problema” da família, eu também sonho em me tornar um astro da música como você.
  - Tá bom, se isso vai te incentivar a, no mínimo, não virar um marginal, pra mim já está ótimo. Vou falar com seus pais.
  - Mas pensei que já tivesse conversado com eles.
  - Já conversei, só que eu não tinha te ouvido ainda. Agora que sei sua opinião, vou conversar com eles e explicar tudo certinho. Mas, por favor, não saia daqui enquanto isso.
  - Mas você vai me ajudar, né?
  - Vou, cara, fica tranquilo. Volta a escutar suas músicas, dorme mais um pouco e depois a gente conversa.
  - Valeu, tio.
  - De nada, cara, só quero o teu bem. Até mais então, , e controla esse menino mau que mora dentro de você, ok? – Ele fez uma vozinha super irritante e ficou me cutucando com o indicador, bem no lugar do coração.
  - Tio...
  - O que foi, sobrinho?
  - Eu não tenho mais 10 anos – ele parou e olhou pra mim, de um jeito meio sinistro até. – Fora que tá muito gay.
  - Bebê, não fala assim com o titio. – Repetiu a vozinha e gesticulou como se fosse uma velha. Começamos a rir como dois idiotas.
  - Cara, vai embora. – Fui empurrando-o para fora da minha cama.
  - Hey, também não precisa expulsar!
  - Vai falar com meus pais que é melhor, preciso que essa situação se resolva rápido. – Chegamos até a porta.
  - Então até mais, né?! Nos vemos mais tarde. – Rimos e fizemos nosso toque de novo, para nos despedirmos.
  - Até, tio, agora tchau. – Fechei a porta na cara dele e ele começou a bater na porta, “brigando” comigo como se fosse minha mãe. “Espero que ela não nos ouça” – comentou depois de muito zoar com a cara dela. Ri do idiota que é meu tio, mas vou fazer exatamente o que ele disse: voltar pra cama, com meu celular e fones, e dormir. Já está de noite, nem vou descer pra jantar. Banho eu tomo amanhã, vou só escovar os dentes.

  DIA SEGUINTE
  A escola foi o saco, não tô com paciência nenhuma pra aturar sermão de professor. Onde aquele velho idiota que da aula de inglês entra no fato de eu não ter caderno? Cheguei em casa, o clima parecia tenso. Meus pais não estavam falando nada além de alguns cochichos. Joguei minha mochila no sofá e me sentei de qualquer jeito ao lado dela. Peguei o controle da TV e fui passando, sem prestar atenção alguma no conteúdo dos canais. Fui passando, passando, várias vezes por vários canais. Do nada, minha mãe chegou e arrancou o controle da minha mão, desligando a TV.
  - Hey! – Protestei.
  - Vem comer. – Só me disse isso e foi embora.
  Muito estranho, mas enfim. Sentei-me na mesa para almoçar. Era minha comida preferida. Uma pergunta: o que ela pretende com isso? Achei ainda mais estranho, mas logo entendi o porquê.
  - Você vai morar com seu tio.
  - Oh não, mamãe, pensei que vocês me amassem, que me quisessem aqui. – Provoquei-a.
  - , não é hora de ficar com provocações, estamos falando sério com você. – Meu pai me repreendeu. – Ontem, seu tio conversou conosco e nos disse que você queria passar o meio do inverno com ele. Fizemos um trato: você vai morar com ele, mas terá que se comportar. Não é porque eu e sua mãe estaremos longe que você vai fazer o que quiser. Terá que obedecê-lo, suas notas devem melhorar, você deve criar um pouco de responsabilidade e, caso o acordo seja descumprido, iremos confiscar a guitarra que você ganhou e...
  - Confiscar minha guitarra? – Alterei minha voz. – Vocês não podem fazer isso comigo! Vocês não têm esse direito! A guitarra é minha, tio Jeff me deu, ela vai comigo pra casa dele, vocês não terão como fazer nada!
  - , não estamos perguntando se temos direito ou não, estamos dizendo que, se você descumprir o combinado, vou falar com meu irmão e ele vai tirar a guitarra de você. – Minha mãe se intrometeu.
  - ISSO NÃO É JUSTO! – Gritei e fui para o meu quarto, abandonando meu prato em cima da mesa.

  “Eles não podem fazer isso, eles não podem fazer isso!”, repetia para mim mesmo, andando de um lado para o outro do quarto. Liguei pro meu tio, para ver se conseguia negociar, mas aquele agente deles disse que ele estava ocupado demais para atender. Ocupado o caramba! Pra mim ele nunca está ocupado. Liguei no celular pessoal dele, mas nem chegou a chamar. Minha raiva foi aumentando e, para não destruir nada como da última vez, resolvi tocar.
  Peguei a guitarra, conectei na caixa de som e coloquei no último volume, para ensurdecer a vizinhança mesmo. Comecei a tocar o rock mais pesado que eu conhecia, logo meus pais subiram e começaram a reclamar comigo. Quando os ouvi, toquei ainda mais forte, com mais raiva, deixando o solo da música muito mais irado e enlouquecedor, e foi assim até eu conseguir fazê-los sair do quarto. Fiquei tocando e olhando pelo janela, minha mãe saiu de casa e meu pai foi atrás dela. “Vai ser muito melhor pra eles se eu estiver longe daqui”, pensei. Toquei mais um pouco, mas, como eu peguei a guitarra só para afrontá-los, decidi terminar a música e tentar ligar de novo pro meu tio. Nada outra vez. Me cansei disso e resolvi dormir, já que não tem mais nada de útil pra fazer.

  O dia foi maravilhoso. A escola parece até mais bonita desde a notícia de ontem. Não contei pra ninguém, quero apenas que eles comprem os ingressos e, de repente, me vejam no palco. Vai ser irado.
  Para minha surpresa, aula de matemática hoje foi legal e ineditamente proveitosa, consegui fazer tudo e ainda recebi elogio do professor. Na hora do almoço, não me contive e falei o tempo todo sobre como queria que tudo acontecesse. Estava pensando, não sou muito exigente, existe artistas muito piores do que eu. Bem, comentei tudo com minha mãe e meu irmão, tanto que eles até me mandaram calar a matraca e comer alguma coisa, já que eu mais falava do que colocava o garfo na boca. Terminada a refeição, fui para o meu quarto rever tudo o que tinha mostrado para o Jeff.
  O que aconteceu naquela sala de estúdio ontem foi simplesmente mágico. Estava com sono, então nem consegui ficar muito tempo olhando aquelas letras e partituras, mas só percebi que dormi quando acordei, de noite, e tive que sair correndo pra comer, tomar banho e coisas assim. Estou muito eufórica, capaz de nem conseguir mais dormir direito, pois, quanto mais os dias passam, mais eu me aproximo do dia em que vou participar de um show. Acho que sei a palavra que descreve minha vida neste momento: mágica.

  DUAS SEMANAS DEPOIS
  - , vamos logo, garota, ou você vai chegar atrasada. Dessa vez a culpa não será minha – Luke fica me apressando para irmos embora da escola, mas se esquece de que é sempre ele quem enrola pra sair.
  - Sabia que o Jeff marcou comigo daqui a uma hora? Pois é, maninho, não estou atrasada, você que quer ir logo pra ver aqueles seus filmes idiotas na TV. Só lembrando que vamos passar em casa só pra eu trocar de roupa, vamos comer mega rápido e depois vamos direto pro estádio, não vai dar tempo de você assistir aquela porcaria.
  - Tá, eu entendi. Mas, mudando de assunto, na boa, , nem da pra acreditar que você, minha irmã mais nova, vai abrir um show do Simple Plan... Não vá se acostumando com isso, mas devo admitir, estou orgulhoso de você.
  - Ai, que bonitinho, Lu, mas não se esqueça de que, se você não tivesse me levado até o estúdio aquele dia, nunca teria acontecido nada disso. Obrigada.
  - Eu sei, nunca me esqueço disso – sorriu provocador e eu dei um soco no ombro do convencido do meu irmão.
  - Não espere que eu vá dizer isso de novo.
  - Ahhhh... – Brincou.

  Entramos no carro rindo e fomos pra casa. Tomei um banho a jato e coloquei uma das minhas combinações de roupas preferidas. Estava bonita. Desci e encontrei minha mãe e Luke na mesa do almoço. Eu e ele comemos rapidamente e fomos direto ao estádio onde acontecerá o show. Hoje vou combinar quantas músicas devo cantar, a roupa que vou usar, ingressos pra minha família... Ah, tenho que tirar algum proveito disso, né?
  No caminho, ligamos o rádio e eu pedi pro Luke deixar bem alto, não pra ensurdecer ninguém, mas alto. Fui cantando feito uma maluca, divertindo a nós dois com minhas caretas e agudos desafinados.
  Chegamos e fui no mesmo esquema, perguntando e me orientando. Fomos encaminhados para o gramado e lá vimos um grande palco. Me arrepiei inteira com aquela cena, imaginando que, daqui a duas semanas, estarei lá em cima agitando uma multidão. Uma palavra: incrível! Jeff estava lá em cima, provavelmente ajeitando detalhes. Ele nos viu e veio até nós, levando-nos até onde estivera poucos instantes atrás.
  - , acho que sabe que eu e a banda não poderemos tocar suas músicas, né?
  - Sim, eu sei. Eu estarei abrindo o show, então vocês ainda não estarão no palco quando eu entrar.
  - Isso mesmo. Bem, você não vai cantar acústico, eu acho que tenho a banda perfeita para suas músicas. Gostaria de te apresentar meu sobrinho, . – Ele apontou para um garoto que estava sentado um pouco distante de nós com um violão na mão. Assim que Jeff pronunciou seu nome, ele olhou em nossa direção e caminhou até nós. Confesso que o que mais me chamou atenção nele não foi nem a camiseta do Def Leppard que ele usava, mas sim os olhos pretos e profundos que ele tinha. Luke percebeu que eu fiquei “em transe” e pisou no meu pé. Quase meti um murro na cara desse idiota.
  - Olá – cumprimentei-o delicada. Ou melhor, derretida.
  - Oi – ele foi mais seco comigo e eu estranhei.
  - Então... Tudo bem? – Tentei puxar assunto. Em vão.
  - , por favor, não me faça passar vergonha, cumprimente a .
  - Tô bem sim, e você? – Uau, ele sabe responder!
  - Estou bem, obrigada.
  - Sabe, – Jeff parecia desconfortável com a situação. – Meu sobrinho tem uma banda, ele e outros três amigos vão tocar pra você.
  - Bem, para o meu tio ter te escolhido, você deve ser realmente muito boa – comentou com um ar de provocação. Será que ele é sempre assim?
  - Sou sim.
  - E humilde também, né? – O que ele quis dizer com isso? Jeff também percebeu o veneno nas palavras de e não perdeu tempo.
  - Desculpe-me a má educação desse Mané. Ele está morando comigo faz quase duas semanas e ainda não consegui corrigi-lo.
  - Tudo bem, Jeff, a culpa não é sua. À propósito, , não sou convencida, sou confiante. Aprendi isso no dia em que conheci seu tio. Já que está morando com ele, deveria saber que ele apoia jovens com talento. Me escolheu porque gostou do meu trabalho e me disse que eu não deveria me sentir acuada quando ouvisse críticas ou comentários sem valor. Apenas coloquei a lição em prática. – Venci? É, acho que sim. Pelo menos a cara do garoto não foi boa. Olhei de relance para Luke e percebi que ele segurava o riso. Em seguida, Jeff pediu que se retirasse e fosse adiantar alguma coisa por ele. Depois da minha resposta, o gatinho perdeu a língua, que pena...
  - Peço mil desculpas – Jeff parecia envergonhado.
  - Não, eu é quem peço desculpas, fui ignorante. Olha, me desculpe, Jeff, mas esse seu sobrinho não é fácil não.
  - Rapadura é doce, mas não é mole, né? – Ele me respondeu e todos nós rimos.
  - Ok, depois eu me entendo com ele, vou precisar me dar com o... O que da banda?
  - Guitarrista, ele é guitarrista que nem eu.
  - Ah, então o instrumento é de família – fiz careta e acabei fazendo todos rirem.

  DE NOITE
  “Rapadura é doce, mas não é mole”, essa frase ficou martelando na minha cabeça a tarde toda. Será que minha convivência com essa garoto será tão ruim assim?

  “Não sou convencida, sou confiante”, garotinha arrogante essa, hein? Já tô até vendo-a querendo mandar em mim durante os ensaios das próximas semanas. Mas acredite, menina, não será fácil me fazer de gato e sapato não...

  UMA SEMANA DEPOIS
  Nossa! Nunca pensei que tocar o dia todo, todos os dias, durante uma semana pudesse me cansar tanto. Caramba, meu tio merece um descanso – e eu também. Bem, se fosse só eu, os caras da banda, meu tio e a banda dele, até que seria legal, mas ainda tem aquela tal de e o irmãozinho sombra dela. Pô mano, pra onde essa garota vai esse moleque vai atrás, eu hein. Sabe, tá sendo legal morar com meu tio. Já tem três semanas que eu tô aqui. O frio de inverno não ajuda nos ensaios, mas com certeza aquela pirralhinha é pior. Garotinha irritante, pô, quer voltar a música toda hora, ensaia a tarde toda, não tem mais nada pra fazer não? Tá ok, tenho que reconhecer, ele é linda, tem um corpinho perfeito, mas eu não consigo ser legal com ela. Se quer saber, quando nos conhecemos, eu até que queria ser legal, pra poder conquistar a gatinha mais fácil, mas, quando eu cheguei perto dela, alguma coisa não me deixou me aproximar mais, e muito menos ser gentil ou qualquer coisa do tipo. Mas, pior que tudo isso, é que ela não sai da minha cabeça. Menininha infeliz!
  É, , pelo jeito, você ainda vai me dar muita dor de cabeça...

  , esse é o seu nome, né? Pois bem, , você entrou pra minha lista negra. Que garoto estúpido, Senhor! Tudo o que eu faço ele reclama, tem uma linguinha afiada do caramba, um sarcasmo que consegue me tirar do sério, me provoca mais que o Luke... Na boa, se não queria trabalhar comigo, por que topou? Falasse pro seu tio que não gostou de mim e que ele precisava arranjar outro guitarrista pra tocar comigo, problema resolvido. Mas não, precisa implicar.
  Ok, sejamos justos, ele é lindo demais, um olhão preto que faz a gente esquecer até o próprio nome, mas esse comportamento dos infernos acaba com todo o encanto. Olha, quando a gente se conheceu, eu bem que tentei ser educada com ele, mas agora é impossível! Se não fosse por essa bendita abertura que eu vou fazer e que precisa de ensaio, juro que eu dava as costas e nunca mais ia ver esse garoto na minha vida. Se não vai ajudar, , também não atrapalhe!

  NOITE DO SHOW
  Coração a mil. Mãos suando e as pernas tremendo. É agora. Estou no camarim, sentada de frente para o espelho, vendo quão glamorosa minha maquiagem e meu figurino ficaram. Eles realmente capricharam na hora de contratar os profissionais que iam cuidar de mim. Tudo está perfeito, melhor que num sonho, e olha que é só uma abertura, imagine no dia em que eu estarei esperando para começar o meu próprio show...
  Tinha pessoas vindo aqui de hora em hora me avisar quanto tempo ainda faltava, mas já não falta mais nada. Meus pais e meu irmão estão na plateia. Meus amigos já devem estar chegando, mas, claro, eles não sabem que eu farei a abertura do show, consegui convencê-los dizendo que eu viria e que esse seria o melhor show de todos. Com relação ao número de músicas, combinamos duas. A noite está mágica – e novamente essa palavra está encantando minha vida. Nada pode dar errado, nada vai dar errado.

  É, mais três dias e eu volto pra casa. Depois de muito trabalho com a banda, finalmente vou poder descansar. Sinceramente, o que eu mais queria hoje era estragar as músicas daquela arrogante, mas, se eu fizer isso, minha banda que será conhecida como ruim e os rapazes não merecem isso – nem eu. Vou fazer bonito, vou dar orgulho pro meu tio, vou fazer com que ele veja que valeu a pena entregar essa abertura em minhas mãos. Chamei a galera da escola, o pessoal vai estar todo aqui.
  Um cara chegou aqui no camarim e nos avisou de que o show começará em poucos minutos. É agora. A chance da minha banda se tornar um sucesso e eu, finalmente, realizar meu maior desejo: guitarrista profissional. Vamos lá, rapaziada, o show – literalmente – já vai começar.
  Passamos por alguns corredores até chegar no palco. Eu e os caras nos posicionamos e eu tremi na base quando vi aquela multidão. Procurei pela minha turma do colégio, mas a única pessoa que consegui avistar foi o irmão xarope da . Ele estava conversando com outras duas pessoas, que suponho que sejam os pais dela. Outra pessoa subiu no palco, aquele que iria nos apresentar ao público. Um holofote foi jogado sobre ele e todos gritaram. Ele falou alguma coisa, mas eu não prestei muita atenção, até que ele disse o nome da banda. Todos os holofotes agora estavam sobre nós e eu gelei. Olhei para o nosso baterista, ele balançou a cabeça positivamente e acabou me ajudando a me recompor. Tomei uma postura mais firme e esperei que ele anunciasse a . No momento em que isso aconteceu, vi uma garota radiante passar por detrás de mim e chegar ao centro do palco. Apesar de segura, ela estava tímida, mas, mesmo assim, venceu o medo e acenou para o público. O baterista deu o sinal e nós começamos a tocar a primeira música.
  Era um pouco menos puxada pro rock, o que exigia menos a minha participação, mas confesso que gosto do estilo dela. Aliás, numa dessas semanas, roubei um caderninho que ela levava pros ensaios e descobri que era onde ela escrevia suas músicas. Em segredo, toquei todas elas e fiquei impressionado com o talento de . Entendi o motivo pelo qual tio Jeff a chamou para a abertura do show, ela é muito boa – em tudo.
  A música que tocávamos estava quase no final e eu consegui esboçar um sorrisinho no canto da boca quando lembrei disso, mas nada que durasse muito tempo. Logo a música acabou e o público foi ao delírio. fez alguns agradecimentos – ao meu tio, à banda dele. Em seguida, ela foi apresentar os componentes da minha banda. Começou pelo baixo, depois teclado, bateria e, por último, a guitarra. Quando foi falar meu nome, olhei pra ela, não como nos ensaios quando eu olhava rude ou provocador, mas sim com firmeza, com apoio. Acho que ela não entendeu. Me olhou estranho, mas não deu nenhum sinal de provocação, afinal, estamos no palco e tem câmeras sobre nós, não podemos ficar de picuinha aqui.
  Ela anunciou o nome da segunda música e fez sinal para que começássemos. Essa sim fazia meu estilo, rock de qualidade, exigia bastante de mim. Sabe, acho que minha implicância com ela está passando, depois de duas semanas trabalhando juntos. Essa não, minha implicância com ela está passando. Não posso deixar de irritá-la, é muito divertido! Tá legal, parei.
  A música foi chegando ao final. Acabou. Demos um último arranjo e o mesmo homem que subiu no palco para nos apresentar à plateia agora subia para se despedir de nós e chamar o Simple Plan. Saímos aplaudidos. Os garotos se retiraram antes e eu fui atrás dos três, deixando pra trás. Assim que terminei de descer as escadas que ligam o palco aos bastidores, encontrei meu tio e a banda. “Muito bem, garoto, tô orgulhoso de você”, tio Jeff disse assim que me viu. O restante da banda também nos parabenizou. Olhei em direção ao palco e vi descendo as escadas. O último degrau é bem alto, então corri até ela para ajudá-la. Cheguei e parei de frente à escada.
  - Posso? – Perguntei esticando os braços. Ela me olhou esquisito e tentou questionar, mas percebeu que eu não estava brincando e concordou. Segurei-a pela cintura e ela apoiou as mãos em meus ombros. Coloquei-a no chão e olhei em seus olhos castanhos, seus lindos olhos castanhos.
  - Obrigada – sorri discretamente em resposta. – Por tudo – completou.
  - Não precisa agradecer, , tudo o que aconteceu aqui hoje foram apenas negócios. – Ela concordou comigo e desviou o olhar, saindo de perto em seguida.
  Fiquei observando-a sumir em direção ao camarim. Os rapazes tentaram me tirar do “transe” que fiquei depois de olhar fixamente para aquela garota tão curiosa. Ela é talentosa, esperta, alegre, gostosa, mas consegue tirar qualquer um do sério. É incrível como eu consigo me irritar com tudo o que ela faz. Bem, agora um pouco menos do que quando nos conhecemos, mas mesmo assim. Decidi tentar entender por que tenho essa barreira com ela. Disse aos garotos que iria ao nosso camarim daqui alguns minutos e eles foram.
  Segui até o camarim da e percebi que a porta estava entreaberta. Agachei ao lado da porta, com as costas encostadas na parede, mas não me contive. Olhei. Ela estava de pé em frete ao espelho, um pouco ofegante, por causa da abertura, e de roupão. Ela se virou bruscamente na direção da porta e eu tentei me esconder na parede. Achei que ela tivesse me visto, mas como não chegou à porta, deduzi que ela apenas ouviu alguma coisa ou simplesmente quis se virar. Tomei coragem e voltei à espionagem. Descobri o motivo pelo qual ela se virou. Quando eu olhei da primeira vez, ela estava de roupão, agora o mesmo estava pendurado e ela estava com uma camisetinha de alça e um shortinho. Ela havia comentado que, assim que terminasse sua apresentação, iria assistir ao show com sua família. Imaginei que esse fosse o motivo de tal traje – mas, se está frio, que raios ela faz com essa roupa? Num impulso, levantei-me e entrei. tomou um susto, porém não gritou. Fiquei parado com a mão na maçaneta; ela com uma das mãos no peito e respirando descompassadamente. Fechei a porta sem ao menos olhar pra trás. Acabei assustando-a um pouco, o que me fez dar um sorrisinho maldoso. Ela me olhava e parecia intrigada com o que eu faria em seguida. Fui até ela e não esperei. Com uma das mãos, agarrei-a pela cintura e a outra coloquei em sua nuca, aproximando seu rosto do meu. Sou pouca coisa mais alto que ela, o que deixa tudo um pouco mais divertido. Olhei diretamente em seus olhos e me aproximei mais, acabando com a distância que separava nossas testas.
  - , o que você está fazendo? – Ela já quase não respirava.
  - Só lembre-se de uma coisa, são apenas negócios.
  Beijei-a e, com o braço que estava em sua cintura, apertei-a contra mim. Não acho que ela não esteja gostando. Ah, também tenho o direito de tirar algum proveito disso, não tenho? Confesso que minhas expectativas quanto a esse beijo foram superadas, ela beija muito bem. Não errei quando disse que ela era boa em tudo – quer dizer, foi isso que ela me provou até agora. Ela colocou os braços ao redor do meu pescoço e me beijou com ainda mais intensidade. Acabei empurrando-a contra a parede e depositando parte do meu peso sobre ela. Apoiei minhas mãos na parede e parti o beijo.
  - Lembre-me de não me viciar nisso ao final de tudo. – Comentei e ela riu.
  - Tarde demais. – Deu-me um beijo curto e esquivou-se de mim por debaixo dos meus braços, rindo. – Agora tchau, vou assistir ao show.
  - Mas com essa roupa?
  - E desde quando te devo satisfações sobre o que eu visto ou deixo de vestir?
  - Não quero satisfações, elas são dadas quando há compromisso, só estou dizendo isso porque estamos no inverno e, apesar do estádio ser coberto, ainda está frio.
  - Pode deixar – chegou perto de mim. – Eu sei me cuidar – deu dois tapinhas em meu peito, pegou uma blusa e foi em direção a porta. Puxei-a pelo braço e olhei sério pra ela. A expressão de brincadeira no rosto dela sumiu depois que viu a minha. Soltei o braço, mas peguei na cintura novamente. Fechei os olhos e beijei seu pescoço. Percebi que ela se arrepiou e que fechou os olhos também. Fui dando pequenos beijos até chegar na boca, onde dei um selinho mais longo.
  - Você não vai se livrar assim tão fácil de mim. – Disse encostando nossas testas. Ambos permanecemos de olhos fechados, até que ela afastou a cabeça da minha.
  - Eu sei. – Sussurrou em meu ouvido e depois deu um beijo muito perto dele, desencadeando um barulho alto pelos meus tímpanos. Ela me empurrou e saiu sorrindo vencedora. Ri do que aconteceu nessa sala e saí devagar, relembrando tudo. Encontrei com os rapazes e nós fomos todos assistir ao show do Simple Plan.

  DEPOIS DO SHOW
  O show foi maravilhoso, mas, pra dizer a verdade, mal consegui prestar a devida atenção em alguma coisa. Claro, me diverti, mas não consegui parar de pensar naquele beijo do camarim. Eu tinha acabado de tirar o excesso de maquiagem e trocar de roupa quando aquele maluco entrou na sala. “Lembre-se, são apenas negócios”, claro que são negócios, não quero nada sério com alguém instável como ele. Porque, dá licença, alguém que de uma hora pra outra começa a ser legal com você, te beija, sendo que no dia anterior estava a murros e pontapés, só pode ser alguém muito instável. Ou bipolar, também tem essa possibilidade.
  Acontece que, independente de qual seja o problema dele, eu não quero alguém assim pra mim. Enfim, assim que tudo terminou, fomos cumprimentar a banda. Novamente, agradeci pela oportunidade que eles me deram. Minha mãe agradeceu também e meu pai disse alguma coisa. Ele foi pra casa conosco e nós pedimos pizza. Logo ele foi embora, estava muito tarde, e eu, mamãe e o Luke fomos dormir. Assim que eu deitei, fiquei relembrando a magia que estava no palco na hora que eu fiz minha apresentação. Inacreditável, essa é a palavra que descreve tudo o que aconteceu.
  Não demorou muito e o sono chegou. Dormir, é isso que devo fazer, receber o merecido descanso depois de um dia agitado como esse.

  DIA SEGUINTE
  Jeff combinou comigo e com os garotos da banda do de nos encontrarmos no mesmo estúdio onde minha trajetória começou. Novamente, pedi que Luke me levasse até lá – ele tem me dado sorte. Estamos a pouco menos de um mês do final do inverno e o ar ainda é muito gelado. Não sei como aguentei ficar com aquela roupa curta ontem – acho que foi mais pra provocar sir. de Abacaxi. Ok, péssimo nome de cavaleiro. Bem, deixamos todos os vidros do carro fechado.
  - , tá tudo bem com você? Você tá esquisita desde ontem. – Luke me perguntou desconfiado.
  - Tá sim, Lu, só que eu ainda tô meio... Sei lá, é que ainda não tô acreditando que tudo aquilo aconteceu. Parece irreal, como se tudo não passasse de um sonho...
  - É, maninha, mas foi bem real – ele tirou uma das mãos do volante e começou a bagunçar meu cabelo.
  - Tá, já pode parar, Luke, eu entendi – ele bagunçou ainda mais e eu me irritei com aquilo. Peguei a mão dele com força e coloquei de volta no volante. O carro deu uma desequilibrada e o Luke tomou um susto, voltando rapidamente ao controle. – Tá vendo? Você quase matou a gente! – Gritei.
  - Hey, a culpa não foi só minha, sua maluca! – Rimos e paramos com as brincadeiras, ficando só na conversa.
  Chegando lá, pedi que o Luke me esperasse no carro. Ele estranhou, claro, mas não contestou muito. Me encontrei com todos na mesma sala onde toda essa história começou. Olhei em volta discretamente, procurando pelo e, para minha surpresa, ele não estava ali.
  - Ond...
  - Me procurando? – Ele sussurrou em meu ouvido e eu quase caí pra trás. Me arrepiei e virei com tudo, na intenção de meter a mão na cara dele. – Você não teria coragem, teria? – Continuou sussurrando, ainda muito perto de mim.
  - Paga pra ver. – Falei baixinho, deixando minha boca quase colada com a sua. Sorri provocadora. Ele riu e foi para junto dos outros garotos, cumprimentando cada um deles. É, parece que aquele “amor” todo foi só ontem mesmo. Percebi que todos olhavam pra mim de forma meio curiosa e me dei conta do que fiz. Droga!
  Fizemos uma reunião rápida onde Jeff e os outros integrantes do meu lindo Simple Plan agradeceram pela noite de ontem e nos parabenizaram novamente. Depois um garçom levou alguns coquetéis e eu provei de algumas das coisas que ele deixou sobre a mesa. Até que eram gostosos. Mais um pouco e demos tudo por encerrado. Abracei todos os integrantes da minha banda favorita e também os meninos que tocaram comigo na noite passada. Quando cheguei no , abracei-o e ele sussurrou novamente no meu ouvido – essa mania tá pegando...
  - Me encontre na praça perto do estúdio daqui a quinze minutos.
  - Vai esperando. – Respondi e me separei dele.
  Hein? Oh garoto, que tipo de distúrbio você tem? Tá a fim mesmo de mim? Oh doido... Despedi-me de todos, agradeci mais uma vez – acho que não vou parar de agradecer nunca – e saí da sala. Cheguei do lado de fora do estúdio e Luke abriu a porta do passageiro pra mim, de dentro do carro mesmo. Entrei e comecei a pensar na proposta do . Será que eu devo ir até a pracinha encontrá-lo? De repente, percebi que Luke estava me chacoalhando e falando comigo. A única coisa que consegui entender foi “, em que mundo você está?”, e mais nada. Balancei a cabeça pra voltar à realidade e disse pro Lu que iria até a praça, que tinha marcado com uma amiga da escola. Ele se ofereceu para me deixar lá, mas disse-lhe que preferia ir andando e que ele podia voltar pra casa. Contra vontade, ele consentiu e eu fui.
  No caminho, percebi que deveria estar na praça esperando pelo em nove minutos – o lugar não é tão perto assim. Corri contra o tempo, mas cheguei pontualmente. Faltando três minutos para o combinado, avistei um carrinho de sorvete e decidi tomar um, mesmo nesse frio – o que o vício não faz com uma pessoa. Cheguei até o senhor dos sorvetes e pedi um picolé de chocolate. Ele procurou e me deu. Quando eu estava procurando o dinheiro para pagá-lo, senti uma mão no meu ombro e olhei pra trás. . Ele balançou a cabeça negativamente e pediu um sorvete de morango. “Deixa que eu pago” – disse. Claro que eu deixei, economia forever. Nos sentamos em um banco e ele apoiou o braço em cima dos meus ombros.
  - Sabe que estamos parecendo um casal de namorados, né? – Comentei olhando pra frente, apenas me aproximando para que ele pudesse me ouvir.
  - Sei. Mas tudo bem, você é bonita.
  - Nem sei se devo mesmo agradecer, mas enfim, obrigada.
  - Peeeem, resposta errada! – Ele tentou imitar uma sirene, uma buzina ou sei lá o que, mas não deu muito certo. – Você deveria ter dito: “Ah, , obrigada! Você também é muito lindo.”
  - Você disse que eu era bonita, não que eu era linda.
  - Dá na mesma. – Riu sacana e deu uma mordida no sorvete. Tirei o braço dele de cima de mim e olhei-o indignada. Ele me olhou em protesto pelo meu gesto e, antes que pudesse dizer algo, o cortei.
  - Então dá na mesma se eu disser que o beijo de ontem foi legal ou que foi bom, né?
  - Dá, porque ambas as declarações são verdadeiras. – Ele sorriu vitorioso e eu bati com força em seu peito.
  - , você não presta! – Joguei-me contra o banco, cruzando os braços embaixo dos seios.
  - Você fica tão atraente nervosinha. – Riu novamente e eu me segurei pra não rir também.
  - Idiota.
  - Boba.
  Ao ouvir o comentário dele, uma vontade louca de atiçá-lo me subiu. Levantei do banco e sentei em seu colo, de frente para ele. Envolvi seu pescoço com meus braços e tentei deixar meu sorvete o mais distante que conseguia de seu cabelo.
  - É, acho que sou uma boba mesmo. – Sem deixar que ele reagisse, o beijei devagar, tentando fazer com que isso ficasse o mais provocante possível. Me separei dele e vi quão boba era sua cara. Ri contida e peguei o sorvete de sua mão, jogando tanto o meu quanto o dele para trás.
  - Hey, fui eu quem pagou por isso, é o meu dinheiro que está indo embora!
  - Exatamente, baby. – Sussurrei em seu ouvido e depois ainda dei uma risadinha.
  Mordi sua orelha e pude sentir seu hálito quente no meu pescoço como consequência do que fiz. Voltei a encará-lo e o beijei de novo, mas dessa vez eu tinha atiçado a fera e ele me beijou com tanta vontade que até me assustei. Aliás, acho que o restante das pessoas no parque também se assustou por mim. Com as duas mãos livres, acariciei sua nuca e acho que consegui deixá-lo mais ainda doido. Ele mordeu minha boca e eu vi que era hora de parar, ou ia acabar dando besteira e seríamos presos por atentado ao pudor. Ele ficou me encarando e parecia meio incrédulo.
  - Você é meio doida, né, garota?
  - Por quê? Só porque te beijei? Bobagem.
  - Você tá brincando comigo, só pode.
  - Nada disso, gatinho, você é quem estava brincando comigo, – passei o dedo por seu nariz – só entrei no seu joguinho. – Sorri e ele riu. Soltou as mãos da minha cintura e esfregou o rosto, como se tentasse acordar. Me olhou ainda confuso e colocou uma mecha do meu cabelo atrás da orelha.
  - Sabe, descobri você é completamente imprevisível. Tem mais alguma coisa pra me contar?
  - Sim, que posso ser tão boa jogadora quanto você. – Sorri astuta e ele riu. Com uma das mãos, me puxou pela cintura e com a outra agarrou meu pescoço. Ele estava aproximando meu rosto do dele, quando coloquei o indicador em sua boca. – Não... – E me afastei.
  - Por quê? – Incrédulo outra vez e só consegui rir da cara que ele fez.
  - Não lembra do pedido que você me fez ontem no camarim?
  - Erm, não? – Ele parecia confuso.
  - Você disse: “Lembre-me de não me viciar nisso ao final de tudo”. Então, estou te lembrando e ainda te ajudando a não se viciar em mim. Viu como sou prestativa? – Me fiz de esperta e a cara brava que ele fez foi irresistível, mas eu estava falando sério. Depois de brava, sua expressão mudou para pidona.
  - Por favor, ...
  - Shhh! Além do mais, tem outra coisa, baby – saí de cima dele e cheguei bem perto de seu ouvido. – São apenas negócios. – Sussurrei, provocando-o. Olhei diretamente em seus olhos e dei-lhe um beijo curto. – Até mais.

  Deixei-o no banco, com a maior cara de bobo e fui embora. Andei um pouco, o suficiente para criar uma certa distância entre nós, e pude ouvi-lo gritar meu nome.
  - ! – Sorri alegre e olhei pra trás.
  - TCHAU, , NOSSOS NEGÓCIOS ESTÃO TERMINADOS. ATÉ UMA PRÓXIMA, GATINHO! – Ri e ele sorriu, ainda um pouco duvidoso com o que eu disse. Ele fez uma cara de bravinho inconformado e eu simplesmente joguei-lhe um beijo no ar e fui embora.
  É, , essa história com certeza não vai acabar aqui...

Fim



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