A Parasita
Escrita por Nicole Manjiro
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Ergui meus olhos do celular com pouco interesse na pessoa que havia me chamado. Uma garota com os cabelos desgrenhados, que pareciam mais um ninho de pássaro do que um bolo de fios mal cuidados.
Quando vi o aparelho fixo em seu sorriso, soube que não era para eu responde-la. Pessoas como ela não falavam com pessoas como eu. Pelo menos, não diretamente. Ainda fosse uma regra: “pessoas esquisitas não falam com as populares”. Não. Era só que eu intimidava muitas pessoas. Pelo menos, era isso o que diziam para mim.
- As pessoas têm medo de você. – minha ex-companheira de dormitório disse. – Você é cool demais.
- Eu só não me envolvo com elas. – solto o trago do cigarro pela janela.
- Quanto mais você se esconde, mais as pessoas querem te ver, .
Ergui os ombros em resposta. Não posso negar que curtia uma atenção extra. Ninguém, na faculdade, desgosta de entrar numa sala e ver todas as pessoas pararem seus afazeres para observarem você entrar. Não é como no primeiro dia de aula, que ninguém se conhece e todos esperam uma oportunidade para fazer uma amizade. É todo santo dia.
O fator que mais colaborou para minha “fama”, foi, como as veteranas disseram, minha frieza.
Medo? Não tenho.
Insegurança? Nunca ouvi falar.
Não vejo problema em dar a minha opinião, quando ela é solicitada – mas somente quando solicitada. De alguma maneira, isso resultou em uma fama que diz que tenho uma língua afiada que diz exatamente o que as pessoas precisam ouvir – e nem sempre o que se precisa ouvir, é algo que se gosta de ser ouvido.
Além disso, não me importo com o que as pessoas falam ou pensam de mim. A segurança – que mencionei acima ter – faz com que você não tenha medo do julgamento. Você se torna exatamente o que você é, sem desvios de conduta por conta da opinião alheia. Isso facilita o modo de viver, porque você acaba sendo a responsável pelas próprias escolhas.
É claro que com tudo isso, entram as pessoas que querem ser como você.
Quantas vezes ouvi “fulana está te imitando”; “ciclana fez aquilo, igual você”. Vi uma artista uma vez dizer que não se importa em ser copiada por milhares de pessoas, já que só pode significar que ela está no caminho certo. Concordei com a sentença e aderi para mim mesma.
Só que nem sempre é fácil.
Julie começou como uma nerd. Rebecca Greeve era a nerd mais legal da universidade inteira, e por isso, ela decidiu ser uma nerd também. Quando Rebecca se formou, no ano passado, com seus merecidos méritos, Julie teve de procurar uma nova musa para se tornar parasita. Gostaria de dizer que fui eu, mas não foi exatamente assim.
Dizem as más línguas – as que inventam mentiras para machucar –, que Julie havia escolhido ser como Pauline Banks, herdeira de um famoso investidor e que levava a vida como uma verdadeira patricinha. Só que Julie não tinha cacife o suficiente para acompanhar o estilo de vida de Pauline, que começava das coberturas do Upper East Side, aqui em Nova Iorque, e acabavam em chegando de helicóptero direto do aeroporto JFK, onde chegou de Ibiza no jato particular da família.
Assim, ela veio até mim, que não a conhecia até então.
E preferia não ter conhecido.
- Ela realmente se passou por você na Dive. Pegou até o Turman. – uma colega de sala, Monique, com quem tenho uma boa afinidade, veio me dizer na segunda. – Se você a visse, poderia dizer que se olhou no espelho.
Já não era a primeira vez que eu ouvia esse tipo de afirmação. Não era, tampouco, a primeira vez que eu queria acabar com a raça daquela parasita.
A festa de Marco era, como seu próprio nome diz, um marco para os estudantes do estado de Nova Iorque. O filho do governador conseguia as melhores locações, com as melhores bebidas e também as melhores atrações. Além disso, o poder que a fama do pai – um bom político, dizem – lhe deu, o tornou um dos caras mais insuportáveis de se conviver.
E eu sempre amei tudo o que era insuportável.
Este ano a festa aconteceria no Top of The Rock, um prédio famoso de Nova Iorque somente porque tem a Empire State como cenário principal para os turistas. Costumo dizer à Monique que Julie é a minha Top of The Rock, conhecida por ser a minha parasita.
Desde que entrei na faculdade, tenho estado de olho em Marco. Começou com o charme de vê-lo dizer algumas verdades a um mané que se auto intitulou monitor da turma de administração. Como se a turma inteira de administração fosse nomear um perdedor como monitor – se existisse esse cargo.
- Por que você não vai procurar o seu distintivo no lixo? – foi o que Marco disse, os olhos cortando o pescoço do garoto por ter atrapalhado sua conversa com um colega.
Eu decidi, ali, que Marco um dia seria meu.
Não eternamente. Só por algumas horas, ou dias. Anos, talvez.
E o momento havia chego.
Era a última festa de Marco, porque estávamos no último ano. Não haveria mais tempo para isso no ano que vem, não haveria mais oportunidade de eu beijar aqueles lábios desejáveis e venenosos.
- Tenho certeza que ele acha que é você. – Monique praticamente gritou ao meu lado. – Não tem como ela ter conseguido se não fosse isso.
O fato de Monique estar tentando me consolar me deixou ainda mais furiosa.
Julie estava quase beijando Marco, que não parecia nada inclinado a afastá-la.
Parei por um instante para pensar. Mesmo com o álcool percorrendo minhas veias, situações emergenciais requerem uma mente sóbria.
Ela havia, todo esse tempo, tentado ter tudo o que eu tinha. Conquistar antes de mim, as minhas conquistas. E para quê?
Tentei procurar seus olhos, mas eles sequer me procuravam para se vangloriar pela vitória.
Então por quê?
- Ei, vai com calma! – Monique disse ao meu lado, tentando tirar de minha mão a bebida que eu agora virava com raiva para dentro da boca.
Abri um meio sorriso.
Se ela queria puxar o gatilho, então tudo o que eu precisava fazer, era voltar a arma para ela e atirar.
- Aonde você vai?
- Assistir. – respondi, puxando uma cadeira e a posicionando no local ideal.
Como sempre, as pessoas viravam suas cabeças em minha direção. Joguei meus longos cabelos para trás e me sentei logo atrás de Julie e Marco, em cima de um palanque que sempre havia para os momentos de atenção que Marco gostava de ter. Cruzei as pernas, porque sabia que elas eram um grande ponto forte meu e bebi mais um gole da bebida que estava quase no fim. Monique se sentou próxima de mim com uma expressão de quem estava para assistir a um espetáculo.
E espetáculo era o que eu queria.
Se Julie achava que poderia vencer me copiando, então talvez ela devesse tomar cuidado com a esperteza da musa dela.
- Espere – ouvi a voz de Marco. -, você não é ?
Não ouvi o que Julie respondeu, mas vi o olhar de Marco em mim e nas pessoas ao nosso redor. Ele não era burro, sabia captar uma mensagem. Principalmente de pessoas como ele.
Poderia dizer que queria ter ouvido o que fez Julie corar de vergonha logo em seguida, mas para ser sincera, eu não estava nem aí.
Segui até os dois e, sob o olhar de Marco, encarei Julie, que, assim como Monique e todos os outros haviam dito, se parecia muito comigo. Tanto, que me fazia querer rir.
- Por que você está triste? – perguntei à Julie, que ergueu seus olhos cheios de raiva para mim. – Você sempre soube que não poderia ter o que é meu, não é? – abri um pequeno sorriso de vitória, aquele que ela deveria ter me dado há 10 minutos; assim minha glória seria muito mais divertida. – Parasita.
Julie mudou de universidade antes da semana seguinte acabar, o que foi uma pena. Eu estava louca para desconvidá-la para uma festinha extra que Marco iria dar. Só para lembra-la que parasitas como ela não tem vez na vida de pessoas como eu.