A Paixão É Um Lugar Onde Só Existe O Presente

Escrito por Anna Castelo | Editado por Luba

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Capítulo único

  Ele me olhava.
  Mesmo que minha covardia e timidez me impedissem de retribuir seu ato, eu conseguia sentir seus olhos sob meu corpo.
  Ardendo em minha pele.
  Queimando minhas bochechas.

  Um arrepio percorreu meu corpo. Puxei as mangas de meu casaco, tentando me esconder de seus olhos.
  Uma vã tentativa, porém.
  Roupas não faziam diferença. Diante de suas pupilas dilatadas, eu estava inteiramente nua. Mesmo que o próprio Cristo descesse dos céus e virasse seu rosto, seus olhos sairiam de órbita e viriam ao meu encontro, fitando-me de maneira atroz, admirando-me como uma obra de arte.
  Como a própria Vênus.
  — ?
  Encontrei a expressão preocupada da professora de filosofia ao erguer meu rosto. Percebi, então, que tremia. Culpei o frio daquele inverno que nevava como nunca, porém, sabia que meu arrepio trêmulo não vinha do branco imaculado que varria o clima
  Minha perdição era aquele maldito e ardente castanho.
  — Você está bem? — O tom da mulher era receoso. Coloquei uma mecha de cabelo em minha orelha e sacudi a cabeça. Não queria falar. Não queria que a minha voz vacilante fosse a decisão daquela batalha.
  Travamos uma guerra fria há semanas.
  E ele estava ganhando.
  — Como eu ia dizendo, eu quero um relato em voz alta do que é o amor para vocês — minhas mãos massageavam a minha nuca quando ouvia professora explicar com entusiasmo. — Eu vou pegar alguns livros na biblioteca para…
  — Professora.
  Respirei fundo ao ouvir sua voz ecoar pela sala. Seu timbre grave chegava com precisão aos meus tímpanos, como se a palavra fosse dita unicamente para mim, como se não houvesse outro alguém naquela sala de aula. E mesmo que não tivesse carinho em seus lábios ao interromper a professora, um resquício de ternura tocou meus ouvidos.
  Outro profundo suspirar saiu de meus lábios.
  — Porque não formamos duplas?
  Meus olhos saltaram subitamente e sem qualquer pensamento prévio ou vergonha, encarei-o pela primeira vez. Meu corpo, porém, não possua mais o domínio de seus olhos. Ele observava a professora com atrevimento.
  Nenhuma outra resposta chegou aos meus ouvidos. Minha mente encontrou abrigo em uma confusão que tomava conta de mim sempre que meus olhos colidiam com os deles. Aquela frase havia sido uma jogada, um ataque que daria início a nossa próxima batalha. Ele não se importava com duplas, e não teria qualquer dificuldade em falar sobre amor, paixão ou desejo.
  Ele só queria me ter sobre o seu olhar por mais alguns minutos, tendo certeza que o seu carneirinho não fugiria de suas garras.
  Por segundos, o oxigênio pareceu rarefeito.
  Os passos decididos evidenciaram seu plano.
  Ele queria vir até mim.
  Ele queria estar ao meu lado.
  Ele me queria.

  O ar voltou aos meus pulmões com um longo respirar. Arrumei meus óculos e virei-me, procurando qualquer pessoa que pudesse ser minha dupla e me livrar do seu intrépido olhar.
  Uma ação totalmente inútil.
  Seus dedos seguraram meu pulso e meu rosto chocou-se com o dele. Minhas bochechas brilhavam em vermelho e meu corpo enrijeceu-se. A respiração faltou-me e meu coração tropeçou em meu peito.
  Ele sentou ao meu lado e eu não era mais dona de mim
  Minha boca pertencia ao seu olhar.
  Minhas bochechas pertenciam a minha vergonha.
  Meus olhos pertenciam ao seu corpo.
  Ele percebeu meu nervosismo e a pausa involuntária em minha respiração e soltou um sorriso. Um sorriso de lábios vermelhos e dentes perfeitamente alinhados, capaz de curar doenças e acabar com guerras.
  Ele estava me torturando, testando o meu limite.
  E eu estava prestes a ceder aos seus lábios.
  — Posso fazer o trabalho contigo? — Perguntou, mesmo que eu não possuísse o direito de escolha. Levantei os óculos e suspirei, tentando por ordem a bagunça em minha mente e coração.
  — Porque quer fazer o trabalho comigo? — Saltou de meus lábios a primeira frase que meu cérebro conseguiu formular. Aquela curiosidade me corroía. Todos os olhares, sussurros e encontros casualmente planejados naquela escola me despertaram aquela dúvida. Ele era o tipo de garoto que possuiria qualquer pessoa que quisesse com um estalar de dedos.
  Porém, ele havia me escolhido como seu objeto de tortura. Seus olhos me escolheram como Vênus, sua pele arrepiada me escolheu, seus lábios entreabertos e a respiração ruidosa formulada para que somente eu ouvisse haviam me escolhido.
  Porque me queria?
  — Porque você tem a melhor nota em filosofia — respondeu com a tranquilidade de uma criança. No entanto, sua voz havia afogado a minha mente, inundando cada beco, cada viela de meu cérebro e atormentado cada átomo e instante dos meus sonhos durante noites inteiras.
  Eu havia estudado cada passo e cada nota de seu corpo.
   era o meu livro favorito.
  — Você está mentindo — cruzei os braços e suas íris castanhas tomaram um ar de surpresa. Sua reação era compreensível. Meu ataque havia sido a defesa durante seus olhares e investidas. Atacar com atrevimento não era de meu feitio. Eu arrisquei meu jogo, joguei as peças na mesa, e tal atitude não havia sido despercebida pelo meu adversário.
  — Porque eu estou curioso — desviei meus olhos ao sentir que ele falava a pura verdade. Porém, seus dedos longos e quentes como o sol que varre a neve de um inverno tenebroso tocaram meu queixo. Precisei abrir meus lábios para respirar, antes que sufocasse com a sua proximidade. - Eu quero saber porque meu corpo exala adrenalina quando eu estou perto de você.
  Engoli em seco, querendo fugir.
  Porém, voltar não era uma escolha.
  Minha próxima jogada deveria ser precisa e arrebatadora.
  — Não é adrenalina.
   respirou fundo. Seus olhos brilharam e ele simplesmente esperou que eu concluísse.
  — Você sabe que eu sinto o mesmo. E não acho que adrenalina seja o nome adequado.
  — E qual seria o melhor termo?
  — Fogo.
  Meu corpo tensionou-se por completo. Senti cada milímetro de minha pele arder com aquela palavra.
  — É um incêndio, que queima seu sangue, ecoa em suas veias e toma o corpo inteiro em segundos, destruindo qualquer barreira de... — mordi os lábios, tendo a consciência que suas íris me encaravam, me admiravam, me devoraram sem qualquer pudor. — Sanidade.
  — e ?
  A voz de Germana pareceu despertar-me. Despenquei do céu em um único segundo, sentindo meus ossos e membranas serem rompidos ao colidir com o chão, mas nenhuma dor fora pior do que ter o olhar de arrancado do meu de forma tão brusca.
  — Quero que me ajudem na biblioteca. é forte e sabe quais livros pegar — mesmo sem qualquer pedido de explicação, a professora detalhou sua escolha. Sem forças para encarar o garoto a minha frente, levantei-me com o olhar baixo, deixando o burburinho daquela sala.
  A cada passo, em direção a biblioteca, meu corpo doía. Sentia como se eu houvesse sido atropelada por um carro desgovernado em alta velocidade.
  E eu havia.
  O desejo de me atropelou.
  Quando me encontrei sozinha na biblioteca, um arrastado e pesado suspirar deixou minha garganta. Sentia minhas cordas vocais doerem, sufocadas por palavras não ditas e vontades não confessadas. Eu sempre mantive o controle. Sempre fui centrada, correta e exemplar.
  Porém, o controle não era mais uma de minhas qualidades desde que os olhos de haviam me encontrado. Transferido de um outro colégio, ele chegou conquistando corações e olhares indiscretos das garotas de minha classe. não era apenas bonito, ele era sedutor. Eram os seus olhos que conquistavam, suas íris faiscantes e intensas, seu olhar faminto.
  Aquele olhar era a minha desgraça.
  — Precisa voltar para sala — sua voz me atingiu de surpresa. Não ousei me virar. Com as mãos na prateleira, ouvi o barulho da chave e seus passos no chão de madeira. Continuei lendo os títulos nas lombadas dos livros, tentando me agarrar a qualquer coisa que roubasse minha atenção de seu corpo e me impedisse de fazer aquilo pelo qual meu coração suplicava.
  — Toca-lo foi como perceber que eu tudo que eu mais queria estava na minha frente — fechei meus olhos ao ouvir minha boca soltar a primeira coisa da qual me lembrei. A música me ajuda a recuperar a calma, e ali, completamente sozinha e trancada em uma sala com , minha ansiedade parecia me sufocar.
  — Tentar esquece-la foi como se eu estivesse completamente sozinho.
  Um típico cheiro forte de madeira invadiu minha mente. Abri meus olhos e tive a ligeira sensação de que desmaiaria se minhas costas não estivessem encurraladas por uma parede.
  Um passo a frente e o peito de tocou-me. A excitação preencheu meu corpo e eu já não conseguia manter meus lábios fechados. Sua mão tocou minha bochecha, tirando outra mecha de cabelo. Sem qualquer pudor ou vergonha, levei meus dedos aos seus lábios, os quais eu tanto admirava.
  Sua outra mão tocou minha cintura e eu fechei meus olhos. Como se quisesse fundir nossos corpos em um, se aproximou mais alguns centímetros. O suficiente para que meu coração esquecesse como palpitar.
  — Mas amá-lo…
  As palavras fugiram de minha língua quando tirou meus óculos, despindo-me de qualquer armadura, deixando-me vulnerável aos seus olhos. Eu me senti nua quando seus olhos encontraram os meus. Não havia mais dor. Meu corpo relaxou-se, mesmo que encurralado. Minha mão desceu, dedilhando seu peito. Meus lábios estavam a milímetros de tocar os seus.
  — Amá-lo foi vermelho…
  Eu não possuía mais dúvidas.
  — Vermelho como o fogo que queima o sangue…
  Meu corpo pertencia aos seus braços.
  — Que quebra as barreiras da sanidade.
  E ele me beijou.
  Sem covardia, vergonha ou pudor, ele me beijou.
  Sem resquícios de sanidade, e com olhos famintos, inundados pelo desejo, ele me beijou.
  O fogo ardeu em minhas veias, me queimando de paixão.
  Eu me entreguei à minha perdição, ao meu delírio.
  Claro como a água, o sentimento que corroía minha mente teve um nome.
  Amor.

FIM



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