Another Shot Of Whiskey

Escrita por Anne Sophie | Revisada por Lelen

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  Eu odiava aqueles sapatos. Oh Deus, como eu odiava. Mas eles eram meio que uma exigência no meu trabalho. Não uma exigência do emprego. Uma exigência que eu fazia a mim mesma. Todas as noites em que eu ia trabalhar, me obrigava a sentar na cama e calçar um par de um daqueles odiáveis sapatos de salto alto. Eles eram... necessários. Necessários para quem trabalhava em uma boate e tinha 1,55m de altura.
  De um modo geral, minha altura – ou a falta dela – não costumava me incomodar. Mas como eu disse, pra quem trabalhava em uma boate, era um problemão. Isso porque a população masculina que freqüenta a boate, geralmente se acha no direito de intimidar a bartender para que ela saia com eles. Especialmente se ela for baixinha – o que, pra eles, é sinônimo de “pequena, delicada e fácil de enganar”, de acordo com , o namorado da minha melhor amiga .
  Então, eu precisava dos saltos altos para me sentir um pouco menos vulnerável diante daqueles homens com mais 1,80m que freqüentavam a Ice Lights, a boate em que eu trabalhava.
  Suspirando cansada, terminei de calçar o sapato no meu pé esquerdo, e já me preparava para pegar minha bolsa e levantar, quando uma vozinha de criança irrompeu quarto adentro:
  - Mamãe bonita! – falou animado, pulando em cima da cama e sentando-se ao meu lado.
  - Obrigada, meu amor – abri um sorriso enorme, lhe dando um beijo na bochecha e puxando-o para o meu colo.

  Não é que eu queira me gabar, mas eu tinha o filho mais lindo do mundo. Claro, eu já sei, todas as mães dizem que seus filhos são bonitos. Mas o meu era simplesmente a coisinha mais perfeita do mundo pra mim. Com seus dois anos de idade recém completados, tinha os cabelos em um castanho dourado, e seus olhos verdes eram grandes e brilhantes. E eu tinha que admitir, ele se parecia muito com o pai.
  Mas eu não gostava de me lembrar disso. não tinha um pai. Brandon era apenas o cara que tinha doado o esperma, nada mais. Ele nem significava mais nada pra mim. Se eu pudesse, apagava todas as lembranças de Brandon da minha mente. Especialmente porque essas lembranças serviam apenas para me torturar, me lembrar de um relacionamento fracassado. Mas não foi de todo mau, porque afinal, uma coisa boa tinha saído disso tudo, e estava bem ali na minha frente, na forma de um menininho lindo com o sorriso mais adorável que eu já tinha visto.

  Antes que eu começasse a mimar meu menino como uma mãe abobada, a campainha tocou. Analisando a situação, percebi que não era muito inteligente carregar um garoto de dois anos com aqueles saltos horríveis, então o coloquei de volta na cama.
  - Vamos lá, deve ser tia e tio – sorri pra ele.
   fez bico, mas entrelaçou sua mãozinha à minha quando lhe ofereci. Chegamos à sala, onde eu abri a porta prontamente, encontrando uma sorridente e um parecendo aéreo – costumava ser a lerdeza em pessoa, isso era um fato.
  - Amiga! – sorriu, me dando um breve abraço.
  - Tio ! – foi de encontro a , que finalmente saiu de seu “transe”.
  - Hey garotão – disse, pegando no colo.
  - , – os cumprimentei, dando espaço para que eles adentrassem meu humilde apartamento.
  - Não não , não vamos demorar, viemos apenas buscar vocês – se desculpou. – É que daqui meia hora vai passar uma maratona de Supernatural na TV, e você sabe como o é... – ela disse rolando os olhos.
  - Háh, como se fosse eu quem vive suspirando pelo Jared Padalescki. – disse enciumado.
  - Padalecki, . – ela corrigiu prontamente.
  Ele bufou, enquanto eu ria da leve discussão do casal.
  - Tudo bem, então vou pegar minha bolsa e já podemos ir. – sorri para os dois.
  - Eu vou com você – sorriu.
   ficou na sala distraindo , enquanto me seguia de volta ao meu quarto.
  Eu sabia que, assim que entrássemos no quarto, ia começar com um de seus sermões. E não foi diferente dessa vez.
  - ... você não precisa desse emprego – ela começou, enquanto eu dava uma última checada no meu cabelo no espelho que eu havia pregado na parede.
  - Do que está falando, ? É claro que preciso desse emprego, como vou pagar as contas se não trabalhar? – me fiz de desentendida.
  - Você sabe o que eu quis dizer. – ela falou em reprovação.
  - Não , eu sinceramente, não sei o que você quer dizer. O que tem de errado com meu atual emprego? – questionei, sentindo um déjà vu ao lembrar que já havíamos tido essa conversa umas dez vezes.
  - Você sabe muito bem o que há de errado. Você é formada em uma ótima faculdade e tem um filho de dois anos de idade pra cuidar – ela enumerou. – Você merece um trabalho decente.
  Suspirei cansada, balançando minha cabeça negativamente.
  - , esse é um trabalho decente. Só porque as pessoas que freqüentam a boate sejam um pouco... irresponsáveis, não significa que seja um trabalho tão perigoso assim. Todo mundo fica irresponsável quando bebe, incluindo você e eu. – lembrei a ela.

  Deixe-me explicar. era totalmente contra o meu trabalho de bartender. Ela alegava que era perigoso, principalmente porque meu turno era à noite. Não era o trabalho dos meus sonhos, mas por enquanto, era o único que eu consegui arranjar.
  No último ano da faculdade – em que eu cursava jornalismo –, fiquei grávida de . E logo depois, veio o abandono de Brandon. Consequentemente, quando me formei, eu tinha uma criança para cuidar – sozinha! – e não podia trabalhar.
  E nesse meio tempo, eu pude contar apenas com a ajuda de três pessoas: minha mãe, meu irmão, e . Claro, eu também poderia pedir ajuda à , que à propósito, era um cara muito prestativo. Mas não me sentia íntima dele o bastante pra, por exemplo, pedir um dinheiro emprestado.
  Então, quando completou dois anos, eu comecei a procurar um emprego. E acredite, não é tão fácil assim quanto eles fazem parecer quando você está na faculdade. Especialmente porque, por causa de , eu tive que ficar um ano parada. Se eu tivesse saído da faculdade direto para um dos lugares onde eu tinha feito estágio, com certeza à uma hora dessas, eu poderia até ter sido promovida.
  Não que eu esteja culpando meu . Ele é, provavelmente, a melhor coisa que me aconteceu nos últimos tempos. O problema é que ele veio em uma hora... errada.
  Mas agora isso é passado, e, graças a , eu tinha um emprego. Não um emprego exemplar, mas ainda assim, um que garantia o dinheiro para pagar as contas no fim do mês.
  E sim, eu disse graças a . Ele, sem querer, deixou escapar que na boate a qual seu irmão é o proprietário precisava-se de bartenders. Imagine a reação de quando eu me prontifiquei para ocupar o cargo. Ela provavelmente deve ter massacrado o pobre depois disso.
  E desde então, ela vem tentando me fazer mudar de ideia. Mas já faziam quase dois meses que eu trabalhava lá e as tentativas dela tinham sido inúteis. Eu estava determinada a me manter nesse emprego até que eu conseguisse outro.
  - ... você sabe que eu só quero o melhor pra você – ela disse como se nem tivesse ouvido meu mini-discurso. – Você é minha melhor amiga, poxa.
  - Se você quer o melhor pra mim, sabe que eu preciso desse emprego – falei confiante. – E se eu sou sua melhor amiga, então você também sabe o quanto odeio ter que precisar de ajuda financeira de outras pessoas.
  - Mas , eu e o podemos ajudar nessa parte. Nós não nos importamos e... – ela começou.
  - Não, – neguei. – Não. – ela me olhou magoada, me fazendo soltar outro suspiro frustrado. Me aproximei e a abracei. – Eu prometo que vou conseguir outro emprego logo, amiga. Temos apenas que ter paciência. – falei, a abraçando.
   apenas assentiu e eu sorri pra ela.
  - Promete? – ela me olhou ainda parecendo magoada.
  - Eu prometo – a tranqüilizei. – Agora vamos logo, temos um namorado e uma criança impacientes na sala esperando por nós – pisquei pra ela.
  Minha melhor amiga sorriu e assim saímos do quarto de braços dados.

  Logo que o carro preto de parou em frente à boate, tirei meu cinto de segurança, me virando para .
  - Meu amor, mamãe vai ter que te deixar com e – eu disse, observando seus grandes olhos verdes se fixarem em mim e sua boquinha formar um imenso bico. – Own meu bebê, é só por um tempo, amanhã a mamãe vai passar o dia inteiro contigo, tudo bem? E podemos até tomar um sorvete no parque – beijei sua bochecha.
  “Sorvete” era a palavrinha mágica, então quando a ouviu, abriu um sorriso e assentiu com a cabeça.
  - Então, se comporte – dei um último beijo em sua testa, antes de abrir a porta para sair.
  Desci do carro sentindo uma brisa gelada bater contra meu rosto e agitar meus cabelos. Bati a porta atrás de mim, apertando meu casaco contra o corpo e me debrucei sobre a janela de .
  - Bem, obrigada pela carona – sorri pra ele e pra , que com certeza adivinhou que estava congelando ali fora e não se atreveu a sair. – E cuidem direito do meu baby. – mandei pra eles minha melhor expressão de “se-não-fizerem-o-que-eu-digo-vão-sofrer-graves-consequências”.
  - E quando é que não fizemos isso, ? – falou indiferente, e eu sabia que ela estava rolando os olhos, daquele jeito que ela sempre faz quando está entediada, mas eu não podia ver, porque estava escuro.
  - Então, tchau pra vocês – acenei para os dois. – E muito obrigada por cuidarem de – agradeci.
  Eu sempre os agradecia, mas a verdade é que não haviam palavras o suficiente para agradecer por aquele favor imenso que eles me faziam quase todas as noites. Acho que nem 10 anos de gratidão seriam o suficiente.
   murmurou um “bom trabalho” pra mim, com medo de ouvir. Acenei uma última vez para eles, olhando para a janela traseira do carro, imaginando meu pequeno lá dentro.
  Fiz meu caminho até a boate, já ouvindo o barulho familiar das músicas que tocavam na pista, e imaginei se eu estava atrasada. Olhei no relógio, e ainda me restavam dez minutos. Bem, então eu estava adiantada afinal.

  Adentrei o local, ignorando as pessoas ao meu redor, e fui direto até o balcão do bar. Era lá que eu trabalhava, então, fui para trás do balcão, encontrando Debby já servindo um drink a um cara loiro.
  - Finalmente a desaparecida voltou – ela disse debochada.
  Debby era uma boa pessoa, mas... ela tinha um pouco de inveja do fato de Karl, o proprietário da Ice Lights – e irmão de –, ser tão gentil comigo.
  Recentemente – e eu me refiro há uma semana –, Karl me deixou faltar ao trabalho durante alguns dias, porque tinha pegado uma pneumonia e eu precisava estar perto para cuidar dele. Karl compreendeu perfeitamente, e me deu passe livre para faltar “o tempo que precisasse”, foram as palavras dele. Ele estava ciente da minha situação de mãe solteira. era um fofoqueiro.
  Então, era o primeiro dia – depois de uma semana –, que eu vinha trabalhar. E Debby com certeza estava se remoendo de inveja. Eu acho até que ela tinha uma quedinha por Karl, por isso ficava tão furiosa com a aproximação dele por mim.
  - Oi pra você também, Debby – respondi ironicamente.
  Caminhei até os fundos da boate, entrando em um “quartinho” destinado aos pertences dos funcionários e deixei lá minha bolsa. Logo voltei para o balcão, assumindo meu lugar como bartender.
  - Hoje você vai conhecer o bonitão – Debby ia dizendo empolgada, como se minutos antes ela não tivesse quase me fuzilando com os olhos.
  - Bonitão? – perguntei distraída, observando o movimento.
  - Sim – ela sorriu maliciosa. – E quando eu digo bonitão, eu não estou exagerando. Ele parece um daqueles caras de banda de rock saído diretamente dos anos 70.
  Franzi a testa, tentando imaginar qual o tipo de cara que ela estava falando. Me peguei pensando se ele seria tipo aqueles garotos punks, um protótipo de Sid Vicious e companhia. Então meio que estremeci, porque, bem, era exatamente esse o tipo de cara por quem eu geralmente me sentia atraída.
  - E por que você acha que vou conhecê-lo hoje? – perguntei, sacudindo a cabeça para tentar espantar possíveis pensamentos maliciosos.
  - Ele vem aqui todos os dias, desde que você começou a faltar – ela falou. – E é sempre o último a ir embora. Ele só sai porque Karl ou um dos meninos o colocam pra fora, porque senão, acho que ele passava dia e noite aqui.
  Debby com certeza ia continuar falando do tal “bonitão”, se Karl não tivesse aparecido bem na hora.
  - Hey ! – ele me cumprimentou sorrindo. – Posso dar uma palavrinha com você?
  - Claro – concordei instantaneamente.
  Karl fez um sinal pra que eu o seguisse, lançando um sorriso sedutor para Debby antes de se virar. Aposto como ela ficou toda animada. Mas não olhei para trás, eu poderia conferir a reação de Debby mais tarde.
  Entramos em uma salinha privada em que Karl costumava ficar, e ele fechou a porta, deixando para trás o barulho de música e risadas que enchia a boate.
  - Então , você voltou cedo – ele comentou.
  - já está melhor. Não vejo problema em deixá-lo sob os cuidados de e – dei de ombros.
  - Tem certeza que não precisa de mais alguns dias? Eu não me importaria se...
  - Hey Karl – o interrompi, sorrindo. – Não precisa fazer isso. Sou sua funcionária. Eu pedi uma semana, e é apenas uma semana que eu poderia usar. Não é justo você continuar me empregando se eu faltar com minha palavra. Que tipo de profissional acha que eu sou? – falei, colocando as mãos na cintura e assumindo uma posição acusatória.
  Karl sorriu mais uma vez, balançando a cabeça.
  - Eu tenho muita sorte em ter você como funcionária, . Agradeço à todos os dias por isso – ele riu, e eu o acompanhei.
  - Obrigada Karl, muito obrigada mesmo por ser compreensivo comigo. Acho que vou ficar devendo durante anos à sua família, tanto pelos favores que você me faz, quanto pelos do seu irmão. – fiz uma careta.
  - Estamos aqui pra isso – ele piscou.
  Ficamos conversando durante algum tempo sobre . Karl tinha um filho da mesma idade, então ele tinha uma certa fascinação por , mesmo sem conhecê-lo.
  - Bem, então acho que devo dispensá-la da “reunião”. Não é muito lucrativo manter minha melhor bartender longe de seu posto. – Karl falou rindo.
  Sorri pra ele e fui caminhando para a porta. Já deviam ter se passado uns bons 15 minutos, mas a conversa com Karl era tão fácil, que eu quase não via o tempo passar.
  Karl era um cara legal. Se eu não estivesse tão determinada a me manter afastada de homens por um bom tempo, eu até poderia ter considerado a opção de sair com ele. Mas pensando bem, ele não era bem o meu tipo...
  - Até mais tarde, Karl. – falei saindo em direção ao balcão onde servíamos as bebidas.

  Foi só eu me aproximar do balcão, que eu o vi. E ele era exatamente como na descrição de Debby. Parecia um cara saído diretamente dos anos 70. Seus cabelos eram desgrenhados, suas roupas amassadas, e pra completar o visual, vestia uma velha jaqueta de couro parecendo bem surrada. Eu não pude ver seu rosto, porque ele estava com a cabeça abaixada, aparentemente concentrado no copo da bebida que estava sobre o balcão. Com certeza Debby o tinha servido. Ela não iria perder essa oportunidade.
  Mas ela, estranhamente, não estava por perto. Na verdade, Debby estava mais adiante, servindo um cara alto com uma loira pendurada a tira-colo. Suspirando, fui me aproximando do “bonitão”, tentando desviar os olhos dele para observar se alguém mais estava pedindo por uma bebida.
  A boate estava cheia, mas as pessoas estavam mais centradas na pista de dança. Eu não podia culpá-los, se eu não estivesse a trabalho, era lá que eu provavelmente estaria.
  - Hey – o ‘bonitão’ murmurou, fazendo um gesto com a mão pra que eu fosse até ele, mas sem levantar a cabeça. – Outra dose de uísque – ele disse assim que me aproximei. – Puro, por favor. – acrescentou, colocando algumas notas de dinheiro sobre o balcão.
  Peguei as notas e fui até um dos pequenos freezer’s que tinham ali, procurando uma garrafa de Jack Daniel’s ao fundo. Voltei até o balcão, abrindo a garrafa, enquanto o rapaz de jaqueta de couro me empurrava seu copo vazio.
  Eu tenho que admitir que estava um pouco frustrada. Por que ele não levantava a cabeça? Como ele estava consciente da minha presença se nem ao menos se dava ao trabalho de olhar?
  Enchi o copo até a borda, e deslizei-o de volta pra perto dele.
  - Aqui. – falei friamente.
  Parece que algo em minha voz subitamente despertou o interesse daquele estranho indivíduo, porque assim que terminei de falar, ele levantou seu olhar e o fixou em mim. Eu arfei, disfarçadamente, impressionada com o que via. Era o olhar mais intenso que alguém alguma vez já havia direcionado à mim.
  Seus olhos eram . E eram olhos que podiam fazer alguém se perder na profundidade de seu misterioso brilho. Olhos que não deixavam transparecer emoções facilmente. Olhos ilegíveis. Penetrantes. Enigmáticos.
  Mas tinha apenas um mínimo detalhe, que aparentemente estragava qualquer beleza que pudesse haver neles. Eles estavam vermelhos. E havia as olheiras. Como se aquele cara não soubesse o que é dormir direito há semanas. Talvez meses. Sua barba malfeita também era um indício de que ele estava passando por um mau momento.
  - Você é nova aqui – ele disse com a voz rouca.
  O tom de voz dele fez algo se agitar dentro de mim. Eu não sabia o que era, mas sabia que não devia sentir nada disso. Eu devia era permanecer indiferente, como se o fato da voz dele ser rouca e sensual não estivesse despertando certas reações em mim. Porque, afinal, eu estava disposta a manter distância de tipos como aquele. Não estava?
  - Pra você, sou nova sim – respondi, dando um sorrisinho amarelo pra ele.
  Eu tinha que ser simpática. Sempre fui simpática com todo mundo, por que com ele seria diferente?
  Ele abriu a boca pra responder algo, mas a voz estridente de Debby veio gritando por mim, me fazendo desviar a atenção.
  - ! Será que dá pra você segurar as pontas aqui? – ela disse em um tom inocente. – É que preciso ir ao banheiro, então...
  Ah, ótimo. Eu devia mesmo ter previsto isso. Ela ia me fazer pagar pelos dias em que a deixei na mão, servindo drinks sozinha, quando tive que faltar para ficar cuidando de .
  - Tudo bem – respondi simplesmente. Como se eu tivesse qualquer outra opção.
  Depois disso, fui obrigada a servir todo mundo que queria uma bebida, e o resultado, foi que esqueci completamente o ‘bonitão’ de jaqueta de couro. Bem, pelo menos pra alguma coisa a ausência de Debby serviu.
  Mas eu continuava servindo uísque pra ele também. Ele já devia estar no seu sexto copo quando Debby voltou, e o ritmo de trabalho pra mim diminuiu um pouco.
  - Qual o seu nome? – ouvi a voz rouca dele perguntar.
  Inspirei profundamente e soltei o ar, suplicando por paciência. Okay, não era bem paciência. Eu estava suplicando pra conseguir agir normalmente e não cair na tentação de olhar praquele cara mais tempo do que deveria.
  - – respondi.
  - Aquela outra bartender te chamou de – ele comentou depois de um tempo.
  - Se você sabe o meu nome, por que perguntou? – falei secamente.

  Eu não tive a intenção de ser rude. Pode parecer que estou mentindo, mas não. Ele não tinha culpa se era o meu tipo de cara. O tipo que eu devia estar evitando.
  Estava com a intenção de me desculpar por ter falado daquele jeito, mas ele pareceu não se importar, porque logo disse:
  - Sou . – se apresentou, oferecendo o copo pra que eu completasse com mais uísque.
  - Eu não vou servir mais nada pra você hoje. Já está no sexto copo. – falei confiante.
  E era verdade. Uísque era uma bebida forte, ainda mais quando tomada em várias doses. Eu não queria ser a culpada de um possível acidente de carro – caso ele dirigisse pra casa depois de sair da boate.
  Ele riu, uma risada sarcástica e sem humor.
  - Uma bebida a mais ou a menos não importa. Mais bêbado do que já estou, não fico.
  Franzi a testa, olhando pra ele. Será que ele tinha bebido antes de vir pra boate? Ou aquilo era efeito apenas do uísque que eu o tinha servido?
  - Não sirvo mais nada pra você – disse firme.
  De repente a risada dele morreu, e olhou pra mim, seus olhos irradiando fúria.
  - E por que não?
  - Porque não quero ser responsável por um acidente de carro quando você estiver voltando pra casa.
   me olhou, ainda com raiva, mas seus olhos se suavizaram um pouco.
  - Eu não estou de carro – falou lentamente. – E de qualquer modo... por que você se importa?
  Abri a boca pra responder, mas me calei antes que cometesse uma besteira. Eu tinha a resposta na ponta da língua. Se você morresse, ou mesmo ficasse gravemente ferido, seria um completo desperdício. Eram as palavras que eu queria dizer. Mas me refreei antes que pudesse começar.
  - Você é sempre assim? Sempre suplicando por uma bebida? – eu disse, para minha própria surpresa.
  A fúria voltou a brilhar nos olhos dele.
  - Eu quero mais uma dose de uísque – ele disse pausadamente, como se eu fosse uma criança de dois anos. – E se você não me der o que eu quero, eu faço de questão de fazer o responsável por esse lugar te despedir.
  Agora era eu quem começava a sentir raiva. Tudo bem que ele estava bêbado. E discutir com um bêbado nem sempre é uma escolha muito inteligente. Mas eu estava discutindo com um bêbado bonitinho. E essa, era uma coisa tipicamente minha. Eu nunca conseguia me impedir de fazer bobagens como essa.
  - Vá em frente – desafiei. – Ele não vai ouvir você. Ele me conhece. Sabe que preciso desse emprego.
   levantou uma de suas sobrancelhas, e logo o sarcasmo tomou conta de sua expressão, substituindo a raiva.
  - Ah – ele disse. – Então, o que você dá em troca pra que ele saiba que você precisa do emprego?
  O encarei fixamente, antes de finalmente entender o que ele estava sugerindo. E quando entendi, me senti mais furiosa ainda.
  - O que está insinuando? – perguntei agressivamente.
  - Eu? – ele me olhou fazendo cara de inocente. – Nada. Só que talvez, se você me der a mesma coisa que dá a ele, eu posso até desistir da bebida. – ele sorriu malicioso, fazendo questão de passar os olhos pelo meu corpo de um jeito obsceno.
  Trinquei os dentes e o fuzilei com os olhos.
  - Eu não sou esse tipo de garota – cuspi as palavras.
  Depois disso, eu me afastei. Debby deve ter visto na minha cara que alguma coisa tinha acontecido, porque tomou o meu lugar perto de , enquanto eu me afastava para o outro lado do balcão, o mais longe o possível dele.

  A noite tinha sido agitada. Não pelo fato de que eu tenha trabalhado muito – e eventualmente tenha tido problemas de estresse com um certo cara gato e bêbado usando uma jaqueta de couro –, mas sim porque minha noite de sono não foi muito... agradável. Certo, foi agradável. Mas eu acordei realmente fula, porque a maioria dos sonhos daquela noite, tinham sido assombrados pelo mesmo par de olhos irritantes.
  Deitada na minha cama, eu encarava o teto e tentava convencer a mim mesma que aqueles olhos não eram do cara da noite anterior, o tal . Quer dizer, quantos caras de olhos existem por aí? Eu por exemplo conheço vários. Mas meu subconsciente não me deixava acreditar que eles pertenciam à outra pessoa. Droga, até meu subconsciente me odeia.
  Suspirando, me levantei e fui até o banheiro. Joguei uma água gelada no rosto para tentar tirar a imagem vívida daqueles malditos olhos da minha mente. E de fato, eu me senti melhor depois. Mas a imagem ainda permanecia intacta, só esperando eu me distrair para assumir o controle.
  O relógio marcava pouco mais de 7h da manhã, e eu me perguntava por que tinha me levantado tão cedo. Eu tinha chegado em casa mais ou menos umas 2h da manhã. A única explicação para minha falta de sono, era o medo de fechar os olhos e ver de novo aqueles olhos. Isso já tava parecendo uma obsessão, argh.
  Tomei meu café da manhã: uma xícara de chocolate quente – porque eu odeio café – e torradas com geléia de morango. A casa estava em silêncio. Logo chegaria com . Era uma tipo de rotina estabelecida, quando eu trabalhava e ficava sob os cuidados de , de manhã ela o trazia para casa.
  E naquele dia não foi diferente. Eu mal fiz algumas coisas e a campainha já estava tocando. Olhei para o relógio. estava adiantada hoje. O que diabos teria acontecido pra que ela pulasse da cama mais cedo? era a pessoa mais preguiçosa que eu conhecia!
  - ! – ela exclamou quando abri a porta.
  - Mamãe! – correu para abraçar minha perna, como era de costume.
  - Hey meu amor – sorri para , pegando-o no colo. – Entra, . – dei espaço pra que ela passasse.
  - Eu certamente vou entrar. Hoje tenho o dia de folga. foi trabalhar e... – ela não parava de falar.
  Ergui as sobrancelhas, estranhando aquele comportamento. Desde quando era bem humorada de manhã?
  - , eu posso saber o que aconteceu? Por que o bom humor? – perguntei desconfiada.
  - Nossa – ela colocou a mão na direção do coração. – É tão incomum assim eu estar de bom humor?
  - Hm... pra falar a verdade... sim, é incomum – respondi, tentando conter o riso.
  - E você acha que, só porque estou super animada, significa que aconteceu alguma coisa, é? – ela me olhou com uma falsa expressão magoada.
  - Sim – falei indiferente, beijando a bochecha de e soltando-o no chão para que ele fosse brincar pela casa.
  - Pois você está totalmente certa – ela disse empolgada. – Tem uma coisa muito importante que eu preciso contar.
  - Então, qual a grande notícia? – me sentei no sofá, vendo fazer o mesmo ao meu lado.
  Os olhos dela cintilaram, e sem dar uma resposta, ela estendeu sua mão pra mim. Observei intrigada o que ela queria que eu percebesse, mas foi fácil adivinhar. Porque em seu dedo anelar, brilhava um lindo anel.
  - Ah-meu-Deus – arfei, puxando a mão dela pra ver mais de perto. – Isso é...
  - Um anel de diamantes! – ela gritou animada. – fez o pedido, . Ah, amiga, estou nas nuvens – ela disse rindo, e fazendo uma cara de sonhadora.
  Eu ainda estava abismada, mas a alegria da minha amiga logo me contagiou. Afinal, ela ia se casar!
  - ! Parabéns! – a abracei desajeitadamente.
  - Ah, obrigada – ela respondeu feliz. – E adivinha só quem vai ser a madrinha?
  A olhei espantada. Quer dizer, eu nunca tinha sido madrinha de nenhum casamento. Era uma coisa nova pra mim.
  - Você não quer que eu... – comecei.
  - Claro que vai ser você, sua anta – ela berrou, mais animada ainda. – E não precisa ficar com medo, eu juro que não vou fazer você usar um daqueles vestidos estilo época da minha avó.
  Eu fiquei surpresa na hora que vi o anel, mas pensando bem, aquilo era mesmo inevitável. e eram um grude só, o típico casal fofo e apaixonado. Só me admirava que – como eu disse antes, a lerdeza em pessoa – tivesse tido coragem de pedir uma garota em casamento. Bem, quando estamos apaixonados, fazemos as coisas por impulso, então eu meio que entendia.
  O dia passou voando. tagarelava sobre seu futuro casamento, mudando de ideia a cada dois segundos. E eu não estou exagerando! , além de preguiçosa, também era muito indecisa. Na verdade, eu não podia culpá-la. Ela estava falando do casamento dos sonhos! Tinha que ser planejado nos mínimos detalhes, pra no dia tudo sair perfeito. E eu a ajudaria, afinal, é pra isso que melhores amigas – e futuras madrinhas de casamento – servem.

  Então, a noite chegou. Mais precisamente, o momento em que eu adentrei as portas da Ice Lights pra mais um dia de trabalho. Eu esperava não encontrar , mas meu subconsciente – maldito subconsciente! – me dizia que ele estaria lá. Assim como ele esteve todos os dias desde que eu comecei a faltar por causa de , de acordo com Debby.
  Eu não esperava encontrá-lo quando chegasse. Contava com alguns minutos pra me recompor e repetir o meu mantra de “não ligue pro que ele diz”. Mas não tive meu tempo, porque assim que cheguei, pude vê-lo sentado no mesmo lugar, com o mesmo copo de uísque do dia anterior.
  Respirando profundamente, me preparando para o que quer que viria aquela noite. Ah, se ele precisava de uma dose de uísque, eu, ao contrário, precisava era de uma boa dose de paciência.
  Tomei meu lugar atrás do balcão, ignorando deliberadamente a presença dele. Eu podia sentir seus olhos acompanhando meus movimentos, e sabia que ele me olhava com aquele mesmo olhar intenso que tinha fixado em mim na noite anterior.
  - Boa noite – ele disse, na sua usual voz rouca.
  - Noite – respondi simplesmente.
  Ele não disse nada por um tempo. Mas eu sabia que começaria a falar em cinco, quatro, três, dois...
  - Eu queria me desculpar por ontem – começou. – Você sabe... por ter insinuado que...
  - Tudo bem – o cortei.
  Eu não queria ouvir as desculpas esfarrapadas dele. Aliás, não queria ouvir mais desculpas nem dele, nem de homem nenhum. Era esse um dos motivos pra eu estar terminantemente afastada deles.
  - Não, é sério – ele voltou a dizer. – Eu ainda estou sóbrio, então, eu queria me desculpar... de verdade.
  Nesse momento, eu não consegui me conter e o encarei. A mesma reação tomou conta do meu corpo ao encarar aqueles olhos que tinham me assombrado em sonhos.
  - Aceito suas desculpas – falei sinceramente.
  Cheguei até a abrir um sorriso pra ele. Sorriso o qual ele retribuiu. E, oh meu Deus, que sorriso lindo ele tinha. Seus dentes eram brancos e certinhos. Era uma pena que seu sorriso não chegou aos olhos. Seus olhos, apesar de lindos, continuavam cansados.
  - Eu estive me perguntando... o que uma garota como você faz trabalhando aqui? – ele puxou assunto um tempo depois.
  Servi um copo de vodka pra uma loira, e apoiei os cotovelos no balcão, deixando meu olhar se perder na pista de dança.
  - Bem, de um jeito eu tenho que ganhar dinheiro, certo? – respondi melancolicamente.
  - Eu nunca deixaria minha namorada trabalhar num lugar como esse. Pode ser... perigoso – disse, bebendo de seu uísque. – Mas isso é claro, se eu tivesse uma namorada. – ele riu sem humor.
  - Então... você não tem uma? – perguntei interessada.
  Não. Foco . Foco. Não interessa se ele tem ou não uma namorada. Você está fora de relacionamentos com caras desse tipo.
  - Teria, se ela não tivesse me chutado – falou com raiva.
  Ah, então era isso. Ele bebia porque a namorada o tinha chutado. Homens. Sempre a mesma história.
  - Então, é por isso que você gosta de ficar bêbado? – o encarei fixamente.
  Ele retribuiu meu olhar, mas dessa vez eu não conseguia ler a expressão em seus olhos.
  - Gosto de ficar bêbado porque quero esquecer. – respondeu baixo.
  Franzi a testa, desviando meu olhar do dele. Aquilo já estava começando a me incomodar.
  - Esquecer? Eu penso o contrário – falei. – Eu gosto de saber o que fiz na noite passada. Com quem eu estive, essas coisas. Imagino que você, na maioria das vezes não sabe, certo?
   apenas me encarava, como se eu fosse algum tipo de criatura que ele desconhecesse.
  - Eu me lembro de ter pensado coisas ruins de você ontem, me arrependi e pedi desculpas – ele justificou.
  Essa constatação me arrancou um sorriso. Balancei a cabeça negativamente e servi mais uma dose de uísque pra ele. Talvez ele precisasse mesmo.
  - Então, o álcool não afeta tanto sua memória como deveria.
  - É... talvez você tenha razão. – ele concordou, deixando seus olhos se fixarem em um ponto qualquer atrás de mim.
  O tempo foi passando. Eu resolvi não negar mais bebidas a , porque isso poderia nos levar ao mesmo caminho de antes, ou seja, a uma discussão que acaba me deixando furiosa no final. Ele bebia o quanto quisesse. Eu não tinha nada a ver com isso. Eu nem o conhecia. Certo?
  - Você não está me regulando uísque hoje – ele comentou. Apenas dei de ombros em resposta. – Então você não se importa mais que eu vá me envolver em um trágico acidente? – perguntou debochado.
  Me virei pra ele e o encarei novamente.
  - A vida é sua. Você faz com ela o que quiser. Se você quer se matar, quem sou eu pra impedir? Eu nem conheço você. – respondi.
  - Você sabe o meu nome – ele sorriu bobamente.
  É, talvez o álcool já tivesse começado a afetá-lo.
  - Saber o seu nome não faz com que eu te conheça necessariamente – dei de ombros mais uma vez.
  - Sabe, eu gosto mais de você como bartender. Antes tinha um cara chato, um tal de... – ele mudou de assunto.
  - James? – questionei.
  Ora essa, eu nem sabia que eles tinham colocado James – o cara que limpava os banheiros – no meu lugar.
  - Sim, acho que era isso – ele fez uma cara de pensativo. – Mas sabe, ele me olhava como se fosse superior a mim. Você não me olha assim... – me encarou, com aquele mesmo brilho nos olhos.
  Agora eu percebi. Aquele brilho só aparecia quando ele já estava bêbado.
  - James tem uma tendência a ser assim. Não é só com você – dei de ombros.
   ia responder algo, mas então outra voz surgiu de algum lugar.
  - ? – a voz indagou espantada.

  Eu não queria me virar. Eu conhecia aquela voz, sabia de quem era. Mas não queria me virar. Oh Deus, eu faria tudo pra que pudesse jogar o cabelo no rosto, murmurar algo como “acho que você está me confundindo com outra pessoa” e dar o fora dali. Mas eu não podia fazer isso.
   deve ter percebido como fiquei tensa, porque me olhou com as sobrancelhas arqueadas, mas não comentou nada. Respirando profundamente, endireitei meus ombros e me escondi sob uma máscara de indiferença que eu sabia, iria cair a qualquer momento.
  - Olá Brandon. – dei-lhe um sorriso falso.
  - Mas é você mesmo – ele me deu uma olhada de cima abaixo, detendo seus olhos no pequeno decote da minha blusa.
  Cruzei os braços com raiva, esperando que minha expressão indiferente estivesse bastante convincente.
  - Sim, sou eu – respondi friamente.
  Brandon voltou a fixar seus olhos no meu rosto.
  - ... fazia tempo que queria te encontrar pra gente... conversar – ele começou, soando falsamente arrependido.
  Franzi a testa, olhando-o com os olhos semi cerrados.
  - E por que não me ligou?
  - Achei que...
  - Você não achou nada, Brandon. Você não queria me encontrar realmente, eu sei, você sabe, nós dois sabemos – falei firme. – Porque não temos nada pra conversar.
  Brandon pareceu ter ignorado cada palavra que pronunciei.
  - Eu sinto sua falta.
  - Não, você não sente. – desviei meu olhar do dele. – , mais? – perguntei à , sorrindo pra ele mais amavelmente do que pretendia.
  Ele me olhou estranhamente em resposta, apenas acenando com a cabeça. Servi mais uma dose de uísque a , ignorando totalmente a presença de Brandon. E talvez seja pelo fato de ter sido ignorado, que a próxima coisa que eu soube é que ele estava agarrando meu braço com força.
  - Eu disse que precisamos conversar – Brandon falou com raiva.
  - E eu disse que não há nada pra dizer – retruquei.
   apenas observava, sem se intrometer.
  - Temos sim. Temos que conversar sobre o meu filho – Brandon disse, me olhando fixamente.
  Soltei uma risada sem humor.
  - Que filho? Você não tem um filho, Brandon – continuei rindo histericamente.
  - Olha aqui, sua vadia, você não pode me impedir de ver o meu filho, ouviu bem? – Brandon me olhava com raiva.
  - Certamente que não poderia – eu continuava rindo, mas parei abruptamente. – Se ele existisse, claro.
  Brandon afrouxou o aperto no meu braço, mas continuou segurando.
  - O que você quer dizer? – me olhou incrédulo.
  - Não era isso que você queria, Bran? Você disse que era um erro. Que aquilo não deveria ter acontecido, que você não queria aquele filho. – sorri falsamente pra ele. – Então, tinha um jeito muito prático de “consertar” aquele erro, e acho que você sabe qual. Eu tirei o seu filho, Bran. Eu matei um inocente – voltei a rir histericamente.
  Brandon ainda me encarava incrédulo, com a boca aberta.
  - Você não teria conseguido. – murmurou. – Eu não acredito em você.
  - Você acha que se eu tivesse um filho pra cuidar, estaria trabalhando aqui? – falei sarcástica.
  Brandon sacudiu a cabeça, ainda espantado. Eu não sabia se minha encenação tinha convencido Brandon, mas estava rezando pra que tivesse.
  - Sua... – ele apertou meu braço com mais força do que antes. – Sua vagabunda! – berrou, me olhando furioso.
  Aquilo chamou atenção de várias pessoas, inclusive Debby. Ela me olhou com os olhos arregalados.
  - Me solta, Brandon – pedi seca.
  - Como você pode ter feito isso? Ah, mas é claro, você não é tão santinha quanto parece, não é? Eu sempre soube disso , ah, eu soube – ele riu, apertando meu braço.
  Estava doendo, eu sabia que quando ele me soltasse, seria questão de tempo até que arroxeasse.
  - Me solta, você está me machucando – falei devagar.
  - E você sabe que posso te machucar ainda mais, não sabe? – Brandon me olhou com um brilho sádico em seus olhos verdes.
  Tremi ao me lembrar. Brandon sempre tinha sido agressivo. Ele quase tinha me feito perder quando eu contei que estava grávida. Ele me bateu... me jogou ao chão, e depois foi embora e nunca mais voltou.
  - Vai embora, Brandon. O que está feito não dá mais pra mudar – falei sem fôlego.
  Brandon riu.
  - Eu não vou embora até te dar uma liçãozinha. – ele apertava meu braço.
  Então, tudo aconteceu rápido demais. Eu só entendi depois que tinha acontecido. se levantou cambaleando, e deu um soco em Brandon.
  - A moça disse pra você soltar – disse, vendo Brandon tropeçar e quase cair, com a mão sobre o rosto, onde tinha sido acertado.
  - , não! – saí de trás do balcão, ajudando-o a ficar de pé. Ele estava bêbado, corria o risco de quase cair. Bater em Brandon deve ter exigido um esforço muito grande pra ele, com o álcool afetando seus movimentos. O guiei de volta até o banco em que estava sentado, enquanto ele pegava seu copo de uísque novamente e bebia um gole, como se nada tivesse acontecido.
  Brandon foi ignorado pela segunda vez, e talvez por isso sua fúria tenha aumentado mais ainda.
  - Ah, mas então você já me trocou, pequena ? – Brandon riu. – E me trocou por esse lixo? Que decadência...
  Então, Brandon revidou o soco, seu punho batendo em cheio no rosto de , que não teve tempo – ou agilidade – para desviar. A bebida espirrou em sua blusa branca, antes que o copo caísse no chão e se estilhaçasse.
  O barulho despertou ainda mais atenção. Brandon e começaram a brigar, com Brandon levando a melhor, claro. Qualquer um teria levado a melhor naquela situação. estava bêbado. Do contrário, teria acabado com Brandon em um segundo. era muito mais alto, e aparentemente muito mais forte que Brandon.
  - Parem! – gritei desesperada.
  Eu queria que Brandon parasse de socar . Eu não queria vê-lo ferido por minha causa. Aquilo estava me deixando furiosa. Como Brandon se atrevia?
  - Mas o que está acontecendo aqui? – a voz de Karl ressonou pelo local.
  Um minuto depois, dois funcionários da boate estavam segurando e Brandon longe um do outro.
  - Leve-os pra fora – Karl comandou. – Se vocês querem brigar, que seja longe do meu estabelecimento.
  Os dois começaram a levar Brandon e para longe. Fiz menção de ir atrás, mas Karl me parou.
  - Fique fora disso, . Eles são adultos, sabem o que fazem – Karl disse.
  - Não! – falei desesperada. – Me deixe ir...
  - Não, – Karl disse firme. – Não. Você fica aqui. Eu cuido disso.
  Karl me deixou ali, sozinha, enquanto ia em direção a entrada da boate.
  - Vou pegar um vassoura pra limpar a bagunça – Debby falou ao meu lado, empurrando os estilhaços do copo quebrado com o pé e se afastando.
  Eu estava trêmula. Não sabia nem como ia conseguir ficar calma o resto da noite. Eu precisava saber que estava bem.

  Depois da briga, eu não vi mais Karl. Na verdade, eu mal vi alguma coisa. O restante da noite passou como um borrão, eu sabia apenas que estava servindo os drinks mecanicamente, deixando meus olhos fixados na entrada, à espera de que talvez pudesse voltar por ela. Mas ele não veio.
  Então, quando deu a hora de ir pra casa, eu estava mais do que feliz em deixar aquele lugar. Ainda estava chocada pela recente visita de Brandon e mais chocada ainda com o fato de que um cara – que mal me conhece – tivesse apanhado por minha causa. Eu esperava que Karl tivesse conseguido afugentar Brandon, e que ele estivesse mais preocupado em fugir do que em bater mais em .
  Saí para o ar frio da noite, percebendo que caía uma chuva fraca. Era só o que me faltava. Eu bem que devia ter chamado um táxi quando ainda estava dentro da boate. Pelo menos lá estava quentinho e não chovia. Peguei meu celular e liguei para o motorista de táxi que sempre costumava me pegar depois do trabalho. Ele era um homem de 50 e poucos anos e me lembrava o meu pai, ou seja, era bem simpático. Então, àquela hora da madrugada, eu confiava apenas nele pra me levar pra casa.
  Apertei meu casaco por cima do corpo, sentindo os pingos d’água molharem meus cabelos. Suspirei na calçada, esperando pelo táxi. Quando ouvi um gemido. Eu pretendia ignorar, mas meu sexto sentido sussurrou que eu deveria ver o que era. Então caminhei para mais perto de onde tinha vindo o barulho. Era um beco, mas eu não precisei entrar nele para ver quem tinha produzido o gemido.
  - ! – corri até ele, que estava sentado no comecinho do beco, com a cabeça apoiada na parede e a chuva molhando seus cabelos claros.
  - Uh? – ele se virou pra mim, e sorriu bobamente. – Ah, é você. Viu, eu não sofri nenhum grave acidente... até agora – ele riu.
  - Mas vai pegar uma gripe se continuar nessa chuva – falei em reprovação suspirando aliviada ao ver que ele ainda estava inteiro.
  Karl tinha cumprido sua palavra e mandado Brandon pra bem longe.
  - Você também está na chuva – ele apontou.
  - Porque estou esperando um táxi. Já você, imagino que pretende passar a noite inteira aí – balancei a cabeça e me aproximei, com a intenção de ajudá-lo a se reerguer.
  - O que está fazendo? – perguntou confuso, enquanto eu começava a puxá-lo pelos braços e tentava levantá-lo.
  - Tentando te tirar dessa chuva – respondi ofegante, fazendo um esforço bem grande pra conseguir levantá-lo do chão. – Será que você poderia cooperar?
   se apoiou na parede, e com muito custo, nós dois conseguimos reerguê-lo. Eu estava cansada, mas não importava, só queria – precisava – me certificar que estivesse bem. Fomos cambaleando até a calçada, no lugar que eu estava aguardando o táxi.
  - Pra onde vai me levar? – ele perguntou.
  - Pra sua casa, é claro. – falei como se fosse óbvio. – Aliás, onde é sua casa?
   soltou uma risada, e apoiou sua cabeça no meu ombro.
  - Não faço ideia.
  - Mas como assim? – disse indignada.
  - Estou bêbado, esqueceu? – ele me olhou sorrindo.
  Ele estava certo. Estava bêbado. Ah, mas era só o que me faltava.
  O táxi chegou. John, o motorista, me ajudou a colocar no banco traseiro, e eu sentei a seu lado. Mandei John nos deixar no meu prédio. E sim, eu sei, sou louca por levar um completo desconhecido – e ainda bêbado! – pra dentro da minha casa. Mas eu estava com a consciência pesada. tinha apanhado por minha culpa. Seu estado de embriaguez não era minha culpa – ou talvez fosse, fui eu quem servi as bebidas – mas ainda assim, eu não podia deixá-lo quase inconsciente naquele beco imundo perto da boate.

  Chegamos em pouco tempo. John novamente me ajudou a tirar de dentro do carro, e até perguntou se eu queria uma ajuda pra levá-lo lá pra cima, mas eu recusei. Atravessar o saguão e pegar o elevador não era assim tão difícil.
  E de fato não foi. Em minutos, eu estava adentrando meu apartamento silencioso com junto. Assim que acendi a luz da sala, reclamou.
  - Ai... a luz machuca meus olhos – ele fez um beicinho engraçado, e eu ri.
  Pessoas bêbadas eram sempre engraçadas.
  - Tudo bem, vamos cuidar de você agora. – fechei a porta atrás de nós com o pé, e fui guiando-o para o quarto de hóspedes.
  Como estava escuro e eu não podia largar para ir acendendo as luzes no caminho, fomos tropeçando em vários lugares, ele principalmente, tanto por estar sob efeito do álcool, quanto por não conhecer o lugar.
  Entramos no quarto e eu o empurrei para a cama. Ele caiu deitado, enquanto eu acendia a luz.
  - Não! Já falei que machuca meus olhos – ele resmungou.
  Apaguei a luz novamente, me contentando em ligar apenas o abajur que estava sobre o criado mudo ao lado da cama.
  - Melhor? – perguntei.
  - Muito – ele sorriu, fechando os olhos.
  Então, olhei para seu rosto, vendo o estrago que Brandon tinha feito nele. Seu olho esquerdo estava roxo, e seu nariz sangrava um pouco.
  Fui até o banheiro e procurei pela caixinha com o kit de primeiros socorros, e voltei até o quarto onde estava deitado ainda sorrindo.
  Enquanto eu cuidava dos machucados de , ele apenas murmurava coisas sem sentido e, ora ou outra, reclamava que estava doendo. Ele era mesmo um reclamão.
  - Fica quieto, – xinguei, limpando o sangue seco que tinha saído de seu nariz.
  - Você não é uma enfermeira boazinha – ele falou parecendo uma criança mimada.
  E então, uma música interrompeu as reclamações de . Era Since I Don’t Have You, dos Guns ‘N’ Roses. Eu adorava aquela música. Mas não era do meu celular.
  Celular! Droga, eu era mesmo muito anta, como dizia . Apalpando os bolsos da calça de – sem segundas intenções, eu juro! – achei o aparelho berrante. Eu não atendi, apenas o segurei nas minhas mãos, me xingando mentalmente. Devia ter lembrado que celulares existem, então eu poderia ter ligado pra alguém da discagem rápida de , para que a pessoa viesse ‘resgatá-lo’.
  - Eu não quero ir pra casa agora... – murmurou baixinho.
  O toque do celular cessou, mas retornou em poucos segundos. Na tela, o nome “” piscava incansavelmente. Olhei para , vendo que ele não teria condições de atender. Mas cheguei a conclusão de que a tal iria querer saber onde ia passar a noite – e em que estado ele estava.
  Atendi o celular, me afastando de . Mas antes mesmo que eu dissesse “alô”, uma voz estridente de mulher soou do outro lado da linha:
  - Amorzinho, que saudades!
  - Er, aqui não é o – falei constrangida.
  - Não é? – a voz passou de uma tentativa “doce-e-amorosa” para “agressiva-e-irritada”.
  Olhei para mais uma vez, cogitando a ideia de deixá-lo atender. E naquele exato momento, ele soltou um arroto e começou a gargalhar feito um idiota. Isso foi o suficiente para que eu ignorasse qualquer possibilidade de deixá-lo falar ao telefone.
  - Olha... – comecei.
  - Você é a irmã dele? A mãe? A tia? Alguma parente dele? – a mulher perguntou, soando furiosa.
  - Bem, não, mas...
  - Então você é uma vadia – ela disse com a voz maldosa. – Eu sei que ele está aí com você. Mas saiba que quem quer que você seja, está apenas te usando pra me esquecer. Ele me ama, eu sei, ele ficou arrasado quando eu terminei nosso namoro. Isso significa que ele está te usando, e acho que você sabe disso. Mas eu quero que saiba também, que o é meu, ouviu bem? Meu, e... – ela ia continuar falando, mas eu desliguei na cara da infeliz. Ela que continuasse falando sozinha.
  Que vaca. Como ela se atrevia a falar aquilo comigo? Ela nem me conhecia. Esse era mesmo um mal muito comum nos homens: eles só escolhiam vadias como namoradas. Argh.
  Desliguei o celular, para que a tal não continuasse ligando, e o deixei sobre o criado mudo. Voltei minha atenção para , que tinha parado de gargalhar, mas ainda mantinha um sorriso nos lábios.
  Sua camisa branca estava molhada e grudada ao seu corpo, eu podia ver o contorno de sua barriga. Mas o cheiro de uísque estava forte demais. Eu teria que tirar aquela camisa. E eu não tinha segundas intenções, já disse que não.
  Desviei meus olhos dele e fui procurar no guarda-roupas uma das camisas do meu irmão. Ele sempre deixava algumas lá, pra quando viesse a Londres e se hospedasse no meu apartamento. Achei uma marrom e observei o tamanho. Talvez ficasse um pouco apertada em , porque meu irmão parecia menor. Tinha também uma calça, e essa eu tinha certeza que ficaria boa, porque meu irmão tinha mania de usar calças vários números acima do certo, e elas sempre ficavam largas.
  - Aqui – voltei-me para , que aparentemente estava feliz em estar em uma cama. – Você consegue se trocar?
  Ele não se moveu, e eu me perguntei se ele já tinha caído no sono. Suspirando, fui até ele.
  - Vamos , você precisa tirar essa camisa molhada – falei cansada.
  Com alguma dificuldade, consegui deixá-lo sentado para que eu pudesse tirar sua camisa. Ele não estava facilitando. Assim que a tirei, se deitou de novo, me levando junto. Por conseqüência, eu caí sobre ele.
   riu enquanto eu me levantava, e fechou os olhos mais uma vez. Então, me peguei observando-o. Agora eu podia ver o que aquela camisa branca escondia, e era uma visão... agradável. tinha um abdômen definido, e eu me peguei pensando em como seria a textura de sua pele se eu a tocasse. Inconscientemente, mordi meu lábio inferior, ficando surpresa por abrir os olhos naquele exato momento e me flagrar olhando-o daquele jeito.
  - Se eu estivesse sóbrio, com certeza tentaria fazer amor com você agora mesmo – ele falou rouco, me olhando com um sorriso bobo nos lábios.
  A única coisa que eu consegui fazer foi rir, achando engraçado ele usar um termo tão brega como “fazer amor”. Mas até que pareceu bem fofo da parte dele.
  Mas no minuto seguinte, estava novamente com os olhos fechados, e dessa vez eu sabia que ele não iria abri-los tão cedo.

  Naquela manhã eu estava tensa. Bebia meu chocolate quente, enquanto mexia distraidamente no meu notebook, aberto em cima da mesa da cozinha. Eu estava tentando me distrair, para tentar esquecer do meu convidado que dormia como uma pedra no quarto de hóspedes. chegaria com logo mais, e eu esperava que, quando eles chegassem, estivesse bem longe dali. Ou quem sabe ele poderia continuar dormindo, e eu arranjaria um jeito de expulsar do apartamento, antes que ela percebesse que eu não estava sozinha. Queria ser poupada das explicações.
  Estava tão perdida em meus pensamentos, que não ouvi o barulho de pés se arrastando sobre o corredor. Então, a próxima coisa que eu vi, foi um sem camisa, parado na porta da cozinha, massageando a testa com uma das mãos e uma cara de sofrimento.
  - Bom dia. – falei antes que ele dissesse algo. – Os comprimidos pra dor de cabeça estão bem ali – apontei para o balcão, sem me atrever a olhar em seus olhos. – E no banheiro tem umas roupas que você pode usar, é melhor tomar um banho – beberiquei um pouco do chocolate, sem tirar os olhos da tela do computador.
   não disse uma palavra. Apenas pegou a cartela de comprimidos e o copo d’água que eu tinha deixado perto, e voltou por onde tinha vindo.
  Ele seguiu minha sugestão, eu pude ouvir o barulho do chuveiro enquanto ele tomava um banho. Resolvi que aquilo não era nada demais, que assim que terminasse seu banho, ele pegaria suas coisas e iria embora, eu nunca mais o veria. Sim, porque depois da briga de bar da noite anterior, Karl não deixaria mais que entrasse na Ice Lights. De jeito nenhum.
  - O que você está fazendo? – a voz de perguntou.
  Me sobressaltei. Não tinha visto o tempo passar. Estava concentrada demais nos meus pensamentos sobre a noite anterior.
  - Estou procurando um novo emprego – respondi simplesmente, voltando a pesquisar algumas coisas na internet.
  E eu estava falando a verdade. Eu iria seguir o conselho de e largar de uma vez por todas o trabalho de bartender. Eu nunca tinha parado pra pensar, mas boates e bares eram os lugares favoritos de Brandon. E eu não facilitaria um novo encontro repentino com ele.
  - Bem, essa é uma ótima notícia – disse, se sentando na minha frente. – Aquela boate não é lugar pra uma garota como você.
  Não respondi. Fiquei calada por uns instantes.
  - Então, qual tipo de trabalho você pretende conseguir? – ele perguntou interessado.
  - Sou formada em jornalismo. Então, tenho apenas que conseguir algo nessa área. – suspirei.
  Ficamos em silêncio por alguns instantes.
  - Ali tem café. Se você quiser, vai ajudar com a ressaca – sugeri depois de um tempo.
  - Não, obrigado, acho que estou bem assim – ele respondeu.
  Eu podia sentir a intensidade de seu olhar, mas não o encarei de volta.
  - E então, o que se lembra da noite passada? – perguntei curiosa.
  - Hm... – ele pensou um pouco. – Da briga de bar em que eu me meti.
  Balancei a cabeça negativamente, reprimindo um sorriso.
  - O ponto alto da noite.
  - Acho que sim – ele concordou. – Tem algo a mais que eu devia me lembrar?
  Suspirei, sabendo que eu tinha que contar aquilo.
  - Bem, a sua namorada te ligou ontem – dei de ombros. – Mas você estava ocupado demais rindo do seu ‘super arroto’ que não percebeu.
   se levantou, o que me fez olhar pra ele. Sem dúvida nenhuma, as roupas do meu irmão ficavam bem melhores em .
  - Namorada?
  - Ah, uma tal de . – franzi o cenho.
  - ligou pro meu celular? – ele me olhou espantado.
  - Yeah – tomei o resto do meu chocolate, que agora já estava frio.
  - E o que ela disse? – me perguntou com certa expectativa.
  - , liga pra ela, ok? Eu não sou menina de recados – respondi seca.
  - O que ela disse, ? – ele segurou nos meus ombros, me olhando com seus olhos brilhando.
  - Ela não disse nada, . Nada – frisei bem a última palavra.
  - Ela tem que ter dito alguma coisa – ele me olhou com raiva. – O que foi que ela disse?
  - Que droga, ! Ela me chamou de vadia. Feliz? – me exaltei.
  Por que ele queria tanto saber? Se ele queria ficar correndo atrás daquela vaca, que não me colocasse no meio.
  - Ela fez o quê? – ele soltou meus ombros, e voltou a se sentar.
  - Foi o que você ouviu. Ela perguntou se eu era da sua família, quando eu disse que não, ela me chamou de vadia e disse que você ainda pertencia a ela. – disse sarcástica.
   ficou um pouco incomodado, mas não teve que responder, porque logo a campainha tocou.
  “Droga” pensei. e tinham chegado. E eu pensando que ia ter uma chance de que minha amiga não descobrisse sobre isso.
  Me levantei, indo em direção à sala, mas me virei para , que continuava sentado no mesmo lugar, e com os olhos perdidos no nada.
  - Fique aqui. – ordenei.
  Logo que abri a porta, correu para abraçar minha perna.
  - Mamãe! – ele gritou animado.
  - Oi, meu bebê – sorri vendo-o agarrado em mim e me voltei para . – Obrigada por cuidar dele mais uma vez .
  - Ah, você sabe que... – ela parou de falar, olhando atrás de mim com uma expressão assustada.
  Eu nem precisei me virar para saber o que era. não tinha ficado na cozinha. Ora, é claro que não.
  - Ah, certo – dei uma olhada pra . – , esse é . , – fiz as apresentações.
  - Mamãe – resmungou, puxando a barra da minha calça.
  - E esse é , – peguei meu filho no colo, levantando-o e lhe dando uma mordida leve na bochecha.
   riu, e limpou a bochecha com sua mãozinha pequena.
  - Ew! – coloquei no chão, e ele saiu correndo pelo apartamento, sumindo pelo corredor.
   deve ter sentido a atmosfera tensa que estava no local, porque logo disse:
  - , eu tenho que ir. Hm, mais tarde a gente conversa – ela me olhou com uma cara de “você-tem-que-me-contar-tudinho-depois”, e depois sorriu pra . – Até mais .
  E então ela saiu, fechando ela mesma a porta atrás de si e me deixando sozinha no apartamento, com e .

  - Você mentiu – sussurrou.
  - Menti? – o olhei confusa.
  - Ontem – ele me olhava intensamente. – Você disse praquele cara que... tinha tirado o bebê, mas... você não tirou.
  É, ele tinha sacado. Bem, doía pra mim sequer pensar em fazer um aborto, e ainda mais agora que eu tinha . Imaginar que eu o mataria antes que ele tivesse uma chance de viver? Isso destroçava meu pobre coração de mãe.
  Mas foi preciso inventar aquilo. E acho que tinha feito uma boa encenação, tanto que Brandon acreditou. Só que agora, tinha descoberto que eu tinha fingido.
  - Era o único jeito... ele não iria nos deixar em paz – falei baixo.
  - Você é uma boa mãe – deu um meio sorriso.
  Abaixei a cabeça, sentindo meu rosto corar. Alguns minutos se passaram, o silêncio sendo quebrado apenas por brincando em seu quarto.
  - Foi você quem pintou? – fez um aceno de cabeça em direção ao quadro pendurado na parede atrás de mim.
  - Ah – me virei para o quadro, contemplando as rosas brancas pintadas à mão com um sorriso de satisfação no rosto. – Foi minha mãe quem meu deu. Ela sabe que gosto de rosas brancas.
  Minha mãe estava fazendo um curso de pintura e tinha pintado aquele pra mim. Eu ficava horas olhando-o quando sentia falta dela.
  - disse ao meu ouvido, fazendo com que eu me assustasse com sua proximidade. – Eu tenho que ir agora.
  Me virei de frente pra ele, sem conseguir desviar o olhar de seu rosto. Ele estava próximo... perto demais. E eu não consegui me impedir de deixar que meus olhos fossem parar em seus lábios. O que estava acontecendo comigo?
  Mas nada realmente aconteceu, porque veio gritando do quarto.
  - Mãe! – ele começou a pular freneticamente, tentando chamar minha atenção.
  - O que foi, meu amor? – me desvencilhei de e fui até , pegando-o no colo outra vez.
   continuou parado, apenas observando enquanto eu mimava meu filho um pouquinho.
  - ... acho que já vou indo – ele falou.
  Apenas assenti, meio desconcertada pelo que quase aconteceu.
  - Tudo bem. – o olhei sorrindo.
   se aproximou. Bagunçou o cabelo de , que riu pra ele. E depois, me deu um beijo na bochecha.
  - Obrigado. Por tudo – ele piscou.
  Ele estava com as roupas na mão, e provavelmente tinha pegado seu celular do criado mudo e colocado no bolso.
  - Tchau – ainda com no colo, abri a porta pra ele.
   me olhou uma última vez, e depois se virou indo em direção ao elevador. Ele não olhou mais pra trás. E então, aquela foi a última vez que o vi.

  Depois que saiu do meu apartamento naquele dia, muita coisa aconteceu. Eu não voltei mais na Ice Lights. E adivinhe? Em pouco tempo consegui um emprego em uma revista de moda. Eu não sabia como tinha acontecido, apenas que um dia, uma mulher chamada Amy ligou pra minha casa e me ofereceu um cargo na redação da revista. Agora se me perguntar como ela conseguiu meu número, ou como ela sabia que eu precisava de um emprego assim, eu não poderia responder. Porque a verdade é que, mesmo agora – que fazia exatamente um mês que eu estava nesse novo emprego – eu não sabia.
  O que mais me surpreendeu, foi que na primeira semana trabalhando na revista, eu recebi um presente misterioso. Era um buquê. De rosas brancas. No bilhete, não estava escrito de quem era. Apenas uma pequena nota que dizia “Rosas Brancas, suas preferidas.” Dá pra imaginar o quanto eu fiquei frustrada com isso?
  Claro, eu adorei o buquê. Mas eu queria desesperadamente saber quem as tinha mandado. Ninguém ali me conhecia direito. Quando recebi, me lembrei de . Mas não poderia ser ele. Como saberia que eu estava trabalhando ali?
  Amy até tinha brincado comigo, dizendo que, em apenas uma semana, eu tinha conseguido conquistar o coração de alguém. Na verdade, ela disse isso com um sorriso estranho no rosto, como se soubesse de algo que eu ignorava.
   ficou super animada com meu novo local de trabalho. Aliás, ela e tinham marcado a data do casamento e agora ela estava na fase de escolher o “vestido perfeito”. E eu a estava ajudando, exercendo meu papel de madrinha. Ou pelo menos tentando – como se ela estivesse acreditando em mim quando eu dizia que um vestido lhe caía bem.
  Resumidamente, era isso que tinha acontecido na minha vida desde que parei de trabalhar na Ice Lights. E desde que vi pela última vez. À noite, aquele mesmo par de olhos continuava perseguindo meus sonhos. Mas agora eu não me importava mais. Pelo menos nos sonhos, eu sabia que ia encontrá-lo.
  Era sábado, e eu estava no parque com . Tinha lhe comprado um sorvete, e estava sentada num banco tomando o meu. , como é de se esperar de uma criança de dois anos, não tinha conseguido ficar parado, e saiu correndo pra brincar com algumas crianças que estavam mais a frente.

  Enquanto tomava o restante do meu sorvete, o vigiava de longe, sorrindo e pensando que, dentre todos os menininhos, meu era o mais bonito.
  O clima estava ótimo. O sol estava fraco, mas o bastante para aquecer. O parque estava cheio de famílias fazendo piqueniques. Tinha uma barraquinha de sorvete, uma de cachorro quente, e um homem vendendo balões. Eu sabia que era questão de tempo até me pedir por um balão ou por um cachorro quente.
  Terminei meu sorvete e joguei o resto da casquinha no lixo, voltando a prestar atenção em cada movimento de . Eu jamais poderia perdê-lo de vista.
  - Dia lindo, não? – uma voz disse ao meu lado.
  - – abri um sorriso imenso.
   parecia bem melhor. Estava barbeado e seus olhos não estavam vermelhos. Suas roupas também não estavam amassadas. De fato, a única coisa que permanecia igual a última vez que eu o tinha visto, era seu cabelo bagunçado.
  Ele se sentou perto de mim e olhou pra frente, observando o lugar onde ria e brincava com os amiguinhos.
  - Então, como você está? – ele perguntou.
  - Estou bem – sorri. – E você? Voltou com a ? – perguntei, me arrependendo no instante seguinte de ter perguntado algo tão pessoal.
  - Nós voltamos – ele respondeu.
  - Por que tenho a impressão de que tem um ‘mas’ depois dessa frase? – o olhei curiosa.
  - Nós voltamos, e no dia seguinte eu fiquei bêbado em um pub – ele riu.
  - Nossa... – murmurei.
  - Então, eu percebi que estar com a não era motivo o bastante pra largar a bebida. E decidi que não valia a pena namorar uma garota que não me fazia querer ser um cara melhor – ele concluiu.
  - Mas você largou a bebida... certo? – observei sua aparência e constatei que ele só podia ter largado o vício.
  - Sim.
  - E como conseguiu?
  - Lembra daquela noite? A última em que nos vimos? – assenti com a cabeça. – Eu não consegui nem dar uma surra naquele seu ex-namorado. Eu não consegui defender uma garota por causa do álcool.
  Provavelmente tinha razão. Ele merecia alguém melhor do que aquela garota maldosa que tinha falado comigo pelo celular dele. Não que eu a conhecesse. Mas é como dizem, a primeira impressão é a que fica. E mesmo nunca tendo nem visto , eu sabia que meu santo não batia com o dela.
  - Então... você nunca mais bebeu depois disso? – perguntei, imaginando como deve ter sido pra ele se livrar do vício.
  - Depois da noite do pub, você quer dizer? – ficou pensativo. – Não, eu não bebi mais.
  - Isso é ótimo, – o olhei, lhe dedicando um sorriso de aprovação.
  Ficamos calados por um tempo, apenas observando e os outros meninos, quando ele subitamente perguntou:
  - Então, como está sua vida?
  Pensei um pouco antes de responder, mas não era uma pergunta tão difícil assim.
  – Trabalhando em um lugar decente dessa vez, eu juro. – brinquei.
  - Eu sei – me olhou maroto, e eu franzi a testa.
  - Como assim sabe?
   pareceu um pouco desconcertado.
  - Achei que tivesse percebido.
  - Percebido o quê? – o olhei cada vez mais desconfiada.
  - Amy é minha irmã – ele fez uma careta. – Talvez eu tenha deixado escapar pra ela que eu tinha uma... ‘amiga’ que se encaixaria perfeitamente no cargo o qual ela estava tentando preencher na redação da revista.
  Abri a boca, mas a fechei no instante seguinte. Então essa era a explicação! E as rosas...
  - Então... – eu não consegui terminar. – Sua irmã me deu um emprego porque você pediu? – o olhei, começando a me sentir com raiva.
  - Não! – se assustou. – Calma aí , nada disso. Eu apenas sugeri a Amy que te entrevistasse. E foi o que ela fez, certo?
  - Bem...
  - O que significa que você passou na entrevista porque tem capacidade pra isso. Amy não aceitaria ninguém incompetente naquela revista – ele fez uma cara engraçada, me arrancando uma risada.
  - Como você sabia o número do telefone da minha casa? – perguntei depois de um tempo.
  - Peguei seu telefone e dei um toque no meu celular – respondeu simplesmente.
  - Então, eu estou te devendo uma? – perguntei ainda sorrindo.
   me olhou com os olhos brilhando.
  - Sim, e eu já sei como deve me pagar.
  - Como? – questionei, receando a resposta dele.
  - Me deixando te levar pra jantar – ele piscou.
  - Mas sem bebidas alcoólicas. – lembrei, quase sem percebe que tinha acabado de aceitar seu convite.
  - Sem bebidas alcoólicas – ele confirmou, com um enorme sorriso.
  - Principalmente uísque – acrescentei.
   sorriu, daquele jeito tão particular dele, e segurou minha mão. Em pensar que tudo tinha começado com um copo de uísque.

FIM



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