Águas de Maio

Maraíza Santos | Revisada por Mary

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Capítulo Único

  Era um clima ameno de Maio quando entrei no ônibus das seis e meia. Eu voltava da faculdade como sempre fazia nos últimos quatro anos e já almejava minha formatura como nunca. Geralmente, durante aquelas duas horas de espera até chegar ao meu bairro, tudo que eu fazia era pensar em deitar e assistir SKAM enrolada no cobertor tentando não pensar no TCC.
  Entretanto, naquele dia eu não conseguia.
  Mesmo quando coloquei os fones de ouvido para escutar meu álbum predileto de The 1975 meus pensamentos apenas se direcionaram a onde eu estava a um ano atrás e as três coisas que me lembravam esse momento:
  Champanhe, restaurante caro e .
  Principalmente .
   tinha mestrado em Letras, trabalhava na reitoria e conhecia mais pessoas do que leu livros em toda sua vida de acadêmica. Ela havia me perguntando se estava livre em uma quinta e se eu poderia sair com um dos amigos do seu namorado para que ele não se sentisse abandonado. Aceitei, pois ter devendo uma para você é o tipo de negócio que não existe nada além de vantagens.
  Por mais que eu tivesse pesquisado suas redes sociais, era uma incógnita para mim. Seu Facebook e Twitter tinham como foto de perfil a imagem de um físico famoso — o qual não lembrava o nome — e as postagens eram tão impessoais e escassas que me fez desistir na primeira meia hora. Mesmo quando ele me mandou uma mensagem pelo Whatsapp, seu perfil não havia nenhuma foto, o que me fez começar a idealizá-lo de forma ruim. Veja bem: também não acho certo julgar pela aparência, mas nós fazemos isso às vezes sem ao menos nos dar conta.
  Enquanto tentava arrancar alguma informação sobre da , acabei descobrindo que o mesmo tinha acabado de concluir o doutorado em alguma palavra difícil. Apenas lembro que é relacionado a química, então, foi automático a imagem que se formou em minha cabeça: alto, desengonçado e com algum tique nervoso.
  Na noite do nosso encontro não tive problemas para achar uma roupa adequada e nem estava nervosismo por ser um encontro às cegas. Eu duvidava muito que aquilo passaria de uma amizade, mas estava muito curiosa para conhecê-lo. Lembro de esperar de frente ao restaurante que marcamos de nos encontrar e fiquei mexendo no celular para passar o tempo enquanto não chegava.
  — ?
  Sua voz era grave e marcante. Quando virei para fitá-lo quase engasgo com minha própria saliva.
  — ? Pode me chamar de .
  Ele sorriu e quase cai pra trás. Aprendi da forma mais conveniente do mundo a não julgar alguém sem conhecer, embora duvidasse que qualquer pessoa diria que um homem como ele fosse doutor em alguma coisa. Ele era normal demais para ser um recém professor de faculdade.
  — É um prazer conhecê-la de verdade. — Ele riu fazendo minhas pernas tremerem. — Vamos entrar?
   se aproximou e beijou minha bochecha e foi inevitável fechar os olhos para sentir o cheiro delicioso de seu perfume.
  Me arrependi de ter escolhido roupas tão simples ou de não ter me produzido mais. Além de ser cheio de pessoas ricas, o restaurante exalava um luxo que me senti deslocada no começo, porém me aliviei ao observar que se vestia da mesma maneira que eu.
   — Confesso que esperava você ter uma aparência mais nerd. — Comentei quando nos sentamos.
  — Ah, não se preocupe. O que não tenho de aparência nerd tenho de comportamento. — Respondeu com um piscar de olho no final.
  Não foi difícil me engajar em uma conversa animada com . Ele era bastante comunicativo e charmoso, nunca deixou que caíssemos no silêncio constrangedor típico de primeiros encontros. Logo descobri que ele vinha do interior do país, que foi criado pelos avós e que seu avô paterno era seu maior exemplo de vida. Falou sobre sua coleção de quadrinhos da Liga da Justiça e me vi rindo de uma cena do Flash que não lembro muito bem, mas sei que demorei um pouco para parar de gargalhar junto com .
  Nossa comida veio e se foi sem que eu mal percebesse, pois eu estava concentrada demais contando uma das histórias engraçadas que aconteceram no último semestre.
  As pessoas ao redor pareciam incomodadas com a nossa conversa, mas claramente meu acompanhante não ligava para isso.
  — Eu fui contratada e deixei de ser estagiária faz um tempo. — Comentei entre uma garfada e outra.
  — E como foi a comemoração?
  Franzi o cenho.
  — Que comemoração?
  — Você conseguiu um emprego na sua área antes de terminar a faculdade. Se isso não é motivo para festejar, não sei o que é. — justificou ele. — Quer saber? Vamos comemorar agora.
  Com a mão chamou o garçom e pediu champanhe. Eu estava embasbacada com sua ideia e seu animado estado de espírito. Apesar de ser um estudioso e provavelmente ter todas suas energias sugadas pelo bem da ciência, tinha uma vivacidade difícil de se encontrar hoje em dia. Não que eu realmente soubesse sua idade, mas chutaria que estava mais perto dos trinta do que longe.
  Fizemos um brinde aos risos pela minha contratação e mais uma vez observei os olhares atravessados dos outros clientes do estabelecimento. Naquela vez, entretanto, pareceu perceber.
  — Vamos sair daqui?
  Concordei com um sorriso maior que a cara e minutos depois estávamos nas ruas discutindo sobre o que Caetano Veloso queria dizer em uma de suas músicas. Falei sobre as séries que assistia e explicou que não lembrava a última vez que conseguiu ver um filme inteiro, quem dirá uma série.
  — Podemos passar um dia maratonando, se quiser. Estou à disposição.
  Ao contrário do que eu esperava, não sorriu e concordou comigo. Ele ficou com um olhar melancólico de repente e deduzi que talvez não tenha gostado tanto assim de mim para querer um segundo encontro. Tentei não ficar decepcionada com minha conclusão, mas os segundos de silêncio desconfortável foram inevitáveis.
  — Que tal se a gente assistir algo no cinema agora? — Ele sugeriu — Tem um cinema 24 horas aqui perto.
  Sorri e concordei em ir. Não faria aquele encontro tão especial pra mim se tornar algo ruim. Até porque eu sabia que aquilo era apenas o começo de uma amizade.
  Compramos ingressos para The Nice Guys legendado e, por ser perto de meia noite, a sessão só tinha um trio de amigos no meio das cadeiras. Sentamos mais acima deles e pude ver que um deles cochilava.
  — Será que esse filme é bom? — Perguntei apontando para o dorminhoco.
  — Vamos dar um desconto, deve ser o horário que eles geralmente vão dormir. — Ele balançou a cabeça — Crianças, tsc tsc tsc.
  Ri e apoiei minhas pernas nas cadeiras vazias da frente. me imitou e passou o braço pelos meus ombros, acomodando-se para ver o filme que já tinha começado há sete minutos.
  Foi impossível não se embriagar com o cheiro dele: era oriental e tinha um toque de sofisticação que identifiquei como próprio de . Me esforcei para não enterrar meu rosto em seu pescoço e inalar seu perfume. Aquela proximidade nos dava uma intimidade confortável, mesmo nos conhecendo há poucas horas. Me arrepio ao sentir seus dedos tocarem minha nuca e acariciarem meu cabelo. Seu olhar não está na tela e sim em meus lábios; ele se direciona a mim com um pedido surdo se poderia se aproximar; como resposta, dou um sorriso. Seus lábios são macios quando tocam os meus e o gosto de champanhe domina quando deslizo a língua dentro de sua boca. É bom, mágico e faz todo meu corpo estremecer pedindo por mais, entretanto, decidimos prestar atenção no filme.
  Ao menos nós tentamos.
  Perdemos quinze minutos de filme por causa de beijos roubados e o resto do tempo eu estava com a mente muito longe para prestar atenção. Em resumo, saí do cinema sem fazer a mínima ideia do que tinha assistido.
  — Foi um filme bom, divertido. — comentou quando os créditos começaram a aparecer. — Muito legal.
  — Não faço muita ideia de como foi, mas vou confiar em seu julgamento.
  Ele riu e segurou minha mão.
  — Quer ir pra casa? Já está tarde.
  Balancei a cabeça concordando e liguei para um taxista conhecido me pegar e levar para o apartamento que eu dividia com minha mãe. Expliquei a ele, então, que agora que tinha arrumado um emprego ia procurar um lugar só meu.
  — Eu moro com Jackson faz quase cinco anos; não gosto da ideia de morar sozinho. — Ele respondeu quando perguntei sobre esse aspecto em sua vida. — Tudo bem se eu acompanhar você?
  Dei os ombros e minutos depois estávamos dentro do carro de Seu Jurandir. A viagem até em casa foi silenciosa e eu comecei a me sentir melancólica, pois aquela noite tão divertida estava acabando. Deitada em seu ombro vejo que ainda queria conhecer mais sobre , sobre sua família ou sobre seus sonhos. Queria deitar ao seu lado e assistir — prestando atenção dessa vez — a um bom filme.
  Agradeci e paguei ao taxista quando chegamos ao nosso destino.
  — Então chegamos, . — ele falou suspirando.
  — É, chegamos. — desviei o olhar para o chão — Essa noite foi muito boa, deveríamos repetir.
  — Concordo. — ele sorriu forçado.
  Meu estômago revirou deduzindo o que ele quis dizer com isso. não ia me ligar no outro dia ou marcar para que nós saíssemos. Por algum motivo, que eu não sei, ele não gostou muito da companhia.
  — Até mais. — falei depois de beijar-lhe a bochecha.
  Ele murmurou uma despedida e me virei para liberar minha entrada no prédio. Não entendia como uma ótima noite podia se tornar tão desconfortável de uma hora para outra, entretanto, me esforçaria para que apenas as lembranças boas ficassem.
  — Espera. — ele me chamou e segurou meu braço.
  Antes que eu perguntasse o que era, senti seus lábios beijando-me mais uma vez. Dessa vez não havia calma ou a ansiedade de descoberta. segurava minha cintura com possessão e abracei-o para mais perto que pude. Ele tirou meu fôlego e transformou minha mente em gelatina. O coração queria sair do peito quando afastamos nossas bocas.
  — Estou me mudando para Austrália daqui cinco horas. — Ele sussurrou explicando-se — Eu não posso prometer um próximo encontro, mesmo eu gostando muito de você e me dói saber que…
  Pus o dedo entre seus lábios rosados.
  — Por que você não me contou antes?
  — Medo, talvez. — disse — Insegurança. Estou a cinco semanas tentando criar coragem para falar com você e…
  — Como? — Arregalei os olhos.
  Ele sorriu amarelo.
  — Nunca fui bom com mulheres. 10 anos de estudo e ainda não achei uma fórmula para resolver isso. — resmungou ele. — A vi em uma das palestras e me interessei por você. me devia um favor.
  Eu tinha consciência que o sorriso não sairia da minha face tão cedo. era mesmo surpreendente e incrível, e acabou de me fazer me sentir uma mulher desejada. A sensação é ótima.
  — Eu não sei se vou voltar para o Brasil, mas quero… — ele soltou o ar que prendia devagar — Quero ter certeza de que não deixei passar a oportunidade de ter te conhecido.
  Encostei minha testa na sua e de alguma maneira saber que não nos voltaríamos a nos ver tão cedo era mais reconfortante do que ele não ter gostado de nossa noite.
  — Faz muito tempo desde que passei um momento especial como esse. — falou e pelo seu olhar pude acreditar verdadeiramente no que dizia.
  Algumas horas mais tarde, no aeroporto, senti como se estivesse dando adeus para o grande amor da minha vida. Era um exagero, eu sei, mas levou consigo para Austrália parte de meu coração.
  Como previsto, nosso contato diminuiu com o tempo. Além dele não ficar muito tempo nas redes sociais, era muito ocupado — assim como eu estava com a faculdade — e ainda tinha o fuso horário nos atrapalhando. Embora houvesse muitos obstáculos para que uma simples conversa acontecesse, quando acontecia era maravilhoso. Sempre foi incrível passar alguns minutos conversando sobre nossas vidas e planos para o futuro.
  Pena que isso acontecia a cada dois meses e o nosso primeiro encontro se tornou apenas águas de Maio depois de um tempo.
  Quando cheguei ao ponto de ônibus em que descia todos os dias, fui para casa ainda dispersa por causa as memórias e me vi lembrando de um vídeo da Taylor Swift dizendo que todo mundo tem alguém que você nunca terminou de verdade e que podia aparecer no seu casamento, fazendo você mudar de ideia.
   era essa pessoa para mim.
  — Se você continuar andando distraída assim pode ser facilmente assaltada, sabia?
  Arregalei os olhos assustada quando sua voz familiar foi ouvida. Talvez pensar tanto nele me fez ter alucinações.
  Virei-me rapidamente e esbarrei em quase caindo na calçada do meu prédio.
  — Não precisa me derrubar, prometo que só levarei você para comer uma coxinha. — ele disse segurando meus braços — Cara, como eu sinto falta de comer uma coxinha!
  Ao ver que por trás das olheiras, barba mal feita e cabelo um pouco mais comprido havia , o cara que fez todos os outros homens estragarem para mim. O abracei forte; o seu cheiro, o qual conheci a um ano atrás, era o mesmo.
  — Você está aqui! E nem me avisou que estava aqui! Eu não posso acreditar que está aqui. — tagarelei ainda sem soltá-lo.
  — E trago boas notícias. — ele beijou meu lábios em um rápido selinho — Só preciso que você não me parta ao meio.
  Afrouxei meu abraço e pude vê-lo tirar uma carta meio amassada para mim do bolso da calça.
  — Tive que passar na reitoria assim que cheguei ao Brasil e tinha algo para você. Decidi ser o mensageiro porque, bem, me deve muitos favores.
  Abri a carta sem cerimônia e senti minhas mãos suarem ao ver o símbolo da universidade de Sidney.
  — Você pode muito bem ver isso no seu email, mas é muito mais emocionante ler na carta. — comentou enquanto eu lia — Acho que não terá nenhum problema para se adaptar e…
  Contudo, antes que ele terminasse, eu estava dando meus gritos de animação que facilmente se comparariam aos de quando passei para universidade.
  Eu ia fazer pós-graduação em Sidney, cacete!
  Comecei a beijar o rosto de em uma animação descomunal enquanto soltava frases desconexas sobre minha aceitação. Aquele sonho tão longe ia se tornar real!
  — Eu estou muito orgulhoso de você, ; muito mesmo. — ele disse beijando minha testa assim que me acalmei um pouco. — Mas, por favor, me leva pra comer aquela coxinha, estou morrendo de fome. De preferência com champanhe, precisamos comemorar.
  Olhei para ele extasiada com a referência e me perguntando como não tinha percebido quão apaixonada eu estava. Ele dominou meus pensamentos no último ano, apesar de ter saído com outros caras, não deixei de pensar que poderia ser ele ali comigo. havia conquistado meu coração sem muito esforço e mesmo assim...
  — Meu Deus, eu amo você.
  Saiu como um sussurro negligente, mas escutou. Meu corpo tremeu de tensão quando vi que eu tinha dito aquilo em voz alta.
  Não, não, não. Agora não, por favor.
  Ele olhou para mim sério por alguns segundos, todavia sorriu lentamente como se constata-se algum fato.
  — Que engraçado. Também estive afirmando em minha cabeça que a amava quando a vi de novo essa noite.

FIM



Comentários da autora


  DUDAA!!! Tirar você foi uma surpresa, porque ainda não a conhecia, mas isso tornou o stalker bem mais divertido HAHAHA Não sei se a fic ficou ao seu gosto, mas espero que você tenha curtido! Por favor, não se esqueça de me mandar sua opinião! E aos outros leitores, obrigada por ter dado uma chance a essa short. Vocês são demais! <3

  Até breve!!