A Culpa Não é Do Vinho

Escrito por Maria B | Revisado por Francielle

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  Inclinei minha cabeça para cima e foquei meu olhar em seu queixo. A barba estava cobrindo parte de sua face e aquilo para mim era extremamente sexy. tinha uma mania de morder os lábios e ele estava praticando agora. Achava lindo como para ele suas manias não eram de fato um vício. Dizia que aquilo fazia parte dele assim como sua barba e eu adorava isso nele. Adorava o fato dele ser do jeito que ele é sem se esforçar, sem precisar ir além do que ele conseguia ser naturalmente.
  - Quando vamos poder voltar para casa? - minha voz soou baixa, mas audível o suficiente para que mirasse meus olhos e sorrisse com meu cansaço. A fadiga era evidente em meu rosto.
  - Seja mais paciente. Só mais um pouquinho. - sorriu tão carinhosamente que de longe poderia me sentir confortável com o gesto.
  Estivemos no hospital durante a madrugada toda devido um enjoo chato que senti depois do jantar. Talvez não devesse ter bebido tanto vinho, nem exagerado na refeição. me trouxe à emergência e fui atendida depois de bastante esperar. Odiava estar nesta posição. Não consegui ser paciente e a calma que o rapaz ao meu lado tinha não me passava grande efeito. Possivelmente ele estava certo, eu deveria ser mais paciente. Só mais um pouquinho.
  Uma enfermeira muito gentil que me recebeu para o processo de triagem na emergência, me sorria largo como se tentasse me passar boas energias. Estava funcionando, mas não entendia porque ela me olhava tão encantada. Ela estava feliz e aparentemente eu era a causa de tamanha sorriso.
  - O que andou fazendo para estar aqui esta noite? - perguntou gentil. Em seu crachá tinha escrito Luíza em negrito e após ler seu nome tornei a respondê-la.
  - Acho que exagerei nas taças de vinho durante o jantar. - meu sorriso de canto de lábio era tão chateado que suspirei ao notar mais uma vez que não queria estar no hospital.
  Era para ter sido uma noite perfeita com meu marido e eu só pude estragar o momento. Enquanto a enfermeira coletava dados e fazia pequenos exames para entregar minha ficha ao médico, estava ao meu lado sem feições tristes ou chateadas, apenas preocupado.
  - Não queria ter estragado a noite. - sussurrei bem baixinho para que somente ele pudesse ouvir. - Prometo consertar tudo depois.
  - Você vai ficar se culpando pelo resto da vida - riu. - Era só um jantar.
  Não era só um jantar. Sabíamos disso. Nada com ele seria só alguma coisa. Sempre seria A coisa. O momento, A sensação, A lembrança, O amor. Tudo com era sempre o melhor e mais do que todos aquela jantar era especial. Estávamos comemorando nosso segundo ano de casamento. Decidimos por fazer algo em casa, só para nós dois sem platéia, sem exagero, somente o prazer de estarmos juntos em um dia tão feliz.
  - São casados há quanto tempo? - perguntou Luíza tentando relaxar o clima. Qualquer um podia sentir que eu estava bem chateada.
  - Hoje comemoramos dois anos de casamento. - disse tão leve que nem aparentava estarmos num hospital.
  - Logo vejo porque está tão abalada. - disse ela lembrando-se de quando lhe disse meu nome. - Não fique assim. Lembrará dessa noite daqui há alguns anos e terá certeza de que foi seu melhor aniversário de casamento. - sorriu mais uma vez. - Acredite!
  E Luíza voltou a me olhar como da primeira vez que a vi. Estava feliz de verdade. Seu rosto era transparente para seus sentimentos e eu que a mal conhecia já podia julgar assim.
  A pequena sessão com a enfermeira havia acabado e esperei mais vinte minutos até que pude ser atendida por um médico. Minha barriga estava se revirando em algo parecido com um looping de montanha russa. Entrei no consultório e um senhor me aguardava.
  - Afinal, o que sente, querida?
  Contei tudo o que aconteceu ao médico e ele escutava atento. Pediu para que eu deitasse no colchãozinho alto perto da parede. Ele examinou minha barriga, me deu umas cutucadas na boca do estômago e me senti mais enjoada que tudo. Não deu para segurar, vomitei no chão do consultório. O médico riu.
  - Seu problema está resolvido. Só vou pedir para que faça um exame de sangue, desconfio de alguma coisa.
  Exame de sangue? Era realmente necessário? O médico havia rido de mim e me senti ridícula. Ainda mais ia fazer um exame de sangue enquanto todo mundo que tinha alguma infecção gastro-intestinal simplesmente tomava soro na veia somado à algum remédio.
  Saí da sala do sr. risadinha e fui direcionada à outra ala do hospital. Coletei o sangue. Com bastante felicidade e menos preocupação, também me furaram o braço para colocar remédio diluído em soro. Estava mais feliz assim. Depois de bastante tempo acordada e com pena de que me acompanhava sem piscar os olhos, a diluição havia acabado e tive de retornar ao consultório para um último recado do médico.
  - Bem, senhorita , amanhã o seu exame estará pronto e vou esperar por você aqui na emergência. É importante que venha. - a última frase falou olhando para como se duvidasse que eu voltaria ali por conta própria. Eu detestava hospital, mas se fosse preciso, voltaria quantas vezes fossem necessárias.
  E voltamos para casa por volta das quatro da manhã e meu coração batia tão acelerado que desconfiava de minha própria vida. Olhei para meu marido que dirigia com um aspecto diferente do usual.
  - Não gostei da risada do médico. - disse cruzando os braços.
  - Por pouco você não vomitou nele. Nesse caso é melhor receber uma risada do que um xingamento, . - sorriu bobalhão. Nem parecia que tinha passado a madrugada toda tomando conta de mim. - Está se sentindo melhor?
  - Melhor.
  Afirmar convicta de que eu estava melhor, não era mentira. Além do mais eu já não sentia aquela vontade de vomitar de novo. A ânsia já tinha ido embora desde o consultório, mas eu não estava bem. Sentia-me enjoada ainda e apesar de não ser de grande problema, também me sentia meio abalada com a ideia de voltar ao hospital assim que acordássemos.
  - Feliz dois anos. - disse antes de fechar os olhos já bem pesados.
  Dormi que nem senti. Passou tão rápido e devagar ao mesmo tempo. O prazer de estar na cama era tremendo que as horas passavam e a maciez de meus lençóis era incrivelmente envolvente mas não durou mais do que aquilo. Meu estômago estava revoltado e decidiu por mim mesma que eu devia levantar e enfiar a cara no vazo sanitário. Vomitei mais uma vez. Talvez realmente fosse necessário voltar ao hospital como fora sugerido horas atrás.
   caminhou rapidamente ao meu encontro no banheiro e me encontrou lavando o rosto com aparência pálida e fraca. Pousou suas mãos em minha cintura e afirmou rígido: Precisamo ver o resultado do exame.
  A caminho do meu pesadelo estávamos tensos dentro do carro. O que me aguardava nessa ida? Rezava tanto para que não fosse nada grave, tinha dentro de mim uma ideia de desastre gigantesco. Nada poderia afetar minha vida nesse período tão incrível que eu estava vivendo. Não queria pensar no pior, mas era tão difícil desviar a atenção dos demônios que eu imaginava.
  Chegamos ao nosso destino e demos de encontro com o doutor Nicholson sem muito esperar. Pobre senhor, esteve trabalhando a noite toda juntamente às enfermeiras e auxiliares que viviam de cuidar dos outros noites a fio.
  Com o resultado do exame de sangue em mãos, o médico estava tentando ser breve, mas lutava contra o lacre do envelope. queria rir, mas não era o momento. Apertei sua mão como advertência tornando isso depois um gesto de desespero. O papel foi aberto finalmente. O médico me olhava com um sorriso semelhante ao da enfermeira Luíza. E agora? Então ele disse:
  - Qual será o nome da criança?

FIM



Comentários da autora


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