75 Dias

Escrito por Dinha | Revisado por Natashia Kitamura

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Capítulo 1 – Eu te amo.

  

Música do Capítulo: http://www.youtube.com/watch?v=x5dCxP7dZDs

  Harry.
  Três meses haviam se passado desde que tudo tinha mudado em sua vida. Era verdade que ele não tinha sofrido da mesma forma que ela, mas sua dor e suas perdas foram tão profundas quanto. Três meses já haviam passado e ele ainda era aterrorizado com as lembranças.
  Sentado no bar da boate a única coisa que ele tinha em mente era o dia que havia sumido. E se tivesse duvidado quando Lou disse que a estava com um pequeno mal-estar? Mais um gole de Wisky.
  - Veste a blusa Harry – a loira apressava o amigo. – Ela saiu dizendo que precisava ir ao banheiro, ela deve estar enjoada. É normal.
  - Mas foi Pedro quem te disse isso, eu não confio nesse cara – Harry olhou mais uma vez para o cara que bebia água sem nenhuma preocupação. – Eu posso ir procurá-la, não vai demorar.
  - Não Harry – Lou pousou a mão no peito do menino alterado, impedindo que ele desse mais um passo. – Vai termina o show. É o último, vai lá encerrar a turnê para irmos para casa – ele hesitou tentando dar um passo. – Ela está bem, por favor, volta pro palco. não vai gostar de saber que você abandonou o show por causa dela.

  A bebida desceu quente por sua garganta, ele sentiu cada parte do seu corpo corresponder à ardência. Bateu com o copo na direção do barman mostrando que queria mais. Estava começando a ficar tonto, e esse era o objetivo.
  Desde que voltou para Londres ele não tinha encontrado com ela, mas tinha notícias que vinham dos pais dela – os quais ficaram muito amigo de Harry – todos os dias. Ela o evitava: não atendia suas ligações e rejeitava qualquer coisa que ele enviava, por isso ele sentia uma pontada de raiva dela, mas ainda a amava do mesmo jeito que antes. Não do mesmo jeito não, ele a amava ainda mais que antes. Queria protegê-la agora que estava frágil e vulnerável, mas a própria não o permitia fazer isso. Ela não o queria mais por perto e isso doía tanto que fazia Harry chorar todas as noites.
  O caso de havia sido abafado com a ajuda da polícia americana. Ela não queria aparecer, e eles não queriam que soubessem que um homem inocente tinha levado a culpa no lugar do assassino mais cruel do país. Um pouco de silêncio tinha feito “a garota desaparecida” do foco.
  Em um gole já tinha tomado toda a dose contida em seu copo, bateu no balcão pedindo por mais e ignorando o olhar severo do barman.
  - Você disse que ela estava bem – Harry gritava com a pessoa que tinha visto ela pela última vez. – Onde ela está Pedro?  
  - Eu já disse Styles, eu não sei – o modo despreocupado com que ele falava o livrava de qualquer culpa. – Encontrei com a no corredor, ela pediu que eu avisasse que ia se deitar porque não estava muito bem e então fui buscar a lenta para a câmera e voltei. Foi isso.
  Pedro não era a pessoa mais confiante para Harry, mas ele acreditou nele naquele momento e desviou qualquer tipo de desconfiança que ele merecia ter.
  A primeira noite tinha sido um tormento para ele, sentia calafrios só de imaginar o que estava acontecendo com sua namorada. Pensou em sequestro, acidente e até no psicopata que aterrorizava a cidade. Ele não podia descartar nenhuma possibilidade, então pesquisou tudo o que era possível sobre o “açougueiro” e percebeu que era impossível que ele tivesse com ela. não fazia o “estilo” dele, mas nada explicava o aperto no coração toda vez que ele lia sobre as mortes do monstro.
  No dia seguinte a policia já fazia buscas, um retrato falado junto as características de era publicado em todos os jornais de Nova Iorque.
  - Não vamos associar a garota à banda para evitar um problema maior.
  - Evitar um problema maior? – Niall dizia com o tom de voz mais alterado. – Isso pode ser bem mais útil do que esse retrato falado aqui.
  - As fãs podem ajudar se a gente pedir – Zayn completava o argumento de Niall enquanto Harry estava sentado engolindo todo seu sofrimento.
  - Garanto a vocês que se estiver sendo mantida em cárcere privado o sequestrador pode matá-la assim que for divulgado que ela namora uma celebridade – Phil era o tipo de cara que sabia lidar com esse tipo de situação e deixava o ambiente um pouco menos tensionado. – Por isso, mantenham a banda fora disso.
  O estômago de Harry revirou ao ouvir aquilo, a raiva inflou em seu peito. Queria sair, procurar e gritar por até encontrá-la, mas sabia que seria pior assim. Olhou para Pedro que também o encarava, sustentou o olhar. Odiava o espanhol com todas as forças e não suportava que ele estivesse esperando por sua , nem Tiffany havia ficado e fingindo preocupação. Mas Pedro não, ele era como uma águia que observava todos os movimentos.

  Dessa vez ele bebeu o conteúdo no copo com menos pressa, estava envolvido demais em suas lembranças. Pedro tinha enganado a todos, permanecendo lá e colhendo todas as informações que conseguia. Não negava que a morte tinha sido um castigo merecido para aquele imbecil, mas desejava que ele tivesse morrido por suas mãos.
  Tudo começava a ficar mais distante, era o efeito do álcool, mas ela ainda conseguia lembrar do telefonema que dera para os pais de avisando do desaparecimento da filha, tinha sido desesperador. Doía tanto lembrar que ele tomou o restante do líquido na esperança de entorpecer seu corpo.
  Harry se sentia mais leve e afastado de qualquer pensamento ruim, mas o rosto de ainda latejava em sua cabeça. O rosto dela nunca saia de sua mente.
  - O que eu preciso fazer para você me pagar uma bebida?
  A voz feminina não o assustou, ele sabia que ela estava lá há pelo menos uns quinze minutos, mas não tinha se importado, porém agora que ela tinha chamado sua atenção ele decidiu analisar a mulher ao seu lado.
  A ruiva era linda e tinha o corpo, nada coberto, escultural. Ele sorriu, aquele típico sorriso de lado, do jeito que fazia para seduzir alguém. Há dois meses Harry colecionava affairs tentando esquecer a única que ele amava, mas nada estava funcionando.
  - Meu nome é Melanie a propósito – ela inclinou o corpo em direção ao de Harry evidenciando mais o decote antes de estender a mão para ele.
  - Harry. Styles – ele esticou a sua mão dessa vez tocando a da mulher, mas não disfarçava que na verdade estava olhando para os seios dela.
  - Eu sei – ela não se acanhava com o olhar dele.
  Melanie era do tipo oferecida, do jeito que jamais seria, pensou Harry, mas ele não se importava no dia seguinte ela já teria ido embora. Ele só precisava dela para camuflar a solidão por aquela noite, então ele esticou os dedos chamando o barman para mais uma rodada de bebidas, dessa vez acompanhado por Melanie.
  Meia hora depois eles saiam rumo a casa dela, e ele não se importava com os flashs mostrando que os fotógrafos também estavam lá, na verdade ele não se importa com muita coisa ultimamente.


  O sexo com Melanie tinha sido bom, agora ele só esperaria que ela adormecesse completamente para que saísse sem ser incomodado. Esperou por volta de dez minutos e assim que teve certeza de que ela estava dormindo saiu de vez da cama.
  Antes que pudesse sair do quarto uma mensagem apitou em seu celular. Poderia deixar para ler depois, mas qualquer pessoa que mandasse uma mensagem àquela hora tinha o merecimento de ser notado. Mas antes que verificasse a primeira outras duas chegaram, e Harry sabia que se não saísse do quarto poderia acordar Melanie, e não queria ter que dormir com ela.
  O táxi foi fácil de achar, sua casa era longe de onde estava, mesmo assim, era bom voltar para casa. Pegou o celular para checar quem o incomodava, nas primeiras linhas ele já não conseguia respirar.
  Play na música.
  .

  Eu tinha tido o sonho mais lindo, mas não conseguia voltar a dormir porque doía demais não tê-lo por perto. O sonho tinha sido com Harry, claro sempre era, mas dessa vez ele estava brincando com uma criança. Nossa criança.
  Acordei chorando e assim fiquei até agora. O celular em minhas mãos era uma tentação, eu queria ligar dizer para ele voltar. Três meses separados, mais tempo do que ficamos juntos, mas doía como se tivesse sido por toda uma vida.
  Eu amava Harry mais do que a mim mesma. Eu apenas o amava.
  Sammy fez um barulho, para me lembrar de que meu fiel amigo ainda estava ali por mim, olhando e vigiando todos os meus passos. Desviei minha atenção novamente pro aparelho em minhas mãos.
  Não era certo, mas eu precisava desabafar. Eu precisava que ele soubesse.
  Sem me importa com as horas comecei a digitar.
  “Sonhei com você. Simples assim, apenas sonhei com você. Como tenho sonhado há três meses. Eu podia sonhar com tudo de errado que aconteceu comigo, com toda dor e perda, mas não, sempre sonho com você. A melhor parte de minha vida.
  Sinto tanta sua falta que dói em meu peito, choro por não ter você aqui, choro por ter perdido duas partes de mim. Você é uma delas.”
  Enviei a mensagem ainda me condenando por estar fazendo isso a ele, nem ao menos me importava com a hora. Eu só precisava dizer que não estava mais completa sem ele.
  “Não é justo que eu venha hoje te mandar essa mensagem, não é justo o que eu fiz com você. Não mereço o seu perdão, mas eu precisava dizer o quanto você me faz falta. Eu só... Me desculpe!”
  “Não me procure!”
  Minhas mãos tremiam tanto que fui obrigada a jogar o celular no outro extremo do sofá, não esperaria nenhuma resposta às três da manhã. Me encolhi segurando em meus joelhos para me proteger da solidão, mas nada adiantava as lágrimas continuavam a descer. Eu me odiava.
  Por quarenta minutos fiquei parada apenas observando o vento tocar a cortina branca da minha sala, o frio era intenso, mas senti-lo me fazia parecer viva. Eu já havia parado de tremer, mas ainda chorava muito lembrando do sorriso de Harry em meu sonho.
  A campainha me fez dar um pulo do sofá, voltei a tremer, mas agora de medo. Olhei para o relógio para ver que não eram nem quatro da manhã ainda, meu coração palpitava com tanta força que tive medo de não aguentar. Eu tinha me tornado uma medrosa desde tudo o que tinha acontecido.
  Andei devagar até a porta, mas antes que eu pudesse chegar até o olho mágico eu escutei a voz dele por trás da porta, e meu coração voltou a disparar, mas não era medo mais.
  - , você não pode me mandar uma mensagem daquelas e simplesmente pedir para eu ficar longe. Eu não consigo mais ficar sem você – corri para a porta com dificuldade em manusear a chave – Eu não vou embora até que você abra.
  Abri a porta o mais rápido que conseguia, e mesmo sabendo quem me esperava do outro lado não podia deixar de sentir o choque ao encarar outra vez aqueles olhos verdes. Harry estava tenso, mas eu sabia que estava feliz por eu ter aberto a porta. Ele enxugou as lágrimas em minha bochecha me fazendo fechar os olhos para sentir aquilo melhor.
  - Eu não vou embora dessa vez – ele encostou sua testa na minha, me fazendo sentir sua respiração.
  - Eu não quero que você vá embora dessa vez.
  Dei espaço para que ele entrasse, e assim que fechei a porta senti os braços dele me puxando para um abraço. Era apertado para que nenhum de nós pudesse sair correndo, era cheio de saudade. Era o nossos corpos sendo conectados outra vez,
  - Eu te amo – ele disse segurando meu rosto para que eu pudesse olhar diretamente em seus olhos.
  - Eu te amo – disse em um sussurro, ainda fascinada por ele estar ali.
  Em seguida ele se aproximou o bastante para que nossas bocas fossem unidas de uma vez. Um beijo calmo e sem pressa, me mostrando o quanto eu podia ser feliz outra vez. Não seria fácil, mas eu tentaria outra vez.

Capítulo 2 – Desejo.

  Música do capítulo: http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=EZyGWg0uqkw

  - Vocês voltaram, mas ainda não fizeram sexo?
   dizia em um tom nada moderado, e eu só torci para que ninguém no parque escutasse a discursão sobre minha vida sexual. Joguei mais uma vez a bola para que Sam pudesse pegá-la, estava um dia ameno em Londres e meu cachorro agradecia por poder brincar finalmente fora de casa.
  - Não – suspirei observando Sam voltar com a bolinha na boca, pronto para mais uma rodada de jogue que eu busco - Eu quero, e muito, só que quando eu tento ir mais além penso em tudo o que Pedro fez comigo e desisto.
   juntou-se a nós entregando os sorvetes a cada uma, ele agora era ator em tempo integral e podia desfrutar de uma tarde gostosa com as amigas em seu dia de folga. Ele olhou para com reprovação, eu sabia que ele me entendia, mas compreendia o espanto de , afinal eu nunca fora de negar sexo.
  - Você passou por momentos traumáticos disse enquanto limpava a gota de sorvete que tinha caído em sua blusa – E na verdade, acho que você está enfrentando tudo isso com muita coragem, é digno que alguma coisa te assuste ainda – ele fez uma careta quando outro pingo de sorvete voltou a cair em sua blusa – Tudo tem seu tempo querida, não se preocupe com isso.
  - Ok senhor-eu-sou-o-mais-romântico-daqui – revirou os olhos. – Eu entendo que a sofreu muito, mas isso tudo é passado ela precisa voltar a viver – agora tinha sido a vez dela limpar a pequena sujeira na camisa do amigo – Ela precisa viver outra vez. Por pouco ela não estava viva, então, tem mais que aproveitar a vida.
  Meu estômago revirou só de ouvir que por pouco eu não estaria viva, e era verdade. Eu tinha passado as piores coisas que alguém podia imaginar e por pouco eu não sobrevivia a elas. Mas eu estava aqui, respirando e conversando com meus melhores amigos, além disso, tinha recuperado o amor da minha vida e Pedro... Bom, Pedro estava morto e não podia me ferir mais.
  - A está aqui, bem ao lado de vocês – disse incomodada. – E tem razão, eu preciso viver. O que passou não volta mais e Pedro não pode encostar em mim outra vez – e eu tinha certeza do que estava dizendo – A doutora Maggie, minha psicóloga, me deu umas dicas de como superar esse meu bloqueio sexual, e vou começar a praticá-las hoje.
  - Seja o que for eu fico feliz por você, mas agradeceria se não compartilhasse com a gente dos seus métodos – disse que já tinha desistido completamente de seu sorvete.
  - Pois eu quero – me cutucou com ar malicioso.
  - Pois não vai ficar sabendo – ri com cumplicidade para notando por fim o sumisse de Sammy – Alguém viu meu cachorro?
  Levantei para procurá-lo sendo seguida pelos outros dois, não demorou muito para que eu pudesse ver o rabo de Sam que balançava feliz enquanto alguém afagava a cabeça dele. Eu não conseguia ver quem brincava com ele, pois o homem estava protegido pelo tronco largo da árvore, mas eu conseguia ver a mão ossuda que alisava o pelo do meu cachorro. Parei por um momento Sammy não gostava de estranhos, mas ele estava à vontade com aquele homem desconhecido, parei por um momento com frio na barriga apenas de ver os movimentos da mão do homem.
  Assobiei porque algo me impedia de chegar próximo demais daquele estranho, Sam veio correndo ao meu encontro e eu, mais que depressa coloquei a coleira outra vez nele. Fiquei por um segundo observando a árvore para ver se o estranho olharia para trás, mas ao invés disso ele afundou ainda mais em seu esconderijo, agora nem suas mãos eu era capaz de ver. Senti um frio na espinha subir por meu corpo, balancei a cabeça para afastar qualquer tipo de pensamento ruim que eu pudesse ter. Passado é passado, e eu estava bem agora.
  - Tudo bem aqui? – encostou a mão em meu ombro me fazendo saltar de leve.
  - Tá sim – ajoelhei e alisei o pelo de Sammy que ainda estava afoito por causa do passeio – Me leva pra casa? Preciso resolver algumas coisas hoje.
  Eu tinha medo de andar sozinha, por isso concordou prontamente em me acompanhar até em casa. Eu não tinha mentido de todo, precisava mesmo resolver uma coisa, e tinha que ser sozinha, mas algo me mandava sair o mais rápido daquele parque. E foi o que fiz.

  xX

  Olhei de novo para o espelho de corpo inteiro no meu quarto. Eu me sentia ridícula por usar aquela camisola vermelha, sensual demais para mim mesma, mas era o que a doutora Maggie havia recomendado: “Dê prazer a si mesma, pense em Harry enquanto isso e você vai ver o quanto deseja ele. Se Pedro vier em sua mente, apenas lembre que ele está morto e não pode mais te machucar.”
  Respirei fundo e acendi as velas que exalavam um cheiro agradável pelo quarto, eu precisava me sentir confortável. Apaguei a luz e me deitei em minha cama, ainda receosa com aquilo, costumava ser tão fácil antes. Fechei os olhos e imaginei Harry chegando perto de mim, com a minha mão alisei o colo do meu corpo imaginando ser a mão de Harry sobre mim. Senti um choque com o meu próprio calor, mas não parei. Afastei a alça fina da veste deixando meu seio amostra, com delicadeza envolvi minha mão sobre ele apertando com um pouco mais de força. “Eu abusei de você enquanto estava inconsciente” a voz suave de Pedro invadiu minha cabeça me fazendo abrir os olhos e afastar minha mão de mim.
  Abri os olhos com raiva de mim mesma, olhei para os lados só para ter certeza que eu estava em minha casa.
  - E eu te matei desgraçado – falei para mim mesma enfatizando mais uma vez a certeza de que ele não poderia fazer mal a mim mais, eu tinha me livrado de Pedro.
  Respirei um pouco mais tranquila, voltei a pensar em Harry e suas mãos explorando meu corpo. Minha mão voltou a brincar com meu seio causando uma sensação prazerosa, a outra mão deslizou até meu ventre e brincou por cima do tecido me fazendo querer mais. Uma vontade insana invadiu meu corpo. Eu queria sentir prazer, meu corpo precisava disso. A mão que estava em meu seio apertou com mais vontade me fazendo arqueia as costas, e em um movimento rápido, passei minha mão por debaixo da camisola, descendo para a peça pequena que ainda cobria minha intimidade.
  Um dedo escorregou para dentro da minha calcinha, sentindo o quanto eu estava úmida. Um gemido baixo saiu de minha boca e uma onda de prazer subiu por meu corpo. Eu precisava de mais daquilo. Com dois dedos massageei meu clitóris com cuidado apenas para me acostumar com aquela sensação boa subindo por mim. Aumentei as carícias fazendo com que meu quadril dançasse no mesmo ritmo de meus dedos, senti a respiração mais pesada e aumentei ainda mais a frequência dos meus gemidos. Eu queria que Harry estivesse ali em mim. Não, eu precisava dele ali.
  - Harry – chamei por seu nome em meio a um gemido rouco, mais como uma súplica.
  Play na música.
  Senti um par de mãos em minha barriga, enquanto os lábios quentes dele pousavam em meu pescoço até chegar a meu ouvido.
  - Eu estou aqui pequena – a voz de Harry estava carregada de desejo e luxúria – Eu estou aqui .
  Abri os olhos assustada com a presença repentina dele em meu quarto, eu não estava imaginando. Não, Harry estava lá, me tocando e me beijando. No susto parei de me tocar e afastei ele de meu pescoço.
  - Como você entrou aqui? – toquei em sua mão apenas para ter certeza de que ele era real e não fruto da minha imaginação excessiva.
  - Você me deu a chave, esqueceu?
  Lembrei-me da chave que eu havia dado a Harry para que ele não precisasse bater mais a porta quando fosse me visitar. Senti um misto de vergonha e malicia ao pensar que ele havia me visto masturbar, e que eu estava pensando nele ao fazer aquilo. Ele sorriu para mim, voltando a deitar meu corpo na cama enquanto beijava meu pescoço fazendo o caminho até os meus seios.
  - Não para pequena.
  Ele disse enquanto beijava um dos meus seios, com a ponta dos dedos ele apertava o outro mamilo livre. Respirei forte quando ele parou de beijar docemente para sugar com vontade, segurei forte a cabeça dele incentivando a continuar com a carícia. Com uma das minhas mãos me livrei da peça vermelha que ainda vestia.
  Senti a boca de Harry passar para o outro seio estimulando meu outro mamilo com a língua, enquanto sua mão livre descia bem devagar brincando em cada curva que encontrava de meu corpo. Com os dedos ele brincou com a ponta da minha calcinha, me provocando. Eu queria sentir as mãos dele em mim, então abri um pouco mais as pernas o convidando a continuar a descer.
  - Por favor – em um sussurro pedi para Harry continuar o que pretendia fazer. Ele soltou o meu seio e riu antes de beijar minha boca – Por favor, eu preciso sentir você em mim.
  Sem esperar mais ele livrou-se da peça que ainda o impedia de me tocar e desceu seus dedos pela minha intimidade estimulando meu clitóris como eu havia feito antes. Mas agora era melhor, a sensação dos dedos de Harry em mim me faziam sentir todo o prazer subindo por meu corpo, ele fazia movimentos circulares provocando meu corpo que correspondia em movimentos sincronizados com os dedos dele.
  - Você está tão molhada – ele disse com a voz nada controlada – Tão pronta pra mim – o sussurro dele saiu mais como um gemido.
  Sem aviso ele escorregou dois dedos para dentro de mim, saindo e entrando com investidas fortes que me faziam gemer alto. Harry aumentava o ritmo quando eu pedia por mais, e eu sempre queria mais dele. Eu precisava de mais dele. Sem aviso ele tirou os dedos de mim.
  - Não – quase chorei pedindo que ele voltasse para dentro de mim – Não para – ele ainda tinha um sorriso malicioso quando levantou da cama para tirar a camisa.
  Ajeitei meu corpo podendo ver o quanto Harry me queria, eu conseguia ver o volume por dentro da sua calça jeans, eu sabia o que ele queria e daria sem hesitar a ele. Beijei toda a extensão do corpo de Harry, demorando mais na tatuagem que ele tinha na barriga que estranhamente me excitava. Contornei o desenho da borboleta com a ponta da minha língua ouvindo os suspiros cheios de desejo dele, sem pudor as mãos dele envolveram minha cabeça me encorajando a descer mais os meus beijos.
  Foi o que eu fiz.
  Antes de baixar a cueca olhei para ele só para pode vê-lo pedir pra que eu continuasse, então assim que liberei seu membro da peça o envolvi em minhas mãos, ouvindo um gemido baixo de Harry que entrelaçou seus dedos em meu cabelo me empurrando para mais perto dele. Coloquei seu pênis em minha boca e explorando com a língua ao mesmo tempo em que minha mão o acariciava. Podia sentir a vontade de Harry crescendo mais ainda em minha boca, o que me fazia aumentar meus movimentos alternando com movimentos circulares na cabeça do seu membro. Eu sentia o gosto salgado dele o que me fazia deseja-lo mais então o suguei com mais vontade.
  - Não consigo mais pequena – ele me colocou de volta na cama e abriu minhas pernas para encaixar-se em mim – Preciso entrar em você.
  Eu assenti com cabeça não suportando mais meu desejo por ele. Abri mais as pernas encaixando meu quadril em seu corpo enquanto ele segurava minhas nádegas. Senti seu membro invadi minha intimidade, com força Harry começou a investir contra mim. Saindo e entrando cada vez mais rápido, me fazendo gemer mais alto que antes. Eu queria mais e, por isso, aproximei mais ainda minha pélvis do corpo dele, acompanhando as investidas dele contra mim.
  Nossas respirações pesadas era o único som que ocupava o quarto, ele aumentou o ritmo das investidas fazendo o prazer tomar conta do meu corpo. Ele impulsionava para dentro de mim com mais vontade fazendo meu corpo explodir em prazer, então me agarrei mais ainda a ele temendo que nossos corpos fossem separados.
  Harry chegou ao orgasmo junto comigo e eu senti ele me abraçando forte quando finalmente tínhamos chegado ao clímax. Ele ficou dentro de mim por mais alguns segundo, apenas me sentindo, assim como eu o sentia.
  - Eu te amo tanto pequena – ele disse saindo de cima de mim e me puxando para seus braços.
  - Eu também te amo Harry.
  Encostei minha cabeça no peito dele, ouvindo o seu coração pulsar mais rápido do que o normal e mergulhando no sono junto a ele.

Capítulo 3 – Madeleine

  Música do capítulo: Link

  Faltavam duas semanas para a inauguração da loja, e graças a a Mary Margareth estava pronta para abrir as portas finalmente. Todos os detalhes da decoração foram escolhidos por , visto que eu não estava com minha cabeça no lugar nos últimos três meses. Mas agora não, eu me sentia viva e pronta para encarar o mundo e sentia que nosso sonho, enfim, estava pronto pra se realizar.
  Suspirei, inalando o cheiro bom de tinta fresca no loft, o lugar estava ficando lindo, graças ao bom gosto de . Olhei orgulhosa para ela que também tinha um brilho satisfeito no olhar.
  - Obrigada – abracei minha amiga agradecida por ela ter dado conta de quase tudo sozinha – Você é um gênio, Mary Margareth vai ser a loja mais linda de Londres.
  - Logo o nosso sonho vai sair do papel, .
  Andei um quadro grande o bastante para ocupar metade da parede em que ele estava pendurado, admirada com o desenho em minha frente. Nele a figura de uma mulher de cabelos cor de fogo dançava em meio a um jardim de margaridas brancas, o vestido verde voava junto ao movimento de rodopio que ela fazia dando movimento ao quadro. Tão bonita; Tão livre.
  Não conseguia desgrudar os olhos dele, queria dançar como a moça, eu estava feliz e queria demonstrar aquilo para todo mundo. Olhei mais uma vez para , mas ela estava observando outros detalhes do lugar, então cheguei mais perto da gravura para enxergar todos os detalhes que eu podia daquela moça que dançava de forma tão graciosa.
  No primeiro passo o jornal que fora colocado no chão ficou grudado em minha sapatilha, me fazendo deslizar e por pouco não cair. No susto retirei o pedaço de papel do meu pé, mas antes de recolocá-lo no chão, duas palavras chamaram minha atenção:
  Assassinato Brutal.
  A manchete gritava em minha frente, me fazendo temer sem nem ao menos saber o conteúdo da matéria. Um tremor discreto tomou conta das minhas mãos e, então aproximei mais o papel dos meus olhos para facilitar a leitura.
  “O corpo da jovem Madeleine, desaparecida há uma semana, foi encontrado na madrugada de ontem no River’s Park. O crime chocou as autoridades londrinas por seu alto teor de crueldade. De acordo com o comandante Javier Grayson, o corpo da jovem de 22 anos foi encontrado decapitado e sem nenhuma veste, o que dá indícios de que Madeleine sofrera abusos antes de morrer...”
  - Tudo bem, ? – parei de ler a reportagem e olhei assustada para que me encarava intrigada – Você tá pálida.
  - Acho que é o cheiro da tinta – voltei a olhar discretamente para a folha em minha mão e meu coração disparou ao ver a data no jornal. Era de ontem – Acho melhor a gente ir embora .
  Ela concordou acreditando que meu mal estar era resultado do cheiro forte do local. Dobrei o jornal enfiando no bolso da calça, sem que ela percebesse que eu havia guardado, eu tinha que ler aquilo em casa. Durante todo o caminho até minha tentei pensar que aquela era uma infeliz coincidência, que crimes terríveis aconteciam frequentemente e não estavam ligados a mim, mesmo Madeleine não sai da minha cabeça: decapitada em um parque. Poderia ter sido eu naquele jornal
   me deixou na porta do prédio, ela teria um o encontro, e por isso, nem insistiu em entrar. Atravessei o saguão de entrada ainda abalada com o que eu tinha acabado de ler, tinha evitado os noticiários desde que voltara para Londres e por isso não sabia nada sobre desaparecimento de Madeleine, mas eu procuraria sobre sua história e tiraria de uma vez por todas aquela agonia do meu peito. Uma triste coincidência era o que aquilo era. Apenas uma triste coincidência.
  Mas por que meu coração continuava disparado?
  Antes de chegar ao elevador ouvi uma voz aguda chamar pelo meu nome, fiquei em dúvida se era um homem ou uma mulher, ao virar deparei com um rapaz espinhento que sorria largamente para mim, não devia ter mais que dezoito anos e parecia muito empolgado com a minha presença. Ele se aproximou e estendeu a mão, ainda estranhamente feliz em me ver.
  - Oi, meu nome é Call Dixon, sou o porteiro substituto do prédio – apertei sua mão ainda receosa com presença dele, alguma coisa naquele cara estava errada.
  - Substituto? – perguntei sem entender onde aquilo ia dar – Mas o John...
  - O John sofreu um pequeno acidente ontem – me assustei com a palavra acidente e ele sorriu ao perceber minha reação – Está tudo bem, ele apenas quebrou o pé ao cair da escada que dava para o porão. Mas vai precisar de cirurgia e ficar, pelo menos, dois meses em repouso.
  - Ele apenas quebrou o pé... – ironizei como se cair da escada não fosse ruim o bastante.
  - Poderia ter sido pior, não é? – o tom de sua voz era um pouco sádico, o que me fez sentir um intenso frio no estômago, mas Call continuava sorrindo sem se abalar com suas palavras, mostrando uma calma que me assustava– Eu estou me apresentando a todos os moradores do prédio e quero que saiba que eu estou aqui, ao seu dispor – ele engasgou e demostrando incômodo no que tinha acabado de falar - Ao dispor de todos, aliás.
  Concordei e sem dizer mais nenhuma palavra sai de perto do novo porteiro, apesar da pouca idade aparente, Call tinha um ar sinistro envolta dele. Ele me encarava sem pestanejar enquanto a porta do elevador era fechada, olhei para o chão com intenção de desviar nossos olhares e, pedi silenciosamente para que nunca precisasse dele, porque aquele era um rapaz muito estranho.
  Nos poucos segundos que fiquei dentro do elevador minha mente vagou entre Call e Madeleine, não sei por que, mas não consegui desassociar a história da moça ao garoto que ficava na portaria do meu prédio agora. Eu estava ficando impressionada demais por pouca coisa, era isso.
  Atravessei o corredor tentando não pensar mais em coisas ruins e antes de abrir a porta escutei a risada rouca do outro lado, Harry estava, provavelmente, brincando com Sammy enquanto eu não chegava. Desde que tínhamos voltado não nos desgrudávamos mais, eu o via do que meus próprios pais - que ainda insistiam em morar em Londres, por mim. Senti uma vontade louca de abrir a porta depressa para poder, enfim, abraçá-lo. O pouco tempo que passava longe dele já era o suficiente para me fazer sentir saudades de Harry.
  - Ei grandão – beijei-lhe a boca quando finalmente estava dentro de casa. Eu poderia ficar nos braços dele para sempre, apenas sentindo o toque dele por minha cintura e seus lábios nos meus.
  - Demorou a chegar, eu não aguentava mais de saudade.
  Antes que Harry pudesse me beijar de novo um latido inquieto chamou nossa atenção, Sam tinha se colocado entre a gente esperando que eu desse carinho a ele também. Ri e agachei perto do cão observando ele fechar os olhos enquanto eu afagava o seus pelos.
  - O Liam ligou convidando a gente para um jantar na casa dele. Ele disse que vai cozinhar uma receita mexicana – fiz uma careta só de imaginar Liam na cozinha. Harry riu acrescentando em seguida – E, ele disse que não aceita não como resposta.
  Minha convivência com os outros da banda tinha voltado ao normal, saíamos juntos praticamente toda semana e a mídia já sabia que eu era o novo affair – era assim que eles me descreviam - de Harry Styles. Talvez, se eles soubessem que há três meses eu carregava um filho dele na barriga, eu fosse levada mais a sério.
  - Vou tomar um banho pra gente ir – disse lembrando do cheiro forte da tinta que tinha ficado na minha roupa.
  Dei outro beijo nele, mas antes que eu pudesse sair de perto senti a mão de Harry segurar mais forte minha cintura levando meu corpo para mais perto dele. Sorri maliciosa, sentindo os dedos dele percorrer minha blusa até achar a brecha que dava acesso a minha pele.
  - Eu preciso tomar banho também – as palavras foram sussurradas em meus ouvidos de maneira lenta e sensual.
  - Por que você não tom banho comigo então?
  Ele me levantou até que eu conseguisse passar minhas pernas envolta de sua cintura, em um movimento lento encostei minha pélvis no volume da calça dele, sentindo o quanto ele me queria. Harry gemeu baixo com a boca em meu pescoço, enquanto suas mãos apertavam forte minha bunda. Sem mais nenhuma palavra ele me guiou até o quarto.

  xX

  O jantar tinha sido divertido. Liam não sabia cozinhar e, graças a Deus ele queimou toda a comida que tinha preparado então, fomos obrigados a pedir pizzas. Os meninos mostraram algumas músicas que já estavam prontas do novo álbum, e elas eram ótimas, eu tinha muito orgulho deles. Mas tinha vergonha também, principalmente quando Zayn resolveu me mostrar seu novo passo de dança. Muito ruim, mas eu não podia negar que havia aprendido bem rápido.
  Não demorou muito para que voltássemos para casa, e Harry mais uma vez iria dormir comigo. Não sei como, mas ele sempre despistava os paparazzis, de maneira que haviam poucos na porta do meu prédio quando chegamos. Passei rindo pelo saguão, mostrando a dança que Zayn havia me ensinado a Harry, aliviada por ver James, o porteiro noturno, no lugar de Call.
  - Boa noite senhorita – James me cumprimento sorridente e em seguida fez o mesmo com Harry – Antes que de vocês subirem, preciso entregar um pacote que chegou para a senhorita – achei estranho a entrega naquela hora da noite e James percebeu isso - Pediram que entregasse ainda hoje.
  James abaixou em sua bancada procurando o pacote em meio aos outros, percebi que quanto mais o porteiro demorava mais paparazzis chegavam na porta do prédio, e pelo vidro dianteiro tiravam fotos minhas e de Harry.
  - Melhor você subir amor, eles não vão ficar aqui se você não estiver ao meu lado – disse baixo para Harry que já estava ficando irritado com os flashes.
  - Tem certeza? – ele hesitou, mas no fundo eu sabia que seria melhor se ele subisse antes. Balancei a cabeça concordando e em seguida ele foi para o elevador.
  - Desculpe , mas parece que todas as encomendas dos condôminos chegaram hoje – ele me entregou a caixa roxa três minutos depois de Harry ter subido – Mas pediram que a encomenda fosse entregue o mais rápido possível para você.
  - Obrigada James.
  A caixa era leve demais para o seu tamanho, não havia nada que me dissesse quem havia enviado o presente, o que eu podia ler era apenas o meu nome, elegantemente grafado na tampa. Balancei o embrulho perto do ouvido, mas não consegui nenhum barulho, o que aumentou minha curiosidade.
  Play na música
  Esperei o elevador fechar para então abrir a caixa, com cuidado, como se o que tivesse dentro pudesse quebrar ao meu toque. Na verdade, poderia ser, eu não sabia. No fundo da caixa estava depositada uma rosa negra, amarrada com um fio transparente, no alto do caule como se tivesse sendo estrangulada. Minha boca secou e eu sentir minha respiração ficar mais pesada. O terror, ele havia voltado a me dominar.
  Com as mãos trêmulas parei o elevador que ainda passava no segundo andar. Engoli em seco e finalmente desatei a flor do fundo do embrulho. Negra e sombria como a noite, olhei mais ao fundo da caixa percebendo um pequeno papel dourado dobrado, no espaço que ficava debaixo da rosa. Peguei ainda trêmula e li a única palavra que estava escrita nele.
  Que brincadeira estupida era aquela? Senti o nó em minha garganta e as lágrimas formarem em meus olhos, ainda sem acreditar apertei o botão fazendo o elevador voltar a funcionar. De qualquer jeito eu precisava sair daquele lugar, para respirar melhor. Enxuguei as lágrimas decidida a não contar sobre aquilo a Harry, mas a verdade é que eu queria me esconder em seus braços e esquecer aquilo.

  Demorei uns segundos até sair do elevador, e fiquei feliz por Harry não estar me esperando do lado de fora. Rapidamente escondi a caixa no degrau da escada que ficava próxima ao elevador, e decidi dizer a Harry que James não havia achado o que procurava no final das contas. Deixei a rosa mórbida dentro da caixa, mas peguei o papel dourado estranhamente impossibilitada de me livrar dele e antes de enfiá-lo na bolsa li mais uma vez o nome escrito, tão elegante quanto o meu fora escrito na caixa, para ter certeza que não estava ficando louca. Não, eu não estava imaginando ou lendo coisa errada, nitidamente eu enxergava o nome naquele pequeno espaço: “Madeleine”.
  Decapitada em um parque. Madeleine poderia ser eu, e tinha muito mais de mim na história dela do que eu podia imaginar.

Capítulo 4 – Quando o pesadelo volta.

  Música do capítulo: Link

  Finalmente a inauguração da Mary Margareth havia chegado, eu dava graças a Deus por ter deixado minha cabeça ocupada, sem tempo para pensar em Madeleine ou no presente macabro que eu havia recebido. Olhei mais uma vez para a loja vazia, só esperando dar a hora do coquetel de abertura. A ansiedade tomou conta de mim, enfim o sonho estava se realizando.
  - Um brinde a nós – me entregou a taça com o líquido borbulhante – Nós conseguimos – ela trazia orgulho em sua voz.
  Concordei com o aceno de cabeça ao mesmo tempo em que encostava nossas taças, meus olhos ficaram marejados devido a emoção de ver tudo virando realidade, era como se um filho estivesse nascendo.
  - O Harry não vem mesmo? – disse após o primeiro gole na champagne.
  - Não, a banda tem um show na Irlanda hoje – dei de ombros ignorando a vontade de ter Harry ao meu lado naquela tarde.
  - Seria uma bela publicidade para nós – disse despreocupada com minha cara desaprovadora – Só estou sendo realista.
  Nem o humor desviado da minha amiga conseguiu tirar minha alegria, tomamos nossas bebidas caladas, cada uma imersa em seu pensamento. Lembrei-me de todos os momentos bons que tinha passado durante aquele ano, obriguei minha mente a pular qualquer cena de terror que eu insistisse em relembrar. Não hoje. Em meu momento de nostalgia me peguei pensando na minha curta gravidez, um nó subiu por minha garganta e minha mão pousou involuntariamente em meu ventre agora vazio.
  - Você vai ter outra chance , e aí eu vou ter o sobrinho mais lindo do mundo – ela colocou sua mão sobre a minha e a tirou cuidadosamente de minha barriga, ainda sorrindo delicadamente para mim.
  - No começo foi estranho a ideia de ter um filho, como se aquilo fosse um castigo – suspirei tentando controlar minha vontade de chorar – Mas isso não durou muito, de repente eu vi que queria meu filho. Queria ser a mãe dele, mas não fui capaz de protegê-lo...
  Parei, incapaz de continuar ainda controlando qualquer lágrima que quisesse sair. Senti o abraço de apertado meu corpo, respirei fundo e afastei aqueles sentimentos de mim.
  - Mas hoje não é dia de tristeza – me afastei dos braços dela e olhei para meu relógio, mais animada agora – Chegou a hora. Vamos vender roupas?
   sorriu ao ver meu sorriso, e então nós duas reunimos a equipe do Buffet para as últimas instruções antes de abrir.

  xX

  Poucas pessoas foram convidadas para o coquetel, mesmo assim, parecia que a loja estava lotada. Muitas peças tinham sido encomendadas e por muitas vezes alguns vieram nos parabenizar pela empreitada.
  - Minha filha, é tudo muito lindo. Estou orgulhoso!
  Senti a mão do meu pai cobrir a minha, enquanto minha mãe me abraçava pela cintura, nós três ficamos por alguns segundos observando o movimento no loft.
  - , seu pai e eu tomamos uma decisão hoje – a voz da minha mãe era cautelosa, o que me fez ajeitar a postura para ouvir melhor – Bom, agora que você está melhor nós, achamos – ela apontou com o queixo para meu pai como se quisesse mostrar que ele era cúmplice também - que já é hora de voltar para Cape Town.
  Ela então se calou e olhou para baixo, com um resquício de vergonha com o que tinha acabado de dizer. Não pude conter um riso divertido com aquilo, parecia que eu era a mãe pronta para dar o aval pros filhos. Eu adorava ter meus pais por perto, mas não podia negar que sabia o quanto eles – principalmente minha mãe – estavam sofrendo morando em Londres de novo. Eu tinha escutado inúmeras vezes o quanto a África do Sul tinha o ar mais saudável, o cheiro mais agradável e a vizinhança mais animada, seria egoísmo continuar prendê-los comigo, e além disso, eu tinha Harry de volta e me sentia mais segura com ele ao meu lado.
  - Eu apoio – disse de forma simples enquanto pegava uma taça de champagne para mim.
  - Apoia? – mesmo tentando disfarça eu identifiquei o alívio na voz da minha mãe e balancei a cabeça incrédula por constatar que aquilo tinha sido mais um pedido de permissão do que um comunicado.
  - Eu disse Annalice, nossa filha não precisa mais da gente – meu pai deu uma piscadela de cumplicidade para mim que eu fiz questão de retribuir.
  - Eu preciso muito de vocês ainda, mas posso me virar sozinha – dei um beijo em cada um – Agora preciso andar pela loja, ver se as clientes estão satisfeitas – com um sorriso me afastei de meus pais. Eu estava feliz, eles estavam felizes.
  Andei pelo loft conversando com algumas pessoas enquanto dava entrevistas para blogs e jornais locais – tínhamos combinado que ela seria encarregada por essa parte. Fiquei contente em saber que as roupas estavam agradando os presentes. Muitas roupas já tinham sido vendidas e muitas encomendas tinham sido anotadas.
  O tempo passou sem que eu me desse conta, e só percebi que estava ficando tarde quando vi que a maioria das pessoas já tinham ido embora, inclusive meus pais. Aproveitando a folga corri até minha bolsa que estava guardada e peguei meu celular, de alguma forma eu sabia que Harry havia tentado falar comigo.
  “Espero que esteja tudo bem por aí. Vocês merecem todo o sucesso que a Mary vai ser. Seu presente chega em dois dias. Tô com saudades.   Te amo!”
  Respondi assim que acabei de ler.
  “Não preciso de presente, já tenho você.”
  - Senhorita ? – pulei, tomando um pequeno susto ao ouvir a voz de um dos garçons atrás de mim, ele ficou sem graça ao percebe que tinha me pegado de surpresa – Me desculpe, não foi minha intenção – ele disse com sinceridade – Pediram que eu entregasse isso a senhorita o mais rápido possível.
  Olhei a caixa em suas mãos e senti o coração acelerar, era a mesma de duas semanas atrás. A mesma cor e o mesmo laço. Pensei em não aceitar aquele pacote, porque eu tinha certeza de que o que tinha lá dentro poderia arruinar minha felicidade. O rapaz em minha frente continuou a segurar a caixa em minha direção e antes que eu pudesse dispensar aquilo fui vencida pela curiosidade, agarrei o embrulho como se algo ali pudesse sair e me dar o bote se eu me distraísse. Olhei mais uma vez para o garçom que me encarava desconfiado.
  - Você lembra quem te entregou isso? – perguntei me segurando a chance de que eu ele me descrevesse o idiota que insistia em me atormentar.
  - Um menino disse que recebeu cinco libras para me entregar isso, ele não disse nada mais.
  - Tudo bem – mordi os lábios estranhando aquilo.
  - Com licença – então ele me deixou sozinha novamente.
  Observei meu corpo ficar tenso enquanto minhas mãos abriam rapidamente o laço da caixa. Não me preocupei em se alguém pudesse ver meu desespero só queria acabar logo com aquela agonia, afinal poderia não ser nada... No instante em que abri o pacote senti o ar faltar, eu sabia que poderia cair a qualquer minuto, por isso, precisei sentar na cadeira ao meu lado, aos poucos minha consciência foi voltando e eu lembrei de respirar devagar.
  O que diabos era aquilo?!

  Play aqui.

  As fotos de Harry foram passeando por minhas mãos. Haviam muitas. Fotos dele em vários momentos, do tipo que não tinha saído em nenhuma revista. Não, elas tinham sido tiradas por alguém que vinha seguindo o meu namorado, tremi ao perceber a data que tinha no canto de cada uma. Meus olhos insistiam em não acreditar naquilo. Harry estava sendo vigiado desde o dia em que havíamos voltado. O que aquilo significava afinal?
  Segurei a última foto e percebi que ela tinha sido tirada há três dias e eu estava nela, mas não era só isso que me assustava. O rosto de Harry estava rabiscado com caneta preta, de maneira desigual, como se a pessoa que tinha feito aquilo estivesse muita raiva, alguns corte pequenos foram feitos ao longo do corpo dele, mas a minha imagem continuava intocada.
  Um peso tomou conta do meu coração, era doloroso pensar que alguém tivesse tanto ódio pela pessoa que eu mais amava na vida. Minhas mãos trêmulas alcançaram o bilhete no fundo da caixa. Igual o da outra vez.
  “Você escolhe.”
  Apenas isso estava escrito, nada além. Senti meu sangue tinha esfriado de tal maneira que eu pensei que desmaiaria a qualquer momento, levantei meio sem jeito, buscando a porta dos fundos para que eu pudesse respirar melhor. Consegui sair sem chamar atenção de quem ainda permanecia na Mary Margareth, e fiquei grata ao sentir o ar frio gelado cortar meu rosto. Encostei na parede do beco vazio que dava para os fundos da loja, fechei os olhos tentando assimilar o que aquelas fotos significavam na verdade.
  Minha cabeça latejava, mas eu não me importava, tudo o que eu conseguia pensar era que o pior estava acontecendo. O pesadelo tinha voltado e agora não ameaçava apenas a mim, mas a Harry também. Tremi só de imaginá-lo preso a uma corda e sofrendo todo o tipo de tortura que eu conhecia bem.
  - – a voz masculina me fez gritar assustada. Eu a conhecia, mesmo que não lembrasse quem era, então abri meus olhos para encarar o homem que estava ao meu lado.
  - Phill? – Meus olhos abriram sem conseguir esconder o horror que eu sentia por vê-lo ali.
  Phill Roust, agente do FBI responsável por cuidar do caso do açougueiro estava na minha frente. Ele me olhava com uma tristeza como se algo ruim estivesse para acontecer, senti as lágrimas escorrerem por minha bochecha, por que eu já tinha entendido tudo. Phill, o policial americano bonzinho só poderia estar ali por um motivo, e isso não era bom.
  - nós precisamos conversar, mas não aqui – ele me entregou um papel dobrado tomando cuidado para ficar de costas para a rua – Me encontre nesse endereço amanhã às nove. Eu vou te explicar tudo, mas não conte a ninguém – ele falava baixo e rápido e só então percebi que ele usava um gorro escuro, ele estava tentando se esconder.
  Meu corpo ficou paralisado e o medo me tomou, a paz tinha terminado e Phill era o mensageiro das coisas ruins. Olhei para ele e não tive nenhuma vontade de segurar o choro, ele me encarou demonstrando pena o que, de certa forma, assinava a volta ao terror.
  - Ele voltou não é? – eu disse ainda me agarrando a esperança de estar errada sobre tudo.
  - Sinto muito . Por favor, me encontre amanhã.
  Então ele foi embora sem dizer mais nada e eu, escorreguei sem me preocupar com a sujeira do chão e chorei todo o desespero que eu sentia ao pensar em tudo que estava por vir.

Capítulo 5 – Sinto muito.

  Música do capítulo: Link

  Eu via as luzes passarem por mim da janela do táxi, as lágrimas em excesso deixavam minha visão nebulosa. Vultos andavam pela calçada, felizes alheios a minha dor. Curvei mais meu corpo deixando o choro me invadir, o que eu seria obrigada a fazer doía muito. Doía tanto que eu nem me importava com o falso motorista olhar de minuto em minuto pelo retrovisor, eu sabia que ele estava desconcertado e que não imaginava o que fazer para eu me sentir melhor. O problema é que nada do que ele fizesse ou dissesse me deixaria bem.
  Era isso, amanhã de tarde eu acabaria com tudo mais uma vez, e bem no fundo eu sabia que agora não teria volta mais. Eu odiava a minha vida estúpida. Odiava tudo em que ela havia se transformado.
  - As coisas vão melhorar senhorita Benson – Dean, o condutor do táxi disse um pouco hesitante. Olhei para cima e vi que os olhos dele estavam me encarando pelo retrovisor mais uma vez – Acredita.
  - Não Dean – eu voltei meu olhar para a rua – Agora tudo vai piorar.

  Flashback.
  Algumas horas antes.
  O hotel era de luxo, o quarto era confortável o bastante, mas tudo ao meu redor dizia que no momento em que Phill viesse conversar comigo tudo estaria perdido. Engoli em seco ao encarar minha imagem no reflexo do espelho, as olheiras denunciavam que eu não tinha dormido nada durante a noite e, em meus olhos eu podia ver o medo estampado. Em minhas mãos eu segurava a caixa roxa que tinha recebido na noite anterior, se aquilo fosse sobre o açougueiro eu precisava mostrar o que ele vinha fazendo comigo.
  A porta que dava acesso a outro cômodo se abriu e dela saíram três pessoas, entre eles Phill, me encolhi como um filhote assustado. Na verdade eu estava muito assustada. Os dois acompanhantes de Phill mostravam mais seriedade, que eu pensei ser pelos dois aparentarem terem mais idade, mas todos carregavam nos olhos a pena que sentiam de mim. Olhei para as minhas mãos a fim de distanciar o incomodo que aquilo causava.
  A mulher sentou-se ao meu lado, ela tinha um ar maternal que me fazia querer deitar a cabeça em seu ombro mesmo não a conhecendo, os outros dois homens ficaram nas poltronas em minha frente. Suspirei alto e olhei para Phill o incentivando a começar logo.
  - , esse são os investigadores Claire Devigne – a mulher ao meu lado me deu um meio sorriso, o qual eu não retribui – Jonathan Kleint – o senhor gordo acenou com a cabeça e sibilou algo como “prazer em te conhecer” – Eles trabalham e Londres e são excelentes detetives.
  Minha boca estava seca e eu sentia vontade de gritar, todos os três me olhavam como se a qualquer momento eu pudesse sair gritando e batendo minha cabeça pelas paredes. Isso era ruim e me fazia encolher cada vez mais no sofá, eu me sentia uma menina indefesa de dez anos.
  - , nós precisamos conversar com você a respeito do açougueiro – Claire não se importou ao ver meus olhos se abrindo de espanto ao ouvir o apelido que a mídia tinha dado a meu algoz de outrora – Presumo que você tenha visto a notícia sobre a morte de Madeleine Smith, certo?
  - Sim, eu fiquei sabendo – abaixei meus olhos para a caixa em minha mão ainda hesitante em falar – Na verdade eu percebi que o assassinato dela tem muito a ver com os do açougueiro.
  - A verdade é que Madeleine não foi a primeira – eu me virei incrédula para Jonathan – Antes dela tiveram mais duas, mas nós conseguimos deixar os crimes no anonimato, porém esse último não teve como encobrir. Foi como...
  - Como se ele quisesse que a morte de Madeleine se tornasse publica – Phill completou a frase – Aqui – ele tirou uma foto da maleta que carregava – Essa é a foto da Madeleine, e por um acaso ela se parece muito com você.
  Meu estômago revirou ao ver a foto da garota em minhas mãos, agora eu conseguia ver as semelhanças entre nós duas. Antes que eu pudesse me acostumar àquela fotografia Phill me entregou mais duas, e eu não consegui conter um grito de surpresa. As outras duas vítimas eram tão parecidas comigo quanto Madeleine.
  - No começo pensamos que alguém estava tentando imitar as mortes do americano – a voz de Claire invadia minha cabeça, eu a escutava claramente mesmo parecendo que ela estava distante – Entramos em contato com o FBI para conseguir informações sobre como o açougueiro agia, tendo a esperança de que assim poderíamos pegar quem o estava copiando – ela tirou as fotos que eu ainda encarava perplexa de minhas mãos, mas eu não olhei para ela – Quando descobrimos quem era a garota sobrevivente ligamos as vítimas a você e então constatamos que na verdade não se tratava de um imitador.
  - O açougueiro veio atrás de mim – eu finalmente disse as palavras que me atormentavam desde ontem, quando eu tinha visto Phill naquele beco.
  - Ele conseguiu fugir enquanto você estava desacordada no hospital e nós achávamos que Calleb era o verdadeiro criminoso – Phill não escondia a vergonha em sua voz – De alguma maneira ele conseguiu descobrir onde você morava e veio atrás de você. As mortes acontecem da mesma forma de antes: sequestro, abuso sexual e assassinato violento. Mas dessa vez ele mudou o biótipo das vítimas – ele parou moderando as palavras que viriam a seguir – Agora ele não está procurando pela Amélia. Ele está procurando por você.
  Meu coração disparou só de pensar que agora eu era o alvo do amor e do ódio daquele monstro. Eu sabia o que ele era capaz de fazer quando era contrariado e senti na pele toda a sua raiva. Eu não queria chorar, queria me mostrar forte para aquelas pessoas ao meu lado, mas era impossível, era como reviver tudo o que eu tinha lutado para superar naqueles quase quatro meses pós-tragédia.
  Durante uma hora os agentes me contaram que Phill tinha vindo de Nova Iorque para poder ajudar na investigação, já que ele era um dos responsáveis pelo caso desde o começo. Eles não sabiam onde o açougueiro poderia estar, mas tinham certeza de que ele estava me vigiando, e, além disso, ao que constava ele tinha ajudantes que estavam de olho em mim.
  - Precisamos fingir que você não tem nossa cobertura aqui – Jonathan dizia com mais tranquilidade que eu quase não conseguia suportar – Se ele desconfiar que a polícia esteja com você, ele vai dar um jeito de te ferir, seja fisicamente ou psicologicamente. Entende?
  Eu apertei a caixa em meu colo, ainda não tinha mostrado o conteúdo dela, mas agora eu sabia o que aquele bilhete significava. Fechei os olhos tentando controlar a dor que insistia em crescer. Minha escolha: Harry vive ou Harry morre. E só tinha uma maneira dele sobreviver ao psicopata. Balancei a cabeça mostrando que eu entendia o que Jonathan dizia.
  - Pois bem , você não poderá ficar sozinha agora, nós precisamos te proteger – Phill falava como se fosse o meu pai, com a cautela de não me assustar. Como se eu já não estivesse assustada o suficiente – Para isso precisamos agir escondidos, por isso marcamos essa reunião aqui no hotel.
  - Você acha que eu estou sendo seguida? – disse sentindo o pânico tomar conta de mim. O quão perto de mim ele esteve nesses dias?
  - Não podemos dizer – Phill deu de ombros – Mas a partir de hoje estaremos de olho em você.
  - E como vocês pretendem fazer isso sem que ele perceba?   - Vamos colocar um dos nossos melhores homens para viver com você – quando eu fiz cara de quem não estava entendendo nada Claire fez questão de continuar e me explicar tudo – Julian Rizzon se passará pelo seu primo australiano Andrew Benson.
  Levei minhas mãos nas têmporas tentando cessar a dor de cabeça que só crescia aquilo parecia enredo de filme de ação – bem ruim por sinal. Onde minha vida tinha virado de cabeça para baixo afinal? Ouvi Claire contando a história que eu precisava inventar de agora em diante. Julian ou Andrew deveria se passar por meu primo que veio a procura de um emprego em Londres e precisava morar por uns tempos em minha casa. Era importante que ninguém soubesse a verdade para não estragar o disfarce, e quanto melhor o teatro mais fácil seria capturar o psicopata.
  Concordamos que apenas e saberiam do que estava acontecendo, já que os dois sabiam que nunca existiu o primo Andrew. Combinamos de Julian chegar a minha casa nas próximas horas, fingindo estar chegando do aeroporto, Claire me mostrou uma foto dele para que eu não tivesse dúvidas de quem seria quando batesse a minha porta. Olhei sem prestar muita atenção na imagem, minha cabeça estava tentando assimilar tudo aquilo que fora jogado em mim em tão pouco tempo.
  O fato era que a partir de hoje Julian seria minha sombra e eu não precisava ter medo de nada, de acordo com Phill isso acabaria logo. Mas eu não acreditava, era pra ter acabado há quatro meses.
  - Eu preciso mostrar algo para vocês – disse em um tom desanimado e coloquei a caixa roxa destampada em cima da mesa – Isso chegou a minhas mãos ontem, e não foi o primeiro que eu recebi.
  Então foi a minha vez de receber olhares assustados, e sem me intimidar comecei a contar tudo desde quando recebi as rosas negras. Percebi pela agitação que todos estavam preocupados, não só comigo, mas com qualquer pessoa que me rodeava. Minhas mãos tremiam quando por fim terminei de contar sobre os presentes. Phill levantou e foi até a janela coberta por cortinas cor de creme, mas Claire segurou minha mão me apoiando para o que viria a seguir.

  Play aqui.

  - , esse bilhete, você sabe que o que significa? - Claire disse cada palavra como se conversasse com uma criança que tinha acabado de perder seu bichinho de estimação.
  - Que se eu não deixar Harry ele o mata? – disse receosa ainda torcendo para estar errada.
  - Eu sinto muito – Claire apertou minha mão enquanto eu me permitia chorar – Essa é sua escolha: Harry ou ele. E se você escolher o Harry, o açougueiro nunca vai te perdoar.
  - Mas eu não posso perder o Harry outra vez – eu me virei para olhar Claire nos olhos, ela conseguiria me entender e então acharíamos um jeito – Eu o amo.
  Claire esticou a mão para secar minhas lágrimas que caíam desesperadas por meu rosto, enquanto Jonathan ainda analisava a última foto do pacote, aquele em que eu estava com um Harry desfigurado. Ele respirou fundo, temendo o que falaria em seguida, meu estado de desespero era alarmante. Eu não queria deixar Harry, isso o magoaria e me deixaria devastada, mas eu não podia deixar que ele corresse risco de vida por minha causa. Isso era inaceitável!
  - – Jonathan prosseguiu – Eu sinto muito, mas você precisa salvar o Harry. Por mais que isso seja ruim, é o certo a se fazer agora.
  Joguei minha cabeça para trás até conseguir achar o encosto do sofá, fechei os olhos ainda deixando o choro me consumir. Eu não me importava se estranhos estavam me observando definhar, só o que me importava era que eu acabaria com o que eu e Harry éramos outra vez e então, não teria volta. Essa era a nossa sina: nunca ficarmos juntos.
  Eu sempre soube que Harry merecia alguém melhor, menos complicada em sua vida, mas meu egoísmo não me permitia ficar longe dele. Deus, eu amava aquele homem! Amava como a maneira como ele me fazia sentir especial, amava o seu abraço, amava seu beijo, sua maneira de falar e amava a sua risada. Eu o amava por completo, e em algum momento de minha vida achei que ele poderia ser minha salvação, mas não... Eu devia salvá-lo.
  Precisava salvá-lo do mal que eu carregava em minhas costas.
  Limpando as lágrimas alcancei o celular em minha bolsa e disquei o número dele. Uma parte de mim rezava para que ele não atendesse e assim eu teria tempo para pensar em uma forma de consertar tudo.
  - Pequena – a voz rouca dele vez meu coração parar, e eu tive vontade de desligar, mas já era tarde.
  - Amanhã – controlei minha voz para que ele não percebesse que eu estava chorando – Assim que você chegar, eu preciso te encontrar. Nós precisamos conversar.
  - , você está chorando? – Harry me conhecia como ninguém – Tem algo errado. Quer que eu vá embora hoje?
  - Não. Amanhã a gente conversa – limpei a garganta tentando ter forças para continuar, depois daquilo seria irreversível. - Eu vou até a sua casa.
  - Eu não to gostando disso – fechei meus olhos ao ouvir aquilo.
  - Harry, eu sinto muito.
  Sem mais nenhuma palavra desliguei o celular e me permitir cair em pranto no sofá daquela suíte com aqueles desconhecidos, não demorou muito para eu sentir o braço de Phill me passar por meus ombros. O policial bonzinho estava tentando aliviar minha dor, mas não estava dando certo.
  Meia hora depois estava no táxi com Dean, que também era um policial disfarçado, indo para minha casa. Aquele era o fim da minha vida. Naquele momento eu estava morrendo aos poucos.
  Flashback OFF.

  Eu tinha tomado banho para aliviar a sensação, mas não tinha dado muito certo. Eu poderia ficar jogada no sofá por tempo indeterminado, mas a campainha me fez sair de minha posição fetal. Meus pés arrastaram sem nenhuma vontade até a porta, eu não precisei olhar para saber quem era. Abri a porta de uma vez.
  - Oi prima, senti sua falta.
  Julian estava parado em minha frente com um sorriso magnífico enquanto me encarava. Agora que ele estava ali ao vivo eu podia notar o quanto ele era bonito. Seus cabelos loiros eram curtos, mas bagunçados dando um ar espontâneo para ele, os olhos eram azuis claros. Ele parecia simpático, mas eu não estava preparada pra retribuir a simpatia, e um aceno de Julian me fez saber que ele entendia o que eu estava passando, só que a gente precisava fingir a partir de agora.
  - Também senti sua falta Andrew.
  Abri a porta para que ele entrasse. Em qual momento minha vida tinha virado do avesso mesmo!?

Capítulo 6 – Eu te amo; Eu minto; Você me pertence!

  Música do capítulo: Link

  POV’s Harry
  A bebida descia rasgando por minha garganta enquanto o aperto em meu coração se fazia mais evidente. Bati impaciente meus dedos pelo mármore escuro da mesa na cozinha, não imaginava o que tanto queria me falar, mas algo me dizia que aquela conversa não seria boa. Bebi mais um gole da cerveja em minhas mãos. Ligar para ela tinha sido a primeira coisa que eu havia feito após voltar da Irlanda: “nos encontramos em uma hora no seu apartamento”. Fechei os olhos repassando aquela pequena conversa em minha mente, tentando decifrar o tom demasiado sério de , não me parecia bom.
  Sem que eu precisasse esperar mais escutei a campainha tocar, corri para abrir a porta e me deparei com uma abatida olhando para baixo. No impulso a puxei para meus braços, tentando tirar tudo o que angustiava de dentro dela. Senti a suas mãos me segurando forte, como se não quisessem me soltar nunca, afaguei seu cabelo enquanto seu rosto estava enterrado em meu peito. Pude escutar um soluço bem baixo, então segurei seu rosto e vi o quanto estava indefesa, em seus olhos eu via o medo e a dor. Fechei a porta e no mesmo segundo grudei nossas bocas em uma tentativa falha de fazê-la se acalmar, havia uma resistência dela, que nunca houvera, para me beijar e, então, quando eu me afastei ela chorou mais ainda.
  O corpo de escorregou até o chão e eu a acompanhei, ainda confuso com toda aquela cena. Tentei segurá-la, abraçá-la e protegê-la, mas ela recusou afastando minhas mãos de perto dela. Por um segundo nós dois ficamos em silêncio; imóveis. Eu olhando para uma desesperada e ela sem coragem para olhar em meus olhos. Era uma cena patética vista por fora, mas totalmente angustiante para nós, os protagonistas. Eu queria entender tudo aquilo, mas metade de mim, aquela que era a mais covarde, insistia para que adiasse a pergunta, assim, adiasse meu sofrimento.
  Como se tivesse tomada por uma súbita coragem limpou suas lágrimas e me olhou finalmente. Um olhar que profundo, que fazia meu peito apertar dentro de mim, era um olhar determinado e que me dizia para tomar cuidado. Ela tomou fôlego para falar; Eu respirei fundo me preparando para o que viria.

   POV’s.
  - Desculpa – eu tentava manter aquela determinação em mim, já tinha fraquejado demais – É um pouco difícil pra mim.
  - ...
  - Não – eu o interrompi antes que começasse a falar qualquer coisa, precisava terminar aquilo de uma vez e qualquer coisa que ele dissesse poderia me impedir de seguir com meu plano – Não fala nada Harry, deixa que eu falo tudo – sentei com as pernas cruzadas de frente a ele – Tudo o que a gente viveu, eu não tenho como te agradecer. Eu vivi o paraíso e o inferno com você Harry, e você me deu forças quando eu mais precisei...
  - Cala a boca – o rosto dele estava contraído em uma dor que fazia um nó crescer em minha garganta – Eu já ouvi esse discurso antes , e eu sofri muito depois que você o terminou – tinha um desespero em seu tom de voz que me fazia querer abraçá-lo e dizer que era tudo um engano – Você não tem o direito de fazer isso comigo outra vez – ele tentou chegar mais próximo e eu busquei forças para me afastar, seria mais difícil se ele tocasse em mim – Seja o que for nós vamos superar.
  Levantei pronta para dizer minhas últimas palavras e sair de uma vez da vida de Harry. Não era justo que eu colocasse a vida dele em risco, não era justo que ele vivesse um jogo que não pertencia a ele. Eu estava prestes a travar uma guerra com um psicopata, e dela só um sairia vivo.
  Play aqui!
  - Harry, acabou!
  Minhas palavras eram duras até para meus ouvidos, queria voltar a chorar. Queria me jogar nos braços do Harry atônito em minha frente e esquecer aquilo. Eu o amava muito para deixá-lo, mas o amava mais para deixar que alguém fizesse algum mal a ele.
  - O que eu fiz? – ele disse me fitando, ainda do chão – Eu posso consertar, me perdoa.
  Aquilo doeu de forma significante em mim, eu é que era a megera por estar ali terminando tudo sem nenhuma explicação e ele era quem se sentia culpado. Minhas pernas tremeram e eu precisei me apoiar no sofá para não cair, aquilo era terrível. Eu precisava ir embora.
  - Você não vai me dar nenhuma explicação? – ele disse em um tom um pouco mais ríspido do que antes, seu olhar assumindo uma raiva que eu nunca tinha percebido antes. Respirei fundo enquanto ele parava em minha frente - Eu mereço uma explicação – ele esperou por um segundo e continuou quando percebeu que eu não estava disposta a falar – Por que você me deu esperanças? Por que me fez acreditar que me amava quando isso não era verdade?
  - Harry eu te...
  - Não ouse dizer que me ama – ele disse virando as costas para mim, andando sem rumo por sua casa – Você me expulsou de sua vida uma vez, me fez viver o inferno na terra e então, me chamou de volta – ele passou a mão confuso pelo cabelo – Eu não sei o que pensar. Eu não entendo – ele voltou em minha direção e segurou meu rosto, me obrigando a olhar para ele – Eu preciso saber o que está acontecendo. Eu mereço saber a verdade.
  Delicadamente tirei suas mãos do meu rosto, minha vontade era de chorar e correr para o mais longe possível dali, mas ele tinha razão, merecia uma desculpa pra tudo aquilo, e eu não podia dizer a verdade, só o que me restava era magoá-lo com mentiras. Não era justo, com nenhum dos dois, mas era preciso.
  - Eu conheci alguém no último mês – engoli em seco enquanto despejava mentiras entre nós.
  - O quê? – sua expressão era de horror, naquele momento eu sabia que ele estava começando a me odiar.
  - No último mês enquanto você estava gravando o álbum eu conheci uma pessoa no parque – engoli a vontade de chorar e continuei – Eu me apai
xonei por outro Harry, e não acho justo que nós dois fiquemos juntos mais.   - Eu não acredito em você.
  - Por favor, não torne as coisas mais difíceis. Eu não te amo mais.
  Tinha sido a pior coisa que eu já havia dito. A pior mentira de todas, eu amava Harry e era por isso que eu o estava deixando. Não consegui conter as lágrimas enquanto observava ele deslizar para o chão outra vez. Harry chorava com o rosto entre suas mãos, sua dor era evidente, mas nada daquilo estava sendo fácil para mim. Mais uma vez estava sendo obrigada a largar de tudo por causa do louco que me perseguia. Mais uma vez eu estava perdendo Harry, e agora seria para sempre.
  Não era justo comigo.
  - Vai embora da minha casa – ele disse ainda com o rosto escondido – Nunca mais me procura. Nunca mais olhe na minha cara – sua voz estava carregada de raiva – Eu não quero mais te ver – ele virou me encarando, seus olhos, molhados pelas lágrimas, estavam escuros e sombrios, aquele não era o Harry que eu conhecia. Eu tinha conseguido fazê-lo sentir raiva de mim de verdade – Você é a pessoa mais fodida que eu conheço, e não preciso disso. Não mais.
  - Harry eu sinto...
  - Eu mandei você ir embora da minha vida – ele gritava ainda chorando.
  Não esperei que ele pedisse outra vez e sai correndo da casa dele, sem olhar para trás ainda escutando o choro dele. Sim eu era a pessoa mais fodida que Harry tinha conhecido, mas estava salvando a vida dele. Meu choro intensificou quando sentei no banco do passageiro enquanto Julian me encarava por trás do volante, ainda era incomodo tê-lo por perto vinte e quatro horas seguidas, mas naquele momento eu não queria ficar sozinha.
  - Me tira daqui – não olhei para ele e não me importei em chorar copiosamente na frente de um policial estranho.
  Julian dirigiu em silêncio até que estivéssemos estacionados em frente ao meu prédio, entrei com ele em meu encalço e nem percebi que Call ainda estava na portaria. Atravessei o saguão atordoada por tudo o que tinha acabado de acontecer e nem percebi a presença do espinhento até ele fazer um barulho irritante com a garganta pra chamar minha atenção. Parei de repente antes de chegar ao elevador.
  - Call, esse é meu primo Andrew, ele chegou há dois dias em Londres – apontei para o homem ao meu lado – Ele vai morar comigo até encontrar um lugar pra ficar, então ele tem passe livre pro meu apartamento.
  - Não sabia que você tinha um primo – Call olhava intrigado para Julian.
  - Você não sabe nada sobre mim Call – andei até o elevador sem me preocupar com a observação indiscreta do garoto, mas Julian havia percebido e não gostara nada daquilo.
  - Esse garoto é muito esquisito - observou ele enquanto eu me deixava cair no chão do elevador e me permitia chorar igual a uma criança desamparada.
  Eu já sentia falta de Harry. Eu já me sentia incompleta!

  Xx

  O corpo de Megan estava sem vida no chão imundo do galpão no fim do mundo. Michael nunca imaginara que Londres pudesse ter lugares tão distantes e inóspitos quanto àquele. E isso o ajudava tanto em sua necessidade. Necessidade de matar.
  Ele respirou mais uma vez, cansado depois de tudo o que tinha feito a garota jogada ao chão, por um tempo ele havia enxergado o rosto perfeito de nela, mas depois que ele descobriu que Megan não era quem ele queria livrou-se dela.
  Pouco lhe importava se ela tinha uma vida pela frente. Se ela tinha pai, mãe OU irmã. Ele não se importava com ela, nem com qualquer outra que tivesse passado por suas mãos, elas nunca eram quem ele queria e, por isso, não tinham porque viver.
  Michael andou lentamente até o canto onde o machado estava encostado. Essa era a parte que ele mais gostava: cortar a carne. Ele sorriu sadicamente enquanto carregava o machado até o corpo de Megan. “E a putinha estava apenas querendo assistir a um filme quando a peguei”, pensou ele pronto para baixar o machado no membro inferior da garota.
  Michael sonhara na noite passada. Em seu sonho ele estava em casa com seu filho no colo enquanto fazia a comida para a família. A criança tinha um pouco mais de dois anos de idade e sorria feliz por estar brincando com o pai: os dois brincavam com uma faca, era como se Michael já começasse a ensinar a criança como se comportar. Ele era feliz por ter se livrado de Amélia, sua nova esposa o entendia como ninguém ela o aceitava da maneira que Amélia nunca aceitou. amava Michael e nunca mais fugiria dele.
  Tinha sido apenas um sonho, mas ele sabia que logo estaria outra vez ao seu lado. Podia levar o tempo que fosse, ele levaria de volta para casa.
   pertencia a Michael, assim ele pensava.

Capítulo 7 – Quando tudo muda.

  - Eu ainda não sei por qual nome te chamar – mexi com o garfo no macarrão em frente ao meu prato, sem nenhuma vontade de comer a comida – Andrew ou Julian? Eu nunca sei.
  - Andrew, sempre. É mais fácil pra você não cometer um deslize na frente dos outros – o loiro fitou-me, cheio de pena, e eu dei um meio sorriso tentando disfarçar minha falta de interesse na conversa – Você não vai comer?
  - Não tô com fome – larguei o garfo desistindo de brincar com a comida, olhei para frente só para ver os olhos azuis me encarando de maneira desaprovadora.
  - Quando foi a última vez que você comeu?
  - Tomei um leite há pouco – dei de ombros quando ele balançou a cabeça reprovando minha resposta – Eu não estou com fome, Andrew – tive dificuldade para pronunciar seu falso nome.
  - Já se passaram uma semana , você precisa reagir.
  Abracei meus joelhos abaixando minha cabeça sobre o colo. Uma semana, e a dor ainda não tinha passado. Perder Harry e o terror de saber que o açougueiro voltara a me perseguia, me deixavam paralisada. Há uma semana eu não comia. Há uma semana eu não saia de casa. Há uma semana eu não era mais eu.
  Ouvi os pratos sendo retirados da mesa em minha frente, mesmo sem olhar, eu sabia que Andrew - ou Julian, eu nunca me acostumaria com isso – estava retirando os restos de mais uma tentativa de me fazer comer. Levantei a cabeça a tempo de vê-lo voltar e se sentar em minha frente. Andrew era gentil, tinha tentado de todas as maneiras me fazer reagir a tudo aquilo, e a cada dia eu o achava mais bonito. Como agora, enquanto ele me encarava com aqueles olhos azuis e o seu meio sorriso. Desviei os olhos, desconfortável com meus pensamentos.
  - Você não quer mostrar ao seu primo australiano a noite londrina? – ele tirou as mãos dos joelhos para apontar pra si mesmo.
  Minha única resposta foi balançar a cabeça negativamente, ele soltou um suspiro longo, que eu sabia que não era de raiva, ele só estava incomodado de me ver tão apática a tudo.
  - Você precisa reagir – um lampejo de tristeza invadiu seu rosto, e então eu havia percebido que ele entendia a minha dor como ninguém – Eu sei que você ama aquele cara, o Harry né? – prestei mais atenção ao que ele tinha para me dizer – Mas a vida não é justa como nos filmes, nem sempre a mocinha pode ficar com o príncipe e você só precisa seguir em frente.
  - Qual é a sua história?
  A pergunta o pegou de surpresa e ele se moveu desconfortável no sofá. O homem em minha frente tinha segredos, e se ele estava hospedado em minha casa nada mais justo que eu ficar sabendo o que havia por trás dele. Na verdade, uma parte de mim queria conhecer melhor a parte sensível de Julian, a parte que combinava mais comigo. Eu queria ter algo para compartilhar com ele, e naquele momento, era o sofrimento. O encarei com mais determinação:
  - Sua história Andrew – ele fechou os olhos tentando afastar a sombra que queria tanto lhe invadir – Todo mundo tem um lado escuro. Você já sabe o meu – ele abriu os olhos duros e sem qualquer resquício de brilho – É justo que eu saiba o seu. Eu sei que você tem alguma coisa pra contar.
  - Meus pais morreram quando eu tinha três anos – ele não olhava mais para mim, encarava a janela aberta por trás de meu corpo – Mas isso não importa, nem me lembro deles. Cresci com meu tio Olavic, irmão do meu pai. Morava em uma cidade pequena na Austrália, do tipo que tinha bairros tradicionais. Nós conhecíamos todos os moradores da rua e por toda a minha vida fui apaixonado por nossa vizinha: Mille – seus olhos estavam molhados – Era a pessoa mais linda que eu conhecia. Por dentro e por fora – um sorriso nostálgico surgiu em seus lábios – Nós começamos a namorar ainda na adolescência.
  “Ela me amava também, e não tinha nada melhor do que ser correspondido – dei de ombros – Tínhamos planos, sonhos: ela queria ser professora e eu...Bom, eu queria ser arquiteto. Os anos passaram e nós continuávamos juntos, eu tinha sido aceito em uma boa faculdade da nossa cidade e Mille já trabalhava como assistente em uma das creches de nosso bairro, sem conseguir esperar mais um segundo eu a pedi em casamento. Ela aceitou. Foi o dia mais feliz da minha vida, não era como se fossemos casar em um mês, mas estávamos noivos e eu sabia que ela seria minha pelo resto da vida. Só minha – ele fechou os olhos mais uma vez – Cara, eu amava aquela garota!”
  Um silêncio tomou conta do ambiente em que estávamos, como se Julian estivesse revivendo cada segundo daquela história, mas eu não poderia esperar.
  - O que aconteceu com você e Mille?
  - Um ano se passou e tudo continuava perfeito, tão perfeito que eu tinha medo de que algo ruim estivesse prestes a acontecer. Sabe como? – engoli em seco, eu sabia bem o que ele estava dizendo – Um dia Mille saiu mais tarde do trabalho, era sexta e nós íamos comemorar nosso aniversário de namoro. Eu estava ocupado demais na faculdade e então pedi que ela me encontrasse no restaurante – ele passou a mão pelo cabelo dourado - Esperei por ela por uma hora. Eu já estava impaciente, nervoso e quase desistindo de esperá-la até que meu telefone tocou – ele fez uma pausa e olhou para mim – Era um policial – Pausa. Suspiro - No meio do caminho Mille tinha sido abordada por um cara, ele queria roubar a bolsa dela, só a bolsa, mas por algum motivo ela reagiu e então - outra pausa. Outro suspiro – Ele atirou nela. Uma única bala direto no coração e eu perdi minha Mille para sempre.
  Ele olhou para suas mãos, lutando para não chorar diante do que tinha acabado de me contar. Meu coração parou só de pensar em tudo o que ele havia perdido. E se fosse comigo? E se alguém tivesse feito algum mal maior a Harry? Uma lágrima escorreu por meu olho.
  - Eu não consegui proteger a mulher que eu amei – ele ainda não olhava para mim – Depois do que aconteceu, larguei a faculdade de arquitetura e cursei direito. Eu queria ajudar a fazer justiça no mundo da maneira que eu conhecia, até que descobrir uma forma de entrar para a policia e proteger quem precisava – ele sorriu um pouco sem jeito – E aqui estou.
  - Eu sinto muito – eu disse por fim – Por você e pela Mille.
  - Eu também sinto muito. Por mim e por ela – ele cruzou as pernas e me olhou mais uma vez – Por você e pelo Harry.
  Eu precisava mudar de assunto. A angústia só havia aumentado depois de ouvir aquele triste relato de Julian. Um frio horrível percorreu minha espinha recordando a ameaça velada que Harry havia sofrido. De qualquer forma eu estava feliz por Julian ter compartilhado sua história comigo.
  - A última vez que eu conversei com uma pessoa que escondia seu nome verdadeiro eu precisei matá-lo - uma sombra tomou seus olhos e eu abracei mais ainda minhas pernas, tentando me esconder o quanto eu podia.
  - Eu sei, e sinto muito por isso também, mas aquele canalha mereceu o que teve. Só que dessa vez eu sou o cara bonzinho, eu preciso que você confie em mim. Eu sou o cara com o distintivo.
  - Acho que a gente precisa de uma bebida primo – fiz menção de levantar, mas me contive assim que ele gesticulou para que eu voltasse a sentar.
  - Poupe suas pernas, eu já procurei álcool por aqui e, você não tem nada.
  - Sou uma péssima anfitriã, desculpa.
  - Você pode me levar para algum lugar bem legal aqui em Londres para se redimir – antes que eu negasse mais uma vez ele completou – Podemos chamar seus amigos: o e a .
  - Mas não é perigoso? – eu já estava relaxada, cogitando de fato a ideia de sair um pouco – Sabe como, tem um psicopata atrás de mim por aí.
  - Não é perigoso enquanto eu estiver te protegendo e, enquanto eu levar minha arma comigo.
  Dito isso Julian piscou para mim me encorajando a ir me trocar. Se eu estava marcada para morrer, precisava viver como se não houvesse o amanhã.

  Xx

  As luzes da boate já estavam me deixando confusa, meus pés não obedeciam mais aos meus comandos, de alguma forma me segurava pelo braço, me guiando até o bar a contragosto.
  - você já bebeu demais.
  - Por favor, – eu cambaleei até seus ouvidos e disse de maneira que eu achei que fosse um sussurro – Eu posso morrer a qualquer momento, terminei com o homem que eu amava e eu ainda não to bêbada – senti minha língua enrolar enquanto eu tentava completar a frase – Só mais um copo.
  Antes que eu pudesse puxar para o bar senti a mão pesada de Julian me segurar. O gesto me fez virar repentinamente e no mesmo segundo me desequilibrei, por sorte, Julian impediu que eu caísse. Sorri bobamente para ele, incapacitada de abrir minha boca para agradecer.
  Ironicamente apenas eu havia bebido naquela noite, justo eu que não tinha pensado em sair de casa. Julian se negava a beber em serviço e e queriam estar alerta no caso de qualquer pessoa suspeita aparecesse perto de mim. Eu nem pensava mais nisso.
  - Você já bebeu demais – Julian juntou seu corpo ao meu, aquilo não parecia correto, mas eu não tinha forças para me separar.
  Eu queria dizer que ele não era meu pai para falar o quanto eu havia bebido, mas fui tomada por mais uma tontura e só não cai graças, novamente, as mãos fortes dele.
  - Eu não consigo sair daqui – eu disse assumindo minha incapacidade de andar – Simplesmente não dá – balancei minha cabeça sem querer, então precisei fechar os olhos por um instante, o que felizmente arrancou uma risada de Julian – O que a gente faz agora?
  - pega uma água para a nossa amiga aqui – Julian disse em meio a risada – Depois nós vamos embora, pode ser?
  - Não, ir embora não – bati o pé como qualquer criança mimada faria – Você quis vir. Você me convenceu a vir, agora eu não quero ir embora.
  - Mas eu não sabia que você ficaria tão bêbada.
  - Eu não tô bêbada – como em uma brincadeira sem graça minhas pernas, mais uma vez, falharam obrigando Julian a apertar mais as mãos em minha cintura. Olhei para ele tentando convencê-lo de que eu estava bem, mas Julian não cedeu a mim – Vamos dançar então?
  Antes que ele pudesse responder meus olhos fixaram em um ponto atrás de Julian. Uma silhueta alta andava sem pressa em nossa direção. Meu coração disparou, porque por mais que eu estivesse com dificuldade para enxergar eu sabia quem era.
  Harry.
  Ele mantinha uma carranca no rosto enquanto andava até mim, suas mãos nos bolsos da calça indicavam o nível de impaciência que ele tinha naquele momento. Eu sorri para ele, não sendo correspondida, então, percebi que tinha algo de errado: as mãos de Julian ainda estavam em mim.
  - Bom saber que você está bem – Harry finalmente tinha parado diante de nós e em um movimento nada discreto eu tirei as mãos de Julian da minha cintura – Eu andei preocupado com você – seus olhos continham raiva – Pensei até em te ligar – ele passou as mãos pelo cabelo já bagunçado - Mas como eu sou burro! Você está bem. Muito bem. Eu que sou um idiota que fica chorando por você o dia inteiro.
  - Não é o que você pensa – eu precisava me explicar – Esse é o meu pri...
  - , eu não preciso de suas explicações. Nós não somos mais nada – finalmente olhando para Julian ele continuou – Boa sorte para vocês. Tchau!
  Deixei meus braços caírem, pesados, ao lado do meu corpo. Ao contrário de antes, tudo pesava agora: minha cabeça, meu corpo, minha respiração.
  - Tô pronta para ir embora agora – disse quando consegui recobrar a capacidade de falar.
  Dez minutos depois eu estava em meu carro, indo para casa e sentindo tudo girar. Mas apesar do mal estar eu não tirava Harry da cabeça.
  Ainda assim, tudo girava.

  Harry.
  O frio era cortante, mas eu estava agradecido por ter achado aquela porta lateral da boate. O beco estava vazio, exceto por mim e pelo gato que fuçava a lixeira atrás de comida. Recostei-me na parede e respirei fundo tentando tirar a imagem de com outro cara da cabeça. Uma semana depois e ela já estava pronta pra ser de outro.
  Bati com os punhos fechados na parede de tijolos me fazendo tremer de dor. Naquele momento eu sentia muita raiva: raiva por ter deixado Liam me arrastar para aquele lugar, raiva de ver nos braços de outro e o pior, raiva de mim mesmo por amá-la tanto.
  Ouvi a porta pesada fechando ao meu lado, provavelmente era Liam que vinha me procurando. Nem me dispus a olhar para o lado, sabendo quem eu ia encontrar então, continuei com a cabeça encostada na parede sentindo o frio cortar meu rosto.
  - Noite difícil?
  A voz era feminina, sensual demais para ser ignorada. Assim que olhei para frente encontrei uma mulher, com belas pernas realçadas por um pequeno vestido preto. Como ela conseguia não morrer de frio com tão pouca roupa? Ela encostou o na parede do outro lado, só então percebi que sua maquiagem estava borrada. Ela havia chorado.
  - Briguei com meu namorado – ela começou a falar sem que eu sequer perguntasse - E ele resolveu beijar a primeira vagabunda que apareceu na sua frente – os olhos dela eram tão verdes quanto os meus, os cabelos negros como eu nunca havia visto. Olhei mais para baixo e observei o corpo escultural que ela exibia em poucos panos. Linda! – Na verdade, agora ele é meu ex namorado – ela deu de ombros.
  - Bem vinda ao clube – sorri sem vontade para ela.
  - Sou Blanda – Ela chegou mais perto até que nossas mãos se tocassem – Blanda Levin.
  - Eu sou Harry – me limitei a dizer apenas o primeiro nome.
  - Quer sair daqui Harry? – ela abraçou os próprios braços tentando se esconder do frio.
  - Um café pra esquentar, talvez?! – disse sentindo o frio incomodar finalmente.
  Blanda limitou-se a balançar a cabeça aceitando o convite. Sem avisar ninguém andamos até a cafeteria mais próxima. Conversamos sobre tudo, menos sobre amor, e talvez por isso, a noite fora tão agradável.
  Aquele era o inicio de minha amizade com Blanda.

Capítulo 8 - Samy.

  Música do capítulo: Link

  A TV soava baixa em um programa de fofoca qualquer, o assunto não poderia ser outro a não ser o possível novo affair de Harry Styles. A moça, que tinha o nome esquisito, tivera a vida toda vasculhada pela mídia, por isso, eu já sabia que Blanda era uma artista plástica, filha de um magnata inglês.
  Era doloroso assistir aquilo e ver as fotos dos dois juntos enquanto a apresentadora narrava as inúmeras vezes que Harry havia sido flagrado com ela, em uma semana. Era como se os dois fossem inseparáveis. Parte de mim sentia-se ofendida por ele já estar com outra pessoa, a outra metade sentia-se triste com aquele romance, mas a culpa era minha afinal, Harry estava solteiro agora. Estava solteiro porque eu tinha terminado com ele.
  Tudo o que eu poderia querer em meio aquela avalanche de coisas era que Blanda cuidasse bem dele.
  Senti o controle remoto ser tirado da minha mão para que a televisão fosse desligada em seguida. Olhei feio para o atrevimento de Andrew, eu nunca me acostumaria a presença dele em minha casa.
  - Não adianta se torturar com isso, – ele estendeu uma xícara de café para mim – Você precisa esquecer isso – Andrew apontou para a TV desligada – E viver.
  - Viver quando eu não posso sair de casa enquanto um louco está lá fora a minha procura? – alisei a cabeça de Samy que tinha ficado perto de mim o dia inteiro – Ótima ideia!
  - Você pode sair – ele tomou um gole do seu café e sentou no braço do sofá em que eu estava sentada – Desde que me leve junto.
  - Sei, proteção – revirei os olhos – Era mais feliz quando não precisava dela.
  - Sinto muito – ele deu de ombros.
  Andrew chegou perto de mim até que estivéssemos lado a lado, com cuidado ele levantou a mão livre e passou delicadamente em meu rosto. O toque dele era quente, mas me deixava pouco confortável. Era protetor, mas ao mesmo tempo receoso. Não era como quando Harry me tocava, ninguém conseguia ser igual a ele. Cheguei meu corpo para trás afastando-me da mão de Andrew.
  - Alguma notícia do açougueiro? – mudei de assunto evitando o constrangimento do momento, bati com a mão no espaço que havia entre nós no sofá para que Samy ocupasse o lugar entre a gente.
  - Não – Andrew voltou a olhar para a xícara, um pouco constrangido – Ao que parece ele não age há um tempo.
  - Isso é bom, certo?
  - Não – ele levantou o olhar para mim um tanto quanto preocupado – Isso significa que ele está com a atenção voltada apenas para você.
  - Animador! – mal dei ouvidos as últimas palavras dele, por mais que eu estivesse correndo riscos nada doía mais naquele momento do que a imagem de Harry e Blanda juntos.
  Olhei mais uma vez para o televisor, meu lado perverso queria ligá-la de novo e me torturar um pouco mais, isso só fazia a voz dentro de mim gritar cada vez mais o quanto eu era estúpida por ter deixado que Harry fosse embora. Suspirei fundo tentando afastar tudo aquilo da minha cabeça, mas de nada adiantou.
  - Eu preciso lavar algumas roupas – levantei de uma vez fazendo Samy pular do sofá. Minhas roupas eram poucas, mas eu precisava ficar só e pensar em tudo o que minha vida havia se transformado, Andrew nunca deixaria que eu saísse sem ele, então minha única chance era a lavanderia do prédio – Se me der licença primo.
  - Vou com você – Andrew levantou pronto para abrir a porta.
  - Não precisa, eu consigo descer as escadas sozinha até a lavanderia – meu sarcasmo fez com que ele fechasse a cara, mas eu sorrir fazendo ele rir junto.
  - As ordens de cima são que eu nunca a deixe sozinha – ignorei o loiro e fui até o banheiro buscar as roupas no cesto – Nunca - ouvi-lo gritar dando ênfase a palavra.
  - Tudo bem – voltei para a sala passando a mão pela coleira do meu cachorro – Vou levar o Samy - Vi o homem em minha frente revirar os olhos – Por favor, eu preciso ficar um pouco só. E qualquer coisa eu te telefono, ou coisa parecida.
  - Ok – ele levantou os braços mostrando que eu havia ganhado – Mas se alguma coisa, qualquer coisa, acontecer você grita ou me liga, dá qualquer sinal que eu vou te buscar.
  - Pode deixar, senhor – brinquei aliviada por finalmente ter um momento só meu. Chamei por Samy que me acompanhou satisfeito até o andar subterrâneo do lugar.
  A lavanderia estava vazia e a não ser pela única máquina ligada não era possível ouvir barulho algum. Encolhi meu corpo sentindo um frio incomum e andei até a máquina mais próxima para despejar minhas roupas, sem ao menos me preocupar em separá-las por cor.
  Antes que eu fechasse a tampa ouvi Samy latir para a porta que dava acesso a um cômodo inútil, e que sempre estava trancada. Ele arranhava e cheirava como se quisesse descobrir algo por trás dela. O cão ficava cada vez mais inquieto: pulava, cheirava e latia para porta. Um calafrio percorreu minha espinha e antes de colocar a roupa para bater fui até a lá, para verificar o que tanto incomodava meu cachorro.
  Hesitei um instante, meu lado racional não conseguia pensar direito. Aquele cômodo estava trancado há muito tempo, e ao que consta nem a administração tinha a chave, logo era impossível que houvesse alguém ou qualquer outra coisa lá dentro. Mas por desencargo de consciência e por ver Samy tão agitado virei a maçaneta da porta, apenas para constar que ela realmente não abria.
  - Você anda assistindo muito filme de terror garotão – alisei o pelo do cachorro que ainda chorava e arranhava a porta – Não tem nada ali Sam.
  Bati minhas mãos, vencida, deixei que ele continuasse sua loucura com a porta e coloquei a máquina pra funcionar. Sentei em uma cadeira que ficava em um canto da lavanderia, abaixei minha cabeça até meu colo fechando meus olhos. Logo minha mente viajou por toda a confusão que eu tinha me tornado. Era como se minha vida tivesse sido tirada de mim aos poucos: minha paz, meu amor e até o direito de ser mãe haviam sido roubados de mim.
  Passei a mão por minha barriga, agora vazia, imaginando o quão grande ela estaria se aquele horror não tivesse me acontecido. Se. Minha vida estava cheia desses malditos “se”. Se eu na tivesse aceitado o emprego com a banda, não estaria aqui acuada e presa. Se eu não tivesse conhecido Pedro não teria perdido o meu bebê, e hoje ao invés de estar sentada aqui assustada eu estaria me preparando para ser mãe e ter uma família ao lado de Harry.
  Muitas hipóteses para uma vida sofrida.
  Ouvir os latidos de Samy ficando mais fortes e com a cabeça ainda baixa pedi para que ele ficasse quieto, mas o cão rosnava mais alto alternando com latidos descontrolados. Isso era anormal de Samy, que geralmente era tranquilo. Levantei a cabeça para entender o que estava acontecendo, e no instinto olhei para a porta que ele tanto implicara no começo, mas para meu espanto dessa vez ela estava completamente aberta. No impulso consertei meu corpo em sinal de alerta, meu coração já estava disparado sem ao menos saber o que de fato estava acontecendo. Mais uma vez olhei para Samy que latia em outra direção agora.
  Vasculhei o lugar com os olhos encontrando uma figura em pé de frente a máquina com minhas roupas. Senti meu corpo paralisar e meu cérebro enviar um alerta de perigo. A pessoa usava moletom preto mais largo que o normal me impossibilitando de identificar se era homem ou mulher, o boné por baixo do capuz da blusa tampava o rosto não me permitindo ver quem era. Minha vontade era sair correndo, mas sabia que a qualquer movimento eu seria atacada. Como um predador que vigia sua vitima. Meu corpo tremia por completo e a voz havia sumido. Aquele não era o açougueiro, isso eu sabia, mas meu intuito dizia que ele estava ali para me levar até o psicopata.
  O estranho deu um passo em minha direção e, de forma muito rápida, Samy avançou em sua perna mordendo o sujeito fazendo-o cair no chão e me dando a possibilidade de fugir. Corri torcendo para encontrar qualquer pessoa pelo corredor, subi as escadas o mais rápido que conseguia. O ar já faltava e antes que eu pudesse gritar por Andrew senti uma mão puxar meus pés, me fazendo cair e batendo no degrau. Comecei a me debater e chutar a pessoa que me agarrava, mas ele era forte e por mais que o machucasse ele não me soltaria.
  Finalmente o estranho imobilizou meu corpo, tentei gritar, chamar por socorro, mas minha voz não saia por causa do medo. Percebi que tudo estava acabado quando ouvi a risada de vitória por trás do capuz. Uma risada masculina que eu poderia jurar conhecer.
  Fechei os olhos, derrotada, pedindo que dessa vez tudo fosse mais rápido ou que no final eu realmente estivesse morta. Uma parte de mim, a que não tinha mais esperança, suplicava que aquilo tudo terminasse de uma vez por todas e que, dessa vez, eu não guardasse nenhum tipo de lembrança. Naquele momento eu estava me entregando a morte.
  Mas antes que meu sequestrador me levasse ouvi Samy rosnar e mais uma vez pular no homem, abri os olhos e vi que meu cachorro sangrava por causa de algum ferido do confronto anterior. O cão estava raivoso e com uma força incomum conseguiu arrastar o corpo do homem para longe de mim, fazendo-o rolar escadas a baixo. Samy não desistiu e desceu até o homem na tentativa de mordê-lo mais, sem pensar ergui meu corpo dolorido e subi as escadas o mais rápido que conseguia.
  Cheguei ao meu andar ainda incapaz de falar qualquer coisa, corri até a porta de minha casa esmurrando desesperadamente para que Andrew a abrisse rápido. E foi o que aconteceu, não demorou nenhum segundo para o rosto aflito do policial aparecer em minha frente.
  - Que porra é essa? – entrei fechando a porta por trás de mim me deixando cair por exaustão. Andrew abaixou em minha frente analisando se eu estava machucada – Da pra me responder o que tá acontecendo pelo amor de Deus? – ele me sacudiu quando viu que eu era incapaz de responder – Puta que pariu , o que aconteceu?
  - Alguém – minha voz finalmente saiu de maneira falha – Alguém na lavanderia tentou me sequestrar. Todo de preto e um boné que tampava o rosto – eu falava tudo sem coerência alguma – O Samy atacou ele para que eu fugisse. O Samy...
  Andrew me puxou até o sofá, e correu até o quarto que ele estava hospedado. No mesmo segundo ele voltou deixando uma arma em minhas mãos e só de ver o objeto meus olhos arregalaram de pavor. Eu não sabia usar aquilo. Por que ele estava me entregando aquilo?
  - Fica aqui dentro – Andrew conferiu o pente da arma que estava em sua mão – Eu vou atrás do sujeito, ele não deve tá longe – ele correu até a porta e antes de sair – Tranca essa porta e fica quieta aqui dentro. Aqui você vai estar segura, mas se alguém estranho entrar não hesite em usar a arma. Se eu não voltar em uma hora liga pro Phil – mais uma vez olhou para mim antes de sair – Promete que não vai sair daqui até eu voltar.
  Balancei a cabeça concordando e assim que o fiz ele saiu apressado escadas a baixo. Eu não me sentia nem um pouco segura ali, minha cabeça doía e meu corpo estava fraco. Olhei para arma e me senti inútil com aquilo em mãos, coloquei ela de lado e ignorando as ordens de Andrew peguei minha chave do carro saindo apressada para o elevador. Só teria um lugar no qual eu me sentiria bem agora.
  Play aqui!
  Passei pelo hall notando que não havia ninguém na portaria, entrei no meu carro e sai depressa dali. Dirigi ainda em estado de choque de uma maneira nada segura. Em menos de quinze minutos eu já estava estacionada em frente a casa grande do bairro de luxo, sem pensar sai correndo do meu veículo e toquei a campainha desesperada para encontrar com ele. Desesperada para me acalmar. A porta só foi aberta da segunda vez e, ao invés de Harry era Blanda quem tinha aberto para mim.
  A morena era mais bonita pessoalmente do que pela TV, o sorriso simpático desapareceu quando ela olhou para minha expressão aterrorizada. Passei a mão pelo cabelo me sentindo uma estúpida por estar parada na frente da casa de Harry sendo recebida pela sua atual namorada.
  - Desculpa, eu não deveria ter vindo – falei sentindo a vontade de chorar subir por minha garganta. A ficha tinha finalmente caído e o perigo que eu tinha passado estava ficando claro em minha cabeça finalmente.
  - Você deve estar procurando o Harry, ele precisou sair pra comprar os ingredientes pro jantar – ela falava, mas me olhava preocupada. Eu dei um passo pra trás e antes que eu fosse embora senti a mão dela segurar meu braço sutilmente, me fazendo parar – Você quer entrar e esperar por ele?
  - Não, tá tudo bem – discretamente retirei as mãos dela de mim – Eu não devia ter vindo. Desculpa mais uma vez.
  - Você parece um pouco pálida, não posso deixar você sair daqui assim – Blanda deu um passo em minha direção e por mais que ela fosse simpática comigo eu não queria um contato maior com ela - Entra e espera pelo Harry, ele não deve demorar muito mais.
  - Não – andei para longe dela – Esquece eu estive aqui.
  Deixei Blanda na porta sem saber o que de fato estava acontecendo, minha cabeça rodava e eu não tinha condição alguma de dirigir. Decidi andar sem ao menos saber para onde, pelo menos o ar fresco me fazia sentir um pouco melhor. Andei por volta de cinco minutos deixando as lágrimas descerem por meu rosto.
  - Hey, ! – ouvi a voz conhecia vindo por trás de mim. Virei –me observando Liam correr até minha direção, eu tinha esquecido de que ele era vizinho de Harry – Eu sabia que era você. Senti sua falta – Liam aproximou-se me olhando intrigado quando viu que eu estava chorando – Tá tudo bem?
  Neguei com a cabeça chorando mais, ele não perguntou mais nada apenas me abraçou forte. Era bom sentir o abraço de alguém amigo depois de tudo que acontecera naquela noite. Depois de alguns segundos Liam me guiou até sua casa, me fazendo contar tudo o que havia acontecido.
  Mesmo sabendo que era errado despejei toda a história para ele. Vi o rosto de Liam contorcer em pavor, me olhando preocupado depois de ouvir tudo. Contei o motivo pelo qual eu larguei Harry e o fiz prometer que ele não contaria nada para o amigo, para a segurança de ambos. Ouvi meu celular tocar e quando vi que era Andrew pedi que Liam atendesse para dizer que eu estava segura.
  - Ele está puto com você – Liam disse me entregando o celular – Mas deixou que você dormisse aqui essa noite, nós concordamos que vai ser melhor. Ele não conseguiu achar o cara que te perseguiu – ele segurou minha mão – Parece que ninguém no prédio viu alguém estranho entrar. A policia está indo para lá investigar melhor e Andrew os convenceu de deixar você descansar hoje e dar depoimento só amanhã.
  - E o Samy?
  - Sinto muito – Liam deixou que minha cabeça se reencostasse em seu ombro – Quando Andrew chegou o Samy já estava morto.
  - Não! – deixei as lágrimas escorrerem em luto pelo meu cachorro.
  Samy tinha sido meu companheiro por muitos anos, e hoje tinha morrido por me salvar. Eu sentiria muita falta do meu cachorro.
  - Vamos, vou te levar até o quarto – ele levantou me puxando para o andar de cima.
  Troquei minha roupa por uma blusa de Liam que me serviria de pijama, enfiei-me nas cobertas sentindo o conforto da cama de hóspede de meu amigo. Busquei observar todos detalhes do quarto tentando pensar em outra coisa que não fosse o cara de moletom preto e meu cachorro assassinado. Ouvi os passos pela escada aproximando com cautela, sentei melhor na cama esperando que Liam aparecesse com a sopa que ele havia prometido... Mas a pessoa que surgiu na porta era outra, e só de vê-lo eu sorri.
  - Harry – o observei entrar fechando a porta do quarto com o pé, já que tinha uma bandeja em suas mãos – O que você está fazendo aqui?
  - O Liam me ligou dizendo que você estava se sentindo mal – ele sentou ao meu lado colocando a bandeja entre as minhas pernas – Eu vim assim que eu soube. O que você está sentindo?
  - Muita dor – não era mentira – E um pouco de tontura.
  - Eu vou cuidar de você – ele sorriu discretamente enquanto enfiava a colher na tigela de sopa – É sopa enlatada, sabe como é né? Liam é um péssimo cozinheiro.
  - Tudo bem – abri a boca para receber a colherada que Harry me dava – Você deveria estar em casa, com a sua namorada, não aqui comigo.
  - Ela não é minha namorada – ele me olhou ríspido buscando mais um pouco de sopa – Pedi que a Blanda fosse para casa, disse que tinha uma amiga precisando de mim hoje – a palavra amiga saiu de um jeito estranho da boca dele, como se ela não se aplicasse a nós - Estou onde eu gostaria de estar, não sei se você lembra, mas foi você quem terminou comigo.
  - A gente pode esquecer isso por hoje? – ele balançou a cabeça concordando e dando o sorriso torto que eu tanto amava.
  - Você acha que essa tontura pode ser – ele engoliu em seco antes de continuar a falar – Gravidez?
  A sopa caiu como uma pedra em meu estomago, o que mais me surpreendia era a ponta de esperança que eu via em seus olhos incrivelmente verdes.
  - Não – dei de ombros observando ele baixar o olhar para a sopa – Nem uma chance de ser gravidez.
  - Eu ainda não me acostumei à perda do nosso filho – ele largou a colher e segurou minha mão – Foi por pouco tempo, mas eu me apeguei a ele. Eu realmente queria ser pai.
  - Eu sei como é – fiz círculos com o meu dedo em sua mão, era bom tocar nele outra vez – Acho que to pronta pra dormir agora – Harry fez menção de levantar, mas eu segurei sua mão impedindo – Por favor, fica – implorei rezando para que ele aceitasse o pedido.
  - Era tudo o que eu queria ouvir
  Ele deixou a bandeja na mesa próxima a cama, tirando os sapatos antes de deitar-se ao meu lado. Senti os braços dele envolvendo minha cintura enquanto sua boca beijava minha bochecha. Estiquei o braço até o interruptor que ficava perto de mim, apagando a luz no quarto. Eu não me lembrava mais da noite terrível que tinha acabado de passar, concentrei apenas ao carinho de Harry. Era a paz que eu buscava.
  - Pode dormir agora – ele passou a mão com cuidado por meu cabelo – Eu vou cuidar de você.
  - Eu sei.
  Era como se o mede não existisse mais, aproximei meu corpo do dele sentindo o cheiro gostoso. Aproveitei ao máximo aquele momento antes que eu caísse no sono. Amanhã seria outro dia, e a única certeza que eu tinha era de que Harry não poderia estar ao meu lado.

Capítulo 9 – I had to die to finally let you go.

  Música do capítulo: Link

  O sol batia timidamente em meu rosto, devia ser cedo ainda, abri os olhos lentamente sentindo o peso de minha cabeça. A dor invadiu meu corpo, e lampejos da última noite invadiram minha mente e tudo o que o ocorrera na noite anterior voltava a minha memória: o homem da lavanderia, a minha fuga, Sammy morto e Blanda na porta da casa de Harry.
  Antes que eu pudesse me mover senti a mão de Harry apertar minha cintura, certificando-se que eu ainda estava ali, ao seu lado. Ele não tinha ido embora. Não havia me deixado para voltar para Blanda. Sorri sem disfarçar meu egoísmo, aquilo me confortava.
  Virei meu corpo com cuidado para não acordá-lo. Meu rosto estava tão próximo ao dele que eu podia sentir sua respiração, ergui minha mão para passá-la lentamente por sua pele macia. Eu não queria deixá-lo outra vez. Eu não conseguiria.
  Observei Harry abrir um sorriso após sentir minha mão sobre seu rosto, aquilo era o paraíso para mim. Instantaneamente visualizei todas as maneiras de escaparmos de tudo aquilo.
  Se eu convencesse Harry a juntar suas coisas e fugir comigo para a China tudo ficaria bem, ninguém nos encontraria por lá. Ninguém o machucaria. Balancei a cabeça tentando afastar essas ideias totalmente egoístas. Harry tinha uma família, uma carreira brilhante da qual eu não tinha o direito de privá-lo.
  Respirei derrotada, pronta para deixá-lo, mas antes que eu tirasse as mãos de Harry que ainda estavam pousadas em mim, ouvi o som abafado do meu celular vibrando sobre o móvel ao lado da cama. Olhei o aparelho dançar na escrivaninha tentando entender como ele tinha saído do meu bolso e parado ali, na verdade isso pouco importava eu só queria retardar a bronca que Andrew iria me dar. Porque eu sabia que era ele, só poderia ser àquela hora.
  Consegui sair da cama sem acordar o homem ao meu lado, não olhei para a tela antes de atender. Respirei fundo, pronta para ouvir os gritos do policial do outro lado da linha, ele estaria furioso e eu não o culpava, mas ao invés da voz grave de Andrew o som que eu ouvi foi o pior que eu poderia ter escutado.
  - Garotas más não ganham presente de Natal – congelei sentindo as palpitações crescerem em meu peito. Medo. Eu conhecia essa voz como ninguém, o mesmo timbre sombrio que eu escutara há uns meses. Senti minha mão tremer enquanto grudava mais o aparelho em meu ouvido – Eu disse para você ficar longe dele – ouvi o barulho de suas unhas batendo em algo sólido – O que eu faço agora com você, ?  
  Senti minhas pernas fraquejarem, não conseguia dizer nada. Não conseguia acreditar. Do outro lado do quarto ouvi Harry mexendo na cama, como indício de que estava prestes a acordar, andei até o banheiro do aposento e tranquei a porta, me encarei no pequeno espelho em minha frente e, pude enxergar o terror em minha face. Eu estava apavorada!
  - Eu sei que ele está aí com você – a voz do outro lado ficado mais intimadora, minhas lágrimas desceram – Eu poderia matá-la. Poderia matá-lo, mas prefiro fazer um jogo. Está pronta?
  Fiquei calada ainda em choque. Como aquilo estava acontecendo? Como ele tinha conseguido o número do meu telefone? Andei até encostar na parede gelada do banheiro e deixei que meu corpo deslizasse até o chão. Eu podia desligar, mas não conseguia. Eu estava congelada. Não tinha reação alguma.
  - Eu perguntei se você está pronta, – a voz do açougueiro era pausada, como se ele tentasse controlar a raiva que tinha de mim – Quero uma resposta. Agora – meu estômago embrulhou ao ouvir aquilo – Vamos jogar: sim ou não?
  - Eu não quero jogar nada com você – minha voz saia trêmula e fraca, eu ainda tinha o cuidado de falar em uma altura razoável para que Harry não escutasse do outro lado.
  - Teimosa como sempre – ouvi a risada seca dele acompanhada de um barulho agudo e alto, como se um objeto metálico estivesse sendo arrastado em uma superfície dura – Você vai fazer o que eu mandar, porque é assim que eu quero ou senão...
  - Senão o quê? – uma coragem falsa tomou conta de mim, eu não queria que ele soubesse que eu estava largada no chão de um banheiro porque não podia sustentar o peso do meu próprio corpo, por puro medo.
  - Eu adoro quando você fica brava – ele fez um barulho alto, como se tivesse farejando meu cheiro no ar - Mas não tenho tempo para suas gracinhas. Quero te apresentar a uma pessoa – a voz dele era irregular. Ele estava em movimento – , conheça a Britanny.
  De repente comecei a ouvir gritos de uma mulher do outro lado da linha. A moça, que eu sabia que se chamava Britanny, gritava por socorro e pedia para não morrer. Como a mão tampei minha boca impedindo que meu próprio grito saísse dela, a garota não parava e eu conseguia ouvir o barulho de algo batendo no chão. Uma cadeira talvez. Britanny estava amarrada. Ela era uma prisioneira, sem dúvidas.
  - Então, como eu ia dizendo, nós vamos brincar – voltei a ouvir a voz do homem na linha, mas de fundo eu podia escutar os gritos desesperados da garota – É simples: você não pode desligar o telefone, não pode pedir por ajuda e nem tentar qualquer tipo de gracinha. Acredite, eu vou saber se você fizer – continuei calada, paralisada com o que estava acontecendo – Eu tenho uma faca afiada em minhas mãos e vou te fazer uma proposta, caso eu não goste do que escutar, a Brit aqui vai sofrer um pouco. É fácil, vamos brincar de Deus: se você for uma boa garota, a Britanny sobrevive, mas se você for uma garota má, ela morre. Certo?   Eu fiquei calada sentindo o enjoo em meu estômago, não podia deixar que ele machucasse a garota por minha causa.
  - Eu te fiz uma pergunta – ouvi a garota urrar de dor do outro lado, pulei de susto sentindo medo por aquela pessoa que nunca vira na vida – Ah, eu cortei o braço dela. Fundo. Eu garanto que deve estar doendo muito, mas nada disso teria acontecido se você tivesse me respondido – Britanny continuava a gritar por ajuda – Vamos tentar outra vez. Está pronta para brincar?
  - Sim – respondi rápido com medo de que ele pudesse fazer outro mal a garota do seu lado.
  - Ótimo – ouvi a um suspiro pesado dele – Eu pedi para que você não encontrasse seu namoradinho mais, porém, eu sei que ele passou a noite com você. Também sei que você o procurou ontem, por que você fez isso ?
  - Eu não sei – o sussurro saiu da minha boca, que tinha um gosto amargo.
  - Péssima resposta.
  Ouvi outro grito de dor, mas dessa vez eu tinha escutado o tapa que ele dera nela. Forte e alto, aquilo não tinha sido apenas a mão dele no rosto de Britanny, fechei os olhos aterrorizada com o que poderia estar acontecendo do outro lado.
  - Eu estava com medo depois que você mandou alguém me atacar – minha respiração estava pesada e meu peito doía – Eu precisava ver o Harry. Eu estava desesperada.
  - Isso foi um erro. Você me deixou com muita raiva . Muita raiva – ele falava devagar, saboreando as palavras que saiam de sua boca.
  - Me desculpe – eu não queria pedir perdão, mas imaginei que fosse a coisa certa.
  - Na verdade, eu cansei. Cansei de ir atrás de você, tentar fazê-la perceber que o seu lugar é ao meu lado – de fundo eu ainda podia ouvir os gritos abafados de Britanny, ele ainda a estava machucando – Sim, cansei dessa brincadeirinha nossa – ouvi os passos dele.
  - O que você quer que eu faça? – perguntei temerosa já sabendo o que viria em seguida.
  - Que você me encontre – ele colocou uma música baixa e antiga para tocar – Sozinha – eu tinha parado de chorar, mas continuava tremendo – E aí poderemos ir embora. Eu não gosto muito desse país. É muito frio. Muito cinza.
  Enquanto ele falava um filme passou por minha cabeça. Todo o tempo em que tinha passado em seu domínio, sendo torturada fisicamente e mentalmente. Os piores dias da minha vida. Algo que eu era incapaz de desejar a alguém, porém eu não me obrigaria a ir de encontro ao meu pior pesadelo por causa de uma garota que eu não conhecia. Era egoísta e mesquinho, mas eu não podia viver aquilo outra vez. Não por alguém que eu nem conhecia.
  - Se eu não aceitar sua proposta, a garota morre? – senti o peso no meu peito aumentar, eu odiava o que estava para fazer.
  Play na música.
  - Não – me senti aliviada ao ouvir aquela palavra – A Britanny vai morrer de qualquer maneira, eu menti para você – ouvi o barulho da cadeira bater ao chão com mais frequência, o desespero dela tinha aumentado ao saber do seu destino. Bati minha cabeça na parede me sentindo uma estúpida por ter acreditado que ele poderia poupá-la – Se você não vier, quem morre é o Harry – parei de respirar – Eu vou matá-lo lentamente, causando muita dor. Talvez você não se importe com a pequena Brit, mas sei que você não quer que seu namoradinho sofra qualquer arranhão nas minhas mãos.
  Esse não era um blefe, se eu não fizesse o que ele queria Harry sofreria as consequências. Não havia saída para mim. Chorei no telefone sabendo que eu não poderia escapar daquele acordo. Era verdade que eu não estava disposta a trocar minha vida pela de Britanny, uma garota inocente que teve o azar de ter sido capturada por um louco cruel, mas eu não deixaria que ele fizesse mal ao homem que eu amava. Eu morreria por Harry milhões de vezes, e era isso que eu faria.
  - Não duvido de mim , eu posso sequestrar Harry Styles. Posso fazê-lo sofrer da pior maneira possível – ouvi o barulho da faca sendo amolada – Você terá dois dias para se preparar, pegar as coisas essenciais e não tente nenhuma gracinha. Nada de policia, primo Andrew – ele sabia que Andrew estava morando comigo. Como? – E nenhuma tentativa de fuga – os gritos de Britanny aumentaram, ela estava prestes a morrer. Fechei meus olhos tentando afastar a cena terrível de minha cabeça – Esse é o nosso segredo, se alguém mais souber, eu mato o seu garoto – mais gritos do outro lado, dessa vez eram de dor, como se algo estivesse cortando a pele de Britanny. E estava – Eu mandarei o endereço de onde me encontrar.
  - Que garantia eu tenho de que você não vai fazer mal a ele antes do meu prazo acabar?
  - Nenhuma, mas você não quer se arriscar, não é?
  Antes que eu respondesse ouvi o metal cortar algo do outro lado da linha. Vomitei tudo que estava em meu estômago apenas por imaginar o que ele havia feito à garota que agora não gritava mais. Ele ria. Ria por saber que eu tinha escutado a morte de Britanny. Ria por ter matado mais uma pessoa inocente. Porque era isso o que ele gostava. Era isso que dava prazer a ele. A morte era sua melhor amiga.
  - Eu tenho pessoas de olho em você e no Harry, eu posso ser muito ruim, pior do que você imagina – chorei mais – Dois dias, nada mais.
  Ouvi o telefone sendo desligado enquanto eu continuava a despejar minhas frustrações no vaso em minha frente. Chorava alto, sem me importar com as batidas fortes vindas da porta. Eu tinha que ir embora. Eu precisava correr pra algum lugar que ninguém me achasse.
  - , abre a porta – levantei e caminhei até o espelho jogando água em meu rosto pálido enquanto ouvia um Harry preocupado do outro lado da porta.
  - Já vou! – gritei tentando acalmá-lo.
  Olhei outra vez minha imagem, eu estava um lixo, mas aquilo tinha que servir. Sequei as lágrimas não conseguindo disfarçar os olhos vermelhos, enfiei meu celular no bolso da calça escondendo minhas mãos que ainda tremiam. Abri a porta para encarar o rosto desconfiado de Harry me observando.
  - O que aconteceu?
  - Eu me senti um pouco mal, só isso.
  - Você estava chorando? – neguei com a cabeça tentando segurar as lágrimas que queriam voltar – Tem um tal de Andrew lá embaixo te esperando, ele diz ser seu primo.
  Olhei o semblante de raiva de Harry, ele tinha visto Andrew na boate comigo e eu sabia que ele não tinha uma boa afinidade com ele. Dei um passo para frente, mas antes que eu pudesse ir embora senti as mãos dele segurar minha cintura. Nossos corpos estavam próximos demais, eu podia sentir cada centímetro dele encostar-se a mim. Olhei os olhos verdes que eu tanto amava, era a última vez que eu faria aquilo então não reprimir meu impulso.
  Segurei a nuca dele com força puxando sua boca pra a minha. Beijei Harry com paixão, depositando todo meu sentimento por ele naquele beijo. Senti a mão dele descer por minha coluna, se aventurando em meu corpo. Gemi com o calor de sua pele na minha.
  - Não – Me afastei dele de uma vez, por medo de que aquilo fosse longe demais – Eu preciso ir.
  - Não precisa – ele segurou meu pulso tentando me fazer ficar – Fica comigo. Volta pra mim.
  Eu queria, mas não podia. Se isso acontecesse era o fim de Harry,só de pensar no que o monstro poderia a ele minha respiração parava. Era doloroso imaginar meu mundo sem ele. Era totalmente impossível.
  - Eu preciso ir embora.
  Soltei minha mão em um gesto ríspido, e caminhei para longe. O mais rápido que conseguia. Não olhei para trás, por não ser capaz de suportar ver Harry decepcionado outra vez comigo. Assim que fechei a porta ouvi algo sendo quebrado no quarto e em seguida um grito de raiva do homem que eu tinha deixado para trás. Era meu dom deixar pessoas com raiva. Engoli em seco tentando não chorar. Era isso, o fim.
  O fim meu e de Harry. O meu fim.
  “Dois dias, nada mais”, a frase ecoou em minha cabeça provocando náuseas, e como um produto qualquer de repente eu tinha data de válida.

Capítulo 10 – Caminho sem volta.

  Música do Capítulo: http://www.youtube.com/watch?v=bEBzek5Hi_s

  POV Harry.
  Olhei mais uma vez para o quarto vazio em minha frente, a sensação de solidão pulsava em mim. Já havia andado por todos os lugares da minha casa, mas nenhum parecia fazer sentido. Suspirei vencido, deixando que meu corpo caísse em cima da cama cuidadosamente arrumada. Quem eu estava tentando enganar? Não era a casa que estava errada, era a minha vida que não fazia sentido mais.
  Harry Styles, astro internacional querido por 9 entre 10 mulheres do mundo era na verdade uma bagunça. Um nada. Passei a mão no meu cabelo, na esperança de que o gesto fizesse minha dor passar. Inútil. Nada faria aquilo passar: aquela agonia que crescia a cada segundo que eu me lembrava de que ela havia ido embora. Eu precisava beber e deixar que o álcool lavasse todas as lembranças, mas eu não tinha vontade. Talvez, se eu colocasse no papel tudo o que eu sentia melhorasse, mas eu não tinha vontade.
  Minha única vontade era de aninhar em meus braços, para sempre, mas isso, não aconteceria mais. Três vezes abandonado e só agora eu tinha a certeza de que o adeus era definitivo. No fundo da minha tristeza, eu percebia agora era para sempre. Lágrimas desceram por meu rosto e eu me sentia um idiota por estar tão vulnerável, por chorar por alguém que tinha me dispensado tantas vezes.
  Doía mais quando eu pensava na última vez que a tinha visto: frágil, com medo e sem nenhum brilho no olhar. Saber que algo estava errado e não poder fazer nada por era pior que saber que ela não me amava mais.
  Quando isso vai passar? “Nunca” ecoou em minha mente, perturbando ainda mais meus sentimentos.
  - Harry, você está bem? – ouvi a voz de Blanda vinda da porta, não levantei a cabeça para encará-la, tentei limpar as lágrimas antes que ela pudesse chegar mais perto – Eu bati, mas você não respondeu, precisava ver como você estava depois de ontem.
  - Não sou a melhor pessoa nesse momento – senti o colchão afundar um pouco quando Blanda sentou-se ao meu lado – Ela estava tão frágil que eu não consegui deixa-la. Passei boa parte da noite sentindo o corpo dela tremendo. E hoje, ela me expulsou outra vez. Eu não entendo.
  - Eu percebi o quanto ela estava atordoada quando veio te procurar, eu quis fazê-la esperar, mas ela fugiu – senti o corpo de Blanda finalmente deitar ao meu lado – Ela pediu para que eu cuidasse de você, eu queria ter explicado tudo, mas ela não me deu tempo. Desculpa.
  - Não culpo por acreditar nas fofocas – olhei para a mulher que me encarava – No passado eu não fui um bom namorado para ela. Por medo do que eu sentia, tentei fugir e acabei me seduzindo pela pessoa errada. Não adiantaria dizer a ela que somos apenas amigos.
  - Amigos que se beijam – ela brincou tentando descontrair o clima.
  - Eu sou um homem apaixonado Blanda, mas não sou de ferro, você é linda e eu estou carente – ela deu de ombros como se não fosse a primeira vez que ela ouvia aquilo – Os beijos eram meu prêmio de consolação.
  - Muito romântico ouvir isso – ela não tinha levado aquilo como ofensa.
  - Eu disse que não era a melhor pessoa no momento.
  Ouvi a risada de Blanda preencher o espaço. Ela era a minha companhia desde que tínhamos nos encontrado naquele beco sujo atrás da boate. A linha da amizade nunca tinha sido ultrapassada, mas não era bem isso que circulava nos tabloides e revistas especializadas em sugar minha intimidade. Blanda tinha se tornado minha melhor amiga, ou seja, a pessoa que ouvia pacientemente minhas lamúrias a respeito de . Nunca se importara em me dar conselhos e até demostrava bastante curiosidade sobrea garota que eu amava. Era um alívio poder desabafar com alguém sem me sentir um completo idiota, até porque meus companheiros de banda não conseguiam mais lidar com minha depressão. Até o Sheeran tinha escrito a música mais triste do mundo baseado em minha tristeza.
  Então, em meio aquela bagunça toda Blanda era meu oásis. E por mais que eu quisesse sentir algo por ela, não conseguia. Já sentia um algo muito maior por . Blanda também não tinha nenhum interesse amoroso por mim, até onde eu pude entender ela não amava ninguém e queria continuar assim.
  - Mas a disse o que a incomodava tanto? – senti o tom de preocupação na pergunta dela, mas ignorei.
  - Não, ela não quer me contar – cobri os olhos quando a luz entrou pelo quarto, Blanda havia levantado e, de uma vez, abriu as cortinas do meu quarto – Mas algo está errado, isso eu sei. Andei pesquisando na internet, mas...
  Calei no instante em que ia dizer “mas não há notícias de um serial killer atacando moças inocentes”, só que Blanda não sabia a parte da minha vida em que a mulher que eu amo já tinha sido sequestrada, torturada e quase morta por um doente que se dizia apaixonado. Não tinha intenção de dividir essa parte com mais ninguém, além daqueles que já sabiam, não por mim e nem pela banda, apenas para preservar a minha pequena.
  - Mas? – Blanda sempre se mostrava interessada quando o assunto era , era estranho, mas eu não me importava porque eu gostava de falar sobre . Era um vício.
  - Mas eu não encontrei nada relacionado a loja, aliás, Mary Margareth está indo muito bem no mercado – não era mentira, eu tinha pesquisado isso também, porém não era toda a verdade – Agora dá pra fechar essa cortina por favor?
  - Não. Entendo que você esteja depressivo, mas eu não preciso mergulhar nessa escuridão com você.
  Eu queria responder que ela estava livre para ir embora, mas ouvi meu celular tocar no bolso da calça. No impulso atendi sem ao menos olhar quem estava me ligado.
  Play na música.
  - Harry nós precisamos conversar – a voz de Liam soava do outro lado de forma bastante séria – Eu prometi a ela que não contaria, mas não posso fazer isso. É sério demais para eu me calar e nós precisamos ajudá-la.
  - Liam, eu não tô entendendo nada. Nós precisamos ajudar quem? – Blanda voltou para o meu lado atenta a minha conversa. Agora eu estava sentado, tenso, esperando que Liam continuasse.
  - . Nós precisamos ajudar a .
  Senti o ar fugir dos meus pulmões, ouvir que precisava de ajuda confirmava todos os meus temores. Como pude ser tão idiota em não pensar que Liam sabia de algo?!
  - Que droga Liam! – disse com urgência na voz, sem nem ao menos tentar esconder meu desespero – Fala de uma vez o que está acontecendo.
  - Não posso falar por telefone, é perigoso demais – ouvi a voz de Liam alterada também, o que não me acalmava nenhum um pouco – Eu estou a caminho da sua casa agora.
  Desliguei sem me despedir de Liam, em um pulo sai da cama e aos tropeços desci até a sala, como Liam morava bem próximo a mim ele não demoraria mais que dois minutos para chegar a minha casa. Minha mente estava frenética tentando de todas as maneiras decifrar o que poderia estar acontecendo com , tudo passava por minha cabeça, mas apenas um nome insistia em aparecer: açougueiro.
  Mas não podia ser, como que um psicopata de tamanha crueldade conseguia ficar escondido sem que ninguém soubesse? Onde estava a mídia quando ela precisava ser útil de verdade?
  - Harry, pelo amor de Deus você está pálido – ouvi a voz de Blanda atrás de mim, eu havia me esquecido que ela ainda estava ali – O que aconteceu? É a ?
  - É, eu ainda não sei Blanda – me virei para ela – O Liam está vindo para cá nesse exato momento, sinto muito, mas essa será uma conversar particular.
  - Eu entendo – seus olhos mostravam decepção – Eu vou embora, mas qualquer coisa é só me ligar. Tudo bem?
  - Obrigado.
  Liam chegou no mesmo instante em que a garota saia, ele não esperou que eu o convidasse a entrar. Eu o encarei apreensivo, nós dois estávamos tensos. Eu por medo de saber a verdade e Liam com medo do que contaria. Respirei fundo buscando o ar que insistia em me faltar, sem qualquer tipo de incentivo Liam começou a falar:
  - Antes que eu te conte tudo, você precisa saber que você está correndo perigo – a voz de Liam era trêmula – E foi por isso que a se afastou, era a condição para...
  - Para quê, Liam?
  - Para te manter vivo Harry – engoli em seco sentindo meu corpo enfraquecer um pouco, eu sentaria se não estivesse tenso demais para aquilo – A se afastou para que você não se machucasse, e eu estou com muito medo de estar fazendo a coisa errada, mas eu não podia me calar depois de tudo o que escutei ontem.
  - Liam, por favor, fala logo – sentei não suportando mais o peso das minhas pernas.
  Então Liam começou a falar tudo o que ele ouvira de na noite passada, a cada palavra meu coração disparava mais. Minha cabeça latejava e eu não conseguia acreditar que nesse tempo todo em que eu tinha pensado que não me amava mais ela estava, na verdade, me protegendo. Fui um idiota por me afastar tão facilmente enquanto ela vivia todo aquele horror de novo. O nó crescia em minha garganta, eu tinha medo. Medo, mas não porque eu estava sendo ameaçado – mesmo que eu não soubesse do perigo até aquele momento – meu medo era de perder a mulher que eu amava.
  Coloquei minha cabeça entre os joelhos, ouvindo Liam contar toda a história que eu não queria escutar, mas que eu precisava ouvir. Meu pai costumava dizer que um raio não caia duas vezes no mesmo lugar, e agora eu via que ele sempre esteve errado. Um misto de sentimentos me invadia, e sem aguentar mais eu chorei.
  Chorei por quão injusta a vida se mostrava. já tinha perdido tanto e agora ela estava prestes a perder mais. Como se o sofrimento passado não tivesse sido o bastante. Queria pedir a Deus que me desse uma luz para saber como fazer para protegê-la, mas naquele momento eu não tinha certeza se confiava em Deus.
  - Eu não entendo – disse depois que percebi que Liam estava calado a um bom tempo – Como ninguém soube que esse monstro estava aqui. Se ele fez tantas vítimas, como ninguém sabe disso?
  - O FBI não vazou a fuga do açougueiro porque teria que admitir um erro gigante, já que o homem preso era inocente. Eles vieram para Londres para trabalhar em conjunto com a Scotland Yard, e até onde eu sei – Liam sentou-se de frente a mim- O acordo dos dois foi manter o caso em total sigilo. Não foi vazada nenhuma informação das vítimas porque a própria policia alterou alguns detalhes dos assassinatos. Ninguém conseguiria associar aqueles homicídios ao açougueiro.
  - Mas para que omitir que um psicopata estava atacando na cidade?
  - Não sei – ele deu de ombros – Para evitar o pânico, eu presumo.
  - Isso não evita nada o meu pânico.
  - Agora que você sabe de tudo – Liam esticou um cartão para mim com um endereço escrito – É melhor você ir atrás dela. Aqui o endereço do hotel que está, o Andrew me passou hoje sem que ela percebesse. Ele achou que a poderia precisar de um amigo enquanto estivesse lá.
  - Eu vou lá agora – estiquei a mão para alcançar o papel, senti minhas lágrimas rolarem pelo rosto. Não tinha percebido que continuava chorando.
  - Não vou deixar você ir sozinho – eu iria protestar, mas Liam não deixou que eu falasse – É perigoso, além disso, você não está em condição de dirigir – ele levantou-se e andou até a porta – Só me dá um minuto para buscar um casaco e o carro. Ok?
  Balancei a cabeça concordando, não estava com frio e por isso não fiz menção de buscar nenhum casaco, só continuei ali, sentado e pensando em tudo o que tinha passado sozinha, esperando ouvir a buzina do carro de Liam do lado de fora. Só que antes de qualquer barulho de carro, escutei passos atrás de mim, me virei devagar rezando para que eu tivesse escutando demais.
  - Não queria te assustar – a voz conhecida me fez ficar mais tranquilo.
  - Como você entrou aqui?- Perguntei me dando conta da estranheza da situação.
  - Porta dos fundos – a voz era calma, mas tinha algo errado – Você nunca tranca – encarei a pessoa com desconfiança – Eu ouvi toda a sua conversa com ele, e não posso deixar você se encontrar com a – sua mão, que estava escondida atrás do seu tronco, revelou-se segurando um grande pedaço de madeira – Minha função é te vigiar. Não posso deixar você chegar até ela.
  - Por que você está fazendo isso? – levantei tentando me afastar, mas a pessoa já estava próxima demais de mim. Tropecei na ponta do tapete, dando mais facilidade para que ela chegasse perto de mim. Eu não conseguiria fugir.
  - Porque eu trabalho para ele – então vi o sorriso sendo aberto. Satisfação – O açougueiro. Ele é meu chefe.
  Muito rápido vi a madeira descer até minha cabeça. Senti a dor se alastrar por minha cabeça, a escuridão demorou um pouco para chegar. Eu não conseguia me mexer, mas ainda podia ouvir:
  - Me ajude a tirá-lo daqui – a voz conhecida dizia para outra pessoa – O fofoqueiro do amigo dele já vai chegar, e nós precisamos do Harry para que o mestre conclua seu plano.
  - E depois nós podemos mata-lo? – outra voz que não me era estranha se fez ouvir.
  - Sim. Nós iremos matá-lo depois.
  Então eu não escutei mais nada. Não senti mais nada. Mergulhei na escuridão.
  POV Harry off.

  Andrew não saia do meu lado, já tinha sido difícil convencê-lo a sair do hotel comigo, e seria mais difícil conseguir comprar o que eu precisava. A feira orgânica era o lugar preferido da minha mãe em Londres, ela sempre me levava à ruela composta por tendas e barracas que vendiam as mais diversas hortaliças e verduras, dizia que eu precisava ter uma alimentação saudável em uma cidade tão louca igual a nossa. Claro que eu nunca tinha ido a feira depois que minha mãe havia mudado com meu pai, até hoje. Não estava em busca de nenhuma verdura ou qualquer outro tipo de comida, mas sabia que o que eu precisava podia ser encontrado ali.
  - Por que estamos aqui mesmo? – Andrew disse observando o lugar incomum na capital.
  - Porque esse lugar me relaxa, me faz lembrar minha mãe – foi a primeira mentira que me veio a cabeça, mas parecia que Andrew tinha aceitado – E, eu preciso comprar flores – ele me olhou de maneira interrogativa – Eu tenho o direito de enfeitar aquele quarto de hotel, não é?
  Andamos mais um pouco por entre os feirantes, até chegar a tenda de castanhas. Onde eu queria chegar. Sabia que o velho Owen nunca deixava uma pessoa ir embora de sua barraca até que ela tivesse provado de todas as suas iguarias, seria uma boa distração para Andrew até que eu comprasse o que realmente precisava. Parei de frente a barraca dando uma castanha para Andrew experimentar, chamando a atenção do senhor Owen para o rapaz. O velho começou uma conversa chata sobre castanhas com Andrew, ele não terminaria ali tão cedo.
  Antes de me afastar mostrei a Andrew a barraca de flores que ficava próxima demais de onde ele estava, por isso, não tive problemas em ir para lá sozinha. Por trás de todas as flores, estava a velha estranha e que me causava arrepios desde que eu era pequena, só por causa da vendedora de olhos cinzas.
  Eu era a única cliente ali, o que fazia a velha olhar apenas para mim. Ela sorriu mostrando alguns poucos dentes e eu desviei minha atenção para as rosas amarelas ao meu lado.
  - Precisa de ajuda mocinha? – a voz aguda da velha era tão arrepiante quanto eu me lembrava.
  - Uma dúzia dessas rosas – eu disse sem me virar para ela.
  Não era de rosas que eu precisava, mas era assim que começava a conversa nessa barraca. Quando criança eu presenciei inúmeras vezes, enquanto minha mãe comprava castanhas no senhor Owen, a velha vender o produto proibido para diferentes rapazes e moças. Agora era a minha vez.
  - Problemas no jardim, mocinha? – Olhei para ela que estendia as rosas para mim, eu nem tinha percebido ela pegando as flores.
  O mito sobre a velha das flores é que ela era uma feiticeira. Uma feiticeira má. Eu não acreditava, mas diante daqueles olhos cinza e da certeza que ela sabia que algo estava errado, eu começava a duvidar de minhas convicções. Minha mãe a odiava também, e tinha me feito prometer que nunca chegaria perto da velha, infelizmente minha promessa estava sendo quebrada.
  - Preciso acabar com alguns insetos – disse de forma insegura, rezando para que ela entendesse e não me fizesse ser mais direta.
  - Sei. Insetos – ela riu sendo irônica. Virou-se e pegou dentro de sua bolsa de couro velha o pequeno frasco com o líquido roxo que eu tinha vindo buscar – Felizmente eu sei como acabar com seu incomodo linda menina – ela pegou minha mão, colocando o frasco em minha palma, a fechando com cuidado para que ninguém percebesse nosso comercio – Um gole e seus problemas estão acabados.
  Engoli em seco ao colocar o veneno em meu bolso. O remédio para matar insetos era proibido desde que autoridades tinham descoberto que muitas pessoas usavam dele para acabar com sua própria vida, mas a velha das flores nunca tinha parado de vendê-lo. Alguns dizem que ela mesma fabricava o veneno em sua casa, era a sua maior fonte de renda e por mais que ninguém comentasse todos sabiam que ela tinha sempre um frasco desses em sua bolsa.
  O veneno era perigoso porque uma gota já era suficiente para matar. Rápido e irreversível.
  - Quanto eu lhe devo?
  - Cem libras.
  Entrei o dinheiro, e antes que eu pudesse me virar senti a mão de Andrew e meu ombro.
  - A gente já pode ir? Não aguento mais comer castanhas.
  Sorri para ele enquanto tomava o caminho de volta ao hotel. Antes que pudéssemos afastar ouvi uma voz aguda falando comigo:
  - Bom descanso mocinha.
  O sarcasmo na voz dela era evidente, agradeci por Andrew não ter escutado a velha. Sem responder me virei para ela e a olhei pela última vez, de certa forma meu medo daquela mulher tinha sumido, no lugar dele eu agora nutria uma gratidão. Sim, gratidão. Bruxa ou não, a velha das flores tinha me vendido a solução para o meu sofrimento. No frasco pequeno, aquele líquido roxo era o meu descanso eterno.

Capítulo 11 – Destino.

  Música do Capítulo: https://www.youtube.com/watch?v=JKB99g0o7Vg

  Play na música durante todo o capítulo.

  Desliguei o telefone me encolhendo mais no quarto luxuoso daquele hotel, ouvir a voz dos meus pais fazia a despedida ser mais dolorosa. Fingir que tudo estava bem piorava ainda mais. Olhei pro relógio em meu pulso, constatando que me restavam exatas 24horas antes de me entregar ao inferno, eu decidira não buscar qualquer coisa minha que ainda estava no apartamento, não fazia sentindo se meus planos não incluíam sair de Londres.
  Há uma hora eu tinha recebido a mensagem de um número desconhecido indicando hora e local de encontro: “Meia-noite embaixo da ponte do parque Lincoln”. A ironia era que esse costumava ser meu parque preferido em toda a cidade. Li mais uma vez a mensagem em meu celular, tomando o cuidado de reler as recomendações de não ir acompanhada de nenhum policial, ou seja, Andrew.
  Afundei meu corpo mais na cama, em uma tentativa falha de sumir daquele lugar. Meu coração batia em ritmo acelerado e nada parecia ser capaz de fazê-lo se acalmar. Eu me sentia como um doente terminal, com data de validade. E ela estava muito perto: vinte e três horas e cinquenta e nove minutos, mas quem estava contando afinal?
  Ouvi uma batida na porta, mas a ignorei, enfiei o travesseiro fofo em meu rosto me escondendo ainda mais do mundo.
  23h58m
  Fechei os olhos buscando acalmar meus sentimentos, instintivamente o rosto de Harry apareceu em minha mente me fazendo sorrir. Cada detalhe do seu rosto ficava era nítido em minha cabeça. Meu coração aqueceu-se subitamente, o tipo de calor que só quem ama conhece. E eu amava Harry mais que a mim mesma e era por isso que eu sabia que o sacrifício valeria a pena.
  Antes que minha felicidade fosse plena senti uma mão gelada tocar meu braço, pulei assustada jogando o travesseiro para longe, para então encarar os olhos verdes de Andrew me olhando duramente. Eu havia evitado ele desde que tínhamos chegado da feira. Não só tinha evitado a ele, mas também não aceitei ver meus melhores amigos, que tinham ido me visitar. Eu não conseguiria disfarçar meu desespero, por isso eu me isolava.
  - Anos na policia me ensinaram que quando há muita paz é porque algo sombrio está para acontecer – ele me encarava ainda com sua expressão dura.
  - Eu não entendi – abracei minhas pernas me sentindo mais frágil.
  - O que eu quero dizer, – ele suspirou tentando buscar as palavras certas para me falar – É que não se tem notícia de ataques do açougueiro, você está estranha desde ontem e reclusa. Apesar do Phill achar que esse silêncio significa que o açougueiro tenha desistido de você eu tenho certeza que não é bem isso que está acontecendo – ele cruzou os braços ainda me observando – Minha experiência diz que você sabe muito bem o que está acontecendo, mas por algum motivo maior não quer contar.
  Fingi minha cara mais indignada enquanto minha razão pedia desesperadamente para que eu contasse tudo de uma vez para Andrew e deixasse que a polícia resolvesse tudo dali. O problema é que minha razão nunca tinha sido mais forte que meu coração, que pra variar tinha ganhado aquela pequena batalha.
  - Nem tente me enganar – ele fez um gesto incentivando que eu ficasse calada. Eu obedeci – Eu vi quando você comprou aquele liquido da senhora esquisita das flores hoje. Percebi que você se assusta a cada vez que alguém toca em você. Nem preciso comentar sua negação em receber seus amigos – ele suspirou mais uma vez – Por favor, , me conte o que está acontecendo.
  - Eu não posso – minha voz trêmula denunciava o meu medo e o nó na garganta mostrava o alivia de não mentir pela primeira vez no dia.
  Andrew passou as mãos pelo rosto, bagunçando os fios loiros de seu cabelo. Impaciente ele levantou indo até a janela. Eu podia ver sua camisa preta balança com o vento que invadia o quarto. Era uma noite fria, mas nem eu e nem Andrew sentíamos isso.

  - Você não vai fazer nenhuma besteira – as palavras eram determinadas, tanto que me fizeram acreditar que eu não conseguiria ir embora daquele quarto na hora que eu deveria ir - Minha função é te proteger e eu deixarei você fazer a merda que está prestes a fazer.
  - Andrew, você não entende – levantei desesperada, indo até ele – Se eu não for com ele...
  - Se não for com ele o quê? – senti os braços de Andrew segurar meus ombros, eu não tinha medo daquilo, eu o entendia – Ouve o que você está falando . Isso não é justo com quem te ama – senti os dedos dele afundarem em minha pele.
  - Você está me machucado Andrew!
  - Desculpa – ele me soltou de repente – Eu não tive a intenção. Eu só estou louco aqui, sem saber o que está acontecendo e, eu não vou suportar mais uma morte em minhas mãos.
  Deixei meu corpo escorregar até o chão, vencida e incapaz de guardar por mais um segundo tanta coisa ruim dentro de mim. Ouvir de Andrew que minha vida estava em suas mãos fez minha culpa crescer ainda mais, eu precisava contar tudo o que estava prestes a acontecer para ele, e de alguma forma eu sabia que Andrew entenderia e até deixaria que eu fosse. Entenderia porque ele também amava. Senti o corpo pesado dele sentar ao lado do meu, pronto para me ouvir.
  - O açougueiro, de alguma forma, conseguiu o meu número de telefone – olhei para chão, mas sentindo o peso sair em minhas palavras. Era bom contar aquilo a alguém – Ontem, ainda na casa do Liam, ele me ligou e ameaçou tirar de mim a coisa mais preciosa.
  - O Harry – ele completou, e foi então que eu sabia que Andrew era totalmente capaz de me compreender.
  - Ele me fez ouvir enquanto uma garota era assassinada – o nó em minha garganta apertou e, no reflexo, eu vi Andrew fechando as mãos em um gesto de raiva – Ele ainda está matando Andrew, e não vai parar enquanto eu não for ao seu encontro.
  - Você não precisa fazer isso .
  - Preciso, porque o próximo vai ser o Harry – apoiei minha cabeça na parede gelada – Eu não posso deixar isso acontecer. Eu nunca vou me perdoar se ele fizer algum mal ao Harry.
  - Nós vamos achá-lo antes que qualquer coisa aconteça...
  - Não, vocês não vão – olhei firme para Andrew que me encarava de volta – O demônio é invisível, e vocês sabem. Se você não me deixar ir... – engoli em seco sem coragem de terminar a frase – Andrew, se você tivesse uma chance de trocar de lugar com a Mille, você não pensaria duas vezes, certo?
  - Isso não é justo – ele fechou os olhos, mas eu consegui ver a lágrima descer por seu rosto, era cruel usar a falecida noiva de Andrew a meu favor, mas eu não estava ali para brincar mais.
  - É justo porque eu tenho a chance de salvar o Harry – suspirei fundo, convicta de que tinha ganhado a discussão – Eu não suportarei carregar essa culpa – segurei a mão de Andrew, que estava tão gelada quanto a minha – Eu não vou sofrer por muito tempo e não vai ser o açougueiro que vai me matar...
  - Vai ser você mesma – ele disse em um sussurro, como se comprovasse por fim sua teoria – O frasco da velha das flores.
  - Veneno de rosa – busquei no bolso da minha calça o fraco com liquido roxo – Uma morte rápida e libertadora. Andrew, eu vou tomar isso de qualquer jeito, indo ou não ao encontro dele, mas se você me deixar ir eu salvarei o Harry e vou poder ir embora em paz.
  - Isso é errado – guardei o frasco em meu bolso – Mas eu te entendo.
  Abracei forte o meu amigo, aliviada por saber que ele não seria um obstáculo em minha fuga. Andrew me entendia, e isso significava que ele deixaria que eu fosse. Senti os braços dele apertando minha cintura, como se fosse a última vez.
  E seria!
  Chorei assim que percebi que tinha tão pouco tempo de vida. Ouvi o choro abafado de Andrew também. Ele, que tinha sido meu anjo da guarda nos últimos dias, abria mão de seu lema para me deixar ser livre. Livre porque logo tudo aquilo terminaria e eu não viveria aquele terror outra vez. Eu amava Andrew por saber a hora certa de me deixa ir.
  - Obrigada – sussurrei enquanto minha boca encostava em sua bochecha molhada – Eu vou cuidar da Mille do outro lado, eu prometo.
  Ouvi o som abafado do choro dele. Não sabia se era porque eu estava preste a morrer ou se era porque eu tinha mencionado o nome da mulher que ele tanto tinha amado.
  - Eu vou cuidar dos que ficam, eu prometo ! – afastei meu rosto para olhar mais uma vez os olhos azuis dele, eu sorria agora certa de que ele iria cumprir sua promessa – Você é uma garota muito corajosa – senti a mão dele descer por minha bochecha, enxugando o caminho molhado das lágrimas.
  Parei de sorrir.
  - E você é o meu herói Andrew!

  Xx

  O relógio marcava 23:45. O frio cortava meu rosto. Andrew caminhava silenciosamente ao meu lado, nós dois íamos rumo ao Parque Linconl, no qual apenas eu entraria. Caminhamos lado a lado por mais dois minutos, até que o limite fosse alcançado. Dali em diante eu seguiria sozinha.
  Olhei com remoço para o rosto machucado dele, eu havia feito um estrago grande em Andrew.
  - Dói? – perguntei apontando para a boca sangrando dele.
  - Não se preocupe, – ele tentou sorrir, mas era evidente que não conseguiria por causa do pequeno machucado no canto esquerdo do seu lábio – Faz parte do plano.
  O plano tinha sido montado por Andrew na noite anterior, e era importante que fosse perfeito para que ele não fosse acusado de nada depois que eu desaparecesse. O plano era basicamente informar ao Phill que iríamos sair para jantar, no meio do caminho entrar em um beco vazio para que eu agredisse Andrew até que deixasse uma marca visível, capaz de fazer com que um agente do FBI acreditasse que o policial tinha sido atacado por um psicopata, na verdade.
  - Chegou minha hora – coloquei minha mão no bolso tentando vencer a vontade de ficar ali.
  - Vou sentir sua falta – Andrew continuou imóvel com parte do seu rosto escondido pelo boné, que tinha função de disfarçar os hematomas enquanto caminhávamos pela ruas – Tem certeza?
  Balancei a cabeça em afirmativa e, sem nenhum abraço de despedida, me virei seguindo para o portão do parque. Ouvi o “adeus” baixo de Andrew em minha direção, parei por um instante buscando a coragem para continuar meu caminho, não demorou muito para que o nome de Harry latejasse em minha cabeça. Sem pensar mais, continuei até alcançar o portão.
  O parque estava deserto naquele horário, caminhei determinada até a ponte, que ficava perto demais da entrada do local. Esperei por volta de dez minutos até ouvir os passos calmos, vindo ao meu encontro. Olhei para a sombra que caminhava em minha direção, mas eu só conseguia ver a ponta do cigarro acessa. Por baixo da blusa, senti o frasco escondido entre meu peito e meu sutiã, deslizar por minha pele. Respirei forte ao perceber que a pessoa estava perto o bastante para que eu pudesse reconhecê-la agora.
  - Call – o nome do garoto que trabalhava em meu prédio saiu sem que eu percebesse. Eu sabia que Call era estranho, mas nunca seria capaz de imaginar onde sua loucura poderia chegar. Vê-lo fumar e sorrir sarcasticamente em minha frente indicava que nada de bom poderia sair daquele encontro.
  - Surpresa? – Ele tragou mais uma vez antes de jogar o cigarro no chão e amassá-lo com o pé – Eu sou sua carona para o inferno – ele fez um gesto brusco com a mão impedindo que eu falasse algo – Antes que você pergunte qualquer coisa a resposta é sim. Sim, eu empurrei o porteiro da escada para que eu assumisse seu lugar. Sim, eu trabalho para o mestre enquanto ele me ensina a arte de matar. Sim, eu fui atrás de você na lavanderia aquele dia. E sim, eu matei seu cachorro.
  Meus olhos arregalaram no mesmo instante em que ele mostrou o braço enfaixado. O local em que Sammy havia mordido. Dei um passo pra frente com intenção de socar a cara espinhenta de Call, mas antes que eu desse o primeiro passo ele levantou o celular em minha direção, fazendo com que eu parasse no mesmo momento.
  Congelei incapaz de qualquer reação. A imagem que brilhava em minha frente era o meu maior pesadelo se tornando realidade. Na tela do celular de Call tinha uma imagem de Harry amarrado em um canto de uma sala suja. Jogado no chão, desacordado.
  Olhei aflita para Call, buscando respostas. Ele revirou os olhos, como se eu estivesse fazendo uma cena por pouca coisa.
  -Seguinte – me afastei ao ouvir ele mencionar o meu apelido – Qualquer coisa que acontecer comigo aqui o cachinhos morre. Funciona assim: eu vou te algemar, vendar seus olhos e dirigir até nosso destino. A regra do jogo é chegar no “castelo” em até uma hora, caso contrário, esse passarinho aqui – ele mostrou outra vez a foto de Harry em seu celular – para de cantar pra sempre.
  - Ele prometeu não fazer mal ao Harry – falei distraída sem notar que Call mexia em seu bolso.
  - Olha, não me interessa quem prometeu o quê – ele me virou, cruzando minhas mãos em minhas costas. Senti o frio do metal fechar em meus pulsos, me imobilizando – Tudo o que eu quero é sair desse frio desgraçado. Às vezes, eu queria ter nascido em qualquer país quente, odeio o frio. E você?
  - Você é louco!
  - Jura? – ele vendou meus olhos e em seguida empurrou meu corpo até o carro. Cai deitada no banco de trás do veículo, desconfortável – Louco. Essa é boa.
  Então, como se nada estivesse acontecendo uma música começou a tocar na rádio enquanto Call a cantarolava desafinadamente. Aos poucos minha mente foi tomada. A única coisa que eu conseguia ver era a imagem de Harry amarrado. Um grito brutal saiu por minha garganta enquanto eu ouvia Call rir do meu sofrimento.
  Eu havia falhado.
  O carro enfim tinha parado. Eu não fazia ideia de quanto tempo tínhamos andado ou que direção seguimos. Call puxou meu corpo com força, me forçando a ficar em pé, ele tirou as algemas de minhas mãos e me empurrou até que entrássemos em um lugar. Andei por volta de cinco minutos até que ele tirou minha venda. O castelo, nada mais era que um prédio velho abandonado. Medonho.
  Continuei a andar no escuro, ouvi meus passos ecoando pelo corredor deserto, o homem atrás de mim mascava ferozmente seu chiclete. Olhei dentro de cada cômodo abandonado daquele lugar, muitas macas estavam em um canto, enferrujadas pelo tempo. Aquilo me causava calafrios. De longe era possível ouvir o barulho de gotas de água caindo no chão que há anos não era limpo, eu podia sentir a poeira instalando em minhas narinas. Apertei meus braços no impulso de me proteger.
  Aquele lugar era horrível e tinha um um cheiro muito forte. Cheiro de morte.   Em algum lugar distante de minha cabeça lembrei da história que meu pai costumava contar sobre um manicômio, instalado nos arredores de Londres, tinha sido fechado há décadas por causa de inúmeras denuncias de maus tratos aos seus pacientes. Ainda de acordo com meu pai, os boatos eram de que o prédio abandonado seria mal assombrado pelas almas insanas que tinham perdido suas vidas ali. Por isso, ninguém em sã consciência tinha coragem de passar perto dali, muito menos de entrar.
  Parei de súbito me dando conta de que o manicômio mal assombrado da história do meu pai era o mesmo em que me encontrava. Senti mãos magras me empurrando com impaciência, me forçando a continuar minha caminhada, mas continuei parada. Senti cada pelo do meu corpo arrepiar só de pensar que minha alma seria a próxima a ser aprisionada naquele lugar.
  Antes que eu voltasse a tomar meu caminho ouvi a porta em minha frente ranger enquanto abria. Engoli em seco observando a figura masculina que surgia através dela, com o sorriso irônico voltado para mim. Todos os meus músculos enrijeceram.
  - Finalmente, minha pequena!
  Vi o açougueiro andando em minha direção. Eu não podia respirar mais, o medo tinha voltado com força total. Minha vontade era de correr, mas minhas pernas não obedeceriam a ela.
  Meu pai tinha razão quando mencionara sobre as almas atormentadas daquele lugar, mas o que eu podia perceber essas almas estavam bem vivas. E uma delas era a minha.
  Encolhi quando ele por fim me abraçou. Os lábios dele foram de encontro ao meu pescoço e eu quase vomitei. Mexi meu corpo, incomodada, até que ele se afastou. Os olhos continuavam sombrios quanto antes, mas o açougueiro estava mais magro e mais velho. O sorriso continuava arrogante como sempre. O meu ceifeiro em pessoa.
  Ele me puxou pela mão até que eu entrasse na sala de que ele tinha saído. A sala em que Harry estava, jogado e ameaçado. Tentei correr de encontro a ele, mas fui impedida pelo psicopata. Tentei mais uma vez, mas um tapa forte acertou meu rosto. Cai desconsolada observando o corpo de Harry deitado. Era um alivio ver que ele respirava.
  As lágrimas caíam em meu rosto. Harry estava ali, mas não acordava. Vi quando o corpo magrelo do açougueiro desceu até minha altura. Calmo, ele me observava.
  - Você prometeu que deixaria ele fora disso – minhas palavras saiam soluçadas, junto ao meu choro.
  - Eu preciso dele aqui para garantir que você faça uma última coisa para mim – a voz dele estava perto demais da minha orelha, mas eu não me importava, eu só queria que Harry acordasse.
  - O que você quer de mim?
  Não importava o que fosse, eu faria. Qualquer coisa para ver o homem que eu amava longe daquele antro. Em movimento lento percebi o açougueiro buscando algo no bolso de sua calça. Uma caixinha de veludo. Preta.
  Antes que ele abrisse a caixa ouvi passos ecoarem do outro lado da sala, eu não tinha reparado na quinta pessoa que estava ali, mas ela se fez notar. Olhei incrédula para o rosto de Blanda, que me analisava, sem demonstrar nenhuma emoção. Ela abaixou até alcançar o corpo de Harry, ainda me observando, ela o levantou até que ele estivesse sentado.
  - Por quê? – perguntei ainda olhando para ela, sem acreditar que a mulher que Harry tanto confiava tinha apunhalado ele. Eu mesma tinha pedido para que ela cuidasse dele por mim. Eu tinha vontade de arrancar aqueles olhos verdes de Blanda com minha própria unha.
  - Por que não? – ela tirou uma faca da parte de trás de sua saia, apontando ela para o pescoço nu de Harry, mostrando quem tinha o poder ali.
  - Chega!
  A voz bradou ao meu lado e minha atenção se voltou novamente para o açougueiro ao meu lado. Ele tinha aberto a caixinha preta, e dentro dela eu conseguia ver o anel de noivado antigo, mas bonito. A pedra era discreta e de muito bom gosto, treme só de pensar o que viria a seguir.
  - O que significa isso? – perguntei com o pouco de coragem que ainda me restava.
  - Esse anel pertencia a Amélia, mas depois que ela morreu... – as palavras ficaram no ar.
  E ele puxou o minha mão direita logo depois de tirar o anel da caixa preta. Suspirei fundo
  – , aceita ser minha esposa?
  Tentei puxar minha mão da dele, mas o açougueiro segurou forte me forçando a continuar com ela esticada. Com um gesto de cabeça ele me obrigou a olhar outra vez para Blanda, que apertava a faca um pouco mais forte no pescoço de Harry, que por sua vez já estava acordando. Era isso, aquele era o papel de Harry ali. Eu tinha que aceitar o pedido ou o amor da minha vida morreria.
  Harry abriu os olhos, mas ainda sedado, não conseguiu se mexer. Eu podia ver o desespero em seus olhos só por me ver ali. Ele me amava, tanto quanto eu o amava e eu sei, que ele também estava disposto a se sacrificar por mim, mas essa era a minha vez. Sibilei “eu te amo” em sua direção, incapaz de tirar meus olhos dele.
  - – Harry não disse mais nada, caiu novamente em sono profundo. Eles o haviam drogado com doses forte.
  Virei outra vez pro açougueiro que aguardava pacientemente minha resposta. Ele sabia o que eu diria, não tinha como ser uma resposta diferente.
  - Sim, eu aceito.
  Fechei os olhos enquanto o anel era colocado em meu dedo. O gosto de sangue subiu por minha boca. Era medo.
  O destino de Amélia agora era o meu!

Capítulo 12 – A esperança.

  Música do Capítulo: https://www.youtube.com/watch?v=cbV190MjKiU

  Play na música.

  Meu olhar continuava fixo na parede encardida em minha frente, eu estava trancada naquele quarto abandonado, pelo menos, uns trinta minutos. O silêncio me incomodava profundamente, principalmente por saber que Harry estava em algum lugar daquele inferno, cercado pelas piores pessoas. Respirei fundo me concentrando a apenas ouvir qualquer coisa que viesse de fora, até mesmo um grito de dor aliviaria a minha tensão. Só precisava saber que ele ainda estava vivo.
  Meu olhar foi desviado para a parede ao meu lado, as marcas das unhas do paciente que habitara aquele aposento outrora ainda estavam cravadas ali. No impulso encostei as pontas dos meus dedos nas pequenas fissuras, a parede era tão fria quanto qualquer outra parte daquele lugar. De repente minha mente foi transportada para um passado que eu não conhecida, o passado de alguém que jamais pensei: aqueles arranhões na parede pertenceram a um ser humano em sofrimento, preso em seu inferno particular, assim como eu.
  Baixei os olhos para a pedra que brilhava de forma irritante em meu anelar, como eu odiava aquele pequeno símbolo em meu dedo. Suspirei derrotada, ainda olhando o pequeno anel, sentindo a agonia que me dominava tirei ele do meu dedo colocando no colchão velho, ao lado do meu corpo, olhei para minha mão outra vez, agora suspensa a frente e concordei silenciosamente de que agora ela não carregava o peso de antes.
  Parei de observar minha mão no mesmo momento em que os passos ecoaram pelo corredor, não me preocupei em colocar o anel de noivado de volta ao lugar que ele não deveria ter saído, mas olhei atentamente para a porta, ansiosa por saber quem a abriria. Vi a maçaneta rodar enquanto o barulho da chave denunciava que eu estava prestes a ter companhia, minha respiração ficou mais pesada assim que a porta pesada foi aberta. Ergui meu corpo, pronta para receber qualquer um que entrasse por ela.
  - Harry?!
  Pulei indo ao seu encontro, jogando meus braços ao redor de seu pescoço. Harry quase caiu com o desespero do meu abraço, foi só então que eu percebi que suas mãos estavam amarradas em suas costas, mas eu não conseguia soltá-lo. Eu simplesmente não conseguia.
  - , eu estava tão aterrorizado, sem saber como você estava – ouvi ele sussurra entre meu cabelo e minha orelha, o tremor em sua voz era nítido e isso me fazia tremer também – Eu vou te tirar daqui, eu prometo.
  Abri os olhos observando Blanda entrar no quarto, meu corpo ficou estático tentando associar qual o motivo dela arrastar Harry até o meu encontro. Ela não olhava para mim, encarava o chão e aquela atitude estranha me fez desgrudar meu corpo do de Harry e encará-lo com dúvida.
  - Tá tudo bem – ele olhou para mim e depois para ela, que continuava na porta sem me encarar – Blanda?
  Segurei os braços atados de Harry enquanto a mulher em minha frente finalmente levantava a cabeça. Apertei minha mão em volta dos braços dele assim que percebi que os olhos dela estavam cheios de... Lágrimas.
  - eu não imaginava que isso pudesse terminar assim – ela começou a despejar as palavras, me assustando ainda mais – Eu achei que fosse só uma brincadeira, mas foi ficando sério e agora eu não sei como isso termina.
  - O que está acontecendo aqui? – Olhei desesperada para Harry que não estava assustado com aquela cena igual a mim.
  - , é melhor você sentar – Harry continuou olhando para mim – Blanda pode ser nossa salvação desse lugar, só que antes você precisa ouvir o que ela tem pra lhe contar, certo?
  - Por favor...
  O sussurro tinha vindo da figura em minha frente, que agora chorava sem vergonha alguma. Meu coração disparou confuso com toda aquela cena. Seria mais um truque daquela mulher? Olhei pra Harry que balançava a cabeça me encorajando a ouvir o que Blanda tinha para falar. Puxei o homem ao meu lado para que sentasse na cama junto a mim, eu não deixaria que ele fosse embora de novo, mas meus olhos não desviaram de Blanda que ainda bloqueava a porta.
  - Há algumas semanas eu encontrei esse homem em uma de minhas exposições – os olhos de Blanda já não me encaravam mais, ela tinha sido transportada para outra realidade – Michael é o nome verdadeiro dele – ela tremeu um pouco ao dizer aquele nome, assim como eu tremi ao escutá-lo – Eu estava na minha pior fase artística, não tinha inspiração, tudo era tão monótono – ela engoliu em seco antes de voltar a me encarar – Eu estava em uma sessão da minha exposição, sozinha, encarando meu fracasso quando ele me encontrou.
  Cheguei meu corpo mais próximo ao de Harry sentindo o calor dele perto de mim. Por um momento esqueci-me de onde estávamos ou o que estava acontecendo, só conseguia pensar em nós. Eu podia tocá-lo novamente, sentir seu cheiro tão de perto. E ali, ao lado de Harry, mesmo naquele inferno, eu sentia que tudo tinha sentido outra vez. Ouvi a voz de Blanda mais próxima a mim, o que me fez acordar do devaneio para continuar escutando sua história.
  - Você precisa entender que um artista perde a razão quando sua inspiração já não existe mais, e Michael sabia o que falar para mim naquele momento.
  - Aonde você quer chegar com isso Blanda? – interrompi cansada das voltas que ela estava dando.
  - Ele disse que sabia como eu me sentia que havia passado por aquilo também. Disse que tinha encontrado a sua arte, e que por mais chocante que fosse, ela o havia salvo - Blanda encarou o chão – Eu estava desesperada, meu pai tinha cortado minha mesada e, eu não vendia mais obra nenhuma. Eu não sabia como me sustentar.
  Os olhos dela estavam marejados e sua expressão era de vergonha. Olhei para Harry, ele tentava controlar a raiva que sentia, sua respiração era irregular, cheguei mais perto dele.
  - Michael disse que era da dor que tirávamos as melhores sensações da vida. Ele não demorou muito para me convencer a entrar em seu jogo, eu só precisava sentir alguma coisa de novo – ela falava baixo – Eu sei que é egoísta, e é verdade que eu pensei apenas em mim naquele momento – ela lançou um olhar de suplica para mim, como que se quisesse que eu entendesse todos os seus motivos – Eu apenas aceitei ir com ele.
  - Ir com ele onde? – meu coração palpitou só de pensar onde aquela história terminaria.
  - Um dia depois daquela exposição nós nos encontramos, ele me mostrou um plano, mas eu não sabia quais eram suas verdadeiras intenções. Até então eu acreditava que ele iria sequestrar uma garota e aterrorizá-la, nada mais – ela fez uma pausa antes de continuar – E foi exatamente assim nos primeiros dias: Michael fazia terror psicológico na garota enquanto ela tremia, gritava e urinava de medo. E aquilo me fez criar novas esculturas e eu voltei a vender outra vez – ela encostou-se à parede enquanto ainda encarava o chão sujo do quarto – Quanto mais dinheiro eu ganhava, mais eu queria e isso só o encorajou a me mostrar mais de suas torturas. Eu não me importava, eu estava no auge da minha criatividade e pedia cada vez por mais.
  Minha mente acompanhou a fala de Blanda e eu imaginava meninas inocentes sendo torturadas em troca da ganancia de uma mulher mimada.
  - As coisas foram ficando piores, ele começou a bater nela até que seus ossos fossem quebrados. Ele rasgava sua pele lentamente até que o sangue não parasse de sair – Blanda escorregou até o chão passando a mão em seu rosto molhado antes de continuar – Eu não achava aquilo certo, mas era inegável que a dor dela me fazia criar obras fantásticas e toda vez que o dinheiro caía em minha conta eu esquecia do sofrimento da pobre garota.
  - Até que um dia ele finalmente me mostrou a sua verdadeira face – ela já não olhava para nós. Blanda não olhava para lugar algum – Ele a matou friamente, em minha frente – ela fechou os olhos deixando que um soluço abafado de choro saísse de sua boca – Fez todo o seu ritual de morte, e para que eu pudesse demonstrar que estava pronta, ele deixou que eu cortasse as parte sem vida da garota para que fosse desovada na rua. E eu fiz. Fiz porque estava em choque e porque sabia que se não fizesse eu seria a próxima.
  Levei minha mão até minha boca horrorizada com tudo o que eu estava escutando. Senti o corpo de Harry tremer diante daquelas palavras, eu podia ouvir seu coração acelerado de medo. Ele estava quieto, e eu sabia que ele já tinha escutado aquilo antes, mesmo assim era nítido sua revolta com toda história, mas ele não protestava e eu segurei qualquer palavra que pudesse sair da minha boca também. Se Harry queria que eu escutasse Blanda era porque havia uma razão maior, se ele estava calado mesmo não querendo estar era porque eu deveria fazer o mesmo.
  - Depois daquilo eu enxerguei a loucura de tudo que eu estava fazendo, ou deixando acontecer, mas já era tarde demais – ela me encarou de novo e naquele momento eu sentia pena de Blanda – eu fui cercada pelas melhores coisas que a vida podia comprar, e de repente fui banida disso. Talvez tenha sido atitude de uma garota mimada e eu fui cegada pelo dinheiro, mas me arrependi. A vida de uma garota inocente tinha sido jogada fora, e tudo por minha culpa – ela bateu os punhos na testa com força como punição – Eu não queria mais aquilo, só que era tarde e se eu não continuasse a ajuda-lo ele me mataria. E seria muito pior do que aquilo que eu tinha presenciado.
  Fechei os olhos tentando afastar as lembranças que eu tinha de mim mesma sendo torturada. Eu poderia entender o medo de Blanda, mas jamais conseguiria me sujeitar a participar de tudo aquilo por medo de morrer. Aquela história era absurda, porém eu acreditava em cada palavra que ela tinha dito.
  - Depois disso eu fingi ser a melhor serva que ele poderia ter, e toda vez eu dava um jeito de me livrar das sessões de tortura ou assassinato. Eu inventava uma desculpa para ir embora e ele aceitava, até porque ele só precisava de mim para disfarçar seus passos. Alguns dias depois eu conheci o Call, que já trabalhava com ele, eu só precisei aprimorar mais minha atuação para que Call acreditasse em mim também e, bom o resto você já sabe...
  Toda aquela informação encheu minha cabeça. Eu não sabia o que pensar, nem o que dizer diante daquilo. Andei pelo quarto, sem saber ao certo o que fazer. Era absurdo. Era cruel. Era doentio.
  Olhei para Blanda que me encarava, esperando que eu a perdoasse por tudo de ruim que havia feito àquelas meninas assassinadas, mas eu não era Deus e Blanda nunca teria meu perdão. Olhei para Harry, que encarava a parede em sua frente tentando digerir tudo o que tinha escutado. A expressão de nojo era evidente em seu rosto, e eu o entendia bem.
  - Qual é o seu objetivo em vir aqui me contar tudo isso Blanda? – falei sem esconder a raiva que sentia por ela.
  - Eu sei que o que fiz é imperdoável, mas eu sinto que posso reverter um pouco isso – ela levantou andando um pouco até mim. Recuei e Blanda parou.
  - Como? – disse a encarando
  - Ajudando vocês dois a saírem daqui – voltei meu rosto para Harry que me encarava também, havia esperança em seus olhos – Eu posso tirar vocês daqui... Vivos!
  - Como? – repetir a palavra com mais curiosidade dessa vez.
  - Blanda me procurou ontem, assim que cheguei aqui – a voz de Harry se fez presente no quarto. Ele falava, porque sabia que eu não acreditaria se fosse Blanda quem me dissesse – Ela me contou toda isso e disse que pode nos tirar daqui – ele me olhava, passando confiança – O fato é que toda noite Michael sai com Call para algum tipo de treinamento, ele acredita que depois que ele sumir com você Call será seu sucessor aqui e por isso ensina coisas a ele toda noite.
  - Isso é insano – falei incrédula.
  - Michael é louco – Blanda tinha retornado a falar – Ele acredita ser um tipo de Deus e, por isso, nos obriga a chama-lo de mestre, ele é muito vaidoso para deixar passar batido essa admiração cega que o Call tem por ele – ela tinha parado de chorar e agora sua fala era mais segura. – Além disso, Michael é sistemático demais, por isso ele sai toda noite com seu discípulo para treiná-lo na floresta. Uma hora e meia, nem mais e nem menos. Foi assim todas as noites desde que eles estão praticando - ela olhou para o relógio em seu pulso certificando-se de que ainda tinha tempo – Eu não sei como são essas aulas, mas sei que Call volta mais violento desses treinos a cada dia – ela engoliu e seco.
  - Blanda acha que podemos fugir amanhã quando Call e Michael saírem para a floresta – Harry estava em pé ao meu lado agora.
  - Não só acho como sei que tem que ser amanhã – havia desespero na voz de Blanda – O casamento será realizado na tarde depois de amanhã, o que significa que amanhã será o último treino de Call e última chance de vocês escaparem.
  Abracei Harry buscando segurança após a ouvir mencionar o casamento. Cada vez que eu lembrava daquilo meu estômago revirava.
  - Michael confia em mim para deixar vocês comigo, e amanhã não vai ser diferente – ela engoliu mais uma vez – Sei onde eles treinam, porque já segui os dois um dia. Nós podemos correr para o lado oposto, a floresta é grande e eu conheço alguns esconderijos. Ele não nos encontrará.
  Olhei confusa para o homem ao meu lado, ele me dava coragem e eu me agarrei aquela única esperança. Balancei a cabeça em direção a Blanda confirmando meu apoio a fuga, sabia que não tínhamos mais tempo sozinhos e sabia que logo teria que me despedir de Harry, só que dessa vez seria por pouco tempo.
  - Vou deixar vocês dois sozinhos, mas por dois minutos – olhei desesperada para Blanda, ela entendia que eu não queria deixa-lo ir – Eles estão voltando e, preciso deixar Harry no quarto de novo – ela andou até a porta – Não deixarei que eles o machuquem.
  Dito isso Blanda saiu nos deixando a sós, e antes que pudesse falar qualquer coisa senti os lábios de Harry nos meus. Abracei sua nuca aproximando mais nossos corpos, era como se nada estivesse errado. Ali, com ele, o perigo não existia. Afastamos nossas bocas, mas não afastei meus braços dele.
  - Você confia nela? – sussurrei com a boca ainda colada na dele, nossos olhos estavam fechados.
  - Não – ouvi a rouquidão de sua voz baixa como a minha – Mas é tudo o que temos, eu prefiro acreditar em Blanda do que pensar em nossos destinos sem ela – afastei nossos corpos um pouco relutante, mas sabia que o tempo já estava acabando – Amanhã nós vamos embora e se Blanda estiver mentindo, nós vamos dar um jeito.
  Ouvi a porta sendo aberta, era Blanda chamando Harry para que a acompanhasse. Meu coração tinha voltado a ficar pequeno, mas de certa forma a esperança ardia em mim.
  - Eu te amo – disse antes que ele saísse pela porta.
  - Sempre.
  Ouvi a resposta dele assim que a porta foi fechada em minha frente. Fechei os olhos e em uma oração silenciosa repeti para mim mesma.
  “Tudo vai acabar bem.”
  E era apenas nisso que eu queria acreditar.

Capítulo 13 - Lumiere over me!

  Música do capítulo: Link.

  Já pode dar o play!

  As mãos de Blanda tremiam sutilmente, de maneira que apenas eu conseguiria notar, enquanto ela fazia o caminho da linha que apertava o vestido de noiva em meu corpo. Encarei o reflexo no espelho quebrado posto em minha frente, se eu não conhecesse toda a história juraria que aquela era mais uma caracterização para a próxima personagem de qualquer filme do Tim Burtom. Minhas olheiras destacavam-se em meu rosto, minha mão por fora da manga rendada alertava os muitos quilos perdidos nesses dias.
  Meus olhos acompanharam o tecido analisando os detalhes do vestido. Era todo rendando na parte superior, com uma saia de volume dando um ar delicado e elegante a peça. Era simples, o tipo de vestido que eu escolheria em outra ocasião.
  - O vestido é lindo. – minha voz saiu sem emoção direcionada a Blanda que ajustava a barra agora. – Foi você quem escolheu?
  - Foi o Michael. – ela parou no mesmo instante como se tivesse dito coisa demais, e eu me dei conta que nuca havia escutado o nome verdadeiro dele. – O açougueiro. – ela deu de ombros lembrando que estávamos sozinhas na cozinha abandonada do antigo manicômio. - Pediu que comprasse o vestido mais caro e bonito da loja, eu tentei escolher um que te agradasse.
  - Provavelmente seria esse o vestido que eu escolheria para casar. – olhei sem expressão para o espelho de novo pensando que era com a aquele vestido que eu iria casar no dia seguinte, mas nada naquela situação me fazia feliz. – Como você tinha certeza que esse modelo me agradaria tanto?
  - Eu pesquisei sua vida por dias, foi fácil comprá-lo.
  A voz de Blanda também não demonstrava nenhum tipo de emoção, nós éramos duas amigas compartilhando um momento de apatia. Amizade era um termo irônico para definir minha relação com Blanda, mas naquele momento, ela era tudo o que eu tinha.
  - , você não vai casar amanhã. Eu vou tirar você e o Harry daqui. – ela suspirou alto enquanto olhava meu reflexo. – Call e Michael já devem estar trazendo o Harry para eu ficar de olho enquanto os dois saem para caçar. – fechei os olhos, porque sabia que hoje a caça seria real, uma moça inocente que seria a última lição de Call. Seria sua formatura. – Nós vamos embora hoje, eu prometo.
  - Por que eu sinto que isso não vai dar certo?
  Senti o calafrio que tinha me acompanhado o dia todo subir mais uma vez por minha barriga, abracei meus braços tentando afastar o frio que me tomava. Um frio atípico, do tipo que não passaria. Em minha cabeça, uma voz sarcástica sussurrou: “Essa não é uma história com um final feliz”.
  Ouvi a porta sendo aberta e institivamente minha cabeça virou para encontrar os olhos verdes de Harry. As mãos dele estavam amarradas para trás, de longe eu conseguia ver o quão apertada a corda estava, em seu rosto alguns machucados evidenciavam as pancadas que ele acabara de receber enquanto estava afastado de mim. Abaixei rápido o rosto, fixando meu olhar em meus pés descalço, era uma regra do açougueiro que eu e Harry não mantivéssemos contato, nenhum tipo de contato, caso contrário ele faria algo pior com Harry.
  Consegui ouvir o gemido de dor dele enquanto Call o empurrava para o chão, o nó na minha garganta apertou mais uma vez. Eu não suportava ver o sofrimento de Harry.
  - Blanda, nós vamos sair. – Call já estava perto demais de nós duas. – Fica de olhos nesses dois aí, se alguma coisa acontecer pode aniquilar. – senti as mãos sujas de Call passarem pelas rendas do meu vestido. – Ordens superioras.
  Ele riu enquanto andava para a porta de saída, era nítido que por ele Blanda nos matava naquele momento. Call não se importava. Olhei nos olhos da garota em minha frente, sua expressão já havia mudado. Blanda já se mostrava mais segura e mais cruel, ela era de fato uma excelente atriz.
  Olhei finalmente para Harry, que mantinha sua cabeça encostada na parede olhando para o teto. Ele já não tinha o rosto de um garoto, não depois desses dias de horror, de certa forma ele havia crescido com o sofrimento. E eu entendia bem o que era passar por aquilo. Senti a culpa tomar conta de mim, sabendo que nada daquilo estaria acontecendo a ele se eu não tivesse aceito o trabalho temporário para a banda. Mas, ao mesmo tempo eu era grata por ter passado meus melhores momentos com ele.
  E agora dividíamos o pior momento também.
  Pensei em como o desaparecimento de Harry estava sendo retratado na mídia mundial, fato é que eles estariam procurando o astro internacional que tinha sumido com a namorada. Imaginei milhares de adolescente desesperadas rezando para que ele aparecesse e me odiando por ter causado mal ao ídolo delas. Pela primeira vez eu as entendia: eu também me odiava por isso.
  Perdi-me nos meus pensamentos sem ao menos perceber que Harry já olhava para mim. Meu corpo tremeu sentindo o peso dos seus olhos nos meus. Será que ele ainda me amava, mesmo depois de tudo que lhe causei? No mesmo instante pude ver seus lábios pronunciarem o que eu tanto precisava ouvir. Três palavras que me davam forças até nos momentos difíceis. Meus lábios se moveram de forma que ele entendesse o que tinha para lhe dizer “eu também te amo”.
  E eu o amava mais do que a mim mesma, por isso, em silencio, rezei e pedi para que se algo de ruim tivesse que acontecer, que fosse a mim e não a ele. Eu não suportaria viver em um mundo sem Harry Styles.
  - Eles já foram. – voltei do meu momento de transe e enfim reparei que Blanda estava na janela vigiando o momento de partida de Michael e Call. – Esperamos dez minutos e então, corremos.
  Sem esperar por mais um segundo peguei a tesoura e cortei as amarras apertadas de Harry, esfreguei meus dedos em suas marcas vermelhas no pulso.
  - Eu queria que fossem em mim. – disse ainda olhando para seu machucado.
  - Não me importo desde que você esteja bem.
  Harry segurou meu rosto, e eu pude sentir o calor da sua mão em minha pele. Ele me beijou devagar, sem se importar com a presença de Blanda no local. Eu retribuir o beijo. Mas enquanto nossas bocas se uniam eu senti meu peito apertar. Por quê?
  Porque eu tinha a sensação de que aquela seria a última vez que eu beijaria Harry.
  - Desculpa interromper o casal, mas chegou nossa hora. – afastei-me dele para olhar para Blanda, ela tinha voltado a tremer, então, eu soube o perigo do que estávamos prestes a fazer.
  Olhei para Harry ao meu lado, sua postura era de um homem corajoso, então eu me senti corajosa também. Esse era o último capítulo daquela tortura.
  - O plano é simples. – Blanda continuou a falar. – Conheço um atalho para a cidade, Michael e Call nem sabem que ele existe. – olhei para ela enquanto pensava como ela poderia conhecer aquele lugar tão bem, como se tivesse adivinhado meus pensamentos, ela corou. – Esse prédio pertencia a minha família, meu avô costumava me trazer aqui, mesmo com ele fechado. Fui eu quem mostrou esse lugar ao Michael.
  Meu estômago sentiu o peso daquela revelação. Era como se Blanda pertencesse aquele hospício e toda a sua loucura fosse, por fim explicada. Pisquei algumas vezes tentando ingerir a informação. Esse era o hospital psiquiátrico do qual meu tinha falada que fechara por maus tratos aos pacientes. Era como se a crueldade fizesse parte da genética de Blanda. E era como se ela quisesse, enfim, livrar-se desse estigma.
  - Podemos ir? – a voz grave de Harry me fez reagir outra vez, e no impulso eu apertei a sua mão buscando forças para dar o primeiro passo para longe daquele lugar.
  Nós três caminhamos para a porta dos fundos, eu sem me dar o trabalho de trocar de roupas. Era um trio inusitado, todos em busca da luz no fim do túnel. Eu podia sentir a liberdade me abraçar, mas era como se algo sombrio estivesse me acompanhando.
  - Eu te amo. – puxei a camisa de Harry para que ele prestasse atenção em mim. Eu queria que ele ouvisse essas palavras mais do que nunca. – Eu te amo, Harry, e sempre vou amar, haja o que houver.
  - Eu sei. Nunca vou me esquecer disso. – ele encostou sua testa na minha. – Nuca – me deu um beijo rápido no nariz. – Eu também te amo, .
  Escutei a porta pesada sendo aberta e pela primeira vez, durante dias, eu avistei a lua brilhando em nossa frente. Era uma noite linda.
  Era a noite ideal.
  - Aliás, você fica linda nesse vestido. – Harry disse antes de beijar minha testa.
  Então, fomos buscar nosso destino longe daquele prédio amaldiçoado.

Capítulo 14 – É o fim, mas querida não chore.

  Música do capítulo: Link

  Senti o ar fresco me invadir, eu poderia chorar por estar livre finalmente, mas não havia tempo para isso. Ao meu lado, Blanda repetia sem parar que precisávamos andar rápido, mas ter atenção porque a mata era denso e muitos caminhos poderiam nos trazer de volta ao manicômio abandonado.
  O tempo era curto, uma hora para nos distanciarmos do lugar de partida, uma tarefa complicada comigo vestindo aquele vestido de noiva. Apertei mais uma vez a mão de Harry, que ainda estava grudada na minha, recebendo a coragem para continuar. A cada passo via a construção sumir por entre as árvores, e isso causava um imenso alivio em meu peito: o mal estava ficando para trás, e então, eu poderia respirar outra vez.
  Nós erámos um grupo: a noiva, o astro e a artista. O silêncio predominava porque ninguém era capaz de falar, mas tinha um misto de emoções perceptíveis para quem nos observasse de fora. Havia medo. Havia apreensão. Mas além de tudo, havia a liberdade, a coragem e o amor. Sobretudo o amor. E isso me dava forças para cada passo em frente que eu precisava dar.
  Blanda andava em nossa frente, atenta ao caminho, percebi que as árvores estavam marcadas por faca, esse era a trilha que ela tinha feito para nos tirar dali, prestei mais atenção no caminho tentando localizar as marcas, caso algo acontecesse a Blanda eu seria capaz de sair com Harry. No instante seguinte Blanda parou e virou-se para nós fazendo sinal de silêncio, ainda que não estivéssemos falando nada. Algo de errado estava acontecendo.
  Apurei os ouvidos para escutar o que ela escutava também, esperei ouvir passos, mas só o vento soprava em minha orelha. Segurei o fôlego por medo de que alguém me escutasse respirar, aquela tensão dela estava me matando aos poucos. Harry foi o primeiro a falar:
  - O que houve, Blanda? – o sussurro era sutil, eu quase não o escutava mesmo estando ao seu lado. – Por que você parou?
  - Um barulho de carro. – o corpo dela tremia. – Eu ouvi uma barulho de carro, tenho certeza que é a caminhonete dele.
  - Continue andando Blanda, quanto mais nos separarmos do prédio melhor.
  Mesmo não tendo escutado o barulho que Blanda mencionara o pavor em seus olhos me impediam de permanecer parada. A cada passo minha cabeça virava em direção a Harry, eu precisava ter certeza de que ele continuava atrás de mim, seguro. O silencio dominava o ambiente, tudo que eu conseguia ouvir era a respiração de Blanda ofegante por causa do seu medo. Eu tinha medo de falar, mas tinha mais medo de ouvir os passos de alguém vindo a nossa caça.
  De repente um corvo passou em um voo rasante sobre nossas cabeças, um agouro, como diria meu professor de literatura. Senti meu coração disparar, me sentia agonia e fraca com todo aquele clima em nossa volta. Blanda parou novamente, dessa vez agucei meus ouvidos, porém o único som que vinha daquele lugar medonho era dos pássaros nos vigiando nas galhas das arvores.
  De repente um barulho cortou o silencio, os pássaros voaram assustados e eu tenha certeza de que meus batimentos podiam ser escutados agora. Era um estampido, eu sabia a que pertencia. Era um disparo de revolver. E estava tão audível, tão alto que presumir que aquele som tinha sido feito em um lugar perto de onde estávamos. Apertei a mão de Harry, que estava tremula igual a minha e antes que um de nós pudesse anunciar o obvio outro tiro foi disparado seguido de outro.
  - Corram!
  Gritei sem ao menos esperar para ver que caminho Blanda tomaria, ainda de segurando a mão de Harry me senti sendo puxado para mais dentro da mata, sentia os galhos arranharem meu rosto e outras partes do meu corpo que estavam expostas. Correr com aquele vestido era mais difícil do que um dia imaginei. Meus pés sangravam por causa dos pequenos machucados causados pela caminha, agora pela corrida. Meu peito ardia em suplica por ar, porém eu não poderia parar agora que estava tão perto da liberdade.
  Nós não poderíamos parar!
  Ouvi mais tiros, algo estava acontecendo e não envolvia apenas a nós. Aquelas balas não eram direcionadas a mim ou a Harry, alguém tinha invadido a área do açougueiro, era o que eu podia imaginar. Mesmo assim, os estampidos estavam cada vez mais próximos que me faziam pensar que eu estava correndo direto para os braços do meu pesadelo.
  - Não acho que estamos nos distanciando do prédio Harry – gritei minhas palavras com dificuldade por ainda estar correndo – Os disparos continuam muito próximos. Não tenho certeza se a Blanda conhecia esse caminho tão bem assim, estamos dando voltas.
  - Shhh. – Harry havia parado em minha frente, seu dedo estava sob os lábios em sinal para que eu ficasse quieta. – Os tiros pararam.
  Era verdade, o silêncio tomava conta de novo. Olhei em minha volta percebendo que havíamos parado em uma clareira e que o caminho adiante era mais denso, o que dificultaria nossa fuga, caso fosse preciso.
  - Eu não gosto deste silêncio. – Harry falava mais para si do que para mim. – Tem alguma coisa errada.
  Ouvi passos vindos do meu lado direito, eram passos arrastados, olhei para Harry e ele mantinha os olhos fixos na direção que vinha o som, era tarde demais para correr. Ele então postou-se na minha frente, protegendo meu corpo com o seu. Eu não conseguia me mover, o medo aumentava de acordo com a proximidade do som, abaixei e peguei um pedaço de madeira grosso o suficiente para deixar alguém tonto, não era o suficiente só que eu não morreria sem lutar.
  Espiei por entre o corpo de Harry e vi o homem saindo da mata, estava debilitado e havia sangue na sua perna esquerda, que ele insistia em arrastar. Vi a cabeleira loira no topo da sua cabeça me fazendo reconhecer o visitante inesperado. Corri me desvencilhando das mãos de Harry que tentaram me impedir de ajudar o homem que agora eu sabia quem era.
  Andrew.
  Sem esperar por maiores explicações Andrew passou a mão por minha cintura, jogando um pouco do seu peso em meus ombros. Em sua mão eu conseguia ver o revolver, e entendi de onde vinham os tiros que tínhamos escutado. Ajudei Andrew a sentar no chão, não era uma boa ideia parar ali, porém era evidente que ele precisava de um descanso.
  - Tá tudo bem, ele está do nosso lado. - falei com a intenção de deixar Harry mais confortável, sem perceber que ele já estava ao meu lado.
  - Eu lembro dele. É o cara que estava com você na boate aquele dia – senti um misto de alivio e raiva na voz de Harry, queria xingá-lo por sentir raiva de Andrew, mas não era o momento.
  - Relaxa senhor cachinhos. – Andrew finalmente tinha falado. – Eu sou policial, estava ao lado da apenas para protegê-la. – ele riu baixo. – Acho que não deu muito certo né gatinha?
  Harry abaixou-se e rasgou um pedaço da manga de sua blusa, enrolou o pano envolta da ferida de Andrew na tentativa de estancá-la.
  - Eu não entendo, o que você está fazendo aqui? – eu disse tentando entender o que Andrew fazia ali, sozinho.
  - Depois que me despedi de você no parque, dei um jeito de me esconder em um lugar que pudesse observar você e o garoto da portaria sem que vocês me vissem – ele soltou um gemido de dor mas continuou falando. – seguir o carro dele até a entrada da mata, eu não conseguia entrar mais sem ser notado. Voltei para a cidade, avisei ao Phill sobre a situação, porém aquele velho filho da puta não podia fazer nada sem a aprovação dos superiores. Voltei para o hotel e achei o mapa do manicômio no Google e estudei a melhor forma de entrar aqui para resgatar vocês – mais um gemido. – Eu não podia esperar autorização de ninguém, você era a minha responsabilidade. Só que quando eu estava na entrada do prédio o carro chegou e os dois homens me viram, consegui atirar no mais novo.
  - E o açougueiro? – perguntei na esperança de que ele continuasse e me dissesse que no final tinha atirado nele também.
  - O cara é maluco, veio atrás de mim e acertou minha perna, alguma coisa chamou atenção dele e então ele correu para o outro lado, foi então que eu consegui fugir.
  - Isso significa que estamos perto do manicômio?
  - , eu não andei nem 200m depois que levei o tiro.
  Antes que eu pudesse sugerir sair daquela clareira, senti a presença atrás de nós, olhei para Andrew percebendo que seus olhos estavam alarmados, olhando fixo para um ponto além de mim. Girei meu corpo com cuidado ao mesmo tempo que me levantava, eu sabia quem havia nos encontrado.
  - Querida, cheguei!
  Em minha frente estava Michael, segurando o corpo imóvel de Blanda em seus braços. Sem aviso ele jogou o corpo da garota no chão. Os olhos de Blanda estavam abertos iguais sua boca, uma palidez além da habitual tomava forma em sua pele contrastando com o roxo em volta da sua boca. Ela estava morta. Blanda tinha sido a distração que salvara a vida de Andrew, mas por ironia ela tinha perdido a própria vida. Sem suportar olhar para ela naquele estado, afundei meu rosto no peito de Harry, que por sua vez me envolveu em seus braços.
  Se aquele era o meu fim, preferia morrer nos braços do homem que amei em toda minha vida. Tão pouco tempo e tanta história.
  - O amor é lindo. – ouvi Michael dizer entre as risadas, enquanto sentia a respiração de Harry ficar mais forte. – Eu amo o amor dos jovens, até admiro vocês dois. Mas sabe Harry, eu odeio quando alguém toma o que é meu por direito.
  - A não é propriedade sua, seu monstro. – a raiva que saía da boca de Harry ao me defender me fez tirar o rosto de seu peito e encarar a situação.
  Michael, o açougueiro, estava parado e mantinha a sua arma em mãos, mas não parecia preocupado em aponta-la para nós. Ela estava apontada para o chão, como ele não tivesse a intenção de usa-la naquele momento. Relutante, olhei outra vez para o corpo de Blanda, percebendo que ela tinha sido sufocada e não baleada. Era assim que Michael matava, ele gostava de usar suas mãos, a arma só estava ali como garantia de que obedeceríamos a ele.
  - Harry, me conta, como é ter toda glória do mundo e morrer tão jovem?
  - Por que você não me conta como é saber que a mulher que você quer, na verdade ama a mim?
  [play na música]
  Michael soltou um urro alto o bastante para me fazer dar um passo para trás. Segurei a mão de Harry ao ver o açougueiro vir em nossa direção. Era o fim, eu estava dando graças a Deus por aquilo estar terminando. Olhei uma ultima vez para Harry, sabíamos que não adiantava correr mais, era aceitar o inevitável. Eu sentia muito por ter colocado Harry naquela situação, de antecipar sua morte. Eu não queria morrer também. Mas olhando para seus olhos eu não sentia medo, na verdade me sentia agradecida por ter passado meus últimos dias ao seu lado.
  - Eu sempre irei te amar. – ouvir Harry dizer.
  - Eu sempre irei te amar. – retribui suas palavras.
  Eram as nossas últimas palavras.
  Senti o cabo do revolver bater em minha cabeça, meu corpo tombou de lado sem meu consentimento, senti quando cai na terra fria. Queria gritar, não, lutar por mim e por Harry, mas não conseguia. Tudo estava perdido afinal.
  As coisas aconteceram muito rápido. Enquanto eu lutava para deixar meus olhos abertos ouvi a luta entre Michael e Harry, ouvi um baque forte e eu sabia que era o corpo de Harry caindo ao chão e depois silencio. Quando os passos do açougueiro viraram em minha direção ouvi a voz de Andrew.
  - Não tão rápido, bonitão!
  Andrew havia levantado enquanto estávamos distraídos. Ouvi dois tiros. Ouvi dois corpos caindo ao chão. Ouvi sirenes.
  Uma clareira e cinco corpos, estávamos todos mortos no final. Me entreguei a dor e por fim só vi a escuridão.

Capítulo 15 – Quem vai ser o primeiro a dizer adeus?

  Música do capítulo: Link

  Pode dar play na música

  Abri os olhos com dificuldade, sentindo minha cabeça explodir. Minha mãe estava ao meu lado, eu queria perguntar o que estava acontecendo, porém, o que consegui foi fechar os olhos e voltar a dormir.
  Eu podia ouvir as vozes.
  - Eu não sei como contá-la sobre o Harry...
  Era a voz da minha mãe, a voz que ela tinha quando chorava.
  - O corpo de Lucian será levado para Austrália amanhã, ele foi um bom agente.
  Lucian era o nome verdadeiro de Andrew. Essa era a voz de Phill o agente do FBI. Eu podia ouvi-los.
  Eu não conseguia abrir meus olhos.
  Foi em algum momento daquela confusão que sentir meus olhos pesados finalmente se abrirem, a claridade me incomodava, ao meu lado conferindo os aparelhos havia uma enfermeira. Tentei abrir minha boca para chamar sua atenção, mas foi em vão, porém, a moça viu que eu estava finalmente acordada. Antes de dizer qualquer coisa ela colocou água em meu copo para em seguida me ajudar a beber.
  - Beba devagar, sem pressa, não queremos que você se engasgue.
  Eu estava com muita sede, tinha acabado de perceber. Quando terminei de beber a água sentia mais confortável em falar.
  - O que aconteceu?
  - Aconteceu que você é uma guerreira, senhorita. – cada vez que ela falava comigo eu me sentia uma criança recuperando de uma cirurgia complicada. – Você vai ficar bem, só está cansada demais.
  - E os outros? – mencionei o assunto que eu estava querendo saber.
  - O doutor Winston já está vindo para lhe explicar tudo, senhorita .
  Quis brigar com a enfermeira simpática e exigir que ela mesma me desse o parecer sobre Harry, não queria esperar por nenhum médico. No momento que pensei em colocar meu plano de obriga-la a falar em ação vi um homem baixo e robusto entrar pela porta, e ao julgar por seu nome no jaleco ele era o tal doutor.
  - Bom dia , eu sou o doutor Winston. – queria dizer a ele para pular a parte de apresentações e passar para as informações que eu realmente queria saber. – Você chegou ao hospital há dois dias em estado inconsciente, sem machucados graves, porém seu corpo estava muito fraco e por isso até o presente momento você estava sob o efeito de sedativos.
  - E quanto aos outros?
  - . – ele baixou os braços chegando mais próximo de mim. – Infelizmente, três pessoas foram a óbito no local onde vocês foram encontrados. – engoli em seco, um deles eu sabia que era Blanda, mas o outro eu não sabia se queria ouvir quem era.
  - Eu quero os nomes doutor.
  - Concedi uma exceção referente ao horário de visitas e permiti que o agente que cuidou do seu caso viesse aqui no seu quarto. – ele anotou algo em suas folhas. – Vocês têm muito que conversar. Ele irá lhe explicar tudo, .
  Nesse mesmo instante ouvi duas batidas na porta, sem olhar para trás o doutor Winston virou-se pronto para sair. Na porta, vestindo o mesmo terno escuro e segurando um copo pequeno de café estava Phill, ele parecia cansado.
  - E então Phill, é você que veio me dar a má noticia.
  - Eu sinto muito por demorarmos tanto a chegar. – Phill aproximou-se da cama, sentando na poltrona ao meu lado. – Encontramos o corpo do garoto perto do carro, Call era o nome dele. – balancei a cabeça afirmando. – Andamos pouco até encontrar a clareira. Foi uma cena assustadora, achei que todos estavam mortos. – ele não tinha entusiasmo nenhum em sua voz. – A garota havia morrido antes, asfixia. – pensei em Blanda e seu corpo estático em minha frente. – O açougueiro, ou melhor Michael, morto com um tiro na cabeça. – encarei Phill com intensidade, aquelas palavras significavam liberdade para mim. – E Lucian. – Phill limpou a garganta antes de continuar, vi seus olhos úmidos e um nó subiu por minha garganta. – Lucian morreu devido a um tiro no peito, no coração. – ele apontou com a mão para seu próprio coração indicando o local onde o colega de profissão havia recebido o tiro.
  - Eu sinto muito. – senti meus olhos queimarem preparando para receber as lágrimas.
  - Não sinta, . – Phill segurou minha mão de forma um tanto desconfortável. – Lucian gostava muito de você, se tivesse sido ao contrário, ele nunca se perdoaria por deixar você morrer.
  - Eu queria ter tido a chance de agradecê-lo por tudo o que fez por mim. – deixei que as primeira lágrimas caíssem por minha bochechas. – Ele era um homem muito especial.
  Abaixei meu rosto evitando olhar para Phill, ele estava esperando que eu perguntasse por Harry, ele não diria por conta própria. Respirei fundo e fiz a pergunta que tanto me agoniava.
  - Phill? – finalmente olhei para ele. – Onde está o Harry?
  Phill tirou suas mãos da minha e ajeitou o corpo na poltrona, e foi assim que eu soube que eu não teria notícias boas. Com dificuldade sentei na cama, esperando pelo que viria a seguir.
  - , o Harry está vivo. – respirei aliviada. – Ele acordou hoje, quase no mesmo horário que você, se eu acreditasse nessas coisas diria que vocês estão sincronizados, mas...
  - Mas? – olhei apreensiva incentivando ele a continuar, aquele “mas” viria acompanhado por uma coisa ruim.
  - Quando Harry bateu a cabeça no chão ele lesionou uma parte do cérebro referente a memória curta dele.
  - Isso significa que ele não lembra de nada que aconteceu no manicômio?
  - Isso significa, , que ele não se lembra de nada que aconteceu nos últimos três anos.
  Olhei para baixo, confusa com tudo que Phill tinha acabo de jogar em minha cara. Harry estava vivo, e essa era a noticia mais importante que eu tinha escutado nas últimas horas, porém ele ter esquecido dos últimos anos significava que ele não se lembrava de mim. A nossa história tinha morrido para Harry.
  - Os médicos não sabem informar se essa é uma situação permanente. – continuou Phill. – Eles não contaram nada sobre os ataques do açougueiro ainda, vão contar mais tarde quando ele estiver melhor.
  - E a imprensa? O que sabe sobre essa história toda?
  - Nada. Vocês estão sendo atendidos em uma ala fechada do hospital, a equipe responsável por vocês assinou um contrato de sigilo. – Phill levantou-se indo até a janela, eu o acompanhei com os olhos. – Por enquanto o que a imprensa sabe é que Harry teve um mau estar e precisou ser internado, como da outra vez, cabe a vocês quererem falar a verdade ao mundo.
  Não precisou de muito tempo para que minha decisão fosse tomada. Eu era covarde o bastante para contar toda a violência e todo o sofrimento que havíamos passados nos últimos tempos. Eu nunca esqueceria daquele inferno, mas era incapaz de negar essa chance ao Harry.
  Doía, mas sabia que eu precisava fazer o sacrifício. Meu amor por Harry é grande demais para ser apagado, meu amor por ele é grande demais para deixar que carregue esse trauma para o resto da vida.
  Minha decisão tinha sido tomada.
  - Phill?
  - Sim? – ele virou em direção a mim, deixando de olhar a confusão de fotógrafos na porta do hospital.
  - Posso te pedir mais um favor? – ele assentiu com a cabeça. – Você consegue que os médicos não contem nada ao Harry? – ele chegou outra vez perto da minha cama, eu sabia que ele tinha entendido onde eu queria chegar. – E consegue fazer com que os médicos deixem os meninos da banda virem ao meu quarto para que eu possa conversar com eles?
  - Tem certeza do que vai fazer?
  Balancei a cabeça confirmando, senti a mão de Phill em meu ombro e me permiti chorar. Chorar por ter que apagar a minha história com Harry. Como eu viveria sem ele agora? Eu nunca me perdoaria por isso, mas sei que pior seria viver sabendo que eu era a causa das piores lembranças dos Harry.
  - Não quer conversar com seus pais primeiro.
  - Não posso mudar de ideia. – quase não conseguia dizer as palavras entre o choro. – Por favor, deixa eu terminar isso.
  Então Phill saiu pela porta sem olhar para mim de novo, nós tínhamos criado uma cumplicidade incomum nesses casos. Phill me entendia e, além disso, apoiava minha decisão porque, assim como eu, se ele pudesse tiraria todos as lembranças do açougueiro de sua mente.

  Demorou mais do que eu imaginava para que o hospital liberasse a visita de de Liam, Zayn, Louis e Niall em meu quarto. Eu precisava da ajuda deles agora. Enquanto os quatro me observavam eu criei coragem para falar o que queria.
  - Eu pedi para que vocês viessem antes porque tomei uma decisão e vocês precisam me ajudar.
  - , talvez não seja a hora de você tomar decisões, o Harry irá precisar de você agora. – Liam ponderou as palavras, mas eu sabia que Phill já tinha adiantado o assunto para eles, bastava olhar para a forma que os outros três me encaravam. Eles me condenavam.
  Eu me condenava.
  - Phill me contou sobre o estado do Harry. – olhei com cuidado para cada um. – E eu não quero que vocês contem nada para o Harry. Não quero que ele se lembre de mim, não quero que ele se lembre dos últimos dias.
  Desabei na cama não conseguindo controlar meu choro. Senti a mão de Niall envolver meus ombros, agora sensibilizado com meu sofrimento, enquanto os outros se aproximavam.
  - Não é justo com ele. – Zayn foi o primeiro a dizer.
  - Não é justo com vocês. – Liam corrigiu rapidamente Zayn.
  - Não é justo, mas aconteceu. – eu busquei minhas ultimas forças para continuar falando. – Não é justo fazer com que ele carregue esse sofrimento o resto da vida. Toda essa violência, em dobro. Basta que eu saiba, basta que eu sofra. Eu amo o Harry, e isso nunca irá mudar. Nunca. Eu o amarei até o dia que eu der meu último suspiro. - Agora os quatro estavam próximos da minha cama, não havia julgamento nem condenação em seus rostos, mas havia compaixão. – É por amá-lo assim que eu preciso libertá-lo.
  - Tem certeza disso? – Louis disse enquanto segurava minha mão.
  - Não, mas é o que precisa ser feito.
  Então, um por um, eles confirmaram que não contariam nada para o Harry, que esse seria nosso segredo até o dia que suas memórias voltassem. Se voltassem. Não falamos mais nada, apenas ficamos os cinco em silencio por longos minutos, era uma despedida nossa também, a partir do momento que eles saíssem pela porta não poderiam me conhecer mais. E eu os amava como irmãos, era uma parte minha que eu precisava sacrificar também.

  Recebi alta no dia seguinte, meus pais me aguardavam na recepção para enfim me levarem para longe dali. Demorei mais do que devia no quarto, não queria encarar minha nova vida. Minha nova vida sem Harry Styles, o cara que eu amei e amo. Phill me mantinha informada sobre o estado de saúde de Harry, já que os médicos negavam informar a condição do paciente a alguém que não era da família.
  Fechei o ultimo botão do meu cardigã e me olhei no pequeno espelho do banheiro. Eu estava acabada, tinha envelhecido alguns anos nesses últimos dias, em meu rosto ainda podia se ver a marca da violência de outrora. Respirei fundo e decidir ir embora.
  Andei devagar pelo corredor vazio, era uma ala exclusiva do hospital, apenas eu e Harry estávamos sendo atendidos ali. Passei por um quarto com a porta aberta, inevitavelmente parei e entrei em silencio.
  Harry.
  Seus olhos estavam fechados, em sua cabeça havia uma faixa branca. Levei minha mão a boca tentando não fazer barulho, senti as lágrimas escorrerem por meu rosto. Eu queria poder sentar ao seu lado, queria poder cuidar dele. Mas como eu faria aquilo, sendo eu a culpada por ele estar aqui hoje? Virei determinada a ir embora.
  - Ei você!
  Ouvi a voz rouca dele me chamar, queria fingir não o ter escutado e ir embora, mas não consegui. Virei-me e o encarei, lá estavam os olhos verdes que eu tanto amava. Por alguns segundos achei que ele me chamaria pelo apelido e estenderia os braços para me abraçar, dizer que está tudo bem e que na verdade ele ainda me ama, mas nada aconteceu.
  - Achei que fosse o único nesse hospital. – ele disse enquanto ajeitava seu corpo na cama. – É a primeira pessoa, além da minha mãe e dos médicos, que vejo desde que acordei. Qual o seu nome?
  - . – engoli em seco ao dizer, esperei que ele dessa vez recordasse de tudo, mas nada de novo.
  - É um nome bonito. – ele abriu o sorriso torto que eu tanto amava. –Você não quer entrar e conversar um pouco? Eu me sinto sozinho nesse lugar.
  - Desculpa, eu preciso ir. Estão me esperando para ir embora.
  - Sorte sua sair daqui, odeio hospitais.
  Minha vontade era dizer que sabia que ele odiava hospitais, que além disso eu conhecia todas as suas manias. Mas ao invés disso virei sem me despedir e comecei a andar.
  - Espere . – voltei meu rosto para ele, a maldita esperança nunca ia embora. – Não nos conhecemos de algum lugar? Porque eu tenho a impressão que já te vi antes.
  - Meu rosto é bem comum, você deve estar me confundindo com alguém. – virei outra vez, agora para disfarçar as minhas lágrimas. – Adeus Harry.
  Então eu corri até o elevador. Corri para tentar tirar a dor do meu peito, corri para consegui respirar outra vez. Mas não adiantou, eu estava deixando para trás a minha força. Eu estava deixando minha alma. Eu estava abandonando meu amor.
  Nos últimos anos eu ganhei uma vida, mas ela escapou das minhas mãos. Eu não tinha meus amigos, não tinha meu filho e agora não tinha o Harry. Eu havia me perdido.
  Adeus Harry!
  Adeus !

FIM



Comentários da autora


Obrigada a todas que acompanharam a primeira e a segunda parte da fic. Obrigada mesmo! Esse tempo que escrevi 74/75 Dias foi especial, além da conta pra mim. Eu não quero “falar” demais agora, porque estou em um misto de alivio e tristeza, não queria que tivesse fim. Não queria esse fim, mas essa nunca foi uma história de amor, certo?
Eu estou me odiando também, mas esse era o final inevitável!
Qualquer dúvida, critica ou xingamento que vocês queiram fazer, meu twitter é esse: @_dinhagabius.
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Beijos!