Work & coffee

  — Não há um futuro para nós dois, . Eu tentei te amar e te manter na minha vida, mas a única coisa que você é capaz de amar é a música.

   observou a mulher caminhar para fora do estabelecimento com um olhar vazio, apesar de sentir um aperto no coração. Seu noivado com a herdeira de uma das produtoras mais famosas de Seul havia terminado, e por mais que uma parte de si quisesse ir atrás dela e pedir mais uma chance, a sua consciência o lembrava que a partida de Kang Sophie era uma consequência de suas ações, e no final, o homem sabia que ficaria sozinho mais uma vez, como de costume.

  Se relacionar com outras pessoas sempre foi um desafio para o músico que, além de cantor, era compositor, produtor e possuía sua própria gravadora, então sua vida se resumia a trabalho. Ele nunca escondeu a sua natureza workaholic e tampouco culpava as pessoas por irem embora quando essa sua característica as incomodava, contudo, achou que talvez, por algum milagre divino, dessa vez fosse dar certo. tinha uma certa dificuldade de se afastar do trabalho, considerando que agenciava alguns artistas e a sua própria carreira, mas, por Sophie, ele tentou melhorar nesse quesito e em outros, apesar de não ter sido o suficiente para fazê-la ficar. não mentiria e diria que a amava com todo o seu ser, ainda mais quando o casamento começou por puro interesse de uma parceria que beneficiaria ambas as partes, porém, depois de um bom tempo convivendo com Kang, ele começou a desenvolver sentimentos pela produtora que, desde o início, nutria algo pelo homem também.

  Provavelmente, essa relação estava fadada ao fracasso desde o dia um. Talvez, só talvez, sabia bem lá no fundo que ninguém ficaria ao seu lado por mais que quisesse ser amado, contudo, ele não mudaria a sua essência para ninguém ficar. A sua mudança havia sido em vão, e o homem não queria gastar energia novamente com outra pessoa para que, no final, ela fosse embora.

  — Eu também não me casaria com você, principalmente quando você tem afastado os meus clientes com a sua aura melancólica.

   levantou o rosto, levando o seu olhar ao da mulher a sua frente e a encarou um tanto confuso, apesar de achar a sua fala audaciosa. Pela primeira vez desde que Sophie foi embora, o homem reparou em outra pessoa, e algo dentro de si se remexeu. Não sabia dizer se era bom ou não, contudo, o músico pôde sentir um nervosismo misturado com uma dose de excitação, e agora, estava curioso sobre a mulher na sua frente.

  — Desculpa — respondeu meio desconcertado. Não gostava de ser o culpado, no entanto, não conseguia evitar.

  — Já faz um mês que você levou um pé na bunda e continua com a mesma expressão — a moça foi para trás do balcão, voltando com dois copos. — Uma bebida quente para um dia frio.

  — Obrigado — se limitou a acenar com a cabeça. — Eu sinto muito por estar afastando os seus clientes…

  — .

  — Sinto muito por estar afastando os seus clientes, , mas, eu gosto muito do seu café e gostaria de continuar trabalhando aqui.

  — Você acha que acredito nessa desculpa? — riu. — Não tem problema algum trabalhar aqui, inclusive, você atrai mais clientes para mim de qualquer maneira — deu de ombros. — Contudo, eu preciso de uma ajudinha com algumas caixas e você é a pessoa certa para me ajudar.

  — Eu preciso trabalhar. — Apesar do olhar sério, o tom de voz do rapaz era tranquilo.

  — E vai trabalhar comigo. Meu café, minhas regras. Eu te pago um jantar na saída.

  A mulher deu uma piscadinha pro homem, o deixando ainda mais confuso. Toda aquela interação havia sido extremamente repentina, e por mais curioso que estivesse, não sabia se queria pisar em um território desconhecido. Porém, a sua curiosidade falou mais alto, e logo ele se viu adentrando a porta da cozinha da cafeteria, indo ao encontro de .

  A arrumação havia levado mais tempo do que o esperado.

   massageava o próprio ombro ao finalizar de carregar as caixas, impressionado com a quantidade de coisas que uma cafeteria precisava. Não que achasse que era um trabalho fácil, entretanto, nunca parou para pensar em como cada produto precisa de um recipiente e utensílios próprios para serem feitos – além dos materiais necessários –, e essa descoberta o fez perceber que a sua visão do mundo era um tanto limitada. Para ele, nada importava mais do que o seu trabalho, e com a sua atenção totalmente focada nisso, ele perdia os pequenos detalhes do mundo a sua volta e vivia sempre no seu casulo. riu consigo mesmo, achando incrivelmente estranho como bastou apenas algumas horinhas do seu dia para perceber o que sempre esteve a sua frente e ele simplesmente escolhia não ver.

  — Obrigada pela ajuda, ! — falou animada, sorrindo para o homem que ficou sem reação por alguns segundos. — Aqui, bebe uma água. Mover todas essas caixas além de ser cansativo, dá bastante cede.

  — Obrigado. Não fazia ideia de quanta coisa uma cafeteria possui.

  — As pessoas acham que é só por o pó na máquina que o café tá pronto — suspirou. — Há tantos detalhes que eu poderia ficar horas falando, mas, acredito que você esteja com fome, certo? Conheço um lugar ótimo, vamos!

  — Que lugar aceitará clientes às… onze e meia?

  — Ah, nós só vamos buscar as comidas e comeremos lá em casa.

   arregalou os olhos surpreso, e antes que pudesse contestar, a mulher o puxou para fora da cafeteria para fechá-la.

  — Terei que recusar o convite, .

   repetiu a frase pela milésima vez, tendo a certeza de que estava sendo ignorado. O trajeto até o restaurante não havia levado mais de dez minutos, no entanto, nesse meio tempo, a dona da cafeteria ignorava o músico, já que ele parecia um papagaio repetindo a mesma coisa.

  — Chegamos — anunciou ao pararem em frente a uma porta de vidro.

  — Sejam bem-vindos… oh, é você, ? — Uma jovem beirando os seus vinte e cinco anos sorriu, abrindo espaço para que os dois pudessem entrar. — Amigo novo?

  — Uhum, esse é o , você deve conhecer o trabalho dele, Yuri.

  — Prazer — se limitou a um aceno, um tanto desconfortável.

  — Todos os meus clientes podem ser pessoas normais aqui, . Está vendo aquele bonitinho ali? — A mulher apontou para um rapaz de óculos e com o cabelo acima do ombro, que estava vidrado em seu celular. — Ele é o streamer das manchetes, mas aqui dentro, ele é só uma pessoa comum degustando de um ótimo jantar. Assim como aqueles dois no andar de cima — logo reconheceu os dois indivíduos. — Então, não precisa se sentir incomodado, aqui não há paparazzi ou pessoas pedindo autógrafos. Agora, o que vão pedir?

   se sentia sem graça por ter sido lido tão abertamente, porém, estava igualmente maravilhado em conhecer um lugar tão diferente e aconchegante. A iluminação mais quente e baixa colaborava com essa atmosfera, e a música ambiente não era chata, era bastante agradável até. Assim que fez o seu pedido e a chefe saiu, ele decidiu dar uma olhada no local, visto que havia subido as escadas e conversava com alguns conhecidos; o restaurante possuía vários certificados e até conquistou a sua primeira estrela Michelin, tendo algumas fotos penduradas na parede ao lado dos certificados. Mais uma vez, o músico se perguntava como nunca havia ouvido falar desse lugar, chegando na mesma conclusão de mais cedo e a sua única reação foi suspirar pesadamente, pensando novamente em como estava perdendo muito da vida. Em todos esses anos, por mais que lhe falassem isso, ele apenas ignoraria, voltando a focar no seu trabalho; agora, em um único dia, percebeu que valia a pena olhar ao seu redor e conhecer coisas novas e fazer amizades pelo caminho.

  Quando percebeu, estava parado em frente a mesa do streamer, e o rapaz o olhava com uma certa confusão estampada em seu rosto.

  — Não seja mal-educado, — Yuri deu um tapinha na cabeça dele, recebendo um resmungo de resposta. — , esse é . , esse é o .

  — E aí — o streamer acenou para o músico.

  — Prazer — sorriu brevemente, tentando parecer simpático.

  — Já está fazendo amigos? Que avanço! — surgiu atrás de , o assustando. — Oi, !

  — Tudo certo, ? — não esperava que o outro fosse sociável, mas talvez fosse que nem ele, mais fechado e reservado em primeiros contatos. — E a cafeteria? Eu e Yuri vamos lá na próxima folga dela, só espero que ninguém siga a gente.

  — Quem diria que a sua namorada tem mais fãs que você, o gamer do momento? — A mulher riu. — Fique tranquilo que agora temos uma segurança mais reforçada, e o aviso no mural deve ajudar a resolver. , alguém te incomodou nesses últimos dias?

  — Agora que falou, não — ponderou um pouco. — O máximo que acontece é eu receber alguns olhares demorados, mas nada demais.

  — Viu? O aviso resolveu. Enfim, espero ver vocês lá. Tenho um novo licor de café que é dos deuses, e aposto que vai gostar. Já pra Yuri, tenho um frapê alcoólico delicioso.

  — Que maravilha! — A chefe bateu palminhas, visivelmente animada. — Já falou com o restante do pessoal? Ah, e aqui estão os seus pedidos.

  — Já sim, e obrigada! É sempre bom estar com vocês, contudo, precisamos ir. Até semana que vem!

  — Obrigado e até mais — acenou com a cabeça e se juntou a na porta.

  A noite estava agradável e as ruas tranquilas, apenas com alguns carros passando por elas. , depois da ida ao restaurante, parou de tentar recusar o convite de e a acompanhou até sua casa, em uma caminhada de vinte minutos. A residência não era grande, mas não deixava de ser espaçosa, e possuía um quintal e um jardim bem cuidado. Eles foram recebidos com alguns miados e latidos, e logo o rapaz se abaixou, fazendo carinho nos bichanos.

  — Seja bem-vindo, — se sentiu estranho ao ser chamado pelo seu nome, entretanto, não era algo ruim, apenas… diferente. — O banheiro fica no final do corredor, estarei na cozinha arrumando as coisas para podermos jantar. Você também pode usar a pia daqui se preferir.

  — Obrigado pelo convite, .

  — Quem diria que você acabaria vindo depois de ficar me enchendo com “terei que recusar” e blábláblá — a mulher caiu na gargalhada, e o homem se permitiu a rir também. — Pode me chamar de . Passamos bastante tempo juntos para ficarmos na formalidade.

  — Eu não sei nem o seu sobrenome — sorriu maroto.

  — É Hathaway. E eu tenho vinte e oito anos, formada em física e mãe da Chise e do Pluto. A parte da cafeteria você já sabe — terminou de colocar os utensílios na mesa, se sentando.

  — Muito prazer, — o músico se juntou a ela. — Eu sou o , mais conhecido como , tenho vinte e oito anos e sou formado em música. O resto você já sabe.

  — Será que sei mesmo? — Hathaway sorriu um tanto travessa. — Acredito que teremos bastante tempo para nos conhecermos.

  — É?

  — A menos que você não queira.

  — Eu quero.

  A voz do homem saiu em um tom quase desesperado, surpreendendo a ele mesmo. deu uma bela golada da sua bebida e fechou os olhos, se sentindo estranho por ter reagido desse jeito. Na verdade, se sentia um pouco envergonhado, todavia, mal sabia que a dona da cafeteria estava feliz com essa resposta.

  — Então somos dois. Sendo sincera, a sua presença me incomodava.

  — Como?

  — Não me entenda mal, eu adoro o seu trabalho e você atrai alguns clientes para mim — deu um risinho anasalado. — Desde o dia do seu término até hoje, a única visão que eu tinha sua era de uma pessoa extremamente focada no trabalho, como se tivesse um relacionamento tóxico com ele, e eu ficava pensando o que se passava na sua cabeça. Aí cheguei a conclusão que, além de não conhecer nada além da sua imagem de artista, a única visão que eu tinha sua era essa: de um workaholic fechado para o mundo. E como eu estava um tanto curiosa, decidi puxar assunto. Não imaginava que estaríamos tendo um jantar juntos na minha casa, mas fico feliz que eu tenha dado o primeiro passo para conversar com você. A sua companhia é bem agradável.

   não sabia o que responder, no entanto, ficou feliz com a última frase. Em toda a sua vida ninguém lhe disse que a sua companhia era agradável, pelo contrário, diziam que preferiam ficar afastados dele, então escutar isso pela primeira vez o deixou com o coração quentinho, e nem mesmo o homem sabia que isso era capaz.

  — Obrigado por ter dado o primeiro passo e ter me tirado do casulo, .

   olhou para e sorriu, tendo a certeza de que esse era só o início de uma relação que marcava também o seu recomeço consigo mesmo e o mundo a sua volta.