When We Were Young
- , você pode tirar uma foto nossa, querida?
Não havia sido a primeira, muito menos a última solicitação que eu receberia durante a noite. Quando pedi ao anfitrião que me deixasse fotografar um pouco do evento que ele fez questão em me mandar um convite com letras grifadas que a minha presença seria como a de qualquer outro convidado, o renomado senhor Patrício Oliveira olhou para a sua tão amada neta de consideração e a deu um sermão. Mas, sabendo que seu sonho em ter uma neta e mimá-la viria contra si, recebi a permissão após meia hora do pedido. Seu descontentamento ainda estava ali, era nítido em seu rosto frases como: “vá curtir a noite”, “beba a vontade e faça amizades, loucuras ou o que bem entender”. Eu sabia muito bem de onde vinha toda essa motivação, e meu coração doía um tanto ao ver sua feição após a notícia, entretanto, meu sorriso ficava visível de modo que eu o assegurava que eu ficaria bem. Acho que ele é a figura mais próxima de família que eu tenho, então minhas únicas escolhas eram sorrir e tentar me divertir para que Patrício não ficasse preocupado. Decidi, depois de muita enrolação, ir ao bar e beber algo em uma taça tão pomposa quanto o estabelecimento e a decoração em dourado que ocupava todo o recinto. Caminhei pelo salão até a área descoberta repleta de pequenos grupos espalhados por sua extensão, conversando e tragando aos risos enquanto o vento os pegava despercebidos. Saboreei a bebida e chequei o meu celular, respondendo algumas mensagens e atualizando os meus stories nas redes sociais, prontamente recebendo alguns elogios que me fizeram soltar uma gargalhada. Coloquei o aparelho no bolso interno do meu terno, entregando a minha atenção para o céu limpo e ouvindo o bate papo alheio, como forma de me entreter com a vida alheia. É incrível como você pode descobrir inúmeros fatos sobre os convidados apenas estando encostada na vidraria da sacada, todavia, já estava se tornando um chateamento por não ter nenhuma fofoca para que eu pudesse compartilhar com o anfitrião, então, escolhi retornar as fotos. Ao me observarem com a câmera, continuei recebendo solicitações e atendi todas prontamente, me divertindo com as pessoas que encontrava pelo trajeto. Ao fundo, pude perceber um burburinho e o meu espírito de vizinha fofoqueira foi aguçado, mas permaneci fotografando e me aproximei calmamente de onde vinha o pequeno alvoroço. Senti uma mão em meu ombro e antes de olhar para trás, confirmei com um aceno e me posicionei para mais um registro.
Até que meu olhar pousou sobre ele.
Como em um filme, senti que o foco de luz caiu especialmente em nós dois e eu não ouvia mais todo aquele falatório: ao contrário, o silêncio e a tensão faziam com que os únicos ruídos fossem as batidas de meu coração e isso não podia me irritar mais do que não ser informada de que Oliveira compareceria ao evento.
“É muito injusto isso.” sussurrei, aproveitando a brecha que tive e tentei sair de fininho conforme os outros iam se distraindo, porém, como uma maldição, alguém gritou o meu nome e a atenção foi voltada a minha presença. Ótimo.
— ! Por favor, gostaria de tirar fotos ali, se possível. – Uma senhora extremamente arrumada e exalando riqueza apontou para o lugar e estendeu seu braço para que eu o segurasse – Bom, eu só dei uma desculpa. Reparei que a senhorita havia uma feição estranha e talvez não estivesse se sentindo bem para continuar, e acho que sabemos como os ricos são, não é mesmo? – rimos – Iam sugar cada pedacinho da sua boa vontade. Solicitei ao garçom para trazer um copo de água e um de licor, afinal, algo me diz que a sua noite será movimentada. Agora, se me der licença… – observei a mulher se afastar e cumprimentar quem passasse por si, de modo caloroso e carismático. Logo o garçom surgiu com as minhas bebidas e eu agradeci, ingerindo a água com tamanha urgência que mal percebi quando uma outra silhueta parou ao meu lado e me entregou um pedaço de papel.
“Sinto muito por não ter avisado, .
– Seu avô favorito.”
Era como se eu tivesse voltado para os meus 16 anos e toda aquela de nostalgia veio à tona sem permissão, e me peguei sorrindo timidamente para a cena na minha frente: as pessoas com seus olhos vidrados nele, pois todos eram apaixonados pelo seu jeito e a forma como ele remetia a um lar, quente e acolhedor. Por um impulso, o fotografei, talvez em uma falha tentativa de manter esse momento gravado antes que a irritação crescesse mais e estragasse a esperança escondida de que pudéssemos ser nós mesmos pela última vez. Eu jurei que não permitiria que as memórias me fizessem vulnerável, e nem passou pela minha cabeça a ideia de que os sentimentos uma vez machucados voltassem assim, tão rápido e fingindo que estavam bem.
“Quem eu quero enganar?”
sabia que seu sorriso tinha um efeito absurdo em mim, então tudo que ele fazia, vinha acompanhado de um riso que me levava consigo sem muito esforço. Não demorou até iniciarmos o nosso namoro que durou todo o ensino médio e quando completamos 18 anos, combinamos de passarmos o nosso futuro na presença um do outro. Ele era como um filme, e juntos soávamos como uma canção, a mais gostosa de se ouvir em uma tarde de verão. Foi por causa dele que Patrício me apoiou e me abrigou em sua casa, e claro, me considerou como sua neta. Eu e crescemos e aprendemos com o nosso relacionamento, e algumas pessoas diziam que éramos um clichê bem romântico e não tinha como negar.
Até o dia que a promessa foi quebrada.
Segunda semana de outono e eu precisei viajar obrigada pela minha mãe que mal vinha me visitar, em uma maneira estranha dela tentar se aproximar de mim, que mais tarde descobri ser pelo dinheiro que ganhei durante o meu trabalho. Além de pôr na poupança uma quantia para sobreviver, meu sonho era conseguir finalmente investir em uma câmera profissional e tentar a vida na cidade grande, juntamente de e sua magia com a música. Ele queria tentar entrar em alguma gravadora, mas ao receber o convite de uma, se viu preso com seus pais que nunca teve uma boa relação, por isso morava com o seu avô. Entretanto, Patrício precisou ficar hospitalizado e seu neto teve que morar um tempo com os responsáveis, o que causou muito estresse e ansiedade em nós dois. Decidimos fugir da realidade que nos sufocava e finalmente tentar a vida em outro lugar, como sempre sonhávamos. A surpresa veio depois de uma hora e meia esperando na estação, o seu celular não estar recebendo mais chamadas e nenhuma mensagem tinha sido visualizada. Logo entrei no ônibus que ia para a casa de seus pais, e ao chegar no local, fui recebida pela vizinha, que me entregou uma carta e me ofereceu uma xícara de chá. Descobri que após uma briga, teve seu celular quebrado e foi obrigado a se mudar, já que Patrício não apresentava melhoras e os seus responsáveis queriam que ele fizesse faculdade. Por um lado eu tentava ser compreensiva, mas o meu coração havia sido partido em inúmeros pedaços e doía tanto que fiquei sentada a madrugada inteira em um banco da pracinha. Todo o contato que eu tentava durante os próximos meses eram ignorados por seus pais, e a única notícia que eu recebi dele próprio era que ele estava bem e eu não precisava me preocupar. Então, prometi a mim que esqueceria o meu filme e seguiria o meu rumo, focando no meu trabalho.
E quem imaginaria que o meu trabalho—ou melhor, o meu avô adotivo – faria com que eu ficasse cara a cara com o homem que tanto amei, e que me olhava tão surpreso, todavia, com aquele sorriso que fez tudo vir à tona.
Oliveira ficou ao meu lado, em silêncio. Não sabíamos o que falar, porém, era suficiente essa distância para o início desse reencontro. Seu terno o vestia perfeitamente, assim como o seu cabelo arrumado de forma que sua testa ficasse visível, dando um charme a mais. Seus óculos não o acompanhavam, muito menos as lentes, e eu me perguntei se o homem realmente estava me enxergando, por mais que eu adorasse observar o castanho do seu olhar. Percebi sua boca abrir e fechar algumas vezes, e logo menos obtive a resposta para a questão anterior.
- Quer sair daqui? – olhou para mim após longos minutos encarando o chão, como se ponderasse as opções e respostas. Reparei em sua mão estendida na minha direção e suspirei, a segurando com vontade e sem mais irritação.
Felizmente, os convidados estavam mais entretidos com os próprios narizes que nem perceberam que havíamos saído do salão, o que me deixou um pouco mais tranquila em relação as fofocas. O homem reparou no meu alívio e sorriu, provavelmente achando graça da minha reação. Por mais que tentasse esconder, ele também se sentia assim e foi a minha vez de rir quando começamos a correr na direção que tanto conhecíamos depois de pisarmos fora do prédio. Parecíamos dois jovens despreocupados que acabaram de sair de seu primeiro encontro e nada mais importava. Quem observasse de fora, diria que pela nossa idade o casamento já tinha saído do forno quatro anos após nos formarmos na escola, com uma vida junta e estabelecida. Que talvez, nosso primeiro filho estivesse sendo planejado e que tínhamos três gatos que nos acompanhavam nas viagens; noutro cenário, o foco seria graduação e pós-graduação, mas com o sentimento vívido e transparente. Talvez, só talvez, nosso futuro seria qualquer um que imaginávamos há 10 anos, mas, aos 28, sabíamos que nem tudo saí de acordo com o planejado.
Contudo, cá estamos nós, agindo como bobos apaixonados sem nenhuma bagagem emocional passada, apenas aproveitando o reencontro com poucas palavras.
*
Nossos corpos estavam em sentido contrário, deitados na grama recém-cortada e apenas nos permitimos a observar as estrelas tímidas que surgiam no céu, fazendo companhia a lua. O silêncio não era constrangedor, mas era nítido que os pensamentos de ambos borbulhavam como se estivessem sendo fervidos na mais alta temperatura. A prova se encontrava nas bochechas tão coradas que se eu tocasse, com certeza estariam aquecidas por conta da pseudo vergonha instalada nesses poucos minutos. Sem uma explicação plausível e por pura curiosidade, levei meus dedos ao seu rosto, tocando-o delicadamente aquela pele que eu tanto sentia falta. Pude ver a surpresa com o meu ato não durar mais do que cinco segundos, e ri brevemente, achando uma graça a sua reação, pois era assim que havia guardado em minha memória. O relógio mostrava que o nascer do sol viria em três horas quando senti seus dedos entrelaçando nos meus, apertando-os de modo que tive que afastar a minha mão alguns centímetros de seu rosto, e voltei a olhá-lo com toda a minha atenção. O cabelo castanho até então milimetricamente arrumado caía sobre sua testa, além de seus furos na orelha ficarem evidentes após eu pentear os fios para trás dela, algo que permaneceu igual desde quando éramos adolescentes.
- Você me esperou na estação naquele dia?
- Sim. – me virei na direção do céu, um pouco incomodada – Mais precisamente, por duas horas. Clichês de séries, certo? Onde já se viu duas pessoas combinarem de fugir e tudo sair conforme planejado… E você nem deve se importar mais com isso, então pra que perguntar?
- . – ele me chamou e sentou-se de frente para mim assim que levantei – Eu me importo tanto quanto você, e é por isso que queria pedir desculpas. Sendo sincero, estou atrasado, bem… muito atrasado, né? – rimos – Mas, o pedido é sincero. E eu irei me desculpar quantas vezes forem necessárias por não ter ido te encontrar e ter terminado tudo por uma carta. Eu fui extremamente idiota, mas isso você já tem noção.
- Realmente, um idiota bem clichê. Nós tivemos um relacionamento tão de filme que às vezes eu achava impossível de vivenciar, sabe? Definitivamente, você é que nem um filme, .
- Um bom, pelo menos? – sorri com sua resposta e lhe dei um breve tapinha no braço.
- Hum… Nota 7.
- Vou fingir que não escutei. – o homem começou a cantarolar.
- Ei, é uma nota boa! Não espere um 10 depois de como terminamos, ainda fui caridosa – mostrei a língua – Mas, nosso relacionamento sempre foi assim, como um filme.
- E uma canção também. – pôs sua mão em meu rosto, enquanto a outra passava pelas minhas madeixas.
- Isso – apontei para nós dois – me faz lembrar de quando éramos jovens.
- De quando tínhamos medo de envelhecer.
- E cá estamos… Você não vai precisar me pedir desculpas todos os dias. – ele me olhou curioso, talvez com a mesma pequena esperança que eu também tinha – Meu trem parte às sete.
Não foi preciso mais do que isso para que entendesse que nosso tempo estava contado, entretanto, diferente da última vez que estivemos juntos. Encostamos nossas testas por alguns segundos até que os lábios encontrassem o destino em comum. Era um beijo com gosto de saudade e da juventude, dos momentos que ficaram gravados por fotografias guardadas em caixas debaixo das camas. O gosto que eu tanto adorava e almejava, mas que significava o possível fim de um ciclo que durou mais do que imaginávamos.
- Vem – entrelacei nossos dedos – Há muitas luzes por aí que eu quero te fotografar desde os 18.
A songfic está ótima e eu estou muito orgulhosa por você ter conseguido expressar tão bem tudo aquilo que conversamos. Dá gosto ler o que você escreve, pois você sempre traz veracidade aos seus personagens e as histórias que constrói (o final é a prova disso). Continue sendo essa escritora incrível <3
Comentário postado originalmente em 01 de Outubro de 2021
Biaaa, muito obrigada! Fico feliz que tenha gostado!
E obrigada pelo comentário lindo <3
Comentário postado originalmente em 06 de Outubro de 2021
Ai livinhaaaa, que fic mais LINDA! Eu simplesmente amei, deixou meu coração aquecidinho
Comentário postado originalmente em 04 de Outubro de 2021
Melissinhaaaa, fico feliz que tenha gostado! <3
Comentário postado originalmente em 06 de Outubro de 2021