[00] LADO A – INTERLUDE: MISS VALENTINE
DE: .@therunes.com.
PARA: misssunshine.25@gmail.com.
ASSUNTO: Você ainda está aí?
Lembra daquele caderno velho que a gente compartilhava, logo quando você começou a faculdade? A banda ainda se chamava de
Dregs, eu ainda morava com meu irmão, e você jurava que o caderno era seu… eu estava tão certo que foi VOCÊ que havia roubado o MEU caderno! Acho que a gente nunca soube de quem era, só que era mais fácil dividir a guarda do objeto e seguir em frente. achava um barato, ele ainda acha, se quer saber. Encontrei o caderno umas duas noites atrás… eu não sabia que estava comigo.
Porra, tu deve me odiar agora, não é?
Eu não culpo você se fizer, eu realmente me
esforcei para conseguir seu ódio, acho que o mereço mais do que ninguém. Não sei se conseguiria, todavia, lidar com sua indiferença. É algo bem amargo para engolir.
Logan ainda fala comigo, se quer saber, ele sempre me encontra quando estamos em Los Angeles, e fazemos uma pausa com as turnês, para ser sincero, comprei uma casa em Santa Mônica, Point Dume nunca foi um lugar para mim. Esse tipo de coisa é de , não minha. Logan me leva para pescar ou sei lá, no Arcade velho. Eu sei que você cortou contato com ele por causa da proximidade dele comigo, entendo por que o fez, , mas isso também está o machucando. Você não deveria… ouça, eu não… por favor, ele é seu irmão, , e a última coisa que eu quero é destruir ainda mais o que lhe sobrou. Se quer saber, ninguém mais da sua família parece sequer feliz em saber que estou vivo, na verdade, Niamh e Siobhan me mandaram uma carta com 22 páginas dizendo o quão idiota, burro, e nojento eu sou e que se eu quisesse continuar respirando, eu deveria parar de tentar entrar em contato.
Eu já sei que não terei fechamento aqui. Eu já aceitei que isso nunca vai acontecer, e sinceramente, não sei por que continuo voltando…
Nem suas amigas culpo, se quer saber, se fosse uma amiga minha, eu teria feito pior. Odeio que eu tenha destruído tudo, . Odeio que você tenha sido o dano colateral, e que não há nada que eu possa fazer para concertar isso. Acredite em mim, eu queria!
Eu sei, eu sei o que você vai dizer “não importa a intenção se o resultado foi o mesmo”, e eu sei que não tenho direito algum para pedir nada, mas mesmo que não acredite, , eu realmente me arrependo… eu só…
Não faço ideia do porquê ainda possuo este apego, e igualmente não sei por que sequer estou lhe enviando isso. É quase meia noite aqui, e considerando que você nunca me respondeu, nem entrou em contato comigo outra vez, já sei que estou falando sozinho. Não tenho sequer esperanças que você vá ler eventualmente isso aqui, só estou… porra, acho que só precisava expor isso para fora…
O saiu da banda. Faz uns dois meses já. Porra, você não tem ideia da falta que ele faz! Mas levando em consideração tudo com a Altas, acho que consigo entender a decisão dele, não é ruim viver como compositor e produtor, sinceramente, tenho pensado nisso ultimamente. Eu sei, eu sei, que irônico, não é?
Aqui é vazio, .
É frio e esquisito, e às vezes sinto que está rastejando para fora da minha pele. diz que eu tô só pensando demais em tudo isso. Sei que estou, e sei que era o que eu queria desde o começo, mas conseguir? Não tem mais o mesmo gosto que antes, saca? Não…
Tem um pedaço de mim faltando, , e acho que ficou com você.
Esquece o que disse antes. Nada disso importa. Não é a razão pela qual estou lhe escrevendo, mesmo que eu tenha certeza que você não vá ler de qualquer forma. Eu jurava que o caderno tinha ficado com você. Você sempre gostou mais dele do que eu, então, só assumi… bem, não estava, eu achei ontem, enquanto empacotava as minhas coisas, e… e não sei o que fazer.
Acho que passei horas lendo…
Você ainda desenha?… Olha, eu não quero soar invasivo. Só quero devolver o seu caderno. Ele sempre foi mais seu do que meu. A gente pode, não sei, conversar? Se quiser? Só por cinco minutos, , eu prometo não vou demorar, só quero… eu só…
Se enviar para o seu irmão o endereço, eu peço para que ele retorne o caderno para você. Não se preocupe, eu não vou ler ou tentar descobrir, tem minha palavra. Só quero devolver isso de uma vez.
Não vou mais incomodar você, . Eu prometo. Eu só…
Sinto muito, .
Por tudo.
– .
• AGORA.
Los Angeles, California.
— Pelo menos eu posso dizer o
quão estúpido é essa sua ideia? — Tio Sean resmunga, e eu tento não revirar meus olhos, deixando-me recostar contra o estofado macio de seu carro, surpreendentemente uma
Ford SUV preta, com vidros foscos para evitar a atenção, com o rádio ligado em uma estação musical antiga, mesmo que eu tivesse sugerido usar de uma vez qualquer um dos aplicativos que reproduziam músicas dentro de um carro. Eu forço um sorriso, mas não consigo sustenta-lo nem mesmo por um segundo, então opto por desviar meus olhos apoiando meu cotovelo na porta do carro, massageando minhas
têmporas com impaciência.
Inspiro fundo contando até dez.
— Você vai dizer do mesmo jeito, não sei
por que você tá pedindo autorização. — Eu reviro meus olhos e deixo meu olhar vagar para a visão beira mar do litoral californiano. Para alguém que havia crescido nos campos altos e prédios velhos de Aberdeen, ou da confusão cinzenta e sem vida em Londres, a mudança para um outro país, com praias vibrantes e um sol escaldante, era, ao mesmo tempo que convidativa, como assustadora. Ainda assim, em meses, eu nunca me senti mais calma. Havia algo de poderoso em ser uma completa desconhecida e estranha naquele lugar. Uma segurança terrível e tentadora em
não ser percebida. Céus sabiam o quanto eu odiava aquilo.
Sinto o olhar de Sean se prender em meu rosto, frustrado, antes de desviar o olhar de volta para a estrada à frente.
— , eu não faço
ideia do que passou pela sua cabeça para tomar uma decisão dessas, mas você tem que pelo menos
considerar as coisas, colocar elas em perspectiva — Tio Sean pausa por um segundo, tencionando a mandíbula, e eu finalmente volto meu olhar para poder encará-lo, frustrada. Havia tido aquela conversa tantas vezes que agora soava apenas um murmúrio irritante de um disco riscado, Niamh, Siobhan, até mesmo
minha mãe haviam ao menos tentando conversar comigo sobre minha decisão, agora eu iria ter essa mesma conversa, repetindo os mesmos argumentos, com o
meu tio, o que, por si só, era apenas um pedido de repetição frustrante que eu
nunca fiz. Era surpreendente como
de repente todo mundo se tornava especialista uma vez que você entrava no “glorioso mundo” da maternidade. — Você não tem
nenhum amigo aqui, ! Nenhum conhecido! E você se recusa a falar com Logan! — Tio Sean solta um chiado entre dentes, como ele sempre fazia quando a frustração era maior do que sua habilidade com as palavras poderia ajudá-lo a se expressar. A forma com que seu sotaque britânico também fica carregado conforme vai falando é evidência o suficiente de sua crescente irritação. É
claro que ele iria trazer para aquela conversa
Logan. Se eu ganhasse
uma moeda por cada vez que alguém havia mencionado o nome do meu irmão adotivo mais velho, eu
juro que teria uma quantidade considerável de moedas para jogar na primeira fonte que encontrasse pelo caminho. — O que acontece se Grace ficar doente e você não puder sair do seu emprego? Com quem ela irá ficar? E quanto ao seu emprego? E se você o perder? Você sequer tem dinheiro reservado para alguma emergência?
Pisco, sentindo a frustração misturar-se com a pura impaciência agora.
— É claro que eu pensei nisso tudo! — Rebato, indignada. Faço uma careta, praguejando baixo, tencionando a minha mandíbula com força. Posso sentir meu próprio temperamento começando a querer levar o melhor de mim.
Lanço um olhar na direção do banco traseiro do carro, onde o
bebê conforto encontrava-se enroscado firmemente por entre cintos de segurança, apenas para verificar se a bebê de sete meses estava
mesmo dormindo ou se havia encontrado alguma outra coisa para se entreter. Aperto meus lábios, observando a mãozinha gorducha de Grace se abrir e fechar esticando-se ao máximo que conseguia, como se assim desejasse capturar por entre os dedinhos gorduchos os raios do sol. Acordada, mas entretida, o que significava que não levaria muito tempo para que minha bebê se frustrasse ao perceber que não conseguiria capturar o sol com as mãozinhas. Me inclino para trás, no limite que o banco do passageiro permite que eu o faça, esticando-me para ajustar a manta que cobre o corpinho de Grace. Acabo com meu braço preso em um abraço desajeitado de minha filha. Ouço-a soltar um resmungo inteligível esfregando o rostinho no meu antebraço.
— Não sou inconsequente, eu tive
tempo para planejar, consegui guardar dinheiro o suficiente durante meu tempo na companhia, e a sua carta de indicação com a de Delaney é o suficiente para assegurar minha vaga aqui. Não é exatamente o que eu ganhava antes na companhia, ou sequer o que eu
queria para minha carreira, mas tem horários flexíveis, e a maior parte do trabalho eu posso fazer de casa, pelo menos por agora. — Tio Sean move sua mandíbula, assentindo lentamente, como se estivesse absorvendo minhas palavras, embora estas não tivessem lhe agradado muito.
— Você não pode achar que sua melhor ideia é pegar sua filha pequena que sequer tem um ano, atravessar todo um continente apenas para viver
sozinha!— Tio Sean diz entre dentes, sem desviar o olhar da estrada. Tento retirar meu braço do aperto de Grace, mas a bebê se agita, a vozinha ficando mais aguda e chorosa, o que é um aviso o suficiente para mim para que eu não tente ainda, já que a última coisa que eu queria era que Grace começasse a dar uma
birra. — Não soa como um plano, , soa como uma tentativa de fuga.
— Essa não é minha melhor ideia, é a minha
única alternativa, tio, por deus! — Perco a paciência tão rápido quanto a percepção que talvez eu nunca a tenha tido em demasia mesmo. Inspiro fundo, fechando meus olhos e passando minha mão livre por meu rosto e cabelos, acabo coçando meu couro cabeludo, frustrada. Enquanto isso, sinto Grace brincar com meus dedos, tentando separá-los e até mesmo tentando coloca-los em sua boca. Tento gentilmente retirar minha mão do alcance da bebê, ganhando um fungado frustrado. — Eu
entendo que você esteja preocupado, tio, eu sei que
todo mundo está, mas isso é uma merda também! Eu tô tentando fazer
o melhor com o que tenho em mãos!
Tio Sean exala de forma brusca, parecendo buscar com o olhar um acostamento.
— Não é o suficiente, é?! Uma criança de sete meses, ! Sozinha! Caramba, menina, o que diabos você espera que possa acontecer?! — A voz dele soa alta o suficiente para Grace tomar um pequeno susto, agitando-se um pouco antes de fungar, começando a chorar. Eu faço uma careta, enquanto tio Sean pragueja baixo, culpado. Tio Sean vira um pouco o volante, parando o carro em um acostamento, e eu retiro meu sinto, abrindo a porta do carro, tentando alcançar minha filha antes que ela começasse a chorar a plenos pulmões.
Na maior parte do tempo, Grace tem uma personalidade até mesmo doce. Não dá para saber de
onde ela herdou aquela parte de si — e certamente não é algo que eu tenha um
desejo de tentar entender em
profundidade no momento; talvez nunca —, mas com toda certeza não foi
de mim que ela puxou aquilo. É quietinha, às vezes até mesmo introvertida, presa em seu próprio mundinho explorando tudo ao seu redor, resmungando baixo. Ela ainda é muito pequena para que eu tenha
sequer uma ideia de
quem ela vai ser quando crescer, mas posso perceber desde já que ela é
muito mais parecida com
ele do que
comigo. Mas uma vez que ela chora, Grace
realmente chora.
Aperto meus lábios, retirando-a do
bebê conforto, e então ajusto a bebê gorduchinha em meus braços, tentando acomodá-la com cuidado enquanto Grace se contorce, as perninhas chutando em frustração e as mãozinhas agarrando imediatamente a frente de minha blusa.
— Desculpa, querida, eu não devia ter gritado, minha intenção não era ter assustado ela — Tio Sean imediatamente diz ao descer do carro e se aproximar de mim. Caminho em direção à calçada, a brisa suave e cálida do verão tocando meu rosto em um breve alívio para o dia escaldante, afastando as mechas de meus cabelos para longe de meu rosto. Lanço um olhar impaciente para Tio Sean, que, apesar de tudo, parece realmente estar se sentindo culpado ao observar minha filha.
— Não faz diferença alguma se você sente muito, se o resultado continua sendo o mesmo — resmungo um pouco mais cortante do que eu deveria, e me arrependo no segundo que as palavras saem de minha boca, mas a verdade é que estou sobrecarregada, e ter um monte de pessoas falando em minha cabeça, questionando minhas habilidades e especialmente minha capacidade de tomar decisões está me enlouquecendo. — Desculpa.
O choro de Grace é sentido, e para meu desconforto acaba atraindo a atenção de algumas pessoas que estão caminhando pela calçada extensa da praia de
Santa Mônica. Os olhares silenciosos de julgamentos que me são direcionados me fazem sentir uma falha, ou, no mínimo, um problema, enquanto a pequena bebê em meus braços soluça baixinho. Acaricio as costinhas de Grace, ajeitando-a até que ela estivesse aninhada em meu peito, resmungando suavemente de forma reconfortante palavras de segurança para ela. Ela ainda não entende o que estou dizendo, mas pode entender a situação em que está. Quando finalmente consigo acalmar o choro para apenas pequenos soluços, tenho a sensação de que passei horas ali, mas não havia se passado nem mesmo dez minutos. Tio Sean me observa com um vinco em seu cenho, as mãos apoiadas em seus quadris, como se não tivesse ideia do que fazer, mas estivesse desesperado para
fazer alguma coisa, para ajudar. Seu olhar vai do corpinho aninhado de minha filha em meus braços, para o meu rosto, em uma trajetória continua. Engulo em seco, franzindo o rosto quando o sol quase me ofusca por um breve segundo.
— Eu vou dar um jeito, pai, eu sempre dou — digo, agora, cautelosa, sentindo que estou a um fio muito frágil de explodir com Sean, e, ao mesmo tempo, apenas
exausta de toda aquela situação.
Desde que
ele foi embora, minha vida tinha virado de cabeça para baixo e estava um completo caos; um caos o qual
eu não parecia ser capaz de
controlar. E a pior parte? Eu tenho certeza que, enquanto estou aqui, acalmando um bebê de sete meses, discutindo sobre a insegurança de meu próprio futuro com o
único parente de minha família que
ainda me tolera e não me expulsou de sua vida como uma pária,
ele, deve estar tendo o momento de sua vida, deleitando-se com os holofotes, com as
groupies das mais diferentes formas e personalidades atirando-se em sua cama, ganhando uma quantidade
exacerbada de dinheiro, e sendo considerado
ocara apenas por
respirar. Não era justo.
Nada disso é justo! Nego com a cabeça, tentando controlar meu temperamento e minha língua, ao abrir a porta do carro mais uma vez, e tentar pegar a fralda de pano de Grace para limpar o rostinho crispado da minha filha.
— É tudo o que eu tenho feito ultimamente, mas estou acostumada a fazer isso! Você se esquece muito fácil que eu sobrevivo sozinha desde dos meus 14 anos. Por que
agora de repente todo mundo parece estar esperando eu falhar para dizer
eu avisei?
— Porque você não está mais sozinha, está? — Sean retorquiu, apesar de suas palavras, seu tom ainda era suave, ainda preocupado, ele me encara, como se estivesse esperando por uma resposta da minha parte, esperando por um plano, mas eu não sei como responde-lo. Eu não tenho um plano, nem uma resposta.
Posso sentir a pressão das lágrimas se formando na parte de trás de meus olhos, mas eu não vou chorar, não importa o quanto queira. Eu não tenho
tempo para chorar. Engulo em seco, voltando minha atenção para o rostinho de Grace, ainda avermelhado pelas lágrimas. Tirando pelos olhos , como os meus, tudo em Grace é uma
cópia de . Com uma camada de cabelos ainda um pouco ralos , lisos e desalinhados, o mesmo tom de pele, a mesma mandíbula bem marcada que tinha. A única diferença era que Grace tinha olhos grandes e inocentes, expressivos, bochechas gorduchas e suaves, saudavelmente avermelhadas, e um beicinho trêmulo com uma expressão que evidenciava seu desprazer por toda a situação. Limpo com cuidado um pouco da baba e do molhado em sua bochecha, observando a garotinha se mover tentando evitar o contato, antes de passar o bracinho direito sobre meu pescoço, observando agora a rua, curiosa como sempre.
— . — Sean suspira pesado, dando um passo em minha direção com uma preocupação sincera. Tio Sean era, talvez, o mais próximo de um pai que eu tive, tirando por meu avô; em todos os aspectos possíveis e necessários era ele que ocupava aquele lugar, e tio Sean nunca pareceu se
importar de o fazer. Mas igualmente paterno, era sua tendência de ser super protetor. Exalo baixo, unindo as sobrancelhas, evitando encará-lo, especialmente quando ele repousa sua mão esquerda sobre meu ombro, reconfortante. — , eu
sei que você
detesta pedir ajuda. É tão orgulhosa quanto a sua
mãe e isso
quer dizer algo sobre quem você é — Sean diz e aperto os lábios, tentando não fazer uma careta, e falho miseravelmente. — Mas você
sabe que precisa de suporte, , eu
sei que você consegue ir para a lua e voltar se colocar isso na sua cabeça, e for o que realmente quiser, eu sei que você consegue. Mas isso… — Tio Sean gesticula para Grace, cutucando de forma brincalhona a barriguinha rechonchuda da bebê que solta um risinho baixo, encarando meu tio com olhos arregalados e curiosos. Observo-a levar a mãozinha em direção a boca, mastigando distraidamente os dedinhos com aquele
quase sorriso sem dentes. — Isso é
diferente, , não
dá para fazer sozinha.
— Por que é tão difícil assim me dar
um voto de confiança? — Apesar de minhas palavras, não sinto nada além de cansaço a essa altura. Retiro a mãozinha de Grace de sua boca, buscando com o olhar na bolsa dela, ainda dentro do carro de tio Sean pelo mordedor, apenas para perceber que eu provavelmente deveria ter me esquecido. Faço uma careta, tentando equilibrar a garotinha inquieta em meus braços, enquanto apalpo os bolos do meu macacão em busca do mordedor. Tio Sean aperta os lábios, suspirando pesado, parecendo estar tomando cuidado com suas próximas palavras.
Tio Sean dá um passo em minha direção, retirando do bolso da frente do macacão o mordedor e então entregando para Grace. Grace solta um ruído animado inteligível, agarrando com as mãozinhas molhadas pela própria baba o objeto e passa a mastigar o mordedor com interesse.
— Porque eu estou vendo a mesma história se repetir, , e eu não quero que tenha o
mesmo fim — Tio Sean diz por fim, acariciando a cabeça de Grace antes de me encarar com uma expressão preocupada, mas ainda assim compreensiva. Engulo em seco, desviando meu olhar na direção da orla da praia, unindo minhas sobrancelhas enquanto o vento que vem do oceano carrega consigo igualmente aquele estranho aroma marítimo que ainda não estava familiarizada com.
Levo alguns minutos até encontrar minha voz outra vez.
— Eu não sou a minha mãe, pai. — A risada que se segue era para ser amarga, mas soa mais ferida do que afiada, e eu detesto isso.
Tio Sean passa por mim e Grace, retirando as chaves de sua SUV do bolso e então apertando o botão que a trancava, antes de verificar por um momento se estavam mesmo seguras e voltar em nossa direção, indicando com a cabeça na direção da praia. Não era o plano parar no meio do caminho até minha nova casa em Santa Mônica, mas igualmente, não era meu plano
quase nada do que estava acontecendo nos últimos dois anos, e considerando a bebê em meus braços, era melhor tirar um tempo até mesmo para que Grace pudesse respirar um pouco e se cansar antes de voltar para a estrada
outra vez.
Um pouco mais a frente, posso ver o píer de Santa Mônica e o barulho agitado do
Pacific Park. A roda gigante delineada no horizonte cria até mesmo um contraste divertido com as pessoas que correm pela orla ou apenas vieram para aproveitar um dia na praia. A brisa que acompanha nossos passos é abafada e faz com que meus cabelos, escapando da trança embutida que uso, escapem de seu aperto, grudando ao redor de minhas têmporas e pescoço, pendendo por meu rosto e capturando quase imediatamente a atenção de minha filha que se estica para tentar as pegar. Seguro o bracinho gorducho, tentando impedi-la de puxar meu cabelo, ciente de que apesar do tamanho, seu aperto era
bem forte quando ela queria.
— Não, você não é Morgan. Nunca foi. Mas você
está na mesma situação que ela, não está, querida? — Tio Sean por fim quebra o silêncio que havia se instalado entre nós dois, enfiando as duas mãos nos bolsos de sua calça de alfaiataria italiana e voltando o olhar para o oceano, contemplativo. Eu
odiava quando ele fazia aquilo, mas igualmente,
amava. Era naqueles pequenos momentos que eu sentia que
pelo menos alguém havia escolhido me ouvir. — Sozinha, com uma criança pequena para criar, sem sequer o auxílio do dinheiro do inconsequente, com a carreira destruída por causa dessa gravidez não planejada, praticamente exilada do restante da família por causa da sua própria impulsividade, sem suporte, com pelo menos 4 anos pela frente até conseguir se estabilizar. — Engulo em seco, tentando não fazer uma careta, mas falho miseravelmente. As palavras dele doem mais porque eu
sei que não tenho como rebatê-las. Grace se move um pouco em meus braços, se inclinando para frente e balbuciando coisas incoerente de forma adorável, os pezinhos se movendo para frente e para trás enquanto ela segue com o olhar os cachorros passeando pelo caminho. — A única diferença aqui é que seu
avô tinha suporte, dinheiro, conexões o suficiente para que sua mãe não tivesse que se preocupar com você. Você, por outro lado, não tem nada, nem amigos aqui, . Eu sei que você está desesperada para colocar tudo no passado e começar de novo, mas
eu não consigo aceitar essa ideia, parece que está mais desesperada para se isolar porque é mais seguro do que enfrentar o passado.
Bem onde me doía mais, Sean , senhoras e senhores. Sean .
— E o que você espera que eu faça? Arrume todas as minhas coisas, passe a viver com você em Londres? Talvez encontre uma vaga como a assistente de algum escritório de advocacia e fingir que nada aconteceu? — questiono, impaciente, e Tio Sean me encara, um pouco magoado.
— Seria assim tão ruim? — Tio Sean questiona por fim, não parecia estar ofendido por meu comentário, mas tentando entender o
porquê de eu tê-lo feito. — Você sabe que eu não me importo em ter companhia lá, meu apartamento é grande o suficiente para caber nós três e ainda mais cinco outras pessoas, é em uma boa vizinhança, perto de uma escolinha, e Niamh está sempre lá de qualquer jeito, ajudando com o trabalho de ou Danny… você teria suporte, pessoas conhecidas que amam você… por que isso soa tão ruim?
— Porque — começo a dizer irritada, mas o ruído de Grace me impede de continuar. Tento inspirar fundo, sem querer perturbar minha filha
ainda mais com gritos ou discussões desnecessárias. Conto até dez, e então de trás para frente, e assinto para mim mesma quando tenho certeza que posso falar sem que minha voz soe alta ou que eu esteja perdendo o restante do controle que me resta. — Porque é todo mundo o tempo todo me olhando dessa forma… ridícula, como se eu fosse algum tipo de uma vítima ou então o demônio em pessoa! Porque você trabalha em uma das escolas mais renomadas que existem, e, no entanto, a porcaria do seu colega de trabalho é
irmão dele, porque eu
sei que você
sabe que
ele está voltando para Londres! — Tento expor eloquentemente meus sentimentos, mas parece que estou me enrolando com minhas próprias palavras, e tenho de novo aquele impulso frustrante de simplesmente me calar e desistir daquela conversa. Não por falta de vontade de discutir, mas por falta de paciência.
Ouço Grace resmungar algo que soa estranhamente com “veti” que era sua versão infantil para
sorvete e eu suspiro pesado. Quando olho para baixo, encontro os olhos cheios de expectativas da minha filha — eu sei que ela não irá comer, que sua intenção é apenas esmagar a massa gelada por entre os dedinhos e se lambuzar toda, e que no fim seria eu a comer a comida que ela não queria, mas sendo sincera, eu poderia também aproveitar uma pausa nem que seja por meros segundos de toda aquela situação e conversa.
— Desde quando você foge das coisas, ? — Meu tio soa um pouco surpreso, até mesmo pego desprevenido, e eu lanço um olhar cético para ele.
— Desde que um filho da p… — começo a dizer, mas me corto no segundo que percebo o palavrão que quase me escapa. Velhos hábitos demoravam a morrer, mas uma garotinha esperta e atenta os aprendia em questões de
segundos se eu não tomasse cuidado. — Desde que eu percebi que não posso contar com ninguém além de mim. Sei que estou soando como ingrata, mas você pode dizer o contrário disso, pai?
Tio Sean, finalmente, não responde, deixando aquela discussão morrer por ora, mas eu sei que ele irá trazê-la de novo. Sean não era o tipo de pessoa que desistia fácil das coisas, mas eu também não.
•••
O lugar de onde os potinhos de
Frozen Yogurt vinham e que haviam capturado a atenção de Grace, era, na verdade, uma barraquinha parcialmente aberta ao ar livre, com apenas um forro feito de lona colorida sobre algumas mesas que ficava perto da entrada do
Pacific Park. Embora fosse um ponto estratégico, a maioria das pessoas paravam ali apenas para comprar algo para comer antes de voltar correndo para as filas das barracas ou dos brinquedos espalhados pelo parque. A cacofonia de sons dispersos da cidade e até mesmo da praia de Santa Mônica, se misturava com os gritos de mães estressadas, risadas de crianças agitadas, ou conversas em grupos tentando discutir seus problemas ou apenas
descobrir quem iria em qual brinquedo. Era contagiante e vibrante, de certa forma. Mesmo que o cheiro não fosse lá dos melhores, uma mistura difusa de pneu queimado, lixo a céu aberto, suor e a própria maresia que se espalhava ao redor, ainda assim, a brisa fresca e a visão quase paradisíaca, eram convidativas.
Confortavelmente empoleirada em meu colo, Grace se remexe um pouco, franzindo o rostinho com o barulho, um tanto quanto desacostumada com os estímulos, mas curiosa com a explosão de cores que se espalha ao redor. As perninhas gorduchas chutam o ar esporadicamente, o que quase a faz perder um dos sapatinhos duas vezes. Por via das dúvidas, antes que ela possa, de fato perde-lo, eu retiro os sapatinhos e as meias, considerando ou não se deveria apresentar para ela a textura da areia sob seus pezinhos. Suspiro pesado, guardando os sapatinhos em meus bolsos, por ora, oferecendo um sorriso gentil toda vez que observo-a apontar o dedinho na direção de algo, e voltar o rostinho para mim, em busca de aprovação, ou toda vez que começa a balbuciar coisas inteligíveis como se estivesse tendo uma conversa sobre alguma coisa importante comigo — não tenho dúvidas que esteja.
E então há aquele sorriso que ilumina seu rostinho inteiro, deixando à mostra a gengiva sem dentes, apenas com a vaga aparição branquinha do primeiro dentinho que estava levando seu tempo para surgir. Aquele sorriso que faz meu coração se apertar com um amor tão profundo que chegava a ser sufocante, e que, ao mesmo tempo, me enviava aquela familiar sensação de desespero. Há tantas coisas em jogo, mas especialmente a
tanto que eu
sei que não vou conseguir
protegê-la…
Observá-la me envia uma onda de
medo toda vez. Sei o que está em risco, contra
quem eu posso
estar lutando eventualmente. Não acho que , o
rockstar, sequer olhou um
dia para trás desde que foi embora — por que ele o faria? Tem a porra do mundo e quem mais quiser na palma de suas mãos —, mas considero que seria muito,
muito fácil perder uma causa judicial contra ele. Posso alegar oficialmente que ao menos ele foi avisado, mesmo que as mensagens nunca tenham chegado até ele, mas ele sendo , que chance eu teria? Percebo que meu maior medo havia se tornado, agora, perder
Grace. E se ele sequer sonhasse sobre a existência dela, e é claro, as vantagens que isso faria para sua imagem —
todos amam um homem fingindo ser um
bom pai — talvez seu interesse realmente se voltasse para Grace, e não tenho dúvidas de que ele não hesitaria em toma-la se assim quisesse.
Tenciono minha mandíbula com força, mas
tento manter meu rosto suave, atento a Grace, obrigando-me a não transferir nenhuma de minhas emoções para minha filha. De todos nessa situação, ela era a
única inocente, e, certamente, a que
mais sofreria com tudo aquilo. Tenho vontade de fechar os olhos e grunhir com a frustração que sinto, mas me controlo. Grace, por sua vez, parece agora se divertir em tentar arrancar os botões do meu macacão, dedinhos pequenos esforçando-se para pegá-los e tentar puxá-los para baixo. O rostinho crispado com concentração enquanto uma fina camada de baba escorre por seu queixinho. Uso a manga da
henley que uso por baixo do macacão, bem leve, para limpar o queixinho de Grace, ouvindo-a resmungar algo inteligível,
quase indignada. Não dava para dizer que ela não havia herdado
algo de mim além dos
olhos.
Não é justo que eu faça com ela o que minha mãe fez
comigo. Seria egoísta. A ideia de ter que lidar com em minha vida pelos próximos dezoito anos é o suficiente para me fazer desejar arrastar-me para fora de minha pele. Percebo que eu realmente o
ressinto por muita coisa, e talvez isso não seja saudável, mas igualmente não dá para ser orgulhosa se eu queria fazer certo pela garotinha em meus braços. Não que eu tenha, eventualmente, me ressentindo com minha mãe também, de certa forma, não posso sentir falta de algo que eu nunca tive em minha vida, mas nosso relacionamento era complexo demais para me trazer conforto. Tio Sean estava certo também, a história estava se repetindo, querendo ou não, eu não poderia deixar isso ir mais a diante. Não com Grace. Minha filha merece
mais do que isso.
O que eu faço agora, huh?
— Se você sequer soubesse o
quanto eu te amo… — sussurro suavemente para Grace, passando meus dedos pela cabeça da garotinha, ajeitando os poucos fios de cabelos , tentando penteá-los de volta ao lugar, mas eram tão teimosos quanto a menininha em meus braços é.
Isso não sei de
quem ela havia herdado.
— Certo, eu tenho uma contraproposta — Tio Sean diz por fim, com dois potes de
frozen yogurt de baunilha, e um terceiro com frutas picadas bem pequenas para Grace.
Imediatamente observo minha filha se inclinar para frente, remexendo-se no meu colo, animada com o prospecto das frutas coloridas, e pega um pedacinho de morango para esmagar em suas mãozinhas gorduchas. Enquanto a seguro em meu colo, tentando impedir que a bebê acidentalmente derrube alguma coisa, ou simplesmente tente se lançar ao chão — algo que não seria a
primeira vez que ela havia tentado fazer —, Tio Sean retira um guardanapo de nossa mesa pequena, e então, com um cuidado demasiado que só poderia ser de Sean, vejo-o prender o guardanapo na frente da roupinha de Grace. Grace estende os bracinhos para Tio Sean, e eu ofereço a meu tio, minha filha, para que ele a segurasse.
É claro que Sean não poderia resistir ao charme de Grace . Ninguém consegue;
igual ao pai
dela.
— Uma proposta, você diz? — digo, erguendo uma sobrancelha ao pegar um dos potinhos com
frozen yogurt, remexo a mistura de calda de morango e framboesas, estreitando meus olhos, antes de levar a colher em direção a minha boca, voltando meu olhar para meu tio. — Tá bom, vai em frente.
Grace balbucia algo inteligível, remexendo-se um pouco, antes de estender o pedacinho de morango na direção de Sean, empurrando-o contra a boca do homem. Sean une as sobrancelhas, agradecendo Grace, aceitando o pedaço oferecido, e então, quase instintivamente, retira mais um pedacinho de morango, cortando-o no meio com nas próprias mãos, e então oferece para a garotinha com gentileza, enquanto mastigava o pedaço em sua boca. Tio Sean não força a comida, para meu alívio, contra o rostinho da garotinha, apenas a deixa a alcance de minha filha caso assim ela queira comer. Grace, por sua vez, não parece ter interesse nenhum no morango, mas então, para minha surpresa, a bebê se inclina para frente, as mãozinhas agarrando a frente da camisa de Sean com força, enquanto abocanha o pedaço de morango oferecido.
Finjo que não vi, para não a desincentivar.
— Você quer um recomeço, um lugar onde ninguém te conhece e seguir em frente? Tudo bem, você fica aqui até que eu tenha conseguido resolver os trâmites legais do escritório. Então, nós vamos para Oslo, ou qualquer outro lugar que você quiser. Eu
vou ajudar. A
gente vai para um lugar bem longe e tranquilo, um lugar onde ela possa crescer em paz e sem preocupação nenhuma — Sean diz com calma e de forma direta, com sua melhor voz de advogado. Grace agita os bracinhos, balbuciando algo de forma imperiosa, e posso ver meu tio conter um sorriso ao pegar mais um pedaço e oferecer a Grace. — E
você pode ter um pouco de tranquilidade, para variar.
Deixe nas mãos de tio Sean fazer propostas quase impossíveis de se recusar.
— O ponto
inteiro de eu ter me mudado para cá é tentar me tornar o
mais independente possível, tio — tento explicar meu ponto de vista mais uma vez, mas já não tenho esperanças de ser ouvida a essa altura. Aperto os lábios, suspirando pesado, e então me endireitando na cadeira enquanto projeto meu corpo para frente. Apoio meus cotovelos sobre a mesa, e então entrelaço minhas mãos, deixando meu olhar pairar pelo horizonte, sem enxerga-lo de fato. — Não posso ficar cometendo os mesmos erros, e não tenho direito de pedir nenhum sacrifício de você.
Sean nega com a cabeça, desconsiderando minhas palavras.
— Não é um sacrifício para mim, . Nunca foi, além disso, eu quero ficar onde a minha filha e a minha neta estão, estou errado por isso? — Sean censura-me, e eu volto a encará-lo por um momento antes de voltar a desviar os olhos. — Faz o seguinte, pensa um pouco no que eu acabei de falar, enquanto eu levo essa princesa aqui para ver os peixes coloridos na barraca de tiro ao alvo ali, hm?
—
Não compre nada para ela, eu tô falando sério, pai, ela já tem pelúcia demais e eu não preciso que você estrague ela ainda mais… — aviso com um tom desaprovador e Sean me lança um olhar fingidamente ultrajado. Eu mordo o interior de minhas bochechas, tentando não sorrir, porque se eu conheço Sean , e acredite, o conheço tão bem quanto a mim mesma, ele vai
totalmente descumprir com aquele acordo e comprar pelo menos
mais duas pelúcias que Grace demonstrar
o mínimo de interesse.
Sean era a melhor pessoa que eu já havia conhecido em minha vida inteira, mas sabia ser um idiota quando queria, e tornar-se o preferido de Grace havia sido sua
meta desde o momento que contei a ele da gravidez acidental. Reviro meus olhos, aproveitando aquele pequeno momento de solidão e paz, enquanto repasso as palavras dele em minha mente. Tê-lo como um suporte e auxílio não seria ruim. Considerando minhas possibilidades, Tio Sean sempre havia tido uma visão mais prática de mundo, e embora tanto o meu temperamento quanto o dele pudesse acabar se tornando uma receita para desastre, não seria de todo ruim. Exalo exasperada, sem ter
ideia do que fazer. Ao mesmo tempo que a proposta é tentadora, ceder a ideia de ter
mais alguém mantendo o olhar sobre minha vida, comandando-me e esperando
algo era insuportável, eu já havia tido o suficiente daquilo! Sei que tio Sean não fazia por mal, era inevitável, quando se amava alguém, acabava se criando expectativas.
Meus pensamentos são interrompidos pelo toque de meu celular. Não preciso ver a tela para saber quem estava tentando me ligar.
Morgan. Minha mãe.
Ótimo, era só o que eu precisava, mas se eu a conhecia bem, sabia que não a atender me renderia apenas uma dor de cabeça a mais para uma lista que estava começando a se tornar
estupidamente longa sem necessidade alguma. Levanto-me da mesa a tempo de ver que tio Sean havia acabado de ganhar uma vaquinha de pelúcia para Grace, e que minha filha estava agarrada ao novo bichinho, antes de caminhar em direção às grades de proteção do píer onde o barulho parecia ser menor o suficiente para que eu pudesse escutar o que minha mãe poderia querer tratar comigo agora…
Alguém esbarra em mim com força. Não sei quem exclama “puta que pariu”, se foi a pessoa ou se foi eu, mas tudo o que consigo perceber é o cheiro pungente, quase sufocante, de
bebida alcóolica cobre meu macacão, e a mancha úmida abre-se a frente da peça de roupa. Solto um grunhido baixo, meu temperamento tomando a melhor de mim enquanto dou um passo para trás, estendendo os braços e tentando limpar com minhas próprias mãos o estrago feito em minha roupa, praguejando. Porra, mas era só o que me faltava agora…
— Oi! Presta atenção, porra! — Praticamente rosno para o estranho, irritada. De relance posso ver a pessoa, obviamente um homem, consideravelmente bonito, cabelo desgrenhado por baixo do boné, e olhos vívidos com um tom pungente, além das tatuagens marcando quase toda a extensão de sua pele, relógio e roupas caras, embora fossem, por algum motivo, uma tentativa ridícula de tentar parecer
discreto. Por um segundo tenho a sensação de que o conheço, que, ao menos, havia o visto em algum lugar, mas o cheiro da bebida, o celular vibrando em minha mão, e a frustração que vinha se acumulando em minha mente do segundo que havia deixado Londres, nubla meus pensamentos.
Desligo meu celular, ao menos silenciando Morgan no ímpeto da frustração sem me importar com nenhuma consequência, enquanto me preparo para voltar a andar. Posso ouvir o cara começar a dizer alguma coisa, o sotaque esquisito, familiar, londrino, apesar de agora ter alguma coisa californiana, quando alguém volta para perto do cara. Ah, ótimo,
outro homem, era
tudo o que eu precisava
hoje!
Não tem como ficar pior, tem?!
— Sério, , é
sempre você fazendo merda… — Escuto a voz terrivelmente familiar, e congelo no lugar. De repente tudo parece desacelerar ao meu redor, e meu primeiro instinto é buscar desesperadamente algum lugar em que possa fugir. Mas estou travada no lugar. Meu cérebro trava, e ao mesmo tempo que tenho a sensação de que está a mil, buscando alguma forma de sair dali, não há nada. Absolutamente
nada, um branco emocional desorientador. Se meus medos não poderiam se tornar reais em meros
segundos… — ? — Ouço-o chamar.
Trinco meus dentes, prendendo a respiração quando me obrigo a me virar na direção de onde a voz havia partido. E meus olhos imediatamente encontram-se com os verdes escuros de .
Pronúncia dos nomes:
Niamh – Nee-v
Siobhan – Shiv-awn
Sean – Sha-um.
Continua
Nota da Autora: essa história é um Spin-Off da história The Runes, também postada aqui no site. Não é necessário ter lido The Runes, para entender esta aqui; sua percepção sobre os personagens pode ser diferente dependendo de qual você lê, isso é proposital, vide que ambas são escritas em primeira pessoa, e os preconceitos e perspectivas de seus narradores influenciam na percepção de si mesmos e dos outros. Muito obrigada por ter lido, e a gente se vê em breve (é rapidinho, eu prometo!).
Spin off com o membro que eu adotei pra mim em The Runes YEEEEESSSS!!!!
Eddie, dependendo de como foi essa separação, eu muito vou esperar que tu sue a camisa para reconquistar a Rayna. E se tu foi babaca eu vou esperar que tu tenha concorrência nessa reconquista, apenas digo u.u
Eee temos “spoiler” de que tudo vai terminar bem pra Myra e pro Thommy, hein? Só imagino o caminho até aqui IHDOIHASPDHAPODAHSPODHASDOP
Aguardando o próximo capítulo pra ver como a Rayna vai sair/reagir nessa situação de encontro inesperado.