The Companion’s Tales

   encarava a praça cheia de crianças brincando enquanto ouvia sua música favorita com seus headphones soando no último volume. Tentava se livrar da sensação de tristeza que lhe rondava havia algum tempo e aquele lugar era para onde sempre ia depois de seu turno na ala infantil do hospital da cidade. Ela havia se voluntariado havia alguns anos para contar histórias aos pequeninos.

  Às vezes desejava arduamente voltar a ser criança, quando seu pai e sua mãe ainda estavam ao seu lado e ainda tinha uma família feliz. Não que sua tia Lucy não fosse uma boa família, mas não era a mesma coisa. Tia Lucy nunca havia se sentado ao seu lado na cama para fazê-la dormir quando criança; nunca lhe contou histórias maravilhosas ou cantou uma canção de ninar. Claro que ela lhe dera educação e carinho, mas mesmo assim, faltava-lhe um abraço maternal, um beijo de boa noite, um sorriso a mais…

   suspirou vendo algumas mães abraçarem seus filhos no parquinho.

  Ela era bem pequena quando perdeu seus pais, mas lembranças de pessoas como eles, seus pais, tão especiais, não eram feitas para serem esquecidas.

  Já estava começando a escurecer, a tarde já se ia e dava lugar ao anoitecer quando levantou-se para caminhar de volta para casa.

  Andava lentamente pelo percurso que sempre fazia, sem parar de ouvir as músicas que tocavam em seu fone. Às vezes olhava para trás e até para cima durante a caminhada, tinha a estranha sensação de que alguém a observava, mas tudo o que via eram as estrelas que começavam a brilhar no céu noturno de Londres.

  A noite começava a esfriar quando finalmente entrou na casa de sua tia Lucy, seu único lar.

  — Boa noite, querida. — Tia Lucy murmurou para a sobrinha sem tirar os olhos do que preparava para o jantar.

  — Boa noite, tia. — Respondeu de volta caminhando diretamente para seu quarto.

  Largou sua mochila num canto e se jogou em sua cama encarando a janela. Começou a cantarolar uma canção que sua mãe costumava cantar ao colocá-la para dormir. Olhou para as estrelas que já brilhavam com certa intensidade no céu noturno, lembrando de momentos de anos antes, quando ainda era uma criança. Sua mãe costumava dizer que estrelas cadentes costumavam dar sorte e realizar desejos, porém, havia tempos que não via uma no céu de Londres. Olhando naquela noite, ela decidiu, outras estrelas “comuns” poderiam funcionar, tinham que funcionar. Ainda cantarolando a canção de ninar, fechou os olhos e desejou, desejou que sua vida mudasse, que pudesse ter nove ou dez anos de idade novamente, um tempo em que sua imaginação infantil conseguia fantasiar com lugares bonitos, com seus pais tomando chá no jardim, com sonhos coloridos… Sentiu suas pálpebras pesarem com o cansaço, seus olhos se fecharam e mergulhou num sono profundo e sem sonhos.

   abriu os olhos e percebeu que já passava da meia-noite. Sentiu o estômago reclamar de fome e foi até a cozinha ver se havia algo que lhe apetecesse. Sua tia Lucy havia deixado um prato fundo tampado em cima da mesa e embaixo dele, um pequeno bilhete.

   sorriu. Apesar de tudo, Lucy ainda agia como uma mãe às vezes.

  Pegou o prato de sopa e o colocou no micro-ondas para esquentar. Adorava a sopa de legumes que a tia fazia. Era um dos pratos favoritos da garota. Terminou de comer em poucos minutos, lavou o prato e os talheres, deixando a cozinha arrumada como a encontrara antes. Caminhou para o quarto e pegou seu pijama, a fim de tomar banho antes de voltar a dormir.

  Depois de um longo período no banheiro, escovando os dentes e relaxando no banho, finalmente sentiu-se bem para dormir, quentinha e limpa. Caminhou preguiçosamente em direção ao seu quarto com um copo cheio de água em mãos. Durante a madrugada, costumava sentir bastante sede, e para poupar tempo, sempre deixava um copo com água em sua cabeceira.

  Fechava a porta distraída quando percebeu que não estava sozinha, um rapaz com vestimentas um tanto peculiares observava o quarto com atenção e interesse; ao perceber a presença de ali, virou-se para a garota com um sorriso caloroso.

  — ! — Exclamou se aproximando de braços abertos e com um sorriso largo estampando os lábios.

  A garota arregalou os olhos de susto. Quem diabos era aquele homem?

  Preparou os pulmões para soltar um grande grito quando o rapaz chegou perto o bastante para segurar-lhe pelo braço e calar-lhe com o dedo indicador.

  — Shhh! — Sussurrou olhando para os lados.

  Por algum motivo, o grito preso na garganta de se esvaiu aos poucos, e uma sensação de calma a tomou fazendo seu corpo relaxar, o que consequentemente fez com que o estranho invasor a soltasse.

  — Q-quem é você? — gaguejou ela, ainda assustada.

  — Sou o Doutor. — O homem apresentou-se com um aceno e um sorriso. — Há quanto tempo, ! — exclamou deixando sua empolgação transparecer. — Veja como cresceu! — disse pegando na mão da moça e a fazendo girar num rodopio elegante.

   achou melhor não dizer muita coisa, talvez aquele homem fosse um louco, afinal. Mas por que um louco saberia seu nome? E o que estaria fazendo em seu quarto? E ele dissera “Há quanto tempo”?

  — Desculpe, mas… — Ela se afastou um pouco do rapaz sentando-se perto da mesinha de cabeceira. Poderia usar o abajur em cima dela para se defender caso o estranho fizesse menção de atacar. — Nós nos conhecemos? — perguntou por fim, vendo a animação no rosto jovem se esvair e dar lugar a uma expressão séria.

  — Mas é claro que sim! — exclamou de forma bastante indignada e espalhafatosa. — Não se lembra de mim? — perguntou chegando bem perto de , fazendo a moça recuar e se encolher um pouco na cama. — O Doutor! — continuou, aproximando seu rosto ainda mais do de , os dedos apontados para si mesmo.

  O homem levantou-se resmungando para si mesmo quando percebeu o olhar confuso da garota em relação à pergunta. por sua vez, encarou-o com a sobrancelha erguida, questionando seriamente a sanidade daquele jovem rapaz, sentiu-se chocada e um pouco desapontada por ele ser um maluco. Ele era bastante atraente se fosse analisar bem, tirando o estilo nem um pouco convencional – as roupas não pareciam condizer com a época em que estavam, e nem o modo de falar… Ou talvez fosse exatamente esse ar excêntrico que o tornasse atraente. analisava o homem andar de um lado para o outro resmungando e falando consigo mesmo.

  — Ah! — exclamou de repente, fazendo a garota pular de surpresa. — Não se lembra das nossas viagens para planetas como aquele com rios de chocolate? — Perguntou gesticulando, sem parar de andar. — Talvez se lembre de Pitchgard e dos pequenos Pulchs… — Tentou esperançoso, mas nada recebeu em resposta a não ser o mesmo olhar de avaliação e não reconhecimento. Voltou a resmungar sozinho enquanto andava em círculos.

  — Rios de chocolate? Pitchgard e Pulchs? — Ele ouviu murmurar após um tempo. A garota deixou a defensiva para encarar o jovem. — Smith… — Ela se viu pronunciando o nome. Algo no fundo de sua mente parecia querer vir à tona.

  — Sim, Smith! — O rapaz parou de caminhar e virou-se completamente empolgado para a moça. — Lembra-se de Smith? — Perguntou abaixando em frente à moça para que seus rostos ficassem na mesma altura.

  — Sim… Smith, o pulch… — murmurou concordando.

  — Sim! O pulch! — O homem exclamou batendo uma mão na outra e depois apontando o indicador para .

  — O pequeno e simpático pulch… — Ela murmurou. — Com o qual eu sonhei dez anos atrás. — Ela soltou entredentes. — Foi só um sonho.

   O homem bateu de leve em sua própria testa ao ouvir a última parte.

   — Ah, humanos! — Exclamou massageando as têmporas de forma teatral. — Por que precisam se tornar adultos? — Resmungou.

  — Desculpe, o quê?

  — Vocês humanos! — O homem disse apontando em direção à . — Crescem e simplesmente se esquecem da magia do “impossível”! — Disse fazendo aspas ao dizer a última palavra.

  — Talvez porque seja impossível? — A garota sugeriu o óbvio.

  — Ah, , acho que gostava mais de quando você tinha dez anos e me chamava de “Doutor Pan”. — O homem suspirou parecendo um pouco desapontado.

   encarou o tal “Doutor” e ao ouvir a frase que ele acabara de dizer, parou estática, os olhos ligeiramente arregalados e a boca entreaberta.

  — Não pode ser… — Murmurou com o olhar perdido. — Foi só um sonho… — Manteve-se dizendo para si mesma.

  — Alguns sonhos podem ser reais… — Ouviu a voz do rapaz dizer ao fundo.

  — Quem é você…? — perguntou novamente, encarando o invasor de seu quarto.

  — Sou o Doutor. — Sorriu apresentando-se novamente naquela noite. — E você, , gostaria de viajar no tempo-espaço e visitar mundos desconhecidos em minha companhia novamente? — O tal Doutor perguntou estendendo-lhe a mão num convite.

   sentiu-se uma completa louca naquele instante, mas todo o seu corpo e mente queriam que aquele convite fosse aceito. Ela estendeu o braço e aceitou a mão que lhe era oferecida, logo foi puxada em direção à janela escancarada, o que a fez parar por um instante.

  — Pela janela? — Ela perguntou descrente.

  — Ora vamos, ! — O Doutor exclamou, pegando a garota no colo sob protestos e pulando a janela com habilidade, sem esforço algum.

  O homem correu em direção à uma cabine de polícia azul, típicas de Londres, que definitivamente não deveria estar ali, no quintal da casa de . O Doutor abriu a porta da cabine com certa dificuldade, já que ainda carregava a garota que retrucava e murmurava alguma coisa sobre estarem entrando numa cabine minúscula, quando finalmente conseguiu entrar, o resmungar de sua nova companheira parou.

  — Bem vinda de volta à TARDIS! — Ele exclamou.

  O silêncio reinou por um minuto inteiro. Para o Doutor era inevitável se encantar todas as vezes em que embarcava em sua “caixa azul” com um novo acompanhante de viagens, sua sexy thing era simplesmente deslumbrante a qualquer olhar, capaz de prender uma pessoa por horas e mais horas, apenas admirando-a.

  O Doutor observava sua TARDIS com o olhar abobalhado. Sua fiel companheira desde o início de toda aquela sua jornada. Muitos iam e vinham, mas ela, sua sexy, permanecia. Ele poderia passar horas à fio naquela mesma posição, apenas observando. De fato ficaria, se não sentisse algo o cutucar de leve no ombro, chamando-lhe a atenção.

  — Hum… Doutor…? — Ouviu a voz fininha de alguém o chamar.

  — Oh! — Ele exclamou quando finalmente lembrou-se de , que ainda estava em seus braços. Deixou que a jovem se colocasse em pé a sua frente, e esperou, esperou pela reação que todos os adultos humanos tinham ao entrar pela primeira vez em sua máquina do tempo. — E então…?

  — … Isso é tão… — caminhava um tanto cautelosa, observando tudo ao seu redor. — Tão…

  — Sim…? — O jovem rapaz incentivou.

  — Tão… — A garota não conseguia raciocinar direito para definir uma frase com algum sentido. Apenas conseguia se encantar com aquela cabine policial azul tão peculiar.

  — Maior por dentro. — O Doutor decidiu completar a frase com o que todos diziam, ao mesmo tempo em que ouviu murmurar: “Diferente do que eu me lembrava”.

  Os dois se encararam, o Doutor com uma expressão surpresa, já que sua nova companheira havia relutado tanto em aceitar que aquele sonho de dez anos atrás não havia sido apenas um sonho; riu de leve com o efeito das frases ditas por ambos ao mesmo tempo, se cruzando.

  — Bem! — O rapaz exclamou, recuperando-se rapidamente da surpresa, esfregando as palmas das mãos umas nas outras e seguindo em direção ao centro de controle da TARDIS. — Por onde quer começar? — Sorriu encarando algumas informações na tela de navegação.

   ficou sem saber o que dizer. Por onde poderia começar? Ela mal sabia o que estava prestes a começar, tampouco para onde ir ou quando ir.

  — Surpreenda-me! — Ela sorriu correndo até onde o Doutor se encontrava, para poder encarar melhor o que ele faria. — Mas antes… — Ela voltou a atenção ao rapaz que parou de mexer nos comandos da máquina para encarar sua companheira.

  — O quê? — Perguntou vendo-a um tanto em dúvida se devia ou não dizer alguma coisa.

  — Por que eu? — disse por fim, o Doutor suspirou. Por que sempre lhe faziam aquele tipo de pergunta?

  — Precisamos ter um motivo? — Questionou voltando aos comandos da TARDIS.

  — Sempre há. — A garota disse ainda o encarando séria.

  — Gosto de visitar velhos amigos de vez em quando. — Disse sem encarar a moça que o acompanhava enquanto ele dava voltas e mais voltas apertando botões e puxando alavancas.

   calou-se por algum tempo. Como aquele rapaz singular poderia considera-la amiga, mesmo quando descobrira que ela não se lembrava dele? Certamente, amigos devem se lembrar um do outro, mas tudo em relação àquele nomeado Doutor, era apenas um borrão em sua mente. Não se lembrava direito daquele rosto ou das coisas que haviam vivido juntos, eram apenas flashes, lembranças de um sonho turvo e inebriado.

  A TARDIS deu um solavanco inesperado, o que fez com que perdesse o equilíbrio e se segurasse por impulso no corrimão da curta escada que se encontrava ao seu lado. Tinha a impressão de que aquele tipo de coisa sempre acontecia quando o Doutor dava “partida” na máquina do tempo.

  Após a nave se estabilizar e a garota se sentir confiante para soltar a barra de ferro do corrimão, ela caminhou ainda boquiaberta para mais perto do Doutor, olhando atentamente cada pequeno detalhe pelos quais seus olhos passavam. Tinha uma vaga lembrança de ter corrido, subido e descido por todos os lados no interior daquela cabine azul, mas aquelas lembranças estavam enterradas em algum canto de sua mente e inebriadas demais para ter certeza se não estava fantasiando com aquilo apenas para não se achar louca demais por ter entrado com um estranho numa máquina do tempo.

  — Não ajudou em nada… — Resmungou para si mesma enquanto parava para raciocinar e pensar naquela história de máquina do tempo.

  — Desculpe, o quê? — Perguntou o Doutor tirando os olhos da tela de navegação para pousá-los em sua nova companheira.

  — Nada. — Ela disse sorrindo sem graça.

  — Bem, não importa. — O rapaz sorriu esfregando suas mãos. — Chegamos! — Anunciou pegando pelos ombros e a empurrando em direção à porta da nave.

  — Onde? — Perguntou ela um pouco assustada. Ou será que deveria ter perguntado quando?

  — Abra a porta e descobrirá. — O Doutor se afastou um pouco com um pequeno sorriso nos lábios.

   encarou a porta a sua frente com certo receio. E se tivessem ido parar num planeta com criaturas ferozes que não gostassem dela? Ou então, em um planeta sem oxigênio? Pensou bem na última hipótese e virou-se para encarar o homem que a observava curiosamente. Ele ainda mantinha o sorriso, e agora seu olhar tinha uma sombra de expectativa mascarada. suspirou. Se ele fosse mesmo o seu Doutor Pan, então não lhe faria mal. E também não deixaria que abrisse a porta primeiro se o que estivesse do lado de fora fosse algo perigoso. Tomou coragem e um pouco da insanidade que lhe restara e abriu a porta da TARDIS com cuidado. Seus olhos demoraram alguns instantes para se acostumarem à extrema claridade do lado de fora. Seu olfato captou um cheiro que lhe remetia à mais lembranças turvas. Era um cheiro de baunilha, ou talvez de amora, quem sabe morango? Ou talvez fossem todos aqueles cheiros misturados!

   piscou várias vezes e então finalmente se acostumou com a claridade, e então foi que conseguiu enxergar um gigante peludo pulando em sua direção. Com um gritinho agudo a garota saltou para dentro da nave novamente e com estrondo e desespero, fechou a porta.

  Olhou assustada na direção do Doutor, este apenas parecia se divertir com o pavor que ela deixava transparecer. ficara indignada com aquilo. Como ele pôde deixa-la correr perigo daquela forma e ainda se achar amigo? Foi então que ouviu um choramingar baixo do lado de fora da cabine, algo parecido com um cão, e também algo raspando a porta pelo lado de fora. parou até mesmo de respirar por um breve instante. Aquele choramingar puxara dezenas de imagens à sua mente, um turbilhão colorido na velocidade da luz em sua cabeça. As coisas vieram tão rapidamente, que chegava a ser difícil entender tudo, mas a única coisa que importava era: Ela conhecia muito bem aquele barulho do lado de fora da TARDIS.

   olhou mais uma vez em direção ao Doutor, este sorriu e ergueu a sobrancelha a encorajando a tentar novamente. A garota endireitou-se e respirou fundo, torcendo para que suas memórias não estivessem lhe pregando uma peça. Então foi em direção à porta com cautela e com mais cuidado ainda, abriu a mesma. Não foi preciso muito tempo para a criatura do lado de fora pular em sua direção de forma assustadora, a derrubando no chão da cabine. Surpreendentemente, o que se seguiu depois foi um ataque de lambidas e nada mais.

  — Bem-vinda de volta à Pitchgard! — O Doutor sorriu estendendo a mão para , logo depois de tirar o grande animal – que a garota não sabia como descrever – de cima de sua companheira. — Parece que alguém ficou feliz em te ver novamente. — O rapaz murmurou rindo e fazendo carinho no topo da cabeça do gigante animal peludo.

  — Smith? — perguntou boquiaberta encarando o animal que se parecia com um dentes de sabre, mas completamente branco e bastante peludo. — Smith? — Ela perguntou novamente, agora encarando o Doutor. — Este é o meu pequeno Smith? — Não conseguiu esconder a expressão espantada de seu rosto.

  — Sim. — O homem sorriu dizendo simplesmente, e como para reforçar a resposta, o animal aproximou-se e lambeu o rosto de .

  — AH MEU DEUS, SMITH! — Ela finalmente se deixou levar pelas emoções, saltou em direção ao animal, e logo ambos já estavam rolando no “hall de entrada” da TARDIS, tal como fizeram dez anos atrás.

   encarava tudo maravilhada. A Pitchgard de suas lembranças – que há pouco haviam voltado, ao menos em relação àquele planeta – não conseguiam fazer jus ao que aquele lugar realmente era. As cores de Pitchgard eram diferentes de qualquer outra que já tivesse visto, tão mais vivas, tão mais vibrantes… Como pudera esquecer de um lugar como aquele?

   saltitava em todas as direções enquanto era seguida por um Smith empolgado e um Doutor sorridente. Ela ainda usava o pijama de sapinhos com o qual embarcara naquela aventura, mas quem realmente estava ligando? Não o Doutor. Na verdade ele sequer sabia o motivo dos humanos mudarem de roupa para tudo. Roupa para sair, roupa para ir ao parque, roupa para dormir… Qual o motivo para tantas roupas? poderia ficar de pijamas o resto da vida, ele não ligaria.

  — Onde estão os outros Pulchs? — finalmente parou de andar e virou-se para encarar o Doutor, questionando.

  — Oh, bem. — Ele murmurou coçando a nuca. — Em Pitchgard os pulchs dormem durante o verão. — O rapaz começou explicando.

  — Invernar no verão… — processava a informação com expressão pensativa. — Por que Smith não está invernando também? — Perguntou por fim, erguendo a sobrancelha.

  — Ele é um dos pulchs defensores de Pitchgard, enquanto os pequenos dormem para amadurecer, os defensores tomam conta das terras. — O Doutor explicou voltando a caminhar, sendo acompanhado por que voltou a saltitar pelo caminho de grama baixa em que se encontravam.

  — Quer dizer que meu pequeno Smith agora é um guardião, hum? — A garota sorriu parando e virando-se na direção do pulch, acariciando sua enorme cabeça e recebendo lambidas em troca.

  — Defensor. — Corrigiu o homem voltando a parar a caminhada para encarar sua companheira.

  — Guardião soa muito melhor. — A garota deu língua abraçando o animal, completamente radiante.

  O Doutor riu da imagem a sua frente. Como aquela jovem moça se parecia muito mais com a garotinha que conhecera anos antes agora. Com aquele brilho sonhador no olhar que toda criança tinha e que ele admirava com todo o seu ser. O brilho que se apagava aos poucos enquanto a idade ia chegando, junto com o que os humanos chamavam de maturidade. Por que não se podia crescer sem perder aquele brilho intenso nos grandes olhos curiosos? Ele não entendia muito bem aquilo, mas estava feliz em ver ao menos uma faísca cintilante surgir nos olhos adultos daquela madura.

  Os pensamentos de velho senhor do tempo foram interrompidos pelo soar de dois estômagos roncando quase que simultaneamente.

  — Acho que é hora de irmos. — O rapaz murmurou.

  — Mas já? — perguntou num tom desapontado, sendo acompanhada por um resmungar de Smith.

  — Está na hora do almoço dos defensores. Não é uma boa ideia ficarmos para o banquete. — Sussurrou para a garota que o encarou de sobrancelha erguida.

  — Certo, por que está sussurrando? — Perguntou ela no mesmo tom baixo do Doutor.

  — Defensores ficam bastante sensíveis quando estão com fome. — Explicou empurrando discretamente a garota de volta pelo caminho de onde vieram.

  — Mas Smith é nosso amigo… — Ela tentava argumentar, mas se deixava ser empurrada pelo caminho.

  — Mas aqueles outros três não parecem estar dispostos a fazer novas amizades. — O Doutor murmurou indicando discretamente mais três enormes pulchs que se aproximavam sorrateiramente de onde estavam, como leões espreitando sua presa.

   No mesmo instante em que avistou os três, os mesmos arreganharam os dentes de forma feroz, preparando-se para atacar.

  — Corra! — O Doutor exclamou empurrando a garota, que se pôs a correr em direção à TARDIS. — Corra! Corra! — Ele continuou exclamando.

   chegou até a porta da cabine azul, mas no desespero acabou se atrapalhando ao tentar abrir a porta.

  — Não abre! — Exclamou tentando puxar a porta.

  — Empurre! — O Doutor vinha correndo olhando de relance para trás, em direção aos pulchs famintos que os perseguiam.

  — Mas está escrito puxe! — Ela exclamou de volta batendo na porta, como que esperando um milagre.

  — Empurre! — O Doutor chegou empurrando a porta da TARDIS e abrindo a mesma, logo puxando para dentro e fechando novamente a cabine azul.

   O homem correu em direção ao centro de controle da máquina e apertou alguns botões, logo a TARDIS partia de Pitchgard com um solavanco.

  O Doutor escorregou teatralmente até o chão, ofegante de tanto correr. Ainda com a respiração descompassada, procurou com o olhar. Ela estava sentada no chão, encostada na porta da máquina do tempo, o corpo largado e um pouco mole; seus olhos estavam encarando um ponto fixo no nada. O Doutor levantou-se imediatamente e foi em direção à garota, um tanto preocupado.

  — ? — Chamou enquanto agachava-se ao lado da moça. — , está tudo bem? — Perguntou passando a mão em frente aos olhos de , que piscou várias vezes e lentamente voltou seu olhar para o rapaz que a encarou cautelosamente.

   Ela apenas permaneceu encarando-o um pouco perdida. O Doutor começava a ficar realmente preocupado com o estado psicológico de quando ela finalmente sorriu.

  — Isso foi… De mais! — Soltou num tom empolgado, fazendo o rapaz soltar um suspiro de alívio por ver alguma reação da garota. — Oh meu Deus! Estou me lembrando! Estou me lembrando! — Ela continuou exclamando. — Tudo era tão divertido! — Ela se levantou num pulo e rodopiou alegremente.

  O Doutor sorriu. Mesmo por alguns instantes apenas, ele pôde vislumbrar o brilho encantador no olhar que a pequena sempre tivera quando se conheceram. Ele sentia falta daquela juventude que toda criança carregava dentro de si.

   — E então, Doutor Pan, qual vai ser nossa próxima parada? — voltou-se para o Doutor com um sorriso enorme nos lábios com o brilho intenso e mais vivo do que nunca no olhar.

  O rapaz levantou-se do chão onde permanecera enquanto observava sua companheira e ajeitou suas roupas.

  — Qualquer lugar, qualquer hora. Para onde você quiser! — Sorriu correndo empolgado para os controles de sua TARDIS.