Take Me There
Dougie se sentia livre. Olhou para os dois lados a procura de uma alma viva, mas nada encontrou. Sorriu. Há quanto tempo não esperava por uma sensação assim? Quantas vezes não clamou por liberdade, mesmo que ela fosse condicional? Encarou o declive à sua frente e sentiu a brisa bater contra seu corpo quente. Fechou os olhos e abriu seus braços, como se pedisse para o fraco vento levá-lo consigo. Não moveu um músculo do chão. Mesmo assim, sentiu-se bem. Sentiu-se feliz.
Abriu seus olhos e olhou para trás, onde seu carro estava calado o observando agir como um louco.
- Acho que está na hora de visitá-la, não? – disse para o automóvel, como se ele fosse seu cachorro ou qualquer outro animal de estimação. Como esperava, não recebeu uma resposta. Retirou o celular de seu bolso traseiro apenas para reler a mensagem que ela havia lhe mandado mais cedo. Sorriu imperceptivelmente e logo sentiu a saudade bater. Girou seus pés no chão e caminhou em direção ao carro.
Não se lembrava há quanto tempo estava com aquela garota. Provavelmente a menos tempo do que sentia. Seus amigos sempre disseram que os dois sempre estavam a três passos à frente de um casal com o tempo de relacionamento como o deles. Lembra-se quando ela prometera que assim que ele voltasse, mudaria para sua casa. Dougie esteve pensando nessa mudança desde que entrara na turnê. Contratou um design de interiores por telefone e desde então passara todas as instruções para o profissional por telefone. Todos os móveis de madeira escura e aço, a troca de todos os armários, e adaptar o antigo quarto onde cuidava de seus lagartos em um amplo closet com iluminação automática e espelhos por todos os lados. Ela amava espelhos. Quanto maiores, melhores. Dizia ser a única coisa no mundo que não mentia para ela.
Ligou o som apenas para ajudar a disfarçar a ansiedade. Mal podia esperar para pegá-la em seu agora ex-apartamento. Acima de tudo, o que mais o animava, era o fato de que agora ele não precisaria contar os dias para vê-la. Simplesmente porque ela seria a última coisa que veria no dia e a primeira no dia seguinte. Assim que olhou no retrovisor, mais uma vez viu aquele sorriso bobo, de quem está fora de órbita, em seu rosto. Batucou os dedos no volante, balançou a perna que estava livre da direção – carro automático sempre foi o seu tipo favorito desde que repetira na prova de direção – e acelerou mais ao perceber que faltavam menos de dois quarteirões para chegar ao seu destino.
Como sempre, arranjou uma vaga bem à frente da residência. Olhou para a rua antes de sair do carro e se certificou de que nenhum carro louco ou ciclista estaria passando por lá para carregar sua porta junto dele. Arrumou o cabelo no retrovisor e destrancou a porta. Parou à frente do prédio, encarando todos os dezoito andares. Respirou fundo e brincou com a chave em seus dedos. Quantas vezes já não ficara esperando ali, naquele mesmo lugar, em pé ao lado do carro, pois não era tão íntimo dela para subir.
I don’t ever want to spend another day without you, without you
I don’t think that I’d be standing here if I never found you, never found you
Deu um toque em seu celular e ela o permitiu subir. Aguardou todos os treze andares do prédio e, quando saiu do elevador, encontrou-a parada com duas enormes malas paradas uma de cada lado dela. Dougie não evitou e nem tentou abrir o enorme sorriso, apressando-se a abraçá-la e tirá-la do chão, sentindo os lábios dela junto aos seus. Devolveu-a ao chão e pegou as duas malas, arrastando-as rapidamente para dentro do elevador. Era apenas o que faltava para a mudança estar completa. Havia pedido para um caminhão pegar tudo o que ela gostaria e levar para seu novo lar. E agora sim Dougie estava completo. Pois lar é onde está o coração. Talvez fosse por isso que não saía da casa da garota quando estava na cidade.
Resolveram, então, não seguirem direto para casa. Os dois possuíam um lugar em especial que amavam. O lugar que Dougie estava há pouco, antes de seguir para a casa dela. Durante o caminho, depositou a mão em cima da mão da companheira, que desviou o olhar para si, sorridente. Viu seus dentes brancos brilharem com o sol agora fraco devido ao fim da tarde e seus cabelos clarearem com o tom da luz que reluzia neles. E seus olhos… Ah, seus olhos… Eles ofuscavam qualquer outra visão. Normalmente eles já eram brilhantes, Dougie sempre conseguia ver além dela através de seus olhos. O sol era apenas um charme adicional.
Qualquer momento com ela era um momento para Dougie. Qualquer sensação era uma nova sensação que fazia seu corpo tremer. Sempre que ele estava longe dela, sentia que parte dele estava em falta. Não apenas em seu coração, mas em sua alma, em sua vida. Em sua filosofia. Sentia então, a necessidade de tocá-la ou ouvir sua voz. Apenas isso para fazê-lo sentí-la mais perto, para ter certeza de que ela ainda estava lá dentro dele, vivaz e feliz.
Right now the sun is in your eyes, the moment has arrived to see
Right now there ain’t no better time, I feel like you’re alive in me
Foi ela quem o levara àquele lugar. Depois de tanto propagar sobre a famosa vista para o mar, principalmente no por do sol, onde o horizonte laranja, vermelho e amarelo se despedia de mais um lindo dia. O sol se punha para dar lugar à lua, que também fazia o seu papel romântico, iluminando o cenário do casal vinte.
Fora amor ao lugar à primeira vista. Dougie adotou como o cenário de seu filme de romance em um final feliz. Era como se quisesse sempre reviver sua história com ela. Todo pôr do sol era igual naquele lugar. Lindo, calmo, refrescante, relaxante, romântico. Apesar disso, ele sentia como se fosse a primeira vez, devido aos sintomas que sentia. Borboletas no estômago, pernas bambas, mãos trêmulas e suadas, olhos fixos e apaixonados. Não seria ela quem deveria estar assim? E quem lhe garantia que ela estava diferente?
Can you take me, can you take me, can you take me there?
Estacionou no mesmo lugar onde estava há uma hora atrás. As marcas da roda do pneu ainda estavam lá. Saíram do carro e então se juntaram, sentando-se no capô ainda quente.
Não havia necessidade de palavras quando seus olhares transmitiam tudo o que estava dentro de si mesmos. Ele sabia o quão feliz ela estava e ela sabia o quão apaixonado ele estava. Ambos sabiam o quanto esperaram por aquele momento. Três meses fora, devido a uma turnê internacional, e ela, em seu estágio numa das filiais da Vogue, não conseguia tempo para sequer ir até Paris, a meia-hora dali, para visitá-lo em um de seus shows. E com isso, seu nervosismo tornava-se ainda pior. E pior ainda pelo fato de que ele sabia que da próxima vez que pisasse em sua casa, seria com ela, e não em sua companhia como uma visita, mas como uma moradora.
Tais razões o levavam a checar seu calendário cinco vezes no período entre o café da manhã e o lanche da tarde, e mais três vezes depois de suas apresentações. O momento que se esquecia, era quando tocava no palco ou na passagem de som, não deixando nunca escapá-la de sua mente, ou quando estava conversando com ela pela internet. Ela nunca podia ficar até tarde, o trabalho a consumia muito e ele sabia o quanto ela valorizava as suas – poucas – horas de sono. Gostava de vê-la sorrindo. Logo na primeira vez que a vira adormecida percebera o sorriso em seus lábios. No início foi um tanto esquisito, mas então realizara de que essa era ela. A garota que adormece com os lábios virados para cima, como se estivesse tendo um sonho bom. Recorda-se de sempre ficar feliz quando, ao perguntar como fora seu sonho, ela responder que fora maravilhoso, pois ele estava nele.
Diversas vezes se pegara sem ar enquanto passava pelas fotos do álbum da garota em seu Facebook, simplesmente se esquecia de respirar. Afinal, para quê serve a respiração, quando se pode sentir algo melhor como o amor? Reabrira sua conta apenas por causa dela. Porque seu ciúmes enquanto estava longe – e apenas quando ele estava longe, ele podia garantir, mas não prometer – o consumia e ele precisava saber tudo o que ela fazia. Obviamente, ela aprendera muito bem que internet não é um lugar para expor sua vida, principalmente quando o cara com quem está se relacionando possui fãs que procuram feito leões famintos, fotos dela e dele juntos. Com isso, ele tinha de se contentar em ver as fotos de perfil dela, ou quando algumas de suas amigas postavam algo dela. Carrancava ao ver um homem olhando em sua direção, mesmo que não fosse para ela – sempre era para ela, ele sabia disso, ele
sentia -, ou quando, em um evento da revista, ela estava em um vestido sensual, que acentuava suas curvas e as expunha como modelos em passarela.
I get anxious just to know that you’re the one I come home to, come home to
Being without you makes me suffocate ‘cos baby I breath you, I breath you
Quando finalmente percebeu onde estava, abriu os olhos, vendo o céu escuro coberto de estrelas, igual ao quarto de seu primo pequeno que gostava das galáxias. Seus tios haviam decorado o quarto do menino com estrelas fluorescentes para fazê-lo de noite se sentir no mundo estelar. Sorriu e suspirou, encarando o lado. Desfaz seu sorriso e num rápido impulso, sentou-se no capô. Olhou para os dois lados em desespero. Esfregou os olhos para ter certeza de que estaria enxergando bem. Estava enxergando muito bem. Olhou para trás e não encontrou as malas no banco traseiro, como haviam colocado há tempo atrás, antes do pôr do sol. Abriu a porta do lado motorista e praticamente se jogou, ligando o automóvel. E antes mesmo de dar a partida, voltou a puxar o freio de mão e colocou o carro no ponto morto.
Agora lembrava bem. Ele era solteiro. O tempo todo estava adormecido. Sim, era isso mesmo. Chegara no declive faziam horas e acabou adormecendo com o sol acima de si e o vento lhe refrescando. Estava vendo as nuvens flutuarem todas lentamente para uma única direção, então fechara seus olhos e caíra dentro de um sonho. Suspirou e tornou a tirar o cinto, saindo do carro e caminhando até a ponta do declive, onde, ao olhar para baixo, via pedras e as ondas do mar batendo nelas, como se estivessem dando tapas. Tapa que ele levou ao se lembrar de sua verdadeira realidade.
Ela não existia. Ela não era ninguém em sua vida e se ela existisse mesmo, não sabia da existência dele e do quanto ele sonhava com ela.
Mas tudo parecia tão real, tão… Verdadeiro. Todos os sentimentos, seu coração pulsando rapidamente… Sabia que foi real, afinal, o coração não estaria acelerado ao acordar. Estaria? Sim, estaria. Dougie então suspirou e cruzou seus braços, fechando os olhos, o vento agora mais gelado, mesmo assim não deixando de ser gostoso.
- Você não está pensando em se jogar, não é? – ouviu uma voz atrás de si e virou-se bruscamente, quase caindo, o que faz a garota dar um passo para frente e segurar a manga de sua jaqueta.
Dougie não pode evitar arregalar os olhos ao vê-la ali.
I feel like something is special here, I feel like something is special, I feel like something is special here, I feel like something is special with you
- Desde quando está aqui? – é a única coisa que perguntou, olhando para o lado e vendo um carro perceptivelmente menor, comparado ao dele.
- Quis tentar ver o pôr do sol, mas acho que só você conseguiu ver essa maravilha. – ela levantou os ombros sem graça.
Ele se aproximou dela, analisando cada centímetro de seu perfil. Não teve como ela não se afastar, um tanto assustada. E então ele pegara em sua mão e entrelaçara com a sua. Ela encarara em parte surpresa, em parte assustada, para o homem que nunca havia visto na vida, senão nos canais da televisão, na internet e nas revistas da banca.
Mas nada foi comparado ao beijo que ele lhe deu momentos depois. Um beijo que durou mais do que um reconhecimento. Um beijo especial, que se tornou único, porque acontecera com ela.
Fim