1. Growl
O que você sentiria se fosse a primeira de sua espécie? Eu não sei por que o criador me escolheu, mas estou feliz por isso. Ansiando a lua cheia, para que eu possa me transformar!
Era inverno quando minha família foi expulsa da
alcateia Halla, meu pai era o alfa e tinha sido desafiado por um lobo andarilho, infelizmente, por um golpe baixo do desafiante, ele perdeu; a montanha de Hallasan não seria mais o nosso lar. Minha mãe estava me esperando ainda, foi um milagre ter aguentado as dores da gestação durante a migração até chegar na floresta de
Gotjawal, onde viveríamos.
Eu nasci em uma chuvosa noite de lua cheia, era uma raridade chover no inverno, isso fez com que minha mãe tomasse aquele dia como especial, o dia em que uma alfa estava nascendo. Era uma lenda entre os lobos, que dizia que todos os alfas eram os únicos que nasciam em sua ninhada e numa noite chuvosa do inverno, por isso era tão difícil nascer um lobo com a marca de um verdadeiro
alfa.
Segundo minha mãe, eu era uma
little wolf medrosa quando chovia, a culpa disso era o alto barulho dos trovões, algo que sempre me assustava. Minha vida de filhote não era tão fácil assim, não podia explorar tanto a região onde morávamos, por causa de possíveis caçadores de duas patas, minha mãe os chamava de humanos.
Eu os tinha visto uma vez, quando estava brincando de caçada com meus cinco irmãos mais velhos, uma das poucas vezes que minha mãe me deixava sair de perto dela. O sol da primavera tinha acabado de nascer, quando me afastei do perímetro estipulado por meus pais e me escondi no alto de uma grande rocha, o que me permitia ver muitos pontos do nosso território.
Eram dois humanos parados perto de um arbusto, falam algo que eu não entendia e pareciam bravos com alguma coisa, fiquei abaixada me escondendo entre elevações da rocha, observando seus movimentos. Ambos ficaram ali por algum tempo, estavam encaixando algumas coisas na terra, fiquei curiosa para saber o que era.
O tempo foi passando, eu já estava sentindo tanta fome, mas minha curiosidade para saber o que aqueles humanos tanto queriam era maior, ainda mais depois deles terem se escondido no arbusto. Assim que o céu ficou escuro, eles saíram do arbusto e foram embora, fiquei os vigiando até que desapareceram do meu campo de visão.
Ergui minha cabeça e olhei ao meu redor, não havia sinal dos meus irmãos ou de outros animais, senti um pequeno fundo em minha barriga e desviei meu olhar para a terra remexida, onde estava a coisa dos humanos. Fiquei tentada a saber se era algo de comer, afinal, aquele lugar era um pouco longe de casa, senti um vento gelado tocar meu pelo e atiçando minhas patas sobre a rocha, após um curto impulso pulei na terra.
Dei alguns passos até a coisa e a rodiei, depois me sentei de frente e permaneci mais algum tempo olhando para ela, não sabia se podia mexer naquilo, mas estava com tanta vontade de saber o que era. Me levantei e comecei a farejar, tinha um cheiro estranho, o que me fez perguntar se era realmente algum tipo de comida.
Ergui minha pata dianteira e comecei a raspar de leve a terra, até que minhas garras tocaram algo liso, tombei minha cabeça de leve. Fazia um barulho estranho quando minhas garras percorriam aquilo, quando eu coloquei um pouco mais de peso, ouvi um clique e de repente algo travou minha pata.
—
Ownnnn — soltei um uivo de dor.
Tentei me soltar o máximo que pude, mas estava sentindo como se minha pata estivesse para ser arrancada de mim. Era uma dor horrível que fazia meu corpo gelar, comecei a lamber um líquido que estava saindo de onde minha pata estava presa, queria que aquilo se abrisse para eu poder voltar para casa.
—
Owwnn. — Escutei um uivo atrás de mim: “
Pequena alfa”.
Virei minha face, era um dos meus irmãos. Ele se aproximou de mim e encostou seu focinho na minha pata presa, cheirando o líquido. Eu choraminguei um pouco, mostrando que não conseguia tirar minha pata daquela coisa, ele olhou para trás e uivou novamente, depois saiu correndo.
Eu estava contando com ele para ir até nossos pais e dizer que eu estava ali, o tempo foi passando e comecei a choramingar ainda mais pela dor, que só aumentava. Foi quando ele apareceu, diferente daqueles que tinham colocado aquela coisa ali, aquele humano tinha algo de especial.
Ele disse algo ao me ver, seu olhar era de compaixão, aos poucos foi se aproximando de mim. Eu tentei me afastar o máximo que pude, estava com um sentimento forte de agonia dentro de mim, porém não podia fazer nada já que minha pata estava presa. Eu choraminguei um pouco me encolhendo, mantive meu olhar no humano que se abaixava diante de mim.
Ele tocou em minha pata presa, dizendo algumas coisas estranhas, fiquei observando seus movimentos, de perto os humanos pareciam um tanto estranhos. Eu continuava choramingando por causa da dor, mas em poucos movimentos dele, senti minha pata sendo retirada daquela coisa.
Ele me pegou no colo. Mesmo sem pelo, conseguia me sentir confortável ali, porém já estava cansada demais para me mover ou até mesmo manter meus olhos abertos. Instantes depois, perdi o controle de todos os meus sentidos e tudo ficou escuro. Bem de leve, fui despertando através do meu olfato, percebendo que estava sobre algo bem macio, quente e confortável.
— Own — bocejei de leve esticando todas as minhas patas.
Abri meus olhos e me levantei, olhando para aquela coisa estranha e macia que estava em cima, senti uma leve pontada na minha pata que tinha ficado presa, quando olhei para ela, tinha algo enrolado nela. Cheirei primeiro para identificar o que era e depois mordisquei tentando tirar aquilo, porém o humano apareceu de repente me pegando.
Ele disse alguma coisa e sorriu, eu tombei minha cabeça, queria muito entender o que ele falava, logo ele me colocou novamente em cima da coisa macia e ajeitou o que estava enrolado na minha pata. Me deitei novamente e fiquei observando ele se locomover, não sabia o que era, mas parecia que estávamos dentro de uma árvore que tinha buracos que mostrava a floresta, parecia legal e era quente.
Não demorou muito até que o humano voltou a me pegar e me colocar no chão, era liso como a coisa que prendeu minha pata, porém percebi que não iria me machucar se caminhasse ali. Meu olfato foi me guiando pelo lugar até que encontrei pedaços de carne amassados, tinha um gosto bom, finalmente eu iria comer sem preocupação.
Eu fiquei ali na árvore daquele humano até minha pata melhorar, foi um longo tempo que quase me fez esquecer de casa. Eu o acompanhava todos os dias, por todos os lados, corríamos pela manhã em uma pequena trilha e ao final da tarde, sentávamos do lado de fora da grande árvore que ele morava, em frente a uma flor quente, vendo o pôr-do-sol.
Em um final de tarde, enquanto o humano entrou na grande árvore, meu olfato começou a sentir um cheiro conhecido, me levantei a comecei a me afastar, seguindo aquele rastro encontrei o que menos esperava. Era meu outro irmão que estava brincando com uma borboleta, eu me sentei e comecei a observar, até que finalmente ele viu que eu estava ali.
—
Own — resmungou ele: “
Pequena alfa?!”
—
Ownnn — eu uivei confirmando: “
Sou eu, seu beta bobão!”
Ele correu em minha direção e, pulando, me derrubou no chão. Brincamos um pouco rolando na terra, até que ele se lembrou da nossa alcateia e, mordendo minha orelha de leve, me fez o seguir até nosso lar. Assim que cheguei, vi o olhar desacreditado de minha mãe para mim, seus olhos brilharam de imediato.
Uma festa dos lobos foi feita naquele dia, a
pequena alfa tinha retornado para o lar e, para minha surpresa, nossa alcateia tinha crescido, pois meu irmão, o primogênito delta, tinha encontrado uma parceira para ele, que já estava esperando seus primeiros filhotes. Eu estava feliz em casa, junto da minha família, a partir daquele momento começaria minha preparação para ser uma boa alfa.
Porém, não estava me sentindo completa, talvez por causa daquele humano que tinha cuidado de mim, pensava nele quase todo o tempo. Queria vê-lo novamente, porém meu pai, o atual alfa, estava decretando uma nova lei.
—
Ownnnnnn — seu uivo era forte e alto: “
Não tem mais argumentos, mesmo tendo te ajudado, todos devem manter distância dos humanos.”
—
Own — eu resmunguei baixo, não queria obedecer: “
Mas ele curou minha pata.”
—
Ownn — minha mãe uivou para mim, mantendo seu olhar firme: “
Obedeça a nova regra, humanos ainda são perigosos.”
Meus irmãos estavam de acordo, até mesmo meu companheiro de aventura, o beta. Eu me afastei deles e fui até o pequeno arbusto que tinha ao lado da toca, aquele era meu canto. Minha mãe se aproximou e começou a fazer carinho em mim com seu focinho, mas eu estava um pouco chateada pela nova lei. Mesmo que ela argumentasse, eu não iria aceitar de fato aquilo, o humano que me salvou era diferente dos outros.
As estações foram se passando e eu estava crescendo saudavelmente, entre uma caçada e outra, tinha que enfrentar alguns treinamentos que meu pai executava. Um alfa tinha que ser forte, esperto e cauteloso ao mesmo tempo, porém na maioria das vezes, eu falhava na parte do cauteloso. O que me fazia lembrar sempre da minha pata que um dia foi machucada, tinha ficado uma marca nela, acho que o nome era cicatriz.
Sempre que podia, eu desviava da trilha nas caçadas e seguia para onde o meu humano morava, apesar de me manter distante dele, não me privava de observá-lo. Era final do outono, quando eu fui visitá-lo e o bobão do beta me seguiu.
—
Own — resmungou ele ao se aproximar de mim: “
Se o papai te pega aqui, ele te prende na toca.”
—
Ownn — mantive meu olhar no humano, estávamos no alto da colina: “
Ele só vai saber se você contar.”
Ele se deixou ao meu lado e ficou olhando o humano junto comigo.
—
Own — resmungou de novo: “
O que você acha de graça nele? Nem anda como nós.”
—
Ownn — retruquei: “
Graças a isso ele pôde me salvar, fico curiosa para saber o que os torna tão especiais.”
—
Own. — Ele me olhou: “
Falando assim, parece até que queria ser um deles.”
—
Ownn. — Mantive meu olhar no humano pensando nessa possibilidade: “
Talvez, por um dia, queria saber como é andar com duas patas.”
Ele começou a rir de mim e se aninhando, deitou a cabeça na terra fechando os olhos, já estava entendendo que ele ficaria ali para me dar cobertura, era o único que eu confiava em burlar as leis comigo. Eu olhei para ele e voltei minha face para o humano, vi uma grande coisa se locomovendo em direção a ele. Deixei meu irmão ali, deitado e silenciosamente, comecei a descer a colina.
Outro homem saiu de dentro da coisa, quando ela parou de se locomover, então eles começaram a brigar. Não entendia o que estava acontecendo, mas parecia com as brigas de lobo que estava acostumada, logo me lembrei de quando meu pai teve que defender nossa alcateia de um outro lobo no verão.
Mesmo sabendo que tinha que me manter longe, meus instintos foram mais rápidos que meus pensamentos, quando me dei por mim, já estava em cima daquele homem monstruoso mordendo seu braço.
“A sombra escura desperta em mim,
Fogos de artifício explodem em meus olhos,
Todo mundo se afasta do seu lado,
Porque eu estou ficando um pouco mais feroz.”
– Growl / EXO
2. Wolf
Eu não sabia se tinha salvado o meu humano ou se mais uma vez ele que tinha me salvado, já que o outro homem tinha me machucado com algo que cortou meu ombro direito. Mais uma vez eu estava deitada na coisa macia, recebendo carícias e cuidado, eu me lembrava de suas mãos quentes e leves, mais uma vez estava me sentindo segura e confortável com aquele humano.
Ele me alimentou, me deixando comer ali mesmo onde estava deitada, não foi difícil para ele me reconhecer, não só porque o defendi como se fosse da minha alcateia, mas também pela cicatriz da minha pata. Ele ficou sentado ao meu lado acariciando meus pelos, me esperando terminar de comer, estava falando tanta coisa, mas não conseguia entender, até que…
— — disse ele de forma carinhosa.
Ergui minha cabeça e o olhei assustada. O que teria sido aquilo? Ele ficou repetindo aquela palavra, o que me deixava ainda mais confusa por conseguir entender. Então ele se agachou na minha frente e sorrindo repetiu mais uma vez:
Tombei minha cabeça olhando em seus olhos, será que ele estava me chamando daquilo? O que significava
? Me remexi um pouco e levantei, tinha me lembrado do meu irmão, eu tinha que sair dali, não podia desaparecer novamente. Pulei de onde estava e corri até uma abertura da grande árvore, por onde passava a brisa, mesmo com meu ombro latejando de dor, corri o mais rápido que pude subindo a colina até o beta.
Ele não estava mais lá deitado, dei um suspiro fraco, certamente tinha me delatado, olhei para trás uma última vez, o humano estava vindo atrás de mim, dei impulso em meu corpo e voltei a correr, de certo ele não me alcançaria com sua baixa velocidade para corridas. Assim que cheguei em casa, meu pai já estava em cima da rocha do alfa me esperando, eu tinha quebrado uma lei e estava ferida por causa disso.
—
Own — disse o beta assim que me aproximei mais: “
Me desculpe, fiquei preocupado, tive que contar.”
—
Owwwnnnnn. — O uivo do meu pai sempre me dava medo por sua intensidade: “
Pequena alfa, você desafiou as leis que nos protege e me desobedeceu.”
Mantive minha cabeça abaixada enquanto ele me repreendia ainda mais. Passei todo o final do outono presa na toca, sem poder sair, um castigo para minha rebeldia. Eles não entendiam que aquele humano era diferente, se me deixassem falar, mas o único que parcialmente me apoiava era o beta, que tinha visto a forma que eu defendi o humano.
As semanas foram se arrastando até que o
inverno chegou, com ele o fim do meu castigo, porém seria vigiada por minha mãe de perto. Felizmente eu podia ficar todas as noites sentada no pequeno relevo da pedra do alfa, meus olhos sempre permaneciam fixos na lua, talvez lá no fundo eu tivesse esperanças que o criador da natureza me transformasse em um humano, uma única vez.
Foi então que o dia mais doloroso e ao mesmo tempo libertador chegou em minha vida, eu estava perto da nascente do lago olhando para a lua, ela estava bonita e brilhava no céu quase com a mesma intensidade do sol do verão. Comecei a sentir umas breves pontadas na cabeça, passando para os músculos do meu corpo, até mesmo o impacto das minhas patas no chão me fazia sentir um leve dolorido.
Fui me arrastando para a direção da toca, quando cheguei perto do nosso território, soltei um uivo forte de dor, era como se tudo dentro de mim estivesse sendo arrancado da forma mais brutal possível. Há alguns passos da toca, meu corpo desabou no chão, minha mãe e meus irmãos ficaram em minha volta, se perguntando o que estava acontecendo comigo.
—
Ownnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnnn. Meus uivos de dor e agonia foram ficando ainda mais intensos e frequentes, meu corpo estava queimando por dentro, ainda mais que o sol do verão. Não conseguia ter nenhum controle de mim mesma, somente sentia meus ossos se quebrarem e unirem, me fazendo gemer de dor ainda mais. Senti algumas lágrimas saindo de meus olhos, com meu corpo se contorcendo involuntariamente.
Olhei de relance para minha mãe, ela parecia ainda mais assustada, lancei meu olhar para a lua que me iluminava, me perguntando internamente o que estava acontecendo comigo. Dei um suspiro fraco fechando meus olhos, estava até mesmo cansada de sentir dor, o que me fez ficar inconsciente.
Quando abri meus olhos novamente, toda a alcateia estava na porta da toca me olhando, eu conseguia ver o medo em seus olhos. Minha vista doía um pouco, comecei a perceber que o cheiro das coisas tinha mudado, assim como minha visão também, tentei sentir minhas patas, mas descendo meu olhar tive uma grande surpresa.
— Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh! — gritei tentando uivar, mas aquele som era estranho.
O que tinha acontecido comigo? Minhas patas viraram mãos, assim como daquele humano; meu corpo não era mais de um lobo, eu não tinha mais meu pêlos, tinha me transformado em uma criatura de duas patas. Apoiei minha mão na terra e levantando meu corpo, minhas pernas ainda estavam bambas e sem força, mesmo cambaleando tentei manter meu corpo erguido.
—
Own — uivou minha mãe dando alguns passos até mim: “
Pequena alfa.”
Mesmo não conseguindo uivar, eu conseguia entender ela. Olhei para os outros que ainda se mostravam com medo de mim, naquele momento eu percebi que não poderia ficar ali, e a única coisa que vinha em minha mente era o meu humano. Com muita dificuldade em manter meu corpo de pé, olhei para minha família pela última vez, me virei e segui em direção à colina.
Eu não sabia se estava indo na direção certa, não tinha meu focinho para farejar o cheiro dele, porém, mesmo com algumas quedas e tropeços, quando cheguei no topo da colina, avistei sua grande árvore. A flor quente ainda estava acesa, porém sua intensidade era fraca, eu escorei de leve em uma rocha que estava perto e fiquei, precisava retomar meu fôlego.
Correr nunca havia sido um problema para mim, mas sem minhas patas eu era bem mais lenta e descoordenada. Ainda zonza por tudo aquilo que estava acontecendo, desci a colina em direção a flor quente, assim que cheguei diante dele, senti o breve calor que passava. Meu corpo involuntariamente não resistiu, sentindo o vento frio tocar minha pele, desabei no chão novamente, perdendo meus sentidos.
— Hum. — Ouvi um breve som ao longe, era a voz dele.
Minha audição foi a primeira a voltar, o que me fez notar que conseguia entender o que o meu humano dizia, ele parecia estar falando com outro humano, porém eu só ouvia a voz dele. Abri meus olhos, minhas vistas estavam um pouco embaçadas, mas aos poucos foram ficando nítidas, ele estava parado perto da abertura pequena.
— Ela acabou de acordar, obrigado por me ajudar. — Ele mantinha seu olhar em mim.
Olhei novamente para o que deveria ser minha pata, mexendo o que deveria ser minha garras, era complicado acreditar que tinha mesmo acontecido, meu desejo de ser igual a ele por pelo menos uma vez estava se realizando.
— Você está bem? — perguntou ele.
— Eu? — sussurrei de leve. — Não sei.
Ele se aproximou da coisa macia, onde eu estava deitada e continuou me olhando de forma suave.
— Você se lembra de algo? — perguntou ele. — Qual o seu nome?
— Eu… A lua… Eu era um lobo e agora — não sabia como explicar a ele, nem sabia se acreditaria em mim.
— O quê?! — Ele me olhou de forma confusa. — Você era o quê?
Respirei fundo e comecei a explicar, contando sobre minha alcateia, meus irmãos e sobre minha transformação. Quando terminei, percebi que sua face estava estática, seu olhar ainda mais confuso, parecia não acreditar em mim.
— Você deve ter batido sua cabeça e teve alucinações — explicou ele. — Mas não se preocupe, tenho um amigo que é policial, ele está tentando investigar sobre você.
— Eu não bati a cabeça — retruquei ele, ainda era estranho conseguir entender o que dizia, mais ainda, estava fascinada por sua voz. — Sou um lobo, minha alcateia me chama de
Pequena Alfa.
— Pequena Alfa? — Ele desviou seu olhar para o lado, suspirando fraco. — O que eu vou fazer?!
— Sou eu — disse esticando minha perna, mostrando a cicatriz. — Você se lembra disso?
Ele olhou a cicatriz e sentando ao meu lado, tocou de leve.
— Graças a você, ainda posso correr — continuei, era a única forma de convencer ele que era eu, que eu realmente era um lobo. — Eu estava presa e você me pegou no colo, me trouxe para sua árvore, cuidou de mim e me deu comida.
— Não. — Ele se afastou de mim balançando a cabeça de forma negativa. — Não é possível.
— Corríamos todas as manhãs, até que voltei para casa, então no outono você me salvou novamente — eu toquei meu ombro do lado direito, estava com uma coisa em meu corpo, iguais às que estavam no corpo dele. — Aquele humano me feriu, porque eu defendi você.
— Não pode ser — sussurrou ele.
Ele ficou parado me olhando por um longo tempo, se era difícil para mim entender o que tinha acontecido comigo, imagino para ele entender que um lobo tinha se transformado em humano. Ele pediu para que eu contasse minha história para ele em detalhes, desde o dia em que me salvou, até o momento em que caí transformada em frente a flor quente, que acabei descobrindo que se chamava fogo.
A cada detalhe que eu dava, ele parecia ainda mais sem reação, porém, aos poucos foi aparentemente aceitando o que contava. Na medida em que conversávamos, fui perguntando algumas coisas sobre seu mundo, por que não tinham pelos, o que era aquilo em meu corpo, como tinha conseguido uma árvore tão grande para morar. Foi uma descoberta que parecia infinita, a cada resposta sua eu encontrava motivos para fazer mais três perguntas.
— Você me chamou de … — disse me levantando da cama. — Você tem um nome também?
— Por que me deu esse nome? — perguntei a ele.
— É o nome de uma personagem minha — respondeu ele —, sou um escritor.
— É uma pessoa que conta histórias, porém, na forma escrita — respondeu ele.
— Escrita? — Eu o olhei meio confusa.
— Depois eu te mostro o que é — disse desviando o olhar para a janela.
Logo um barulho surgiu, era contínuo e alto. pegou um objeto e, apertando, colocou na orelha; achei estranho, porém, assim como na hora em que eu acordei, ele começou a falar sozinho. Me sentei novamente na cama e fiquei esperando, ele caminhou até a porta e continuou falando com aquele objeto no ouvido.
— Não encontraram nada sobre você, nenhuma pessoa com suas características desapareceu na reserva — disse num tom de decepção, talvez ainda estivesse desejando que minha história fosse invenção da minha mente.
— Bem, após o lago e atrás da colina, até a montanha Hallasan, tudo é uma reserva natural, apenas este espaço onde moro é particular — explicou ele. — Significa que os humanos, como eu, não podem entrar ou invadir.
— Mas eu vi alguns, no dia que prendi minha pata — retruquei.
— Certamente sim, existem alguns caçadores que praticam a caça ilegal — afirmou ele. — O homem que você atacou era um caçador.
— Por que fazem isso? — perguntei.
— Alguns dizem que é por esporte ou diversão, para mim é por crueldade.
Eu sorri de leve, estava feliz por ele pensar assim, queria que meus pais o conhecessem, assim teriam outra opinião sobre os humanos.
— Posso te fazer uma pergunta? — Desviei meu olhar para a janela.
— Por que aquele homem que eu ataquei, estava te machucando?
— Bem — ele respirou fundo —, digamos que eu tenho me empenhado a atrapalhar suas caçadas ilegais.
— Hum, seu amigo policial não pode fazer nada a respeito? — retruquei. — Ele não pode te proteger?
— Existem certas exceções na vida — ele bufou um pouco. — Aquele homem tem algumas influências que o beneficiam aqui, é a parte ruim de ser um humano, existem pessoas corruptas em nosso meio.
— E é ruim?! — Eu não entendia nada do que ele falava, mas parecia sério.
— É muito ruim. — Assentiu ele. — Mas não se preocupe, enquanto você estiver aqui, estará segura.
— Mas… — Eu não era a única que poderia se machucar por causa desse homem malvado. — E minha família?!
Era um fato que eu não poderia voltar para casa naquele momento, primeiro porque minha família ainda teria medo de mim nesta forma humana, segundo porque eu ainda queria descobrir mais sobre o mundo dos humanos. Eu estava me sentindo feliz estando na companhia de , por mais que eu não entendesse metade das coisas em minha volta.
As semanas foram passando, e com isso o final do
inverno foi chegando, o frio diminuiu e a neve, já derretendo, dava lugar às primeiras manifestações da primavera. Naquele pequeno tempo de convivência, estava me divertindo o máximo que conseguia com minhas novas descobertas, pois não sabia quando iria voltar a ser um lobo.
Ele me contou que o lugar onde morávamos, pertencia a uma pequena ilha chamada Jeju, o que me deixou fascinada em ver que o mundo, era imensamente maior do que imaginava.
— O que está fazendo? — perguntei ao me aproximar dele que estava parado na bancada da pia.
— Panquecas — respondeu mexendo os ovos na vasilha. — Percebi que você gostou muito disso.
— Hum. — Sorri de leve mantendo meu olhar em seus movimentos. — Tem um gosto diferente do que como, mas é gostoso.
— Fico feliz que esteja se adaptando à comida dos humanos — ele riu um pouco despejando os outros ingredientes. — Estava ficando preocupado se teria que manter sua alimentação original de uma carnívora.
— Bem, quando eu era filhote me alimentava do leite de minha mãe — retruquei desviando meu olhar para a frigideira que estava no fogão. — Era gostoso, mas nada melhor que um belo pedaço de carne fresca.
Comecei a pensar nos meus dias de iniciante nas caçadas, senti de leve o gosto da carne macia das presas, era legal comer junto da minha família, o que me fez ficar curiosa sobre uma coisa. Me voltei novamente para ele.
— Por que você vive aqui? Longe de outros humanos?
— Hum — ele despejou um pouco do líquido na frigideira, mantendo sua atenção ao que fazia. — Como sabe, sou um escritor, esta cabana é um ambiente calmo e tranquilo para se ficar, precisava de um outro tipo de inspiração para escrever.
— Hum, há alguns anos eu me decepcionei um pouco, então entrei em bloqueio criativo, não conseguia escrever uma única palavra, foi o que resultou minha vinda para este lugar de forma definitiva. — Sua voz transparecia um pouco de tristeza.
— Ah. — Consegui entender um pouco sua explicação. — Mas você conseguiu escrever algo depois que veio para cá?
— Ironicamente não, mas continuei aqui, porque estar em contato com a natureza, me fez bem. — Ele riu novamente. — E no dia em que decidi desistir de tudo, encontrei um pequeno filhote de lobo preso em uma armadilha.
Eu sorri novamente me encolhendo um pouco, o filhote em questão era eu.
— Me lembro daquele dia como se fosse hoje — comentei dando alguns passos até a porta.
— Eu também — concordou ele.
— Beta?! — sussurrei ao ver meu irmão parado em frente à casa.
“Esta lua-amarelada está zombando de mim,
Por não viver feliz como uma fera,
Estou perseguindo esse ridículo amor.
Desesperadamente tentando mudar,
Mas nesta noite estou me tornando um louco,
Eu não consigo parar de amá-la.”
– Wolf / EXO
3. Sweet Creature
A porta estava aberta, me afastei indo para fora e em direção a ele. Estava com medo dele não entender o que eu falaria, mas tinha que saber se estava tudo bem com a alcateia.
— Beta — disse ao me aproximar dele.
—
Owwn — ele bateu a pata dianteira no chão: “
Pequena alfa, que bom que minha intuição estava certa.” Senti um forte alívio, eu conseguia entendê-lo e ele podia me entender também.
— O que aconteceu? — perguntei.
— Ownnn — ele uivou um pouco mais alto: “
O alfa da alcateia Halla desafiou novamente nosso pai, ele quer o direito pela nossa alcateia.” — Não — disse num tom mais alterado.
— , o que está havendo? — disse ao aparecer da porta.
—
Own — o beta se afastou um pouco se encolhendo: “
Pequena alfa, ele…”
— Não, beta — disse dando um passo para mais perto dele. — Este é , é o humano que me salvou, não vai te machucar.
— Ele consegue te entender? — perguntou se aproximando.
— Sim. — Assenti. — E eu consigo entender ele.
— Nossa. — Ele parecia um pouco mais impressionado, seu olhar de fascinação para o beta era evidente.
— , eu preciso ir — disse me virando para ele. — Preciso voltar para minha alcateia, minha família está em perigo.
— Assim? Como uma humana? — retrucou ele. — Você não pode, mesmo que essa coisa de você ser um lobo ainda seja um tanto surreal para mim, e mesmo que de fato seja verdade, o que você pode fazer sendo uma humana?
—
Own — beta bateu sua pata novamente na terra: “
Seu humano está certo, como humana não pode fazer nada.” — Beta, não posso deixar vocês, eu também sou uma alfa — retruquei.
—
Ownnnn — ele uivou mais forte: “
Não. Seria pior se você se machucasse, fique com ele até voltar a ser um lobo.” — Mas beta… — tentei argumentar, mas o olhar de meu irmão estava triste e frustrado ao mesmo tempo.
— Seja lá o que ele tenha falado — tocou de leve em meu braço —, é melhor que fique, não sabemos se você vai voltar a ser um lobo novamente.
Beta assentiu com a cabeça e saiu correndo. Eu tentei ir atrás, mas segurou forte em meu braço não me deixando ir, eu tentei empurrá-lo forte para me soltar, não queria concordar com os argumentos deles. Porém, me abraçou forte, me mantendo envolta nos seus braços, logo as lágrimas começaram a se formar em meus olhos, um leve aperto em meu coração veio com isso.
— Minha família está em perigo e não posso ajudá-los — sussurrei sentindo as lágrimas rolarem em minha face.
— Não fique assim — disse ele acariciando meus cabelos. — Vai ficar tudo bem.
Eu queria acreditar em suas palavras, queria acreditar que meu pai teria forças para vencer uma luta contra aquele alfa malvado. Comecei a desejar fortemente em voltar a ser um lobo, minha alcateia precisava mais de mim que .
— Estava pensando em uma coisa — disse ao entrarmos novamente na cabana.
— O que foi? — perguntou ele.
— Meu irmão conseguiu entender suas palavras — respondi caminhando até o sofá.
— Antes de me transformar, não conseguíamos entender o que os humanos diziam — expliquei. — Fico me perguntando se isso tem a ver com minha transformação.
— Talvez, ainda não entendemos nada sobre isso — concordou ele indo até o fogão. — Venha, vamos comer.
— Hum, little wolf, deixe disso. — Ele veio até mim e segurou em minha mão. — Se não comer, como se manterá forte? Pense que ainda pode voltar a ser um lobo.
— Tudo bem. — Assenti com um sorriso fraco.
A primavera passou e logo depois o verão…
Beta me visitava regularmente, quase todos os dias para me contar tudo que estava acontecendo. A briga entre meu pai e o alfa malvado tinha acabado mal, meu pai havia saído muito machucado e com seu olho esquerdo danificado, atrapalhando sua visão. O novo alfa havia forçado meus irmãos a fazerem parte de sua alcateia, enquanto meu pai foi exilado novamente, tendo somente a companhia da minha mãe.
— Como estão seus pais? — perguntou assim que me despedi do beta e entrei em casa.
— Não estão nada bem. , eu preciso encontrá-los — disse a ele de forma desesperada. — Não me importo se estou ou não na minha forma de lobo, meu pai precisa de mim e, como uma alfa, tenho que ajudá-lo.
— Tudo bem. — Ele pegou seu casaco e vestiu. — Eu vou com você.
— O quê? — Eu o olhei assustada. — Mas…
— Já disse que vou com você. — Ele pegou em minha mão e me puxou para fora de casa.
Nós percorremos por todo o perímetro onde possivelmente meus pais estariam, eu já estava me sentindo um pouco cansada, não tinha nem mesmo meu focinho para localizar eles mais rapidamente. Foi quando eu ouvi um uivo fraco ao longe, mais parecido com um gemido de dor, era meu pai.
Subimos até a metade da colina do leste, quando encontramos uma pequena toca que estava sendo escondida, por alguns arbustos.
— Mãe — sussurrei ao me aproximar.
Ela estava sentada na porta da toca, como se estivesse de guarda.
—
Own?! — Ela balançou a cabeça e me olhou: “
Pequena alfa?!” — Sim, sou eu — assenti me ajoelhando a sua frente.
Ela se levantou e, se aproximando de mim, encostou seu focinho em meu rosto e apoiou sua cabeça em meu ombro. Eu a abracei, agarrando de leve em seus pelos, estava com tanta saudade da minha querida mãe, fechei meus olhos e respirei fundo sentindo seu cheiro de lobo. Meu coração parecia um pouco mais calmo naquele momento.
—
Own — de repente ela se afastou um pouco de mim, desviando seu olhar para meu humano: “
O que ele faz aqui?” — Ele está me ajudando, viemos levar vocês para um lugar seguro — expliquei a ela.
—
Ownn. — Ela deu alguns passos para trás: “
Humanos não são confiáveis.” — Foi ele que me salvou, mãe — retruquei me levantando. — Onde está o papai?
—
Ownnn — ela uivou um pouco mais alto: “
Está lá dentro, está fraco e muito machucado.” Minha mãe entrou na toca e ajudou meu pai a sair, ele estava mesmo muito fraco, tanto que nem forças para uivar tinha. me ajudou a carregá-lo com cuidado até a cabana, assim que o colocamos na cama, eu peguei o kit de primeiros socorros e comecei a limpar o sangue que havia secado em seu pelo.
não entendia muita coisa sobre animais, mas tinha uma amiga que era veterinária e poderia nos ajudar. Após sua ligação, ela demorou um pouco para chegar, estava vestindo uma roupa branca acompanhada de um jaleco, com uma maleta na mão.
— Ele vai ficar bem? — perguntei assim que ela terminou de examinar.
— Aparentemente sim, a capacidade de regeneração e cura dos lobos é muito eficaz e rápida, um pouco mais de repouso e alimentação saudável, ele ficará bem — respondeu ela.
— Obrigado por nos ajudar, Tiffany — disse a acompanhando até a porta. — Agradeceria se mantivesse discrição.
— Sem problemas, não contarei a ninguém — assentiu ela. — Mas onde encontrou esses lobos e como fez para ter a confiança deles?
— Não é em mim que eles mantêm a confiança — disse lançando seu olhar em mim. — Mas o que importa é que tudo terminará bem.
Ele saiu a acompanhando até seu carro, enquanto eu fiquei observando ambos da janela; ela parecia um pouco próxima dele, dava para perceber pela forma que Tiffany o olhava. Comecei a me sentir um pouco estranha ao ver aquilo, como se estivesse com medo de perder a companhia de , o que era meio novo para mim.
—
Own — disse minha mãe se deitando no chão ao lado da cama: “
Está olhando demais para o lado de fora.” — Impressão sua — desviei meu olhar para ela —, estava perdida em meus pensamentos, somente isso.
—
Ownn — retrucou: “
Eu te conheço, Pequena Alfa, você está gostando deste humano?!” — Não. — Balancei a cabeça negativamente. — Ele é somente meu amigo.
—
Owwn. — Ela desviou seu olhar para a cama: “
Seu pai também era somente meu amigo quando comecei a gostar dele.” — Mesmo se eu gostar, não daria certo de qualquer forma. — Me sentei no braço do sofá mantendo meu olhar na janela. — Não sou uma humana de verdade, posso voltar a ser um lobo a qualquer momento.
—
Ownn. — Ela ergueu seu corpo e olhou para meu pai dormindo na cama: “
Existe uma coisa sobre nós, querida. Nós só amamos um lobo para toda a vida e seguimos um ao outro até a morte.” — O que isso significa? — perguntei não entendendo.
—
Own — explicou ela: “
Isso significa que seu coração será para sempre do seu humano, vocês dois podendo ou não ficar juntos.” Eu permaneci em silêncio, não queria admitir, mas ela estava certa. Os dias passaram comigo cuidando do meu pai, tinha cedido sua cama para ele e eu, enquanto isso, dormiria no sofá. Minha mãe estava dormindo em cima de uma coberta no chão ao lado da cama.
Enfim, chegamos no segundo mês do outono, estava uma refrescante noite de lua cheia, eu e estávamos dando uma volta pela orla do lago, acompanhando o cair das folhas de todas as árvores. Foi quando eu parei de repente e fiquei olhando para a lua, senti a pupila dos meus olhos dilatarem de forma intensa, seguido de uma pontada forte em meu estômago que fez meu coração acelerar, estava acontecendo novamente.
Aquela dor absurda que senti no dia da minha transformação estava de volta, ainda mais forte, me fazendo agonizar com rapidez. Meu corpo caiu ao chão com muito mais impacto, mesmo em meio à dor, ao barulho dos meus ossos se quebrando, eu conseguia ouvir os gritos de no fundo, me chamando pelo nome que tinha me dado.
Eu perdi a consciência no meio da minha transformação, tinha que admitir que meu tempo como humana tinha me deixado fraca fisicamente. Fui retomando minha consciência de forma gradativa, estiquei meus braços e senti minhas garras, elas tinham voltado para minha vida.
Abri meus olhos e percebi que estava deitada na cama de , olhei a minha volta e notei que meus pais não estavam na cabana. Me espreguicei novamente e me ergui, sacudi meu corpo sentindo a brisa da janela tocar meu pelo, era gostoso aquela sensação de voltar a ser eu.
— Então acordou — disse encostado na porta que dava para o banheiro.
Assenti com a cabeça, não sabia se ele poderia me entender agora que era um lobo novamente.
— Fiquei assustado vendo você se transformar, confesso que tive um pouco de medo também — admitiu ele. — Significa que é verdade, tudo que me disse.
— Por um momento eu desejava que não fosse. — Ele respirou fundo. — Desejava ter você aqui para sempre.
O que isso significava?! Eu tombei a cabeça de leve, desci da cama e dei alguns passos até ele, estava tomando coragem para tentar demonstrar a ele que não iria embora. Foi quando ouvi um uivo forte vindo da colina, era o beta.
Olhei para trás e a porta de saída estava fechada, desviei meu olhar para a janela e tinha uma greta aberta, meus instintos de lobo estavam de volta e não iria reprimi-los. Tomei impulso e pulei na janela, abrindo mais aquela greta e indo para fora, corri o máximo que consegui até o topo da colina, de fato o beta estava lá me esperando.
Ele tinha algumas marcas de garras em sua face.
—
Own — uivei forte: “
Beta, o que houve?” —
Owwn — ele parecia aliviado em me ver na minha forma de lobo: “
Pequena alfa? Você voltou?!” —
Owwnn — perguntei novamente: “
O que aconteceu? Por que está machucado?” —
Ownnn — respondeu ele com aflição: “
Nosso pai voltou à alcateia, exigiu revanche com o novo alfa, está acontecendo uma guerra entre os lobos agora.” Todas as minhas patas sentiram o forte pulsar do meu coração, aquele era o momento, o momento de eu reclamar meu direito de alfa e defender definitivamente minha família daquele novo e falso alfa. Nós corremos pela trilha norte até que chegamos no território do novo alfa.
Meu pai estava caído na terra, sua respiração meio fraca e com vestígios de sangue em seu pelo, ele não podia ter enfrentado o novo alfa sem se recuperar direito. Olhei para os dois lados, meus irmãos estavam machucados e sendo acuados pelos lobos da alcateia do novo alfa, certamente por estarem tentando defender nosso pai.
—
Ownnn — soltei um forte e raivoso uivo: “
Deixe minha família em paz.” —
Owwnn — retrucou o novo alfa, ele era um pouco maior que meu pai e parecia mais forte também: “
Ora, ora… A pequena alfa está de volta, fiquei impressionado quando soube da sua história.” —
Ownn. — Mantive meu olhar de fúria fixo nele: “
Sim, estou de volta para reclamar o que é meu, esse território pertence à minha família. Volte para a montanha Hallasan.” —
Ownnn. — Ele pulou da rocha do alfa e parou em minha frente: “
Bem que eu gostaria, mas começamos a ter muitas visitas de seus amigos humanos… então, agora este território é meu.” —
Ownnnnnnn — uivei ainda mais forte: “
Terá que passar por mim primeiro.” Ele assentiu com a cabeça mostrando suas presas, estava aceitado o duelo. Ele deu o primeiro impulso para pular em cima de mim, porém, fui mais rápida pulando em direção a seu pescoço, o mordendo. O novo alfa lançou suas garras, as cravando em minhas costas, tive que soltar seu pescoço em meio a um grito de dor, ele tinha sim muita força em suas patas.
Ele soltou suas garras de minhas costas e logo avançou em mim, trocamos várias mordidas e arranhões. Em um certo momento de distração dele, eu me coloquei debaixo de seu corpo e mordi novamente, o deixando totalmente imóvel, ele soltou um uivo de dor pedindo clemência, parecia estar se rendendo.
O soltei e me coloquei diante do seu corpo.
—
Owwwnnnnnnnnnnnnnn. — Aquele não era um uivo qualquer, eu estava declarando minha vitória: “
Eu sou a nova alfa, aqueles que discordam devem partir.” Os lobos que acuaram minha família, os deixaram livres. Todos os lobos que estavam ali se curvaram diante de mim, até mesmo meu pai que estava sendo amparado por minha mãe.
Mantive meu corpo erguido, olhando aquela demonstração de respeito de todos eles, não imaginava que assumiria minha posição de alfa desta forma. Ao mesmo tempo que meu coração estava alegre, eu também comecei a me sentir triste, ser uma alfa oficialmente poderia significar que eu teria que ficar longe de .
Logo um barulho de tiro soou na direção leste, olhei sentindo meu coração ficar um pouco apertado, os lobos começaram a se agitar, aquele barulho significava somente uma coisa. Havia caçadores perto do nosso território.
—
Owwwnnnn — uivei para todos: “
Se acalmem.” —
Own. — Delta me olhou de forma temerosa: “
Pequena alfa, eles estão perto daqui, o que faremos?” —
Own. — Uma lobo da outra alcateia se encolheu com seus filhote: “
Os caçadores, vamos ser atacados.” —
Ownnn — uivei mais forte: “
Não, ninguém será caçado hoje. Beta, leve todos para a cabana do meu humano, pela trilha secreta.” —
Own — assentiu ele: “
Como você quiser.” —
Own. — Minha mãe se aproximou de mim: “
Você não vem?!” —
Owwnnn. — Balancei minha cabeça negativamente: “
Preciso mostrar a eles que não podem caçar aqui.” Seus olhos mostraram um pouco de medo, logo eu encostei meu focinho em sua face, mostrando que tudo ficaria bem. Aquele era meu dever, proteger a alcateia, custe o que custar. O beta se afastou com todos, os levando pelo caminho mais seguro, eu tomei impulso e corri na direção que veio o tiro, quanto mais perto eu chegava do pequeno vale, mais eu ouvia vozes dos humanos.
Diminui meu ritmo e me aproximei lentamente, de forma silenciosa. Tinha dois homens, os mesmos caçadores que tinha visto quando era filhote, me lembrava de seus rostos. Aparentemente eles falavam com outra pessoa, que estava caída na terra, desci meu olhar e quando pude ver o rosto, era .
Meu coração acelerou um pouco, eles pareciam ameaçá-lo por algum motivo.
— Já disse para vocês irem embora daqui — ordenou . — Se fizerem algo contra mim, as pessoas saberão que foram vocês.
— Ha… ha… ha… — O homem de boné deu alguns passos para perto dele. — Você é bem audacioso para um mero escritor, acha mesmo que aquele seu amigo policial pode alguma coisa?
— Quer pagar para ver? — retrucou limpando o sangue que escorria de sua boca.
— Não se preocupe, escritor, nós não queremos você — disse o homem de jaqueta com a espingarda nas mãos, eu me lembrava dele. — Só estamos esperando sua amiguinha lobo, sabemos que tem criado lobos em sua cabana.
— Não tem nenhum lobo — disse se levantando.
— E o que me diz daquele lobo que te defendeu?! Me pareceu extremamente próximo de você, levando em conta que os lobos fogem de nós — retrucou ele.
— Ela não virá — afirmou meu humano.
— Tem certeza?! — O homem da jaqueta ajeitou a espingarda nas mãos apontando para ele com confiança. — Deixe-me adivinhar, você que estava indo atrás dela?!
Assim que eu ouvi um breve clique vindo da arma, deixei meus instintos dominarem os músculos do meu corpo e corri indo em direção ao homem, o impacto do meu corpo sobre ele o fez cair no chão junto comigo. No susto, ele disparou a espingarda acertando uma árvore, eu me afastei me colocando na frente de , mostrando minhas presas para eles.
— Olha só quem apareceu — disse o homem sendo ajudado pelo outro, ao se levantar.
— O que faz aqui?! — perguntou atrás de mim. — Vai embora, eles querem te matar.
—
Grrrr — comecei a rosnar para aqueles homens maus, não me importava com o perigo, eu protegeria até a morte.
— Esperei tanto por esse momento — disse o homem apontando a espingarda para mim, com um sorriso de canto. — Você me deve, sua maldita loba. — Um breve feixe de luz passou em seu rosto mostrando a cicatriz que tinha ficado ali, resultado das minhas garras na outra vez que tinha salvado meu humano dele. — Vou matar você e nem serei punido por isso, melhor ainda, vou empalhar você como um troféu.
— Não — sussurrou tentando se colocar na minha frente, porém sendo impedido por mim.
Eu não sabia o que significava empalhar, mas não deixaria ele fazer o que quisesse, mesmo estando armado.
—
Owwnnn — soltei um uivo forte e alto, mostrando minhas presas afiadas: “
Eu não estou sozinha.” — Chefe, tem certeza que vai ficar tudo bem? — perguntou o homem de boné, seu olhar continha medo, logo apontou para trás de mim.
Pelo cheiro eu já sabia, não era o único lobo que estava ali. Logo mais, uns quatro uivos diferentes vieram de trás de mim, bati minha pata três vezes na terra, eles tinham minha autorização para atacar o homem de boné.
Assim que a espingarda fez um novo clique, tomei impulso e pulei naquele homem novamente, logo os outros lobos foram na direção do outro, que saiu correndo mata a dentro. O homem da espingarda disparou mais uma vez, acertando a rocha que tinha mais à frente, eu cravei meus dentes em seu braço, tentava fazer ele soltar aquela coisa.
, no meio de toda aquela confusão, pegou um pedaço de madeira e acertou o homem o fazendo cair, eu continuei com minhas presas agarradas no braço dele, até que o mesmo pegou uma pedra que estava perto e lançou em mim. Eu soltei seu braço, balançando minha cabeça, estranhamente fui me sentindo um pouco zonza, porém permaneci de pé.
Aproveitando que veio até mim para conferir como eu estava, o homem rastejou até sua espingarda e apontando para , atirou. Meu corpo todo reagiu àquilo e se colocou na frente, senti o forte impacto da bala acertando minha pata traseira. De repente comecei a sentir o gosto de sangue em minha boca, minhas pernas cambaleavam.
— Não! — gritou se levantando e partindo para cima do homem.
A partir daquele momento eu não conseguia mais distinguir nada, comecei a seguir de forma automática em direção à colina. Lancei meu olhar para o céu, a lua ainda brilhava na alta madrugada, meu corpo já estava cansado por ter lutado contra o novo alfa, agora ter defendido meu humano.
Em instantes, uma forte dor veio e meu corpo foi se transformando novamente, fechei meus olhos sentindo as lágrimas caindo. Quando abri, vi meu corpo transformado, estava em minha forma humana novamente, mas do que adiantaria? Era perceptível que meu corpo estava morrendo.
— — disse ao se aproximar de mim, sua respiração estava ofegante.
— — sussurrei sentindo o sangue sair pela minha boca, toquei em minha barriga e levantei minhas mãos, olhei para o sangue nela.
— Não! — gritou ele. — , não!
Senti meu corpo desabar em seus braços, fechei meus olhos ao som dos gritos dele me chamando pelo nome, mais uma vez ele estava me carregando no colo até sua
casa.
“Doce criatura, doce criatura,
Onde quer que eu vá,
Você me leva para casa,
Doce criatura, doce criatura,
Quando chego ao fim da linha,
Você me leva para casa.”
– Sweet Creature / Harry Styles
4. Monster
Eu despertei de forma lenta e gradativa, mexi minha mão direita suavemente sentindo o macio cobertor, já imaginava que estava na cama de . Assim que abri meus olhos, a primeira imagem que vi foi de sua face preocupada me olhando, ele estava sentando ao meu lado segurando minha mão esquerda.
— — sussurrei mantendo meu olhar nele.
— . — Sua face ainda tinha expressões de preocupação.
— O que aconteceu? Minha alcateia.
— Não se esforce, você precisa descansar — disse ele tocando de leve em meus lábios. — Eles estão todos bem.
Assenti, fechando meus olhos novamente.
Demorou um pouco até que meu corpo finalmente se recuperou, tinha me contado que eu tinha ficado inconsciente por vários dias até que acordei. E que seu irmão, Jinho, o médico da sua família, o tinha ajudado a cuidar de mim e dos meus ferimentos, que felizmente não tinha sido tão grave quanto pensaram, já que a bala não tinha acertado nenhum órgão vital meu.
— O que vai acontecer agora? — perguntei erguendo meu corpo e me sentando na cama. — Aquele homem ainda pode voltar?!
— Não — respondeu ele, estava encostado na parede ao lado da janela. — Meu amigo policial fez um boletim de ocorrência, aquele homem vai ser indiciado por porte ilegal de arma, agressão e tentativa de homicídio, já que ele atirou em você.
— Então ficaremos seguros agora? — perguntei ainda preocupada com minha família.
— Acredito que sim. — Ele sorriu de leve. — Além do mais, um amigo me ajudou a conseguir anexar uma parte da reserva na minha propriedade.
— Um amigo? O que isso significa? — perguntei meio confusa.
— Significa que o território que sua alcateia vive não pode ser invadido por ninguém, é uma propriedade particular agora. — Ele suspirou um pouco. — Posso não ser um lobo para proteger vocês, mas tentei fazer algo ao alcance de um simples humano.
Eu sorri e, me levantando da cama, corri até ele e o abracei. Estava mais do que feliz, queria me proteger e a minha alcateia também.
— Obrigada — sussurrei sentindo ele me aninhar em seus braços.
— Eu que agradeço, foi você que me salvou — sussurrou ele de volta.
— Por quê? — Me afastei um pouco dele e fiquei o olhando.
— Sabe quando eu disse que estava desistindo de tudo quando te encontrei? — disse ele me olhando com ternura.
— Sim, eu ainda era um filhote.
— Naquele dia, eu estava no alto da colina, estava prestes a fazer algo ruim comigo mesmo, quando ouvi você uivando — explicou ele. — Achar você me fez esquecer minha dor e querer cuidar de alguém mais frágil que eu.
— Sua dor? Você estava doente?
— Mais ou menos, digamos que meu coração estava machucado, por isso estava me sentindo mal. — Ele desviou seu olhar para a janela. — Sua família está lá fora.
— Ah. — Eu mantive meu olhar nele por um tempo, mas tomei impulso para sair.
— Espera. — Ele segurou em meu braço me parando. — Você não vai embora, vai?
— Não. — Sorri de leve para ele, já sentia que ele me queria por perto. — E mesmo que eu não permaneça como estou agora, eu jamais irei embora.
Ele soltou meu braço e se virou, aquele era um ponto delicado para nós, não sabíamos quando eu voltaria a ser um lobo, nem se eu conseguiria me transformar novamente em humana. Assim que saí da cabana, olhei para todos aqueles lobos, parados e me olhando.
— Oi, família — disse sorrindo para eles. — Eu estou bem melhor agora.
—
Owwnnnnnnnnnnn — uivaram todos juntos.
Expliquei a todos que nosso território estava mais seguro, além de convidar os lobos da alcateia Halla a se juntar a nós, até mesmo o ex-novo alfa. Ao total, seríamos vinte lobos sem contar comigo, e eu tinha o dever de manter todos protegidos, principalmente os filhotes que tinham acabado de nascer.
Os dias se passaram, eu tinha conhecido o irmão de e sua esposa. Jinho e Sunny eram pessoas adoráveis e muito divertidas. Era tarde de sábado quando eles vieram nos visitar, Jinho tinha trazido alguns remédios que eu deveria continuar tomando para finalizar minha recuperação.
— Hum, aqui está você — disse Sunny ao se aproximar de mim.
— Eu gosto de ver o pôr-do-sol daqui — expliquei a ela.
Estava parada na orla do lago olhando para o sol se pondo no horizonte.
— Sabe, estou feliz por ter encontrado alguém como você — disse ela em um largo suspiro. — Vendo como ele age com você, é um alívio que ele tenha superado a depressão.
— Hum. — Eu já tinha ouvido dele que depressão era um mal sentimento que fazia os humanos sofrerem. — Você sabe por que ele sentia isso?
— Não. — Desviei meu olhar para ela. — Uma vez ele me disse que tinha escolhido morar nessa cabana por causa do seu bloqueio criativo.
— Entendo. — Ela sorriu de leve. — Ele sempre dá esta resposta para todos.
Sunny ficou olhando para o horizonte por um tempo.
— sempre foi uma pessoa de poucos amigos e depois que teve uma desilusão amorosa, se tornou ainda mais fechado para o mundo. Jinho sempre se manteve preocupado com o irmão, ainda mais depois que veio morar nessa cabana — explicou ela mantendo seu olhar para a frente. — Até pensamos uma vez que ele tinha tentado se matar, depois vieram as brigas com aqueles caçadores, então você apareceu.
— Ele diz que eu o salvei. — Sorri um pouco ao olhar para trás e ver conversando com seu irmão, perto da caminhonete de Jinho. — Mas, acho que ambos salvamos um ao outro.
— Disso eu não tenho dúvida. — Sunny sorriu para mim e me deu um abraço apertado. — Seja bem-vinda a família.
Assenti retribuindo o abraço.
— Sunny, vamos logo! — gritou Jinho ao longe.
— Estou indo! — respondeu ela rindo.
Nos aproximamos deles rindo, novamente me despedi de Sunny com um abraço e de Jinho, esperamos do lado de fora até eles entrarem no carro e seguir pela pequena estrada. segurou em minha mão e me guiou, até entrarmos na cabana. Lá dentro ele deu meu o remédio que teria que tomar àquela hora, acompanhado de um generoso copo de água.
— O que estavam conversando? — perguntou ele encostando na bancada.
— Eu e a Sunny? — indaguei ao terminar de tomar a água.
— Sobre mim? — Seu olhar ficou confuso.
— Ela estava me contando sobre você ter tido uma desilusão e ter vindo morar aqui, foi isso que te fez deixar de escrever?
— Foi um dos motivos, mas…
— Não quero falar sobre isso, é algo que está somente no passado. — Ele deu alguns passos até mim. — De certa forma, estou feliz por ter ficado triste antes, foi a dor que me levou até você.
Ele acariciou de leve minha face, dando um sorriso suave, seu olhar para mim me fazia lembrar da forma que meu pai olhava para minha mãe. Eu não sabia qual era a intensidade do amor entre os humanos, mas sabia que nós, lobos, éramos completamente leis quando amamos alguém.
— Falta alguns dias para o inverno e logo será lua cheia novamente — disse ele se afastando um pouco.
— Você acha que eu vou me transformar? — perguntei permanecendo parada perto da bancada.
— Temo que sim, a primeira vez que se transformou foi no inverno. — Ele olhou para a janela. — Preciso ser sincero, não quero que volte a ser um lobo.
— Mesmo se eu me transformar, meu coração já pertence a você — afirmei a ele.
— O que quer dizer com isso? — Seu olhar estava fixo em mim.
— Estou dizendo que te escolhi para estar ao seu lado para sempre. — Dei alguns passos até ele e segurei sua mão. — Um lobo só ama uma vez, uma única vez durante toda sua vida.
— Mas eu não sou um lobo — questionou ele meio inseguro.
— Não importa. — Eu sorri para ele. — Será sempre você, por toda a minha vida.
Ele sorriu novamente e me puxou para perto dele, me abraçando. Era bom e confortável estar envolta dos seus braços, me sentia segura e protegida.
Os dias foram passando e logo chegou a primeira lua cheia do inverno, a noite estava fria e o chão tomado pela neve, fez uma grande fogueira e eu convidei os lobos para passarem o inverno conosco. Meu humano tinha feito uma pequena cabana próxima ao lago, assim, os lobos poderiam dormir em um abrigo mais quente e seguro.
Ficamos reunidos em volta da fogueira, no fundo, todos estavam esperando que eu me transformasse naquele dia. Me levantei e fiquei olhando para a lua, estava pedindo com todas as minhas forças ao criador para me dar mais uma estação como humana, eu queria estar sim perto da minha alcateia, porém meu desejo mais profundo era ficar com .
—
Owwnnnnnn — uivou minha mãe.
— O que ela disse? — perguntou ao se levantar e colocar mais lenha na fogueira.
— Ela perguntou se você também gosta da alfa. — Eu ri de leve.
— Se eu gosto? — Ele olhou para minha mãe e depois olhou para mim. — A alfa está em meu coração, para sempre.
—
Owwnnn — uivou meu pai batendo sua pata no chão.
— Ele disse que os lobos são conhecidos por seguirem uma loba até a morte, mas que você não é um lobo — respondi.
— Ele quer que eu me torne um lobo para provar a todos o que sinto pela alfa?
— Você faria isso? Se pudesse? — perguntei admirada pela sinceridade em sua voz.
— Faria qualquer coisa para ficar com você — assentiu ele com um brilho nos olhos.
Eu me aproximei mais dele e encostei de leve meu nariz em sua face, como se estivesse o acariciando.
— O que está fazendo, !? — perguntou ele segurando o riso.
— É assim que os lobos demonstram carinho — expliquei.
— Hum — ele riu —, acho que agora é minha vez de mostrar como os humanos demonstram carinho, fecha os olhos.
Assim que fechei meus olhos, senti os lábios de tocarem os meus. Não sabia como reagir, mas logo meu corpo, de forma automática, foi seguindo os movimentos dele. De repente todos os lobos da alcateia começaram a uivar forte, como se estivessem nos parabenizando.
— O que eles estão falando?! — perguntou me olhando.
— Eles estão felizes por nós.
Eu sorri desviando meu olhar para a lua. Lá no fundo, em meu pensamento, eu estava agradecendo por não me transformar aquela noite. Porém ainda me mantinha ansiosa para a próxima lua cheia, mesmo que por alguns instantes, eu ainda queria correr como um lobo.
“You can call me monster.”
– Monster / EXO