Staring at the Sunrise
PRÓLOGO
- Vossa Alteza, o Marquês de Edwyn solicita uma audiência em caráter de urgência. – o Duque observou seu serviçal pelo reflexo do espelho, desviando novamente seu olhar para a abotoadura do fraque que utilizava, a costureira responsável pelo traje fazendo os últimos ajustes horas antes do casamento.
- Leve-o para o meu escritório. O encontrarei em dez minutos.
- Sim, vossa alteza. – o serviçal curvou-se antes de sair silenciosamente.
- Sim, vossa alteza. – o serviçal curvou-se antes de sair silenciosamente.
O Duque de Andoza era um homem paciente, frio e pragmático, não se deixava irritar ou ficar nervoso com frequência, preferindo analisar a situação e encontrar a melhor solução para o problema em questão; herança dos seus tempos de capitão da Marinha na caça por criminosos marítimos. Por isso, quando entrou em seu escritório alguns minutos depois, notando a aparência ansiosa e cansada do Marquês, que caminhava impaciente de um lado para o outro, entendeu que certamente haveria um problema para resolver, e também compreendeu que esse problema deveria ser relacionado ao seu casamento. Ainda assim, caminhou lentamente à pequena adega próxima a janela que dava para o jardim, servindo uma pequena dose de licor para si e para o Marquês, lhe entregando e se sentando em sua poltrona.
- E então? – questionou ao notar a demora do Marquês em falar algo.
- Vossa Alteza, minha filha… sua noiva… ela… bem, ela está desaparecida. – disse o Marquês finalmente, evitando o olhar do nobre à sua frente.
- Vossa Alteza, minha filha… sua noiva… ela… bem, ela está desaparecida. – disse o Marquês finalmente, evitando o olhar do nobre à sua frente.
Uma veia saltou na testa do Duque, sendo a única evidência de sua irritação. Havia esperado por algo um pouco menos importante do que sua noiva sumindo no dia do casamento.
- Alguma ideia de onde ela possa estar? – questionou virando o licor e se levantando para servir uma dose de algo um pouco mais forte.
- Bem, não exatamente, Vossa Alteza. Mas suspeito quem foi o responsável.
- O responsável? – incentivou, virando uma dose de ópio antes de se virar novamente para o Marquês, atento.
- Bem, não exatamente, Vossa Alteza. Mas suspeito quem foi o responsável.
- O responsável? – incentivou, virando uma dose de ópio antes de se virar novamente para o Marquês, atento.
- As notícias que correm na cidade é de que um pirata se escondia em meio aos ciganos na região norte do condado. Aparentemente, ele abarcou com sua corja há dois dias à procura de algo, e deve ter encontrado, pois partiu algumas horas atrás.
ouviu as informações atentamente, tentando inferir qual seria a razão pela qual o pirata havia sequestrado justamente ela, sua noiva. Sua mente começou a maquinar quais seriam seus próximos passos, pois certamente não se permitiria a desonra de ter sua noiva roubada por um pirata e não fazer nada a respeito. Pegou um pergaminho sobre a escrivaninha, escrevendo alguns nomes que lhe vinham à cabeça, marinheiros honrosos com quem fizera algumas missões no passado.
O Marquês observou o silêncio do Duque sem compreender qual deveria ser sua próxima atitude. Analisou enquanto o nobre tocava o sino sobre a mesa chamando um dos seus serviçais, lhe entregando o pergaminho no qual escrevera e passando-lhe algumas instruções sobre convocar os homens da lista escrita e preparar a Coroa de Netuno. Por fim, o Duque voltou a dar alguma atenção ao patético homem que deveria se tornar seu sogro dali a algumas horas.
- Sabemos o nome do pirata? – o maxilar travado denunciava a raiva que o consumia – embora a mantivesse contida – mas sua mente já pensava em todas as punições que o pirata sofreria pela audácia de tentar tomar o que lhe pertencia.
- Não exatamente, Vossa Alteza, mas ele é conhecido como “O Saqueador”.
CAPÍTULO 1
‘S POV
1 mês depois da fuga
Entrelacei meu braço ao de Noah, mantendo o disfarce de que éramos noivos, enquanto Antonie andava ao meu lado, fingindo ser meu irmão mais velho. Estávamos no Condado de Yéhin, ainda parte do Reino de Andoza, portanto precisávamos manter as aparências.
Observava tudo com avidez, percebendo enfim quão pitoresco era o vilarejo no qual passara toda minha vida. Yéhin não era por se dizer um dos maiores Condados de Andoza, mas o vilarejo de Egha – onde estávamos – era repleto de vida, abarrotado de pessoas, sons, e cheiros que me transmitiam a sensação de liberdade e possibilidades.
A minha união inesperada à jornada dos dois fizera com que os suprimentos que haviam separado até a viagem para Amélhia não fosse o suficiente, por isso precisávamos dessa pausa um tanto inconveniente para obter mais. Olhei para Noah que parecia feliz como nunca e contive a vontade de pedir desculpas novamente pelo atraso em seus planos, da última vez os dois ameaçaram me jogar ao mar se continuasse com essa bobagem.
Paralisei por um instante ao notar um par de olhos extremamente familiar, percebendo a expressão confusa dos rapazes ao meu lado. Olhei mais atentamente na direção dos olhos, notando que pertencia à um jovem alto e muito mais jovem que . Balancei a cabeça tentando dissipar a paranoia, não fora a primeira vez desde minha fuga que o pirata ocupara meus pensamentos.
2 meses depois da fuga
A imensidão do mar parecia infinita à nossa frente, mas a visão que para alguns poderia ser desesperadora, me despertava calma e leveza. Mordisquei mais um pedaço de pão, voltando a prestar atenção na história que Antonie compartilhava conosco.
- E foi assim que ele conseguiu escapar, por muito pouco. Mas a lição que temos é: nunca confie em uma sereia. – o seu tom parecia sério, como se ele realmente estivesse nos aconselhando, portanto não resisti a perguntar.
- Mas nada disso é real, não é mesmo? São somente histórias para amedrontar, sereias, criaturas da noite, fadas… isso tudo não pode ser real.
- Minha querida, , no mundo há muito mais do que seu pai lhe permitiu saber. O Reino de Andoza baniu a magia há mais de um século agora, afugentou tudo que não estava dentro do “normal”. Mas lhe garanto que há um mundo de magia para além da muralha de Andoza, e é para lá que nós vamos.
Um arrepio percorreu meu corpo ao ouvir suas palavras, não conseguia imaginar como seria possível que criaturas tão fantásticas pudessem realmente existir. Ao mesmo tempo, o que sabia eu da vida? Pensei um pouco mais sobre as coisas que Antonie dissera enquanto terminava de comer meu pão, e cheguei à conclusão de que muito me intrigava as possibilidades que o mundo tinha a oferecer.
4 meses depois da fuga
Observei com um misto de curiosidade e admiração enquanto Antonie fazia leituras perfeitamente acuradas da mão da Condessa de Amelhia. Estávamos há duas semanas no Condado, e Antonie havia chamado a atenção dos nobres da capital ao colocar seus conhecimentos ciganos em prática para arrecadarmos algumas moedas de ouro, precisávamos comprar mais suprimentos para a continuação da nossa viagem.
Noah também estava atento do outro lado da sala, sendo ele o responsável por ajustar o encontro, uma vez que conseguira fornecer seu trabalho como tutor para a filha mais nova da Condessa, uma menina incorrigível – segundo a própria mãe – chamada Elina.
Após deixar a Condessa impressionada com a leitura de sua mão, Antonie decidiu seguir para uma demonstração ainda mais grandiosa, iniciando a leitura das cartas de tarô, fazendo com que a Condessa, sua irmã Bridget, e suas três filhas arfassem em excitação. Sorri ao perceber que talvez essa tenha sido minha exata reação quando o vi fazendo seus trabalhos pela primeira vez.
- Vossa senhoria receberá uma visita importante nos próximos dias, e será gratificante para você e sua família se puder causar uma boa impressão.
- Oh! Certamente que sim, pedirei para os serviçais iniciarem uma limpeza massiva de cada centímetro desse castelo ainda hoje! – exclamou a Condessa, parecendo confiante de que sabia impressionar como ninguém.
- Hum… – Antonie ficou pensativo por alguns segundos, levando todos nós a olhá-lo em antecipação, até que ele passou seus olhos ao redor da sala, focando na filha mais velha da Condessa, a qual parecia entretida escrevendo em seu diário. – me parece, vossa senhoria, que têm focado sua energia na pessoa errada. As cartas sugerem que mude seu foco e invista no que realmente importa ou… a Imperatriz, a Sacerdotisa e a Torre juntas, me levam a crer que um segredo perigoso pode vir à tona de maneira muito destrutiva.
A Condessa ficou ainda mais branca do que já era, parecendo prestes a desmaiar, e logo sua dama de companhia lhe entregou um copo com água, tentando acalmá-la.
- Sinto muito. – Antonie disse parecendo envergonhado, procurando os olhos de Noah, que retribuiu com um sorriso para tranquilizá-lo.
- Não se preocupe, meu jovem, minha irmã se impressiona facilmente. – respondeu a irmã da Condessa. – obrigada pelos seus alertas, tenho certeza de que serão de grande valia para nossa família. Ponchet irá acompanhá-lo até a porta e lhe entregar seu pagamento.
E essa foi a nossa deixa para nos retirarmos silenciosamente, seguindo rumo à estalagem onde passávamos nossas noites.
5 meses depois da fuga
Como era bom estar de volta ao mar. A sensação de se deixar ser levada pelo vento era indescritível, e o cheio do mar me fazia sentir estranhamente em casa, ainda que meu pai tenha permitido que eu me aproximasse do oceano em raras ocasiões.
Havíamos passado três semanas em terra, e arrecadamos moedas e suprimentos o suficiente para não precisar fazer qualquer pausa no caminho até Derwyn, nosso destino, de onde poderíamos atravessar a fronteira para um novo reino, o qual – segundo Antonie – era repleto de magia.
Admirava calmamente o mar à frente quando notei a cor estranha que o mar refletia, percebendo que se tratava do reflexo do céu, escurecendo de tal forma que não havia visto desde o início de nossa viagem.
- Antonie! Noah! Acho melhor vocês virem aqui em cima. – os chamei, sentindo um arrepio súbito tomar conta do meu corpo.
- Antonie! Noah! Acho melhor vocês virem aqui em cima. – os chamei, sentindo um arrepio súbito tomar conta do meu corpo.
Ouvi os sons de seus passos apressados se aproximando e apontei para o céu sobre nós.
- Deveríamos nos preocupar com essas nuvens escuras se formando? – perguntei antes que eles pudessem perguntar o que havia de errado.
- Céus! Uma tempestade a caminho… precisamos encontrar terra firme o mais rápido possível. Se formos pegos nessa tempestade, o barco não vai aguentar muito tempo.
- Deveríamos nos preocupar com essas nuvens escuras se formando? – perguntei antes que eles pudessem perguntar o que havia de errado.
- Céus! Uma tempestade a caminho… precisamos encontrar terra firme o mais rápido possível. Se formos pegos nessa tempestade, o barco não vai aguentar muito tempo.
Em poucos minutos estávamos nos movimentando em sintonia, cada um focado em uma tarefa, na esperança de que chegaríamos em terra firme antes dos primeiros pingos de chuva.
- , assim que a chuva começar, desça e procure as bolsas de corino sob a cama. Coloque o máximo de roupas que conseguir em cada uma delas e enlace bem para não entrar água. Se não conseguirmos abrigo antes da chuva, precisamos preservar algo para a viagem.
- Certo! – respondi baixinho em uma tentativa de manter a concentração entre seguir suas instruções fielmente e não entrar em pânico.
- Veja! Consigo ver um pedaço de terra daqui. – Noah comentou empolgado.
- Veja! Consigo ver um pedaço de terra daqui. – Noah comentou empolgado.
- Sim, mas precisamos ir mais rápido. Nessa velocidade, chegaremos até lá em duas horas. A tempestade deve iniciar antes disso. – Antonie respondeu com um semblante sombrio. – , troque de lugar comigo.
Troquei de lugar com Antonie, mantendo o leme estável para seguirmos em direção ao pedaço de terra que avistávamos a frente, enquanto Antonie e Noah tentavam manter o barco em velocidade máxima.
Uma hora e meia depois, a chuva começou a cair, leve e fina a princípio. Essa foi a minha deixa para descer e iniciar minha busca pelas bolsas, guardando nos cinco sacos encontrados o máximo de roupa que pude enquanto ouvia os pingos de chuva ficando cada vez mais fortes.
Subi apressada as escadas, percebendo que estávamos – finalmente – a minutos do vilarejo desconhecido.
- Quanto tempo temos? – perguntei notando minha voz alterada pelo medo. A pergunta foi desnecessária, pois o barco começou a se movimentar irregularmente acompanhando as ondas do mar agitado.
- Quanto tempo temos? – perguntei notando minha voz alterada pelo medo. A pergunta foi desnecessária, pois o barco começou a se movimentar irregularmente acompanhando as ondas do mar agitado.
- , Noah, se segurem firme! – gritou Antonie, seu olhar determinado em direção ao vilarejo que já podíamos ver com mais clareza apesar da chuva forte começar a atrapalhar nossa visão.
Fiz como Antonie pediu, me segurando o mais forte que pude em uma coluna, pedindo a todos os Deuses que estivesse ouvindo para que conseguíssemos chegar em segurança até o vilarejo, estávamos próximos o suficiente para notar os diversos navios e barcos atracados no que claramente era um porto.
Tão concentrada estava em me segurar como se a minha vida dependesse disso – e de fato, dependia – que só notei que Noah havia caído do barco quando ouvi o grito angustiado de Antonie atrás de mim.
- Noah! – gritei, prestes a me jogar atrás dele até ser barrada por Antonie.
- , espera! Fica no barco e se certifique de irá chegar ao vilarejo. Peça ajuda assim que conseguir abarcar. Eu vou atrás do Noah.
- , espera! Fica no barco e se certifique de irá chegar ao vilarejo. Peça ajuda assim que conseguir abarcar. Eu vou atrás do Noah.
Antes que pudesse protestar ele já havia se jogado mar adentro para meu completo horror e desespero. As lágrimas em meus olhos se misturavam a água da chuva enquanto eu parecia colada à coluna, tentando encontrar alguma esperança de que não perderia meus melhores amigos.
Quando cheguei ao porto, imediatamente fui ajudada por alguns pescadores que haviam notado minha chegada. Eles me ajudaram a abarcar e eu tentei explicar em meio a prantos que meus amigos estavam perdidos no mar.
- Por favor, vocês precisam me ajudar! Eu não posso perdê-los, eles são tudo que eu tenho.
Os pescadores me levaram até uma superfície segura e coberta do porto, tentando me acalmar pelo caminho.
- Senhorita, em uma tempestade dessa, entenda, não há muito que possamos fazer.
Os pescadores me levaram até uma superfície segura e coberta do porto, tentando me acalmar pelo caminho.
- Senhorita, em uma tempestade dessa, entenda, não há muito que possamos fazer.
Cai em prantos sobre o chão de madeira do porto, repassando em minha mente todos os nossos momentos juntos. Como era possível que os Deuses permitiram algo assim? Que eles morressem antes que pudessem selar seu amor e viver uma vida juntos? E, em seguida, um pensamento apavorante me veio a mente: de que eu certamente seria enviada de volta à Edwyn, e meu pai me faria passar pela pior punição possível antes de encontrar um noivo pior que o Duque.
Ouvi o burburinho ao meu redor, mas não consegui reunir energia para me importar. Ao invés disso, continuei mergulhada em autopiedade até ouvir a voz fraca de Antonie.
- … onde ela está? Ela conseguiu chegar?
- Não se preocupe, meu rapaz, sua amiga está à salvo. Descanse. – ouvi a voz doce e terna, um tanto rouca pela idade, o respondendo. Levantei meus olhos em espanto percebendo as figuras de Noah e Antonie caídos ao chão.
- Não se preocupe, meu rapaz, sua amiga está à salvo. Descanse. – ouvi a voz doce e terna, um tanto rouca pela idade, o respondendo. Levantei meus olhos em espanto percebendo as figuras de Noah e Antonie caídos ao chão.
7 meses depois da fuga (2 meses depois do incidente)
Terminei de colocar o último vestido em seu devido lugar e suspirei aliviada ao notar que havia – finalmente – terminado mais um dia de trabalho. Em seguida, me repreendi mentalmente por ver o trabalho como um fardo, deveria agradecer a generosidade de Madame Grendhel, uma senhora criativa e bondosa que era dona da única loja de vestidos de gala do vilarejo, a qual me deu a oportunidade de ajudá-la na loja em troca de uma renda que certamente ajudava a comprar os medicamentos de Noah.
Suspirei, pensando em como um de meus melhores amigos ainda estava preso ao que o médico da cidade chamou de coma. Aparentemente, seu corpo havia entrado nesse estado após o choque que sofrera com a queda ao mar que quase o levara à morte.
Verifiquei uma vez mais se estava tudo ajeitado na loja e saí da mesma, a trancando cuidadosamente, embora soubesse que Madame Grendhel era muito respeitada no vilarejo, e que ninguém se atreveria a lhe fazer algum mal ou à sua loja.
Caminhei confiante em direção ao centro do vilarejo, onde encontraria Antonie vendendo peixes na feira do Monsieur Levroir. De lá, voltaríamos para a estalagem onde passávamos nossas noites e cuidávamos de Noah.
Caminhei confiante em direção ao centro do vilarejo, onde encontraria Antonie vendendo peixes na feira do Monsieur Levroir. De lá, voltaríamos para a estalagem onde passávamos nossas noites e cuidávamos de Noah.
Sequer tiver tempo de chegar ao meu local de destino quando notei o burburinho que ali havia. Comerciantes gritando em desespero tentando salvar suas mercadorias do fogo que se alastrava. Corri em direção aonde Antonie estaria para então perceber as figuras desconhecidas e assustadoras que ameaçavam a todos com espadas reluzentes, tomando tudo que viam pela frente. Piratas.
A surpresa de vê-los foi tamanha que somente depois de alguns minutos vendo mulheres sendo arrastadas e carregadas e toda a praça destruída, tive a capacidade de me mover, indo na direção oposta. Talvez um pouco tarde demais, pois no momento que me virei para correr na direção oposta, fui barrada por um par de braços musculosos e uma voz gutural.
- Indo a algum lugar? – levantei o olhar amedrontada, reparando no olhar vazio e sorriso de escárnio do pirata à minha frente. Por puro instinto comecei a me debater e gritar, tentando me desvencilhar de suas mãos. Um minuto depois senti meus braços livres enquanto caía no chão em desequilíbrio, assim como o pirata gigante que me segurava.
Levantei o olhar lentamente, reparando em cada característica de quem só poderia ter sido meu salvador, as botas pretas deram lugar à uma calça de camurça também preta e, por fim, um camisa larga e branca. Mas o que se destacou na aparência da pessoa à minha frente foram os olhos azuis e estranhamente familiares.
CAPÍTULO 2
‘S POV.
A minha roupa encharcada pingara por todo o quarto, mas eu sequer dava atenção a isso enquanto encarava o bilhete em minha mão sem acreditar no que lia pela milésima vez. “Você foi a melhor coisa que me aconteceu em minha curta vida. Obrigada, e adeus”. Percebi a lágrima que pingou no bilhete e em um rompante de raiva amassei o bilhete, o jogando no chão antes de iniciar o que seria a destruição de um quarto alugado que me custou mais caro do que deveria ter custado.
Após extravasar a raiva, a mão sangrando depois de ter socado o espelho com força o suficiente para quebrá-lo, me sentei na cama, relembrando a noite que se passara. Ainda sentia seu gosto em minha boca, e ela deveria estar afundando no fundo do oceano. Como era possível? E por que ela havia decidido dar fim à própria vida?
Lembrei de sua silhueta perfeita se debruçando sobre o parapeito da varanda, se ao menos eu soubesse que essa era sua intenção, teria corrido para impedi-la, seria mais rápido do que o choque de vê-la caindo me permitiu ser, e teria pulado ao mar rápido o suficiente para encontrá-la.
A parte racional de mim tentava ignorar a dor que crescia em meu peito, afinal ela era quase uma desconhecida, alguém com quem compartilhei pouco mais do que a cama, como tantas outras antes dela. Mas havia também uma parte quase inconsciente que fazia questão de me fazer lembrar do seu beijo tão intenso, do seu corpo escultural se contorcendo sob mim, sua voz doce gemendo o meu nome e aqueles malditos olhos que me olhavam com uma admiração que eu certamente não merecia.
Não havia mais nada que eu pudesse fazer, havia me jogado no mar tentando encontrá-la e procurado por todo vilarejo, e ninguém vira nenhum sinal da garota. Precisava aceitar a realidade, engolir o gosto amargo que sua presença inesperada e fugaz deixara em minha boca e seguir em frente. Era um pirata, afinal de contas, e precisava agir exatamente como um.
Suspirei, resignado, lembrando das palavras de meu pai “algumas pessoas não nasceram para amar, meu filho, um pirata é uma dessas pessoas”. Rasguei um pedaço do lençol que cobria a cama, não me importando em destruir ainda mais o cenário, e cobri a ferida na mão, estancando o sangue com um curativo improvisado. Peguei a sacola de camurça com os poucos itens que trouxera comigo e segui em direção à praça, acenando para meu sentinela, que correu em minha direção imediatamente.
- Capitão…? – cumprimentou, aguardando por minhas instruções.
- Reúna a tripulação. Quero todos a bordo em duas horas.
- Aye, Aye, Capitão. – Calico se afastou sem questionar, sabia melhor do que isso.
- Reúna a tripulação. Quero todos a bordo em duas horas.
- Aye, Aye, Capitão. – Calico se afastou sem questionar, sabia melhor do que isso.
Me virei na direção contrária, seguindo em direção ao vilarejo de Méhin, onde a encontrara pela primeira vez. Balancei a cabeça em negativa, me corrigindo mentalmente: onde deveria seguir para conseguir o que precisava nessas terras malditas.
Observei um comerciante abastecendo sua carroça com suprimentos o suficiente para vender por toda manhã e minha mão imediatamente foi à adaga escondida sob a camisa, calculando uma morte rápida e simples para que pudesse pegar seu cavalo e seguir adiante. Um segundo pensamento cruzou a minha mente, de que um comerciante assassinado poderia chamar a atenção do exército da Coroa antes que pudesse sair daquele lugar deplorável. Suspirei irritado e tirei a mão da adaga, alcançando o pequeno saco de couro no bolso da calça e jogando nas mãos do comerciante que virou assustado ao notar minha aproximação.
- Ahoy! Nesse saco tem quinze moedas de ouro. Preciso do seu cavalo emprestado em troca.
O comerciante continuou a me olhar desconfiado e troquei o peso de uma perna para a outra, aguardando impaciente.
O comerciante continuou a me olhar desconfiado e troquei o peso de uma perna para a outra, aguardando impaciente.
- Não tenho o dia todo, camarada. Aye?
- Certo, claro, claro. – o velho se apressou em contar as moedas antes de soltar o cavalo da carroça que o prendia e estender as rédeas para que eu a pegasse.
- Certo, claro, claro. – o velho se apressou em contar as moedas antes de soltar o cavalo da carroça que o prendia e estender as rédeas para que eu a pegasse.
Montei no cavalo e galopei apressado em direção à Méhin, a mente focada naquilo que buscava desde que me arriscara em pisar no solo da Rainha. Passei na frente da loja de vestidos na qual havia me perdido naqueles olhos tão ingênuos, mas me forcei a apagar a imagem da minha mente, seguindo ao leste e trotando por mais cinco minutos até chegar à mansão que ali havia. A mansão do Conde Elliot, um velho que conseguiu seu título através do tráfico de criaturas e objetos mágicos.
Escondi o cavalo atrás de uma árvore, o prendendo ali e circundei silenciosamente a mansão, encontrando a entrada dos serviçais ao fundo com facilidade, já fizera aquela busca por tempo suficiente. Adentrei a porta e caminhei silenciosamente pelo corredor escuro, encontrando a porta que precisava em poucos minutos e utilizando o canivete em meu bolso para abri-la, descendo as escadas que levariam à masmorra. Ouvi antes que pudesse ver os guardas que conversavam animadamente alguns degraus abaixo.
- Merda. – murmurei comigo mesmo, descendo cuidadosamente cada degrau até que estivessem em minha linha de visão e eu pudesse ver que ambos estavam de costas para mim. Calculei os riscos do que me parecia a melhor opção no momento, refletindo se haveria tempo o suficiente para aniquilá-los antes que chamassem reforços. Relembrei as informações obtidas nos últimos dias: o Conde estava ausente da mansão em mais uma de suas expedições na busca por novos itens mágicos, não havia muito que precisasse de atenção na masmorra, por isso somente dois guardas protegendo o local.
Com a decisão tomada, peguei a adaga que desistira de usar mais cedo e a joguei precisamente na direção do guarda ao lado direito, mais alto e forte do que seu companheiro, atingindo sua nuca com tamanha força que logo ele caia no chão de joelhos, o sangue escorrendo profusamente por sua nuca.
- Ed! – seu companheiro gritou se ajoelhando ao seu lado para checar se o risco era iminente. Ao notar que seu colega sequer conseguia falar, levantou empunhando sua espada e correndo escada acima em minha direção. Aproveitei a escuridão ao meu favor e me escondi na sombra, na curvatura da escada. Assim que ele apareceu em minha linha de visão novamente, dei uma cotovelada em seu estômago que o levou a escorregar, caindo alguns degraus abaixo. Corri em sua direção, aproveitando o momento que ele tentava se levantar para dar um chute em seu queixo, tão forte que ouvi o barulho de seu maxilar se quebrando enquanto ele voltava a rolar o restante dos lances de escada até cair ao lado de seu companheiro, atordoado com a queda. Voltei a correr sem dar tempo para que se recuperasse, pressionando-o no chão com meu joelho direito antes de pegar a navalha em meu bolso e cortar sua jugular, sentindo os respingos sobre meu rosto.
Seu colega que mal conseguia se mover tentou me acertar com a espada em sua mão, mas a única coisa que pôde fazer foi rasgar um pedaço da minha camisa antes que eu cravasse meu pé em seu pescoço, o empurrando ao chão antes de afundar meu pé em sua cabeça, forçando a faca alojada em sua nuca a atravessar seu pescoço.
- Foi mal, camarada, lugar errado e hora errada. – comentei retirando o molho de chaves de seu cinto e aproveitando para limpar minha navalha em suas roupas antes de guardá-la novamente.
Caminhei até as celas reparando em como a maioria delas estavam vazias, enquanto algumas poucas prendiam animais exóticos. Finalmente parei na frente da cela em que procurava, reparando na moça amordaçada à minha frente, sua pele tão alva que parecia quase translucida, o rosto em formato de coração lhe dando um aspecto delicado e frágil, os cabelos longos e cacheados caindo em cascatas sobre seus ombros, embora completamente emaranhados devido às condições em que estava submetida. Seus olhos azuis como as águas de Boanda pareciam suplicar por sua ajuda de forma sedutora, um olhar que certamente teria captado a atenção de como já capturara inúmeros outros antes dele.
- Eu vim lhe resgatar a pedido de suas irmãs. A transação é simples: eu a levo até o mar e elas me dão o pagamento combinado. Eu não pretendo perder nem um segundo a mais com artimanhas, então se certifique de não ficar no meu caminho. Aye?
Pude ver o início de um sorriso em seus lábios carnudos, mas ela simplesmente assentiu com a cabeça. Com um suspiro resignado abri a cela em que ela se encontrava a puxando comigo para fora dali. A forcei a ir à minha frente para ter certeza de que ela não faria nada inesperado e reparei no brilho em seu olhar ao notar a poça de sangue que se formara ao redor dos guardas caídos.
2 meses depois em algum lugar do oceano.
- Amurar à estibordo! – gritei enquanto analisava a bússola e observava o mar à frente com atenção.
- Hmmm… – ouvi a mulher reclamar irritada mais uma vez, por ainda estar amordaçada e presa a bordo do navio.
- Hmmm… – ouvi a mulher reclamar irritada mais uma vez, por ainda estar amordaçada e presa a bordo do navio.
Já havia notado os homens da tripulação desviando os olhares de suas tarefas para encarar a beldade que se encontrava no navio. Apesar de ainda estar com um vestido que mal lhe cabia, completamente rasgado e sujo, o contato constante com a brisa do mar já havia mudado sua fisionomia: os cabelos pareciam mais leves com os cachos voando contra o vento, as bochechas mais coradas, os olhos azuis extremamente brilhantes e os lábios carnudos ainda mais rosados.
- Eu já disse que não vou soltá-la enquanto não chegarmos ao destino, então nos poupe dos seus resmungos a não ser que você queira passar o resto da viagem desacordada. – ameacei com irritação, percebendo o seu olhar se tornar mais escuro e uma áurea mortal dominar seu corpo, mas ela se calou.
- Aproar ao leste! – gritei uma vez mais para a tripulação, observando enquanto eles moviam a proa na direção correta. Era bom estar de volta ao mar, sentir a liberdade de ser guiado pela natureza, mas uma parte que eu preferia enterrar no buraco mais fundo do meu peito parecia querer seguir uma outra direção, voltar de onde viera e buscar pela garota mais uma vez.
Balançando a cabeça em negação a mim mesmo, forcei a vista adiante, reparando na enorme muralha ao longe, escondida pelo nevoeiro que se formava.
- Pairar à 800 pés! Preparem a âncora! – ordenei uma vez mais, notando que estávamos muito próximos de nosso destino. – Assim que o navio estiver parado, vocês já sabem o que fazer. Coloquem os tampões no ouvido, desçam até o deque e esperem até que eu os chame.
- Mas, capitão, estamos seguindo em direção à Cau das Sirenes! – exclamou chocado um dos novos tripulantes do qual nem me lembrava.
- Sim! – respondi simplesmente, guardando a bussola no bolso da calça e pegando o cantil escondido no meu casaco, tomando um gole generoso de rum.
- Sim! – respondi simplesmente, guardando a bussola no bolso da calça e pegando o cantil escondido no meu casaco, tomando um gole generoso de rum.
Cerca de trinta minutos depois estávamos parados, flutuando no mar, enquanto o silêncio reinava ao nosso redor. O convés estava limpo, somente eu e a mulher amordaçada nos encontrávamos ali, atentos. Reparei nas pedras rochosas que ali se formavam, as pedras de cornalina sendo um indício claro de que aquele era o local certo, eram também chamadas de pedras das sereias.
Após cinco minutos de silêncio ouvi um som leve em uníssono, antes de notar os cabelos emergindo da água. A mulher ao meu lado se agitou em empolgação, mas eu a segurei firmemente pelo braço, a colocando na minha frente como um escudo.
- Muito bem, pirata! Não achei que conseguiria. – disse a líder das sereias com uma voz tão doce quanto mel, até mesmo a risada que ecoou em harmonia após o seu comentário parecia música.
- Eu trouxe o que você me pediu. Agora me diga o que eu quero saber. – ordenei, segurando o braço da sereia à minha frente com um pouco mais de força do que o necessário.
- Por favor, não sejamos indelicados. Lance minha querida irmã ao mar e eu te direi tudo que você quer saber, pirata. – respondeu com a mesma doçura leviana de sempre, seu sorriso sedutor parecendo encravar na minha mente.
Fechei os olhos tentando dissipar os pensamentos impuros que começaram a me atordoar e coloquei meu braço no pescoço da sereia amordaçada, me forçando a olhar nos olhos da sereia ao mar, impassível.
- Eu te dou um minuto para contar o que eu quero saber ou eu juro que vou quebrar o lindo pescoço da sua irmã.
- Eu te dou um minuto para contar o que eu quero saber ou eu juro que vou quebrar o lindo pescoço da sua irmã.
O rosto belo da mulher ao mar logo se desfigurou no monstro marítimo que elas escondiam tão bem, suas presas pareciam as de uma piranha enquanto guelras longas e escuras se protuberaram em seu rosto, o cabelo ruivo parecendo estar em chamas. Aguardei pacientemente, pressionando com mais força o pescoço da sereia em meus braços enquanto observava as outras sereias ao mar acalmarem a líder raivosa.
- Está bem. – disse finalmente a ruiva, olhando com preocupação para a irmã que estava claramente desconfortável com meu braço em seu pescoço. – Pela descrição que você me passou, o item que você procura está a bordo do Rosa Negra.
- E…? – pressionei, um sorriso triunfal se apossando de mim, eu finalmente estava próximo da verdade.
- O navio está indo em direção à Amélhia. Isso é tudo que eu sei, agora solta a minha irmã! – disse se aproximando do navio, sua cauda turquesa evidente sob a água.
Me aproximei da proa do navio e coloquei os tampões em meu ouvido antes de lançar a serei ao mar.
- O navio está indo em direção à Amélhia. Isso é tudo que eu sei, agora solta a minha irmã! – disse se aproximando do navio, sua cauda turquesa evidente sob a água.
Me aproximei da proa do navio e coloquei os tampões em meu ouvido antes de lançar a serei ao mar.
- Não tente nenhuma gracinha, ou você vai se arrepender. – ameacei antes de descer ao deque e chamar pela tripulação, ordenando que cada um voltasse à sua posição para seguirmos nosso rumo o mais rápido possível. Caminhei até a minha cabine e analisei o mapa que cobria toda a parede esquerda, calculando qual seria a rota ideal.
- Ginga! – gritei aos meus tripulantes, ordenando que retomassem a navegação, a antecipação de pôr a mão no filho da puta que ousou me roubar dominando cada parte do meu corpo.
CAPÍTULO 3
’S POV
Subi ao casco do navio enorme em que nos encontrávamos colocando a mão sobre os olhos para protegê-los do sol forte que machucava minha retina. Passei por entre as mulheres que treinavam no convés, reparando com curiosidade a atmosfera tranquila do lugar.
Observei a imensidão do mar à minha frente enquanto tentava colocar algum senso nos últimos acontecimentos que nos levaram até ali. O vilarejo em que habitávamos, aguardando pela recuperação de Noah foi invadido e saqueado pelos piratas, os quais em meio ao caos destruíram muitos dos barcos atracados no porto, um deles sendo o nosso. Achei que estava prestes a ser sequestrada – ou coisa pior – por um pirata quando fui salva por ela: Amira.
Olhei ao redor procurando pela figura em meio ao grupo de pessoas que ali estavam até encontrá-la no controle do leme, atenta ao caminho que faziam. Não podia ver seus olhos, mas me lembrava com exatidão o quão parecidos eles eram com os de , límpidos como o mar. Desviei o olhar antes que ela me encontrasse a encarando e relembrei o pedido de desculpas recebido após a destruição do nosso meio para chegar a outro reino, bem como a oferta para nos levar ao nosso destino.
Antonie havia ficado completamente surpreso pelos modos educados e solidariedade da capitã do navio, mas algo no olhar que ela me lançava todas as vezes que nossos olhos se encontravam me passava a estranha sensação de que sua oferta tinha pouco a ver com solidariedade, embora não entendesse exatamente o que poderíamos oferecer em retorno. Em adicional ao transporte, ela também foi generosa o suficiente para dar tratamento medicinal à Noah, feito pela curandeira do navio. Sim, curandeira, termo e profissão que eram completamente proibidos no Reino de Andoza, o que me levava a crer que ela e toda a tripulação do navio não pertenciam àquela região.
Me debrucei sobre as grades de proteção na proa sentindo uma estranha sensação de dejá-vu, a lembrança de vívida em minha mente. Havia se passado mais da metade de um ano, e eu tinha certeza de que o pirata já me esquecera há muito tempo, portanto pensar no rapaz com qualquer vestígio de esperança era ridículo. Olhei novamente em direção ao deque, observando a elegância e altivez da capitã, os dreads escuros voando contra o vento e a calma em seu semblante ao ver a imensidão azul do mar muito parecida com a que eu sentia todas as vezes que me permitia mergulhar naquela sensação de liberdade.
Senti minhas bochechas esquentarem de vergonha assim que seus olhos cruzaram os meus, aquela mesma intuição de que muitos segredos ali se escondiam. Antes que eu pudesse me controlar, minhas pernas se moveram na direção da mulher, talvez a mesma força que havia me impelido na direção de seu semelhante há alguns meses. Porém, assim que me encontrei ao seu lado não pude pensar em nada útil a dizer, minha mente dando voltas na tentativa de encontrar algo no qual me segurar. Por fim desisti, focando em apreciar a vista dali e ignorar o sorriso matreiro que podia ver em seus lábios pela minha visão periférica.
– O gato comeu sua língua, princesa? – ela me provocou.
– Não. – respondi sem saber o que mais dizer antes de acrescentar com um franzido na testa – E eu não sou uma princesa.
– Bem, você se parece com uma princesa, anda como uma princesa e fala como uma também. Tenho a sensação de que você só não se veste como uma para facilitar a fuga. – ela comentou deixando o leme e se virando em minha direção, curiosa pela minha réplica, a qual não veio. Ao menos não pelos próximos minutos enquanto eu tentava entender como ela poderia saber que eu me encontrava – de fato – fugindo.
– O que te faz pensar que estou fugindo? – perguntei um tanto irritada, me virando para ficar de frente para ela.
- Bem, é óbvio, na verdade. Primeiramente, você está viajando com dois rapazes que acontecem de ser um casal, o que é proibido pelas leis de Andoza, portanto a razão para que fujam. – o sorriso largo que ela me lançou quase fez com que eu não conseguisse acompanhar seu raciocínio, confusa com o quão estonteante ela ficava quando sorria. – Em segundo lugar, vocês viajavam em um barco simples de pesca, claramente comprados clandestinamente para que não fossem descobertos. Trazem poucas roupas consigo, você se veste como se quisesse esconder quem realmente é, mas acredito que o mais evidente, princesa… – ela pausou por um segundo, se inclinando em minha direção e chegando desconcertantemente próxima o suficiente para colocar uma mecha esvoaçante do meu cabelo atrás da minha orelha antes de concluir – é o fato de você se parecer muito mais com uma donzela em perigo do que uma aventureira.
Ruminei suas palavras em meus pensamentos por alguns minutos, tentando entender o quão acuradas eram suas conclusões. Não me lembrava da última vez que tivera tempo para um tratamento de beleza apropriado como costumava ter quando vivia no palácio de meu pai, mas ainda tentava como possível manter uma aparência minimamente decente. Todas as vezes que me olhei no espelho, no entanto, eu conseguira perceber diferenças claras em minha aparência: como o rosto mais bronzeado pela exposição ao sol, os braços mais firmes por trabalhar pela primeira vez na vida, além dos cachos frequentemente embaraçados que permaneciam presos em um coque na maior parte do tempo.
Era estranho perceber que minha inexperiência era ainda tão evidente. Aliás, era mais do que estranho, era decepcionante. Como se percebendo que meus pensamentos não pareciam tão positivos, os olhos da pirata focaram nos meus enquanto sua mão tocava levemente meu ombro tentando chamar minha atenção.
– Não se preocupe, princesa, seu segredo está a salvo comigo. – prometeu com um sorriso leve. Mas não pude sorrir de volta, subitamente preocupada que minha falta de conhecimentos práticos certamente seria percebida por qualquer pessoa que olhasse mais de perto. Apenas para tranquilizá-la assenti em agradecimento e me afastei, tentando criar o máximo de distância possível daqueles olhos profundos que pareciam ler a minha alma, tal qual um certo outrem.
Algum tempo depois nos encontrávamos no deque, sentados em uma mesa improvisada preparada com diversas opções de frutos do mar, vegetais e frutas da estação. Antonie agradecia efusivamente pela gentileza da capitã – a qual havia nos convidado para jantar – enquanto tomava mais um gole de vinho. Suspirei um pouco mais alto do que pretendia, sentindo-me um tanto desconfortável com o tratamento especial oferecido por Amira.
– Posso ver que tem algo lhe perturbando, princesa. Se quer perguntar algo, pergunte. – afirmou a pirata com tranquilidade, prendendo seus olhos nos meus.
– Hã… – titubeei um tanto incerta sobre como verbalizar a indagação em minha mente – Notei que algumas das moças raptadas no vilarejo treinavam hoje… Você não teme que elas se rebelem ou algo do tipo?
– Elas não foram raptadas, princesa. Eu lhes dei uma oportunidade única de se salvarem: do tédio e monotonia de uma vida pacata, de um marido abusivo, ou mesmo de um trabalho servil e patético. – respondeu com convicção – todos que se juntam à minha tripulação o fazem por livre e espontânea vontade.
- Não foi o que me pareceu no vilarejo. Elas pareciam completamente apavoradas e sendo arrastadas com truculência por aqueles piratas horríveis. – comentei sem pensar no quão ofensiva poderia soar, a lembrança vívida do homem que tentara me atacar no dia anterior me embrulhando o estômago.
– Aquilo foi um erro, . – a mulher disse seriamente arqueando uma das sobrancelhas em sinal de irritação, a maneira como ela falara meu nome me fez sentir como uma criança malcriada, ainda assim não pude conter o questionamento que se seguiu.
– Um erro?
Amira suspirou parecendo irritada por ter de falar sobre o assunto, mas em seguida colocou os cotovelos sobre a mesa e se inclinou em minha direção, me olhando com determinação.
– No caminho para Amélhia eu perdi a maior parte da minha tripulação em um encontro infeliz com uma lula-gigante. Eu estava na caça de algo muito importante e precisava de mãos o suficiente para ajudar na minha busca, por isso contratei mercenários. – seu olhar se desviou e pude perceber a culpa que ela sentia – esse foi o meu erro. Mercenários são cruéis, inescrupulosos e completamente imprevisíveis. Foi difícil controlá-los a bordo e quando paramos para pegar suprimentos em Endenya eles surtaram daquela maneira, como você deve se lembrar.
Assenti em compreensão, finalmente percebendo por que estivera tão confusa em relação a mulher à minha frente, a qual parecia gentil e solidária, ao mesmo tempo que parecia ter causado tanto terror e violência.
– Quando notei o que acontecia fui impedi-los com o restante da minha tripulação original. – ela continuou mesmo sem necessidade – Nos livramos de todos eles. – finalizou com um olhar afiado e mordaz.
– Entendo. – disse ao perceber que talvez ela esperasse alguma reação minha em relação à sua confissão, mas sem saber exatamente o que dizer.
Ela manteve o contato do seu olhar com o meu por mais alguns segundos – como se esperasse por algo mais – antes de se mover desconfortável em seu assento e voltar a comer como se nada tivesse acontecido.
Antonie se manteve calado o tempo todo, mas pude notar o vestígio de um sorriso escapando de seus lábios por detrás da caneca de madeira na qual bebia seu vinho. Tive vontade de chutá-lo por debaixo da mesa, mas me contive para não fazer a situação ainda mais estranha.
O resto do jantar passou tranquilamente entre comidas, bebidas e histórias inusitadas de aventuras pelas quais ambos – Antonie e Amira – já passaram. Me mantive em silêncio na maior parte do tempo apenas perguntando por detalhes extras enquanto absorvia com interesse cada palavra que diziam. Parte de mim sentia-se incerta e confusa por haver tantas coisas no mundo da qual não tinha conhecimento e havia sido privada por toda a minha vida, e o medo me assolava ao pensar em tudo que poderia surgir. Porém, havia também o lado que se instigava de curiosidade por ter minhas próprias aventuras para contar, a mesma atração pelo perigo e desafio que encontrara nos braços de .
Essa parte que se atraia por explorar o universo foi a que trouxe a estranha e insensata ideia à minha mente, a qual só pude expressar após a despedida de um Antonie parcialmente bêbado que se fora cambaleando na direção das cabines.
– Você me ensinaria? – questionei com mais confiança do que sentia assim que notei a pirata se movimentando para sair da mesa também.
– O que, exatamente? – perguntou com uma sobrancelha arqueada em curiosidade.
– A lutar, principalmente. – respondi sentindo um nó se crescer em minha garganta. – Gostaria de ser capaz de me defender quando necessário.
A capitã ficou em silêncio por um tempo, me escrutinando com seus olhos de águia, como se estivesse incerta de algo.
– Está certa disso, princesa? – inquiriu se levantando e se aproximando de mim, oferecendo sua mão para que pudesse me ajudar. Levantei-me com sua ajuda e notei quão próxima ela estava, podia sentir sua respiração em meu rosto.
– Sim. – sussurrei sentindo um formigamento estranho que se irradiava da ponta do meu dedo do pé até meu último fio de cabelo.
– Estamos combinadas, então. – ela concordou antes de se aproximar um pouco mais, me deixando confusa entre me inclinar para trás ou encontrá-la no meio do caminho. – Mas se prepare, princesa, eu não vou pegar leve.
E tão rápido como se aproximou, ela se foi. Um aceno de despedida foi a última coisa que pude ver antes que sua figura desaparecesse ao adentrar a cabine destinada ao capitão.
’S POV
4 meses após a Cau das Sirenes
– Ahoy capitão! Estamos a três horas de Amélhia. Quais são as ordens? – inquiriu Borg, meu sentinela, após me oferecer uma caneca com rum.
Virei a caneca tomando todo seu conteúdo em único gole antes de apontar para o mapa à minha frente.
– Nós vamos aportar em Hibagan, está sob jurisdição do Condado de Endenya, assim não é tão movimentada. Eu vou sozinho, pretendo chegar em Alos antes do amanhecer e colher o máximo de informação possível.
– Por que não nos leva com você, capitão? – Hebaron – um dos tripulantes – perguntou ao ouvir nosso diálogo.
– Irão assustar a todos com essas suas caras atrozes e temo que não serei capaz de conseguir informação alguma antes de sermos expulsos. – caçoei ouvindo o riso de meus camaradas. – Quero pegá-los desprevenidos, por isso devo fazer o mínimo de alarde possível.
Todos assentiram em concordância após ouvir minha explicação, mas pude notar a carranca de alguns e o olhar de irritação em outros.
– Desembuchem. – ordenei impacientemente.
– Capitão, estamos quase sem rum. – vociferou Hebaron, iniciando uma sucessão de reclamações vindas de todos os cantos.
– E sem vegetais, capitão. – um dos tripulantes mais novos que ainda não me importara o suficiente para memorizar o nome completou em seguida.
– Um punhado de carne de porco também não seria nada mal.
– Além disso, capitão, não aguento mais ter de olhar para essas caras feias todas as manhãs – caçoou Borg com uma risada de escárnio – precisamos encontrar donzelas estonteantes para abrilhantar nossa vida.
– Traduzindo: vocês precisam encontrar alguma concubina para foder. – concluí para encerrar a lista de contestações. Todos assentiram veemente gritando patifarias em concordância. – Certo. Esperem até a próxima mudança de lua para saírem do navio e fazer o que tiverem de fazer.
Ouvi os gritos de comemoração da tripulação, mas não me juntei a eles. Minha mente já se encontrava concentrada nos próximos passos a seguir se quisesse encontrar o ladrão que estava cada vez mais ao meu alcance.
Me ocupei em comer o prato que havia pedido enquanto mantinha os ouvidos atentos às conversas da clientela do local. Observei pelo canto de olho as mulheres com decotes mais profundos que o decoro social permitiria, servindo com extra simpatia e atenção um grupo de homens que bebiam como se não houvesse amanhã.
Prestei atenção na farda que usavam, o uniforme azul marinho e a insígnia que carregavam no peito denotavam que faziam parte do exército marítimo de Andoza, subordinados diretos da rainha. Comi mais um pedaço da costela em meu prato surpreendido positivamente com o serviço do local, que não chegava a ser um bordel de luxo, mas também não era a pior espelunca na qual pisara.
– A comida está do seu agrado, sir? – perguntou uma jovem de bochechas rosadas e cachos dourados que caíam com leveza por seus ombros, a aparência certamente a faria ser vista como uma donzela não fosse o ambiente no qual se encontrava e a roupa que vestia.
– Sim, está tudo perfeito. – assumi meu sorriso mais charmoso ao agradecê-la, notando seus olhos verdes brilharem antes dela sentar-se à minha frente sem pensar duas vezes.
– Tenho certeza de que a noite pode ficar ainda mais perfeita. – se debruçou com os cotovelos sobre a mesa, fazendo com que seus seios ficassem ainda mais proeminentes sob o vestido que usava. Desviei meu olhar para seu rosto e notei o sorriso malicioso que ela me lançou, bem como senti seus pés encontrarem caminho por debaixo da mesa para acariciar minha perna.
Inclinei a cabeça para o lado, analisando com um pouco mais de atenção seu rosto e colo expostos, notando que ela era – de fato – linda. Com um sorriso malicioso e um movimento da minha cabeça aceitei a oferta.
– Por que não? – o sorriso que ela retornou era convidativo, mas certamente não me afetou tanto quanto teria em outros tempos. Terminei de comer e beber o que me havia sido servido e aceitei a mão que ela ofereceu, a seguindo pelo recinto na busca por um apogeu.
Alguns minutos depois estávamos dentro de um quarto modesto, uma janela com vista para a viela adjacente ao bordel, uma pequena cômoda, cama de casal e uma banheira grande o suficiente para duas pessoas. Sem que eu precisasse dizer qualquer coisa ela já preparava um banho com rapidez e maestria, provavelmente um procedimento padrão para os viajantes que ali pairavam.
Após terminar a tarefa em que se ocupava deixou cair aos seus pés o vestido que utilizava, revelando não utilizar nenhuma outra peça por baixo. Seu corpo desnudo era alvo como a lua, os seios firmes pareciam implorar para serem tocados e a visão do seu caminhar sensual e sorriso convidativo foi o suficiente para sentir meu membro pulsar dentro da calça. Assim que parou na minha frente suas mãos deslizaram por meus ombros e tórax antes que ela alcançasse os botões da camisa, me ajudando a retirá-la.
– Você é forte. – comentou distribuindo beijos por meu pescoço e ombro enquanto deslizava a mão direita por meu abdômen até chegar ao meu membro rijo, me arrancando um suspiro involuntário. Porém quando ela abriu minha calça segurei seu pulso, me afastando e terminando de tirar a peça por conta própria antes de entrar na banheira. Uma sensação estranha me dominava e – apesar de estar “pronto para a ação” e com uma mulher linda à minha disposição, algo não parecia certo.
Ouvi a risada da garota atrás de mim e alguns segundos depois senti sua presença adentrando a água e se sentando no meu colo sem qualquer cerimônia. Fixei meu olhar em seus olhos verdes tentando encontrar algo que nem mesmo eu sabia, a sensação estranha se apossando ainda mais da minha mente, até mesmo quando ela aproximou seus lábios dos meus, me convidando para um beijo.
Passei a mão por sua cintura, coluna e pescoço até chegar em seu cabelo, o puxando para trás e expondo seu pescoço fino onde mergulhei meu rosto tentando saborear seu cheiro. Uma dor de cabeça súbita me atingiu quando senti o cheiro de perfume doce e barato misturado com tabaco e me afastei imediatamente, virando meu rosto na direção da janela e observando a lua despontar no céu, sem me importar com sua tentativa inútil de chamar minha atenção com beijos, mordidas e toques nada puritanos. Mas quando ela colocou as mãos em meus ombros conseguindo apoio o suficiente para encaixar nossos corpos não tive escolha senão afastá-la.
– Saia. – ordenei sem me preocupar com o olhar de choque e vergonha que ela me lançava. Ela parecia prestes a protestar, mas quando notou meu maxilar travado e o olhar irritado que a encarava logo desistiu, espalhando água pelo quarto ao sair da banheira e se vestindo rapidamente antes de sair porta afora.
Suspirando insatisfeito recostei minha cabeça na banheira, fechando os olhos e tentando – em vão – esquecer o motivo pelo qual havia expulsado a mulher que acabara de sair. Tudo parecia errado: seus olhos, o cabelo, cheiro, seus toques e até mesmo a textura da sua pele, nada se equiparava aos da garota que ainda atormentava meus sonhos todas as noites: .
Me banhei rapidamente, recusando-me a perder tempo lamuriando pela perda de uma garota que jamais me pertenceu, me vestindo com pressa e saindo apressado do local após pagar por meus consumos, fazendo questão de deixar uma gorjeta para a loira de olhos verdes que me encarava com o ego claramente ferido na saída. Dei de ombros, determinado a pagar por um cavalo e chegar em Alos antes do amanhecer, apagaria as lembranças da pequena marquesa da mesma forma que havia feito até então: focando em minha busca.
CAPÍTULO 4
’S POV
Encarei com irritação o dono da carruagem que tomava todo tempo do mundo para finalizar seu charuto, não bastasse nos fazer esperar pelo menos uma hora até que a carruagem estivesse abarrotada de gente. Nada era tão frustrante quanto pequenos vilarejos e sua incapacidade de oferecer um serviço de qualidade aos viajantes. Hibagan não é exatamente o que pode ser chamada de pequena, uma vez que se trata de uma vila portuária, mas segundo os outros ocupantes da carruagem a situação caótica se dava por conta da quantidade anormal de soldados transitando pela região.
Estava prestes a sair da carruagem e fazer com que o dono engolisse o charuto que tragava quando ele finalmente decidiu apagá-lo e ocupar seu assento à frente do comboio. Olhei ao redor analisando o grupo de pessoas que ali se encontravam: um casal de velhos que pareciam completamente deslocados; uma mulher com o rosto e roupas sujas de carvão que carregava uma criança pequena no mesmo estado em seu colo; um homem de meia idade que parecia ter mais tatuagens do que dentes; e três jovens irmãos que discutiam entre si para decidir qual seria a tarefa de cada um no assalto que estavam planejando cometer.
Chamei a atenção de um dos irmãos com uma cotovelada sutil e joguei uma pequena trouxa de moedas em sua direção.
– O que você pode me dizer sobre o navio Rosa Negra? – questionei sem delongas.
– Uau! – respondeu o rapaz embasbacado, surpreso com o ganho fácil de dinheiro, antes de mostrar para seus irmãos. Todos olharam em minha direção intrigados, provavelmente em dúvida se poderiam me enganar e arrancar mais dinheiro de um idiota desconhecido ou deveriam ser honestos e assim talvez ganhar mais alguma recompensa. Para facilitar sua decisão, peguei uma pequena navalha no bolso da calça e a usei para “palitar os dentes”, mostrando que não estava para brincadeiras.
– Hã… já ouvimos falar, acho, mas não sabemos muita coisa exceto que o capitão é dos brabos. – um dos rapazes comentou nervoso.
– É… dizem que é um dos maiores piratas do século, e o mais procurado pela coroa. – acrescentou o outro.
Arqueei a sobrancelha em deboche por um minuto imaginando que tudo aquilo não passava de baboseira de um jovem facilmente impressionado, até que a lembrança dos soldados espalhados pela região me fez lembrar imediatamente que esse poderia ser exatamente o motivo. Seria possível que o ladrão que procurava havia sido aprisionado pelo exército marítimo da rainha? Que outra razão haveria para um número tão alto reunido se não para uma caça?
Guardei novamente a navalha no bolso e parei de prestar atenção nos irmãos imbecis ao meu lado, virando o rosto para a vista escura do lado de fora da carruagem. Porém, em algum momento de devaneio reparei distraidamente o olhar da mulher suja com a criança no colo fixado em minha direção, e tão rápido quanto me virei com olhar questionador, ela desviou seu olhar assustada. Preferi dar de ombros e seguir concentrado em meus pensamentos acerca de como poderia pôr minhas mãos no pirata se ele já tivesse sido capturado.
Uma hora depois eu descia da carruagem e avistava o ambiente verde do vilarejo de Alos evidenciado mesmo na escuridão da madrugada. Uma única taberna mantinha suas luzes acesas para receber viajantes, e mulheres vestidas com ainda menos roupas do que as que encontrei em Hibagan acenavam das portas e janelas, convidando os transeuntes a adentrarem o local. Disposto a descansar o suficiente para a jornada do dia seguinte estava prestes a seguir naquela direção quando uma mão frágil envolveu meu braço.
– Eu tenho informações sobre o Rosa Negra. – disse tão baixo que mal pude acreditar em meus ouvidos. Me virei e dei de cara com a mulher maltrapilha que ainda carregava a criança em seus braços.
– Do que está falando? – questionei com seriedade.
– Eu ouvi quando perguntou aos rapazes na carruagem. Eles não sabem de nada, mas eu sei, eu posso ajudar o senhor.
A olhei de cima a baixo, parcialmente intrigado com o que ela tinha a dizer, mas ainda assim extremamente cético por minha experiência com pessoas desesperadas, capazes de dizer e fazer qualquer coisa para adquirir o que desejam ou precisam.
– O que quer em troca? – perguntei, lhe dando alguma chance de se manifestar.
– Qualquer quantia para que eu possa alimentar meus filhos. – ela sussurrou timidamente novamente, os olhos lacrimejando. Assenti em concordância, aguardando pelo que ela tinha a dizer. – Ela abarcou em Hibagan há uma quinzena, estava procurando por recrutas para se juntarem à sua tripulação, pois havia perdido a maior parte em algum incidente.
– Hum? – a incitei a continuar.
– Meu marido é líder de um grupo de mercenários, ele os convenceu a segui-la, acredita que pode matá-la e assumir o navio como novo capitão assim que tiver chance.
– Segui-la? O que quer dizer com isso? – não pude deixar de notar que ela se referia ao capitão no feminino.
– Sim, para a surpresa de todos com quem ela conversou por aqui, se trava de uma mulher. Talvez por isso a alcunha de Rosa Negra, não sei. Mas sei o que vi, e o que vi foi uma mulher forte e imponente, ela se parecia muito com o senhor, principalmente os olhos límpidos e brilhantes como o mar. – finalizou com convicção e certo ar desnecessário de romantismo.
– O que te faz pensar que acredito em qualquer palavra que você disse? – perguntei já me desinteressando de sua história que parecia fantasiosa demais para ser verdade.
– Eu juro, senhor, juro que vi com meus próprios olhos. Aqui… – ela me entregou um pedaço de papel sujo e dobrado – O meu filho mais velho desenhou isso assim que eles partiram. Ele viu o quanto me encantei com a moça e me deu de presente para alegrar-me. Você precisa acreditar, senhor, veja… ela se parece muito com o senhor.
Desdobrei o papel com cuidado para que não se despedaçasse em minhas mãos e – para minha surpresa – encarei olhos frios e calculistas muito parecidos com aqueles que via sempre que olhava no espelho. Mas o que realmente chamou minha atenção foram os cabelos. Me forcei a lembrar da única vez que havia visto o ladrão de relance pelas costas quando ele fugia, e me recordava com exatidão das tranças voando contra o vento.
– Posso ficar com isso? – ela assentiu imediatamente com veemência – Você sabe para onde foram?
– Ela parecia com pressa e não quis ficar muito tempo em Amélhia por alguma razão. Deu a entender que faria uma pausa para abastecer seu navio no próximo Condado, então imagino que Endenya é seu destino, senhor.
Balancei a cabeça em concordância satisfeito com as informações inesperadas e tirei da bolsa de camurça que carregava dez moedas de ouro, as entregando à mulher que praticamente se ajoelhou ao chão e beijou meus pés em agradecimento. Ignorando suas gratidões, voltei a me mover até a taverna que chamara minha atenção minutos antes. Não fosse o fato de o trânsito de carruagens estar encerrado pelo resto da noite, teria voltado imediatamente para Hibagan e alcançaria meu navio antes do amanhecer, partindo imediatamente para Endenya. Mas se o que me restava era esperar, ao menos descansaria nesse tempo e me prepararia para mais uma viajem desconfortável e demorada pela manhã.
Apesar da tentativa de dormir e descansar ainda que minimamente para a viagem que teria, ela foi completamente frustrada por sonhos estranhos que me atordoaram noite afora. Tomei mais um gole do café que havia sido reposto em minha xícara e comi um pedaço de pão observando as pessoas que por ali estavam. Ainda era cedo, o sol não havia nascido e a maioria dos hóspedes deveriam estar dormindo, mas os poucos que se sentavam pelo cômodo pareciam estranhamente interessados em mim. Somente quando notei duas das concubinas sussurrando algo enquanto apontavam na direção da parede que finalmente notei o cartaz que ali havia.
Me levantei subitamente quase derrubando o café no processo e caminhei até o cartaz reparando com irritação que se tratava de um retrato meu com o título de ‘procura-se’ e uma recompensa de cem moedas de ouro. Estalando a língua em desaprovação, joguei algumas moedas sobre a mesa em que me sentava e saí dali o mais rápido possível, determinado a encontrar um modo de voltar para meu navio antes que pudesse chamar mais atenção.
Não demorou para encontrar o mesmo imbecil que havia me feito esperar na noite anterior, aguardando por pessoas para entrarem em sua carruagem enquanto fumava seu charuto. É claro que como parecia ser da vontade dos Deuses só havia ele disponível novamente. Me aproximei impaciente e olhei dentro do comboio percebendo que não havia ninguém ainda.
– Ahoy! Onde posso comprar um cavalo por essas bandas? – questionei o velho que se virou assustado em minha direção. Demorou alguns segundos para dizer qualquer coisa e eu estava prestes a repetir a pergunta achando que ele não funcionava bem dos ouvidos quando ele finalmente respondeu.
– Tem uma estalagem mais à frente, ao lado norte do vilarejo, logo após a praça central. – Assenti em agradecimento e iniciei o trajeto prestando atenção nas poucas pessoas que se locomoviam pelo local. Assim que cheguei à praça central notei um grupo de pelo menos dez soldados conversando. Merda!
Passei os olhos ao redor e encontrei o que precisava, um rapaz dormindo recostado na porta de uma taberna com um chapéu largo. Peguei o objeto com cuidado para não o acordar, embora pelo seu estado tudo indicava que a bebida fora a razão para a situação em que se encontrava. Ajustei o chapéu na cabeça e segui mantendo certa distância dos soldados rumo ao norte.
Não demorou para encontrar a estalagem mencionada pelo motorista da carruagem, mas não havia uma pessoa à vista de quem pudesse comprar um cavalo. Aguardei alguns minutos na porta sem sinal ou som vindo do local que se encontrava fechado. Decidi arranjar o cavalo por conta própria e dei a volta ao redor da propriedade logo encontrando o estábulo, onde um número considerável de cavalos se abrigavam. Abri a portinhola que mantinha o local fechado e adentrei o recinto sem a menor cerimônia, quanto mais rápido conseguisse o cavalo menor era a chance de ser reconhecido e capturado.
Passei pelo estábulo procurando por uma montaria saudável o suficiente e que não parecesse indomável. Ouvi um barulho de passos no chão atrás de mim, e assim que me virei para reconhecer o intruso que me atrapalhava, não deu tempo de reagir antes de sentir algo que parecia uma arma atingir minha têmpora e tudo ficou escuro de repente.
A primeira coisa que senti quando voltei aos meus sentidos foi a dor lancinante na cabeça. Demorei alguns segundos para entender que era resultado da coronhada inesperada recebida no estábulo, e somente então reparei que já não estava no mesmo lugar em que havia caído, me encontrava sentado em um chão de concreto. E ao tentar me mover, é claro que minhas mãos estavam amarradas atrás das minhas costas. Quando finalmente estava mais consciente da posição em que ocupava e o que havia acontecido, resolvi levantar minha cabeça e olhar ao redor, reparando em um homem vestido de maneira impecável com o que indicava ser o uniforme de capitão da marinha real. Logo atrás dele, seis outros soldados aguardavam solenemente.
– Ora, ora, se não é o Saqueador. – disse o homem com zombaria, esperando por alguma reação minha que não obteve. Era possível notar que ele parecia particularmente irritado, a veia saltando em sua testa deixando isso notável. Permaneci calado.
– Talvez… antes que eu te destrua… você possa me explicar o que faz um pirata vil de meia tigela como você arriscar o pouco de glória que obteve sequestrando uma donzela da nobreza. Um sonho de princesa, talvez? – questionou ainda com deboche, embora suas palavras não fizessem o menor sentido. Decidi manter o tratamento de silêncio. – Oh, não seja tímido, não é como se fosse sobrar algo da sua reputação após eu acabar com você.
De fato, o homem estava particularmente possesso como se eu tivesse roubado algo que lhe pertencia, suas ameaças deixavam isso bem claro. Ignorando sua presença vasculhei ao redor, procurando pelo que poderia ser alguma rota de saída, e me dando conta de que havia apenas a porta atrás dos soldados e o que parecia ser uma claraboia no teto. O resto do recinto era um misto de pilastras e colchões de ar, provavelmente o aposento destinado aos soldados menos importantes. Acredito que a minha completa desconsideração pelas falas do capitão o fez ficar ainda mais irritado, pois alguns segundos depois ele estava novamente à minha frente, dessa vez segurando meu cabelo e o puxando com raiva me forçando a olhar para ele.
– Onde está minha noiva? – questionou pausadamente em tom ameaçador.
Contive a vontade de cuspir em sua cara pelo insulto, mas com as mãos restritas não havia muito que pudesse fazer no momento. Olhei diretamente no fundo dos seus olhos esperando transmitir exatamente o quão ele se arrependeria por aquele ato no futuro.
– Espero que você não seja idiota o suficiente para achar que além de pirata sou alguma espécie de vidente, pois não sei quem você é e muito menos a sua noiva. – respondi acidamente recebendo um soco que já deveria ter sido esperado bem no meio do meu nariz, mas que ainda assim doeu colossalmente.
– Não se faça de estúpido, estou falando de , a única filha do Marquês de Erwin, tenho certeza de que até um pirata de merda como você sabe de quem estou falando.
A surpresa de ouvir aquele nome novamente sendo dito por outra pessoa foi tamanha que não pude conter a expressão em meu rosto, provavelmente deixando evidente para o Duque que eu sabia exatamente do que ele falava. Como eu havia sido estúpido o suficiente para não juntar as peças e entender o que estava acontecendo ali antes? seria como uma nora para a Rainha de Andoza, era óbvio que ela e seu afilhado – Duque de Andoza – próximo na linhagem de sucessão do trono, moveriam mundos e fundos para descobrir onde estava a jovem marquesa desaparecida, eles ainda não sabiam que ela estava se deteriorando em algum lugar no fundo do oceano. Um novo soco na cara me acordou dos meus devaneios sobre a garota, mas não doeu mais do que o aperto em meu coração ao lembrar de sua morte súbita.
– Esse olhar me diz o que eu já sabia, você sabe muito bem do que eu estou falando, seu calhorda! Onde está minha noiva? – seu rosto furioso estava próximo do meu novamente e suas mãos me puxavam pelo colarinho da camisa que eu vestia. Se meus braços estivessem libertos, ele já teria voado para o outro lado da sala.
– A sua noiva está morta. – respondi tentando aparentar impassível, embora o gosto amargo que senti ao dizer as palavras em voz alta quase me fez vomitar. O rosto do Duque perdeu a cor enquanto ele me encarava e imediatamente suas mãos me soltaram como se eu tivesse alguma praga contagiosa. Ele se afastou atordoado, sem saber o que dizer, e antes que eu pudesse dizer qualquer outra coisa ele saiu do cômodo, sendo acompanhado por seus soldados.
Assim que me vi sozinho, aproveitei para puxar a corda e testar o quão firme estava amarrada, notando que havia certo espaço para que eu pudesse ao menos me mover ainda que porcamente. Suspirei de frustração, pensando na melhor alternativa para sair daquela situação. Aquela altura, o Duque imaginava que eu havia sequestrado e matado sua noiva, e se ele moveu quase metade do exército da Rainha em sua busca, já podia imaginar qual seria meu fim assim que ele se recuperasse o suficiente da notícia abrupta. Era impressionante como uma garota tão jovem e sem a menor noção da beleza e charme que tinha foi capaz de causar tanto impacto em dois homens com alcunhas de indiferença e agressividade. Sim, era perceptível que o Duque sentia a mesma estranha obsessão por , a dor em seus olhos ao receber a notícia era familiar demais para não ser notada.
Balancei a cabeça me afastando dos pensamentos negativos, eles me levariam à um espiral de autopiedade que eu simplesmente não precisava. era coisa do passado, e eu precisava focar em meu presente e futuro, e o mais urgente era escapar dali assim que tivesse a menor oportunidade.
Nota da autora: Olá, meus amores! Achei que seria interessante fornecer um mapa para vocês acompanharem a jornada dessa galerinha. Então, aqui está!
Apertem os cintos que vem bastante novidade do universo SATS por aí. ♥
Continua
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Eu estou amando demaaais ver o crescimento da Dara como pessoa, ver ela se descobrindo em sua nova vida livre e tudo mais, mas não VEJO A HORA DELA SE ENCONTRAR COM O ARAN, não vou mentir ahahahahaha (pq como não é segredo pra ninguém sou cadelinha do Aran sim)
Amo o universo que você criou aqui (e nas prequels), Fe, você arrasa demais demais e parece que estou vivendo as aventuras junto com os personagens <3
Ahh Mariiiiiii <3 que bom te ver por aqui *-*
Ela é maravilhosa, né? Também amo ver ela descobrindo o próprio potencial e ainda tem muita coisa para ela viver e se desenvolver \o/
Eu vou confessar que também não vejo a hora dos dois se encontrarem rs
Aran faz todo mundo de cadelinha, acho que é um dom, porque eu também sou <3 kkkkkkk
Fico muito feliz que você esteja gostando desse universo (que é criado com tanto carinho) e aperte os cintos que ainda tem muitas aventuras pela frente *o*
obrigada pelos elogios, você é uma linda <3