Sob o Céu de Tóquio
PRIMEIRO CAPÍTULO
Os grandes fones em seus ouvidos o distraiam da correria e da barulheira da estação de Akihabara. Conhecida por ser cercada por lojas de eletrônicos, anime e mangá, a estação de Akihabara é um paraíso para os amantes da cultura pop japonesa.
Mesmo distraído pela música que tocava em seus ouvidos incessantemente, ele não deixou de nota-lá chegando.
ajeitou a alça da mochila no ombro, fingindo estar apenas aguardando o próximo trem. Na verdade, seus olhos discretos seguiam a garota que acabava de entrar na estação, com o olhar focado em algum ponto à frente. Ele a notara muitas vezes antes, a mesma garota com o cabelo escuro solto, quase sempre vestida com roupas confortáveis e um caderno em mãos. Ela parecia estar sempre pensando em algo distante, o que a fazia se destacar no meio da correria da estação.
Era a segunda vez naquela semana que a via por ali. Coincidência? Talvez. Mas, de alguma forma, ele começava a esperar esses encontros casuais. A presença dela era intrigante. Não era só por ser bonita, mas havia algo na maneira que ela se movia, na forma que franzia o cenho ao olhar o letreiro dos trens, como se estivesse decifrando um enigma que apenas ela conseguia ver.
Em silêncio, ele observava cada detalhe: o jeito que ela puxava a alça da bolsa quando o trem se aproximava, o olhar atento ao redor, como se procurasse alguém ou alguma coisa. não sabia por que, mas sentia que havia uma história ali, uma narrativa que ele desejava compreender.
***
Na manhã seguinte, ajeitou o cachecol ao redor do pescoço enquanto esperava o trem, o ar frio de Tóquio quase congelando a ponta de seus dedos. Ele olhou ao redor, como fizera nos últimos dias, quase sem perceber que a estava procurando. Mas, como sempre, ela não estava ali.
Era curioso. Ele a via com frequência à noite, quando voltava da faculdade, mas de manhã, nunca. A ausência dela fez com que ele começasse a se perguntar, intrigado, sobre como seria a rotina dela. Será que trabalhava em algum lugar próximo? Ou estudava, como ele? Que curso fazia? Talvez fosse daquelas pessoas que ficavam em casa durante o dia e saíam à noite, ou talvez tivesse uma rotina completamente oposta à dele.
imaginou qual seria o destino dela todas as noites quando se esbarravam, em quais pensamentos ela se perdia enquanto observava o letreiro das estações. Havia algo fascinante naquelas pequenas coincidências. Quanto mais ele pensava, mais desejava saber um pouco mais sobre aquela garota misteriosa que ele encontrava só ao anoitecer, como um sonho que desaparecia pela manhã.
passou o dia em sua rotina de sempre, mas com uma sensação de inquietação que não conseguia explicar. Suas aulas na universidade eram intensas, repletas de leituras e projetos, mas, entre um intervalo e outro, ele se pegava pensando na garota da estação. Enquanto tomava um café rápido no refeitório ou trocava algumas palavras com os colegas, sua mente sempre voltava para a pergunta que o incomodava desde a manhã: quem era ela?
Entre as atividades do dia, ele revisava anotações, assistia a palestras, e, em algum momento, foi até a biblioteca para buscar material para um ensaio. Cada momento preenchido pela rotina, mas ela permanecia lá, como um borrão constante no fundo de seus pensamentos. se surpreendia ao perceber que, mesmo sem nunca terem trocado uma palavra, ela tinha um lugar ali, na confusão de sua mente.
Quando o dia finalmente terminou e ele saiu da universidade, o céu já estava escurecendo, e o pensamento inevitável o atingiu: será que a encontraria na estação?
***
acordava cedo, pouco depois do amanhecer, para começar sua rotina. Ela dividia o apartamento com uma amiga, que geralmente já havia saído para o trabalho antes que ela tivesse sequer levantado. O silêncio da manhã lhe dava um raro momento de paz. Ela preparava um café forte, sentava-se na pequena mesa da cozinha, e organizava mentalmente as tarefas do dia: aulas na universidade, algumas horas de estágio em uma editora local, e, se sobrasse tempo, uma parada rápida na biblioteca.
Seu curso de literatura preenchia a maior parte de sua rotina. Na maioria das vezes, ela se perdia entre páginas e páginas de textos, tanto nos livros que lia para as aulas quanto nos manuscritos que revisava como estagiária. Havia uma beleza naquele trabalho minucioso e solitário que ela amava, uma espécie de tranquilidade que a fazia se sentir em casa, mesmo nas movimentadas ruas de Tóquio.
Quando o sol começava a se pôr e o expediente na editora terminava, aproveitava a viagem de trem de volta para relaxar, às vezes observando as luzes da cidade pela janela ou se perdendo em pensamentos. Era nesse horário que ela costumava ver aquele rapaz na estação, com os grandes fones sobre os ouvidos e um olhar que parecia perdido, mas atento. Ele era apenas uma face familiar em meio a tantas, mas, com o tempo, havia algo reconfortante em vê-lo ali.
E assim, entre o frenesi do dia e o silêncio da noite, seguia sua rotina, sem saber que sua presença estava despertando as mesmas questões que ela, às vezes, fazia sobre ele.
***
Naquela noite, aguardava o trem na estação de Akihabara como de costume, o fluxo de passageiros se movendo apressado ao seu redor. Ele tentava parecer distraído, mas estava atento, os olhos discretamente buscando entre as pessoas. E então, como se surgisse do meio das luzes da estação, ela apareceu.
estava ali, segurando a alça da bolsa com uma mão e o caderno com a outra. Seu olhar parecia perdido em pensamentos, até que, em um instante, seus olhos encontraram os dele. Foi um momento breve, um segundo suspenso no ar, mas que pareceu se alongar no tempo. Os dois pararam, presos em um silêncio cheio de palavras não ditas, uma troca de olhares carregada de um reconhecimento quase íntimo, como se já se conhecessem.
sentiu o coração acelerar, surpreso com a intensidade do olhar dela, que sustentou o dele com uma mistura de curiosidade e leveza. Havia algo ali, um entendimento silencioso, que nenhum dos dois ousava interromper. Ele quase sorriu, um reflexo inconsciente de se sentir notado, e viu o canto dos lábios dela se levantar, um sorriso tímido e sutil.
Mas antes que ele pudesse reagir, o trem dela chegou. desviou o olhar, e com um último aceno quase imperceptível, entrou no vagão. permaneceu ali, observando as portas se fecharem, com a sensação de que algo pequeno, mas importante, acabara de acontecer.
SEGUNDO CAPÍTULO
bufou alto ao tentar, pela milésima vez, conectar o fone de ouvido ao bluetooth do celular. Nada. Nenhum som, apenas o silêncio irritante de sua falha. Ela revirou os olhos, frustrada.
— Por que eu me esqueci de carregar justo hoje, com essa c
huva terrível? — murmurou para si mesma, guardando os fones inutilmente na bolsa. A tempestade lá fora parecia apenas piorar, as gotas grossas de chuva batendo com força contra os telhados e os vidros da estação. suspirou, ajustando o guarda-chuva molhado que segurava. A estação estava incomumente tranquila. Talvez fosse o barulho constante da chuva ou o clima pesado, mas algo parecia diferente naquela noite.
Ela olhou ao redor e percebeu que, ao contrário do habitual, a plataforma estava quase vazia. Geralmente, as noites eram um mar de pessoas correndo, falando, rindo ou apenas apressadas para pegar o último trem. Hoje, havia apenas algumas figuras dispersas, os sons abafados pelo rugido distante dos trovões.
“Será que os trens estão atrasados por causa da chuva?” Ela pensou, seu olhar automaticamente indo para o painel eletrônico. Nada de alarmante, mas a ansiedade típica começou a surgir. A chuva era torrencial o suficiente para causar atrasos, e a ideia de passar mais tempo ali a deixou inquieta.
se sentou em um dos bancos metálicos, cruzando os braços para afastar o frio que parecia penetrar até seus ossos. Seus olhos vagaram distraidamente pelo ambiente, até que, de repente, pararam em uma figura familiar.
Ele estava lá novamente. Os fones grandes sobre os ouvidos, a postura um tanto relaxada, e aquele jeito de quem parecia sempre absorto em um universo particular. A chuva fazia parecer que tudo ao redor estava em câmera lenta, e, por um instante, esqueceu sua irritação.
tentou desviar os olhos assim que percebeu quem ele era, mas não conseguiu. Havia algo nele que sempre prendia sua atenção, algo que ela ainda não conseguia explicar.
Ele parecia completamente alheio ao caos lá fora, perdido em seus próprios pensamentos ou talvez na música que ouvia nos fones enormes. A postura despreocupada contrastava com o ambiente pesado da estação. Enquanto todos pareciam ansiosos para escapar da chuva, ele estava ali, imóvel, como se tivesse todo o tempo do mundo.
Ela o observou com cuidado, sem querer ser notada. Ele tinha um jeito peculiar de carregar a mochila, uma alça pendurada no ombro enquanto a outra balançava livremente. As mãos estavam enfiadas nos bolsos do casaco, e ele mantinha o olhar fixo em algum ponto distante, como se o universo inteiro pudesse se resumir àquele momento.
“Ele sempre parece tão tranquilo…” pensou , mordendo de leve o lábio inferior. Uma curiosidade crescente começou a tomar conta dela. Quem ele era? O que ouvia nos fones que parecia transportá-lo para outro mundo? Ele era um estudante como ela ou trabalhava?
Seu olhar deslizou para o tênis dele, desgastado nas laterais, e para a forma como ele ajustava o pé no chão, batendo levemente a ponta no ritmo de algo que provavelmente tocava nos fones. Era um gesto tão pequeno, mas que, de alguma forma, ela achou fascinante.
“Por que estou tão interessada em alguém que nem sei o nome?” A pergunta ecoou em sua mente, mas ela não tinha uma resposta. Talvez fosse o mistério, a familiaridade estranha de vê-lo quase todos os dias na estação. Ou talvez fosse apenas o fato de que, em meio à multidão de rostos apressados de Tóquio, ele parecia diferente.
A chuva aumentou lá fora, e ela estremeceu ao ouvir o som de um trovão próximo. Ele, no entanto, não pareceu reagir, apenas continuou no mesmo lugar, como uma figura inabalável em meio à tempestade.
Sem perceber, deixou escapar um pequeno sorriso. Havia algo quase reconfortante em sua presença.
***
deu uma olhada no relógio do celular. O ponteiro já passava do horário habitual, o que o fez franzir levemente a testa. Aquele era o momento em que, geralmente, ela já estava ali, próxima à mesma extremidade da plataforma, esperando seu trem.
Com um movimento quase automático, seus olhos começaram a percorrer a estação. Apesar da chuva forte, não demorou muito para que ele a encontrasse.
Ela estava sentada em um dos bancos metálicos, com os braços cruzados e uma expressão que oscilava entre aborrecimento e distração. O cabelo, ligeiramente úmido nas pontas, dava a ela um ar casual que ele não sabia que achava tão cativante.
Sem perceber, fixou o olhar nela por tempo demais. E então aconteceu…
Como se sentisse sua atenção, ergueu a cabeça, e seus olhos se encontraram.
Por um instante, o barulho da chuva, o som abafado das conversas distantes e até o eco dos passos pela estação desapareceram. Era apenas o olhar dela preso ao dele, como se o tempo tivesse decidido parar ali, só para os dois.
não desviou imediatamente, e isso pegou de surpresa. Havia algo no olhar dela que parecia desafiador e curioso ao mesmo tempo, como se ela estivesse tentando decifrar os pensamentos dele.
Ele sentiu o coração acelerar, um nervosismo repentino o atingindo. A troca de olhares parecia durar mais do que deveria, como se os dois estivessem esperando quem desviaria primeiro.
Por fim, piscou, como se acordasse de um transe, e virou ligeiramente o rosto, mas não antes de deixar escapar um sorriso breve e tímido. , por sua vez, se pegou sorrindo de volta, sem pensar.
A chuva continuava a martelar os vidros da estação, mas, para ambos, aquele momento havia sido a verdadeira tempestade.
***
desviou o olhar rapidamente, voltando a encarar a plataforma à sua frente. O brilho dos trilhos molhados pela chuva refletia a luz fraca dos postes, criando um efeito hipnótico. Ele respirou fundo, tentando retomar o controle dos próprios pensamentos, mas o nervosismo insistente ainda estava ali, apertando seu peito de forma inesperada.
Ele esfregou a nuca com uma das mãos, um gesto inconsciente de desconforto, e então olhou para os telões suspensos acima da plataforma. Os anúncios rotativos estavam lá como sempre, mas agora o aviso de “atrasos devido às condições climáticas” piscava em vermelho vibrante, confirmando o que ele já imaginava.
“Ótimo. Como se essa noite já não fosse suficiente,” pensou, soltando um suspiro baixo. Seu olhar retornou ao painel eletrônico, como se checar os horários várias vezes pudesse magicamente fazer o trem chegar mais cedo.
No entanto, ele sabia que sua impaciência não era só sobre o atraso. Ele ainda sentia o peso daquele encontro visual. Cada vez que fechava os olhos por um segundo, parecia reviver a intensidade do olhar dela preso ao dele. A forma como ela não desviou de imediato, o pequeno sorriso… tudo isso ecoava em sua mente como um filme sendo reproduzido repetidamente.
deu mais um passo à frente, posicionando-se mais perto da borda da plataforma, mas mantendo uma distância segura. Seus olhos tentaram focar no escuro do túnel à frente, como se o trem pudesse surgir a qualquer momento para livrá-lo do turbilhão de pensamentos.
Ele respirou fundo novamente, os dedos tamborilando no cabo da mochila. O som abafado da chuva contra o telhado da estação continuava, trazendo consigo uma estranha mistura de calmaria e tensão.
Mas, mesmo enquanto tentava se concentrar na chegada do trem, ele sabia que seus pensamentos continuariam voltando para ela.
suspirou e se deixou cair no banco de metal, cruzando as pernas e tirando o celular do bolso. A tela se acendeu, e ela passou os olhos pelas notificações acumuladas. Nenhuma parecia interessante o suficiente para prender sua atenção, mas mesmo assim abriu um aplicativo qualquer, tentando, inutilmente, se distrair.
Enquanto o dedo deslizava pela tela, sua mente insistia em vagar. Não importava o quanto tentasse focar nos posts ou nas mensagens, sua atenção sempre acabava desviando para ele.
Sem levantar totalmente a cabeça, ela olhou por cima do celular. Ele ainda estava parado próximo à beira da plataforma, o olhar perdido, aparentemente fixo no túnel à frente. O jeito como ele mexia distraidamente no cabo da mochila chamou sua atenção, um movimento pequeno, mas que parecia carregar consigo uma ansiedade que ela reconhecia.
“Será que ele está tão impaciente quanto eu?” pensou, um sorriso mínimo surgindo em seus lábios antes de voltar o olhar para o celular, como se tivesse medo de ser pega no ato.
Do outro lado, também estava inquieto. Ele se forçava a olhar para o túnel, para os telões, para qualquer coisa que não fosse a garota no banco. Mas era inevitável. Quase como um ímã, seus olhos voltavam para ela, mesmo sem querer.
Ele percebeu que ela mexia no celular, o polegar deslizando distraído pela tela. O leve franzir de suas sobrancelhas e o jeito como mordia o canto do lábio inferior indicavam que ela estava incomodada com algo — ou talvez apenas entediada.
Então, como se pressentisse, ela ergueu o olhar novamente. Seus olhos se encontraram por um breve momento, e ele sentiu um arrepio percorrer sua espinha.
desviou rapidamente, mas não rápido o suficiente para esconder o leve rubor que subiu às suas bochechas. Ela voltou o foco para o celular, mas seu coração batia mais forte, e ela sabia que ele havia notado.
, por outro lado, sentiu uma onda de nervosismo misturada com curiosidade. Ele não sabia o que aquela troca de olhares significava, mas algo dentro dele dizia que talvez aquela noite fosse mais do que apenas um atraso nos trens.
E assim, entre olhares furtivos e silêncios compartilhados, a chuva continuava caindo do lado de fora, enquanto algo inexplicável parecia começar a surgir entre os dois.
***
Os telões acima da plataforma voltaram a piscar com uma nova atualização, e dessa vez a mensagem era clara: “Atrasos significativos devido à intensificação da chuva. Pedimos desculpas pelo transtorno.”
suspirou alto, fechando os olhos por um momento enquanto inclinava a cabeça para trás. Era o cúmulo da noite. Seus planos já estavam arruinados, e agora parecia que ficaria presa ali por tempo indeterminado. Seu estômago, que até então ela ignorava, começou a dar sinais de vida com um ronco discreto.
Ela guardou o celular no bolso e olhou ao redor. A estação estava vazia, mas algumas lojas ainda estavam abertas. “Pelo menos isso,” pensou, decidindo procurar algo para comer enquanto esperava o trem.
Do outro lado, também notava o aviso nos telões. Ele soltou um som abafado de frustração, coçando a nuca enquanto sentia seu estômago vazio começar a reclamar. A ideia de buscar algo para comer parecia uma boa distração enquanto o tempo passava, então ele seguiu para uma das pequenas lojas da estação.
Os dois caminharam em direções diferentes, mas acabaram escolhendo a mesma loja, uma pequena cafeteria que ainda mantinha as luzes acesas apesar do horário.
Quando entrou, notou que não estava sozinha. já estava parado no balcão, examinando as opções no menu iluminado acima do caixa. Ela hesitou por um segundo, mas a fome falou mais alto. Com passos cuidadosos, posicionou-se ao lado dele, tentando ignorar a estranha coincidência.
O atendente, um jovem com um avental azul, perguntou primeiro a o que ele gostaria de pedir. Antes mesmo de ele terminar de responder, sentiu um movimento ao seu lado e, quando olhou, viu ali, tão próxima que ele pôde notar os pequenos detalhes — os cílios longos, o brilho leve do cabelo ainda úmido, e o jeito como ela segurava a bolsa com força contra o corpo.
Por um segundo, ele esqueceu completamente o que estava pedindo.
, percebendo o olhar dele, se virou lentamente, encontrando os olhos de mais uma vez. A surpresa estava estampada nos rostos de ambos, mas, dessa vez, havia também um toque de diversão no canto dos lábios dela, como se estivesse prestes a rir da situação.
— Você de novo… — ela murmurou, mais para si mesma do que para ele, mas alto o suficiente para que ouvisse.
Ele piscou, um pouco sem jeito, e abriu um sorriso contido.
— Parece que sim… — respondeu, a voz baixa, mas carregada de um tom amigável.
Ambos ficaram em silêncio por um momento, até que o atendente chamou novamente, trazendo-o de volta à realidade. Ele completou o pedido rapidamente, ainda sentindo o peso da presença dela ao seu lado.
Quando foi a vez de fazer o pedido, ela lançou um último olhar para ele antes de se virar para o atendente, notando que ainda havia um leve sorriso nos lábios de enquanto ele se afastava para esperar seu pedido.
Era uma coincidência, mas, ao mesmo tempo, não parecia ser apenas isso.
***
se afastou do balcão com o número do pedido em mãos, encostando-se na parede próxima. Ele enfiou as mãos nos bolsos da calça, tentando aparentar casualidade enquanto esperava. Mas sua atenção, mesmo sem querer, era constantemente puxada para a figura de , que agora estava parada um pouco mais à frente, segurando seu próprio número de pedido também.
Ela parecia nervosa. A forma como mexia na alça da bolsa, passando-a de um ombro para o outro, e o jeito como seu olhar vagava pela cafeteria sem nunca realmente se fixar em nada denunciavam sua inquietação.
notou o leve rubor nas bochechas dela, e isso o fez sorrir involuntariamente. Era um contraste interessante com a imagem segura que ela parecia carregar antes, enquanto mexia no celular ou sentava-se na plataforma.
Ele tentou não encará-la descaradamente, desviando o olhar sempre que ela parecia se virar na direção dele, mas não conseguia evitar espiar de tempos em tempos. Algo nele estava intrigado por ela — pelo jeito como parecia tão próxima e, ao mesmo tempo, inalcançável.
Já sentia como se estivesse sendo observada, embora evitasse confirmar isso olhando diretamente para ele. Seu coração ainda batia rápido, e ela odiava como parecia óbvio que estava sem jeito.
“Por que ele ainda está aqui?” pensou, mordendo o canto do lábio enquanto fingia ler um cartaz na parede. Ela sabia que era uma pergunta tola — afinal, ele também estava esperando o pedido. Mas, mesmo assim, o simples fato de que ele ainda estava ali, tão próximo, a deixava estranhamente consciente de cada movimento que fazia.
Um pequeno ruído de pratos vindo da cozinha a trouxe de volta ao presente, e ela deu um passo para o lado, ajustando a bolsa novamente. No entanto, ao fazer isso, acabou lançando um olhar rápido na direção dele — e foi o suficiente para que seus olhos se encontrassem mais uma vez.
Dessa vez, não desviou. Seu sorriso foi discreto, quase imperceptível, mas estava lá. E, apesar de sua vergonha, sentiu os cantos dos lábios se curvarem minimamente em resposta antes de voltar o olhar para o chão, fingindo interesse no azulejo abaixo de seus pés.
***
— Pedido 32 — Chamou o atendente, levantando uma bandeja com um sanduíche e uma bebida quente.
ergueu a mão ligeiramente, caminhando até o balcão para pegar o pedido. Ele agradeceu educadamente e olhou ao redor, notando que o pequeno local estava quase vazio. Escolheu uma mesa próxima à parede, onde poderia observar o movimento da chuva pelas janelas, mas não muito distante da entrada.
Ele se sentou, ajustou a bandeja na mesa e abriu a tampa do copo para soprar o vapor que subia da bebida quente. Seus olhos, porém, voltaram automaticamente para o balcão, onde ainda esperava pelo pedido.
— Pedido 33… — O atendente anunciou pouco depois.
pegou sua bandeja e olhou ao redor. Seus olhos pousaram em quase no mesmo instante, e ela percebeu que ele também estava olhando para ela. Ele desviou rapidamente, fingindo concentrar-se em mexer na bebida, mas a troca de olhares foi o suficiente para acelerar o coração dela.
Havia várias mesas vazias no pequeno espaço. Ela poderia facilmente escolher qualquer uma longe o suficiente para evitar mais constrangimentos. Era o lógico a se fazer. Mas, ao mesmo tempo, havia algo que a puxava na direção dele.
Ela apertou a alça da bolsa, mordendo o lábio enquanto ponderava. Sentar-se com ele não fazia sentido nenhum — eles eram completos estranhos, apenas duas pessoas que se esbarravam frequentemente na estação. Mesmo assim, a ideia de se sentar sozinha parecia… errada.
“Você está sendo ridícula,” pensou, mas, ao mesmo tempo, seus pés hesitavam em mover-se para outro lugar. A ideia de ignorar completamente aquele momento parecia quase como desperdiçar uma oportunidade que ela nem sabia explicar.
, sentindo a hesitação dela, levantou o olhar mais uma vez, e seus olhos se encontraram de novo. Desta vez, ele não tentou disfarçar. Ele apenas a observou, com uma expressão calma, quase como se estivesse esperando para ver o que ela faria.
O que faria agora?
TERCEIRO CAPÍTULO
sentiu a respiração falhar e então quase como se estivesse sendo movida por alguma força invisível, ela colocou a bandeja sobre a mesa onde estava e então puxou a cadeira que estava à seu lado e sentou-se.
As mãos dela suavam levemente de nervosismo e nem ela havia entendido aquele impulso.
Assim que se sentou, percebeu a intensidade do momento. Seus olhos encontraram os de diretamente, e, por um breve instante, nenhum dos dois desviou. Era como se aquele olhar dissesse tudo o que as palavras não conseguiam naquele momento — surpresa, curiosidade, hesitação e, acima de tudo, uma conexão silenciosa.
O tempo pareceu se estender, mas, eventualmente, abaixou o olhar, focando na bandeja à sua frente. Seus dedos ainda estavam um pouco trêmulos quando ela pegou o copo com ambas as mãos, tentando esconder o nervosismo.
, por outro lado, permaneceu observando-a por mais alguns segundos antes de finalmente pegar seu próprio sanduíche. Ele não disse nada, apenas desviou o olhar casualmente para a janela, como se tentasse tornar a situação menos estranha.
E então, sem que combinassem, começaram a comer em silêncio.
O único som entre eles era o leve tilintar dos copos ao serem colocados de volta na mesa e o murmúrio distante da chuva lá fora. Nenhum dos dois sabia exatamente o que dizer, mas, de alguma forma, o silêncio não parecia sufocante. Era diferente.
, ainda sem entender completamente o porquê de estar ali, brincava com o guardanapo entre os dedos, enquanto mordia distraidamente o sanduíche. De vez em quando, seus olhos se erguiam, apenas para flagrar fazendo o mesmo — observando-a em silêncio antes de rapidamente desviar o olhar de volta para a comida.
Era estranho. Mas, ao mesmo tempo, parecia certo.
E assim, sem nenhuma palavra trocada, apenas compartilhando um espaço, uma refeição e uma presença, eles ficaram ali.
Juntos.
O coração de batia apressadamente dentro do peito enquanto ele tentava fingir uma normalidade que ele sabia não existir. Era a primeira vez que os dois ficavam tão perto assim, frente a frente. Ele se permitiu observá-la melhor enquanto ela comia e desviava os olhos dele sempre que eles se encontravam. também, não queria parecer um maníaco.
tentou manter o olhar casual, como se estivesse apenas perdido em pensamentos enquanto comia, mas a verdade era que ele não conseguia ignorá-la.
Agora que estavam tão próximos, ele podia observar melhor os detalhes do rosto de . Seus olhos tinham um brilho sutil sob a iluminação suave da pequena cafeteria, e, mesmo enquanto desviavam dele repetidamente, carregavam algo cativante — uma mistura de hesitação e curiosidade.
Ele notou como os cílios dela tremiam levemente sempre que abaixava o olhar, como se tentasse se concentrar na refeição, mas fosse incapaz de ignorar completamente sua presença. As bochechas dela tinham um leve tom corado, talvez pelo frio lá fora ou pelo desconforto da situação inesperada. E seus lábios, levemente úmidos pelo café quente que ela acabara de beber, moviam-se de forma hesitante antes de cada mordida no sanduíche.
Era engraçado. Eles já haviam se visto tantas vezes, esbarrado na estação, trocado olhares rápidos entre um vagão e outro. Mas ali, sob aquela luz mais intimista e sem a pressa do metrô, ela parecia diferente. Mais real. Mais bonita.
Ele sentiu o coração bater mais rápido ao se dar conta disso.
Sem perceber, seus olhos baixaram para as mãos dela, que brincavam com o guardanapo dobrado, uma clara demonstração de nervosismo. Por algum motivo, aquilo fez esboçar um sorriso discreto.
Ela estava tão nervosa quanto ele.
Isso o fez relaxar um pouco, embora ainda não tivesse ideia do que dizer.
Ele poderia simplesmente quebrar o silêncio agora. Fazer um comentário qualquer sobre a chuva, sobre o atraso dos trens, sobre o fato de que, por alguma razão, os dois estavam ali, dividindo uma refeição sem nem ao menos se conhecerem.
Mas, por algum motivo, ele hesitou.
E então, como se atraído por uma força invisível, ele a olhou novamente. E dessa vez, não desviou.
***
— O seu trem também vai atrasar por causa da tempestade? — a voz de saiu baixa, quase sussurrada e ela teve medo que ele nem tivesse ouvido.
Nem ela sabia mais uma vez de onde havia saído aquela coragem. Heesegung pigarreou, parecendo pego de surpresa pela interação repentina e quis que um buraco se abrisse debaixo de sua cadeira.
piscou algumas vezes, processando o fato de que, depois de tantas trocas de olhares silenciosas, ela havia finalmente falado com ele.
A voz de era mais suave e fina do que ele imaginava, mas, ao mesmo tempo, tinha um certo peso que ele não esperava. Por algum motivo, ele pensava que seria um pouco mais grave, talvez porque sempre a via séria, com fones enormes nos ouvidos e um olhar distante. Mas ali, naquele tom baixo e hesitante, havia algo diferente. Algo que fez o coração dele bater mais forte.
Ele pigarreou, ajeitando-se sutilmente na cadeira, como se estivesse tentando se recompor antes de responder.
— Hm… sim — ele finalmente disse, a voz saindo um pouco mais rouca do que pretendia. — Parece que vai demorar mais do que esperávamos.
olhou para o telão novamente, como se precisasse confirmar a informação, mas, na verdade, estava apenas tentando se distrair da súbita consciência de que eles estavam, de fato, conversando.
Quando voltou a encará-la, assentiu de leve e baixou os olhos para sua xícara de café, brincando com a alça do copo. Ela parecia tão incerta quanto ele.
Por um instante, considerou dizer mais alguma coisa, puxar outro assunto, tentar prolongar aquele momento de interação. Mas, ao mesmo tempo, ele se perguntava se deveria.
Então, sem perceber, ele fez algo que nunca tinha feito antes: sorriu de leve.
Nada grande, nada óbvio. Apenas um pequeno sorriso, quase imperceptível, mas que estava lá.
E quando finalmente levantou os olhos e o viu, ela pareceu prender a respiração por um segundo.
— Eu gosto de chuvas, mas tempestades assim podem ser assustadoras, não é?
Assim que as palavras saíram de sua boca, arregalou os olhos, surpresa com o próprio comentário.
Ela nem tinha pensado antes de falar. Apenas abriu a boca e disse.
Como se aquele pensamento, que deveria ter ficado dentro da sua mente, tivesse simplesmente escapado por vontade própria.
Seu coração acelerou, e ela quis se encolher no lugar. Por que ela disse aquilo? Era uma frase tão aleatória, tão sem contexto, que de repente pareceu ridículo.
Se tivesse como voltar no tempo, ela definitivamente se impediria de falar qualquer coisa.
Por reflexo, abaixou a cabeça e apertou um pouco mais a alça da xícara entre os dedos. Seu rosto esquentou, e ela sentiu uma vontade absurda de fingir que nada aconteceu.
Mas , ao contrário do que ela temia, não pareceu achar estranho.
Ele a observou por um momento, reparando no jeito como ela agora evitava encará-lo.
Foi aí que percebeu algo curioso: ela parecia ser impulsiva quando estava nervosa.
Assim como ele.
E, por alguma razão, aquilo o fez relaxar um pouco.
— Sim… — ele finalmente respondeu, olhando para a grande janela do estabelecimento, onde a chuva castigava as ruas com violência. — Tempestades são imprevisíveis. Acho que esse é o problema.
Ele virou o rosto para encará-la novamente e, dessa vez, o olhou de volta, meio hesitante.
— Mas, às vezes, até coisas assustadoras podem ter seu lado bom.
Ela franziu ligeiramente a testa, como se ponderasse o que ele quis dizer com aquilo.
não explicou.
Apenas voltou a beber seu café, como se não tivesse acabado de falar algo que, ironicamente, também tinha saído mais como um pensamento em voz alta do que como uma resposta ensaiada.
E, pela primeira vez desde que aquela noite começou, sentiu os cantos dos lábios ameaçarem se curvar em um sorriso.
***
Os dois voltaram a ficar em silêncio, e ao terminarem suas refeições, voltaram a se encarar. umedeceu os lábios e acompanhpu discretamente o movimento com os olhos, reparando no quanto a boca dela era bonita: os lábios levemente carnudos e pequenos, convidativos… Eles se pareciam com pétalas de cerejeira no início da primavera, delicadas e sutis, mas capazes de chamar atenção sem qualquer esforço.
Ou talvez fossem como um doce tradicional, daqueles que derretem na boca e deixam um gosto viciante para quem prova.
piscou, afastando o pensamento antes que ele pudesse ir longe demais.
Mas, ainda assim, não conseguiu evitar que seus olhos permanecessem ali por mais um instante, preso na ideia de como seria sentir aqueles lábios de perto.
Sentindo que era a vez dele puxar algum assunto, resolveu perguntar mais diretamente:
— Está voltando do trabalho? — foi a vez dele brincar com o guardanapo, mas sem deixar de olhar para ela.
assentiu que sim e ajeitou uma mecha de cabelo atrás da orelha.
— Sim. E eu estou tentando ir para a faculdade, mas acho que não vou conseguir chegar a tempo. Isso se as aulas não forem canceladas.
— Provavelmente, a tempestade parece não ter hora para passar.
Os segundos em que se encararam pareceram mais longos do que realmente eram. Havia algo intrigante no silêncio entre os dois, como se ambos estivessem esperando que o outro dissesse algo a mais.
foi a primeira a se mover, desviando os olhos e soltando um suspiro baixo antes de pegar sua bandeja. observou o gesto, sentindo um pequeno desconforto no peito que ele não soube explicar de imediato.
Quase como um reflexo, ele também pegou sua própria bandeja, acompanhando o movimento dela.
Quando se aproximaram da área de descarte, seus ombros quase se tocaram. Por um instante, sentiu o perfume suave dela misturar-se ao cheiro de café e chuva que impregnava o ambiente.
E então, sem que nenhum dos dois soubesse o que fazer a seguir, ficaram ali, lado a lado, enquanto a tempestade continuava rugindo lá fora.
— Eu me chamo … — ela estendeu a mão levemente na direção dele, ainda com medo da reação dele.
observou a mão dela erguida de forma tímida em sua direção e ele, engolindo seco de nervosismo, ergueu a sua também e encostou na dela.
— .
Os dedos de eram finos e frios, provavelmente por causa do vento úmido que vinha da rua. O toque foi breve, mas sentiu um leve arrepio subir por sua nuca, como se a pele dela tivesse deixado um rastro invisível sobre a sua.
Para , a mão dele era quente, contrastando com a sua própria. O toque firme, mas hesitante, fez um nó de ansiedade se formar em seu estômago. Não era nada demais, apenas um cumprimento, mas a simples sensação da pele de contra a sua fez seu coração dar um salto estranho dentro do peito.
Quando soltaram as mãos, ambos pareceram respirar ao mesmo tempo, como se tivessem prendido o ar sem perceber.
E, por um instante, foi como se o barulho da tempestade e da estação ao redor tivesse desaparecido completamente.
Os dois continuaram se encarando profundamente durante mais alguns segundos, até que alguém querendo usar a lixeira também, acabou pigarreando e então, como se tirados de um transe, eles se moveram juntos, voltando para a mesa onde antes estavam sentados.
Ambos recolheram suas mochilas, colocando-as nas costas, e juntos, lado a lado, saíram da cafeteria, encarando o caos que a estação havia se transformado enquanto tomavam seus cafés.
A estação, antes relativamente tranquila, agora estava um completo caos. A multidão crescia a cada minuto, com passageiros frustrados tentando se proteger da chuva torrencial que batia contra a entrada principal. Algumas rajadas de vento faziam com que gotas invadissem o interior da estação, encharcando partes do piso e obrigando as pessoas a se aglomerarem nos poucos espaços secos.
Anúncios constantes ecoavam pelos alto-falantes, informando novos atrasos e cancelamentos, enquanto algumas telas piscavam, sobrecarregadas com atualizações. O som da chuva forte misturava-se ao burburinho de conversas impacientes e ao farfalhar de guarda-chuvas sendo fechados e sacudidos.
Perto das plataformas, algumas pessoas sentavam-se no chão, resignadas à espera, enquanto outras tentavam, sem sucesso, conseguir informações com funcionários sobre quando poderiam seguir viagem.
e trocaram um olhar antes de voltarem a observar a movimentação intensa ao redor. O calor do momento entre eles havia sido substituído pelo frio do ambiente úmido e pelo peso da realidade. Eles estavam presos ali, sem previsão de saída.
estava absorvendo o caos ao seu redor quando sentiu algo quente envolver sua mão. Seu coração deu um salto quando percebeu que era .
Sem dizer uma palavra, ele a puxou delicadamente, guiando-a por entre a multidão. O toque não era forte o suficiente para ser considerado urgente, mas também não era fraco o bastante para dar espaço a hesitações. Era seguro, decidido.
Ela deixou que ele a conduzisse, desviando das pessoas apressadas, das poças d’água espalhadas pelo chão e dos olhares curiosos. A chuva batia com força contra os vidros da estação, e o ar abafado carregava o cheiro de umidade e café recém-passado.
Aos poucos, os sons ensurdecedores da estação pareciam se afastar, substituídos por um silêncio quase confortável. só parou quando encontrou um canto mais tranquilo, próximo a uma das janelas grandes, onde o movimento era menor.
Soltando a mão dela devagar, ele se virou, como se tentasse confirmar que aquele era um lugar melhor para esperarem. Mas nem se importava com isso agora. Tudo o que conseguia pensar era no calor que ainda sentia na palma da mão.
— Um pouquinho longe do caos… você é coreana? Tem um sotaque…
Ele fez um gesto como se aquela observação fosse só alguma nota casual, não queria parecer que estava reparando em tudo sobre ela. Mas deixou um sorriso escapar quando percebeu que ele havia reparado em um detalhe que poderia ter passado despercebido por qualquer outra pessoa.
— Sou de Seul, mas moro aqui no Japão há cerca de três anos. E você? Também parece ser coreano, pelo nome.
deslizou as alças da mochila para fora dos ombros com um movimento leve, sentindo o peso aliviar. Com cuidado, abaixou-se um pouco e a colocou no chão, bem ao lado de seus pés, garantindo que ficasse próxima o suficiente para não atrapalhar ninguém que passasse por ali.
Ao se endireitar, ajeitou rapidamente a barra da blusa e voltou a encará-lo, esperando sua resposta.
— Eu sou de Daegu e já moro aqui há algum tempo. Engraçado, não é? Dois coreanos se cruzando todos os dias em um país estrangeiro, sem nunca terem trocado uma palavra até agora…
encarou os olhos escuros dele que pareciam brilhar com algo que ela não conseguiu nomear muito bem, e as palavras dele lhe tocaram profundamente, tanto que seu coração voltou a saltar dentro do peito.
— Curioso, para dizer no mínimo. E porque o Japão?
Ela cruzou os braços abaixo do peito, genuinamente curiosa e ainda sem acreditar que finalmente os dois estavam conversando.
passou a mão pela nuca, como se organizasse os pensamentos antes de responder.
— Sempre fui fascinado pela cultura japonesa, sabe? Desde criança, eu assistia animes e lia mangás, mas com o tempo, meu interesse foi crescendo. Comecei a estudar o idioma, aprender mais sobre a história e os costumes… Então, quando surgiu a oportunidade de estudar e trabalhar aqui, eu não pensei duas vezes.
Ele soltou um pequeno riso, como se lembrasse de algo.
— Meu plano inicial era ficar só por um tempo, mas acabei gostando mais do que imaginava. E você? O que te trouxe para cá?
sorriu de leve ao ouvir a explicação dele.
— No meu caso, foi um pouco diferente. Eu sempre quis sair da Coreia, buscar algo novo, ser independente de verdade. Então, quando surgiu a oportunidade de estudar aqui, eu simplesmente fiz as malas e vim.
Ela fez uma breve pausa, olhando para o chão como se refletisse sobre suas próprias palavras antes de voltar a encará-lo.
— No começo, foi assustador, claro. Estar sozinha em um país diferente, sem família por perto… Mas depois, percebi que era exatamente disso que eu precisava. Construir minha própria vida, fazer minhas escolhas sem depender de ninguém.
Um pequeno sorriso surgiu em seus lábios, quase nostálgico.
— E agora, estou terminando minha graduação em Literatura. No começo, parecia loucura deixar tudo para trás e recomeçar em um país diferente, mas, olhando para trás, acho que foi a melhor decisão que já tomei. Aqui, pude realmente me encontrar, descobrir o que quero para o meu futuro sem a sombra das expectativas da minha família.
voltou a arregalar os olhos. Porque ela estava se abrindo e despejando aquilo tudo para um estranho? Aliás, porque ela sentia que não parecia um estranho?
— Desculpe. — Ela levou uma das mãos aos lábios, cobrindo-os.
riu baixinho, achando-a graciosa sem nem se dar conta. Havia algo genuíno na maneira como ela se expressava, como se cada palavra fosse carregada de verdade.
— Pelo quê? — ele inclinou levemente a cabeça, os olhos curiosos e divertidos. — Estou adorando.
— Eu não costumo ser tão falante assim, não sei o que me deu.
balançou a cabeça, como se estivesse repreendendo a si mesma e voltou a assegurar que estava tudo bem.
— Nós dois estamos presos aqui, a chuva lá fora não para, então eu não vejo problema nenhum em nos conhecermos melhor. Se te faz ficar mais confortável, eu também estou me graduando, mas em Engenharia da Computação, pela Universidade de Tóquio. E também tive que aprender a me virar sozinho, mesmo achando que seria impossível. Eu estou muito feliz aqui em Tóquio.
deixou um sorriso sincero escapar dos lábios enquanto repetia o mesmo gesto dela de deslizar as alças da mochila para fora dos ombros colocando-a no chão.
— Me mudando para cá eu descobri que não gosto só de tecnologia, sabe? Aqui tudo é tão bonito e urbano que acabei me tornando fotógrafo amador.
ficou visivelmente surpresa, os olhos brilhando com o que ele dizia. Ela soltou um pequeno “uau”, admirada.
— Isso é incrível! Eu sempre achei fascinante como as pessoas conseguem transformar coisas do cotidiano em arte. Eu, por exemplo, adoro escrever. Não sou uma grande autora, mas gosto de escrever contos e reflexões. É o meu jeito de organizar os pensamentos, sabe? Às vezes, uma história acaba saindo do nada e eu me perco nas palavras.
Ela sorriu timidamente, um pouco envergonhada com a sinceridade.
Foi quando um estrondo pode ser ouvido, reverberando por toda a estação — um trovão que fez com que as pessoas se assustassem tamanha intensidade. As luzes da estação vacilaram e em poucos segundos basicamente todas elas se apagaram, seguidas de um novo estrondo, que fez se assustar.
O som do trovão fez o coração de disparar, e sem pensar, ele estendeu a mão em direção a . O ambiente escureceu rapidamente, e a única luz que restava era a intermitente das lanternas de emergência, deixando tudo ainda mais tenso. Ele a encontrou no escuro, tocando levemente sua mão antes de puxá-la pela cintura, trazendo-a para mais perto de si. O movimento foi instintivo, uma reação ao medo crescente com o estrondo e o aumento da chuva.
ficou surpresa com o gesto, mas antes que pudesse protestar ou reagir, sentiu seu corpo quase automaticamente se encostar ao dele, as mãos dele firmes ao redor de sua cintura. O som da tempestade, agora mais forte e ensurdecedor, preenchia o espaço. Eles estavam próximos o suficiente para que ela pudesse sentir a respiração dele acelerada.
Ele olhou para ela, uma expressão de preocupação estampada no rosto, mas também algo mais. Algo que ela não conseguia definir. O pânico da situação parecia ter levado a uma nova proximidade entre os dois, como se, por um momento, o mundo lá fora estivesse completamente fora de controle.
— Meu Deus! — ele a ouviu dizer — E agora?
— Eles devem ter geradores de energia, já já a luz deve voltar. — intensificou o aperto na cintura dela conforme o barulho ao redor deles aumentava.
As pessoas começavam a ligar as lanternas de seus celulares e tudo parecia ainda mais caótico do que quando eles saíram da cafeteria.
observou a curva do pescoço de , que estava bem próxima de seu rosto, e então acabou envolvendo a cintura dele com suas mãos também, permitindo-se aconchegar no corpo dele.
O calor do corpo de contra o dela era reconfortante em meio ao caos ao redor. A chuva parecia não dar trégua, e o som do vento contra as paredes da estação fazia com que tudo ao redor se tornasse ainda mais distante. fechou os olhos por um instante, tentando se concentrar na presença dele, no toque firme que ainda a envolvia. Algo ali estava diferente — mais intenso, mais próximo.
Ele a segurava como se quisesse protegê-la do mundo lá fora, e, por mais que ela tentasse não se deixar levar, o conforto daquela proximidade estava começando a ultrapassar qualquer barreira que ela costumava colocar entre si e os outros. Sua respiração se acalmou aos poucos, enquanto ela sentia a batida do coração de perto de sua orelha, como se ambos tivessem se desconectado do mundo real por aquele breve momento.
— Vai ficar tudo bem — ele sussurrou, a voz suave contra o ouvido dela.
não respondeu, mas seu corpo, ainda colado ao dele, parecia entender aquilo como um consolo. O mundo podia estar virado de cabeça para baixo, mas por ali, sob a chuva e o caos, ela sentia que, por algum motivo, tudo ia se ajeitar.
As luzes piscaram mais uma vez, e logo as lâmpadas voltaram, fracas, mas funcionando. As pessoas começaram a se dispersar, voltando à normalidade, mas para e , o que acontecia ali entre eles parecia ser algo só deles.
Finalmente, ela se afastou um pouco, o corpo de ainda perto do seu. Os olhares dos dois se encontraram por um segundo. Não havia mais palavras a serem ditas, pois o que eles sentiam parecia ir além da necessidade de explicações.
E com a chuva lá fora e o trem ainda longe, eles permaneceram ali, quietos, compartilhando um silêncio que os conectava de uma maneira única, enquanto o resto do mundo seguia. Ambos, lado a lado, e o caos da estação já não parecia tão importante assim.
Acontecer umas coincidências assim comigo não quer acontecer, né? u.u AHAHHAHA
Mas esses dois ficaram tão fofinhos nesse terceiro capítulo <3
Como essa relação vai se desenvolver a partir de agora?
JAIJAIJAIS Ai Lelen, eu queria que quase tudo que eu escrevo acontecesse na vida real ):
Os dois são tchutchucos demais <3