Sk8er Boi
Parque Do Oeste, 2012.
Josh inspirava profundamente, prendendo o ar por bastante tempo até solta-lo, em uma tentativa de se acalmar. As brigas em casa eram frustrantes e cansativas, o fazendo passar a maior parte de seus dias perambulando e fumando por lugares vazios. Ao lembrar das palavras proferidas pelos seus responsáveis sobre sua carreira, jogou o mais longe possível o cigarro, e xingou até a décima geração do seu criador, já que foi buscar a mísera nicotina para poder jogá-la no lixo. O garoto parou em uma barraca próxima e se presenteou com um milkshake de morango enquanto observava as folhas de outono caindo com o vento gélido, e mal percebeu que seu celular apitava. Checou as mensagens e viu que os seus amigos estavam combinando um ensaio para mais tarde nos fundos da escola. O mais legal de fazer parte de uma banda que tem o filho do diretor como baterista, é sempre ter um espaço fixo para tocar, e o melhor, sem ter perturbações externas querendo se intrometer. Um alívio percorreu seu corpo ao começar a caminhar, e logo menos, movia-se com skate pelo longo trajeto. Após algumas buzinas, pessoas quase atropeladas e mais um cigarro, o garoto adentrou o prédio, indo ao encontro dos demais, sem imaginar que teriam mais companhias do que o normal. Para sua surpresa, a equipe de líder de torcida tinha ensaio, e para a irritação, o mascote do time batia incessantemente o enorme tambor, atrapalhando a concentração da banda.
Cerca de trinta minutos havia corrido e a disputa por quem fazia o barulho mais alto tinha cessado graças ao diretor que interviu, ameaçando-os a os mandarem de volta para casa e suspender os treinos durante o restante da semana. Não é preciso dizer que o mais velho acarretou vários resmungos, mas o homem apenas se limitou a voltar a beber seu suco e dar as costas para os alunos. Depois de duas horas, ambos os lados conseguiram terminar seus respectivos ensaios de maneira respeitosa e tranquila, pois não gostariam de levar suspensões e tomar sermão de seus parentes. Mesmo com a irritação, todos se juntaram no canto da quadra e ficaram conversando, afinal, não tinham nada melhor para se fazer, e por que não jogar algo com as duas equipes?
Lincoln, Max, Lindsey e Gabriela foram buscar bebidas que solicitaram ao irmão mais velho de Gabi, enquanto os que sobraram batiam papo e fumavam, já que o diretor teria uma reunião e só apareceria novamente em três horas. Não tardou para que o quarteto voltasse com algumas garrafas, e ao dividirem, os grupos iniciaram mais uma vez os assuntos aleatórios interrompidos.
Josh se levantou da rodinha e foi buscar um pouco mais de álcool, e ao tocar a garrafa, sentiu sua mão se esbarrando com a de alguém. Se prontificou em pedir desculpas, mas, ao observar a silhueta a sua frente, sua mente travou.
Alicia Candece era a capitã do time de torcida e uma das melhores bailarinas do colégio, além de ter um cabelo volumoso, olhos em um tom de mel cintilante e um aroma de flores bem agradável. Ao contrário de suas amigas, ela era mais simpática, então era fácil tirar alguma dúvida ou iniciar uma conversa, e Parker curtia isso. Desde o final do segundo ano ele tinha uma queda pela Alicia, nada tão profundo, porém o suficiente que o fizesse ficar um tanto sem fala, e toda vez que tentava chama-la para sair, travava ou as amizades da menina o interrompia, e o rapaz acabava por desistir.
Quase um ano e agora os dois estavam ali, esbarrando as mãos com uma audiência que mantinha olhares de reprovação para tal ato, e ambos tentavam ignorar as outras líderes que fofocavam sobre o skatista, como foi apelidado por elas. Alicia mantinha sua postura, enquanto Josh tomava fôlego para, finalmente, chama-la para fazer qualquer coisa, o importante seria Ali aceitar.
- Oi.
- Olá? – Ela o respondeu em um tom divertido.
- Talvez o álcool esteja me ajudando, quem sabe, né? Enfim, já tem um tempo que eu queria te chamar para sair, e sei que estou jogando assim, no ar, do nada. – Ele despejou as palavras rapidamente, com uma feição de quem havia corrido uma maratona.
Candece ficou surpresa, mas não demonstrou, se mantendo na pose que sempre vestia. Por dentro, uma parte de si queria dizer “sim”, a menina guardava esse crush desde que bateu o olho em Parker, e assim como ele, nunca teve coragem, ainda mais pela não aprovação de suas companheiras e pelo fato de ter sido ensinada que caras como Josh nunca teriam um futuro brilhante.
Por mais que não quisesse acreditar, aparentava ser verdade, então, sua cabeça montou um gráfico básico de constatações óbvias.
Ela era uma garota; ele, um garoto.
Ela era bailarina; ele, meio punk e skatista.
Ela era a fim dele; ele, dela.
Mas, ele nunca poderia descobrir, Alicia não suportaria os julgamentos que sofreria se se envolvesse com Josh.
Por isso, sua resposta foi firme.
- Desculpa, mas não vai rolar. Você é um cara legal, só que não é o meu estilo e de muita gente. Nos vemos por aí, Parker.
A garota se reuniu com as meninas, sendo recebida com risadas com um toque maléfico e a parabenizando por ter dado um fora no rapaz que vestia roupas largas, enquanto o mesmo voltava para os amigos apenas para pegar sua guitarra e ir embora.
Com uma última olhada, Candece o espiou com sua visão periférica, sendo garantida pelas amigas que ela estava mais do que certa no que tinha feito.
É, talvez Alicia estivesse mesmo.
*
2017.
As manhãs se tornam cansativas quando você precisa conciliar trabalho e uma criança de três anos que é ligada nos 220v. Alicia suspirou exausta e se jogou no sofá, esperando dar o horário de alimentar seu filho e de deixá-lo com sua mãe que queria leva-lo a um parque e dar uma folga a filha, já que ela trabalharia de casa e tinha muitos arquivos para mexer. Ali pegou o pequeno e lhe deu sua mamadeira, terminando de colocar seus sapatos e ajeitar a gola da camisa. A mulher sorriu para o mais novo que lhe deu uma gargalhada como resposta e após dez minutos, a campainha tocara e ao abrir, deu um abraço em sua mãe e chamou Jake.
- Se divirta com a vovó, meu amor.
Ao se despedirem, Candece esperou perdê-los de vista e fechou a porta, indo de encontro ao seu notebook, onde passaria metade do seu dia.
Com o arrastar das horas, Alicia terminou todas as edições e mal podia esperar para se banhar nas águas quentes do spa que marcara com as amigas, e se antes não queria ir, agora seus ombros gritavam para receberem uma massagem. Aproveitou o tempo vago e foi se arrumar, e como ainda havia vinte minutos de sobra, ligou a TV e deixou em um canal de música, pois adorava assistir aos clipes. Desde que assinara o pacote de canais completo, não podia ficar sem ouvir as melodias tão dançantes que sempre gostou. Ela rodopiava pela sala, voltando aos seus recém dezoito anos e uma carreira toda pela frente, que acabou não dando tão certo. Aos vinte e um descobriu a gravidez, e com o apoio de sua mãe, Alicia manteve o ballet até onde seu médico a liberou, e quando teve que cessar, ficou ajudando sua ex professora com algumas aulas, assim não perderia total contato com a dança. Suas únicas companhias verdadeiras eram seu filho e sua progenitora, suas amigas – as mesmas do ensino médio – prosseguiam do mesmo jeito de cinco anos atrás, mas Ali gostava delas.
Mesmo se arrependendo de ter sido tão influenciada por elas no ensino médio.
A mulher não se arrependida de muita coisa, mas ultimamente se pegava pensando em Josh, a verdade é que Candece nunca superou a sua paixonite do colegial. Definitivamente, sua mente a culpava por ter deixado uma oportunidade passar, porém, ainda parecendo que tinha os seus dezoito anos, ela garantia – ou tentava se enganar – que o skatista não teria um futuro bom.
E foi nesse momento que Alicia teve uma enorme surpresa.
Todo o líquido que estava na sua boca foi parar em vários cantos da sala; seus olhos se arregalaram e sua boca abriu, xingando três palavrões seguidos. Aumentou o volume e prestou atenção em cada palavra que a repórter dizia, sem acreditar no que estava vendo.
Cinco anos tendo a certeza de que eles nunca dariam certo.
Cinco anos se convencendo de que ele seria um fracassado, do jeito que suas amigas e seu pai bradavam sobre caras de bandas e com roupas largas.
Cinco anos que não tinha praticamente nenhuma notícia dele.
Agora, Josh tinha o rosto estampado no programa principal da cidade, anunciando o show de sua banda e ele estava mais bonito que nunca. Demorou um pouco para Ali se recuperar, e logo sua mão tateava o sofá em busca de seu celular, com o nervosismo atrapalhando seus dedos a digitarem o número de Gabriela.
- Ali, ligou em ótima hora!
- Você sabia?
- Do que, doida? – Gabi riu.
- Two Bring Down.
- É óbvio! Eles estouraram há dois meses, mas já faziam apresentações tem uns dois anos e meio. Acredita que estudamos com o guitarrista? – A outra tagarelava entusiasmada. – Eu ia te ligar agora. Fizemos uma mudança de planos.
- Quais?
- Temos quatro ingressos para Two Bring Down! Podemos ir para o spa amanhã.
- Gabi, eu não sei…
- O que? Desculpa, Ali, a ligação está horrível. Já vamos passar aí para te buscar, beijo!
A mulher revirou os olhos ao escutar o beep, jogando o aparelho na poltrona. Não sabia como encará-lo depois de todo esse tempo, e na realidade, aquela chama de 2012 reacendeu, o que ela mais temia.
Tinha noção de que tinha sido um tanto insensível na sua resposta, e que se fosse o contrário, ela evitaria Josh ao máximo, por mais que já fizesse isso depois do pedido do encontro.
*
Cinco minutos.
Cinco longos minutos que Alicia captava cada detalhe do palco, tendo as vozes de suas amigas a irritando levemente. Os ajustes finais eram feitos, e o coração da mulher acelerava conforme ia se aproximando, sendo capaz até de soar, sendo que o ambiente tinha ar. A casa de shows não era tão gigantesca, porém sua capacidade aguentava duas mil pessoas, e os ingressos haviam se esgotado, causando uma felicidade em toda a banda. A contagem regressiva iniciara, e ao sentir as vibrações dos fãs, me virei para Josh, recebendo um beijo breve e uma piscadela. Nossa equipe fez o ritual de costume e ao chegar ao número zero, entramos no palco apagado.
Os primeiros acordes da guitarra iam animando o público, seguidos das batidas vindas da bateria, e o baixo e o teclado se uniram, formando uma melodia fodidamente incrível.
- Boa noite, meu respeitável público. Espero que vocês curtam o melhor show de suas vidas. – Pude ouvir a excitação da multidão. – Preciso que meu amigo ligue a luz para que eu possa ver a plateia mais foda de todas! – Os gritos vinham de todos os lados – Bem melhor, não? Antes de começarmos, gostaria de apresentar os meus queridos integrantes, para que possamos nos tornarmos mais… íntimos. – Dei um sorriso sugestivo. – Nossa tecladista: Melinda. Acompanhando seu maravilhoso dom, Mishael, o baixista. Na bateria temos Jeremias e na guitarra se encontra o amor da minha vida, Josh. E na voz, Lily. Para abrirmos o espetáculo, iremos cantar uma música sobre pessoas conhecidas, e uma das favoritas de vocês!
O jogo de luzes fazia o clima ficar mais interessante, assim como as vozes diversas se tornaram um imenso coro que nos enchia de vontade e orgulho. Optamos por abrir o show com uma das primeiras letras que Josh compôs, e não levou nem três dias de amizade para eu saber a razão dela. Eu e ele tivemos uma conexão muito forte, e com um piscar de olhos, em dois meses estávamos morando juntos. Um pouco de loucura e dois corações jovens movidos a sentimentos a flor da pele foram os incentivos para que pudéssemos dar um passo a frente, além de termos criado a banda.
Sinceramente, estávamos vivendo os nossos sonhos da melhor maneira, e confesso que não podia tirar um pouco do crédito que Alicia teve.
Se não fosse por ela, talvez nem estivéssemos juntos. Mas, a vida é uma caixinha de surpresa, não?
“Too bad that you couldn’t see
See the man that boy could be
There is more that meets the eye
I see the soul that is inside”
Quando Josh veio com a letra, ele já havia superado, entretanto tinha escrito na semana em que levara o fora. A partir de sua música, eu compus a que cantávamos agora, e o final, definitivamente, era o meu favorito.
“He’s just a boy
And I’m just a girl
Can I make it any more obvious?
We are in love
Haven’t you heard
How we rock each others world”
Todos pulavam e cantavam a todo vapor, nos proporcionando uma alegria imensurável. Reparei em um olhar confuso, que guardava muita história e que, infelizmente, fez decisões não tão boas quanto imaginaria que faria. Mas, assim que é o ciclo em que vivemos, nem sempre faremos as melhores escolhas, e nossas ações realmente tem impactos nas vidas alheias.
Afinal, tudo é uma questão de ponto de vista, e às vezes, as pessoas demoram a perceber que as outras valem a pena.
“I’m with the skater boy
I said, “see you later, boy”
I’ll be back stage after the show
I’ll be at the studio
Singing the song we wrote
About a girl you used to know”
Fim
Subscribe
Login
0 Comentários