Sina & Cicatrizes

  Ele não podia acreditar que aquilo estava acontecendo de novo.

  Séculos atrás ele já havia perdido uma pessoa importante, e aquela pessoa parecia ter levado um pedaço dele consigo. Talvez aquilo fosse o efeito de desfazer um laço de parceria… Agora, lá estava ele novamente, apreensivo, inquieto, triste… por uma garota.

  Lucien não sabia ao certo quando tudo aquilo havia se tornado tão… parte dele. Muitos séculos haviam passado desde que Elain havia saído de sua vida e aos poucos ele tinha reconstruído sua existência. Quando encontrou pela primeira vez, não imaginou que a história dele se entrelaçaria com a dela daquele jeito.

   Feirenhaar era uma humana que, por acaso, havia se embrenhado na floresta dos feéricos. Na atualidade a rivalidade entre humanos e feéricos não era tão acentuada, embora os seres fantásticos ainda preferissem se manter reclusos em seu território. , como a garota gostava de ser chamada, era o tipo de humana que não parecia temer o desconhecido e estava sempre pronta para desbravar novas aventuras.

  Lucien, após centenas de anos afastado de tudo e todos que lembravam o seu passado, acabou se lembrando de quando conheceu a Feyre humana, tantos séculos antes. não tinha nada em comum com a grã-senhora da Corte Noturna a não ser a humanidade, e Lucien Vanserra se viu novamente apegado àquele ser tão frágil que era o ser humano.

  Havia sido em um dia de exploração que aconteceu. Mesmo que o equilíbrio entre as cortes de Prythian tivesse sido restaurado e uma aliança com os humanos tivesse sido feita, alguns feéricos de mente antiga se recusavam a aceitar “se misturar com a ralé”. Era por aquele – e alguns outros – motivo que adentrar a floresta feérica sozinho, principalmente sendo mortal, podia ser considerado perigoso.

   havia sido atacada. E tendo o corpo frágil de humano, qualquer simples arranhão de uma planta escondida podia significar a morte. Lucien não estava pronto para perceber e admitir o quanto aquela jovem significava para ele. Quando a encontrou desfalecida, todo um filme do seu passado explodiu em sua mente, e o desespero tomou conta de seu ser.

  De alguma forma que ele não se importava em lembrar, Vanserra havia conseguido contatar sua antiga amiga, Feyre, para pedir ajuda. Ele não podia deixar morrer e correr o risco de mais uma parte dele morrer junto dela.

  As formas simples de se salvar uma vida não haviam funcionado com aquela humana, e as opções mágicas estavam se esgotando. Lucien sentiu um arrepio quando a última opção surgiu: o Caldeirão. Aquele feérico fugido da Corte Outonal, ex-emissário das cortes veril e Noturna, não tinha boas experiências com aquele artefato. Por causa dele a guerra havia sido iniciada centenas de anos atrás; havia visto aquela que deveria ser sua parceira ser engolida pelo Caldeirão, nunca mais sendo capaz de voltar inteiramente; viu amigos sofrerem perdas e se perderem… agora aquilo era sua única chance de salvar ?

  Lucien não se opôs, mas o mau agouro permaneceu com ele, principalmente depois que o Caldeirão cuspiu o corpo desnudo e aparentemente frágil de . Ela lembrava terrivelmente Elain quando saiu do Caldeirão, mas o olhar perdido e assustado de Archeron deu espaço para o grande vazio castanho de . Havia dias desde que a garota havia renascido como uma feérica, mas não havia sinal de vida naquele corpo. Ela respirava, o coração batia, mas não parecia haver consciência ali.

  O feérico de cabelos ruivos já perdia o pouco de esperança que tinha àquela altura. Aquela parecia ser sua sina, ele não poderia ser feliz caso um dia se apaixonasse. Pensar naquilo fez Lucien Vanserra perceber conscientemente pela primeira vez o que de fato sentia por aquela humana que podia não mais existir.

  Quando Feyre e Rhysand anunciaram que parecia, enfim, ter despertado, Lucien se sentiu ainda mais apreensivo e vivendo um déjà vu. Parado à porta da biblioteca da Casa do Vento, o feérico tinha medo do que podia encontrar atrás daquela porta. Quando a maçaneta girou pelo lado de dentro, os ombros rígidos dele enfim relaxaram. Ela estava sorrindo.