Silver Lining

  Já havia se passado pouco mais de um mês desde que eu havia confessado meus sentimentos para e nós estávamos esse tempo todo nos evitando. Eu a conhecia bem o bastante para saber que ela não estava pronta para me dar uma resposta. Só não sabia definir se aquilo era bom ou ruim. Eu conhecia desde que tínhamos dez anos, ela era a melhor amiga da minha irmã mais nova – apesar de ser mais velha que Eleanor – e acabou se tornando uma de minhas amigas também, agora que estávamos prestes a nos formar no colégio nossos laços tinham se firmado ainda mais… Até eu ter a grande ideia de dizer o que sentia por ela…

  — Irmãozinho, relaxa, você vai ter a sua resposta. — Leah disse com um sorriso maroto nos lábios.

  Nós dois tínhamos uma relação bastante aberta, sempre contamos tudo um ao outro até certa idade, mas por nos conhecermos extremamente bem, sabíamos sempre o que estava incomodando o outro, não era preciso falar.

  — Você vai à mostra artística de despedida nesse fim de semana, não vai? — Ela me perguntou enquanto mexia em seu celular, sem olhar para mim.

  — Não sei se estou no clima para isso, Leah. — Respondi ainda largado na cama.

  — Devia ir, , talvez assim você pare de pensar tanto na e se divirta um pouco. — Eleanor retrucou finalmente levantando o olhar da tela do celular. — Além do mais, eu vou me apresentar e quero que meu irmão mais velho esteja lá para me dar um apoio moral.

  Soltei um riso baixo. Leah fazia parte do clube de teatro e levava isso muito a sério, seu sonho era ser atriz.

  — Tudo bem, vou pensar no seu caso.

  Minha irmã mais nova me deu língua e então saiu de meu quarto me deixando sozinho com meus pensamentos novamente.

  A mostra de artes do colégio servia para os alunos com algum talento se apresentarem e também para arrecadarmos fundos para o baile dos formandos. Cada ano os presidentes dos clubes do colégio inventavam alguma coisa diferente para se apresentar aos convidados, e estranhamente conseguiam variar bastante. Era muito improvável que fosse à mostra, ela nunca aparecia. Talvez minha irmã estivesse certa.

  Era o começo da noite do sábado da mostra de artes, eu estava esperando que minha irmã ficasse pronta para poder leva-la até o nosso colégio, ela carregava uma mala cheia de apetrechos e bugigangas do clube de teatro.

  — Minha apresentação começa às oito, não se atreva a se atrasar ou a sair antes dela terminar! — Leah exclamou enquanto se sentava no banco do passageiro.

  — Sim senhora… — Comentei dando a partida.

  Fomos conversando durante grande parte do caminho e o restante ouvindo músicas na rádio.

  Estacionei e Leah me fez carregar todo o material que ela havia ficado responsável.

  — Certo, enquanto não der o horário você está livre pra dar uma volta.

  — Leah, eu não vou me atrasar, prometo. — Retruquei e recebi um olhar desconfiado.

  — Te vejo às oito.

  Balancei a cabeça e me despedi. Daria uma volta pelo colégio para ver o restante da mostra. Alguns amigos meus também participavam do projeto para a formatura, apesar de muitos detestarem a ideia de se apresentarem na frente de várias pessoas, conhecidas e desconhecidas. Num desses passeios pela mostra tive a impressão de ter passado por , mas ela não pareceu me notar e passara reto e com certa pressa por mim. Eu havia parado no meio do corredor apinhado pela surpresa. Ela não devia estar aqui, era tudo o que eu conseguia pensar. Olhei para trás, mas já havia desaparecido no meio da multidão que aos poucos ia aumentando.

  Olhei para o relógio na tela do meu celular, ainda faltava meia hora para a apresentação de Leah, mas decidi ir para o auditório e garantir meu lugar. Surpreendentemente pelo menos metade dos assentos já estavam ocupados. Eleanor colocou a cabeça por entre as cortinas que estavam fechadas e eu acenei para ela que acenou de volta com entusiasmo e com um sorriso largo voltou para trás das cortinas.

  Fiquei mexendo em meu celular enquanto esperava dar as oito horas. O auditório foi enchendo aos poucos e quando me dei conta, o presidente do clube de teatro estava no palco.

  — Boa noite, queridos amigos e convidados, nós, do clube de teatro, ficamos muito contentes em ver tantos rostos amigos e agradecemos o apoio em mais um ano. — Ele murmurou com toda a pompa. — Gostaríamos de avisar que na pausa de nosso primeiro ato, o clube de artes fará uma apresentação para vosso entretenimento. — Avisou. — E agora, fiquem com nossa peça: Meninos e Meninas.

  Todos aplaudiram e as luzes foram apagadas, deixando o palco em destaque.

  O enredo da peça falava sobre a adolescência em si, as dúvidas, as preocupações, a formação da sexualidade e todas as coisas que passamos nesse período. Estávamos na metade da história quando anunciaram o final do primeiro ato, e então o presidente do clube de artes surgiu no palco:

  — Boa noite. Sou Allan West, o presidente do clube de artes, e hoje teremos uma apresentação especial: , por favor. — Allan deu espaço no palco e todos os espectadores bateram palmas quando apareceu segurando seu violão surrado, sorrindo um pouco tímida.

  Eu não podia acreditar que era mesmo ela que estava ali na frente de todo mundo, ela detestava aquele tipo de coisa. O que estava acontecendo?

  — Oi pessoal, sou e esta noite é muito especial para vários de nós, mas especialmente para mim já que eu nunca participei de uma mostra antes. Essa canção se chama Are We There Yet? e espero que vocês gostem.

   ajeitou o microfone e sentou-se em uma banqueta que haviam colocado bem ao centro do palco. E então a música começou.

  Senti minha garganta secar, eu sabia por que ela estava naquele palco tocando seu violão na frente de todo mundo, na minha frente.

   estava me dando uma resposta à confissão que eu havia lhe feito.

  Senti que a resposta que eu esperava não seria a que eu queria ouvir. Eu estava sentado no fundo do auditório, então logo me levantei, não sabia se seria capaz de ouvir aquilo sem sentir que era o fim de tudo.

  Parei estático ao ouvir aquela parte. Agora eu não sabia mais o que pensar. Ela estava dizendo que me aceitava? Ou ainda estava em dúvida? Fiquei parado feito idiota tentando processar tudo aquilo.

  — Hei, cara, dá pra sentar ou sair de uma vez? Quero assistir o resto da apresentação. — Um garoto retrucou tentando olhar o palco. Me desculpei e voltei a sentar.

  Mais alguns acordes e a música acabou. Todos aplaudiram, agradeceu parecendo um pouco corada e saiu andando o mais rápido que podia. Me levantei novamente e saí do auditório esperando para encontrá-la.

  Pouco mais de cinco minutos se passaram e no meio da multidão senti alguém me puxar pela mão, não consegui enxergar quem era, mas eu já sabia ser . Ela me arrastou até as escadarias e chegamos ao terraço do prédio onde finalmente paramos.

   permaneceu de costas para mim e eu não me atrevi a quebrar o silêncio.

  — Você entendeu? — Ela perguntou ainda sem olhar em minha direção. Continuei em silêncio. — Entendeu o que eu quis dizer, ? — finalmente me encarou e seus olhos pareciam ansiar por minha resposta.

  — Você não está pronta. — Murmurei num suspiro sem esperança.

  — Ainda. Não estou pronta ainda. — Enfatizou. — Por todos esses dias que passei sem falar com você eu me senti tão estranha e solitária, mas eu sei que não estou pronta para uma coisa séria e isso me dá ainda mais medo. — Ela torceu as mãos um tanto nervosa. — Nós estamos indo para universidades diferentes, estamos nos separando e isso me deixa desesperada. Eu não quero te perder, mas e se não der certo?

  Ficamos em silêncio por um longo tempo enquanto eu tentava formular alguma frase.

  — … — Hesitei ainda nervoso. — Estamos indo para uma nova fase de nossas vidas, mas o que temos aqui — segurei suas mãos — é muito maior que qualquer distância. Nada nos impede de tentar.

  — , se tudo der errado nós vamos perder o que temos e eu não quero perder a nossa amizade!

  — , você sempre foi corajosa, mais do que qualquer garoto ou garota que eu já conheci. Eu também tenho medo que as coisas possam dar errado, mas você sempre me ensinou a ver as coisas de forma positiva. — Murmurei segurando firme as mãos dela entre as minhas. — Nós podemos ficar com medo e não tentar o que queremos ou tentar e perceber que podemos dar certo. E se tudo der errado pelo menos poderemos dizer que tentamos.

   baixou o olhar mordendo os lábios, ela estava nervosa e pensativa.

  — Acho que estou pronta para fazer de alguém alguém. — Ela me respondeu sorrindo um pouco acanhada.

  Eu a puxei para mais perto e a apertei em um abraço que transmitia todos os sentimentos possíveis.

  — Você já é alguém para mim, faz muito tempo.