1. Sangue
Dizem que a vida é curta e pode passar em um piscar de olhos. Bem, há quem diga que a vida de outra pessoa não vale mais do que a sua, mas, para alguém como eu, a vida de terceiros pode-se valer milhões. Basta apenas pagarem por ela.
—
Primavera, Seattle
E lá estava eu, no terraço do estacionamento de um prédio, esperando pelo alvo da vez. Mantive-me em alerta, com o olho direito na mira telescópica da minha arma. Logo deu-se uma pequena movimentação dos seguranças dentro do prédio do outro lado da rua, e pude ver quem eu tanto esperava. A figura da vez era o vice-presidente de uma companhia de siderurgia. Eu não me importava com quem era e porque tinha que fazer aquilo. Desde que o cliente me pagasse bem, nem mesmo quem me contratava era necessário eu saber.
Respirei fundo e prendi o ar em meus pulmões. Com a mira certa no alvo, puxei o gatinho sem o menor esforço. Mais um trabalho concluído. Peguei meu celular e liguei para meu contato.
— Hill, está feito. — disse ao olhar para as pessoas que se ajuntavam ao redor do corpo.
— O dinheiro já está em sua conta secundária. — disse ela, do outro lado da linha.
— Alguma novidade? — perguntei sobre meu assunto pessoal.
— Nenhuma informação, mas continuo acionando meus contatos internos. — respondeu ela.
Hill é uma brilhante mulher que de forma surpreendente, caiu neste mundo caótico em que eu sobrevivia desde a minha infância e agora trabalha comigo. Ela é a ponte entre meus clientes e eu.
Meu trabalho? Assassino de aluguel. Um ofício que tanto eu, como meu irmão mais velho herdamos de nossa minha mãe. Ela era a melhor e mais silenciosa nesse meio, e meu irmão John era o mais demito de todos, então não podia desapontá-los. O legado da família seguia com meus trabalhos impecáveis.
— Me avise se conseguir algo. — pedi a ela.
— Com certeza. — assentiu ela, encerrando a ligação.
Além do meu trabalho, que me rendia muito bem financeiramente, eu ainda tinha alguns assuntos internos que me preocupavam. E o maior deles é encontrar o homem que foi pago pela Alta Cúpula para assassinar minha mãe. Soltei um suspiro cansado e desmontei as peças da arma, guardando-as na maleta. Me afastei do beiral e segui para o elevador. A vida continuava e mesmo com preocupações à parte, em breve teria um novo alvo a ser abatido.
Coloquei a maleta no banco de trás do carro e sentei no banco do motorista. Fechei os olhos e esperei que passasse a mesma sensação de sempre. Já havia se tornado algo comum e nem mesmo sei desde quando começou a acontecer, mas sempre que terminava um serviço, sentia o gosto de sangue invadir minha boca. Totalmente amargo.
Passei longos minutos ali dentro até que tudo voltou ao normal internamente, então dei a partida e segui para o Hotel Continental. Aquele era considerado o lugar mais seguro para pessoas como eu, neutro como a Suíça. Um ponto positivo para alguns associados que precisavam de momentos de paz em tempos de guerra.
— Bom dia, senhor Wick. — disse o concierge assim que me coloquei diante da recepção.
— Bom dia, James. — o cumprimentei, mantendo a face séria. — Alguma encomenda para mim?
— Não senhor, mas trocamos os arranhadores do seu gato, como pediu — respondeu o homem, com seu tom baixo e cordial de sempre.
— Agradeço o cuidado — suspirei fraco, sentindo minhas costas reclamarem de dor. — Peço que não me incomodem, por favor.
— Como quiser, senhor Wick — assentiu ele.
— Wick — a voz sinuosa de Genevieve Fallin, a gerente do hotel, soou atrás de mim. — Fiquei surpresa ao saber que está na cidade.
— Veio a negócio? — perguntou ela, seu olhar mantinha a discrição de sua curiosidade.
— Não me cause problemas como seu irmão, ok? — pediu ela.
Genevieve conhecia bem o histórico de minha família com a Alta Cúpula. Principalmente a considerar que muitos querem nossas cabeças e a maioria dos outros assassinos nos invejam.
— Fique tranquila, não estou em guerra com ninguém — garanti a ela.
Bem, no momento eu realmente não havia declarado guerra formalmente. Entretanto, apenas aguardava um nome para iniciar minha vingança. Mantive o olhar sereno para ela, com firmeza de minhas palavras.
— Se me der licença, preciso descansar — disse a ela.
— Tenha uma boa estadia — ela sorriu de leve e deu espaço para que eu me afastasse.
Segui para meu quarto e entrei. Assim que deixei a maleta ao lado da porta, me deparei com Bridget deitada em minha cama me esperando. Seu olhar malicioso para mim, algo que não me impressionava nenhum pouco. Não que eu não gostasse de mulheres, mas até o momento, nenhuma das quais já estive, conseguiu despertar em mim a atenção necessária para que meu coração pulsasse mais forte. Confesso, nunca me apaixonei em toda a minha vida até aqui, e muitas vezes fui classificado com o mais frio dos homens.
Meus anos naquela profissão haviam moldado minhas características assim. Aprendi com os erros da minha família. Se apaixonar por alguém custou caro a eles e não queria o mesmo destino para mim. Manter meu coração blindado contra sentimentos era como um seguro de vida.
— Bridget — disse seu nome em voz alta, mantendo minha face séria. — O que faz aqui?
— Ouvi dizer que estava na cidade e resolvi dar um oi — seu tom sedutor soou pelo quarto. — Como tem passado?
— Soube que teve problemas com a Yakuza — comentei, observando ela se levantar e se aproximar de mim. — Conseguiu resolver?
— Eu sempre consigo o que eu quero… — ela mordeu os lábios inferiores. — Exceto quando o assunto é você.
— Não se pode ter tudo na vida — disse, dando uma risada rápida.
— Bem, eu me contento com o pouco que consigo… — antes que eu pudesse reagir, ela me beijou com malícia e intensidade.
Bridget poderia ser considerada a mulher mais atraente de toda a sociedade. E como assassina, ela também conseguia ser precisa e fatal. Os raros momentos em que passava com ela, eram divertidos e saborosos. Conseguia me fazer esquecer por instantes meu trabalho, aproveitando somente dos benefícios dele.
Horas depois, ergui meu corpo e permaneci sentado na cama. Olhei para o lado e observei Bridget adormecida ao meu lado. Seu corpo semi coberto pelos lençóis. Soltei um suspiro cansado e levantei da cama, vesti a primeira camisa que encontrei no closet, acompanhado de uma calça social e o tênis all star branco. Uma jaqueta preta por cima e saí do quarto.
— Senhor Wick, deseja alguma coisa? — perguntou James assim que me aproximei do balcão da recepção.
— Uma cafeteria, me indicaria uma? — pedi a ele.
— O senhor não está satisfeito com o nosso restaurante, senhor Wick? — indagou ele, temendo haver algum problema com o serviço do hotel.
— Não há nada de errado com o restaurante, James, eu apenas quero respirar um pouco de ar puro e caminhar pela cidade — assegurei a ele.
— Se é assim, eu lhe recomendo o Coffee House, é uma excelente cafeteria e eles servem a melhor torta de maçã da região — indicou ele.
— Obrigado. — disse dando o primeiro passo para me afastar.
— Não há de quê, senhor Wick — ele deu um sorriso fechado, de cordialidade.
Ao chegar na porta do hotel, olhei para o movimento da rua. Olhei no celular a localização da tal cafeteria e segui caminhando até o lugar. A Coffee House, vista de fora, parecia mais como a casa de uma velha senhora que transmite aconchego e refúgio. Uma loja de esquina muito bem projetada por sinal. Assim que entrei no lugar, observei atentamente cada detalhe que surgia em meu campo de visão. Até que paralisei internamente ao avistar o sorriso mais bonito que já tinha visto.
A dona dele estava atendendo um casal de idosos na mesa ao lado da vidraça principal. Eu me sentei aos fundos e mantive discretamente meu olhar nela. Seu olhar sereno curiosamente me transmitiu calmaria.
Uma espécie de paz que eu sempre busquei, mas nunca consegui encontrar em nenhum outro lugar.
“Um tiro, deixe-me te contar algo que você já sabe.”
– One Shot / B.A.P
2. Brownies
Coffee House, Seattle
Permaneci sentado somente observando a moça terminar de atender o casal de idosos. Logo seu olhar veio em minha direção, parecia surpreso em ver um cliente novo. Talvez por realmente ser minha primeira vez naquela cafeteria, que eu nem sabia que existia na cidade. Seu olhar curioso se manteve por alguns segundos até que ela se aproximou, mantendo o sorriso no rosto para me atender.
— Bem-vindo ao Coffee House, senhor, deseja fazer o pedido? — perguntou ela, mantendo uma voz suave e o olhar atento.
— O que me sugere? — respondi com outra pergunta.
— Não sei o seu gosto, mas posso lhe indicar a especialidade da casa. — respondeu ela, confiante no que dizia.
— E qual seria? — continuei com meu olhar fixo nela, demonstrando meu interesse.
— Torta Holandesa acompanhada de Iced Latte, é o pedido especial da primavera. — explicou ela.
— Aceito sua sugestão — disse a ela.
A senhorita de nome , como escrito na plaquinha pregada no bolso da camisa, se afastou de mim e seguiu para o caixa. Não me contive em continuar observando-a se locomover pelo pequeno espaço atendendo outras mesas, até que outra atendente apareceu para ficar em seu lugar. Ao contrário de , com um jeito tímido e sorriso singelo no rosto, a outra atendente de nome Lola, exalava mais intensidade. Talvez por suas curvas sinuosas que não deixaram de me chamar atenção, ou sua forma sensual de me servir o meu pedido. O fato é que consegui notar seu obstinado interesse em atrair a minha atenção.
Degustei com tranquilidade o pedido especial que me foi sugerido. Realmente a torta holandesa estava saborosa, conseguia sentir lá no fundo o sabor da baunilha misturado ao chocolate. Não que eu soubesse muita coisa de gastronomia e confeitaria, mas apreciava boas sobremesas e tinha o chocolate como o meu ingrediente favorito em todas elas.
Assim que terminei, deixei o dinheiro em cima da mesa juntamente com a conta e me dirigi para a porta. A garota do sorriso singelo havia desaparecido pela porta dos funcionários, e quem reinava agora no atendimento era a ruiva Lola com seu olhar fixo em mim. Sorriu de canto e continuei indo para a porta, quando a mesma me abordou.
— Pode me ligar, se quiser — disse Lola, esticando um pedaço de papel para mim.
Eu peguei por cavalheirismo, deixando minha face mais séria que o habitual. Ela sorriu de canto com malícia.
— Eu saio às 10 — concluiu.
Assenti com o olhar e me retirei da cafeteria.
Final da tarde, eu tinha outro serviço para realizar na cidade. Voltei ao Continental e segui diretamente ao meu quarto. Bridget já havia ido embora, apenas deixado um bilhete com a marca do seu batom no canto da folha, no formato de sua boca. Olhei para sua caligrafia e por um breve momento me perdi em meus pensamentos, até que voltei em mim e li o que estava escrito.
— Momentos com você são sempre os melhores, podemos repetir em Manhattan — sussurrei ao ler.
Então é para lá que ela vai agora. Pensei comigo. Amassei o bilhete e joguei na lixeira perto da escrivaninha, retirei minha maleta de armas debaixo da cama e coloquei em cima da mesma. Ao abrir, analisei qual instrumento de trabalho seria melhor para um serviço rápido e silencioso. Escolhi a Airgun para a ocasião com o seu silenciador, então a retirei da maleta e deixei em cima da cama, guardando as outras.
Me espreguicei sentindo algumas dores nas costas. Se contava meses em que eu estava com problemas de insônia e não conseguia dormir na cama, somente no tapete ao chão. Nem mesmo os remédios do doutor Brown fazem efeito em mim mais. Segui para o banheiro e tomei uma ducha quente para relaxar os músculos do meu corpo. Quando saí enrolado na toalha, olhei para o celular em cima da cama que vibrada devido a uma chamada.
— Wick na linha — disse ao atender.
— Boa noite, — uma voz feminina soou do outro lado da ligação, e bem conhecida por mim.
— Senhora Heith, a que devo a honra de sua ligação? — disse num tom debochado. — Não é todo dia que um membro da alta cúpula liga para um Wick.
— Verdade, mas não fique tão impressionado, já que foi você quem me fez ligar — explicou ela.
— Não entendi — disse um pouco confuso.
— Sua procura pelo homem que matou sua mãe pode acabar sendo uma dor de cabeça para você — comentou ela, de forma subjetiva.
No fundo, só estava confirmando o que já sabia. Lauren Height era a sexta esposa que se casara com o milionário e um dos diretores da Alta Cúpula, Godric Height. A mandante de tal atrocidade à minha família. Eu só não sabia os motivos reais para que ela desejasse o desligamento total da minha mãe naquela sociedade, menos ainda o que tinha ganhado com isso. Mas tinha uma raiva dentro de mim, que me fazia querer cortar sua garganta da forma mais cruel e dolorosa possível.
Entretanto, como não podia tocar em alguém de tão alto nível assim, me contentava em vingar na pessoa que executou o serviço.
— O que você quer? — perguntei.
— Você deseja saber o que sua mãe fez para partir de forma tão lastimável? — ela devolveu a pergunta.
— Isso deveria me importar? — contra perguntei.
— Eu tenho uma proposta para você, se ainda estiver interessado em executar sua vingança — disse ela, deixando a voz mais sinuosa.
— Não tenho nenhum acordo que me ofereça que eu vá aceitar, você está na minha lista e quando não for mais a esposa de Godric Height, não existirá nenhum hotel Continental que a manterá a salvo de mim — disse num tom mais sério e firme.
Deixando toda a minha raiva transbordar, assim que encerrei a ligação, coloquei o celular no bolso e me aproximei da cama. Peguei a arma e a encaixei na parte de trás da calça. Segui para a localização que meu alvo estaria. O pagamento já tinha sido antecipado, então teria que concluir o mais rápido possível. Descendo do táxi, entrei no prédio da corporação pelo estacionamento e segui pelo elevador dos funcionários. Tive o máximo de cautela para não ser registrado pelas câmeras de segurança, passando pelos corredores até chegar na sala exata.
Neste momento, mais uma vida que valia uma quantidade razoável, deixaria de existir.
—
— Hum… — me espreguicei da cama e logo senti a movimentação de outro corpo ao meu lado.
Vasculhei em minha memória o que havia acontecido no final do dia anterior. Após executar o serviço, voltei àquela lanchonete e levei a tal Lola para tomar uns drinks no Vitrola. Um bar sofisticado que pertencia a um membro da Alta Cúpula. Eu não sabia o motivo de tê-la convidado. Talvez a necessidade de não passar aquela noite sozinho ou apenas por distração momentânea. O fato é que foi mesmo uma noite proveitosa que jamais iria se repetir, por questões de segurança da própria garota.
Abri os olhos e voltei o olhar para o relógio na parede. Estávamos no apartamento dela e o ponteiro marcava três da manhã. Voltei meu olhar para o lado, Lola parecia em sono profundo. Minha deixa para ir embora. Levantei da cama, coloquei minha roupa e saí do seu quarto. Chegando na sala, fiquei estático ao me deparar com a garota do sorriso gentil na parte da cozinha, encostada na bancada da pia, com o olhar fixo no fogão. Por aquilo, eu não esperava e menos ainda me lembrava de Lola mencionar que dividia o apartamento com ela.
— Não vai esperar nem o café da manhã? — comentou ela, desviando o olhar para mim.
Ela, sim, não parecia surpresa ao me ver. O que me deixou curioso, pois não tinha bebido além de dois drinks no bar até que Lola ofereceu continuar a noite em seu quarto.
— Me desculpe, acho que invadi a sua casa — brinquei caminhando até ela, observando-a me observar.
— Fique tranquilo, não é o primeiro que ela traz para cá — ela riu baixo. — Desconfio que não será o último.
— Não acha que pode ser perigoso? Um estranho no seu apartamento — perguntei curioso por seu olhar despreocupado.
— Bem, já tivemos alguns contratempos, mas ela não aprende e eu não tenho para onde ir — sua explicação tinha traços de frustração. — Então, sigo da melhor forma que posso.
Ela voltou seu olhar para o fogão novamente e desligou um botão, então abriu o forno. Me encostei na parede, sentindo o cheio rescindir no ambiente. Confesso que me deu água na boca assim que meus olhos viram os brownies dentro da forma que ela segurava. colocou o objeto quente sobre a bancada e retirou as luvas em sua mão, desviando o olhar para mim novamente.
— Vamos ter que esperar um pouco — aconselhou ela. — Ou então, saíremos com a língua queimada.
Nós rimos de leve. Aquele sorriso dela tinha algo incomum que me deixava paralisado. Um pulsar mais forte dentro de mim, seguido de uma necessidade estranha de beijá-la.
O que estava acontecendo comigo? — Se o sabor estiver tão gostoso quanto o cheiro, vale o risco — brinquei de volta.
— Gosta de brownies? — perguntou ela.
— Sim, e pelo visto, você gosta de cozinhar — retruquei.
— Confesso que a confeitaria é minha fascinação — assentiu ela, dando outro sorriso tímido. — Acho que é por isso que passo tanto tempo na cozinha da cafeteria.
— É você quem faz as sobremesas? — perguntei surpreso.
— Bem, alguém tem que fazer — respondeu ela de forma espontânea e brincalhona. — Acredite ou não, na cozinha, me sinto em paz e totalmente livre para criar.
— Impressionante — disse controlando minha inesperada admiração. — Devo parabenizá-la, então, pela torta que me indicou, realmente estava saborosa.
— Bem, caso você apareça mais vezes, posso até te dar a receita, porém jamais revelarei o ingrediente especial — brincou ela. — Eu só não a fiz por ter reserva na cafeteria, mas se estiver aqui neste mesmo horário amanhã, poderá comer outro pedaço e de graça.
— Não vou, é a primeira e última vez — assegurei a ela.
— Hum… Então você é desses que não sai mais uma vez com a mesma mulher? — ela cruzou os braços, com um olhar analítico.
— Pode se dizer que sim, e sua amiga sabe disso. — fui sincero com ela.
— Lola é minha amiga, mas é bem volúvel com essas coisas, com a mesma rapidez em que se apaixona por um cara, ela já passa a detestá-lo — ela soltou uma gargalhada moderada. — Fico me perguntando como ela consegue.
— Então, devo acreditar que pela manhã eu estarei na lista negra dela? — brinquei.
— Digamos que sim, ainda mais por ter saído sem avisar — ela se virou para a forma e pegou um brownie, então esticou para mim. — Acho que agora está comestível.
— Obrigado — eu peguei de sua mão e logo dei uma mordida.
O gosto do chocolate invadiu a minha boca. Uma sensação de êxtase e felicidade momentânea. Isso sempre me acontecia quando comia algo com este gosto. Mantive um olhar sereno para ela, que mordiscava um pedaço que estava em sua mão, parecia avaliar o doce feito por suas próprias mãos.
— Se você disser que poderia ter feito melhor, terei que ligar para um pscicólogo — disse a ela.
— Me desculpe, mas sou bastante perfeccionista com o que cozinho e para mim, poderia sim, ter ficado melhor — disse ela.
Surpreendente como eu estava me sentindo à vontade perto dela. Em certo momento eu apenas me aproximava de uma mulher por atração e desejo de tocar seu corpo. Mas com ela era diferente. Algo dentro de mim, que me fazia ficar fascinado por seu sorriso, também me deixava curioso para conhecê-la mais.
Eu respirei fundo e voltei a minha realidade. Eu trabalhava para uma organização impiedosa, e sei muito bem o caminho que meu irmão trilhou para se desligar dela por ter se apaixonado. Também sei muito bem o quão alto foi esse preço e como ele está agora.
Não cometeria o mesmo erro de
John Wick.
Mesmo internamente, com todos os meus instintos suplicando para me aproximar dela, não deixaria isso acontecer. Me afastei dela, voltando para porta e sem mais palavras saí do apartamento. Antes do amanhecer, eu já estava arrumando minhas malas no Continental, era hora de voltar para casa em Chicago.
Ela está me deixando louco,
Por que o meu coração está acelerado?
– Monster / EXO
3. Sweet Dreams
Wick House, Chicago
Assim que eu abri a gaiola de transporte do meu gato, Boris saiu de forma manhosa como se reconhecesse nossa casa. Passando seu rabo em minha perna com suavidade, logo se aproximou da vasilha de comida, que estava vazia. Seu olhar para mim, seguido de um miado fraco, demonstrava sua necessidade momentânea. Não me contive em rir de leve e caminhar até um dos armários da cozinha e pegar o pacote de razão. Despejando um pouco na vasilha, o observei comer um pouco.
Por um breve momento, senti algumas dores nas minhas costas. Me espreguicei seguindo até meu quarto, retirei a camisa e entrei no banheiro. Um banho quente poderia ajudar meu corpo a chegar no lugar. Sempre que eu passava por uma temporada de serviços, me sentia esgotado mentalmente e fisicamente. E agora, mesmo recusando inicialmente, a proposta da senhora Lauren Height não me saía da cabeça.
— Ahhh. — suspirei de leve, sentindo meu corpo relaxando na banheira — Preciso controlar meus pensamentos.
Precisava mesmo. Era um misto de indagações e curiosidades, entretanto todas me conduziam a pensar em . Seu olhar, o sorriso e até mesmo a forma espontânea de agir diante de um desconhecido. Tudo nela me atraía de uma forma assustadora.
Fiquei mais algum tempo dentro da banheira e tomei uma ducha rápida depois. Voltei para o quarto com a toalha enrolada na cintura e notei que meu celular estava tocando. Tinha deixado o volume no silencioso e sua tela estava ligada com a chamada sendo feita. Assim que peguei o aparelho, atendi a ligação.
— Wick na linha. — disse.
— Olha só, velhos amigos ainda atendem as ligações. — a voz de Hugh soou num tom de brincadeira do outro lado da linha.
— O que você quer? — perguntei num suspiro fraco, já imaginando.
— Credo, não posso nem ligar para um amigo, que já pensa que quero algo? — ele se fez ofendido — Acha que sou o quê? Um mercenário?
— Quer mesmo que eu te responda? — retruquei.
— Não, não diga nada, prefiro manter a amizade. — ele riu debochadamente — Soube que voltou para casa.
— Anda muito bem informado. — comentei.
— Meus contatos tem contatos. — brincou novamente.
— Sua namorada trabalha na Interpol, isso não é um contato, é dormir com o inimigo. — conclui sua situação.
— Olha, nosso relacionamento é uma troca mútua de interesses e favores, além do nosso amor que cresce a cada dia. — explicou ele, se defendendo — É melhor do que iludir belas mulheres e nem deixar o número no dia seguinte.
— Isso foi uma indireta? — indaguei — Se for, errou o alvo.
Ri dele.
— Pelo que me lembro, não iludo ninguém. — continuei — Sempre sou honesto com todos.
— Você tem medo do que aconteceu com seu irmão. — provocou ele, expondo aquilo.
— Medo é uma palavra muito forte, eu digo que tenho prudência, John não foi cuidadoso o bastante e agora está na lista negra da Alta Cúpula. — prossegui em minha defesa — Mas não foi para falar sobre mim que você ligou, não é?
— Ahhhhh… Não. — ele deu uma risada fraca — Eu estou no Blackjack agora, eu acho que consegue chegar aqui em vinte minutos.
— O que quer me propor? — insisti.
— Deixa de ser estraga prazeres e vem logo. — pediu ele.
Eu ri baixo e encerrei a ligação. Voltei meu olhar para Boris que já estava enroscado em cima da poltrona ao lado da janela.
— Folgado. — sussurrei para ele.
Segui em direção ao closet e entrei. Passei o olho superficialmente pelos ternos e peguei um azul marinho, minha cor preferida. Após me vestir adequadamente, segui de moto até o bar em que meu amigo me esperava.
O
Blackjack tinha uma fachada discreta, porém bastante bonita. Me lembro bem de quando Jack, o dono, inaugurou o lugar se gabando de ter contratado um dos melhores arquitetos do país para reformar o prédio e decorar o espaço. Seu interior transmitia uma certa nostalgia pela decoração inspirada em arquitetura industrial misturada aos cabarés de Paris. A iluminação em tons vermelhos, o mobiliário luxuoso e seus funcionários muito bem trajados para melhor atender aos clientes.
A recepção do lugar era impecável.
Em poucos instantes no interior do bar, avistei Hugh assentado no sofá mais aos fundos. Uma garrafa de Bourbon na mesa a sua frente e um copo meio cheio. Parecia estar bebendo ali há algum tempo. E me perguntava o motivo de ter me ligado.
— Hugh. — disse, colocando-me em sua frente.
— Ah, . — ele abriu um largo sorriso e esticou a mão para que me sentasse na cadeira à sua frente — Vamos, sente-se, beba comigo.
— Acabo de chegar em casa, confesso que queria estar dormindo agora e não aqui. — disse tentando ponderar minhas palavras de insatisfação — O que deseja?
— Pare de ser tão mal humorado e chato. — ele pegou seu copo e tomou um gole — Há quanto tempo não nos vemos? Dois anos?
Eu me controlei para não bufar, porém foi mais forte que eu. Logo ao sinal de Hugh, uma garçonete se aproximou de nossa mesa e colocou um copo com gelo em minha frente. Se afastando com discrição. A observei por um momento. A mulher tinha um porte elegante em seu caminhar, e o terno feminino vermelho bordô que vestia, contribui muito.
— Estou aqui então. — disse ao despejar o líquido da garrafa em meu copo — Tenho certeza que não me chamou aqui para me convidar para ser seu padrinho de casamento.
Tomei o primeiro gole.
— Não mesmo. — ele riu — Mas pode apostar que em breve o convite chegará em sua humilde casa.
— E? — mantive o olhar atento nele, que parecia um pouco ansioso.
— Sei que não costuma pegar trabalhos fora de seu cronograma com a Hill, mas…
— Mas? — o interrompi tentando entender suas intenções.
— Preciso que me ajude com um trabalho, te dou metade dos ganhos. — disse ele, com o olhar atento pela minha resposta.
— Desde quando precisa da minha ajuda pra alguma coisa? — eu ri dele.
— Bem, digamos que desta vez é mais delicado. — ele pigarreou.
— No que se meteu, Hugh? — perguntei de imediato.
— Digamos que devo algo a alguém, de uma aposta que perdi em um certo jogo, e agora… — ele foi se enrolando nas palavras, o que me deixava estressado.
— Para quem está devendo? — fui direto.
— Eu juro que se eu fizer esse trabalho, minha dívida está paga e eu serei um homem livre para me casar com a Meredith. — explicou ele.
— Para quem está devendo? — insisti na pergunta.
— Para o senhor Height. — respondeu ele.
De novo essa família.
— Como conseguiu essa proeza? — perguntei a ele.
— Bem, sabe que teve aquela época que estive doente e não pude trabalhar, e depois sempre tive problemas com jogos… — ele soltou um suspiro cansado — Não vamos entrar em detalhes.
— E o que você tem que fazer? — perguntei.
— Preciso entregar um recado a uma pessoa. — contou ele.
— Quem? E que recado? — tomei outro gole e mantive a atenção nele.
— Igor Magnus. — respondeu — Ele é dono de uma rede de bistrôs pelo país e neste final de semana vai estar em Chicago para a entrega de um prêmio. Dizem que sua empresa está patrocinando um concurso de gastronomia na cidade.
— E você pretende entregar esse recado no concurso? — perguntei já sabendo a resposta.
— Sim, é minha única oportunidade. — seu olhar se mostrou um pouco desesperado — , eu não te pediria se realmente não fosse necessário, mas…
— Eu entendi a gravidade do assunto. — assegurei a ele — Dever para os Height é como se perdesse sua vida. Você sabe que essa dívida nunca vai acabar, não é?
— Estou confiante que este é o último trabalho que tenho para fazer. — alegou ele.
Inocente.
— Por que o concurso é a única oportunidade? — indaguei.
— Porque este homem é mais protegido que o presidente dos Estados Unidos. — e no concurso os guardas não poderão ficar muito próximos dele, fazendo a segurança somente pelo perímetro.
— Não vai ser fácil se aproximar dele então. — conclui — Mesmo no concurso.
— É aí que você entra. — respondeu — , você sempre foi mais rápido que eu, enquanto eu causo a distração, você entrega o recado.
— Devo imaginar que se isso é pagamento de uma dívida, eu não vou receber nada em troca. — reforcei meu olhar analítico para ele.
— Eu tenho uma pequena quantia de moedas guardadas, para minha aposentadoria. — explicou ele — O que me diz de dez moedas?
— Quero cinquenta, é o meu preço mínimo. — disse a ele.
— Mas é metade do que eu tenho. — reclamou — Somos amigos.
— Então eu deveria dobrar o valor? — sorri de canto — Este é o meu preço, é pegar ou largar.
Hugh se mostrou pensativo por um tempo, porém não tinha como recusar. Sua necessidade era maior.
—
Os dias passaram e eu me preparei para o serviço. Hugh me deu metade das moedas antes e o restante seria após a finalização. Ele sabia que se em algum momento me enganasse, seria um erro fatal para sua vida. O plano era simples, meu amigo causaria uma distração que geraria o caos no lugar e eu disfarçado de segurança, seguiria com o senhor Magnus para um lugar mais reservado. Tudo estava milimetricamente calculado e acertado.
Entretanto, a vida é imprevisível de uma forma surreal. Tanto que meu congelou de leve assim que entrei no salão de eventos do Hotel Cygnus, onde acontecia o concurso e reconheci um rosto dentre os participantes. Não era possível isso. Não podia estar acontecendo. Me forcei ao máximo em manter meu foco, fingindo estar na equipe de segurança do senhor Magnus. Porém, foi inevitável perceber o olhar surpreso de em minha direção.
— Senhoras e senhores, hoje com a presença do nosso ilustre patrocinador, senhor Magnus — disse o mestre de cerimônias, ao apontar para o senhor Magnus que recebeu os devidos aplausos —, daremos início ao nosso concurso
Sweet Dreams.
Naquelas duas horas de concurso, minha mente não sabia se focava no plano ou em apenas apreciar em sua concentração preparando e montando seus pratos. Foi inesperado para mim, que apenas pensei que seus dotes se resumiam a tortas e brownies. Mas ela realmente tinha talento para a cozinha.
Cada um dos dez participantes deveriam montar um menu de jantar que futuramente seria acrescentado ao cardápio dos Bistrôs Magnus. Após a última prova, que seriam as sobremesas, todos ficaram enfileirados à frente dos balcões de preparo e o anúncio do vencedor veio em seguida.
Era o sinal para Hugh iniciar sua distração.
Em um piscar de olhos, meu amigo começou um tumulto indignado com a nomeação do vencedor. As pessoas ficaram inquietas com aquele e quando ele se aproximou de um balcão e pegou uma faca, o caos se instalou no lugar. Os seguranças a postos já receberam a ordem de retirar o senhor Magnus do lugar. Aí que eu entrei. Seguido de mais três homens, nos retiramos pela saída de emergência na lateral, em direção ao estacionamento privado.
— Senhor, temos que ser mais rápidos. — eu disse, tomando a frente na liderança dos seguranças.
— Que absurdo. — resmungou o senhor Magnus — Este concurso deveria ser mais organizado e com mais segurança.
Continuamos pelo corredor, até que chegamos a porta do estacionamento.
— Espere. — disse, olhando para o segurança mais jovem — Vá na frente e confira.
— Sim, senhor. — disse o rapaz, abrindo a porta.
— Espera, quem disse que você está no comando? — o segurança robusto reclamou.
— Eu disse. — ao finalizar minha fala, saquei a arma e atirei contra eles, então travando a porta com o rapaz do lado de fora, apontei para o senhor Magnus.
— Você é muito corajoso ou burro, meu jovem. — disse ele.
— Me classifique como os dois se preferir. — eu ri — Não disponho de tempo, só vim dar um recado.
— Ah sim, imagino que seja de Lauren Height. — ele riu agora, confiante na suposição.
O que me deixou confuso, pois não imaginava que pudesse ser ela.
— Olha só, me parece que o informante não sabe quem é o remetente. — observou ele.
— Estou curioso, como chegou até aqui se não foi você quem ela contratou? — o homem manteve o olhar tranquilo.
Era um fato que o senhor Magnus tinha muita experiência com a Alta Cúpula, tinha negócios com os membros. Mas o que me intriga é Lauren o querer extinto.
— Por que ela o quer morto? — agora eu fiz a pergunta.
— Segredos do passado. Sabe, jovem Wick, neste quesito, seu irmão sempre foi prudente, ele sempre soube muito bem quem eram seus alvos. — comentou ele — Eu e Height somos grandes amigos desde a infância e sei de todos os segredos dele.
— Por isso a esposa o quer morto? — mantive a mira nele.
— Tenho uma contraproposta para você. — ofertou ele.
— Estou ouvindo. — disse.
A voz do jovem segurança pode ser ouvida do lado de fora. O corredor em que estávamos tinha mais duas saídas estratégicas. Não foi fácil memorizar todas, mas consegui depois que Hill me enviou a planta do hotel.
— Meu amigo não pode se livrar pessoalmente da esposa, mas tenho certeza que se algum acidente acontecer a ela, não teria nenhum problema. — iniciou ele — Posso te oferecer o dobro para me deixar ir e…
— É tentador, mas… — considerei as possibilidades na minha mente.
— Ah! — a voz feminina, soou atrás de nós.
Voltei meu olhar para sua direção. O olhar assustado de em minha direção fez meu coração se apertar estranhamente. Em um piscar de olhar, o barulho de um tiro soou e o projétil passou de raspão em meu braço. Olhei para trás e os outros seguranças vinham pelo acesso principal. Atirei contra eles e me afastei do homem. Já não estava mais preocupado com o serviço ou até minha vida. estava ali e não iria permitir que nada de mal lhe acontecesse por minha causa. Me aproximei dela e a puxei, escondendo-a atrás da pilastra.
Disparei mais dois tiros contra os seguranças. Sentindo o olhar assustado dela ainda em mim.
— Minha oferta ainda estará de pé. — gritou o senhor Magnus, ao abrir o portão rapidamente e ser amparado pelo jovem que permaneceram do outro lado.
Eu respirei fundo recalculando toda a minha rota de fuga, e segurando na mão de . A puxei comigo. Sabia que se a deixasse lá, mesmo não estando envolvida, não haveria testemunhas para comentar o ocorrido. A protegi com meu corpo enquanto seguíamos pelos corredores no meio de toda a troca de tiros.
Chegando na rua de trás, a guiei até o carro que se mantinha estacionado para minha fuga. De repente ela soltou a minha mão. Estava ofegante e trêmula, sua outra mão mal conseguia segurar seu troféu de primeiro lugar. Só naquele momento eu tinha percebido que a vencedora havia sido dela.
— Espera… — disse ela, tentando assimilar tudo que tinha acontecido — Quem é você?
Seu olhar tinha traços de medo e também de curiosidade. Naquele instante, foi a primeira vez que eu senti o gosto de sangue e chocolate em minha boca.
Será que eu realmente deveria dizer a verdade a ela?
You can call me monster.
– Monster / EXO
4. Macarrons
Wick House, Chicago
passou todo o caminho em silêncio. Não consegui dizer quem eu era e nem tive tempo para isso, pois os seguranças apareceram atirando e tive que tirá-la de lá o mais rápido possível. Eu poderia deixá-la no hotel em que se hospedou, mas agi no impulso levando-a para minha casa. Assim que estacionei o carro na garagem, abri a porta do carona para que ela saísse. Seu olhar permanecia assustado para mim e não a condenava por isso, um desconhecido que a amiga levou para seu apartamento agora estava a sua frente com uma arma na bainha da calça.
— Bem-vinda à minha casa. — eu disse, assim que ela finalmente saiu do carro.
— Poderia ter me deixado no hotel em que estou. — ela manteve o tom baixo, observando tudo com discrição.
— Achei que fosse mais seguro ficar aqui esta noite. — expliquei com um argumento raso — Mas se quiser, eu posso…
— Não, está tudo bem. — ela me olhou, então desviou sua face para a porta de entrada pela cozinha.
Era de vidro e meu gato estava do outro lado nos observando. Eu peguei minha maleta de armas no banco de trás e a guiei para dentro. Passamos pela cozinha e parei por um momento para trocar a ração da tigela de Boris, logo fiquei em paralisia ao ver ela afagando meu gato como se fossem íntimos. O que me deixou embasbacado.
— Sua casa é muito bonita. — disse ela, assim que percebeu minha atenção em si.
Se levantou e continuou olhando ao redor discretamente.
— Obrigado. — eu me voltei para o corredor — Segundo quarto à direita, pode descansar lá.
— Agradeço. — ela peço o troféu que havia deixado no chão, enquanto afagava Boris e se voltou para o corredor.
— Tem toalhas limpas no banheiro. — avisei — Está com fome?
— Um pouco. — respondeu ela.
Assenti observando-a até que desaparecesse em meu campo de visão, então segui até a porta do porão e desci as escadas. Guardei minha maleta e retirei o celular do bolso. Havia algumas mensagens do meu amigo perguntando o que tinha acontecido e o motivo de eu não ter terminado o serviço. Voltei o aparelho para o bolso e abri meu armário de ferramentas. Minuciosamente coloquei cada uma em seu devido lugar e encaixei a maleta da parte inferior com as outras.
Ao voltar para a cozinha, Boris já estava finalmente devorando sua ração. Me aproximei do corredor e ouvi o barulho do chuveiro ligado, então me aproximei da cozinha para preparar algo. Eu nunca havia experimentado a posição de um anfitrião. Minha família sempre foi desgarrada e nossos encontros aconteciam em algum Continental. estar ali era uma novidade surpreendente que eu jamais imaginei viver, mas no fundo estava ansioso a cada segundo.
— Seu chuveiro é muito bom. — comentou ela, ao aparecer na cozinha, depois de alguns minutos.
— Sim. — eu voltei meu olhar para ela e logo percebi seus cabelos molhados.
Reconheci minha blusa de moletom com o símbolo da
Slytherin em seu corpo. Algo que me deixou paralisado, principalmente por suas pernas à mostra. Engoli seco e voltei a olhar para a panela no fogão, sentindo meu coração acelerado. Precisava ter foco.
— Espero que esteja confortável agora. — comentei, terminando de preparar o espaguete à bolonhesa que inventei fazer.
— Sim, agora estou. — senti sua movimentação se aproximando — Nunca imaginei que alguém como você fosse fã de Harry Potter.
Ela pareceu prender o riso.
— Impressionada? — eu desliguei a trempe do fogão e a olhei — Saiba que meu personagem favorito é o Snape.
— Um tanto quanto estranho para mim. — admitiu.
— Poderia definir “alguém como eu”? — indaguei curioso.
— Alguém misterioso que atira muito bem e pareceu estar ameaçando o senhor Magnus. — respondeu ela detalhando seus pensamentos sobre mim — Ainda me deve uma resposta.
— Um dia te responderei. — brinquei de leve e me aproximei do armário para pegar os pratos.
Ela continuou a me observar colocando as coisas em cima da bancada de refeições próximo ao fogão. Então assentando-se na banqueta, agradeceu pelo alimento e deu a primeira garfada.
— Então? — perguntei curioso.
— Nada mal. — ela sorriu de leve — Cozinha tão bem quanto atira.
Sua associação me fez rir de imediato.
— Está mesmo gostoso? — mantive um olhar desconfiado.
— Sim, acredite. — confirmou ela, com um olhar sincero — Não estou te bajulando.
— E não está com medo de mim? — debrucei sobre a bancada mantendo o olhar fixo nela.
— Eu deveria, não é? — ela retribuiu o olhar.
— A maioria ficaria. — respondi.
— Você me protegeu no meio do tiroteio, acho que isso me fez ter sentimentos contrários ao medo. — explicou ela — Acho que pode ser perigoso para mim agora.
— Não deixarei que ninguém a machuque. — assegurei com firmeza.
— Mas e se o monstro for você? — indagou ela.
— Então farei de tudo para obter minha redenção. — retruquei.
Seu olhar demonstrou um certo constrangimento, que a fez desviar sua atenção para o prato. Eu me sentei ao seu lado e me servi também. Um silêncio profundo pairou entre nós no restante da noite. Assim que ela me deu “boa noite” e entrou para o quarto de hóspedes, voltei para o porão. Com ela em minha casa, não conseguiria dormir aquela noite, então passar as horas da madrugada treinando seria algo melhor a se fazer.
Meu corpo ficaria cansado no final e minha mente não pensaria besteiras. E quantos pensamentos maliciosos eu estava lutando contra.
—
Alguns dias se passaram e curiosamente aceitou minha sugestão de ficar mais um tempo em Chicago. Para minha surpresa, ela havia pedido demissão na cafeteria em que trabalhava para seguir seu sonho de ter a sua própria. Em sua concepção, participar do concurso seria um bom começo, principalmente pelo dinheiro pago ao vencedor. Com 15 mil dólares na conta por ter ficado em primeiro lugar, ela já teria um incentivo para começar. E isso foi me dando algumas ideias adicionais.
Não que fosse uma estratégia maluca minha para mantê-la por perto, mas quanto mais eu a ouvia falar dos seus sonhos e de quanto trabalhou anos para ter uma mísera oportunidade para realizá-los. Mais eu desejava fazer parte daquilo e ajudá-la. Foi o que fiz. Meus contatos tinham contatos e Hill, minha melhor e mais fiel assistente, me ajudou a encontrar o lugar mais barato em um ponto considerável em Chicago.
Em uma discreta e tranquila rua do River North, próximo ao centro da cidade, Hill encontrou um imóvel comercial caindo aos pedaços e repleto de dívidas. Hipoteca atrasada e além das contas de energia não pagas. Uma boa aquisição para mim, que não precisei me esforçar para obter a escritura do local. E a primeira coisa que fiz foi apresentar o lugar à nova inquilina.
— Sério, eu afirmei que não te achava um psicopata, mas agora você está me assustando. — disse ela, assim que a ajudei a descer do carro.
Eu havia amarrado uma venda em seus olhos utilizando uma gravata minha. Queria fazer uma surpresa, então deixei o mistério soar entre nós.
— Eu juro que valerá a pena. — assegurei a ela, pegando em sua mão e a guiando para dentro do imóvel — Quero te apresentar um lugar.
— E eu não podia nem ver o caminho? — perguntou ela, mexendo na venda.
— Ei! Ainda não pode olhar. — reclamei não a deixando retirar — Seja mais paciente.
— Eu só, apenas estou assustada com tudo isso, acabei de sentir que uma teia de aranha agarrou em meu cabelo. — explicou ela, segurando o riso — Seria agora meus últimos minutos de vida?
Eu soltei uma gargalhada boba e finalmente desamarrei a venda. Ela ficou alguns segundos estática tentando compreender o que estava acontecendo, até que voltou o olhar para mim.
— Que lugar é esse? — perguntou curiosa.
— Sua cafeteria. — respondi com tranquilidade.
— Minha o quê? — ela olhou ao redor novamente.
— Isso mesmo que ouviu, sua cafeteria. — disse novamente para que não restasse dúvida.
— Como? Você está brincando, não é? — ela me olhou.
— Não, você disse que estava procurando um lugar para alugar, estou te dando esse, está bem localizado e você conhece o dono, já é um começo. — expliquei.
— Esse imóvel é seu? — seu olhar ficou mais impressionado ainda.
— Sim. — assenti.
Fiquei a observando se afastar e andar pelo lugar.
— Aqui é tão… — ela parecia tentar encontrar a palavra.
— Pequeno? — disse.
De fato o imóvel apesar de esquina, era um tanto quanto pequeno e estreito, porém tinha um grande potencial que não podia ser descartado.
— Aconchegante. — disse ela, as palavras desejadas — Mesmo estando em péssimo estado, consigo ver como se tivesse tudo bonito e arrumado.
— Isso significa que não vai voltar a Seattle? — indaguei.
— Significa que tem grandes chances de eu não voltar. — assegurou, ela voltou o olhar para mim e se aproximou — Por que está fazendo isso?
— Isso o quê? — perguntei, mantendo o olhar sereno, mas internamente ansioso.
— Me ajudando… Algo me diz que você não quer que eu volte. — respondeu ela, mantendo o olhar em mim.
— Sua paixão por seu sonho me deixou encantado, o que me fez querer ajudar. — iniciei meus argumentos — Mas confesso que realmente não quero que volte.
— Por quê? — continuou a questionar.
— Porque gosto da sua companhia. — direto e preciso.
Quem diria que eu confessaria aquilo. Não para ela, mas para mim mesmo que sempre quis me manter distante das pessoas para a segurança das mesmas. Agora, depois de dias em sua companhia, não queria imaginar minha casa vazia novamente sem sentir seu perfume após as saídas do banho, ou vê-la abraçando Boris antes de dormir e ter sua companhia no café da manhã.
estava mudando minha perspectiva de vida. Algo que me impressionava e ao mesmo tempo deixava em alerta. Não queria que nada negativo tocasse naquela amizade que estava crescendo entre nós. Mas eu tinha um lado obscuro em minha vida, um lado que ainda não tinha compartilhado com ela.
Um lado que poderia ser fatal para alguém tão inocente.
Eu perdi minha cabeça,
Desde o momento em que te vi.
Só de estar ao seu lado, meu mundo fica em câmera lenta,
Por favor, diga se isso é amor?
– What Is Love / EXO
5. Tamales
Algum lugar de Chicago
Permaneci em um dos cantos do imóvel apenas olhando-a caminhando pelo lugar ainda impressionada. Logo seu olhar desconfiado se voltou para mim novamente e sua face ficou mais séria.
— Isso tudo aqui é mesmo real? — indagou ela pela terceira vez.
— Não acredita em mim? Depois de todo esse tempo? Achei que fôssemos amigos. — me senti um pouco ofendido.
— Me desculpa, mas é um pouco surreal demais para mim. — confessou ela. — Você ainda não me disse muita coisa sobre você, o que não me deixa em paz com tudo.
— Apenas saiba que não faço coisas convencionais. — uma forma subjetiva que encontrei.
— Hum… — ela fechou a cara um pouco.
— Está com fome? — mudei de assunto.
— Não mude de assunto. — reclamou ela.
— Mudo, sim. — eu ri e segurei em sua mão. — Tem um restaurante mexicano muito famoso aqui perto, que tal?
Ela riu de leve. Aquilo me aquecia por dentro de uma forma curiosa. Deixamos o imóvel e seguimos caminhando pelas ruas. Ao entrar no
Nacho Taco, nos sentamos na mesa aos fundos e fizemos nosso pedido. O lugar era bonito e bem descontraído, se empolgou com um senhor que se aproximou de nossa mesa e lhe convidou para dançar um pouco, no pequeno espaço reservado que parecia uma pista de dança. Ao som de um canto ao vivo, seu corpo começou a se mover sendo guiado pelo senhor. Apenas fiquei a observando atentamente.
Foi neste momento que percebi alguém também atento a ela. Não sabia quem era a tal pessoa encapuzada, mas me incomodou muito. Minha atenção se voltou novamente para , que se aproximou da nossa mesa aos risos.
— Você deveria experimentar, é bem divertido. — aconselhou ela.
— Se quiser me ensinar a dançar… — brinquei com ela.
— E você não sabe? — ela se mostrou surpresa. — Aquela senhora ali te ensina rapidinho.
Ela apontou para uma senhora de vestido floral.
— Acho melhor não tentar. — eu ri.
— Vou ao banheiro, volto rápido. — disse ela se afastando.
Assim que ela sumiu em meu campo de visão, me voltei para a pessoa de capuz, que se levantou despistadamente. Como eu imaginava. Me levantei e segui para a direção do banheiros também, tive que me desviar de um casal no caminho, mas cheguei a tempo de ver a pessoa de capuz em frente ao banheiro feminino pronta para entrar. Foi quando eu a agarrei pela blusa, arrastando-a para o banheiro masculino.
Entrando em um reservado vazio, o joguei contra a parede, me certificando que era mesmo um homem, o que aparentou desde o início, por seu porte físico. Ele se debateu e tivemos um pequeno confronto naquele micro espaço, até que consegui obter vantagem e o pressionei contra a parede lateral.
— Quem te mandou e o que você quer com ela? — perguntei demonstrando minha fúria com o olhar.
— Quem é você para entrar em meu… — eu o calei com um soco.
— Responda. — elevei mais a voz.
O homem cuspiu seu sangue em minha cara e riu.
— Pode me bater o quanto quiser, não vou dizer. — ele riu mais.
— Como quiser. — disse encerrando nossa conversa.
Não controlei minha raiva e continuei a socar sua cara até desmaiá-lo. Deixei seu corpo caído dentro do reservado, mantendo a porta fechada e me aproximei da bancada da pia. Lavei minhas mãos e, umedecendo o papel, passei no rosto. Com um respirar fundo, voltei para o salão e lá estava novamente na pista dançando com o senhor. Fiquei com um pouco de inveja, mas me contive, afinal, o máximo que me permitia aproximar dela, era apenas para ser seu amigo.
Agir com prudência seria melhor para nós dois, e seguro para ela.
Antes mesmo que pudesse voltar a nossa mesa, a tal senhora de vestido floral me abordou no caminho, me arrastando para a pista também. Eu me senti um deslocado com ela toda animada tentando me fazer dar alguns passos de rumba. Somente conseguia ouvir as gargalhadas de ao lado.
Pelo menos alguém estava se divertindo ali.
Por alguns movimentos errados de minha parte e mal intencionados do senhor Juan. O corpo de rodopiou pela pista até parar em minha frente. Senti minhas mãos tocarem sua cintura para lhe dar apoio no término do giro, foi a primeira vez que estivemos tão perto. E dentro de mim precisava ao máximo controlar meus instintos e desejos por ela.
— Opa, parceiro errado. — brincou ela, ao abrir um largo sorriso.
— Sim. — assenti. — Ainda temos um jantar pela frente, não está com fome?
— Verdade, me distraí tanto com as músicas que acabei esquecendo do nosso pedido.
Voltamos para a mesa e finalmente pedi ao garçom que trouxesse os pratos. Não era com frequência que degustava dos pratos mexicanos, mas minha preferência era sempre os tamales. Uma receita feita com ‘masa’, um tipo de massa de milho e gordura, que é cozida no vapor envelopado por folhas de bananeira ou de milho, seus recheios eram contemplados com uma variedade de carnes ou vegetais. E minha escolha sempre seguia para o frango.
— Eu adorei nosso final de noite. — disse ela, assim que entramos em casa — Nunca me diverti tanto, definitivamente quero voltar naquele restaurante.
— Fale por você. — disse num tom baixo, me sentindo envergonhado.
— Ah, para. — ela me deu um toque de leve no ombro. — Foi divertido sim, a dona Guadalupe foi uma fofa de levando para dançar.
— Eu pisei no pé dela o tempo todo; garanto, não nasci para isso. — assegurei a ela.
— Mas não finja que não gostou. — ela manteve o sorriso no rosto para mim.
— Que bom que você se divertiu. — retribui o sorriso.
Ela se afastou e deu alguns passos para a direção da cozinha e olhou a tigela de Boris. Em poucos movimentos, trocou a ração e deixou a tigela no mesmo lugar. Não demorou muito para que meu gato ouvisse o barulho, despertando de seu sono no sofá e seguisse na direção da comida.
— Eu vou tomar uma ducha, depois de tanta dança, acho que preciso de um banho. — avisou ela.
— À vontade. — assenti.
Assim que ela sumiu do meu campo de visão, senti meu celular vibrando no meu bolso. Ao retirar, era uma ligação de Hill, com certeza com mais um trabalho para mim. O que de fato se confirmou ao atendê-la.
— Saudades da minha voz?! — perguntou ela, em tom de brincadeira.
— Um pouco, o temos para hoje? — perguntei.
— Bem, antes de irmos aos negócios, queria dizer que você anda contraindo bons inimigos, meu caro. — comentou ela, demonstrando preocupação — O que te fez atacar Igor Magnus?
— Como sabe sobre isso? — indaguei.
— Alguns associados andaram comentando e nossas fontes me informaram. — respondeu ela — Um trabalho à parte? Achei que trabalhássemos juntos.
Notei que ela estava chateada por aquilo.
— Só estava ajudando um amigo, mas no final não deu certo e Magnus ainda está inteiro. — expliquei de imediato, dando alguns passos até a parede de vidro e olhando o jardim da lateral. — E se tenho inimigos, até agora nenhum veio bater em minha porta.
— Sorte a nossa que sua cabeça não está a prêmio, como a do seu irmão. — suas palavras soaram espontâneas. — Ah, tive notícias dele, está bem e manda lembranças.
— Que bom, fico mais aliviado por isso. — suspirei fraco. — Quanto ao trabalho…?
— Ah, sim, Atlanta dessa vez, não vai precisar nem se hospedar, é algo rápido e silencioso. — garantiu ela.
— Mande as informações, devo seguir viagem quando? — perguntei.
— Amanhã pela manhã, já reservei seu voo. — finalizou ela.
Trocamos mais algumas informações e logo me virei para a direção do corredor, sentindo a presença de . Ela estava vestida com um pijama meu. Era incrível como mesmo tendo trazido suas roupas do hotel em que estava hospedada, ela continuava a vestir as minhas com naturalidade. Isso mexia com minha mente de uma forma.
— Eu ouvi uma parte da sua conversa, vai viajar? — perguntou ela.
— Sim. — respondi.
— Trabalho? — continuou.
— Sim. — mantive meu olhar sereno para ela, esperando a próxima pergunta.
— Eu posso saber mais sobre isso? — um olhar de criança surgiu dela.
— Não. — eu guardei meu celular no bolso e segui em sua direção. — Essa é a parte que não posso contar.
Havíamos feito um acordo amigável de confiança. Eu contaria até a parte em que ela poderia saber. Seria honesto de alguma forma.
— E quando você vai? — ela deu dois passos chegando até mim.
— Amanhã, pela manhã. — respondi.
— Que tal uma sobremesa para terminarmos bem à noite? — sugeriu ela.
— Não está cansada? — perguntei, observando-a passar por mim até a área da cozinha.
— Não, estou com desejo de comer cookies. — respondeu, abrindo a porta de um dos armários e retirando os ingredientes.
— Desejo? Pelo que sei, não está grávida. — brinquei.
— Quem disse que tem que estar grávida para desejar comer algo? — ela me olhou confusa. — E se eu tivesse, você seria o pai?
Nos olhamos sérios por um momento, até que ela caiu na gargalhada. Mantive em silêncio a observando em seu preparo, até que resolveu me chamar para ajudá-la. Eu realmente gostava de gastronomia, mas para doces e sobremesas, não tinha tanta aptidão manual. Entretanto, inicialmente me senti confortável e empolgado com suas explicações de uma mestre cuca para um aprendiz. Minha atenção inteira voltada para ela e seu olhar que brilhava constantemente.
Em um piscar de olhos, de forma travessa, jogou um punhado de farinha na minha cara e, surpreso com aquilo, devolvi. Uma guerra de ingredientes começou até que acidentalmente derrubamos o frasco de leite; o líquido no chão nos desequilibrou um pouco e ela, ao escorregar, me puxou pela camisa junto.
Meu corpo caiu sobre o dela e nossos olhares se cruzaram. Sua respiração, um pouco ofegante e meu coração acelerado. O que essa garota estava fazendo com meu psicológico? Eu não posso me envolver, mas ao mesmo tempo a única coisa que desejo é tocá-la. Em um movimento racional de minha parte, me afastei dela levantando primeiro.
— Devemos ter mais cuidado. — disse me virando. — Vou buscar algo para secar o chão.
— . — ela me chamou, segurando em minha mão.
— Sim? — eu me voltei para ela novamente.
E antes que pudesse reagir a qualquer coisa, senti seus lábios tocarem os meus. Fui aquecido por dentro de imediato, e percebi seu corpo arrepiar também. Fechando meus pensamentos racionais bloqueados, apenas retribui o beijo com a intensidade que passei todo aquele tempo reprimindo dentro de mim.
Estou com sede
Eu vou tomar deste copo
Transbordante
Eu não sei o que fazer esta noite
It’s the love shot.
– Love Shot / EXO
6. Cookies
Wick House, Chicago
— Não deveria ter feito isso. — sussurrei para ela, após terminar o beijo.
— Seus olhos me dizem o contrário. — ela manteve o olhar seguro. — Do que você tem medo?
— Só não quero te colocar em perigo. — aleguei a ela.
— Me colocar em perigo? — ela riu. — Eu já não estaria só de morar com você? Podemos ser amigos, mas não podemos passar disso?
— Acredite, é melhor assim. — eu me afastei e segui até a área de serviço.
Pegando um pano, retornei à cozinha e a encontrei vazia. Respirei fundo e limpei toda a bagunça que fizemos. Passei a noite no porão organizando minha maleta para a viagem e tentando não pensar no quão chateada ela estaria. No meio da madrugada passei por seu quarto e a porta estava entreaberta, abri um pouco e fiquei alguns segundos observando-a dormir.
Era louco a forma como me transmitia paz até mesmo vê-la assim. No meio do caos da minha vida escura e cheia de sangue, eu a tinha como um chocolate que adoçava todo o gosto amargo do meu mundo.
— Ela ainda vai me deixar louco. — sussurrei ao seguir para meu quarto.
Na manhã seguinte, ao nascer do sol, já estava entrando no táxi com destino ao aeroporto. Algumas horas até Atlanta e finalmente pude com precisão e rapidez cumprir meu trabalho. Exatamente como Hill havia dito, não demorou nem meia hora para finalizá-lo com sucesso a tempo de pegar o último embarque para Dallas. E não, não voltaria tão cedo para casa, pois meus dias de descanso haviam terminado e tinha mais três serviços para realizar.
Quatro dias em Dallas, três dias em Los Angeles, e última parada em Manhattan. Não me contive em me hospedar no Continental, já que haviam reativado e consagrado novamente, mantendo a direção de Winston.
— . — disse Winston ao me ver, um sorriso singelo manteve no rosto. — Estou feliz em vê-lo, principalmente depois das turbulências envolvendo seu irmão.
— John gosta de chamar a atenção, estou feliz por ele ser o popular da família, assim as pessoas não se lembram de mim. — brinquei voltando o olhar para Charon, o concierge. — O mesmo quarto de sempre, está vago?
— Sim, senhor Wick. — respondeu o homem. — Para quantas noites?
— Apenas uma. — respondi.
— Espero que não arrume confusões como seu irmão. — continuou Winston, mantendo o olhar analítico para mim. — Andei ouvindo boatos a vosso respeito.
— Sobre? — eu o olhei.
— Igor Magnus. — respondeu.
— Eu só estava ajudando um amigo. — aleguei em minha defesa.
— Sua ajuda fez o homem dobrar a segurança. — revelou ele.
— Bem, este problema não é meu. — retirei duas moedas do bolso e coloquei em cima do balcão e pegando as chaves. — Agradeço pelo quarto.
Me afastei deles e segui para o elevador. Só precisava de uma noite de sono para voltar para casa. Hill não tinha conseguido minha reserva para aquele dia e eu estava preocupado por passar tanto tempo longe de casa. poderia estar desprotegida, ainda mais pelos boatos que rondava com meu nome e a maldita ajuda que tentei dar a Hugh.
— Nunca mais eu ajudo ele. — sussurrei para mim mesmo, retirando a camisa e entrando no banheiro. — Só me deu dores de cabeça, pelo menos meu caminho cruzou o de .
Como eu conseguia ver um lado bom nisso, se agora eu estava mais do que envolvido com ela. E sim. Ser apenas um amigo era algo pesado demais para mim que agora senti o gosto do seu beijo. Eu queria mais e estava decidido a levar adiante minha loucura de me permitir gostar de alguém.
—
— Olha só quem ainda está vivo. — disse a senhora Height ao esbarrar em mim no corredor do Continental na manhã seguinte. — O homem que recusou um trabalho de mim.
— Senhora Height. — abaixei um pouco o olhar em cumprimento.
— Por favor, pode me tratar com menos formalidades. — ela sorriu de canto. — Me chame de Lauren.
— Lauren, não imaginava que alguém de padrões altos frequentava o Continental. — comentei olhando-a desconfiado.
— Bem, estou aqui a negócios. — explicou ela. — Mas este lugar também serve a Alta Cúpula, não somente pessoas como você.
— Verdade. — concordei.
— Posso lhe convidar para uma bebida? — perguntou ela, seu olhar ficou mais sugestivo.
Ergui meu pulso direito e olhei no relógio as horas. Ainda tinha um tempo e estava curioso para saber o que ela queria com aquele convite.
— Acho que disponho de alguns minutos. — aceitei.
Um leve sorriso se abriu em sua face e seguimos para o restaurante do hotel. Sentados em uma mesa ao canto, pedimos uma garrafa de vinho Bordeaux Sauvignon Blanc 1997. O olhar da mulher se manteve fixo em mim e com uma pitada de desejo também, o que pela primeira vez me fez sentir incomodado. Talvez por meus pensamentos estarem na ansiedade de ver novamente.
— Qual o teor do seu convite? — perguntei após saborear o primeiro gole do vinho. — É intrigante. Para uma mulher casada e conhecida, pode não ser bem visto.
— Por favor, por que não esquecemos a parte do casada? — sugeriu ela. — Eu apenas curiosa para conhecer o irmão mais novo de John Wick; se realmente é parecido com ele em todas as formas.
— Devo levar como um elogio? — perguntei com serenidade no olhar.
— Claro. — ela riu com delicadeza. — Quando ouvi sua voz ao telefone, senti o forte desejo de te conhecer pessoalmente, confesso que é exatamente como pensei.
— Espero não ter decepcionado. — mantive o tom sério.
— Não, pelo contrário, me deixou surpresa. — eu senti sua perna tocar a minha.
Era o início de uma possível sedução de sua parte. Já havia passado por esta situação muitas vezes. Contudo, ao contrário de antes, nenhuma mulher conseguiria mais minha atenção momentânea. Havia uma em minha casa que detinha tudo para ela.
— Eu agradeço pelo vinho, mas é somente isso que conseguirá de mim. — tomei mais um gole e me levantei.
Antes que pudesse me afastar, ela segurou em meu pulso, olhando de forma rancorosa.
— Recusou meu serviço, e me recusa também? — seu tom tinha traços de amargura e irritação.
— Aconselho-te a voltar para seu marido. — peguei em sua mão com cuidado para não machucá-la e a soltei de mim. — Jamais teremos algum tipo de assunto em comum, não vou trabalhar para você, Lauren.
Me afastei e segui para o balcão de recepção e fechei a conta. O táxi me aguardava na porta com a rota para o aeroporto.
Finalmente quando cheguei em casa, soltei um suspiro aliviado ao entrar e me deparar com na cozinha fazendo alguma coisa, e Boris tentando chamar sua atenção passando por suas pernas.
— Boris, não pode ficar me desconcentrando. — a voz dela soou despreocupada. — A forma está quente, poderia tê-la derrubado.
— Devo pensar que fez algo para mim? — perguntei, fazendo-a notar minha presença.
— , você voltou. — ela tentou conter a alegria em me ver, mas seus olhos brilharam um pouco.
— Demorei mais do que o planejado, mas estou de volta. — disse fechando a porta ativando a fechadura eletrônica e colocando a maleta de armas ao lado do sofá. — Estou curioso pelo cheiro, tem chocolate no meio.
— Fiz cookies novamente. — respondeu ela.
— Hum… — sorri de canto caminhando em sua direção.
— Você aceita…
Nem mesmo a deixei terminar a frase e lhe beijei de surpresa. O que eu queria fazer a muito tempo, envolvê-la em meus braços sem medo dos riscos que poderia atrair para sua vida. Agora entendia um pouco mais meu irmão, quando abriu mão do trabalho da família para ficar com sua esposa. Ali estava eu trilhando o mesmo caminho, temendo que acontecesse comigo o mesmo no futuro.
— O que foi? — perguntei, ao sentir seu afastamento após o beijo.
— Você ainda está com medo. — afirmou ela.
Como conseguia sentir isso com apenas um beijo? Eu havia colocado todas as minhas emoções naquele momento.
— Já que…
— Posso ficar em perigo ao seu lado. — completou ela, mantendo o olhar sério — Que perigo é esse?
— Uma parte de mim é como um monstro que não se pode prender em uma gaiola. — comecei a explicar para ela, subjetivamente. — Você pode se machucar por causa dessa parte.
— Está relacionado aos seus trabalhos? Com aquele homem do concurso? — perguntou ela.
— Sim. — assenti.
— Eu não me importo. — ela parecia mais decidida e corajosa que eu.
Era vergonhoso para mim. E ao mesmo tempo um consolo.
— Você tem sido a melhor parte do meu dia. — revelei a realidade atual.
— Me deixe ser a melhor parte da sua vida então. — ela segurou em minha mão, entrelaçando nossos dedos.
— Por quê? — perguntei — Sou um estranho com problemas de socialização e que pode trazer riscos à sua vida.
— Estamos há meses dividindo a mesma casa, te achei bem sociável ao longo desse tempo. — ela riu. — E quanto à minha vida, acho que você pode me proteger…
Ela mordeu o lábio inferior e se aproximou mais de mim.
— Está nítido que não quer que eu vá embora, e eu não quero ir. — continuou ela — Tem algo em você que me atrai, e não é porque passou uma noite com minha amiga.
Ela soltou uma gargalhada boba e sutil.
— Mas confesso que não parei de pensar em você desde aquela madrugada. — ela desceu um pouco o olhar, pareceu pensativa — Eu deveria estar com medo, mas… Todo esse mistério que te rodeia me deixa ainda mais atraída.
Seu olhar subiu para mim novamente com uma pitada de inocência reluzindo. O que me fez beijá-la novamente com mais intensidade e menos culpa. De forma doce e maliciosa, envolvi meus braços em sua cintura e a senti aninhar-se em mim, causando um arrepio em meu corpo. Notei que seu coração também estava nitidamente acelerado.
— Obrigado por me fazer sentir paz. — sussurrei para ela.
Percebi um singelo sorriso no seu rosto, que me aqueceu ainda mais por dentro. era realmente o que faltava em minha vida, mas que relutava em deixar entrar. O amor que poderia me redimir de todos os meus pecados, para que houvesse um pouco de luz em minha vida.
Eu não preciso de um mapa, meu coração me leva a você
Mesmo que o caminho seja perigoso,
Eu não posso parar agora
Eu nunca me esqueci de você por apenas uma hora.
– Black Pearl / EXO
7. Cheesecake
Hotel Continental, Vegas
Talvez eu estivesse tão maluco como meu irmão. Havia contatado John por alguns valiosos minutos e lhe contado sobre meu relacionamento inesperado com . Seu conselho imediato de aproveitar a oportunidade, pois a vida é realmente muito curta, me fez refletir um pouco e tomar a decisão mais louca e assertiva da minha vida. Após deixar Boris sob os cuidados de um hotel para animais de Chicago, viajei para Vegas acompanhado de que não conseguia entender todo o meu silêncio a respeito de tudo. Sua ficha caiu quando entramos em um cartório de registro civil e eu a pedi em casamento da forma mais inusitada possível.
— Você é louco? — disse ela, abrindo um sorriso leve e surpreso.
— Não, você disse uma vez que tinha um desejo estranho de se casar em Vegas. — respondi a ela. — Aqui estamos. Está arrependida de querer entrar em minha vida?
— Não, eu só não esperava com tanta rapidez. — alegou ela, voltando o olhar para a certidão em nossa frente.
— A vida é muito curta para esperar tanto. — argumentei. — Não se sinta pressionada se não quiser, mas depois de completarmos um ano…
— Não vai se ver livre de mim assim tão fácil. — ela manteve o sorriso e se voltou para o tabelião. — Onde assino? Este homem aqui achou que eu ia ficar assustada com seus atos e desistir, ele tem feito isso com bastante frequência sabe, mas eu vou assinar.
Eu ri baixo. Assim que ela assinou o documento, fiz logo em seguida.
— Agora não tem mais volta, senhor Wick. — disse ela, segurando em meu terno e me puxando para perto.
— Eu não quero que tenha volta, senhora Wick. — assegurei a ela, sorrindo de canto.
Sob a autorização do tabelião, a beijei de leve, selando nossa união. Voltei meu olhar para a concierge, de nome Louise.
— Agradeço por me conseguir o tabelião tão prontamente. — disse a mulher, que assentiu com o olhar, ajeitando discretamente o terno feminino em seu corpo.
— O prazer é nosso poder hospedá-lo, senhor Wick. — disse ela, indo auxiliar o tabelião para que se retirasse.
— Eu posso entender a dinâmica desse lugar? — perguntou , observando a funcionária. — Tudo o que você pedir eles conseguem pra você?
— Nem tudo, depende do que eu quero no momento. — eu segurei em sua cintura. — Por exemplo, agora eu queria me casar com você, e consegui.
Ela manteve aquele olhar de: Sua explicação continua vaga demais para mim. O que me fez rir de leve.
— Que tal deixarmos esses detalhes de lado e partir para a melhor parte? — sugeri.
— Qual? — ela me olhou franzindo a testa.
— A noite de núpcias. — pisquei de leve, arrancando risos baixos dela.
— Seu bobo. — ela se afastou de mim e voltou o olhar mais para frente.
Pareceu reconhecer alguém. O que foi novidade para mim. continuou dando passos para mais longe o que me fez segui-la. Logo meus olhos avistaram um rosto realmente conhecido. Igor Magnus, o homem que tentei matar para meu amigo. Era só o que faltava para estragar meus planos de recém-casado.
— Senhor Magnus. — disse ao se aproximar dele.
— Oh, a jovem confeiteira. — o homem sorriu para ela, ainda não tinha me visto. — Fiquei preocupado, não houve notícias suas após aquele tumultuado evento e não se candidatou ao estágio em nenhum de meus bistrôs. Mas, o que faz aqui em um Hotel Continental?
Percebi sua surpresa naquele instante.
— Bem, a história é um pouco longa… — ela riu de leve e me puxando para perto dele, ao perceber minha aproximação. — E acabo de me tornar uma mulher casada.
O olhar dele veio para mim.
— Interessante. — disse Magnus, fixando mais o olhar. — Nos vemos outra vez.
— Senhor Magnus, espero que não tenha ressentimentos entre nós. — disse mantendo a serenidade.
— Oh, claro que não, são só negócios, não é? — ele riu. — Estou mais curioso em saber como conquistou essa linda jovem.
— Acredite, eu me pergunto isso todos os dias quando olho para este sorriso. — voltei meu olhar para ela, que de imediato sorriu com timidez. — Minha luz no fim do túnel.
— Meus parabéns ao casal. — disse ele, com entusiasmo. — Que tal celebrarmos o momento com um jantar digno desta bela noiva? Não aceito não como resposta.
me olhou, parecia receosa. Porém, demonstrou confiar na minha decisão. Assenti para ele e seguimos para o restaurante do hotel. Mesa VIP da casa e com cardápio especial. Igor Magnus fez questão de deixar que ela escolhesse o menu do nosso jantar.
— Ando curioso pela história de vocês. — comentou Igor ao saborear o vinho em sua taça.
— Deixe-me adivinhar, está pensando que ela fazia parte dos meus atos no concurso? — mantive o olhar sério para ele.
— Seria um pensamento lógico, não acha? — questionou ele. — Um ano depois vê-los nesta situação e com alianças nos dedos.
— Ela não me conhecia naquela época. — assegurei.
— Hum… — se pronunciou. — Acho que em partes…
Ambos os cavalheiros voltamos nosso olhar para ela.
— Eu já tinha visto ele em Seattle, onde morava. — começou ela a contar sua versão da história. — O atendi algumas vezes na cafeteria em que trabalhava até que ele dormiu com minha amiga e desapareceu no dia seguinte.
A forma como ela contou fez Igor soltar uma gargalhada alta e empolgada.
— Ele dormiu com sua amiga e você se casou com ele agora? — ele riu mais um pouco. — Curioso.
— Digamos que tem algo nele que me atrai. — explicou ela. — E não me importa o quão obscuro seja algumas partes de sua vida.
Eu ainda não tinha dito com exatidão a minha profissão. Mas ela sabia que minha casa era repleta de armas e eu carregava sempre suas comigo. Que tinha um valor considerável de dinheiro no banco e muitas moedas em meu cofre pessoal. A parte rasa do submundo ela conhecia, mas o resto…
— Estou impressionado com sua forma corajosa de dizer. — Magnus olhou para mim com preocupação. — E mais ainda com você por tê-la exposto ao se hospedar no Continental.
— Este é o lugar mais seguro para ela. — afirmei.
— Sério? — me olhou. — Do que ele está falando?
— Precisamos nos retirar. — disse a ela me levantando. — Agradeço o jantar, senhor Magnus, mas terá que ficar para uma próxima oportunidade.
Voltei a olhar para ela.
— Vamos? — insisti estendendo minha mão.
Ela assentiu com um olhar confuso e segurou em minha mão. Seguimos para o hall e pegamos o elevador. Ela permaneceu pensativa e em silêncio por todo o trajeto, contudo, assim que entramos em nossa suíte, seus questionamentos ganharam voz.
— O que aconteceu lá embaixo? — perguntou ela, um olhar sério de quem não aceitaria mais segredos.
— Algo inesperado. — me aproximei da cama e retirei minha maleta debaixo.
Ela sabendo o que tinha dentro, se aproximou de mim e tocou em minhas mãos para que parasse.
— , olha para mim. — seu tom foi de ordem.
E eu obedeci.
— Por que ele disse que eu estaria em risco vindo aqui, e por que este lugar é o mais seguro para mim? — ela reforçou seu tom firme. — Nada de explicações vagas dessa vez.
— Eu não deveria ter feito isso com você, te envolver e ainda… — passei a mão no rosto e me sentei no chão, mantive o olhar para frente.
Procurava as palavras na minha mente para construir a melhor explicação que não a deixasse assustada ou com medo de mim.
— Eu te disse que tenho um lado… — iniciei.
— Sem rodeios. — ela me cortou se sentando no chão também, de frente para mim.
— Eu não sou um cara bonzinho, não sou um agente secreto como você imaginou uma vez… Não trabalho para o governo e nem sou segurança particular. — continuei baixando mais a minha voz — Sou o cara mal…
— Você é um assassino profissional. — concluiu ela, antes que eu terminasse.
Meu olhar ficou confuso e surpreso ao mesmo tempo.
— Não me olhe assim… — pediu ela.
— Como sabe sobre isso? — perguntei.
— Eu poderia dizer que foi pela lógica, já que você atira muito bem para uma pessoa que não é da área militar. — ela riu baixo. — Mas, há uns dois meses eu… Não foi proposital, mas você deixou o celular na cozinha e eu atendi, tive uma conversa enriquecedora com a Hill enquanto você estava no banho.
— A Hill sabe sobre você? — franzi a testa.
— Sim, para ser sincera ela sabe sobre mim desde o início. — assentiu ela, voltando o olhar para o teto, segurando o riso desta vez. — Acabei descobrindo também que ela sempre enviava alguns seguranças extras para me vigiar quando você saía em viagem.
— Ela fez isso? — perguntei e ela assentiu com a cabeça.
Por essa eu não esperava. se aproximou mais de mim e aninhou seu corpo ao meu.
— Confesso que fiquei desnorteada inicialmente, imaginando você executando seus trabalhos… Então me lembrei de como de protegeu no dia do concurso. — ela manteve o tom baixo, quase em sussurro — Você pode ser um monstro para os outros, mas não é para mim.
Se remexendo um pouco, ela se virou para mim com um olhar sereno, tinha um brilho incomum.
— Meu coração sempre acelera quando está perto e eu realmente te amo. — ela se declarou abertamente para mim.
— Idem. — sussurrei sorrindo de canto.
Joguei meu corpo um pouco mais para o lado, me inclinando para iniciar o beijo. A sinceridade de tinha causado grandes efeitos sobre meus sentimentos. Se ainda existia resistência de minha parte, não teria mais. Apenas deixaria seu amor me guiar para mais perto dela, envolvendo-a em meus braços deixando minha mente livre das preocupações com o futuro.
Mantendo nossa noite mais intensa e maliciosa.
Pele com pele
Meu coração se desarma
Você me faz bem
Acendes luzes na minha alma.
– Creo en Ti / Reik
8. Ice Cream Cake
Aeroporto Particular Continental, Vegas
Uma semana no Continental de Vegas foi umas das melhores da minha vida, entretanto, tinha que voltar aos negócios; e enquanto retornava para a agora nossa casa em um jatinho particular oferecido pelo senhor Magnus, estava curioso para saber o breve interesse dele por minha esposa, principalmente pela situação que ocorreu envolvendo nós três.
Igor Magnus sabia que eram apenas negócios e que eu estava prestando um favor a um amigo endividado. Contudo, o mundo dá voltas, muitas voltas. Em um piscar de olhos seu inimigo de hoje pode se tornar o amigo de amanhã e vice-versa.
— Confesso que ainda me impressiono alguém como você conquistar um coração tão puro como o de . — Magnus manteve o tom baixo, porém firme, em sua voz, com a atenção voltada para o jatinho que decolava com minha esposa dentro.
— Acredite, eu me faço a mesma pergunta desde o dia em que ela aceitou meus sentimentos por ela. — confessei voltando o olhar para o chão. — Antes que eu fique com ciúmes por falar tanto da minha esposa, vamos aos negócios. O que deseja de mim?
— Bem, eu poderia até te pagar para retribuir na mesma moeda, mas tenho minhas suspeitas da pessoa que quer me destruir, então… — Magnus olhou novamente para o horizonte, parecia refletir em suas próprias palavras. — Tenho outro contrato para você, preciso que entregue um recado a uma pessoa.
— Alguém da Alta Cúpula? Sabe que não me envolvo com eles. — mantive firme em meus princípios.
— Eu sei, você é mais prudente que seu irmão John e sua falecida mãe. — afirmou ele. — Não se desafia a Alta Cúpula, mas pode desafiar as pessoas que trabalham para eles.
— Onde pretende chegar com essa conversa? — coloquei as mãos nos bolsos da calça, analisando cada expressão dele.
— A mesma pessoa que matou sua mãe, matou uma grande amiga minha, e tenho certeza que você deseja saber quem é a pessoa. — ele sorriu de canto, seu olhar parecia sincero.
— Você tem um nome? — indaguei.
— Sim, e desejo que entregue um recado a ele. — assentiu.
No início, desacreditei das palavras seguintes de Igor Magnus, mas no mundo da Alta Cúpula em que nasci e fui criado, já sabia que não podia confiar em ninguém, nem em minha própria sombra. Após um aperto de mão amigável, me afastei dele e segui para um carro de aluguel, tinha algumas pendências no Hotel Brasilei antes de seguir para Manhattan. Hill era a melhor assistente que eu poderia ter, sempre com os trabalhos que me rendiam melhores pagamentos.
Algumas horas para finalizar o que deveria, peguei o primeiro voo para New York. Quanto mais rápido a execução dos meus serviços, mais rápido estaria em casa. Claro que já me passou pela cabeça a aposentadoria, porém, mediante tudo que havia acontecido com meu irmão John e as consequências de sua saída, me deixava convicto que a melhor opção era continuar na ativa. O que também poderia garantir a segurança de .
Chegando em Manhattan, fiz o check-in no Continental e segui para meu quarto. Precisava de algumas horas de preparação e análise da planta do prédio em que meu alvo estaria. Às sete horas da noite em ponto, estava eu parado em frente ao Metropolitan Opera, adentrando o prédio avistei um rosto conhecido no hall.
— A trabalho, Wick? — a voz sinuosa de Bridget acompanhava seu olhar desejoso para mim.
— Sempre. — mantive minha voz seca e o olhar sério direcionado para frente. — E você?
— A passeio, tirei um mês sabático e quero aproveitar minhas férias. — respondeu ela.
— Está no Continental? Conseguiu resolver seus problemas com eles? — perguntei.
— Sim, o Winston é um homem caridoso. — respondeu ela.
Ficamos em silêncio por um momento, observando as pessoas que passavam para o auditório onde seria o espetáculo da noite. Meu olhar estava fixo em meu alvo, que seguia pelas escadas em direção ao camarote. Entretanto, conseguia sentir o ar de curiosidade emanando dela.
— Diga seus pensamentos, Bridget. — disse.
— Soube que se casou. — ela foi direta.
— As notícias correm. — comentei rindo baixo.
— O sobrenome Wick é muito popular em nosso meio. — explicou ela.
Conseguir notar que ela não parecia muito satisfeita, já que sempre disse abertamente seu interesse amoroso por mim. Eu me despedi dela com o olhar e me afastando, segui até as escadas. Olhei para o relógio em meu pulso e cronometrei o tempo da apresentação, o serviço seria feito no ápice dos instrumentos no palco. Mesmo com o silenciador, precisava ser cauteloso e me certificar que o olhar e atenção de todos estivesse na orquestra.
Um banho quente e uma ligação para casa foi tudo que eu quis ao retornar ao Continental. Nossa videochamada foi meio longa, mas serviu para me deixar com mais saudades e ansioso para retornar no dia seguinte.
— Você realmente estará em Chicago amanhã? — indagou ela novamente com o olhar desconfiado.
— Sim, pedi a Hill que reduzisse a carga de trabalho este mês, quero te ajudar com a cafeteria. — confirmei mantendo meu olhar sereno. — Ou você quer fazer isso sozinha?
— É claro que não. — ela riu. — Seus braços fortes são sempre bem-vindos!
— Ah, senti uma ponta de interesse aí. — brinquei.
— Estou com saudade, aconteceu alguma coisa ontem? Você disse que ligaria e não o fez. — perguntou ela.
— Está tudo bem, só estou um pouco cansado. — respondi.
— E o que o senhor Magnus queria com você? Achei surpreendente ele ter oferecido o jatinho pra mim. — seu olhar confuso era tão fofo.
— Somente negócios, mas vou resolver isso. — poucas palavras, ela não precisava saber a história toda.
— Não pode me contar ou não quer me contar? — essa indagação havia se tornado rotineira quando o assunto era meu trabalho.
— Um pouco dos dois, não quero te preocupar. — sorri de leve. — O que estava fazendo antes de te ligar?
— Hum… — ela fez um olhar pensativo. — Estava vendo filmes com o Boris, ele também está sentindo sua falta.
— Foi tranquilo quando o pegou no hotel de animais? — perguntei.
— Sim, o gerente gravou meu rosto e não tive problemas, mas parece que o Boris emagreceu um pouco, a cuidadora disse que ele não comeu muito por saudade de você. — explicou ela.
— Hum…
— Mas agora ele está comendo direitinho, acho que também se acostumou comigo. — ela sorriu um pouco.
— Ele precisa mesmo se acostumar com você. — afirmei. — Já que agora também é dona dele.
Logo que falei, Boris apareceu na tela do celular, se esfregando em . Consegui ouvir seus miados baixos e ri um pouco, também estava com saudades do meu amigo de quatro patas.
— Vou desligar agora, nos vemos amanhã. — disse a ela.
— Eu te amo. — sua voz soou com doçura.
— Idem. — respondi piscando de leve.
Assim que encerrei a ligação, ouvi o som de alguém batendo em minha porta. Achei estranho, pois não tinha pedido serviço de quarto e se fosse uma visita teriam me ligado da recepção. Levantei da cama e caminhei até a porta, assim que abri meu olhar ficou surpreso com a figura diante de mim.
— Lauren Height. — disse o nome da mulher que se mantinha com o olhar profundo para mim.
— Wick. — sua voz firme não me surpreendeu, mas sua presença ali sim.
— Algum problema? — perguntei a ela, sem lhe convidar para entrar.
Notei seu olhar descendo do meu rosto para meu corpo, estava sem camisa, e não era proposital. Afinal, não esperava sua presença ali.
— Todos… E o meu desejo é você. — ela mordeu os lábios inferiores.
— Infelizmente para você, não vai me ter, não por seus status, mas porque eu sou um homem casado e pertenço apenas a uma mulher. — deixei soar de forma áspera a minha voz. — Se é apenas isso, aconselho que volte para seu quarto, caso esteja hospedada aqui.
Direto e claro, me movi para fechar a porta.
— Eu sabia que diria isso. — ela colocou a mão na porta interrompendo minha ação. — E eu não costumo desistir fácil do que quero.
— Lauren…
— Tenho um serviço para você. — continuou ela.
— Já disse que não vou trabalhar para você. — retruquei.
— Tenho certeza que esse vai querer. — ela insistiu, o que me deixou curioso. — Posso entrar?
Eu não deveria, mas assenti abrindo um pouco mais a porta para ela passar. Fiquei observando-a dar seus passos sinuosos pelo quarto, se atentando a cada detalhe até parar na janela e se voltar para mim. Um sorriso nebuloso no canto do rosto.
— Diga. — me pronunciei.
— Como sabe, sou casada com Godric Height, e por mais que meu marido me dê tudo o que eu quero, ninguém dura para sempre, ainda mais se for da Alta Cúpula. — ela iniciou seu discurso de introdutório. — Depois que meu marido descobriu estar doente, por dias eu me peguei pensando, eu não posso dar filhos ao meu marido, infelizmente minha genética não me permitiu, se ele morrer, o que será de mim?
— Você é casada com ele, não é a herdeira? — perguntei intrigado com a sua preocupação.
— Claro que logicamente eu seria, isso se não fosse por um pequeno problema. — ela encostou no beiral da janela e cruzou os braços. — Meu marido tem uma filha bastarda, de um romance de anos atrás, e em seu testamento ele deixou tudo para ela.
— Então se ela não existir, pela lei, tudo passa a ser seu. — conclui a história.
— Exatamente onde quero chegar, e tenho certeza que vai me ajudar com isso, já que são somente negócios. — afirmou ela.
— Como tem certeza que vou te ajudar? Não tem nada a me oferecer. — indaguei.
— Nem o nome da pessoa que matou sua mãe? — ela sorriu de canto.
— Eu já sei quem foi e seu destino está sendo traçado por mim. — coloquei as mãos no bolso da calça de moletom em meu corpo. — Se é somente isso, pode ir.
— Não quer saber o nome dela? — instigou.
— Para quê? Eu não vou trabalhar para você. — permaneci firme.
Lauren se afastou da janela dando alguns passos até mim. Parando em minha frente riu de leve.
— Vou te dar algumas para pensar, ela pode morrer pelas suas mãos ou pelas mãos de outro assassino. — ela continuou convicta. — Não importa quem vai ser, colocarei a cabeça dela a prêmio.
— Por que quer tanto que eu faça isso? — perguntei curioso.
— Porque tenho certeza que seria melhor ela morrer pelas mãos do seu marido. — o sorriso nebuloso se manteve em seu rosto.
E eu não tive reação para retrucar ou ameaçá-la. Ao mesmo tempo que estava estático ao saber que ela se referia a , eu estava confuso por minha esposa ser filha de alguém tão poderoso na Alta Cúpula.
“Someone call the doctor.”
– Overdose / EXO
9. Manjar Turco
Continental, Manhattan
Eu não sabia o que pensar e ainda seguia atordoado com as palavras de Lauren Height. Sua ameaça final ainda martelava em minha mente:
“—
Pode ser por suas mãos de forma rápida e indolor, ou da forma mais agonizante por outra pessoa.” Por dentro a raiva ardia dentro de mim, assim como o medo. Não conseguia deixar de me culpar por tê-la exposto desta forma. Talvez no anonimato nem se mostraria uma ameaça a Lauren. Entretanto, isso não importava agora, somente a segurança da minha esposa. E sim, eu faria o que fosse preciso e mataria quem fosse necessário pra garantir sua segurança.
Era um tanto óbvio minha resposta a Lauren.
Se fosse em outra época, em que Wick era somente um homem de sangue frio e coração fechado, não seria uma dificuldade realizar tal trabalho. Eu nunca me importei com meu próximo, apesar de minhas muitas cortesias profissionais. Aprendi com minha mãe a confiar apenas em mim e razoavelmente na família. Amigos, jamais, são leais até a vírgula que os separa da ambição e da ganância.
Olhei para a janela e senti o celular vibrar no bolso da calça. Era uma rara ligação do meu irmão. John estava tão ferrado quanto eu, e possivelmente mais.
— Ainda está vivo. — brinquei ao atender.
— O único que deixarei me matar é meu irmão. — afirmou ele.
— Então viverá por muito tempo. — eu ri de leve e perguntei. — A que se deve sua ligação?
— Ainda me preocupo com meu irmão caçula, ouvi boatos da cabeça de sua esposa estar a prêmio. — respondeu ele.
— Quem disse isso? — indaguei, me preocupando.
— Winston me ligou, não foi ofertada em público, mas alguns dos melhores foram convidados. — explicou ele. — Posso estar com a corda no pescoço, mais ainda tenho contatos… Não aconselho que fique mais tempo longe de casa.
— Já estava retornando, pedi a Hill que cuidasse da segurança dela. — informei a ele, sentindo alegre por meu irmão se preocupar ainda que tenha que lidar com seus problemas.
— Tenha cuidado e não cometa o mesmo erro que eu. — aconselhou.
— Não era somente um cachorro John, era a memória da sua esposa. — argumentei o confortando. — E não se preocupe, eu vou proteger a minha.
Desliguei o celular e peguei minhas coisas.
Ao passar pelo hall do Continental, fiz o checkout e segui para o aeroporto.
—
Chegando em Chicago, a caminho para casa liguei para Hill a fim de me certificar da segurança de . Queria fazer uma surpresa a minha esposa, com uma chegada silenciosa. Entretanto, minha assistente não atendeu a ligação, caindo na caixa postal. Aquilo me deixou intrigado. Pedi ao taxista para me levar diretamente para casa. Quando cheguei, meu corpo gelou de imediato ao ver minha casa totalmente revirada.
Engoli seco e saquei a arma, adentrando um pouco mais. Tudo silencioso e escuro, já era noite e as luzes apagadas me ajudariam a manter o elemento surpresa. Ouvi uma voz masculina vindo do quarto, e segui na direção. Foi rápido o reconhecimento do intruso que invadiu minha casa.
— , eu prometo que será rápido, não quero que meu amigo sofra ao ver sua esposa deformada no caixão. — a voz de Hugh soou mais uma vez.
Intensificando minha raiva guardada, afinal, eu já sabia que ele era o assassino da minha mãe, informação esta revelada por Magnus. Dei alguns passos precisos e silenciosos para perto dele, que estava de frente para o closet e apontei minha arma para sua cabeça.
— Você matou minha mãe, não deixarei que encoste na minha esposa. — preparei o gatilho.
— Vai mesmo fazer isso com seu melhor amigo? — Hugh ergueu as mãos se virando para mim, seu olhar tinha traços de sarcasmo que me fervia o sangue. — Então é isso o que a senhora Height quer? Eu mato sua esposa e você me mata?
— Não foi ela quem me contou, mas obrigado por confirmar. — eu passei a arma para a mão esquerda e fechando meu punho direito, soquei a cara dele. — Você não vai sair daqui vivo, mas antes, vai sentir a dor que minha mãe sentiu.
Eu continuei a socá-lo mais um pouco, até que Hugh reagiu e me derrubou, senti a arma soltar de minha mão e ele se mexeu para pegar. Joguei meu corpo em cima dele e tocamos mais socos, até que Hugh pegou algo e me acertou na cabeça, o que me deixou desnorteado.
Logo senti Hugh socar meu rosto, enquanto se gabava que mataria dois coelhos com um único tiro, assim sua dívida seria paga.
— Você até foi um bom amigo, Wick, mas não há amizade em nossa profissão. — disse ele.
Mesmo com dificuldade, forcei minhas pálpebras para se abrirem e vi seu punho levantado para me socar mais uma vez. Em instantes o som de um tiro soou pelo quarto, o rosto de Hugh se desfigurou um pouco e traços de sangue evidenciaram no canto da boca. Não demorou até que a sua mão abaixasse e seu corpo desfaleceu ao meu lado.
— . — a voz de veio seguida da de Hill.
Ainda confuso, fui amparado pelas duas que me ajudaram a levantar. No impulso abracei minha esposa de forma apertada e carinhosa. Temia que Hugh tivesse lhe causado algum mal. Então olhei para a minha assistente.
— O que faz aqui? — perguntei a ela.
— Um muito obrigado bastaria agora. — Hill com sua forma debochada voltou o olhar para o corpo de Hugh. — Não foi essa a educação que a senhora Wick te deu.
— Hill?! — deixei minha voz mais entonada.
— Eu tinha enviado alguns seguranças à paisana para cá, quando um deles me informou que seu amigo estava rondando o lugar. — iniciou ela sua explicação. — Ele nunca foi de te fazer visitas, principalmente quando não está em casa, foi então que descobri sobre…
Ela deu uma pausa mantendo o olhar fixo em mim. O que me fez saber sobre o que mencionava.
— Sobre o quê? — perguntou com um olhar inocente e preocupado.
— Prometo que depois te explico. — voltei meu olhar para Hill. — Quando chegou aqui?
— Minutos antes de você. — ela olhou para minha esposa.
— Hugh veio em nossa casa com a desculpa de nos fazer uma visita pelo nosso casamento. Como ele era seu amigo, não me importei em deixá-lo entrar. — iniciou sua versão da história — Foi quando percebi sua real intenção e só tive tempo para pegar o celular, liguei para Hill e ela me orientou a me esconder no porão com o Boris.
— O resto você já presenciou. — completou Hill.
— O que faremos agora? — Perguntou .
— Vou deixá-la em segurança novamente. — assegurei.
— Só conhecemos um lugar capaz disso. — comentou Hill.
Eu assenti com o olhar.
Sim, só havia um lugar que pudesse levá-la. O
Continental de Chicago. Foram poucas as vezes que me instalei nele, mas, devido às circunstâncias, era necessário. Assim que juntamos algumas peças de roupa na mala e pegamos o Boris, seguimos no carro de Hill até lá. Minha assistente poderia ser considerada mesmo uma amiga, meu anjo da guarda nas horas vagas.
— Agora que a Hill foi embora, poderia me dizer o que está acontecendo? — trancou a porta do quarto em que nos instalamos e me olhou seriamente. — Por que seu amigo tentou me matar?
Eu soltei um suspiro cansado, ao deixar Boris que estava em meu colo na poltrona ao lado da janela, caminhei até ela. Então peguei em sua mão e a abracei forte. Ela precisava de resposta e eu não negaria, entretanto, naquele momento só desejava tê-la em meus braços sendo protegida por mim. Sendo honesto, eu precisava mais dela do que o contrário.
Seu amor me daria forças para garantir a sua segurança.
— Eu te amo. — sussurrei em seu ouvido, percebendo ela sentir um leve arrepio em seu corpo.
Creio em você
E neste amor
Que me fez indestrutível
Que deteve minha queda livre.
– Creo en Ti / Lunafl
10. Chocolate
Continental, Chicago
— Hill!? — disse assim que minha assistente atendeu o telefone, já era alta madrugada.
— Já disse para não se preocupar, o serviço de limpeza já fez a faxina na sua casa. — confirmou ela, antes mesmo de eu perguntar.
Eu me aproximei da janela e voltei meu olhar para , que dormia tranquilamente na cama. Seu rosto tão suave e sereno que nem parecia ter passado por um momento de choque e desespero. Logo ela se remexeu um pouco, algo que fez Boris despertar. Meu gato estava deitado aos pés da cama.
— Notícias do John? — indaguei.
— Sua esposa está com a cabeça a prêmio e você ainda se preocupa com seu irmão? — seu tom parecia de choque.
— Força do hábito me preocupar com ele. — sorri de leve e mantive em olhar em que despertava. — Continue monitorando os possíveis alvos e me avise.
— Tenha cuidado e não deixe que ela se mova do Continental. — alertou Hill.
— Não posso mantê-la aqui para sempre, preciso pensar em outra coisa.
— Falar diretamente com o pai dela seria o mais óbvio, não? — sugeriu ela.
— A não ser que ele também não a queira viva, o que pode piorar tudo. — soltei um suspiro cansado, observando se aproximar de mim.
Logo ela se aninhou em mim, envolvendo seus braços em minha cintura. Tinha um olhar curioso e ainda amedrontado.
— Vou desligar, obrigado pela ajuda, Hill. — disse.
— Depois você me recompensa com algumas moedas. — brincou ela.
Assim que encerrei a ligação, coloquei o celular no bolso e mantive minha atenção em .
— Te acordei? — perguntei.
— Não, não foi você. — respondeu ela. — Podemos conversar agora? Você me pediu para descansar primeiro e…
— Mas eu não descansei. — disse, tentando me desviar. — Não consegui parar de te observar.
— … — ela emburrou a cara um pouco.
— Vamos conversar, sim. — eu a aninhei em meus braços.
— Podemos começar com você me dizendo o motivo do seu amigo tentar me matar. — iniciou ela.
— Então você terá que começar me dizendo quem são seus pais. — retruquei a pergunta. — Não foi por minha causa que ele foi atrás de você.
Ela se afastou um pouco de mim e permaneceu em silêncio reflexiva. Minha atenção continuou em suas expressões faciais fechadas.
— Até que parte você sabe sobre mim? — perguntou ela.
— Até que parte posso saber sobre minha esposa? — retruquei.
Me encostei na parede ao lado da janela e coloquei as mãos nos bolsos da calça, esperando por sua resposta. respirou fundo e voltou para a cama, sentando-se na beirada. Eu não era o único com segredos em minha vida e um passado escondido na gaveta.
— Miller é o sobrenome de solteiro da minha mãe, meu registro conta apenas com os dados dela para minha proteção. — manteve o olhar abaixado, parecia procurar pela melhor forma de explicar o que eu já sabia — Ela sempre me dizia que para o meu bem, era melhor nunca mencionar sobre meu pai.
— Você sabe quem é o seu pai? — indaguei a ela.
— Não o conheço pessoalmente, mas sei que é um homem importante e que muitos me matariam para que eu não me aproximasse dele.
Ela suspirou.
— Entre viver e ter um pai, preferi não pagar para ver. — continuou ela. — Só não entendo como seu amigo…
— Ele não foi o único que recebeu pela sua cabeça. — eu não mentiria para ela. — E sendo honesto, eu fui o primeiro.
— O primeiro?
— Uma mulher chamada Lauren Height ofereceu uma significativa quantia em dinheiro pela sua vida. — fui direto e preciso. — A primeira pessoa a quem ela ofereceu foi eu, e como recusei, agora os melhores assassinos estão atrás de você.
Ela engoliu seco.
— Essa é a sua profissão, por que não aceitou? — perguntou ela.
Eu sorri de canto e me aproximei dela. A pegando pela mão, puxei seu corpo para se aproximar do meu.
— A resposta é um tanto óbvia, não acha? — erguendo minha mão direita. — Matarei todos eles por você, sem hesitar.
— Preferiria que ninguém morresse por minha causa. — retrucou ela.
Me inclinei um pouco mais e a beijei com leveza, deixando a doçura por sua conta e mantendo a intensidade. Por mais que os problemas e preocupações se mantivessem do lado de fora daquele quarto. Naquela noite meu foco era somente amá-la e não haveria nada para atrapalhar. Nem mesmo Boris, que já havia se aconchegado na sua gaiola de transporte, forrada com uma manta quentinha.
Ao amanhecer, enquanto dormia, desci para a recepção. Precisava conversar com o gerente.
— Ouvi falar sobre sua esposa. — comentou Fox.
— Não será nenhum problema nossa hospedagem aqui, não é? — perguntei a ele.
— Claro que não. — seu olhar se mantinha sereno e suave. — , você sabe que não vai poder mantê-la em um Continental para sempre.
— E já sabe o que vai fazer?
— Estou trabalhando nisso. — assegurei.
— Matar o interessado não está nos seus planos, não é? Lembre-se do seu irmão. — advertiu ele.
— Eu sei que não devo tocar na Alta Cúpula. — garanti, minha sanidade.
— Bem, para abater um tigre, você precisa de alguém mais forte e dominante, um leão talvez. — sugeriu ela enigmática.
— De quem fornece o status que o tigre tem.
Obviamente o marido de Lauren, o senhor Godric Height. Justo a pessoa que eu não queria envolver em tudo isso. Não sabia se a mãe de tinha mesmo medo da Alta Cúpula, ou do próprio Gregori. Soltei um suspiro cansado, enquanto Fox se afastou de mim.
Precisava ser rápido em meu plano de ataque para devolver a liberdade à minha esposa.
—
Já se contava uma semana hospedados no Continental.
Não era surpresa que o fluxo de hospedagem havia aumentado após boatos de minha presença lá. Esbarrar pelos corredores com alguns assassinos era a parte fácil. Estressante mesmo era ter que encarar seus olhares para minha esposa em nossos momentos de refeição no restaurante. A observavam como se estivessem prestes a dar o bote, como cobras.
Sexta pela manhã recebi uma ligação de Hill, para um serviço de última hora para o senhor Magnus. Ele havia sido tão cordial para mim que não tive como recusar. O lado bom é que pode ser um serviço de urgência, e por isso cobramos o dobro da taxa extra sem nenhuma objeção dele.
Após informar sobre o serviço e pedir a Hill que a acompanhasse, embarquei no primeiro voo para a cidade de Austin. Rápido, silencioso e preciso, não demorei mais do que algumas horas para isso.
Entretanto, não foi o suficiente para impedir que contratempos acontecessem. Ao retornar para o Continental de Chicago, encontrei Hill em agonia me esperando na recepção. Loucamente, minha esposa havia saído do hotel para não sei onde, após receber um bilhete anônimo com a foto de sua amiga de Seattle sequestrada.
— Como pode deixá-la sair? — questionei com a Fox.
— Não a vimos, demos falta de um dos uniformes das faxineiras, certamente ela passou pela saída dos funcionários.
— Droga! — xinguei em voz alta e respirei fundo tentando pensar no que fazer.
Segui para o quarto e comecei a revistar as coisas, tentando encontrar algo que pudesse ajudar. Foi quando vi um pedaço de papel embaixo de Boris, que se mantinha deitado no chão. O empurrei de leve e lá estava o tal bilhete. Olhei atrás e de imediato identifiquei aquela letra. Somente uma assassina em específico teria coragem de planejar algo do tipo.
Coloquei o bilhete no bolso e voltei para a recepção. Peguei um carro de aluguel e segui em direção ao endereço, que curiosamente era o da cafeteria que eu havia comprado para ela.
Estacionei há duas ruas e continuei a pé. Me aproximando do lugar, avistei uma moto parada na frente. Dei a volta na edificação para entrar pelos fundos. Do lado de dentro, consegui ouvir algumas vozes vindas do salão.
—
Nunca mande um homem fazer o trabalho de uma mulher. — era mesmo a voz de Bridget.
—
Deixe minha amiga ir, já estou aqui. — a voz de estava fraca e ofegante. —
Por favor. —
Se você for obediente, quem sabe? Me pagaram o dobro para te fazer gritar de dor, e eu vou adorar fazer isso. — ela soltou uma gargalhada.
Eu não tinha muito tempo, apenas uma chance para acertá-la da distância em que eu estava. Não sou adepto da violência com mulheres, mas para proteger minha esposa, se eu tiver que usar de força bruta…
Respirei fundo, apontei a mira e ao disparar, errei meu alvo por questão de segundos. Logo Bridget se virou para minha direção e disparou contra mim. Começamos uma pequena troca de tiros e, neste meio tempo, se abaixou; ao tentar desamarrar sua amiga, Lola foi acertada propositalmente por Bridget.
— Vamos parar com o jogo. — ouvi ao longe.
A assassina pegou minha esposa como escudo e engatilhou a arma em sua cabeça.
— Eu só vou dizer uma vez, , saia de onde está e jogue sua arma. — ordenou ela. — eu não sou como Hugh.
Sim, ela era mais perigosa e cruel em suas mortes. Assenti ao seu comando e me revelei com as mãos erguidas em rendição, jogando a arma para perto dela.
— Ter certeza de que quer fazer isso? — perguntei a ela, me aproximando mais de ambas.
— Amigos, amigos, negócios à parte. — disse ela.
Voltei meu olhar para , em um instante de distração de Bridget, pisquei para minha esposa. pisou no pé e deu uma cabeçada nela, tonteando um pouco, correu para meus braços. Envolvi minha esposa, a protegendo ao ouvir o primeiro tiro. Corremos para o balcão e nos abaixamos, mais alguns disparos soaram até que percebi sua arma silenciar. Sua arma descarregada foi a deixa para que eu me aproximasse dela e tentasse desarmá-la. Bridget tentou me acertar com alguns golpes de soco, entretanto, consegui me defender, quando seu olhar se voltou para minha arma no chão, percebi suas intenções.
Bridget lançou sua perna esquerda me acertando e se levantou primeiro, mais que depressa eu me levantei para impedi-la. Lutamos pela arma com muita insistência de ambas as partes até que um disparo soou entre nós.
— ! — a voz de soou ao longe.
Senti um frio passar por meu corpo e meu coração acelerar. Em instantes o corpo de Bridget caiu diante de mim.
— ?! — se aproximou em desespero, me abraçando forte.
Foi neste momento que senti uma ponta de dor no ombro direito.
— Ai. — reclamei em sussurro, então ela se afastou de leve.
— O que foi?! — percorreu seus olhos por mim e abrindo um pouco minha jaqueta, vi a mancha de sangue na blusa.
Certamente fruto do primeiro disparo de Bridget contra nós, não tinha sentido na hora pela adrenalina, mas naquele momento a dor começava a dar sinais em meu ombro.
— Está tudo bem. — assegurei a ela. — Eu vou ficar bem.
— Tem certeza? — seu olhar se mostrou amedrontado.
— Sim, eu prometo. — garanti, lhe dando um selinho rápido.
Então, retirei o celular do bolso e liguei para a equipe de limpeza. Minutos depois, Steve apareceu com seus homens para os procedimentos devidos e deixar o lugar organizado novamente. Guiei minha esposa até o carro e voltamos ao Continental. se manteve em silêncio, pois ainda estava em choque com tudo que havia ocorrido e pela perda de sua amiga.
Assim que descemos do carro, outra surpresa veio quando cinco colegas de profissão nos abordaram em frente ao hotel. Eu já estava cansado pelos últimos ocorridos e agora teria mais isso.
— Boa noite, Wick. — cumprimentou Kim.
— Boa noite, senhores. — disse num tom frio e firme. — Algum problema?
— Acho que não poderemos deixar sua esposa entrar. — continuou Kim.
— Não estamos no Continental, foi seu erro deixá-la sair. — completou Moose, mostrando sua arma na mão esquerda, por ser canhoto.
— Vocês, realmente… — eu ri um pouco, me colocando na frente de e fazendo nossos corpos recuarem para perto do hotel.
— Boa noite senhores, temos algum problema aqui na frente do meu hotel? — perguntou Fox.
— Estes senhores estão dizendo que minha esposa não está no Continental. — aleguei a ele.
— Bem, pelo que sei, a senhora Wick está localizada na escadaria do Continental de Chicago que pertence ao hotel, portanto, ela está no Continental e sob a proteção do mesmo. — assegurou Fox ao segurar de leve no braço de a puxando para perto dele — Mais alguma dúvida, senhores?
— Eu tenho. — voltei meu olhar para Fox. — Eu estou no seu hotel?
— Não, . — respondeu ele.
— E estes senhores estão? — continuei.
Ao final de sua resposta, em um piscar de olhos e sem deixá-los reagir, cinco disparos foram feitos com precisão de minha arma.
— Obrigado, senhor Fox. — segurei a mão de minha esposa e me voltei para entrar no hotel. — Coloque o serviço de limpeza em minha conta.
— Como desejar. — assentiu ele.
Estava tudo parcialmente resolvido. Só faltava um último detalhe, fazer o tigre cair. Eu liguei para Hill e pedi que marcasse um jantar com o senhor Height; relutante, dentro de mim seria melhor enfrentar rei de Copas de uma vez. Assim que o encontro foi confirmado, nos reunimos no restaurante do Continental de Chicago. O olhar de surpresa de Lauren para minha esposa foi impagável.
— Senhor Godric, muito obrigado por ter aceitado meu convite. — nos sentamos à mesa com eles.
— Eu que agradeço e estou muito curioso para saber o motivo. — comentou ele. — E para saber quem é esta jovem bonita ao seu lado.
Eu sorri de canto e olhei para . Hill tinha pesquisado sobre o passado de minha esposa, sobre sua mãe e a relação que tinha com Godric. Eu não apresentaria ela se soubesse que teria algum perigo.
— Gostaria de te apresentar minha esposa, Miller, filha de Meredith Miller, acho que se lembra da mãe da sua filha. — disse em alto e bom tom.
Consegui perceber naquele instante o olhar desesperado de Lauren por minhas palavras. Um leve sorriso de canto transbordando deboche surgiu em meu rosto.
O jogo estava apenas começando para mim.
“You can call me monster.”
– Monster / EXO
Fim