RIP Amizade
// INTRODUÇÃO
Era uma amizade que eu chamava de eterna. Que começou aos 6 anos e deu certo até os 18. Éramos duas amigas que não tinham nada em comum, mas que conseguiam enxergar a igualdade em cada palavra dita.
“Seremos amigas para sempre!” Dizíamos.
“Vamos casar e ter filhos juntas, para eles também serem melhores amigos.” Nós sonhávamos.
“Seremos madrinhas do casamento uma da outra!” Planejávamos com tanta convicção, que parecia estarmos prontas para subir ao altar, quando nem namorado tínhamos.
Eu jamais, em momento algum, pensei que só eu levei a sério todos os planos.
// CAPÍTULO ÚNICO
Abril, 2009.
Nós estávamos no trem. Era um longo caminho de São Paulo até Mogi das Cruzes. Mas havia seus pontos positivos.
Toda sexta-feira eu e Luiza voltávamos de São Paulo juntas. Nós não cursávamos a mesma coisa, muito menos estudávamos na mesma instituição, mas éramos melhores amigas e é assim que nós nos arranjamos para nos vermos, já que se no ano anterior nos víamos todos os dias por conta da escola, agora pelo menos uma vez na semana era certo o nosso encontro.
Luiza optou pelo curso de artes cênicas. Seu sonho era entrar no grupo de teatro do Wolf Maia e conseguir deslanchar em uma carreira que a tornaria a próxima grande atriz da TV Globo. Eu, por outro lado, era completamente antissocial, o que me fez optar pelo curso de química, onde poderia ficar tranquila com meu ótimo bom senso com a matéria, e longe de pessoas com quem pudesse me relacionar (contra a minha vontade).
Nossa amizade começou em 1996, quando eu tinha 6 anos e Luiza, 5. Íamos para a mesma escola e seguimos unidas até o último ano do colegial. Como toda amizade, houveram seus altos e baixos, mas foi exatamente por isso que, na minha opinião, nossa amizade seria eterna. Se durante 12 anos conseguimos ultrapassar todos os obstáculos, o que seria o resto da vida?
Eu jamais imaginaria que Luiza fosse mudar tanto durante a faculdade. Está certo, nós estávamos separadas e criamos outros grupos de amigos. Além disso, nós nunca achamos que mudamos, mas se a turma do colégio, quando nos encontramos, acaba dizendo aquela frase “Ah, você não muda mesmo, Natália.”, então é porque continuamos a mesma pessoa que éramos, não é?
O problema foi que os amigos de Luiza não eram bem o tipo de pessoas que eu gostaria de andar. Não havia se passado nem 5 meses de curso dela, para que eu conseguisse enxergar algumas mudanças em seu comportamento e modo de se vestir.
- Eu fiz mais um piercing, olha! – encarei o pequeno ponto brilhante encravado no seu dedo mindinho. Meu corpo estremeceu inteiro com a aflição. Já era o quinto piercing em menos de três meses. Os das orelhas foram facilmente aceitos pelos pais. Nós temos 18 anos e não precisamos mais da permissão deles para essas coisas, logo, é comum a maioria dos jovens fazerem o segundo e terceiro furo na orelha, um no umbigo e uma ou duas tatuagens. Mas já era o quinto da Luiza. E queria eu dizer que os demais (além dos da orelha) fossem comuns (como o piercing no umbigo). Não. Eram em lugares que eu nem lembrava o nome mais. Septo. Em um lugar estranho na boca, na sobrancelha e agora… no dedo mindinho.
- Como que eles fazem isso? – abri a boca, chocada com a tal descoberta do piercing no dedo mindinho. – Deve ter doído à beça
- Eles anestesiam. – ela disse encarando o dedo, como se aquilo fosse a oitava maravilha do mundo. – Como não tem tarraxa, esse piercing é tipo um gancho. Eles furam, abrem e…
- Arght! Pare! – coloquei as mãos nos ouvidos, sentindo meu estômago revirar só de imaginar a cena.
- Enfim. Ficou lindo, não é? – ela ergueu a mão à nossa frente, como se estivesse mostrando sua aliança de noivado. Quem me dera.
Abri um pequeno sorriso enquanto ela rapidamente mudava do assunto do piercing para outro tão perturbador quanto.
- Vou alargar o furo da minha orelha! Tenho um amigo que tem 10mm de largura do furo, ele disse que indo aos poucos não dói tanto.
- Isso não é um furo, é mais um rombo. – dou uma risada, tentando descontrair e não mostrar o meu pré-conceito com o estilo que está tão na moda entre alguns jovens. Na época do colégio também existiam garotos e garotas que faziam alargadores, mas não imaginava que a Luiza fosse ser uma dessas pessoas.
- Eu mal posso esperar para conseguir chegar em um tamanho como o dele! – e desatou a falar sobre os tipos de alargadores que tinham e qual o processo que ela precisava fazer. Era, no mínimo, muito doloroso para pessoas como eu, que tinha medo até de tomar uma vacina.
~*~
Outubro 2009
Era 19 de outubro, meu aniversário. O hábito era de passar com a Luiza o dia e à noite saíamos para uma baladinha com o resto da turma do colégio. Como era uma sexta, o plano deu ainda mais certo. Eu estava para completar 19 anos, o que significava que agora definitivamente era maior de idade. A carteira de motorista não era provisória e ninguém me chamaria mais de novata no mundo dos adultos.
Estava tudo certo.
A não ser que desse tudo errado.
O que foi o caso.
No computador, entrei no Facebook para confirmar o meu dia. É para ser um dia legal, afinal, é normal o dia de nosso aniversário quando somos adolescentes, serem assim, legais. Durante as aulas da faculdade na parte da manhã, recebi vários desejos de felicidades, e achava que seria injusto não ser, pelo menos, feliz no meu dia.
Enviei uma mensagem para a Luiza pela rede social, só para garantir que ela estaria aqui no horário para irmos ao shopping. De lá, seguiríamos direto para o bar, onde encontraríamos com a turma do colégio e em seguida para a balada, sobreviver até às 6 da manhã no meio dos bebes e rolos.
Mas Luiza não me respondeu. Nem quando liguei para ela. Nem depois de cinco horas.
Pulei a programação do shopping e recebi a ligação da Maíra, uma amiga de sala que gostava muito, mas não estava no patamar da Luiza no quesito de amizade. Ela passou em casa com algumas outras meninas e fomos juntas para o bar, que Luiza não compareceu.
- É estranho ela não ter aparecido. – Lorena disse.
- É estranho ela não ter nem atendido ao telefone. Vocês não voltaram de São Paulo juntas hoje, Nat? – Maíra perguntou.
- Não… Ela disse que teria de sair meia hora mais tarde. – olhei para cima, pensativa. – Disse que podia esperar, mas ela achou melhor não.
- Talvez ela vá direto para a balada. – Lorena disse, mas eu sabia que era somente para não me deixar tão chateada.
O problema é que eu já estava.
E no fim, a Luiza não veio na balada.
No dia seguinte, um sábado, ela não veio até em casa, a um quarteirão da casa dela, para pelo menos passar o dia comigo.
No domingo, não me mandou uma mensagem de desculpas.
Na quinta seguinte, não respondeu minha mensagem respondendo se iria voltar comigo de trem.
No mês seguinte, ainda não havíamos nos contatado.
~*~
Junho de 2018
Seria legal eu dizer que a causa de nosso afastamento se deu pelo fato de termos gostos diferentes que acabaram se tornando um diferencial muito grande para amizades. Mas não. Apesar de ser um bom apaziguador na hora de explicar para os nossos pais o motivo da nossa separação, a verdade foi que Luiza se cansou de uma amizade que não agregava nada a ela. E eu me cansei de uma amizade que não me via como eu a via.
Algumas vezes penso que foi coisa do destino. Meus pais, quando saíam, encontravam com ela, que lhes dizia que estava tentando voltar a falar comigo – uma grande mentira –, mas eu mesma nunca cheguei a encontra-la. Não houve oportunidade para nos falarmos e discutirmos o motivo no nosso afastamento (do afastamento dela). Nenhuma de nós nunca mais mandamos mensagens uma para a outra. Nem no aniversário.
Muito menos no aniversário.
Às vezes me perguntam se eu não sinto falta da amizade dela. Nos dias difíceis, em que precisamos de um ombro amigo, uma amizade que um dia te fez bem é sempre lembrado. Mas só isso. Percebi que aprendi a viver muito bem sem ela ao meu lado. Após meses com o sentimento de culpa, procurando o que eu havia feito de errado, tentando lembrar de qualquer gafe que tivesse cometido, abri os olhos de que o problema não fui eu. Foi ela e a vontade de viver uma nova vida, com suas novas amizades. Lá, não havia espaço para mim.
E tudo bem.
Os sentimentos ruins se foram no momento em que me vi feliz sem ela ao meu lado. Não sentia mais a falta da amizade dela, pois também consegui encontrar outras que gostavam de mim tanto quanto ela gostou. As amizades do colégio que não eram tão importantes quanto Luiza na época, agora se tornaram ainda mais especiais do que foi a nossa amizade.
E tudo bem.
Algumas amizades são feitas somente para uma fase da vida.
Que elas descansem em paz.
Fim
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