Reticências
Primeiro Capítulo: O elo
O curso tinha bem mais pessoas do que Jongho esperava, e ele até tirou uma foto disfarçadamente do local e enviou para Hongjoong, já que ele havia insistido arduamente para que Jongho fizesse o curso, para aperfeiçoar o hobby de fotografia.
Hongjoong: “Te disse que ia valer a pena. Agora presta atenção e tenta não dormir, por favor.”
Jongho riu baixo. Hongjoong sempre fora o mais insistente dos dois, principalmente quando se tratava de encorajar Jongho a sair da zona de conforto. Eles se conheceram há anos, ainda na faculdade, e embora suas personalidades fossem bem diferentes, tinham um equilíbrio que fazia a amizade funcionar. Jongho, mais reservado, preferia observar o mundo ao seu redor com uma paciência incomum. Hongjoong, por outro lado, tinha essa energia inquieta, uma necessidade constante de criar e incentivar os outros a fazerem o mesmo.
A fotografia tinha começado como um passatempo para Jongho. Ele gostava de capturar momentos sem que ninguém percebesse—gestos espontâneos, expressões genuínas, a forma como a luz brincava com os contornos das coisas. No início, era só um jeito de guardar memórias, mas com o tempo, ele passou a enxergar isso como uma forma de contar histórias. Hongjoong notou isso antes mesmo dele admitir e não descansou até convencê-lo a fazer aquele curso.
Ele passou os olhos pelo espaço, observando os alunos já acomodados, alguns com câmeras profissionais em mãos, outros apenas com cadernos para anotações. O ambiente era uma sala ampla e moderna, com grandes janelas que deixavam a luz natural iluminar o espaço, criando sombras interessantes nas paredes brancas. Fotografias de alunos anteriores estavam expostas ali, emolduradas em tons neutros, como se fossem testemunhos silenciosos do aprendizado que acontecia naquele lugar.
Agora ali estava ele, sentado entre desconhecidos, prestes a dar um passo a mais no que até então era apenas um hobby. Mesmo sem olhar, ele já sabia que Hongjoong provavelmente estava sorrindo ao ver que sua insistência tinha dado certo.
Depois de se acomodar em um dos lugares, Jongho começou a mexer na câmera, vendo as fotografias que havia tirado da entrada do lugar, mas logo, o lugar á seu lado foi ocupado por alguém. Ele não se deu ao trabalho de virar o rosto para ver quem havia se acomodado, estava ocupado tentando ver como poderia melhorar aquelas fotografias.
— Bonito jogo de luz e sombra — uma voz feminina soou ao seu lado, fazendo com que Jongho franzisse levemente a testa antes de finalmente virar o rosto.
A garota observava a tela da câmera com genuíno interesse, um pequeno sorriso nos lábios. Os olhos dela tinham um brilho curioso, e Jongho notou que ela segurava um caderno no colo, com uma caneta entre os dedos e a câmera pendurada no pescoço.
— Hum? — ele piscou algumas vezes, voltando o olhar para as fotos.
— As suas fotos — ela explicou, apontando com a cabeça. — A forma como você capturou a entrada do prédio… A composição ficou interessante. Você já fotografa há muito tempo?
Jongho hesitou por um instante, sem saber muito bem como reagir ao elogio. Não era comum alguém reparar no que ele fazia, muito menos comentar sobre isso tão espontaneamente.
— Não profissionalmente. É só um hobby — respondeu, coçando a nuca.
— Bom, parece mais que um hobby — ela comentou, ainda olhando as fotos. — Eu sou Aurora, aliás.
— Jongho.
Ele não era do tipo que puxava conversa com desconhecidos, mas havia algo na naturalidade de Aurora que o fez relaxar um pouco. Além disso, não era sempre que alguém elogiava seu olhar fotográfico assim, sem rodeios.
— Você também fotografa? — ele perguntou, agora curioso.
Aurora deu um sorriso de canto, batendo levemente na capa do caderno que segurava.
— Na verdade, eu gosto mais de escrever. Mas acho que a fotografia e a escrita têm muito em comum. As duas contam histórias, só de jeitos diferentes.
Jongho encarou a tela da câmera por um instante, refletindo sobre o que ela disse. Nunca tinha pensado dessa forma, mas fazia sentido.
— E o que te trouxe até esse curso? — ele perguntou, voltando o olhar para ela.
— Curiosidade — Aurora deu de ombros, brincando com a tampa da caneta. — Acho que sempre vale a pena aprender algo novo, e fotografia me fascina. Quem sabe um dia eu não escrevo e ilustro meus próprios livros com fotos?
Jongho soltou um breve riso pelo nariz.
— Parece um bom plano.
Aurora sorriu, como se estivesse satisfeita por ele ter respondido algo além de um monossílabo. O curso nem tinha começado ainda, mas Jongho já sentia que aquela conversa inesperada talvez fosse um sinal de que aquele dia seria mais interessante do que ele imaginava.
Depois da breve conversa, os dois ficaram em silêncio, cada um focado em seus próprios pensamentos. Jongho voltou a mexer na câmera, ajustando algumas configurações sem realmente precisar. Aurora, por sua vez, rabiscava distraidamente no canto de seu caderno, girando a caneta entre os dedos.
O barulho ao redor parecia aumentar conforme mais pessoas chegavam, ocupando os assentos. Mas, entre eles, o silêncio se instalou de um jeito confortável, sem pressa de ser preenchido por palavras desnecessárias.
De vez em quando, Jongho sentia o olhar de Aurora sobre ele, e, em outras, era ele quem a observava de soslaio. Ela parecia sempre ter um leve sorriso nos lábios, como se estivesse gostando daquele momento de quietude.
Em um dado instante, seus olhares se cruzaram. Aurora arqueou uma sobrancelha, um brilho divertido nos olhos, como se estivesse o desafiando a dizer algo. Jongho apenas desviou o olhar rapidamente, soltando um suspiro curto.
O que foi suficiente para fazê-la rir baixinho.
Ele franziu o cenho, sem entender o motivo daquilo. Mas, antes que pudesse perguntar, alguém lá na frente chamou a atenção da turma, dando início ao curso.
Jongho soltou um longo suspiro e focou para frente, mas não pôde deixar de perceber que, mesmo agora, Aurora parecia se divertir com aquela troca silenciosa entre eles.
E, por algum motivo, isso não o incomodou.
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Assim que o instrutor explicou a dinâmica do curso e anunciou que a primeira atividade seria feita em duplas, Jongho soltou um suspiro discreto. Ele não era exatamente alguém que gostava de interações forçadas, mas também não podia reclamar – o curso era uma ideia de Hongjoong, afinal.
Ao seu lado, Aurora esticou os braços e olhou ao redor, avaliando as opções antes de dar de ombros.
— Bom, já que estamos aqui… Que tal fazermos dupla? – Ela sorriu, apoiando o queixo na mão enquanto o olhava.
Jongho ergueu uma sobrancelha.
— Você parece animada demais para um trabalho prático.
— E você parece desanimado demais – ela rebateu sem hesitar. — Vamos, vai ser divertido.
Ele suspirou, mas assentiu.
— Certo, mas se formos os últimos a terminar, a culpa vai ser sua.
— O quê? – Aurora arregalou os olhos, fingindo indignação. — Por que já assumiu que eu sou a enrolada aqui?
— Intuição – ele deu de ombros, e um sorriso de canto surgiu em seu rosto.
Aurora estreitou os olhos, percebendo que, apesar da postura séria, Jongho tinha um humor afiado.
— Então tá, senhor Intuição. Vamos ver quem vai acabar enrolando quem.
Eles se levantaram e pegaram o material necessário para a atividade. O objetivo era sair pela área externa do prédio e capturar uma série de fotos que transmitissem diferentes emoções apenas através da composição e iluminação.
— Você fotografa como hobby, certo? – Aurora perguntou enquanto andavam para fora.
— Sim.
— E o que gosta de fotografar?
Jongho hesitou por um momento, mas respondeu:
— Pessoas. Mas não retratos ensaiados, gosto de captar momentos espontâneos, naturais.
Ela assentiu, interessada.
— Então quer dizer que eu corro o risco de ser fotografada sem perceber?
Ele soltou um riso curto.
— Talvez. Se valer a pena.
— Isso foi um desafio? – Aurora cruzou os braços, arqueando uma sobrancelha.
— Você que sabe – ele deu um meio sorriso, deixando-a sem resposta por um instante.
E foi assim que, enquanto exploravam o ambiente para a atividade, começaram a trocar provocações sutis e brincadeiras, criando uma química inesperada. Aurora passou a testar a paciência de Jongho, insistindo para que ele tentasse ângulos e abordagens diferentes, e ele, por outro lado, sempre tinha uma resposta afiada na ponta da língua.
— Você é muito mandona, sabia? – Ele comentou enquanto ajustava a câmera.
— E você é muito teimoso – ela rebateu.
— Eu prefiro “persistente”.
— Chame como quiser, ainda assim demorou três tentativas para admitir que minha ideia era melhor.
Ele revirou os olhos, mas não conseguiu conter um pequeno sorriso.
Quando a atividade terminou, os dois se olharam, avaliando as fotos que haviam tirado. Jongho notou que, sem perceber, havia tirado mais fotos de Aurora do que do cenário ao redor. E o pior? Algumas delas eram realmente boas.
— Então… Quem enrolou quem no final? – Ela perguntou, divertida.
Jongho apenas fechou a câmera e começou a andar de volta para a sala, lançando um olhar de canto para ela.
— Intuição nunca falha.
Aurora riu e o seguiu, percebendo que aquela parceria inesperada poderia render bem mais do que apenas um trabalho de curso.
🧠🧠🧠
Hongjoong esticou os braços sentindo o corpo todo alongar com o movimento e então conferiu o próprio reflexo no espelho. Ajeitou os óculos no rosto e pegou a bolsa em cima do sofá, passando-a pelo ombro e então fechou a janela da sacada de seu modesto apartamento. Não sem antes observar a bela vista do Parc Güell, ele tinha dado a sorte de ter uma parte do parque como vista de sua sacada, e não importava quantas vezes ele olhasse aquela vista, sempre se impressionava com a beleza do mesmo.
Por mais que admirasse aquela paisagem diariamente, sabia que precisava seguir com seu dia. Pegou as chaves no balcão próximo à porta, verificou rapidamente se tinha tudo que precisava e, após um último olhar ao apartamento, saiu, trancando a porta atrás de si.
Ele já estava acostumado com a rotina na Espanha. Tinha se mudado para lá aos dezesseis anos, quando seus pais decidiram aceitar uma promoção que levaria a família inteira para um novo continente. No começo, a adaptação foi difícil—nova língua, nova cultura, novos costumes. Mas com o tempo, Barcelona se tornou sua casa tanto quanto já fora a Coreia. Agora, anos depois, ele já nem se imaginava vivendo em outro lugar.
Descendo as escadas do prédio, Hongjoong ajeitou a bolsa no ombro e conferiu rapidamente o horário no celular. Estava no tempo certo, mas ainda assim, apertou o passo. Tinha um compromisso importante e, acima de tudo, detestava se atrasar.
Hongjoong apertou o botão do elevador e esperou pacientemente enquanto observava o número dos andares diminuindo no visor digital. Assim que as portas se abriram, ele entrou e se encostou na lateral, ajustando a alça da bolsa no ombro. O elevador desceu suavemente até o térreo, onde ele saiu e caminhou tranquilamente até a entrada do prédio.
— Buenos días, Mateo — cumprimentou o porteiro com um sorriso discreto.
— Buenos, Hongjoong! Indo trabalhar cedo hoje em pleno sábado? — o homem mais velho perguntou, sempre simpático.
— Sim, primeiro aluno do dia — respondeu, acenando de leve antes de atravessar a porta de vidro e sair para a rua.
O ar fresco da manhã de Barcelona o envolveu, e ele inspirou fundo, aproveitando a brisa suave. O caminho até a cafeteria onde daria sua primeira aula era curto, e ele gostava de caminhar pelo bairro, observando as construções históricas misturadas a edifícios modernos.
Seu compromisso era com um novo aluno, alguém que havia demonstrado interesse em aprender coreano. Hongjoong já ensinava coreano, inglês e espanhol há algum tempo, gostava da troca cultural e de ver o progresso de seus alunos. A expectativa de conhecer alguém novo sempre lhe trazia certa animação, e ele se perguntava se aquele seria um aluno dedicado ou apenas alguém buscando um hobby passageiro.
Virando a esquina, avistou a cafeteria aconchegante onde costumava realizar algumas de suas aulas. O aroma de café fresco e pão recém-assado chegou até ele antes mesmo de entrar, e um sorriso surgiu em seus lábios. Ele empurrou a porta de vidro e entrou, pronto para iniciar mais um dia de trabalho.
Hongjoong olhou ao redor da cafeteria, procurando por alguém que parecesse estar esperando por ele. Não demorou para notar um jovem sentado em uma das mesas próximas à janela, folheando um caderno com um ar um pouco ansioso.
Com passos firmes, ele se aproximou e sorriu levemente ao notar que o outro olhava para a porta de tempos em tempos, como se conferisse se o professor já havia chegado.
— Você é o Samuel? — perguntou de maneira gentil, ao que o rapaz ergueu os olhos e assentiu de imediato.
— Sim! E você deve ser o professor Hongjoong, certo? — respondeu, parecendo um pouco mais aliviado.
— Exato. Podemos falar em espanhol, inglês ou coreano, como preferir.
— Acho que vou precisar do espanhol no começo — Samuel riu meio sem graça, e Hongjoong apenas assentiu antes de se sentar à frente dele.
Após fazerem os pedidos — Hongjoong optando por um café preto e Samuel por um cappuccino —, a aula teve início. Hongjoong começou com uma apresentação básica, perguntando ao aluno sobre suas motivações para aprender coreano. Samuel explicou que tinha muito interesse na cultura e sonhava em viajar para a Coreia algum dia.
Hongjoong então seguiu para os primeiros conceitos básicos: apresentou o alfabeto hangul, explicando a estrutura das consoantes e vogais, e ajudou Samuel a praticar a pronúncia de algumas palavras simples. O rapaz se esforçava bastante, embora parecesse um pouco intimidado com a escrita diferente.
— Não se preocupe, no começo parece complicado, mas logo você se acostuma — Hongjoong garantiu, apontando para o caderno de Samuel, onde ele tentava copiar os primeiros caracteres.
A aula passou mais rápido do que Hongjoong esperava, e ao final, Samuel parecia animado, apesar do pequeno cansaço mental que aprender um novo idioma trazia.
— Foi ótimo! Você explica muito bem — o aluno comentou enquanto guardava o material.
— Fico feliz que tenha gostado. Pratique os caracteres que passamos hoje e tente lembrar da pronúncia, mas sem pressão — aconselhou.
Após acertarem o horário da próxima aula, Samuel se despediu, deixando Hongjoong sozinho na mesa por um momento. Ele tomou o restante do café já morno, sentindo-se satisfeito com o início do dia. Mais um aluno motivado, mais uma aula bem-sucedida.
Agora, era hora de seguir com o resto da sua agenda.
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O som da argila sendo moldada entre seus dedos era uma das coisas que Seonghwa mais gostava. O contato com o material, a paciência necessária para dar forma às peças e a expectativa do resultado final eram partes essenciais do seu processo criativo.
Naquele momento, estava sentado em seu pequeno ateliê, um espaço que montara dentro do próprio apartamento. A mesa de trabalho estava coberta por ferramentas, pedaços de argila e algumas peças inacabadas, enquanto o aroma sutil de café recém-preparado preenchia o ambiente.
Ele passou a espátula delicadamente pela borda de um vaso, ajustando sua forma com precisão. Depois de alguns minutos de concentração, afastou-se um pouco e analisou a peça com um olhar crítico.
— Acho que você está pronta para ir ao forno — murmurou para si mesmo, satisfeito.
Seonghwa vendia suas criações em feiras de arte e também pela internet, enviando suas peças para clientes de diferentes partes da Espanha e até de outros países. A cerâmica tinha se tornado mais do que um hobby para ele; era sua fonte de renda e, acima de tudo, sua paixão.
Com a peça recém-modelada em mãos, ele se levantou e foi até a janela do apartamento, observando a cidade se estender à sua frente. Gostava da tranquilidade das manhãs, do ritmo mais desacelerado antes de sair para alguma feira ou encontrar clientes interessados em suas obras.
Naquela tarde, ele participaria de uma feira de arte local, onde montaria seu estande e apresentaria suas criações ao público. Era sempre um misto de empolgação e ansiedade, mas ele já tinha experiência suficiente para saber que cada evento trazia novas oportunidades.
Depois de organizar as peças que levaria, conferindo cada uma com cuidado, Seonghwa pegou o celular para mandar uma mensagem no grupo de amigos.
Seonghwa: Vou estar na feira hoje à tarde. Se alguém quiser passar lá, aceito companhia e café.
A resposta veio rapidamente.
Wooyoung: O café eu garanto. Mas só se tiver desconto na cerâmica.
Ele sorriu. Com ou sem desconto, sabia que Wooyoung apareceria.
Agora, só restava terminar de embalar tudo e se preparar para mais um dia mostrando sua arte ao mundo.
Do outro lado da cidade, em uma academia bem iluminada e moderna, Wooyoung terminava sua última aula de yoga da manhã. Ele se despediu dos alunos com seu sorriso característico, alongando os braços acima da cabeça antes de caminhar até o balcão onde San estava encostado, analisando a ficha de um aluno.
— Está me espionando de novo? — Wooyoung provocou, apoiando-se ao lado dele.
San ergueu o olhar e revirou os olhos, mas um sorriso discreto apareceu no canto dos lábios.
— Você adora acreditar que sou seu fã número um, né?
— Só estou dizendo que, se quiser assistir às minhas aulas, eu posso arranjar um tapete extra para você — Wooyoung piscou, aproveitando cada oportunidade para provocá-lo.
San bufou, mas não respondeu de imediato. Havia algo na maneira como Wooyoung o desafiava que sempre o deixava inquieto. Desde que começaram a trabalhar juntos, aquela tensão estava ali, no ar, como uma linha invisível que os conectava, mas que nenhum dos dois tinha coragem de cruzar.
— Prefiro aulas que envolvam mais movimento — San respondeu, dobrando a ficha do aluno e a guardando no balcão. — Mas tenho que admitir, você tem jeito para isso.
Wooyoung arqueou uma sobrancelha, surpreso pelo elogio inesperado.
— Uau, foi quase um “eu te admiro”, você tem certeza de que está bem?
San riu, cruzando os braços.
— Não se acostume.
Antes que Wooyoung pudesse responder, o celular dele vibrou. Uma nova mensagem de Seonghwa piscou na tela:
Seonghwa: A feira de arte começa às 14h. Apareçam se puderem.
Wooyoung rapidamente digitou uma resposta afirmativa antes de olhar para San.
— O que acha de darmos um pulo lá depois do trabalho? Você prometeu que ia comprar alguma coisa para decorar seu apartamento.
San hesitou por um momento. Ele nunca foi do tipo que apreciava arte de verdade, mas Seonghwa era um amigo e, além disso, a ideia de passar mais tempo com Wooyoung sem os alunos por perto parecia… interessante.
— Tudo bem, podemos ir. Mas só se você pagar o café.
Wooyoung sorriu satisfeito.
— Feito.
E, como sempre, a tensão entre eles continuava ali, pairando no ar, esperando para ser resolvida.
💨💨💨
Yeosang caminhava pelos corredores da galeria com passos tranquilos, mas atentos. Como assistente de curadoria, sua função ia além de apenas organizar exposições. Ele precisava garantir que cada obra estivesse devidamente posicionada, que a iluminação realçasse os detalhes certos e que qualquer alteração no cronograma fosse rapidamente resolvida.
— Yeosang, precisamos reorganizar a disposição das esculturas na sala principal. — Uma das curadoras chamou sua atenção, segurando uma prancheta com anotações.
Ele assentiu, já prevendo que teria que refazer todo o esquema que planejou na noite anterior. Mas isso fazia parte do trabalho, e, na verdade, ele gostava do desafio. Havia algo fascinante na maneira como cada peça contava uma história e como ele, nos bastidores, ajudava a dar vida a essas narrativas.
Seus colegas o viam como alguém extremamente profissional, detalhista ao extremo, mas poucos sabiam que ele sempre ficava até tarde na galeria, observando as obras sozinho. Havia algo reconfortante na quietude do lugar quando todos iam embora. Ali, cercado por arte, ele sentia que o mundo fazia sentido.
Yeosang era reservado por natureza. Não era do tipo que se abria facilmente, nem que compartilhava seus pensamentos sem refletir antes. Observador, preferia escutar e analisar antes de se posicionar, o que o fazia parecer distante para quem não o conhecia bem. Mas essa distância não era frieza — era cautela. Ele gostava de entender o ambiente ao seu redor, de medir suas palavras e decisões com precisão.
Nada nele era impulsivo. Cada passo era calculado, cada escolha vinha depois de uma análise cuidadosa. Isso fazia com que alguns o vissem como alguém difícil de decifrar, mas, para Yeosang, era simplesmente a forma mais segura de navegar pelo mundo.
Ele via beleza nos detalhes que passavam despercebidos pelos outros. Um quadro mal posicionado, uma sombra que mudava o tom de uma pintura, o sutil desgaste de uma moldura antiga — tudo capturava sua atenção. E talvez por isso se sentisse tão conectado à arte: porque ela, assim como ele, guardava histórias nas entrelinhas, esperando para serem descobertas por quem soubesse olhar.
Do outro lado da cidade, Saebi ajeitava a câmera nos ombros enquanto revisava a pauta do dia. Fotógrafa profissional, sua especialidade era capturar a essência de obras de arte, trazendo texturas e nuances à vida através de suas lentes. Trabalhar com artistas e museus a fascinava, e cada sessão fotográfica era um novo desafio.
No momento, porém, ela estava em um ambiente diferente. A sala de aula do curso de fotografia estava começando a se preencher, e ela analisava os alunos com curiosidade. Ser professora não era exatamente sua função principal, mas ela gostava de compartilhar conhecimento e incentivar outros a encontrarem sua própria visão artística.
Respirou fundo e sorriu para a turma.
— Boa tarde, pessoal. Meu nome é Saebi, e eu vou guiá-los por essa jornada fotográfica nas próximas semanas. Espero que estejam preparados para enxergar o mundo de uma forma diferente.
Enquanto falava, seus olhos percorreram as expressões dos alunos. Entre eles, um garoto sério que mexia na câmera com concentração chamou sua atenção. Ele parecia meticuloso, atento aos detalhes.
Saebi ainda não sabia, mas aquele era Jongho. E, embora não se conhecessem ainda, em breve seus caminhos iriam se cruzar de maneira inesperada.
A sala estava iluminada por uma luz amarelada suave, e os alunos, distribuídos em grupos, analisavam suas câmeras e as instruções recém-passadas. No centro do ambiente, com uma postura relaxada, estava Saebi. Diferente da maioria dos professores que se mantinham atrás da mesa ou em frente ao quadro, ela caminhava pelo espaço com confiança, como se a sala pertencesse a ela.
— Vocês precisam parar de tratar a fotografia como se fosse só técnica — disse, cruzando os braços. — Técnica é importante, mas se vocês não souberem olhar, de nada adianta saber a configuração perfeita.
Alguns alunos assentiram, outros pareciam confusos. Jongho, que até então estava ajustando sua lente, ergueu os olhos com interesse.
— Vocês vão fotografar hoje, sim — continuou ela, inclinando-se levemente contra uma das mesas. — Mas, antes disso, quero que parem por um segundo e simplesmente observem. O que te chama atenção aqui? O que te provoca? O que desperta uma sensação, por menor que seja?
O silêncio pairou na sala enquanto os alunos tentavam absorver suas palavras. Saebi riu baixo.
— Vocês parecem que vão ter que resolver uma equação. É só olhar!
Ela caminhou entre eles, inclinando-se sobre os ombros, analisando as câmeras. Quando chegou perto de Jongho, ele sentiu o perfume amadeirado dela e manteve a postura séria.
— O que você estava fotografando antes de eu interromper sua concentração? — perguntou, inclinando-se para espiar a tela.
— A entrada do prédio — respondeu ele, sem muito rodeio.
— Hum… previsível.
Jongho arqueou uma sobrancelha.
— Previsível?
Ela sorriu, sem nenhum sinal de arrependimento.
— A maioria dos iniciantes fotografa o óbvio. Vamos mudar isso. Quero que você encontre algo que ninguém mais pensaria em fotografar.
Jongho não respondeu, apenas apertou os lábios em uma linha fina.
Saebi gostava de provocar. Não era uma professora tradicional, muito menos previsível. Ela dizia o que pensava, sem rodeios, e esperava que os alunos aprendessem a pensar fora do padrão.
Ela voltou para a frente da sala e bateu palmas uma vez.
— Certo, turma! Vocês têm vinte minutos para andar por aqui e encontrar algo que mereça ser fotografado. Mas lembrem-se do que eu disse. Olhem de verdade. Se voltarem com algo sem graça, eu vou saber.
A movimentação começou, e Jongho soltou um suspiro leve. Ele não era do tipo que se deixava afetar por provocações, mas havia algo em Saebi que o fazia querer provar que podia ir além do óbvio.
Ele saiu com a câmera nas mãos, sem perceber que, de longe, Saebi observava com um sorriso satisfeito nos lábios.
🐺🐺🐺
O estúdio de dança estava vazio naquela manhã, exceto por Yunho. Ele sempre gostou de chegar cedo, sentindo o cheiro do chão de madeira encerado e o eco suave de seus passos enquanto se alongava. A música ainda não tocava, mas ele já imaginava os movimentos em sua mente, coreografando antes mesmo de levantar do chão.
Ser professor de dança e coreógrafo era mais do que apenas um trabalho. Para Yunho, a dança era a maneira mais pura de se expressar. Sempre foi. Desde pequeno, quando seus pais colocavam músicas antigas para tocar no rádio e ele se deixava levar sem medo do julgamento. Agora, era ele quem guiava outras pessoas a encontrarem essa liberdade.
Respirando fundo, ele se levantou e caminhou até a mesa onde seu celular estava. Tocou na tela, colocando uma playlist de batidas envolventes. Assim que a música preencheu o espaço, seu corpo respondeu instintivamente, movendo-se com fluidez, como se a dança fosse uma segunda língua que ele dominava sem esforço.
Mas, por mais que estivesse focado no momento, sua mente não demorou a se desviar para algo—ou melhor, para alguém.
Mingi.
Ele tentava não pensar nisso, mas era difícil. O nome ainda carregava um peso no peito, um arrependimento silencioso que o acompanhava há anos.
Yunho fechou os olhos por um segundo, lembrando-se da última vez que viu Mingi. A confissão inesperada, o silêncio dele, o olhar ferido de Mingi antes de se afastar. Ele queria dizer algo, queria explicar que não era rejeição—era apenas um momento ruim, um turbilhão que ele não soube como lidar.
Mas ele não disse nada. E, no fim, foi como se tivessem se tornado estranhos.
Com um suspiro, Yunho abriu os olhos e aumentou o volume da música. Talvez, se ele dançasse o suficiente, conseguisse afastar aqueles pensamentos. Pelo menos por um tempo.
🐺🐺🐺
O estúdio de rádio estava iluminado por uma luz suave, e Mingi ajustava os fones de ouvido enquanto observava o relógio. Faltavam poucos segundos para entrar no ar. Ele girou o anel no dedo, um hábito inconsciente sempre que ficava pensativo, e respirou fundo antes de apertar o botão que ativava o microfone.
— Boa noite, ouvintes! — Sua voz saiu firme e cativante, como sempre. — Aqui é Song Mingi, trazendo mais uma edição do nosso programa, onde falamos sobre música, cultura e as histórias que fazem parte das ruas desta cidade.
A vinheta tocou ao fundo, e ele relaxou um pouco mais na cadeira.
— Hoje vamos falar sobre como certas melodias ficam presas na nossa mente, como algumas canções parecem nos perseguir, nos lembrando de momentos que gostaríamos de esquecer… ou reviver.
Mingi soltou um riso baixo, mas apenas quem o conhecia bem saberia que havia algo melancólico ali.
Porque, no fundo, ele sabia exatamente a quem estava se referindo.
Yunho.
Era ridículo ainda pensar nele, mas certas lembranças vinham sem permissão. O jeito como ele sorria sem esforço, a forma como dançava como se fosse parte da música, como se o corpo e o som fossem um só.
E, claro, aquele maldito silêncio.
Mingi tentou afastar a lembrança. Não queria pensar na noite em que colocou seu coração para fora e não recebeu nada além de um olhar perdido em resposta. Ele se envergonhou tanto que simplesmente sumiu, e Yunho nunca tentou ir atrás. Isso deveria significar algo, certo?
Engolindo a sensação estranha na garganta, ele forçou um sorriso e continuou.
— Mas, antes de mergulharmos nisso, quero saber: qual foi a última música que trouxe de volta um momento que vocês tentaram enterrar? Mandem suas histórias, e quem sabe eu compartilho algumas no ar.
A luz piscou no painel, indicando que os ouvintes já começavam a responder.
Mingi ajeitou o microfone e se inclinou levemente para frente.
— Vamos descobrir juntos quais memórias a música pode trazer de volta.
E, com isso, ele seguiu o programa, tentando ignorar o fato de que, para ele, certas músicas sempre trariam o mesmo nome à sua mente.
Eita, quero ver como esse povo todo vai se conhecer e o que está rolando com cada parzinho
Vão ser muitas emoções daqui para frente, cada parzinho com seus dilemas e conflitos (vem tiro, porrada e bomba HAIAJSIAJSI)