Respect
Capítulo 1
Ser um dos homens mais influentes e ricos do mundo não significa ter apenas o poder total dele. Significa também ter o controle dele. O mundo em suas mãos; era isso o que o próprio mundo queria. Infelizmente, não são todos que nascem com este dom. Felizmente, eu sou o 0,01% escolhido para ser o dono do planeta Terra.
O que quero dizer, é que o que eu quiser que o mundo faça, eles irão fazer. Isso não significa que eu possa trazer a paz mundial. Que eu possa fazer mendigos saírem das ruas, acabar com a criminalidade, prostituição, adultério, entre outros. Significa que se a minha economia cair, o mundo está perdido, pois eles dependem de mim para gerar seus próprios lucros. A economia gira em torno da minha lucratividade. E pode soar um tanto egocêntrico ou exagerado, mas o respeito que eu recebo nos países não é como o respeito que recebe o presidente dos Estados Unidos ou a rainha da Inglaterra. O meu respeito é generalizado. Afinal, por que eles me odiariam? Não sou eu quem os deixo na miséria, que os demito, que os fazem se sentirem miseráveis. Não sou eu quem os envio para a guerra, quem não se importa com suas vidas ou não lhe dá teto para se proteger da chuva e mantas para afastá-los do frio. Eu sou aquele que cria o que antes era impossível de se criar. Sou aquele que levanta um prédio gigante e o adoto como hospital. Eu invisto na moradia, criando lugares para pessoas de baixo nível, até aqueles que possuem uma renda tão alta que poderiam escolher nunca mais trabalharem na vida viverem. Eu faço um bem geral. Claro que nem sempre a vida é da maneira que gostaríamos que ela fosse. Eu colaboro para a obstrução da camada de ozônio. Eu incentivo na deixa do uso da mão de obra, gerando alguns desempregos. Eu não me importo se você está em uma crise interna, deveres são deveres, e se sequer desconfiasse que não pudesse pagar o que me deve, talvez não devesse fazer um acordo comigo.
Meu nome é , e você com certeza já o ouviu em algum lugar. Seja na rádio, na televisão, da boca de um amigo ou do próprio presidente. Eles me adoram, os presidentes. Todos eles. Tentam me manter satisfeito para que eu possa manter minha empresa em seus países, gerando lucratividade e emprego para alguns engenheiros. Incentivando na educação e investindo nela. Eu sou o dono de todas as empresas de aço do mundo. Consequentemente, sou também dono das empresas petrolíferas. Não sei se você é muito familiarizado com a geografia, mas um barril de petróleo de uma tonelada que antes custavam 2 dólares, agora podem ter alguns zeros acrescentados em seu resultado final. Além do mais, acabei de me tornar também dono das empresas eólicas. E sabe o que isso quer dizer? Que a energia gerada pela ação do vento é toda minha.
Isso é poder. Isso é ter o controle da situação. Isso é ser rico. Você pode achar que tendo mais de mil dólares em sua carteira e um cartão de crédito com um limite de quinhentos mil signifique você é alguém. Sinto dizer, mas não é. Ser alguém agora é ser o que eu sou. Ao mesmo tempo em que me odeiam, me amam, e ao mesmo tempo em que querem minha decadência, não a querem. O segredo é: nasça rico e ao invés de pensar em gastar o que tem, pense em ganhar mais. Ambição para alguns é um defeito, para mim e meu modo de vida, é uma qualidade.
Meu pai era dono da empresa de aço de todo o Ocidente Sul. Obviamente, só com ele nosso lucro era de 2 bilhões anuais. Quando nos acostumamos a ter um salário destes, não há como nos contentarmos com menos. São as regras da vida, você aprende a ganhar uma coisa e quer sempre ganhar mais. Comigo não foi diferente. Meu pai veio a falecer quando eu ainda tinha 17 anos, o que deu o período de um ano para seus conselheiros e administradores fazerem a festa dentro da empresa. E é o que dizem: se não é seu, você não dá o devido valor. Logo que completei meus dezoito, fiz questão de liderar toda a empresa de modo que a fez sair da vergonha que estava, mesmo continuando ganhando meus 2bi anuais. Em dois anos, minha fortuna havia triplicado e minhas ações já não se limitavam apenas no aço, como também no petróleo. E agora, sete anos depois, o ar também pertence a mim.
Quando se vê uma vida assim, o que mais querem saber – principalmente as mulheres – é sobre minha vida pessoal e amorosa. Felizmente, posso dizer que nunca fui muito apegado às emoções. Mulheres na vida de um homem como eu significa gastar o dinheiro que eu consegui e aproveitar do meu status para aparecer. Para não complementar um visual de que minha vida é perfeita, há uma ligeira, mas importante restrição de que os conselheiros, apesar de eu querer extingui-los, ainda fazem parte da minha vida e ainda controlam parte dela. A parte pessoal, que, como puderam perceber, não é importante nem para mim.
O que acontece é que um homem renomado de vinte e sete anos e solteiro, de acordo com eles, não cria uma boa imagem do que se possam ver de administração pessoal. Ou seja, eu posso ser um sucesso em minha carreira profissional, mas nada se indica o mesmo em minha vida pessoal. Não sinto falta de mulheres ou vontade de ter animais com elas, nem muito menos filhos.
- Você precisa de filhos, senhor . – depois de horas tentando me convencer de que eu precisava encontrar alguém para mim, Eiken, o único conselheiro a quem eu realmente presto atenção, disse pesaroso. – Sei que não faz questão, mas um herdeiro…
- Eu só tenho vinte e sete anos, pelo amor de Deus! – digo já nervoso, me levantando em frente aos vinte e sete homens e mulheres presentes na enorme sala de reunião no prédio empresarial da e Co. – Vocês não fazem pesquisas sempre? Pois pesquisem então a idade média para um casal se casar e ter seus filhos. Já se passam dos trinta a época das mulheres finalmente terem seus bebês!
- Senhor , o senhor pode ter certeza de que a vida dessas pessoas não é a mesma vida que o senhor carrega. – e lá vai começar a encheção de saco. Reviro meus olhos e coloco as mãos na cintura, uma pose que eles com certeza sabiam, de que eu estava impaciente e lutando para não aumentar meu tom de voz para falar alguma besteira. – A questão é que o senhor está perto dos trinta e não tem um plano pessoal para sua vida, senhor. O que estamos tentando…
- Eu sei o que estão tentando. – o corto grosseiramente. – Eu sei o que é bom para mim ou não, assim como também sei quando devo achar uma parceira. Mas que culpa tenho eu de toda mulher que se aproxima de mim, ser uma riquinha que acha que pode comigo?
- O senhor deve se esforçar, senhor .
Olho para Eiken, que se mantinha calado, atento a tudo o que todos me diziam. O motivo pela qual ele tem o meu respeito, é porque ele sabe dizer as coisas em seus devidos momentos. Ele observa, analisa e então expõe suas opiniões. Posso dizer que dessa vez, não foi a meu favor:
- Vamos fazer um trato, senhor . – o encaro sério. – Saia com algumas mulheres. Tente ter algo com elas. Não significa que o senhor estará se comprometendo a um casamento. Mostre que o senhor tem controle sobre sua vida pessoal. Se daqui um ano entendermos que o senhor tem razão, passaremos a não aborrecê-lo mais com este assunto.
Me endireito e encaro o resto da mesa. Ninguém o contradiz.
- Muito bem. Vou fazer isso. E espero que os senhores estejam cientes de que não irei aceitar nenhuma mulher que venha para cima de mim com uma desculpa de que me ama, sendo que seu amor é mesmo direcionado para minha conta bancária. – não ouço nenhuma contradição. Bato na mesa, descontando parte da minha raiva e me levanto. – Reunião terminada.
Assim que saí da sala de reuniões, minha secretária, Kara, veio até mim confirmando uma entrevista que eu teria de dar para a Oprah. Oprah, a rainha das causas sociais. Por que negros têm sempre de chamar a atenção por causa de sua cor? Não é porque somos brancos ou amarelos que não fazemos bem maiores como eles. Levanto a mão concordando e vejo algumas pessoas saírem de minha frente rapidamente ou desviando seus caminhos ao me verem nele.
Meu primeiro relacionamento fora com Catherine, uma herdeira colombiana não muito bonita, mas muito inteligente. Meu amigo me dizia que quando saíamos todos juntos, não parecia exatamente que nós éramos um casal, uma vez que nós apenas conversávamos sobre economia e quando estávamos sozinhos, ela apenas queria fazer sexo.
- Você tem certeza que quer tentar algo com ela? – ele me perguntou uma hora quando estávamos em minha casa fazendo um churrasco. Minhas programações de diversão geralmente eram com a companhia de meus três e únicos melhores amigos. , e , que eu sabia que não iriam nunca desejar a minha decadência. Nós agíamos em setores diferentes da economia. cuidava da diversão com as produtoras de música e das maiores casas de show dos Estados Unidos, como a da Broadway. podia ser considerado o dono de Las Vegas, já que, apesar de os donos terem seus nomes sempre redigidos em notas, quem tinha suas ações na verdade era . , por fim, estava ligado ao ramo de entretenimento indireto, as maiores emissoras de rádio, cinema e televisão era dele, portanto, todo o lucro que você via canais como a Warner, E!, HBO, Telecine e outros recebiam, grande parte ia para a conta bancária de .
Para a minha surpresa, os três concordaram de que estava mesmo na hora de eu me arranjar com alguém. Mesmo eles não fazendo o mesmo que eu, era possível vê-los sempre com alguma companheira, com quem o relacionamento durasse mais de um ano.
- Eu tenho certeza de que não será ela a pessoa com quem eu irei criar uma vida pessoal. – respondo molhando a carne no sal grosso.
- Então por que está saindo com ela? – pergunta.
- Porque quero mostrar para o conselho de que não é procurando que eu irei achar uma mulher que irá me satisfazer. – ouço a risada de e desvio minha atenção para ele:
- , você diz isso, mas se contradiz. – levanto uma sobrancelha. – Na entrevista com a Oprah há alguns meses, a resposta que você deu quando ela disse o que uma mulher deve fazer para te conquistar, você foi bem claro dizendo que…
- Aquela que me convencer de que poderá criar uma vida familiar comigo, será aquela que eu irei dar o meu sobrenome… Eu sei, ! – digo nervoso. Aprendi que não devo dar entrevistas para mulheres que acham que podem dar conta do mundo e doar metade de seu dinheiro a causas sociais e achar que melhorou o planeta onde vive. – Que culpa eu tenho das mulheres terem pensado automaticamente em se juntarem a mim para terem filhos?
- Bom, mulheres em geral quando pensam em família, a primeira coisa que se vem à cabeça depois de um casamento, são os filhos. Achei que soubesse disso, . – me questiona e eu balanço a cabeça.
- Quanto mais elas pedem para eu tirar a camisinha, mais eu tenho certeza de que não há mulher no mundo que não se importe comigo sem antes lembrar quem eu sou.
- Estarei eu enxergando uma ponta de mágoa no meio de toda essa dureza? – brinca com minha cara e taco um pouco do sal grosso nele. – Hey! Só estou perguntando!
- Não estou magoado. Estou nervoso por ter de aturar tudo isso por causa de uma simples concepção do conselho. Ele é composto por 27 pessoas, não poderia algumas delas concordar comigo?
- . Nós não concordamos com você, espera alguma coisa do seu conselho idiota?
Não retruco porque sabia que ele estava certo. Mas tê-los concordando com toda esta situação não me fez muito melhor.
Depois de dois meses juntos, Catherine estava um tanto acomodada com nosso relacionamento. As revistas e programas de televisão não paravam de falar sobre nós e haviam sempre paparazzi em todos os lugares possíveis. Ela pedia que eu fosse ao menos um pouco mais carinhoso com ela na frente dos outros, pois a observação de algumas revistas femininas era que ela não conseguiu me conquistar por completo. Sem reclamar ou pestanejar, passei a caminhar com ela envolta em meu braço, que apoiava ao redor de seu ombro. Fora questão de algumas horas para nossas fotos saírem na capa de alguma revista com a notícia de que nosso relacionamento estava indo de bom para melhor e que era possível ver o amor do novo casal. E eu me pergunto aonde eles viam algum resquício de amor.
Quando estava chegando ao fim do terceiro mês, eu já não aguentava mais ela exigindo minha atenção ou querendo que eu estivesse com ela em absolutamente todos os lugares. Fui até sua residência na Colômbia e rompi com ela. Foi um escândalo. Ela fez um escândalo, e no mesmo dia lá estávamos nós novamente nas capas das revistas e nos noticiários, desta vez, separados.
No mês seguinte fui apresentado à Charlotte, uma modelo francesa muito bela e com uma atitude muito forte. Me senti atraído por seu charme e seu perfume. Mulher esperta para mim sabia que usar um tipo de perfume só perante um homem, fazia com que marcasse o cheiro nele. Não durou dois meses. Charlotte, na verdade, era uma garota mimada de vinte e três anos que sonha em se casar, ter filhos e nunca mais precisar trabalhar. Era melosa, infantil e definitivamente se aproveitava de meu status e meu dinheiro para seu bem próprio. Antes mesmo de chegarmos ao um mês e meio juntos, eu já estava me encontrando com Keite, a australiana despreocupada com os deveres mundiais e preocupada com os problemas ambientais.
Keite era o oposto de Charlotte, o que no início me fez sentir seguro de que estava indo no caminho certo. Ia até a Austrália visitar o lugar onde ela morava – um espaço afastado da cidade, até demais. Fora uma das que eu mais gostei da companhia e que mais durou o relacionamento. Ela não gostava dos Estados Unidos, então eu me esforçava para ir visitá-la em seu país de origem, o que levava os tabloides a dizerem que eu finalmente estava sendo conquistado. Doce ilusão. Quatro meses depois eu estava dando adeus à Keite e seu coala de estimação, Hunk. Ela era uma mulher adorável e agradável de se conviver. Mas pouco preocupada com o dinheiro. Na verdade, sua preocupação com a economia era de menos dez. E uma mulher que não se importasse com a minha vida e o meu status social não era uma mulher que eu procurava. Ela poderia não gastar o meu dinheiro, mas não iria me parabenizar por meus ganhos e nossas conversas iriam ser apenas sobre os problemas ambientais de lugares como a Amazônia, no Brasil. De problemas em minha vida, já bastam os meus.
A próxima fora Alessandra, uma brasileira médica renomada. Durou um mês. Conversas sobre partos e doenças causadas por transmissão não era um assunto muito bom no meio de uma refeição. Além do mais, Alessandra culpava às indústrias pela poluição e diminuição da expectativa de vida da população mundial. Ela que me perdoe, mas as indústrias são minhas, e qualquer mulher que não respeite o meu modo de vida, não merece minha atenção.
Já fazia quase dez meses que eu estava nesta situação. Enrolando e desenrolando. Gostando e desgostando, mas nunca me apaixonando. Depois de um tempo, eu ganhara o título de ‘O solteiro impossível’. Havia diversas mulheres ousando para cima de mim nos eventos que eu era obrigado a ir. Algumas eu levava para hotéis, outras para motéis, e outras sequer dava um indício de que daríamos certo. No final das contas, nenhuma dera certo.
Um ano se passara e eu tive mais de dez mulheres para provar ao conselho de que mesmo eu me esforçando – oras, eu fui até a Austrália, França, Brasil e Colômbia, não? – não havia mulher no mundo para mim. Eles pareceram se contentar com o caso e não questionaram mais o assunto, me deixando em paz com minha vida de solteiro. Pelo menos minha vida sexual fora agitada.
O que as pessoas não entendem, é que eu valorizo o que eu tenho. Eu mantenho intacto tudo o que eu ganho. Meu trabalho é minha vida. E é com ele que eu sou casado. O trabalho trás felicidade, dinheiro, bens materiais, o que traz uma mulher de bom? Um orgasmo. Talvez dois. Nunca três. O fato é que, por não aparecerem mulheres que me mostrem que podem ser valorizadas e merecem o meu respeito – nem mesmo minha mãe, devo acrescentar – a imagem delas comigo é de nada mais do que um pecado cometido por alguns. Um objeto que todo homem deseja ter, mas não manter. Não é à toa que há mais gays do que lésbicas no mundo, mesmo com o percentual de mulheres ser incomparavelmente maior do que o de homens.
Depois deste ocorrido, eu decidi observar as mulheres ao meu redor. Na empresa, nos eventos, nos consultórios. Todas, sem exceção, possui um ‘quê’ de desejo quando as pego me encarando. Como homem, sei que devo fazer minha parte retribuindo, as fazendo entrar em meu carro, nunca em minha casa. Como o que sou, nenhuma me deu um gosto de ‘quero mais’.
Cinco meses depois, tudo continuava a mesma coisa. Ações aumentando, dinheiro nascendo em minha árvore e eu mudando de carro e comprando uma ilha nas Bahamas. Eu compro para lidar com minha satisfação de saber que eu tenho, pois ir até todas as casas que comprei ao redor do mundo seria desgastante e não valeria a pena. Afinal, sozinho nada é divertido e mulheres não entram em minha casa, se não for para limpar ou levar um bom resultado do relatório mensal de minha empresa.
Acontece que desta vez, depois de seis anos dentro da empresa, não fora Kara quem tocara a campainha de casa, mas sim uma garota bem vestida, com o que eu identifiquei como uma de minhas empregadas, uma vez que ela carregava em mãos, uma pasta com o logo da minha empresa.
- Quem é essa? – pergunto ao segurança, a vendo pela câmera de segurança de meu escritório, quando este me interfonou pedindo a permissão de deixá-la entrar.
- , senhor, se diz ser a assistente de Kara.
- Trouxe os relatórios do mês de Junho. – ouço a voz da garota de fundo e levanto uma sobrancelha. – Diga que Kara está no hospital com licença médica por causa da gravidez e eu fiquei responsável no lugar dela.
- Deixe-a entrar. – respondo, desligando na cara do funcionário. Passo meu olhar para meu computador e digito algumas coisas, antes do mordomo bater à porta, apresentando a tal . Faço um sinal com as mãos para que ela entrasse e ele logo se retirou ao vê-la parada no meio de minha sala, de frente para mim. Digito mais algumas coisas em meu computador, enquanto digo: – Vai ficar parada aí ou vai me entregar o relatório? – estendo meu braço para receber o documento e ouço um ‘desculpe’, sentindo a pasta em minhas mãos logo depois.
- O senhor deseja…
- Desde quando Kara está de licença e por que não fui informado disso? – digo ainda não a encarando, as estatísticas não estava muito boas para um final de semestre. – Diga a Reitor que se o setor de criação não melhorar em quarenta e sete por cento, ele pode se considerar rebaixado de cargo.
- Sim senhor. – levanto meu olhar a tempo de vê-la com uma caneta em mãos e um pequeno caderno.
- O que diabos está fazendo? – ela levanta seu olhar para mim.
- Anotando o pedido…
- Faça isso agora. – perco minha paciência. – Por que não me respondeu sobre Kara?
- Kara está afastada já faz uma semana. Irá ficar os próximos seis meses de licença por causa da gravidez. Disse que informara o senhor há sete meses, quando…
- Ela espera que eu me lembre o que ela disse há sete meses atrás? – que audácia de mulher! – São vocês quem devem se lembrar do que eu falo a até três anos atrás!
- Sim senhor.
- Por que não ligara para Reitor?
- Já vou…
- Por que está saindo da sala? Afinal, Kara te deu algum treinamento?
Ela se manteve calada. Respiro fundo e massageio minhas têmporas.
- Há quanto tempo você está na empresa?
- Quatro anos.
- Quatro anos… – repito. – E durante esses quatro anos, o que você aprendeu?
- Que não devo me relacionar com outros empregados ou dirigir a palavra ao senhor.
Levanto minhas sobrancelhas. Uma empregada minha foi treinada a não me dirigir a palavra. Isso é interessante.
- Quem te ensinou isso?
- Senhorita Guill. – ponto. Tina Guill e eu tivemos um longo relacionamento de um ano e três meses há cinco anos e ela continua até hoje achando que podemos voltar a reatar. Uma mulher sensata que me faz perder trezentos milhões por recusar uma oferta do que então se tornou meu maior concorrente definitivamente não poderia cogitar a ideia de um reato. Definitivamente Guill não tem o dom da sensatez.
- E o que você faz?
- Sou secretária de Kara. Ela me deixou seu cargo assim que soube que iria se ausentar por seis meses.
- E o que ela te ensinou?
- Todo último dia do mês, no fim da tarde, devo vir até sua residência lhe entregar as estatísticas e relatórios do mês. O senhor as recebe e eu vou embora. Devo sempre anotar tudo o que o senhor pede para completá-las longe do senhor.
Me mantenho calado. Se era isso o que Kara fizera nos últimos seis anos, talvez eu devesse ser mais perceptível. Não pude retrucar as orientações, então fiz o que devia fazer para me deixar pensar no assunto:
- Vá ligar para Reitor e volte aqui.
- Com licença. – ela rapidamente se afasta, saindo da sala. Respiro fundo mais uma vez e volto a encarar os relatórios. Demorara cerca de quinze minutos até ela retornar à sala.
- Então… – a incentivo vendo que ela não iria começar a falar sem que eu desse a deixa.
- Disse que fará o possível.
Dou uma risada.
- Fará o possível! – encosto em minha poltrona e então desencosto a encarando. – Me diga, , é , não é? – a vejo concordar com a cabeça. – Me diga, – repito. – Se recebesse uma ordem dessas, você diria que ‘fará o possível’?
- Talvez…
- É claro que não! – bato a mão na mesa, a fazendo pular com o susto. – Uma coisa que deve aprender, , sente-se. – aponto para a poltrona em minha frente. – É que eu não gosto do ‘possível’. Eu gosto do ‘certeza’. – apoio minhas mãos em minha mesa, vendo-a me dar toda sua atenção e não mostrar uma expressão nervosa ou receosa. Ela parecia acomodada. – Eu não gosto de ficar na dúvida, se é que você consegue me entender. Dúvidas não me trazem lucratividade.
A espero concordar comigo, mas ela nada diz.
- O que você faria? – pergunto e ela imediatamente abre a boca para responder:
- Tiraria Reitor da direção e colocaria Querr.
- Querr? Adam Querr? Você o colocaria na direção? – levanto as sobrancelhas. Querr é o homem nerd com os olhos fora de foque e uma imaginação inimaginável. Era bom com design gráfico, mas péssimo para se comunicar. Colocá-lo na direção seria suicídio. – A senhorita tem alguma relação com ele?
- Não devo me relacionar com outros empregados. – ela diz calma. – O indiquei porque não o vejo apenas como o nerd esquisito como todos os outros empregados da empresa e o senhor, senhor . Vejo o potencial dele em enxergar o futuro de uma maneira diferente e agradável aos olhos de nossos clientes. Se essa energia dele passar para o resto da equipe, será uma equipe de pessoas com uma visão do futuro melhor para a empresa, aumentando a criação e consequentemente a lucratividade que o senhor tanto valoriza.
Não pude deixar de me sentir ofendido com a última afirmação dela, mas sua ideia não era tão má. Kara geralmente dizia que concordava comigo e fazia tudo o que eu mandava. Mais um ponto de interesse acrescentado à secretária da secretária.
- Kara não mencionou que eu não gosto de ser questionado?
- Mencionou.
Levanto minhas sobrancelhas mais uma vez. Dois pontos a mais. Então ela era excêntrica. Bom, bom.
- E mesmo assim você arrisca a fazer o que não se deve?
- Ninguém nunca me disse que expor uma opinião para meu chefe quando ele me pergunta era proibido.
Volto a encostar em minha poltrona com um cotovelo apoiado no braço dela. A observo e então encaro o relatório, jogando-a em sua frente.
- Faça isso. Coloque Querr na direção e diga que eu mandei. – a vejo pegar a ficha. – Se o lucro da empresa crescer em no mínimo vinte e cinco por cento, você continua na empresa, senhorita . Senão estará demitida.
- Sim senhor. – havia algo nela que me perturbava. E eu sabia exatamente o que era.
Ela não tinha medo de mim e do meu poder.
Capítulo 2
- A secretária de sua secretária te instiga? – me encarava com um riso estampado em seu rosto durante um jantar na casa de . – Qual é, ! Você está interessado nela?
- Profissionalmente? Sim, estou. Ela não é do tipo de mulher que se importa em me transpassar um perfil de mulher, entendem? Ela só quer saber do trabalho.
- Bom, isso me lembra alguém. – diz me encarando e dou uma risada.
- Ela tem um gênio forte.
- Não me surpreende então que Tina tenha a mantido longe de você. – solta uma risada. – Vocês dois poderiam ter juntado as forças há quatro anos e se virado contra ela.
Damos risada com a suposição.
- Ela não faz meu tipo.
- E desde quando você é homem de ter tipo? A única pessoa que você realmente gosta nessa vida é Benjamin Franklin, na nota de cem dólares. – brinca. Sorrio. Era verdade. Benjamin era a única pessoa que eu amei sem nem ao menos conhecê-lo. – Mas é bom você ter uma mulher assim trabalhando consigo. Quem sabe para de reclamar da falta de interesse de seus empregados em fazer a empresa crescer?
Isso seria praticamente impossível. Eu nunca estava satisfeito com meus empregados. Isso era um fato que se tem desde que eu entrei na direção da empresa, há dez anos.
Apesar de eu ver constantemente, eu não prestava atenção no que ela fazia. A maioria das vezes, nos encontrávamos para eu lhe dar ordens e ela cumpri-las, o que admito que fazia muito bem feito. Diferente de Kara ou Cindy – a secretária anterior à Kara, com quem me relacionei e tive de demiti-la, pois, depois de terminar com ela, fui ameaçado de ter meus segredos expostos ao público, segredos este que vieram à tona, mas foram todos falsos -, chegava antes de eu estar na empresa e ia embora depois que eu saía, às dez, onze da noite. Atendia a todos os meus telefonemas imediatamente e os retornava todos com algum resultado, a maioria positivas. Não se importava quando eu exigia que ela estivesse no outro lado do país em pleno sábado para uma reunião extra de última hora que eu fazia com os representantes na direção de cada país e tampouco se importava em ser deixada na responsabilidade de levá-los aos hotéis, fazer seus check in’s e check out’s, além do meu e voltar na classe econômica. Ela se acomodava com absolutamente tudo.
Chegando o fim de Julho, a vi entrar em minha sala depois de meu mordomo com a pasta do relatório mensal. Dessa vez, ela quem deixara a pasta em um lugar vazio em minha mesa e se mantivera em pé esperando minha boa vontade para olhar. Passaram-se alguns minutos até eu pegar a pasta e abri-la, levando meu olhar de um lado para outro, vendo a lucratividade crescer em oitenta e sete por cento. Não a questionei, tampouco a parabenizei. Apontei para a poltrona em minha frente e a vi se sentar ainda séria.
- O que acha de ser minha conselheira? – apoio meus cotovelos em minha mesa e a vejo desta vez levantar as sobrancelhas surpresa.
- Conselheira?
- Sim. Você ganhará mais, trabalhará menos…
- Gosto do meu trabalho.
Aquilo me surpreendeu. Qualquer pessoa sensata aceitaria o cargo sem pestanejar. Encosto em minha poltrona:
- Estou confuso. Você não quer ganhar mais e trabalhar menos?
- Senhor , com todo respeito, mas não estou nesta empresa para ser efetivada e trabalhar menos, definitivamente gostaria de ganhar mais, como qualquer pessoa no mundo quer. Mas minha vida gira em torno do meu trabalho, e se eu diminuir minha carga horária, talvez eu não tenha nada mais a fazer. E isso é algo que não desejo a mim mesma.
Ouço a voz de dizendo que ela era eu em versão feminina e menos atraente. Cruzo meus dedos e os levo à frente de meus lábios, dando uma visão a ela de meu nariz para cima. Ficamos calados por algum tempo, até eu levar minha mão direita à minha primeira gaveta, retirando um convite dourado onde eu fora chamado para participar da inauguração de um restaurante.
- Este evento vai acontecer no sábado. – entrego o convite para ela, que pega e passa os olhos por ele. – É traje de gala. Te pego às nove. Não é um convite.
- Você convidou a sua secretária pra te acompanhar na inauguração da Le Petit? – observava e se prepararem para a jogada no golf. Nós não gostávamos de jogar golf, mas nada do que nos exibirmos para os outros jogadores. – , você está interessado nela?
- Não particularmente nela. Só quero saber se ela finge ser alguém para me agradar.
- . Você está arranjando desculpas para não dizer que está de fato, interessado nela.
- , não é porque eu a intimei a ir um evento comigo, que eu estarei interessado nela. Convidei milhares de outras empregadas minhas e vocês nunca disseram isso.
- Talvez seja porque quando vocês as convidou, foi porque não havia escolha e não porque a quer conhecer melhor.
- Vendo você falar parece mesmo que eu tenho algum interesse nela. – vejo os outros dois acenarem, nos fazendo aproximar para também jogar. Não tocamos mais no assunto então. Fiquei solitário com meus pensamentos indagando se eu estaria mesmo fazendo aquilo apenas para saber se ela era parecida comigo.
Sábado não demorara a chegar, e pela primeira vez no último mês, eu não vira até a hora que eu parei em frente à sua casa, que na verdade, era um prédio em Chinatown. Ligo para seu celular e aviso que estava parado em frente ao prédio. Olho para os lados, afinal, Chinatown não era um dos lugares mais seguros de Nova Iorque. Pelo contrário. Mesmo com seguranças espalhados ao redor de onde eu estava, um pouco de cautela nunca era demais. Ouço duas batidas na janela do lado passageiro e vejo em um belo vestido vermelho, que acentuava bem seu busto e delineava perfeitamente sua silhueta. Saio do carro por impulso e dou a volta, ainda vidrado na imagem que eu nunca imaginei ser possível de existir, convivendo com quem eu convivo no dia-a-dia.
Ao contrário de todas as mulheres com quem saí na vida, não sorriu sensualmente, não estufou o peito, não veio até mim me dar um beijo de comprimento e nem tampouco corou com meu olhar subindo e descendo por seu corpo.
- Está bonita. – digo abrindo a porta do carro para ela.
- Está charmoso. – ela me surpreende com um sincero sorriso e adentra no automóvel, me deixando um pouco avoado com o que estava acontecendo. Caminhei lentamente para poder sair de meu transe e poder dirigir com tranquilidade – agora com nem tanta pressa de chegar – até o restaurante. – Deveria saber o nome de alguém para o senhor? Me esqueci de perguntar ontem.
- Não, é apenas um jantar. – respondo. Ela não se movia, ou de vez em quando brincava com sua pulseira. Olhava para o lado prestando atenção no caminho. – O que fez hoje? – puxo um assunto. A sinto me encarar e então voltar a olhar afora.
- Nada demais. Acordei tarde, revisei os relatórios que o senhor pediu para semana que vem, tentei preparar algo para comer e passei um bom tempo dando um jeito em meu cabelo. – ouço sua fraca risada e sorrio. – E o senhor?
- Me trate como ‘você’, hoje, tudo bem? É minha acompanhante, não minha secretária.
- Tudo bem. E você? – ela refaz a questão e dou a seta para a direita.
- Joguei golfe. Fiz a revisão dos empregados que serão dispensados no final deste mês. Tive uma luta com minha gravata. – ouço sua risada mais uma vez. – Nós de gravatas são difíceis de fazer.
- Nem tanto. – ela responde. – São divertidos de se aprender.
Dou uma risada, não concordando e nem discordando. Eu nunca aprendera exatamente como se fazer um nó de gravata. Ela estava sempre feita em cima de minha cama, de acordo com que eu pedia para meu mordomo fazer.
Chegamos no restaurante e diversos paparazzi aparecem em torno de meu carro, junto com uma multidão de seguranças para afastá-los de mim e . Dou a volta no carro e vejo que ela já estava fora, apenas me esperando, ignorando todos os flashes vindo em nossa direção. Percebo que há um imenso decote na parte de trás de seu vestido, de modo que eu podia ver toda a extensão de suas costas, que não eram mal, e tocar, sentindo sua pele macia, enquanto a direcionava-a para dentro do ambiente.
Somos recebidos pelo chef da cozinha e dono do restaurante, que dizia se sentir honrado com a minha presença. Olha para e não sabe o que dizer, não a deixando desconcertada. Apenas diz que a decoração estava magnífica e segue comigo até uma mesa com alguns outros importantes convidados. Como uma boa companheira, ela manteve uma conversa que achei ser bastante agradável com uma senhora que estava ao lado dela na mesa. Sorriam e concordavam veermente uma com a outra, soltavam algumas risadas e nunca causava nenhum constrangimento de minha parte, como fora com as outras empregadas que uma vez convidei para me acompanhar. Na maioria das vezes elas se limitavam a conversar somente com quem eu dirigia a palavra, ou se tornavam esnobes demais por estarem me acompanhando. Não sei se fingia tal simpatia, mas seja o que fosse, estava dando certo.
Foram diversas as vezes que olhei para o lado para vê-la como estava. Todas foram as vezes que a vi confortável conversando com as outras pessoas da mesa também. Quando me infiltrava na conversa, ela não evitava falar menos do que lhe devia, causando um grande ambiente bom de se conviver e me fazer receber elogios pela companhia.
- Nunca esperei que fosse acertar, senhor . – Miss Kimble, uma velha senhora que estava sempre nos eventos para evitar a solidão depois que seu falecido marido se foi há dois anos, disse na hora que estávamos nos retirando. fora até a cozinha a pedido de Krustel, o chef dinamarquês, para lhe passar a receita de seu molho de alcaparras e alecrim. Miss Kimble uma vez me dissera que sentia uma certa simpatia por mim, pois lembrava a seu marido quando jovem. Sem perceber, eu também havia nutrido uma simpatia pela senhora, que me dizia sempre coisas boas, diferente de outras. – Estou feliz que finalmente encontrara alguém agradável e que aguente as manias do senhor.
Sorrio em agradecimento, mas então digo que não estávamos num relacionamento.
- Ah, que pena… – ela murmura, seu sorriso mais fraco. – É mesmo uma grande pena. Ela é adorável. – e dá dois tapinhas carinhosos em meu rosto antes de se retirar do restaurante e seguir para a Mercedes que a aguardava.
Volto meu olhar para , que agora estava parada em frente ao bar, ainda conversando com Krustel. Troco mais algumas palavras com alguns convidados que vinham até mim e então a sinto em meu lado.
- Vamos? – pergunto e ela sorri em concordância. Mais uma vez toco em sua pele colocando minha mão em sua cintura e a levo comigo para fora do restaurante, antes agradecendo e elogiando o chef. Mais uma vez fotógrafos nos capturam e fugimos em meu carro, indo em direção ao lado mais pobre de Manhattan. – O que achou?
- Foi muito agradável, obrigada pelo convite. – ela parecia feliz. Sorrio. – Achei que seus eventos fossem tediosos.
Dou uma risada.
- Por que acha isso?
- Não sei, talvez o ambiente de trabalho trouxesse essa impressão.
- Não gosta do ambiente de trabalho?
- Adoro. Mas convenhamos que não é o lugar mais relaxante do mundo. – mais uma vez rio, agora com a companhia dela. Trocamos mais algumas palavras, sempre sobre trabalho, mas não sobre ele. Girávamos em torno do assunto, mas não entrávamos, pois ambos sabíamos que não era o momento para se discutir sobre isso.
Não demorou para chegarmos à residência dela. Desliguei o carro e a vi retirar seu cinto.
- O convidaria para entrar, se não achasse que o lugar onde eu moro seja humilde demais para seus padrões. – ela sorri sem graça.
- Acha que não me adaptaria aqui? – sorrio e ela me olha desconcertada.
- De modo algum! É só… Bom. Não está mesmo de acordo com o que o senhor… Você, está acostumado.
Retiro meu cinto.
- Vamos conferir, então. – abro minha porta antes verificando se havia alguém suspeito por perto. Mando um bip para meu segurança e vejo dois carros se aproximarem e estacionarem por perto. Dou a volta em meu carro e abro para , que ainda estava insegura sobre minha ação. – Não se preocupe, sua imagem já fora formada para mim, não será o lugar onde vive que irá mudar. A não ser que não queira que eu entre.
- Imagina! – ela diz com um sorriso que eu nunca havia visto antes. Ela parecia tímida com a situação. Fecho a porta do carro e tranco com o controle, esperando que ela abrisse a porta de seu prédio. Ao entrarmos, damos de cara com um apertado corredor e uma longa escadaria. A ultrapasso enquanto ela tranca a porta atrás de mim e olho para cima, onde havia cerca de seis a sete andares. As paredes em um verde escuro já desgastado e a falta de iluminação dava ao local um aspecto não muito bom para se viver. – Eu disse que não era…
- Não disse nada, disse? – a encaro com um sorriso e vejo seus ombros encolherem. Dou um passo para trás, encostando na parede para que ela pudesse me ultrapassar e seguir à frente nas escadas. Subimos quatro lances de escadas até chegarmos em um andar com uma iluminação um pouco melhor, devido à luz branca. Havia quatro portas e seguiu até a penúltima, passando a chave pela fechadura e a abrindo.
Parecia outro lugar. As paredes brancas e novas, o cheiro de bambu e os móveis bem conservados. Um espaço arejado e apesar de minúsculo, bem adaptado. Com as mãos no bolso, entro na casa de e vejo alguns poucos retratos com fotos dela e de provavelmente seus pais e irmãs.
- Hum, sinta-se à vontade. – ela aponta para o sofá e sorrio, voltando a atenção para o retrato. – É minha família. – ouço sua voz ao meu lado. – Morreram num acidente de carro alguns meses antes de eu entrar na empresa.
- Sinto muito. – murmuro. Não recebo resposta.
- Gostaria de algo para beber? Um café, água, algo alcoólico?
- O que quiser, estou bem confortável. – respondo ainda olhando todo o espaço. – É um belo quadro. – aponto para a que estava na parede ao lado da porta de entrada e a janela. – É de quem?
- Minha avó. Herança. – ela diz antes de seguir para o que eu imaginava ser a cozinha. Da onde eu estava, podia ver a enorme e aparente confortável cama. Era o único cômodo fora a cozinha da casa. Em um canto daquela sala estava uma mesa com arquivos e anotações, e um mural na parede à frente, local que eu imaginava ser o ‘escritório’ de . A mesa era de madeira com uma tinta verde água propositalmente desgastada para o design da mesma. Havia organização em toda sua extensão. O mural, com lembretes coloridos de todas as minhas reuniões e pedidos, todas as viagens que terei de fazer e todas as pessoas com quem pedi para ela manter contato. Meus documentos para a renovação de meu passaporte, os relatórios que eu pedi para a semana.
- Você não pensa em se mudar? Achei que seu salário estivesse bom. – digo mais alto de modo que ela pudesse ouvir.
- Eu moro sozinha, não gosto de espaços grandes. – ela explica e sua voz se torna mais clara, me informando que ela estava na sala. – Eles me fazem sentir solitária. – e entrega a caneca que descobri ser capuccino. – É descafeinado com duas gotas de adoçante. – ela diz, me lembrando meu gosto por eles.
Caminho até o sofá e me sento, vendo-a se acomodar em uma poltrona. Fico a encarando, pensando no que ela havia dito.
- Como consegue se sentir solitária? Está sempre no trabalho.
- É meu modo de fugir da solidão. – ela levanta os ombros. – Ocupo minha vida com o trabalho e não tenho tempo para pensar no que estou perdendo ou ganhando.
- Amigos?
- Deixados em Arizona.
- Colegas?
- De trabalho? Acho que eles não gostam muito de mim.
- Por quê?
- Bom, eu não sou a pessoa mais bonita do mundo como são todos na empresa. – ela novamente encolhe seus ombros. – Sou carta fora da manilha.
Ficamos conversando por um longo tempo, descobri que ela na verdade não era uma mulher séria, e mesmo sendo quatro anos mais jovem que eu, possuía um caráter que poucas mulheres mais velhas que eu tinha. Eu estava surpreso e curioso por ela. Seu modo de vida tão parecida com o meu modo de viver, mas com uma razão completamente diferente.
Capítulo 3
Depois de dois meses do evento, nossa relação continuava a mesma. era tão profissional quanto qualquer outra empregada da empresa. Eu não a chamara mais para me acompanhar em algum evento, ao contrário do que ela provavelmente esperava, convidei outras empregadas, que se sentiram tão superior a ela. Como o esperado, ela não reclamara, não demonstrara desconforto e mantivera sua postura de sempre. Eu ouvia quando estava com a porta do escritório aberta, mulheres passarem em sua mesa e perguntarem sobre mim, ou dizerem o quão bom havia sido o nosso encontro.
- Talvez você não tenha sido uma boa companhia, . – ouço uma voz dizer a .
- Talvez. – ela concorda.
- Pois vejamos a situação, ele me convidara pela terceira vez semana passada, e bom, você não terminara transando com ele, não é?
- Não.
- Então quer dizer que você não foi tudo o que ele esperava.
- Pode ser que não.
- Não seja tão exagerada, Ursula, todo mundo sabe que não se sente atraída pelo senhor . – aquilo me prendeu. Parei de olhar para a tela do computador e encarei a porta. Ela não se sentia atraída por mim. Isso não era parte de meu cotidiano. – Não sei o que você faz para conseguir essa proeza, , mas acho que você deveria considerar o belo partido que ele é.
- Eu só sou a secretária provisória dele.
- Exatamente por isso, você tem mais chances de ficar sozinha com ele, devia tentar alguma coisa. Não o acha bom o suficiente?
- Fora de mim! – ela responde rapidamente. – Senhor é uma das pessoas que mais respeito na vida.
- Você deveria ser mais ousada, . Aproveitar que Kara não está aqui para pegar o cargo dela.
- Não quero atrapalhar a vida dela. Acabou de ter um bebê, precisa do dinheiro.
Ouço murmúrios impacientes.
- Talvez seja por isso que o senhor não dormira com você ou a chamara para uma segunda vez. Porque você não excede nenhuma expectativa. Você se mantém neutra a tudo e só dá a opinião quando lhe pedem. É uma santa.
Não ouço resposta. E ela nunca veio. Depois de um tempo, ouço a porta de vidro bater, e chamo , que entra com sua expressão de sempre e o seu famoso bloco de anotações.
- Peça para Genéve pegar meu novo carro na concessionária e peça para Brown planejar um voo para Tucson para quatro pessoas.
- Sim senhor. – ela responde impassível e balanço minha mão, dispensando-a.
Mas minha atenção ainda estava nela. Pensei em diversos modos de abordar o assunto com ela, até que me toquei que eu não precisava dar-lhe alguma satisfação. Ela era minha empregada e tudo o que fazia era para o meu bem e também o dela.
Quando dera onze e meia, resolvi deixar o escritório. Eu havia ficado até mais tarde de propósito para ver se ela ia embora antes ao menos uma vez em toda sua carreira dentro da empresa. Doce ilusão.
- Boa noite, .
- Boa noite, senhor . – ela murmura me encarando. Da mesma maneira de sempre, a ignoro, caminhando para fora do escritório.
Diferente das outras vezes, minha curiosidade em saber o motivo dela sair sempre depois de mim era maior. Fiquei entrosado em uma conversa com James, o faxineiro.
- Ela algumas vezes diz para eu ir embora mais cedo, diz que é mal educado sair do trabalho antes do senhor. – a fraqueza em sua voz mostrava o poder da idade atacando. James já era um senhor, mas limpava por opção. Gostava de conversar com as pessoas e ver o movimento da empresa. Ofereci uma bela aposentadoria, pois sua vida inteira ele estivera dentro deste prédio, do período da manhã até a noite. Eu cresci com ele me observando. Não aceitou minha oferta. Disse que a vida está próxima do fim demais para ele gerar algum lucro e como não tivera filhos e nem uma mulher, não havia alguém a quem deixar algo. – Não cometa o mesmo erro, senhor . – ele dizia. – Não termine sozinho como eu.
Concordo com o que ele disse e afirmo que uma hora acharia alguém para mim. Ele pareceu acreditar.
- De todas as mulheres que vi passar por essa empresa, a única que sei que seria do gosto do senhor é a senhorita . Sua bondade excede sua eficiência no trabalho. – o questiono por que ele mencionada aquilo. – Toda vez que o senhor sai, ela me liga dizendo que eu podia subir para limpar o escritório do senhor. Quando subo, parte de suas papeladas estão organizadas e ela cuida para que tudo esteja no devido lugar para quando o senhor chegar no dia seguinte. Consigo ver a exaustão estampada em seu rosto, mas a dedicação é sempre a mesma. Um dia perguntei se ela não pensava em crescer profissionalmente.
- E o que ela respondera?
- Nada. Ela apenas deu um de seus belos sorrisos, que escondem muitas verdades. É uma boa garota, com experiência de vida e um futuro promissor, se me permite dizer, senhor .
Sorrio e vejo na câmera de segurança ir até o telefone e em seguida o aparelho ao lado de onde James estava tocar. Ele sorri e aponta para a mesma, atendendo:
- Olá, querida.
- Boa noite, James. Desculpe a demora, o senhor saiu mais tarde hoje.
- Não há problema, querida, já estou subindo.
- Se quiser ir embora…
- Já disse que não há problema. Dois minutos e estarei aí. – e desliga. Me encarou com um sorriso. – Fique à vontade, senhor . – e balançou a cabeça em despedida. O vejo caminhar lentamente até o elevador e em menos de um minuto, sumir. Sento-me em sua cadeira e olho para a tela da câmera. O segurança entende que era uma questão de privacidade e se afasta de mim. Aperto alguns botões e aumento a tela onde estava. Vejo-a caminhar de sua mesa para minha sala, organizando os papéis, como James havia dito. Também trocava algumas flores e esborrifava um aromatizante pelo local. Vejo-a abrir a porta para James e ajudá-lo a limpar a sala, sempre sorrindo. Devido à ajuda, o trabalho fora mais rápido e ele a espera pegar seu casaco e sua bolsa, para então se dirigir para o elevador. Chamo o segurança e peço para trazerem meu carro rapidamente, o que foi prontamente atendido. Aguardei a saída de com James do prédio e a vi olhar para os dois lados, não percebendo que meu carro estava ali.
Alguns minutos se passam e um táxi para em frente ao local, abre a porta para James, que nega com a cabeça. Entrefecho meus olhos, não acreditando no que ela estava fazendo. Ele negava veemente com a cabeça, e tudo o que ela fazia era empurrá-lo para dentro do carro com um belo sorriso em seus lábios. Depois de muita discussão, James cedera e partira dentro do táxi. A vi então desfazer seu sorriso e apertar a bolsa contra o corpo. Começara a caminhar para o lado oposto de meu carro, e, com os faróis desligados, comecei a segui-la.
Ela caminhava olhando para os lados, provavelmente com medo de que algo pudesse lhe acontecer. A rua estava deserta e já passava da meia noite e meia. Todos os transportes públicos da cidade estavam fora de andamento, a impedindo de pegar um para chegar em sua residência. Vejo-a continuar caminhando sem parar. Sempre cautelosa. Sem tomar conta de meus atos, ligo os faróis e acelero para mais perto dela.
- O que está fazendo aqui a uma hora dessas? – digo com o vidro do carro aberto. Ela me olha surpresa. – Sabia que pode ser assaltada?
- Não há mais transportes públicos. – ela responde.
- Entre no carro. – digo e ela me olha receosa. – Você espera chegar em sua casa ainda hoje? Ela fica no outro lado da cidade. Entre no carro.
Sem me questionar, ela abre a porta e se senta no banco passageiro, ainda calada. Acelero em direção a Chinatown. O silêncio dentro do carro não era tão perturbador. Olho no relógio, que batia quase uma da manhã. sempre chegava às sete e meia.
- Você não precisa sair depois de mim sempre. – digo.
- Faço porque gosto.
- Eu sei. Mas voltar a pé para casa toda vez que eu decidir ficar até mais tarde na empresa não é a melhor maneira de me demonstrar que se preocupa com seu cargo.
- Sim senhor.
A impassividade dela estava começando a me irritar. Resolvo não dizer mais nada. Não demoramos a chegar em Chinatown. Paro em frente ao seu prédio e a vejo me olhar depois de ter tirado o cinto de segurança.
- Obrigada, senhor .
- Não há de quê. – respondo e ela abre a porta. – Hey. – a chamo e a vejo olhar para mim. – Tire uma folga hoje.
- Mas–
- Faça o que eu digo. Tire uma folga.
Ela continuou parada na porta me encarando e concordou com a cabeça.
- Sim senhor.
- Até sábado. – respondo, dando a certeza de que ela iria voltar a trabalhar no sábado. Porém, talvez eu não tivesse tanta vontade de trabalhar no final de semana, o que a faria ficar mais dois dias dedicados para ela.
Sábado chegara e eu resolvi voltar à questão da publicidade da empresa. Tudo era movido através da publicidade, e acho que está mais do que na hora de renovarmos o comercial da empresa. Enquanto conversava com , digito o número automático, ligando para . Era a primeira vez que ela não me atendia logo no primeiro toque. Nem no segundo. Estranhei. Tornei a ligar mais uma vez.
- Aconteceu alguma coisa, ? Parece ansioso?
- Nada, só um fato que nunca havia acontecido. Escuta, , podemos conversar sobre isso depois? Acabo de lembrar que preciso passar em um lugar agora.
- Tudo bem. – ele se levanta. – Tem certeza que está bem? Você não para de digitar números no celular.
- Está tudo ótimo. – respondo pegando a chave de meu carro. Nos separamos para entrarmos em nossos carros e continuo tentando ligar para . Já era a sexta chamada perdida. Havia algo muito esquisito acontecendo. Ligo para a empresa e lá dizem que ela não havia aparecido. Ligo para um contato que pedi que ela entrasse em contato para mim até ontem e ele dissera que ela ligara ontem e que iria retornar hoje às oito, porém não retornara. Acelero mais meu carro até Chinatown e não demoro a chegar em frente a seu apartamento, onde estavam também paradas algumas viaturas da polícia.
- Bom dia. – digo me aproximando, mas logo sou impedido por uma das autoridades.
- Bom dia, senhor , sinto dizer, mas o senhor não pode entrar aqui.
- Tenho uma conhecida que mora aí. – tento enxergar algo, mas tudo o que vejo são famílias do lado de fora apavoradas e outras mulheres chorando. – Posso saber o que aconteceu?
- Um bando de marginais invadiu a noite passada. Pegaram um dos adolescentes quando estava voltando para casa e entraram no prédio, passando de apartamento em apartamento para roubar bens materiais.
- Houve alguma vítima?
- Uma criança, dois homens e três mulheres. Um homem e uma mulher mortos.
Tento manter minha postura, mas um choque passa por mim. Olho acima, onde vejo a janela do apartamento de aberta, com a cortina esvoaçando para fora.
- Gostaria de saber se minha conhecida está bem.
- Poderia dizer seu nome, senhor ?
- . .
- Só um minuto. – ele se retira e coloco as mãos no bolso, apertando-as dentro. O vejo conversar com outro homem e então apontar para mim. Este se aproxima.
- Senhor ?
- Sim.
- Sou Tenente Ellegan, o senhor é algo próximo de ?
- É minha secretária, mas a família dela já não está mais viva, por quê? Aconteceu algo?
- sofreu estupro e fora alvo de pancadas. A mandamos para o hospital da zona norte, seu estado não é tão grave quanto de outras pessoas, mas não deixa de ser delicado.
Passo a mão no rosto deixando clara minha preocupação.
- E os bens dela… – começo a dizer e sou interrompido.
- Roubados. Parece que algumas coisas foram escondidas abaixo do assoalho, gostaria que me acompanhasse, pois está no nome do senhor.
Contra minha vontade, acompanhei o tenente até uma delegacia móvel. Ele retirou alguns sacos plásticos transparentes, onde pude identificar todos os documentos e relatórios da empresa intactos.
- Acredito que isso pertença à sua empresa, senhor .
- Sim, pertencem. – pego os pacotes de sua mão.
- Senhorita os escondeu antes dos bandidos chegarem em sua residência. Quando a encontramos, pediu que eu entregasse em suas mãos.
- Obrigado. – pego as sacolas e, antes de sair, sou chamado a atenção, me fazendo voltar a encará-lo.
- Não é todo dia que vemos uma secretária tão fiel assim.
Assinto e me afasto, voltando até meu carro e ligando para meu mordomo pedindo a transferência de para o melhor hospital de Manhattan. Enquanto falava ao telefone, me dirigia diretamente até o hospital onde eu a pedi para transferi-la e ao chegar, iniciei o processo da papelada que alguém responsável por ela precisaria preencher. Demorara cerca de quarenta minutos para ela entrar no hospital em uma maca. Tive de esperar mais cinco horas para ser liberado a visitá-la.
Adentrei ao quarto e a pude ver assistindo a TV. Desviou seus olhos para mim e então os abaixou, mexendo nos fios que estavam de um lado em um saco de soro e o outro lado fincado em seu antebraço. Podia enxergar vergões ao redor de seu corpo e um lado de seu lábio cortado.
- Como está se sentindo? – pergunto.
- Melhor, obrigada, senhor .
- Não precisa agradecer. – me sento na poltrona ao lado de sua cama. – Obrigado por salvar os documentos da empresa.
- Era o mínimo que eu deveria fazer.
- Eles roubaram o quadro de–
- Eu sei.
Fiquei calado. Eu conseguia sentir uma diferença no tom em sua voz. Dentre todas as coisas de valores que ela poderia ter em sua casa, desde o quadro herdado de sua avó, até algo valioso que sua família deveria ter deixado e fora roubado, escolhera salvar minhas papeladas.
- O médico disse que terá de tirar férias.
- Consigo trabalhar–
- Não, . – a corto sério. Ela me encara. – Você irá ter suas férias. Pedi para me trazerem seu histórico e vi que nunca tirara sequer um dia de folga, senão no dia que coincidentemente caía no mesmo dia de doação de sangue para os hospitais públicos.
- Senhor , eu…
- Você irá fazer o que seu chefe mandar. – a corto. – E ele manda você tirar férias.
- Sim senhor. – ela diz contra sua própria vontade. Volta e encarar os fios.
- E você irá mudar para um lugar mais seguro, acho que é bem justo, senhorita , que passe a preservar mais a sua vida, escolhendo um lugar melhor para se viver. – não a ouço dizer nada. – Vou mandar providenciarem isso para a senhorita.
- Não é necessário, senhor , sei dar conta disso.
- Estou vendo. – aponto para seu estado, a fazendo se calar. Me sento na poltrona. – Se você quer fugir da solidão, tem de parar de expulsar as pessoas de sua vida.
- E se o senhor quer manter sua conta bancária crescendo, deveria parar de perder seu tempo com empregadas.
Aquilo me pegou de surpresa. Me mantive calado enquanto a encarava boquiaberto. Talvez as pessoas realmente me conhecessem. Ou talvez eu seja transparente com minhas ambições. Mas o que eu realmente penso é que com certeza ela sabia de tudo sobre mim. Uma secretária deveria saber os caprichos de seus chefes, afinal. Não ouvi ela se desculpando, o que sempre acontecia quando ela interpretava que suas palavras tivessem machucado. Continuamos calados. Depois de um tempo a ouvi agradecer por trazê-la ao hospital e assenti, me levantando e saindo do quarto. Deixei que ela ficasse com seus próprios pensamentos, pois eu não saberia lidar com eles, já que nem os meus eu conseguia entender no momento.
Um mês depois eu já estava com outra secretária bem treinada. Não tão boa quanto , duvidava que alguém tivesse a dedicação que aquela mulher tinha, mas melhor que Kara. Talvez o fato dela sempre fazer tudo esperando um retorno fizesse jus às suas ações, mas eu não nasci ontem.
Com relação à , eu comprei seu apartamento e contratei um designer que conseguiu deixar o ambiente bem próximo àquele que ela vivia em Chinatown. Não a recepcionei e nem tampouco entrei em contato com ela depois do dia no hospital.
A primeira vez que a vi fora na cozinha da empresa, onde ela preparava o café. Paro com as mãos em meus bolsos assim que vejo suas costas. Ela se vira, fechando a caixa dos filtros da cafeteira e eu podia ver um curativo na lateral de seu pescoço.
- Bom dia, senhor . – responde e esperou eu respondê-la, mas nada mais faço senão balançar a cabeça em concordância. Ao perceber que não iria lhe dirigir a palavra, torna a me dar as costas, voltando sua atenção ao café.
- Desde quando está de volta? – sigo até a geladeira e pego uma garrafa de água.
- Segunda. Úrsula me ligou dizendo que eu deveria voltar.
- Úrsula? – tento me lembrar se havia pedido para ela trazer de volta.
- Sim, disse que se eu ficasse mais tempo de férias, seria demitida.
- Ela disse isso? – levanto uma sobrancelha, encostando na parede oposta a onde ela estava.
- Sim senhor. Com licença, tenho que voltar a trabalhar. – ela se dirige para a porta, mas estendo meu braço direito, impedindo-a de passar.
- Eu não terminei. – falo friamente e ela me encara bem em meus olhos, interpretei como se fosse uma intimação. Ela então deu um passo para trás e bebericou sua xícara. – Por que não voltou ao seu antigo cargo?
- Úrsula disse que ela estava no cargo agora. Que o senhor a nomeou quando saí.
A encarava sério. Tecnicamente, aquilo era uma verdade. Úrsula era a secretária provisória. O que ela pareceu não entender, é que ela era a secretária provisória da secretária provisória. Mas parecia muito bem onde estava.
- E em que cargo ela lhe colocou?
- Assistência de atendimento.
Aquilo só podia ser brincadeira. Era exatamente o que se passava pela minha cabeça sem parar. A pessoa que provavelmente era a mais eficiente de toda a empresa agora trabalha num dos setores mais inferiores, onde sequer os estagiários veteranos trabalhavam. Seu salário provavelmente diminuiu em 78 por cento. Baixei meu braço, e sem dizer mais nada, ela saiu da sala. A segui, mas fui em direção ao meu escritório. Chamei por Úrsula e esta entrara em minha sala sem um bloco de notas, ação que eu percebera desde a primeira vez que a chamei. Era uma bela mulher, com seus cabelos lisos e escuros e seus olhos azuis, havia um belo quadril e sempre trajava saias de cintura alta para que ficasse bem acentuada, diferente de e suas calças sociais de risca de giz.
- Eu gostaria de saber com que frequência você transfere empregados meus para setores inferiores das que eles já estavam, senhorita Morgan. – eu me dirigia até minha cadeira e me sentava, a vendo me encarar confusa.
- Desculpe, senhor , não estou a par da situação.
- Pois vamos te deixar a par. – apoio meus braços nos braços da cadeira e encosto na mesma. – Quem mandou a senhorita trazer de volta e dá-la o trabalho de assistência de atendimento?
- O senhor. – ela responde rapidamente. Mexo minha cabeça, apertando meus lábios e entrefechando meus olhos.
- Acredito que não.
- Bom senhor, fora exatamente o que o senhor disse… Em uma das últimas vezes que nós… – e limpa a garganta.
Paro para me lembrar e a imagem não demora a aparecer em minha mente. Eu estava bêbado, infelizmente não o bastante para poder culpar o álcool de minhas ações. Havia a levado para uma festa que estava dando em sua mansão em Barbados. Obviamente eu e Úrsula dormimos juntos, e então a imagem de mim a mandando trazer de volta e diminuir o cargo dela por estar ausente demais da empresa.
Levanto uma sobrancelha.
- Saia. – cruzo meus dedos em frente aos meus lábios e a fecho rebolar para fora da sala. Fecho meus olhos e solto o ar, massageando então minhas têmporas. Pego o telefone e aperto um botão, fazendo com que Úrsula atendesse. – Chame Eiken.
Um conselheiro me cairia muito bem agora.
Capítulo 4
- Senhor , pediu para me chamar? – ouço sua voz adentrar em minha sala e o encaro, apontando com minha mão espalmada para a cadeira em minha frente e ele silenciosamente se sentou. Me levanto e coloco as mãos na cintura, andando de um lado para o outro, até decidir seguir a porta e dizer a Úrsula antes de fechá-la:
- Estou em uma reunião, não quero uma ligação até ela ter terminado. – não esperei uma resposta.
Eiken me encarava com suas sobrancelhas erguidas. Seus cabelos brancos cuidadosamente penteados. Me sento na cadeira ao seu lado:
- Você sabe sobre todos os funcionários desta empresa. – junto minhas mãos. – O que sabe sobre ?
- Senhorita ? – ele demonstra surpresa. Concordo. – Senhor …
- Ela está mexendo com a minha vida, quero saber com o que estou lidando. – invento uma desculpa qualquer.
Ele me olha um pouco desconfiado e eu tenho certeza de que ele não engoliu minha história, mas essa não era minha preocupação do momento.
- Tudo o que sei é que ela é uma ótima secretária. Se mantém no mesmo cargo desde que entrou na empresa e senhorita Kara não tinha coragem de dispensá-la por ela ser organizada demais, o que a ajudava. Nunca trabalhou em nenhuma outra grande empresa antes, mas mantém um currículo muito bom desde que ingressara aqui. Não sei o que deu em você, senhor , para colocá-la como assistente de atendimento, mas parece que alguns clientes viram o causo e estão tentando tirá-la daqui.
- Como assim? – me endireito.
- Por exemplo, Michael Trotter, da Golden Bank quer que ela seja sua assistente pessoal, oferecendo o dobro do seu salário quando ela estava no cargo de secretária provisória. Já Bill Martins quer que ela cuide da empresa da Alemanha, lhe oferecendo moradia e também o dobro de seu salário anterior. Andrew Genes a quer como diretora de negócios. Gostaria que eu continue?
- Ela demonstrou interesse em algum?
- Senhor , há algum problema…
- Apenas responda, por favor. – digo sério e ele respirou fundo, piscando lentamente os olhos e dizendo:
- Tem uma entrevista no sábado com Trotter.
- Sábado? Ela trabalha sábado.
- Não mais. – ele me lembra. – Agora o horário dela é das nove e meia da manhã às seis e meia da tarde, de segunda a sexta.
Me levanto um tanto nervoso. Eu havia acabado com a única coisa que a prendia à empresa. Lembro-me do que ela disse sobre pensar demais no tempo livre. O tempo livre não estava me ajudando.
- O senhor gostaria…
- Não, não. É só. – respondo avoado e não o vi sair da sala. Olho no relógio, 7 da noite. Pego meu celular e passo por Úrsula.
- Já vai, senhor?
- Peça meu carro. – me limito a dizer e lhe dou as costas, caminhando rapidamente até o elevador da empresa. Funcionários davam meia volta para não encontrarem comigo, principalmente aqueles que viam minha séria expressão. Os que já estavam dentro do elevador rapidamente saem dele, me deixando sozinho. Aperto o subsolo e demoro mais um minuto e meio para chegar ao andar. Assim que saio, minha Cayene está estacionada em frente ao elevador, o manobrista abre a porta para mim e enquanto fecha, eu terminava de colocar o cinto. Acelero para fora do estacionamento e sigo em direção ao centro, não muito longe do prédio.
O prédio era residencial e meu. Havia investido nele para que pudesse ser levantado. Comprei as ações da terra e do céu acima deles, para que não pudessem mais construir nada acima sem minha permissão. Sem me identificar, pego o elevador até o décimo andar. O elevador para, como se estivesse sido parado pelo botão de emergência. Me esqueço que eles travavam no andar e os condôminos deveriam digitar suas senhas para que a porta se abrisse. Pego o interfone e peço para o porteiro interfonar para , que não demora a atender.
- Abra a porta. – ordeno e pouco tempo depois, lá está ela do outro lado da porta do elevador, com um short e uma blusa regata, com seus cabelos muito úmidos e uma toalha da cor creme em mãos. Sua expressão surpresa. Dou um passo, a fazendo recuar o mesmo tanto.
- Não vá na entrevista de Trotter. – digo sem tomar conta de minhas palavras. Ela muda sua expressão para uma entre confusa e desconfiada.
- Como?
- Sua entrevista com Michael Trotter no sábado. – explico. – Não vá.
Ela ficara mais um tempo sem nada dizer, até abrir a boca novamente:
- Não sei como sabe…
- Eu sei de tudo, . Não vá nessa entrevista.
- E por que eu deveria faltar? – ela cruza os braços e eu fora pego de surpresa. Fecho os olhos e bufo, tentando arranjar alguma maneira de demonstrar minha situação. Lhe dou as costas, volto a encará-la, dou um leve soco no batente do elevador e massageio minha testa com minha mão fechada em um punho. – Senhor …
- Eu não quis te tirar de seu cargo! Na verdade, eu sequer queria que saísse de férias! – digo em um impulso, fazendo-a se assustar. Aperto meus lábios e completo a afeição com uma careta, mas mantenho minha atitude de contar. – Não há ninguém mais eficiente que você dentro da empresa e eu estava alterado quando mandei Úrsula tirá-la de seu cargo. Eu queria que ela saísse do cargo. Não você.
- Senhor , não precisa se justificar…
- Se eu não me justificar, você irá aquela entrevista. – a encaro finalmente em seus olhos e ela parecia ter visto algo lá, pois recuou alguns poucos passos, fazendo com que eu desviasse os olhos dela. – Nenhum cargo é bom o suficiente para você e o único que acho que você estaria satisfeita, é aquele que você recusou. Mas não quero saber que a perdi para uma empresa rival. Me sentiria o ser mais tolo do mundo. Eu sei do seu potencial, . E conviver com você aqueles dois meses me fez pensar menos em meus lucros e mais em minhas ações. – caminhava de um lado para o outro, como se estivesse em minha sala, nervoso com alguma queda na bolsa de valores. – Eu queria era mais provar para você que eu não era o cara que você idealizou. O cara que só pensa em dinheiro e bens materiais, independente de qualquer outro sentimento existente. Eu tenho sentimentos.
Ela se manteve calada todo o tempo, me olhando surpresa e sem falas. Abria a boca para dizer algo, mas rapidamente a fechava. Aguardo por algum sinal de que ela iria lhe dirigir à palavra. Mas nada disse.
- Não faça aquela entrevista. – digo pela última vez. Ela balança a cabeça de modo que parecia que estava tentando espantar algo.
- Senhor , com todo respeito, eu nunca quis que o senhor pensasse que tenho uma má percepção do senhor. O admiro muito mais do que qualquer outra pessoa no mundo. Mas nada justifica o fato de o senhor ter me rebaixado ao meu cargo, acho injusto vir até minha casa pedir para que eu não procure uma maneira melhor de lidar com minha vida.
- Não foi por querer. – falo passando a mão no rosto.
- Mesmo assim…
- Eu estava pensando demais em você! – a corto, aborrecido. – É a única coisa que ando fazendo. Correndo atrás de alguma aceitação sua! Você se fecha e tudo o que eu quero é descobri-la. É como um maldito imã! Está fora de meu controle! Se você quer que eu haja corretamente com você, então pare de me fazer querer provar algo para você!
Ela me encarava surpresa e ao perceber, eu estava a prensando na parede, meu rosto vermelho e minha respiração acelerada. Ela me olhava assustada e apertando suas toalhas entre suas mãos. Encosto minha testa na sua.
- Eu não quero me apaixonar… – sussurro.
- Não estou…
- Não fale nada. – murmuro. – Você só irá me atiçar ainda mais.
- Senhor …
- Eu não sou seu senhor. – falo em desdém. – Não mais. – A sinto se remexer em desconforto em minha frente e então, um tempo depois, seus dedos se entrelaçarem aos meus.
- Pare de se achar o dono do mundo. – apesar de a frase em si ser ofensiva, o tom de voz que ela usou demonstrou que ela não estava querendo me atacar, mas sim a formulara em forma de um pedido. – Por favor.
Senti o cheiro cítrico de seus cabelos ainda úmidos. Agora que estava mais calmo, podia sentir sua pele exalar um cheiro doce em contraste com o dos cabelos. Eu encarava nossos pés, os dela tão pequenos comparados aos meus. Baixei meu rosto e depositei um beijo em sua bochecha, ao seguir para o outro lado, vi que ela fechara seus olhos e senti que ela agora apertava a barra de meu terno. Beijei o outro lado. Aproximei meus beijos do canto de sua boca e pude sentir o odor e breve gosto da pasta de dente de menta. Seus lábios capturaram os meus e fora como se eu nunca tivesse feito isso em minha vida.
Suas mãos apertavam meus braços e caminhavam lentamente para meus ombros agora relaxados. Ao mesmo tempo eu enlaçava sua fina cintura em meus braços e a puxava para ainda mais perto de mim. Em seguida, suas mãos bagunçavam meus cabelos e eu acariciava o pedaço descoberto de sua cintura. Nossas línguas dançavam. Não sei quanto tempo ficamos assim, mas fora tempo o suficiente para eu voltar a mim mesmo. Voltei a mim e não recuei. Mantive o beijo acontecendo. Pela primeira vez em anos, ou talvez eu possa arriscar dizer ser a primeira vez em minha vida, eu senti o que dizem se sentir nos filmes. O coração pulsava em diversas partes do corpo agora, mas a sede, bem no lado esquerdo do peito, lá ele estava prestes a saltar para fora. Lentamente fomos desfazendo o beijo, passando a pequenos estalos, a respiração descompassada. Abro meus olhos, vendo-a com a cabeça para baixo, encarávamos nossos pés.
Ela demorou um pouco para levantar seu rosto, pude ver suas bochechas coradas e seus lábios inchados. Tinha uma expressão de culpa e receio. Ao abrir a boca, a cortei antes que me enervasse com suas palavras:
- Não se desculpe.
Ela pareceu um tanto atordoada com minha reação e tornou a separar os lábios, mas mais uma vez eu fui mais rápido:
- Eu estou apaixonado por você.
Era como o sol em um dia de verão com o vento refrescante do outono, o céu muito azul e limpo do inverno e o cenário florido da primavera. Infelizmente, todo meu poder era limitado a bens materiais na Terra, não a eventos naturais do mundo. Mas se tivesse, talvez seria dessa maneira que descreveria o dia de hoje.
- Gostaria de segurá-lo? – ouço, saindo de meu transe. Encaro a enfermeira, que estava em meu lado no berçário do hospital particular da cidade, onde estava internada para dar a luz ao nosso filho.
- Posso? – olho para ela ansioso e recebo um calmo sorriso.
- Me siga. – ela se dirige a uma porta no lado direito do enorme vidro que mostrava diversos bebês se mexendo ou dormindo. Me pede para colocar um avental e uma touca. Ao entrar no lado oposto de onde eu estava há alguns minutos, posso sentir o cheiro de recém-nascido banhado e perfumado. Era agradável e produzia um efeito calmante no espírito. Ela pega o pequeno ser que era do tamanho de meu antebraço. Sorrio com todos meus dentes, vendo William se mexer em meus braços.
O que antes eu me perguntava como as pessoas eram capazes de identificar a quem o bebê puxara, sendo que todos eram muito parecidos uns com os outros e não parecidos com ninguém da família, agora eu podia dizer que ele era a cara de meu pai. William era Hugo escrito. dissera durante a gestação que o primeiro filho quando homem normalmente puxava à mãe. Ela ficaria bastante desapontada em ver que não era verdade.
Havíamos nos casados assim que descobrimos a gravidez de , há quase nove meses atrás. Ela engravidara dois meses e meio depois de nosso primeiro beijo. Com a gravidez, veio o casamento. Com o casamento, veio a família. E com a família, veio os gastos.
Pela primeira vez em minha vida, eu gastara meu dinheiro sem pensar no verde sendo retirado de meu cofre no banco central de Nova Iorque. Comprei uma nova casa, mobiliamos da maneira que gostava. Criamos juntos o quarto de William e contratei diversas empresas de segurança e empregadas domésticas para fazer com que não se esforçasse nunca. Ela agora tinha um cartão de crédito sem limites em seu nome, que tinha conexão direta com minha conta principal e passei a trabalhar das dez da manhã, às cinco da tarde e em casa nos finais de semana, coisa que se extinguiria agora que Will chegara ao mundo.
Minha mulher estava sendo tratada como uma dama. Ou como a mulher do cara mais poderoso do mundo. Seu problema com a solidão havia sido resolvido, portanto, não havia motivos para ela voltar ao seu trabalho. Seu único trabalho agora era cuidar de mim e nosso filho. O que posso dizer ser um grande trabalho para um bebê que gosta do carinho da mãe e um marido que gosta de sua atenção.
O que ela não sabe ainda, e provavelmente não saberá até se dar conta por si própria, é que a única pessoa no mundo a quem respeito e tenho alguma consideração e preocupação, além de forte sentimento, era ela. E enquanto isso se manter em mim, nossa vida seguirá como está agora.
Posso dizer que nosso ‘felizes para sempre’ está muito bem garantido pela única pessoa que um dia me disse que meu maior problema era minha ambição.
Fim
Nota: Respect é uma das minhas fanfics que não canso de reler, espero que tenham gostado!
Não deixem de ler a segunda parte!
QUE FIC MARAVILHOSAAAAAA! AMEI DE VERDADE <3
Comentário originalmente postado em 26 de Junho de 2016