Red Light
Growl
Dizem que sua vida passa diante dos seus olhos poucos segundos antes de sua morte. No meu caso, minha vida passou diante de mim quando fiquei frente a frente com um lobo feroz. Contudo, o mais curioso é que eu vi algo que nunca tinha visto, mas parecia bem real para mim.
Perm, Rússia
Primavera, 2016
Estava chovendo do lado de fora, nem parecia que era início de primavera. O lado bom foi ver a empolgação das crianças naquele primeiro dia de aula. O lado ruim? Passar horas após o horário de aula organizando meu diário letivo. Confesso que ser organizada nunca foi meu forte, mas no recesso do inverno eu me superei bastante, tanto que nem mesmo a lista de presença dos alunos sabia onde estava. Um péssimo exemplo para uma professora de literatura. Quando finalmente terminei de organizar as planilhas no computador da sala dos professores, segui para o estacionamento. Meu carro era o único no pátio.
Me despedi do zelador que aguardava pacientemente, coloquei minha inseparável capa vermelha, enfrentei a forte chuva e corri até o carro, entrando o mais rápido possível. Conferi a hora no celular. Já se passavam das 10 da noite. Como o tempo pode passar tão rápido assim? Liguei o carro e segui pela rodovia secundária. Essa era a parte negativa de morar alguns quilômetros longe da cidade, próximo ao bosque local. Não que reclamasse sobre isso, sendo uma propriedade de família por gerações estava grata por não precisar pagar aluguel ou algo assim.
— Essa estrada está ficando cada vez mais perigosa em dia de chuva — sussurrei ao sentir uma breve derrapagem dos pneus.
No mesmo instante algo pesado e grande bateu na frente do meu carro, me fazendo frear bruscamente. Me peguei ofegante com o choque de adrenalina. Desliguei o motor, ajeitei minha capa vermelha em meu corpo e saí do carro. Não me importava com a chuva, somente precisava saber o que, ou quem, eu tinha possivelmente atropelado. Assim que dei a volta, me deparei com um lobo branco caído ao chão, ensanguentado.
— Oh, céus — sussurrei ao me abaixar para ver se estava morto. — Eu matei um lobo.
Logo um uivo forte soou atrás do carro, me assustando. Desequilibrei o corpo ao tentar me levantar e, tropeçando no lobo estirado, caí de bunda no chão. Em instantes, outro lobo negro saiu de trás do meu carro, se aproximando. Eu fui me afastando de ré, sentindo todo o meu corpo tremer de pavor pela situação. Quanto mais o lobo negro se aproximava de mim, mais sentia meu coração acelerar, até que meu corpo paralisou de vez e o lobo que me encarava chegou bem perto do meu rosto, enquanto rosnava para mim.
— Por favor… — Sussurrei, já sentindo algumas lágrimas de medo rolarem por meu rosto, se misturando às gotas de chuva. — Por favor…
Em um piscar de olhos, senti que ele me atacaria. Entretanto, o mesmo foi arrastado para trás por ninguém menos que o lobo branco. Ele não estava morto? Presenciei uma cena épica de briga de lobos, algo que nunca imaginei presenciar antes. Em um momento, o lobo branco se colocou em minha frente, rosnando o inimigo, como se mostrasse estar me defendendo de um ataque do lobo negro.
Barulhos fortes e altos de trovões se tornaram a trilha sonora daquela briga, comigo ali vendo ambos sem conseguir me mover de medo.
A sombra escura desperta em mim
Fogos de artifício explodem em meus olhos
Todo mundo se afasta do seu lado
Porque eu estou ficando um pouco mais feroz.
Growl – EXO
Wolf
O som de um trovão foi o suficiente para que eu acordasse assustada. Olhei em minha volta e estava no meu quarto. Tudo que eu me lembrava era da fúria entre os lobos debaixo da chuva na estrada. Mas como eu havia retornado para casa? Soltei um suspiro cansado e me levantei da cama. Olhei para a janela e ainda chovia do lado de fora. Me espreguicei de leve e segui até o banheiro, tomei uma ducha quente para aquecer o corpo, coloquei uma roupa quente e saí do quarto.
Passando pelo corredor, enquanto conferia as coisas dentro da bolsa, me lembrei da reunião de professores que teria nessa tarde. Aguentar o diretor Igor Smirnov falando três horas seguidas seria uma tortura.
Ao chegar na cozinha, coloquei a bolsa em cima da bancada e abri a geladeira, peguei a caixa de leite e despejei um pouco do líquido no copo, então tomei algumas goladas, mesmo estando gelado.
Assim que sai da minha casa, notei algo estranho. Meu carro não estava estacionado em frente à varanda. Com a chuva intensa, como eu poderia ir para a escola trabalhar? Foi então que avistei o reboque seguindo em direção a casa, o que me deixou intrigada ao ver meu carro sendo arrastado.
— Bom dia, professora — disse Oswald ao sair correndo do carro, vindo ao meu encontro. — Que bom que a peguei em casa.
— Oswald? O quê… Onde encontrou meu carro? — Perguntei a ele, confusa pela situação.
— Ele estava na estrada. Ligaram para a delegacia denunciando um veículo abandonado e, quando cheguei lá com o delegado, descobrimos que era seu carro — explicou ele, rindo baixo. — Aconteceu alguma coisa? Porque as chaves estavam na ignição e o tanque cheio de gasolina.
— Para ser honesta, nem eu sei — disse a ele.
— Bem, o delegado Gregori pediu para que passasse na delegacia mais tarde para prestar esclarecimentos — avisou ele. — Ele achou melhor que eu lhe entregasse, já que mora meio distante do centro da cidade.
— Agradeço, Oswald — sorri de leve para ele e movi meu olhar para o leste.
Por um instante senti que estava sendo observada por alguém, porém a única coisa que vi foram as árvores do bosque balançarem pelo vento que seguia forte juntamente com a chuva. Oswald voltou para seu guincho e retirou as correntes presas ao meu carro e, após um aceno breve, seguiu pela estrada.
— Que loucura… Como eu cheguei em casa? O que aconteceu com aqueles lobos? — Sussurrei para mim.
Quanto mais eu indagava, mais confusa eu me sentia com tudo o que acontecia. Corri até o carro e entrei nele, segui para a escola e me deparei com um cartaz de recesso das aulas. Com o tempo incerto cheio de tempestades, era bom mesmo deixar as crianças em casa. Logo notei um rosto desconhecido na porta de entrada da escola; era uma garotinha com o olhar desapontado para o cartaz.
— Olá — disse ao me aproximar dela. — O que faz aqui? Não tem aula.
— Hoje é meu primeiro dia — a garota voltou o olhar para mim. — Não sabia que a escola estava fechada.
— Ah… Pois é, parece que somente os professores foram convocados hoje — disse a ela, voltando o olhar para o cartaz. — Seus pais a trouxeram? Eles não viram esse cartaz?
— Não tenho pais — respondeu ela.
— Hm? — A olhei assustada. — Como assim? Quem a trouxe?
— Eu vim sozinha — respondeu ela, como se fosse algo normal.
— No meio dessa tempestade? — Aquilo me deixou preocupada.
— Eu gosto de tempestades — ela sorriu de leve. — E meus irmãos não tinham tempo de me trazer.
— Seus irmãos? Então você tem uma família — constatei.
— Sim. Você é a professora? — Ela tombou a cabeça, me olhando de baixo para cima, um tanto discreta.
— Sim, sou — eu respirei fundo. — Me conte, seus irmãos não se importam que você enfrente essa chuva forte para chegar à escola? Você tem o quê, uns dez anos?
— 11 anos, para ser exata — corrigiu ela.
— Então… — indaguei.
— Eles confiam em mim — ela sorriu de leve.
— Bem, não teremos aula hoje, mas se quiser eu posso te levar em casa — me ofereci.
Não importava se seus irmão confiavam ou não nela, o fato é que era uma falta de responsabilidade deixar uma criança andar na chuva desprotegida. Eu estava revoltada com aquilo.
— Não precisa, posso voltar caminhando — disse ela ao ajeitar a mochila nas costas.
— Eu insisto — disse com firmeza. Assim, teria oportunidade de chamar a atenção dos seus irmãos.
— Tudo bem, então — a menina pareceu um pouco tímida por aquilo, mas aceitou.
Eu pedi que ela me aguardasse por um tempo, assim corri até a secretaria e comuniquei que me atrasaria por levar uma aluna para casa. Quando voltei, a menina não estava mais na porta. Soltei um suspiro irritado e corri novamente até meu carro, então dei a partida para tentar encontrá-la. Não demorou muito até que a avistei na estrada, o que me impressionou por ela andar com rapidez.
— Eu disse que te levaria — gritei ao parar o carro ao seu lado.
— Desculpe, não queria incomodar — ela me lançou um olhar fofo, que nem tinha como eu brigar com ela.
Assenti e abri a porta do passageiro para que ela entrasse. Segui com o carro pela estrada com ela me guiando. Notei que era basicamente o mesmo caminho que eu pegava para ir para casa, e que a casa onde moravam também era praticamente no bosque principal da cidade. Era maior e mais moderna que a minha casa de madeira estilo das montanhas – a dela tinha paredes de vidro que pareciam contribuir com a claridade e o aproveitamento do sol, além de moderna com um estilo misturando industrial, minimalista e escandinavo.
Estacionei em frente a porta de entrada e a olhei.
— Você quer entrar? — Perguntou ela, retirando o cinto de segurança.
— Ah, não, não quero incomodar — sorri de leve, mas por dentro recheada de vontade de conhecer seus irmãos irresponsáveis.
— Tem certeza? Só um pouquinho, assim posso te apresentar meus irmãos — insistiu ela, com o olhar mimoso.
— Tudo bem. Só não posso demorar, pois voltarei a escola — assenti.
Ela abriu um largo sorriso e saiu do carro. Assim que passamos pela porta, me deparei com tudo o que imaginei ao vê-la pelo lado de fora e um pouco mais. A casa era muito bem organizada e limpa, tinha um delicado aroma de flores do campo que exalava pelo lugar e a vista da floresta era sensacional.
— Irmãos? Cheguei! — Disse a criança, elevando um pouco mais a voz. — Irmãos?
Ela saiu entrando pelos cômodos da casa enquanto eu permaneci próxima à porta de entrada, apenas a observando. Logo ela passou por mim novamente e subiu as escadas chamando por eles, sem nenhum sinal de resposta. Ao retornar para o hall de entrada da casa, onde permaneci, ela sorriu sem graça e me perguntou se eu estava com fome.
Neguei inicialmente, mas só tinha tomado um copo de leite e nem sabia qual tinha sido minha última refeição. Não era nem para estar ali com ela, porém aceitei seu convite e seguimos para a cozinha. Ela abriu os armários e olhou confusa para mim, então eu, rindo um pouco, me aproximei para ajudá-la a preparar o café da manhã. O tradicional café da manhã americano: ovos mexidos com bacon, torradas e suco de laranja, algo incomum de se ver na Rússia.
— Estou impressionada — disse a ela assim que descobri que sua família era mesmo americana, como presumi. — E por que seus irmãos decidiram se mudar para a Rússia?
— Não sei, acho que está relacionado ao trabalho deles — respondeu ela, saboreando a torrada cheia de geleia de morango. — Está muito gostoso.
— Não podemos deixá-la sozinha por um instante que convida estranhos para nossa casa, Molly? — Uma voz grossa, de traços rudes, soou ao nosso lado, fazendo meu corpo gelar.
— , — ela voltou o olhar para a direção da porta. — Vocês voltaram.
— Me desculpem por entrar na casa de vocês — disse ao me levantar da banqueta e olhar para a mesma direção.
Minha mente parou ao ver dois homens diante de mim, vestidos formalmente com ternos, deixando transparecer uma parte mais despojada com o all star nos pés. Um com o olhar sério e enigmático, o olhou com o olhar sereno e curioso. Entretanto, nenhum dos dois estavam surpresos em me ver.
— Perdoe por meu irmão ser tão ríspido — o homem de olhar sereno se aproximou mais. — Não estamos acostumados com visitas inesperadas.
— Para ser sincera, não sou uma visita, apenas vim trazer a irmã de vocês que estava sozinha debaixo da chuva na porta da escola — mantive-me firme diante deles. — Para ser honesta, acho que não deveriam deixá-la enfrentar uma tempestade sozinha, acidentes podem acontecer.
— Como na noite passada? — O irmão de olhar sério colocou as mãos nos bolsos da calça, deixando seu olhar mais intenso e analítico para mim.
— O quê? — Logo a imagem dos lobos voltaram à minha mente.
Um olhou para o outro, com olhar de repreensão, o que me deixou intrigada.
— Agradecemos sua preocupação com nossa irmã, e saiba que seremos mais cuidadosos com a Molly — o outro sorriu. — Podemos saber seu nome, professora?
— Ivanov — respondi. — E o de vocês?
— Pode me chamar de — ele esticou a mão em cumprimento. — E este é meu irmão .
Eu apertei sua mão e logo senti algo estranho em mim. Meu corpo arrepiou de leve e, olhando novamente para os dois irmãos, a cena dos lobos voltou com mais clareza e nitidez em minha mente.
Havia algo no olhar deles que se assemelhava ao olhar daqueles lobos para mim.
Algo que me paralisou e fez meu coração acelerar ainda mais.
Hey, não perturbe-me,
Diga-me que ela é a presa e pare de ser tão sensível,
Hey, com um novo e diferente estilo,
Pegarei-te antes da lua cheia surgir.
Wolf – EXO
“Encontros: O que não causa sua morte, te deixa mais forte.”
By: Pâms
Fim
Subscribe
Login
0 Comentários